r$ 10,00 nº 126 www.revistaideias.com.br
abril 2012
ano viii
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p o L Í T I C a , e C o n o m I a & C u LT u r a d o pa r a n á
a dama das Sapatadas Joice haSSelmaNN Solta o verbo
o rato Que ruge
ratinho Junior diz que é candidato e não abre
o haiti eStá aQui
curitiba recebe haitianos
JuSSara voSS em itapoá
um atraente refúgio no litoral
iSabela FraNça
em sociedade tudo se sabe
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Índice SEÇÕES
COLUNISTAS
editorial 05
Fábio campana 14 nossas perdas
curtas 06
Luiz Fernando Pereira 19 Gabardo, Fukuyama e o mal compreendido fim da história
Frases 07 Gente Fina 08
rubens campana 31 rocky marciano e a direita
ensaio Fotográfico 52 Prateleira 62
Luiz Geraldo mazza 37 aventuras de fotógrafos
isabela França 74
andrea Greca Krueger e Paula abbas 41 Suave é o poder...
cartas/expediente 80 Pryscila vieira 82
NESTA EDIÇÃO
antonio augusto Figueiredo Basto 47 Baile de máscaras
20 roBerTo STucKerT FiLho/Pr
o rato que ruge 16 “vem cá, meu bem.” 20 a Dama das Sapatadas 24 Fábio campana o estuprador sob proteção da lei 30 o haiti está aqui 32 marianna camargo
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carlos alberto Pessôa 48 com vocês o melhor estilo oral da literatura paranaense ernani Buchmann 58 o ano em que morei na praça marcio renato dos Santos 59 é fácil izabel campana 61 alegrias de infância
Tarja preta na cabeça 38 marianna camargo
marianna camargo 64 vazio inexorável
o horror mora ao seu lado 44
Jussara voss 66 um atraente refúgio em itapoá
maniqueus cegos 46
Luiz carlos zanoni 68 alsácia, meu amor
aos cem anos, a universidade traída 49
almir Feijó 70 o cara
você precisa ser louco 50 renan machado
renan machado 71 o filho exemplar
Leila alberti 65
ana Figueiredo 72 virado
32
João Le SenechaL
Solda 73 estas palavras claudia Wasilewski 78 chega de skinheads
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editorial F C
O
s protagonistas daquilo que em Stratford-upon-Avon seria chamado de uma comédia de equívocos, comportam-se com notável desfaçatez nos últimos tempos. Deixaram as pendengas e suas soluções para depois da Páscoa. A Nação que aguarde. Dilma Rousseff viajou para a Índia, Michel Temer foi à CoreWWia, assumiu a Presidência da República Marco Maia, do PT gaúcho, presidente da Câmara. Demóstenes Torres, o campeão do moralismo chinfrim escafedeu-se para não falar sobre as denúncias que o vinculam a um empresário que controla o jogo em Goiás. Ora, pois, um promotor de Justiça afirma que crime em licitação compensa. Essa é a opinião do promotor Marcelo Batlouni Mendroni, responsável pela denúncia contra os 14 executivos ligados a empreiteiras. Segundo ele, a pena é tão “excessivamente baixa” que o fraudador pode ser condenado (se for pego) ao pagamento de apenas uma multa. Essa é a maioria das penas aplicadas para esse crime. Pois, pois, ao contrário do que dizia Tiririca, pior do que está fica, e como fica. Até porque muito pouco mudou na terra do patrimonialismo mais descarado. Bem, por aqui nada ou muito pouco muda na política desde o descobrimento. O príncipe de Salina anuiria, entre grave e surpreso, p-ela eficácia de praticantes tropicais da fórmula siciliana. Mudou-se alguma coisa para não mudar coisa alguma. Mais uma vez deu certo, observaria Salina. Os bravos do PMDB de antes de ontem foram tucanos liberais ontem e agora são petistas. Continuam a mandar, até com vantagens. Não precisam dar explicações sobre o insucesso do presidente da República, como na época de José Sarney, que ostentou o emblema do partido ao tempo que levou a inflação à estratosfera. Vexame. Melhor assim para esses graúdos senhores de consistência pneumática. Não afundam nunca. Passam por turbulências. Trocam peças no tabuleiro. Mas tudo continua como dantes. Alegremente dão uma de democratas. Apresentam-se como salvadores da pátria na suposição de que a pátria não percebe o logro. Em bloco oferecem seus préstimos a presidente Dilma Rousseff, mas pedem em troca ministérios, cargos, verbas, sinecuras, prebendas e coisas tais na condição de principal sustentação do governo na base de apoio alugada. Neste governo de Dilma Rousseff a guerra intestina é incontrolável. Derrubou uma penca de ministros. Todas as denúncias saíram de dentro e ganharam o grande público nas páginas
da imprensa articulada com grupos que se digladiam e só não traem enquanto respiram. O jogo da conciliação tem regras muito especiais. Embora antigo, nem sempre é claramente percebido por quem não participa dele. Assim, por exemplo, figuras do ministério reformado, que convivem amavelmente com o ex José Dirceu, gostariam de tê-lo agora ao seu lado, enquanto outros preferem que fique o mais longe possível. Talvez a hora da conciliação ainda não tenha soado nos porões da base de apoio alugada. Mas Dilma terá que ceder, ou não governo, como já foi alertada pelo ex-presidente Fernando Collor, que caiu com um impeachment porque não se acertou com os congressistas da época. Haja engov.
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Curtas WaLDemir BarreTo
Encontraram o Collor
O ex-presidente Fernando Collor de Mello, hoje senador, foi fi nalmente citado em processo. Depois de quase quatro anos, ele se deixou encontrar no Senado para ser citado judicialmente no processo de pensão alimentícia movido por Rosane Collor. Bem ao seu estilo, não moveu um músculo ao receber a citação. Collor terá que pagar os atrasados — uma bolada de R$ 270 mil. Collor, claro, ainda pode usar os advogados para protelar a decisão.
VIDA DUPLA carina vendramini, 25 anos, loira, atendente de telemarketing, casada, mãe de uma filha, mora em curitiba. até aí, a vida de carina é idêntica à de milhares de mulheres de sua idade. mas ela tinha outra vida, está bem mais aventurosa. carina era uma das integrantes da “Gangue das loiras”, uma quadrilha que fez mais de 50 seqüestros nos últimos cinco anos em São Paulo. antes, a especialidade era outra, assaltos. agora carina está presa. ao delegado ela jurou que o marido nada sabia de sua vida no crime. Da família, diz ela, só a irmã vanessa, que a acompanhava, sabia de tudo. além das duas. Wagner de oliveira Gonçalves, o líder, e sua mulher, monique ahoki casiota, a única morena do grupo. Segundo depoimento de vítimas, os dois se chamavam de ‘Bonnie’ e ‘clyde’ durante as ações. Franciely aparecida P. dos Santos, Priscila amaral e Silmara Lan eram as outras loiras do bando.
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REQUIÃO PERDE MAIS UMA
Má gestão
Requião perdeu mais uma para seu adversário figadal. A sentença proferida pela Juíza de Direito Substituta da 4ª Vara Cível de Curitiba, Drª Julia Maria Tesseroli de Paula Rezende, condenou-o ao pagamento de uma indenização por danos morais em favor de Lerner no valor de R$ 30.000,00, acrescidos da correção monetária e juros de mora à taxa de 1%, desde o dia 9 de fevereiro de 2012. Mais 15% em favor do advogado de Jaime Lerner, o competente José Cid Campêlo Filho.
Municípios brasileiros estão longe de ter boa administração de suas fi nanças e padecem com problemas como baixo nível de investimentos, pequena arrecadação própria, dívidas roladas de um ano para o outro e elevados gastos com funcionários. Somados, esses entraves fazem com que apenas 2% das cidades (95, em número absoluto) tenham uma gestão fiscal de “excelência” e outros 11,4% sejam consideradas com “boa” nota. Na outra ponta, 64% dos municípios receberam uma classificação “difícil” ou “crítica”, segundo o Índice Firjan de Gestão Fiscal 2010, divulgado pela primeira vez. O índice também pouco avançou: subiu 1,9% de 2006 a 2010 – segundo ano de cada administração municipal.
João do Suco
Dinheiro voa
O vereador tucano João do Suco teve 25 votos contra 11 de Paulo Salamuni para substituir João Claudio Derosso. Alguém, em sã consciência, esperava outro resultado?
A Locanty, flagrada pelo “Fantástico”, da TV Globo, numa operação de assalto aos cofres públicos, tem um jatinho Gulfstream G-IV, brinquedo de uns US$ 30 milhões. A matrícula é PPWJB. Pura coincidência. O carro que Thor, fi lho de Eike Batista, dirigia ao atropelar um ciclista, Mercedes SLR McLaren, coisa só para ricos, teria sido comprado do dono da Locanty.
O SENADO É UMA MÃE
O moralista flagrado
Fugindo a seu estilo, o senador Demóstenes Torres, de Goiás, líder do DEM no Senado, foi flagrado em estreitas relações com o contraventor Carlinhos Cachoeira, acusado pelo Ministério Público, entre outras coisas, de formação de quadrilha para manter negócios ilegais. Cachoeira foi recentemente condenado à cadeia em outro processo. Demóstenes, até há pouco palmatória do mundo e baluarte da oposição, está numa encruzilhada: ou dá explicações extremamente convincentes sobre a relação entre um homem da lei — ele é promotor de Justiça de carreira — com um violador da lei que seguidamente lhe presta favores, ou não apenas seu papel crucial na oposição vai-se evaporar, como sua própria carreira política marcha para o cadafalso.
Pastor cria igreja para homossexuais O Rio Grande do Sul terá a primeira igreja voltada ao público gay. Homossexual assumido, o pastor Anderson Zambom criou a Igreja Cidade de Refúgio de Porto Alegre, vinculada a uma comunidade nacional que tem como objetivo pregar a palavra de Deus sem preconceitos quanto à orientação sexual. “Haverá cultos de ensino bíblico para mostrar às pessoas que Deus não é aquele monstro que as igrejas pregam”, disse o pastor, que atuará junto com a pastora Vanessa Pereira, de 27 anos. “Quem impôs a condição de pecado foi o homem e não Deus, porque em nenhum momento a Bíblia condena o homossexualismo. O que há é algumas traduções errôneas e o entendimento errado e manipulado da Palavra”, acrescentou.
é papel do Senado distribuir computadores para as câmaras de vereadores país afora? acreditem, por meio do Projeto interlegis, mil computadores e outras tantas impressoras estão chegando agora às câmaras. o interlegis ia ser extinto na reforma administrativa do Senado, conforme texto do relator, Benedito de Lyra. na última hora, romero Jucá apresentou uma emenda e o interlegis não só permaneceu firme e forte como ganhou mais 33 cargos comissionados — aqueles de livre nomeação pelos senadores.
Frases “Não há crise (política) nenhuma. Perder ou ganhar votações faz parte do processo democrático e deve ser respeitado.” dilma rousseff. Presidente, sobre o confronto entre o governo e a base aliada.
“Isso está superado. Está tudo ótimo. Está tudo bem. As coisas estão numa dinâmica muito normal.”
“Código florestal destruidor da natureza, bebidas em estádios, rebeldia fisiológica. Parecemos uma república bananeira?”
Gilberto Carvalho, secretário-geral da Presidência da República, no dia em que a base aliada contrariou o governo em votações no Congresso.
roberto requião, senador, do PMDB.
“Foi bem chato quando liguei pra ele, foi como falar com o cara de quem você tirou a namorada.” bruno senna, piloto da Williams, que entrou na equipe na vaga deixada por Rubens Barrichello.
“Prefiro que meus filhos fumem maconha do que bebam.” susan sarandon, atriz americana.
“O que é ser mulherengo? Se é gostar muito de mulher, talvez eu seja mulherengo então, porque gosto bastante de mulher.” rodrigo santoro, ator, que estrela o filme Heleno, sobre o craque polêmico do Botafogo.
“Os meios de comunicação da direita estão chegando a um perigoso desespero.” hugo Chávez, ao tentar justificar a censura imposta a informações sobre a péssima qualidade da água que abastece Caracas e outros três Estados.
“O político no Brasil é muito mal remunerado.” Frase do senador Ivo Cassol, do PP, de Rondônia.
“Se você comparecer a um galpão de escola de samba, você aposta que não vai ter desfile nenhum, mas, quando é no dia do desfile, a escola está lá, bonita, pontual, organizada.” aldo rebelo, ministro do Esporte, sobre o atraso nas obras da Copa do Mundo.
“Eu assinei um papelzinho. Não era nada…” José serra, candidato a prefeito de São Paulo, referindo-se ao papel que assinou em 2004 dizendo que se eleito prefeito da cidade cumpriria o mandato até o fim, compromisso que rompeu para se candidatar ao Governo do Estado.
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Gente fina
Dico Kremer
A onda da Leila
uem sou eu para falar da obra da Leila Pugnaloni. Isso é tarefa para os hermeneutas da área, a começar pelo professor Fernando Bini. O que posso dizer é que a pintura da Leila, ultimamente mais os seus desenhos, me tocam a sensibilidade e muitas vezes me paralisam. Cores, curvas que insinuam formas e sentimentos em meus pobres neurônios. Quero ver essa exposição “Onda” que ela inaugura na galeria Colecionador, no dia 12 de abril, às 19h. Ela diz que a mostra é dividida em duas partes distintas: uma seleção de desenhos e um conjunto de pinturas “Módulos de Luz”, em que a
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artista trabalha com volumes tridimensionais e o reflexo das cores sobre as áreas vazias. Voltemos ao desenho que a própria Leila compreende assim: “poucas linhas e precisas definem os corpos e silhuetas, às vezes de forma minimalista”. É isso. Nós que somos um povo de cultura habituada a ter muito pelos ouvidos e pouco pelos olhos, podemos aprender com esse trabalho fantástico da Leila. Vamos ao Rio ver “Onda”, a exposição da Leila. F. C.
Insubstituível
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inguém é insubstituível, diz a sabedoria popular. Mentira. Há pessoas insubstituíveis porque são únicas. Vamos a um exemplo definitivo. Como substituir uma longa relação de convívio com alguém de tanto engenho e arte como a Marianna Camargo? Sim, a nossa chefe de redação está de partida. Leva com ela o texto, o tino e a poesia. Leva também a sua risada alegre dos dias de bom humor. E o inacreditável esforço para compreender maus bofes e idiossincrasias deste locutor que vos fala. Não posso pedir para Marianna ficar. Depois de alguns anos, ela sentiu que precisa enfrentar um novo desafio profissional. Convites nunca lhe faltaram, pois há poucas pessoas com o seu desempenho nesta área do planeta. Vai se dar bem aonde for. Vamos pedir à moça que nos envie todo mês uma de suas crônicas macias no texto e contundentes na observação da aventura humana. Será o nosso consolo. E aguardaremos seu primeiro livro de poesias. O resto é saudade. Fábio Campana
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Dico Kremer
Gente fina
Nova irmãzinha
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inha amiga Carmen Lúcia Solleide Kremer é essa moça bonita que cuida do Dico Kremer para que ele não se perca em descaminhos. Cuida também da imagem de pessoas fotografadas por ele e que sempre precisam de pequenas intervenções para melhorar a faccia na fotografia. É irmãzinha em destaque na minha nova árvore genealógica. A antiga passou por uma poda radical. Eliminei galhos defeituosos pela má-formação de caráter. Cortei chatos, burros, preconceituosos e assemelhados. No tronco firme enxertei gente bonita e inteligente. A árvore ficou ótima, invejável, mais ainda depois de incorporar a Carmen Lúcia, pessoa tão generosa que volta e meia nos oferece cardápios suntuosos de sua culinária. E ainda suporta, com graça e paciência, as intermináveis conversas dignas de Bouvard e Pecouchet que travamos eu, Dico Kremer e o Nêgo Pessôa sobre temas que vão dos mais pascácios aos de altíssima indagação. F. C.
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Gabi e os bichos
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Dico Kremer
abi é Gabrielle Fornazari. A moçamenina que cuida de cães, gatos, cavalos, bois, aves e de todo o bicho que pintar em sua paisagem. Ninguém sabe dizer por que moça tão bela e prendada quer viver com os animais. Bem, há certos momentos em que nos deparamos com representantes da nossa espécie que nos fazem compreender a escolha de Gabi. Mas este não é o espaço para gente que se oferece como prova de que nem sempre a inteligência distingue o homem dos primatas. Voltemos à Gabi. Ela é a veterinária escolhida por todos os viventes desta cidade que só entregam seus animais de estimação à Gabi e seus conhecimentos profundos obtidos como estudante mais que dedicada e já provados na prática. Além do que, Gabi viajou os melhores lugares do planeta e experimentou os melhores vinhos e a melhor comida. Como se vê, qualquer gajo inteligente gostaria de ter Gabi para cuidar dele, assim, como ela cuida dos bichos, com enorme carinho e conhecimento. F. C.
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Renan Machado
Gente fina
Trio de ferro
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pluralidade dos empreendimentos em Curitiba é assustadora: tem de tudo. Neste cenário, Giovanna Sandrini Berberi, curitibana formada em Direito pela PUCPR, Patrick Esnaty B. Gomes, paulista de Registro, também formado em Direito pela Pontifícia do Paraná, e Thanyelle Galmacci, formada em Direito pela PUCPR e mestranda em Direito Urbanístico pela PUC de São Paulo, compõem um trio de ferro no universo empresarial da cidade. Eles comandam a Formata Assessoria Urbanística e Ambiental, empresa do ramo de gestão de licenças empresariais. A Formata presta serviços de expedição e renovação de licenças necessárias para o funcionamento de uma empresa, regularização fundiária, de imóveis, construções e reformas. É a única no Sul do Brasil atuante na prestação de tais serviços integrados. Em seu rol de clientes estão pequenas empresas e outras já renomadas, como a Unimed de Santa Catarina e a multinacional Ambev. A Formata conta com uma equipe multidisciplinar de profissionais, entre os quais arquitetos, engenheiros florestais e ambientais, técnicos em segurança do trabalho e advogados. “O comprometimento com a situação regular de sua empresa demonstra uma preocupação do empresário com seus clientes”, afirma Patrick. Renan Machado 12
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Dico Kremer
Joaquin, el grande
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as muitas qualidades de Graciela Presas, primeira profissional de mídia digna desse nome que Curitiba teve, uma em especial foi educar muito bem seus três filhos homens e sua filha Guadalupe. Joaquin Fernandez Presas, o primogênito, argentino de nascimento e brasileiro de coração, perseguiu com paciência de monge e tenacidade de jesuíta a sua carreira. Formado pela PUCPR em desenho industrial, sua curiosidade a respeito do funcionamento das artes gráficas, do design, da publicidade, do marketing, da fotografia o fez procurar profissionais da área para aperfeiçoar seu conhecimento. Passou pelo Estúdio Gráfico Fotolito de Volkert Nietzsche, um dos maiores e melhores técnicos do País, pela agência de publicidade Exclam, pelo
estúdio fotográfico que tive em sociedade com Márcio Santos. Formou-se com brilhantismo mas nunca abandonou a universidade. É um dos mais importantes professores do curso de design e publicidade em Curitiba. Sua agência, Ponto Design, é uma referência no mercado. Abiscoitou vários prêmios nacionais e internacionais na área de design, reconhecimento da sua competência. Nas redes sociais, está classificado como um dos 100 mais importantes professores de design e de marketing do mundo. Grande amante da boa mesa, dos finos vinhos e finas carnes argentinas, tem em sua mulher Patrícia uma aguerrida fiscal de sua esbelta figura. Dico Kremer
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Fábio Campana
Leonardo Aversa / ag. o globo - SC
Nossas perdas
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stou a perder meus heróis, minhas referências. Morreu Millôr Fernandes. Durante toda a minha existência, desde que comecei a ler a sua página na revista O Cruzeiro, ainda na infância, ele foi uma necessidade. Alimento para a alma e estímulo para os neurônios. Não tivemos, nesta pátria de poucas inteligências superiores, ninguém como Millôr. Tão completo. Poeta, escritor, humorista, dramaturgo, desenhista, cronista, filósofo, tradutor de Shakespeare e Moliére. Primeiro foi o humor e com ele o aprendizado de uma nova maneira de ver as coisas. Millôr nos ajudou a quebrar um pouco aquele pensamento monolítico, fechado, de verdades definitivas que vingou no século passado. Depois o teatro. Da adaptação da Antígona de Sófocles ao espetáculo Liberdade, liberdade, que vi e revi muitas vezes. As peças traduzidas por ele. O Shakespeare de Millôr que
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percebeu os jargões, as várias formas de falar e as colocou no palco. Até então tínhamos um Shakespeare solene, sem humor, engessado em linguagem de bacharel. Aí vieram os textos. As crônicas. A poesia mínima. Os haicais. As frases e aforismos definitivos. Nunca mais consegui viver sem uma dose de Millôr quase diária. Há pouco ganhei do Nêgo Pessôa nova edição do Millôr definitivo. Está na cabeceira. Outro volume me acompanha. Só vi o Millôr Fernandes três vezes na vida. A primeira em Foz do Iguaçu, em 1955, quando ele e Fernando Sabino foram ver as Cataratas e se instalaram no Hotel Cassino. Fui com minha tia Elisa, fã incondicional dos dois. Eu tinha 8 anos. A segunda através do amigo Carlos Nasser que teve o privilégio de conviver com o mestre e caminhar ao seu lado nas manhãs do Rio de Janeiro. A terceira, através de Jaime Lerner, em almoço num raro dia de sol pleno em Curitiba, naquele espaço agradável no Meio Ambiente. Passei algumas horas
a ouvir o mestre. Não abri a boca. Nada tinha a dizer. Tudo para aprender. Eu estava ali na condição de tiete. Deslumbrado. Irritado com os nativos que interrompiam Millôr para dar o ar de sua graça. Não há nada mais ridículo e bisonho do que piadistas tentando fazer sucesso. Bons tempos, aqueles, quando Lerner procurava estimular a interlocução de Curitiba com outras cidades através de figuras maravilhosas como o Millôr. Hoje, o hegemônico na sociedade informatizada e rápida é o câncer do “politicamente correto” que mata qualquer ideia nova, qualquer fonte de humor, qualquer pensamento crítico e criativo. Saudades do Millôr.
Fábio Campana é jornalista e escritor.
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eleiçÕeS
o rato que ruge A novidade na eleição deste ano é o candidato Ratinho Junior, que corre por fora e assusta gregos e baianos
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eleição de Curitiba está encruada. Há meses os candidatos não se movem e os três que estão na ponta são os mesmos. Luciano Ducci, Gustavo Fruet e o surpreendente Ratinho Junior. Dele ninguém sabe até onde vai, embora os preconceitos digam que alguém com esse nome não vence eleição em Curitiba, cidade de povo modesto, porém exigente nas aparências. Sua carreira foi meteórica. Em 2002, aos 21 anos, foi eleito o deputado estadual mais votado pelo PPS no Paraná. Em 2006, foi eleito o segundo deputado federal mais votado no Paraná. Em 2010 reelegeu-se deputado federal, obtendo a maior votação no Paraná e a sexta maior do Brasil. Não é por nada que agora quer, aos 31 anos que comemora no dia 19 de abril, dar um salto na carreira. Seus sonhos não são pequenos. Ele quer chegar um dia a governador do Paraná. Sabe que o caminho mais curto é ganhar a prefeitura de Curitiba, por onde passaram os governadores desde 1990. Ora, pois, Ratinho Junior é o único dos três que não conta com o apoio de governos. Ducci tem a prefeitura e o paraninfo Beto Richa, que não o deixa na chuva. Não é de somenos. Richa é seguramente o mais forte dos apoios que alguém pode pretender na eleição de outubro na capital. E tem ao seu lado o apoio de Fernanda Richa, a primeira das primeiras-damas do Paraná que tem alcance político-eleitoral real. É grande eleitora na cidade e qualquer analista político com dois neurônios ativos afirma que ela seria candidata imbatível se a lei lhe permitisse. Gustavo Fruet arrumou a sua nova turma. Agora é o queridinho do PT sem deixar de ter apoio em camadas da população que sabem dar nó na gravata e usar todos os talheres. O PDT é uma ficção em Curitiba. Ou melhor, o brizolismo não existe por aqui. O PDT só teve potência com o instrumento alheio. Albergou Jaime Lerner, Rafael Greca, Cássio Taniguchi e outros descendentes da Arena em outra época. Foi feliz e até Brizola comemorou ao acreditar que essa turma ajudaria a levá-lo à Presidência
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da República. Mas o PT agora é forte e tem candidata a presidente em 2014, Gleisi Hoffmann, e tudo o que pretende é derrotar Beto Richa e sua trupe em Curitiba. Por isso adotou Gustavo Fruet e mandou às favas a tigrada que sonha com candidatura própria. Agora, em abril, veremos o que decide.
atropela por Fora Nesse hipódromo, Ratinho Junior corre na raia de fora. Sem ajudas oficiais. Sem máquina administrativa que olhe por ele e lhe faça feliz. Seria o nosso cavaleiro da triste figura a enfrentar moinhos de vento, destinado a sair da eleição menor do que entrou em seu cacife eleitoral?
Faz queSTão De aviSar aoS emiSSárioS que é canDiDaTo SoB quaLquer hiPóTeSe Tudo é possível até que as urnas nos desmintam. Quem, em sã consciência, imaginaria a vitória de Requião contra Jaime Lerner em 1985? Quem apostaria no sucesso de 12 dias de Jaime Lerner em 1988? Assim caminha a humanidade. É verdade que Ratinho Junior enfrenta obstáculos que esses graúdos senhores nunca encontraram pelo seu caminho. Ratinho Junior é o único de todos eles que não frequenta as rodas perfumadas do Country Clube. Qualquer cidadão curitibano que tenha alcançado o pico em seu alpinismo social ou descenda de ilustres famílias empobrecidas pelo tempo e pela incompetência torce o nariz para esse jovem deputado federal que se elegeu com enorme votação em 2010.
Mas nem todos fecham os olhos para esse novo fenômeno político. Por razões distintas, mas com boa análise, empresários de peso e bem postados no PIB local, como Marcelo Beltrão Almeida, ou um líder empresarial como Marcos Domakoski, que presidiu a Associação Comercial do Paraná, enxergam o que os outros não veem ou não querem ver. Ratinho Junior pode chegar lá, mesmo que não conte com o apoio das máquinas, coisa muito natural neste país de grandes moralistas que convivem com bicheiros e coisas assim. Para figuras como Marcelo Almeida e Domakoski, Ratinho Junior é o “Rato que ruge”, apodo simpático que extraíram do título de um filme genial da década de 50 estrelado por Peter Sellers. No enredo, Sellers lidera pequeno país que põe de joelhos a potência americana e exige, para devolver Nova York, “paz eterna para todos”. Marcelo Almeida, leitor compulsivo, certamente leu William Shakespeare, o qual dizia: há uma providência especial na queda de um passarinho, o estar preparado é tudo. Em noite recentíssima, em jantar que misturou empresários, políticos e intelectuais, Almeida transformou em parábola atual a história da queda da Bastilha. “Na noite do dia 13 de julho de 1789, o rei Luis XVI anotou em seu diário que nada, absolutamente nada de novo acontecia na história”. Pois, pois, no dia 14 de julho ele estava deposto e pronto para o cadafalso. Quis dizer que a história ensina que nada é eterno e imutável e que os presunçosos no poder podem ter surpresas. Ou seja, um candidato como Ratinho Junior pode se eleger em Curitiba, apesar das opiniões contrárias de quem vê de cima para baixo e não enxerga as aspirações populares numa cidade que mudou muito a sua composição social. A população cresceu e camadas expressivas ascenderam, deformando a classe média conservadora. As próprias pesquisas de opinião não conseguiriam captar essas mudanças porque trabalham com amostras antigas e cristalizadas.
Quem SubeStima? É claro que entre os po-
Jo達o Le Senechal
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Sem mágoas, sem rancor Mas Ratinho Junior aprendeu que assim caminha a humanidade da política nesta área chuvosa do planeta. Guardou as mágoas, arquivou os ressentimentos, e continua no jogo. Só que desta vez não abre para nenhuma proposta que venha dessa banda. Tem medo de que a dose de traição se 18
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João Le Senechal
líticos de alto coturno o Rato que ruge não é subestimado. Os sismógrafos de Beto Richa e de Gleisi Hoffmann são sensíveis no curto e no médio prazos. Trata-se de aparelhos muito bem calibrados pela experiência. Dificilmente falham na colheita das informações. A questão a discutir é como usam as informações. Mas essa é outra história. Acontece que essas mudanças sociais criaram novas expectativas de setores que antes se comportavam com extrema candura diante dos poderosos. Há, segundo os esculápios da sociologia, um brado retumbante do “quero mais”. Os mais pobres que compraram seu carro em 70 prestações, estão na fila da casa própria, adquiriram eletrodomésticos e ainda têm sobras para a diversão, não querem ficar por aí. Reclamam mais serviços de saúde, mais educação, asfalto na porta, transporte eficiente e segurança, muita segurança, que este é o principal tormento da madame e da distinta da periferia. Ou seja, aspirações que dizem respeito aos atuais governantes da cidade, do Estado e da República. Ratinho Junior aí sai ganhando em não representar nenhuma dessas instâncias do poder público. É o perfeito locutor das reclamações de cima e de baixo. E, pelo visto, tem assunto para cinco campanhas eleitorais. Independente como a Mocidade de Padre Miguel, Ratinho Junior não tem compromissos políticos. Os que tinham foram desfeitos pelos parceiros que o traíram vergonhosamente, o que o coloca na posição de vítima da politicagem mais rasteira. Ele apoiou, de mala e cuia, a candidatura de Osmar Dias, do PDT, contra Beto Richa. Deu retornos significativos. Apoiou também Gleisi Hoffmann, do PT, para o Senado. O compromisso dessa gente era simples: ele teria o apoio de todos na disputa da prefeitura de Curitiba em 2012. Qual o que. Gleisi Hoffmann, do alto de sua condição de mais votada para o Senado, no papel de estrela que sobe, esqueceu o passado rapidamente e trocou Ratinho Junior que a apoiou e apoiou Osmar Dias e Dilma Rousseff por Gustavo Fruet, o detrator de Lula, que apoiou Beto Richa e fez de tudo para tomar seu lugar na corrida pelo Senado. Imaginem a frustração de Ratinho Junior com seus companheiros de aventura em 2010. Até hoje não há Engov habilitado a desopilar o seu fígado sempre que é lembrado da alta traição que sofreu.
quer chegar um dia a governador do Paraná. Sabe que o caminho mais curto é ganhar a prefeitura de Curitiba, por onde passaram os governadores desde 1990 repita. Por isso mesmo faz questão de avisar aos emissários que é candidato sob qualquer hipótese. Não abre. Pois, pois, a malta não desiste. Prova da força de Ratinho Junior é que os seus dois principais adversários fazem de tudo para convencê-lo a aceitar a vice. Gustavo Fruet teria um reforço inigualável, pois Ratinho Junior lhe daria o caminho para a periferia, para os bairros mais pobres, para a classe C dos emergentes, ou seja,
para a grande fatia do eleitorado onde ele não existe e nem é lembrado. Para o prefeito Luciano Ducci, Ratinho Junior seria um parceiro perfeito. Primeiro porque sua saída do jogo principal certamente evitaria o segundo turno. E segundo turno é um drama para qualquer prefeito que tenta a reeleição. Em segundo lugar porque há espaços do eleitorado hoje dominados por Ratinho Junior onde é baixa a densidade de seus votos. Bolsões na periferia que agregados ajudariam a elevar rapidamente os índices do prefeito. Ducci oferece uma vantagem nesse assédio ao candidato do PSC. Como ele tenta a reeleição, não poderá se candidatar a prefeito em 2016. Isso significa que o seu vice passará a ser candidato natural do grupo e da máquina. Pois, pois, com grandes chances de chegar lá. Só que com quatro anos de atraso. Mas como Ratinho Junior é o mais jovem dos políticos nessa porfia, poderia esperar. Não é o que ele pensa. Prefere passar pela experiência majoritária que aguardar na condição de vice. A ministra Gleisi Hoffmann bem que tentou convencê-lo a ficar com o grupo que hoje dá sustentação ao governo de Dilma Rousseff. Pediu a união em torno de objetivos maiores da Nação. Pois Ratinho Junior não entra nessa conversa hipócrita em torno de ideologias que nada tem a ver com a realidade, quando a questão premente é outra. Esta é uma singular situação em que Gleisi Hoffmann se apresenta como defensora dos interesses do PT e dos trabalhadores, mas adota como seu candidato Gustavo Fruet, que ontem acusava todos os do PT, a começar pelo ex-presidente Lula, de corrupção. Bem, de algoz, Fruet passou a aliado, o que não é incomum na política brasileira. O aliado Ratinho Junior ficou na beira do caminho, depois de ouvir declarações emocionadas e lacrimosas de amor eterno durante a campanha eleitoral de 2010. Diz sabedoria antiga, à qual logo aderiram os sábios do petismo pragmático, que em política o que importa é a vitória, unicamente a vitória, e para alcançá-la vale tudo, inclusive trocar de parceiro no meio do baile, sem que isso cause pejo ou opróbrio. Afinal, em Curitiba teremos os três candidatos principais a prefeito que são de partidos que integram a base do governo de Dilma Rousseff: PSB, PDT e PSC. Pois, pois, na verdade por trás dessas siglas há outra guerra, a verdadeira disputa, que aponta para 2014, quando os tucanos do PSDB de Beto Richa terão de enfrentar os petistas de Gleisi Hoffmann. Mas nenhum desses partidos têm candidato a prefeito para este ano. Nessa sopa de letrinhas entra como tempero uma boa de dose desfaçatez. Mas ninguém dá a mínima para isso. A não ser uma camada de eleitores que começa a pensar em mudanças.
Luiz Fernando Pereira
Gabardo, Fukuyama e o mal compreendido fim da história
H
á mais de duas décadas li o artigo de Fukuyama sobre o fim da história. O livro nunca, confesso logo. Dei agora ligeira relida no texto. Apenas para dar uma resposta à injusta e (já me desculpando) precária análise produzida pelo Professor Emerson Gabardo da UFPR. Gabardo é um excelente professor de Direito Administrativo, mas, como eu, entende tanto de economia quanto de física quântica. Pouco mais do que nada. Ainda assim, arvorou-se no direito de criticar Fukuyama. Achei que isso também me autorizava a criticar sua crítica. Aqui estamos ambos como atores de novelas mexicanas: ninguém constrange ninguém, todos trabalham mal. Eu e o Gabardo não nos constrangemos: nenhum de nós entende de economia. Acho que fomos descobrir o conceito de juros nos livrinhos de Eduardo Gianetti (ou na coleção primeiros passos). A deficiência na formação em economia não deve nos preocupar. Paulo Francis também se ressentia do pouco conhecimento que tinha na área, nos conta o precoce e recentemente falecido Daniel Pizza na biografia que escreveu sobre nosso grande jornalista. O problema é que, à Francis, o meu ressentimento é geral. Sei muito pouco de quase nada. Mas dou palpite. E é o que faço aqui: palpitar em cima do palpite de Gabardo. Debate de palpiteiros. O texto de Fukuyama não é propriamente de economia, mas de economia política. Dizem que Gabardo conhece um pouco de economia política. Eu também me arrisco. Mas o que é economia política? É uma mistura de política e economia. Mistura eclética de métodos analíticos, dizem os doutos. Mesmo em economia política, seguimos, Gabardo e eu, no âmbito dos palpites. Gabardo começa por criticar a linearidade da obra de Fukuyama. Ora, sempre achei que o bom da obra é exatamente a linearidade, se é que temos o mesmo conceito do que seja linearidade. O raciocínio de Fukuyama, mais do que linear, é linear-cartesiano. E isso me parece muito bom. Em seguida Gabardo diz que a “concepção de história do autor é assustadoramente limitada e antiquada”. Cá entre nós Gabardo,
qual é a nossa concepção de história para dizer que a de Fukuyama (releia a formação e o currículo do americano, please) é “assustadoramente limitada”? Temo supor o que Fukuyama diria da nossa (minha e tua) concepção de história. A propósito Gabardo, é bom lembrar que o fim da história é, muito antes de ser uma concepção histórica de Fukuyama, uma ideia marxista. A inevitabilidade do fim do capitalismo (por suas contradições intrínsecas) conduziria o mundo ao socialismo e depois ao comunismo. Os marxistas (baseados em Hegel, explicam os entendidos) foram os primeiros fatalistas (assustadoramente limitados, para repetir Gabardo). É necessário reconhecer que Gabardo destaca alguns trechos da entrevista de Fukuyama que resumem bem o pensamento do autor. O americano identifica “uma história da humanidade, coerente e direcionada, que eventualmente conduzirá a maior parte da humanidade para a democracia liberal”. Este modelo, no trecho da entrevista separado por Gabardo, continuaria a ser “a única aspiração política coerente que se espalha por diferentes regiões e culturas em todo o mundo”. Gabardo achou um horror as afirmações de Fukuyama. “Nada disso é verdade”, sentenciou Gabardo. E sustenta seu discurso na “crítica da comunidade acadêmica de esquerda”. Como Gabardo não citou nenhum autor específico, obrigo-me a perguntar: que diabo de comunidade é esta? Comunidade acadêmica de esquerda? Por acaso Emir Sader e Noam Chomsky estão envolvidos nisso? Alguém pode me dizer o local da próxima reunião anual? Não reconheço a existência da tal comunidade. Reconheço apenas um mimetismo intelectual da esquerda em criticar Fukuyama. De lado a crítica não explicitada da misteriosa comunidade, Gabardo anuncia a sua discordância com Fukuyama: “infelizmente para os liberais, as experiências históricas conhecidas pelo homem demonstram de forma clara que alcançamos uma maior realização da dignidade e da felicidade em ambientes de forte intervenção política na economia”. Foi isso mesmo que eu entendi? Quer dizer que a realização da dignidade e da felicidade cresce com a forte intervenção política na economia? É isso mesmo Gabardo?
Relate-me, por favor, uma só destas experiências históricas vividas pelo homem. Você trata da experiência do Camboja ou do Laos? Ou é do Hugo Cháves (para citar um intervencionismo modernoso) que você fala ao relacionar felicidade e dignidade com forte intervenção política na economia? Sugiro conferir com os gregos como anda a felicidade por lá depois de décadas de forte intervenção política na economia. Segue Gabardo: “Assim como Fernando Henrique Cardoso e outros tantos defensores ligados ao conservadorismo liberal privatizante da década de 90 (assumidos ou não), o fato é que Fukuyama (em recente entrevista) reviu seu vaticínio”. Conservadorismo liberal privatizante? Especificamente qual privatização você reverteria, Gabardo? Vale do Rio Doce? Telefonia? Li e reli a tal entrevista. Fukuyama NÃO reviu sua proclamación (vaticínio não me parece a palavra adequada). Pelo contrário; a reafirmou na íntegra, até porque nada o desmentiu. Eis o equívoco generalizado sobre o texto de Fukuyama (Gabardo incluído). Fukuyama nunca defendeu a consagração da ausência de intervenção absoluta do Estado na economia. O Brasil é sim uma democracia liberal (gostem os petistas ou não). E a democracia liberal é (como disse e mantém Fukuyama) a única forma de governo que sobreviveu [e sobrevive] intacta. Qual é, afinal, a ideologia nova que pôs em dúvida a proclamación? As premissas do artigo de Fukuyama, na essência, estão intactas. Em um editorial da New Left Review (quando eu ainda lia esta revista), o esquerdista Perry Anderson (uma espécie de ídolo internacional do Emir Sader) chamou a esquerda a compartilhar seu “registro lúcido da derrota histórica”. Os brasileiros não aceitam o chamamento de Anderson. Seguem defendendo que a esquerda não fracassou, é apenas um sucesso mal explicado (na boa frase de Roberto Campos). Fukuyama foi confirmado, Gabardo. Na íntegra. Pode apostar.
luiz Fernando Pereira é advogado.
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roBerTo STucKerT FiLho/Pr
política
a presidente Dilma rousseff durante cerimônia de posse do ministro da Pesca e aquicultura, marcelo crivella.
“vem cá, meu bem.”
‘‘O
Brasil não é para amadores”, ensina o mestre Belmiro Valverde Jobim Castor. Pois, pois, imaginem o espanto de qualquer cidadão estrangeiro para entender a crise que neste momento opõe o Executivo à maioria do Legislativo. Experimentado político nativo deu a seguinte explicação para essa crise. — A base aliada só está aplicando um “vem cá, meu bem” na presidente Dilma. Traduzindo para a linguagem comum, nosso esculápio da política nacional quis dizer que os rebeldes estão insatisfeitos com os ajustes feitos pelo governo nos preços em vigor no balcão de compra e venda de votos no Parlamento, que tornaram desigual o tratamento dispensado aos inscritos no programa que vinha garantindo a unidade da turma: Verbas, Empregos e Propinas para Todos. Disso desconfiam até os amadores aqui nascidos. Para quem vê as coisas como as coisas são, o que parece um caso muito complicado
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da política é apenas outro caso de polícia. Ou mais um ato do espetáculo da safadeza. Fácil? Nem tanto. As aparências, neste caso, enganam até mesmo os brasileiros mais ingênuos. Indagações não faltam: Por que o Código Florestal precisa ser votado antes da Lei Geral da Copa? Por que o país da farra e da bebedeira em fevereiro, em março não admite bebida alcoólica na Copa de 2014? Por que tantos governistas vocacionais ensaiam uma colisão frontal com a presidente Dilma Rousseff? O que há de tão diferente entre um Romero Jucá e um Eduardo Braga, ou entre um Cândido Vaccarezza e um Arlindo Chinaglia, para que a troca de líderes no Senado e na Câmara promova a declaração de guerra? Simples, explicaria uma das velhas raposas da políticas deste Brasil brasileiro. O expresidente José Sarney se encarregou de demonstrar à presidente Dilma Rousseff que as coisas nem sempre são como a presidente quer, nem como as regras de decência exigem, nada têm a ver com o confronto natural entre o Parlamento e o Poder Executivo em regimes democráticos. A crise política no Brasil é fruto
da mais pura safadeza. Ou seja, parlamentares da chamada base aliada que dá sustentação política a todos os governos, estão insatisfeitos. Resultado prático: em meio a reclamações por cargos e liberação de verbas do orçamento, Dilma foi derrotada no Senado numa simples nomeação do diretor-geral da Agência Nacional de Transportes Terrestres. Não há recado mais direto. A tropa aproveitou-se de uma denúncia do senador Requião e aplicou um corretivo na presidente. Deu demonstração de sua força.
dilma eNcarou Dilma Rousseff resolveu encarar. Mudou os líderes do governo no Senado e na Câmara. Endureceu. A chamada base aliada, agora conhecida como “base alugada”, aceitou o desafio. Engrossou o caldo. Não votou a Lei Geral da Copa, exigiu antes votar o novo Código Florestal, que Dilma quer deixar para depois. Esclareceu as regras do jogo político nesta democracia brasileira que nada tem a ver com as democracias de outros países que escapam à formação patrimonialista estudada por Raymundo Faoro.
Vamos lá. As regras do jogo são claras: para governar o Brasil, o governo depende de maioria no Congresso – e, para obtê-la, precisa lotear cargos na administração pública entre os partidos. Não há meio termo: ou dá ou desce. Dilma não quer nem uma coisa, nem outra, mas também não quer perder apoio. Dissimula o quadro e dá explicações ginasianas em entrevista: — Não há crise (política) nenhuma. Perder ou ganhar votações faz parte do processo democrático e deve ser respeitado. Crise existe quando se perde a legitimidade. Você não tem de ganhar todas. O Parlamento não pode ser visto assim. Em alguma circunstância sempre vai emergir uma posição de consenso do Congresso que não necessariamente será a do Executivo. É bem verdade que há pressões legítimas e ilegítimas. Mas a maior parte se enquadra na segunda opção. A do PR, por exemplo. Mandou dizer à presidente que ou o partido reassume o Ministério dos Transportes, de onde foi banido por denúncias de corrupção, ou nada feito. Passará a ser oposição. Sem meias palavras, deixou claro o limite ético de seu apoio: a caneta e o Diário Oficial. Assim, o governo Dilma se vê, mais uma vez, diante do dilema de ceder ou ceder. Quer fazer as coisas a seu modo (que não se sabe exatamente qual é), mas esbarra na resistência daqueles de que depende para governar – a chamada base parlamentar. O resultado é a crise. Mudou os líderes na Câmara e no Senado, como quem troca o termômetro para ver se espanta a febre. Não funcionou. O jeito é encenar uma saída honrosa (palavra imprópria para o que está em pauta) e voltar à estaca zero. A rigor, é o que já ocorre. Dilma avisou que topa negociar, mas não quer ser pressionada. Difícil é entender por que o governo Dilma carrega uma base parlamentar tão extensa, conflituosa e perdulária quanto uma amante argentina? Só PSOL, PSDB, DEM e PPS praticam oposição de fato e votam contra as proposições governistas com assiduidade. O PV fica a meio termo. Juntos, os oposicionistas mal chegam a uma centena de deputados, menos de 20% da Câmara. Os demais 80% votam tão frequentemente sob a orientação dos prepostos de Dilma que quando não o fazem, mesmo que em algo de menor importância, é notícia. Não faz diferença ganhar por 50 ou 250 votos de margem. Mas custa mais caro. Carregar uma maioria tão inchada requer um guindaste que só se mantém em pé graças a um contrapeso de verbas e cargos. Em tese, uma maioria de 257 votos seria suficiente
para o governo aprovar praticamente tudo o que quer na Câmara, já que não há nenhuma reforma constitucional fundamental à vista.
Composição das bancadas As bancadas do PT (85 deputados), PMDB (76) e do bloco PSB-PTB-PCdoB (63) somam 224 votos. Os 33 restantes para a maioria absoluta viriam de partidos quânticos como PSD (47) ou PP (39). Outras siglas que condicionaram o apoio a Dilma no Congresso a ministérios, como PR (36 deputados) e PDT (26), poderiam ser usadas conforme a necessidade - e sem cadeira cativa na Esplanada. Mas todo esse raciocínio cai por terra quando confrontado com um dado da realidade:
tem sido visível o cuidado da presidente em evitar a retomada do gabinete de ministros defenestrados por “malfeitos” pelo mesmo esquema fisiológico que fazia e desfazia PT e PMDB estão em rota de colisão eleitoral. O crescimento petista nas eleições deste ano, se ocorrer, tende a desfalcar a bancada peemedebista. Não só porque o PMDB é o partido com maior número de prefeituras (1.181) e, assim, com mais a perder. A história tem sido assim. Embora parceiros na chapa presidencial, as duas siglas têm um passado muito mais de conflito do que de aliança, principalmente nos municípios. Impossível imaginar que a presidente Dilma Rousseff tenha se surpreendido com a baixa qualidade ética da equipe montada sob a batuta do fisiologismo do seu patrono Lula. Ministra desde 1º de janeiro de 2003, nenhum dos escândalos ocorridos em seus primeiros 12 meses
de poder deve ter causado surpresa a ela. Mas tem sido visível o cuidado da presidente em evitar a retomada do gabinete de ministros defenestrados por “malfeitos” pelo mesmo esquema fisiológico que fazia e desfazia na pasta. Há exemplos indiscutíveis. A troca de Orlando Silva por Aldo Rebello no Esporte. Os dois são do PCdoB, mas, até agora, não há indícios de que Rebello aceitará o ataque aos cofres públicos perpetrado por “camaradas” do partido sob o disfarce de ongueiros, como ocorria. Outro caso é o do Ministério dos Transportes. Pelas últimas notícias conhecidas, o Planalto resiste a devolver a pasta ao balcão de negociatas do PR, administrado, no tempo do senador Alfredo Nascimento (AM) no gabinete de ministro, pelo deputado Valdemar Costa Neto (SP). A tentativa de confronto com Dilma feita pelo grupo “dono” do Senado (Sarney, Renan, Jucá), no caso da recondução do diretor da ANTT, foi bem aproveitada pela presidente para estabelecer limites. Destituiu Romero Jucá como devia, no timing necessário, e o substituiu por Eduardo Braga (AM), um peemedebista dissidente do esquema fisiológico e clientelista do seu partido que domina a Mesa do Senado. Dilma tem obtido apoio e ampliado a popularidade no eleitorado de oposição, na classe média do Sul e Sudeste, sensível ao avanço da corrupção nos últimos nove anos, e não dependente da grande rede de assistencialismo montada pelo lulopetismo, eficiente cabo eleitoral junto à massa pobre do Norte e Nordeste. Dilma, diante das dificuldades da conjuntura econômica, precisa de uma equipe mais profissional e de uma base parlamentar capaz de apoiá-la em reformas politicamente difíceis, mas imprescindíveis. Mas ouçamos o presidente Lula, que em 2009 explicou o que pensa sobre acordos para garantir a governabilidade. — Qualquer um que ganhar as eleições, pode ser o maior xiita ou o maior direitista, não conseguirá montar o governo fora da realidade política. Entre o que se quer e o que se pode fazer tem uma diferença do tamanho do Oceano Atlântico. Se Jesus Cristo viesse para cá e Judas tivesse a votação (sic) num partido qualquer, Jesus teria que chamar Judas para fazer coalizão. Ora, política é pressão. Impossível concebê-la de outra forma. Mas ganha cores brasileiras na atividade política que foi reduzida, desde sempre, a uma forma de comércio excepcionalmente lucrativa. E a confirmar a máxima de Menck, a democracia é a arte de governar a partir da jaula dos macacos. Mas Menck jamais imaginou que espécie de símios tínhamos por aqui. abril de 2012 |
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cidadeS
a única prefeitura com certificado de qualidade Prefeitura de Colombo recebe certificação ISO 9001 do Tecpar
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eLio De anDraDe
N
ão é comum. Numa época em que as administrações públicas estão sob suspeição até prova em contrário, uma prefeitura recebe um certificado de qualidade que normalmente é dado a empresas de alta qualificação e desempenho. É a primeira no País. Fosse em outro estado e o ufanismo teria brotado imediatamente. Mas vivemos nesta área do planeta e a prefeitura é paranaense. Pois, pois, obedecendo a todos os parâmetros de qualidade do órgão fiscalizador responsável pela ISO 9001 no Estado – Tecpar (Instituto Tecnológico do Paraná), a Prefeitura de Colombo é o primeiro governo municipal do País a receber a certificação no Departamento de Compras da Secretaria de Administração. “Desde que assumimos a Prefeitura de Colombo, priorizamos a qualidade e lisura nos serviços prestados à população, e o recebimento da certificação ISO 9001 comprova essa afirmação. Quero parabenizar toda a equipe responsável pelo projeto e agradecer o esforço e determinação que garantiu a todos os colombenses essa importante conquista, um marco para nossa cidade”, disse o prefeito de Colombo, J. Camargo. A secretária de Administração, Rita de Cássia Camargo Gonçalves, falou do seu interesse, em ampliar o projeto em outras áreas do executivo. “Este foi mais um grande desafio vencido. Um trabalho amplo que foi coroado com essa importante certificação, graças ao empenho e dedicação de toda equipe responsável pelo projeto. E não queremos parar por aí, queremos dar continuidade a esse importante processo de desenvolvimento, em outros setores, proporcionando mais eficiência e eficácia nas ações da Prefeitura”, disse. O diretor presidente do Tecpar, Júlio Felix, destacou sua satisfação em entregar o certifi-
o diretor presidente do Tecpar, Júlio Felix entrega o certificado iSo 9001 ao prefeito J. camargo.
em ouTro eSTaDo e o uFaniSmo Teria BroTaDo imeDiaTamenTe cado para a Prefeitura de Colombo. “É muito bom quando um órgão público se empenha para conquistar a ISO 9001, principalmente se tratando de um setor tão crítico como é o de Compras”, finalizou.
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capa
a dama das
SapatadaS Joice Hasselmann deixou a Bandnews. Pressões políticas a afastaram. Mas reinaugura seu Olho no Olho em uma emissora de TV e em uma rede de rádios para desespero dos poderosos nativos F C F D K
L
oira, alta, 1,85m somado o salto 15. Olhos azuis, cabelos lisos e longos. Ângulos e curvas perfeitos aos 34 anos. A descrição serviria para Marlene Dietrich, Romi Schneider ou Gisele Bündchen. Qual o que. Falamos aqui da beleza encantadora de Joice Hasselmann, mulher que costuma provocar admiração e medo, algumas vezes pânico, em homens e mulheres que entrevista ou que estão em sua pauta de reportagem. Sua especialidade no jornalismo é entrevistar os poderosos e as poderosas habituados a dominar a cena e as situações. Jornalismo político que a envolve no terreno difícil e pantanoso das disputas de poder. Política é jogo bruto, mais ainda nestas paragens onde a democracia apenas começa a se desenvolver e onde o autoritarismo tem longa história.
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“GoSTo De DeSeSTaBiLizar o enTreviSTaDo, Para que eLe reSPonDa Sem roDeioS” Pois diante de Joice Hasselmann todos são iguais perante as perguntas. Olho no olho. Ela costuma começar com o tema mais corrosivo. De forma direta. Sem rodeios, sem engodos, sem simulações. Vai direto ao ponto. Mostra logo quem está no comando. Quem não tem
bom controle dos nervos que não se aventure. — Gosto de desestabilizar o entrevistado, explica. Tem gente que chega preparada, com o discurso pronto, na ponta da língua. Se não responder a minha pergunta eu corto e pergunto de novo. E adianto, não venha com discurso. É a sua técnica e costuma surtir efeitos surpreendentes. E que lhe rendeu vários ápodos, além de xingamentos à socapa. O mais famoso é “Dama das Sapatadas”, depois de muito chutar canelas e países baixos de pessoas gradas desta área chuvosa do planeta. O importante para Joice Hasselmann é que o seu convidado não se sinta confortável, dono da situação, a dar respostas preparadas, agradáveis para ele e absolutamente sem graça para o ouvinte. É isso. Joice quer amarrar o interesse do distinto público com perguntas que o ouvinte gostaria de fazer.
“Tem GenTe que cheGa com o DiScurSo PronTo, enGeSSaDo, eu vou LoGo aviSanDo, não venha com DiScurSo que eu PerGunTo TuDo De novo”
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“não venDo noTícia, não Faço naDa comBinaDo, não me LiGo à canaLha, não Faço TeSTe Do SoFá” — Não combino perguntas. Quem quiser fazer isso não vai ao programa. Ora, pois, não foram um nem dois que tentaram essa manobra através de seus assessores. Perderam o tempo e a dignidade diante da inflexibilidade absoluta da loira. Despachados de volta à origem após uma carraspana de dar dó. Ela não esconde que um dos que tentaram combinar a entrevista foi Roberto Requião quando era governador. Um soturno auxiliar tentou convencê-la a aceitar a encenação. — O Requião quis combinar a entrevista, eu não aceitei e ele não foi ao programa. Respondeu que só iria se fosse outro entrevistador. Bom, para ter outro entrevistador só em outro programa. A informação de bastidores é que o governador ficou irritadíssimo e despejou sua ira sobre o pobre diabo a quem encomendara o entendimento com a jornalista. “Incompetente” foi o mínimo que disse. Mas a verdade é que não há competência capaz de dobrar Joice Hasselmann, que vai logo dizendo: — Não vendo notícia, não faço nada combinado, não me ligo à canalha, não faço teste do sofá. O pobre diabo voltou ao seu inferno cheio de rancores, mas impotente para dobrar a loira mais temida nesta área do planeta. Ela não tem nada a esconder e muito que mostrar, por isso mesmo não se intimida. Aos 34 anos, acumulou uma experiência invejável no jornalismo que a distingue como a melhor entrevistadora que pintou na mídia na última década. — Eu respeito a vida privada, os assuntos domésticos e pessoais. O que me interessa é a vida pública. Se o entrevistado tem amante ou não, pouco se me dá. Se ele não paga o
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motel e não dá presentes com dinheiro público, o problema é dele e eu não tenho direito de intervir. Essa é uma das regras de ouro que segue. Sua investigação é sobre tudo aquilo que seja de interesse público. Tudo o mais, inclusive as versões, não entram em sua pauta. Ninguém a viu fazer de um assunto pessoal, privado, matéria muitas vezes de gosto perverso do público, um tema para aumentar a sua audiência. — Me preocupo com a notícia, nunca com as limitações de qualquer linha editorial. A minha linha é a notícia e se é notícia tenho a obrigação de revelar. Ponto. Ou seja, Joice está na honrosa lista dos jornalistas que acreditam que o único pecado capital é omitir ou desvirtuar um fato que sabe ser verdadeiro e de importância para a vida social. O resto é política, jogo de interesses, subordinações inadmissíveis. Essa dedicação ao jornalismo investigativo, que procura revelar o que está por detrás das cortinas do poder, lhe rendeu muitas vezes retaliações assustadoras. Recebeu ameaças, invadiram sua casa, furaram o pneu de seu carro para imobilizá-la. Sem contar os bilhetes com as mensagens típicas: “Cuidado, o peixe morre pela boca”. De onde partem essas ações de intimidação? — Acho que foi um grupo. Não apenas uma pessoa, mas um grupo que colocou gente para fazer esse tipo de coisa. Sei disso pela forma como tudo aconteceu. Só não posso citar nomes porque ainda estão investigando. Em alguns momentos ela sentiu o perigo muito próximo e o grau da violência aumentar. A própria polícia a avisou que tinha detectado uma ação contra ela que podia ter final mais contundente. Tirou férias forçadas na rádio, viajou, saiu da cidade e levou consigo a família. — Preservo meus filhos. Não quero que corram riscos. O caçula, de 3 anos, não tem o meu sobrenome por isso. Já apedrejaram o ônibus escolar da minha filha, por aí se vê com que tipo de gente e de interesses nós lidamos. Esses incidentes não a tiraram de sua trincheira na rádio Bandnews. Continuou a dirigir a rádio, a entrevistar, a pautar a reportagem e a fazer medo a políticos, empresários, governantes e outras personagens de alto coturno que não gostam nem de ouvir o seu nome. Para eles, Joice Hasselmann é a pessoa que desvenda segredos inomináveis da corrupção que jamais seriam notados não fosse sua determinação. Poucos sabem, mas Joice é também uma
grande repórter. Daquelas que vai fundo nos assuntos que investiga. É o caso das TVs laranjas, uma compra enorme de televisores através de um leilão eletrônico ganho por uma empresa que era, por coincidência, a empresa que deu a maior contribuição para a campanha eleitoral da reeleição do governador Requião. Joice Hasselmann pôs o negócio a limpo. De forma tão clara que levou o irmão do governador, Maurício Requião, que ocupava a Secretaria de Educação e fora o ordenador da despesa, em julgamento público. Sem defesa convincente. Os televisores comprados por Maurício Requião eram muito mais caros que aparelhos idênticos à venda no mercado. A casa caiu. O governo reagiu com virulência. Atacou-a nos veículos oficiais. Joice foi processada e na mesma época recebeu todo tipo de ameaça. Teve que andar escoltada por seguranças. Mas ela é “uma alemoa corajosa” como dizia um guardião da rádio. Tanto que não deixou a peteca cair, manteve as investigações e as denúncias. Foi o pior de todos os escândalos sofridos pelo governo de Roberto Requião e especialmente pelo irmão caçula do governador, o então secretário de Educação Maurício Requião. Para provar que não há part pris no jornalismo de Joice Hasselmann, basta ver que ela arrumou desafetos em todas as correntes políticas. Sem exceção. Pelo seu crivo passaram presidentes da Assembleia, como Nelson Justus e Hermas Brandão, deputados influentes como Alexandre Curi, ministros como Paulo Bernardo e Gleisi Hoffmann, prefeitos como Beto Richa e Luciano Ducci, candidatos como Gustavo Fruet e Ratinho Junior e, agora, o governador Beto Richa, que não exige nada pré-combinado. É áspera a vida de qualquer jornalista, especialmente daqueles que cobrem a política e o poder. Há vaidades, interesses e fortunas em jogo. Por isso mesmo a confrontação é dura. – Não tenho medo de fazer o que faço, e não vou deixar de fazer por receber ameaças. Meu compromisso é com o público. O outro front desse conflito é o Judicial. Os humilhados e ofendidos decidiram apelar sempre para processos em defesa da honra para tentar obstruir o trabalho jornalístico. — Fui processada várias vezes. Ganhei todos os processos. Tem gente que fala que sou muito crítica, mas provo tudo o que falo, nunca fiz nenhuma acusação sem fundamento ou sem prova. É o que me deixa passar incólume pelos processos. Hoje, Joice Hasselmann tem uma rede de
“Tem GenTe que FaLa que Sou muiTo críTica, maS Provo TuDo o que FaLo, nunca Fiz nenhuma acuSação Sem FunDamenTo ou Sem Prova” informação que lhe fornece informações privilegiadas antes de qualquer outro. Ela mesma explica que não se vale de assessorias de imprensa. Procura as notícias diretamente nas fontes. Recentemente ela recebeu um relatório do Tribunal de Contas sobre os preços do pedágio que nem o presidente do TC conhecia. Quando ela lhe informou, reagiu: — Onde e como você conseguiu isso? Eu não sabia. Pois bem, ela emprestou a sua cópia para que ele se preparasse para ser entrevistado no dia seguinte, o que, aliás, aconteceu. Quando se sentiu pressionada a revelar sua fonte, publicou um post em seu blog para esclarecer que não revela suas fontes nem sob tortura. O segredo da fonte é um direito constitucional do qual ela não abre mão. Nunca. Agora, Joice dispõe de novas ferramentas de comunicação. Um deles é seu blog, que é um sucesso de público. Em pouco tempo transformou-se em uma das referências de informação para jornalistas, políticos, empresários, governantes e para o distinto público que lhe é fiel. Público que dela exige que mantenha o seu estilo, o mesmo que provoca gastrite em entrevistados. Joice é, para a grande maioria que a ouve, quem revela as verdades que os poderosos querem esconder. E ela faz isso como um quase sacerdócio. Todos os dias atrás das notícias para trazê-las antes de qualquer outro. Essa a sua vaidade. — Algumas denúncias fui eu mesma que cavei. Acho importante fazer este trabalho jornalístico e chamar os responsáveis para que se expliquem. Eles não estão acostumaabril de 2012 |
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“Saí Da BanD Porque houve uma PreSSão muiTo GranDe De PoLíTicoS PoDeroSoS Para muDar minha maneira De Fazer JornaLiSmo. não aceiTei, não Baixei a caBeça” dos com isso e muitas vezes berram, reagem, depois de tudo ir ao ar. Mas aí é tarde. Essa loira que queria ser médica neurologista, muitas vezes convidada para ser modelo, outras tantas para dirigir empreendimentos, virou jornalista por acaso. Acompanhou uma amiga em um teste de televisão. Acabou fazendo e foi chamada. Cursou jornalismo na Universidade de Ponta Grossa e adotou a profissão com entusiasmo e garra. — Sempre tive esse ímpeto de provocação, desde pequena, não tenho medo de ninguém. Sempre gostei de política, do contraditório e da busca da verdade. Experiente, ninguém lhe engana. Ou melhor, quase ninguém. Ela registra, com humor, a sua decepção na saída da rádio Bandnews, onde ficou seis anos e meio e onde criou o programa “Olho no Olho”, o de maior audiência na emissora. Ela ouvia do empresário Joel Malucelli, dono da rádio, seguidamente: — Você é como uma filha para mim. Acreditou. Agora sabe que não deveria ter acreditado, mas compreende que o jogo do poder nesta área do planeta é duro. — Saí da Band porque houve uma pressão muito grande de políticos poderosos para mudar minha maneira de fazer jornalismo. Não aceitei, não baixei a cabeça, A melhor coisa que fiz foi sair e estava na hora.
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JuStiça
o estuprador sob proteção da lei
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ecisão da Justiça não se discute, cumpre-se. Todo ser civilizado já ouviu essa frase. Mas é bom dizer que isso vale para as partes que devem acatar a sentença definitiva. Sem choro nem vela. Agora, decisão da Justiça sobre uma questão que atinge a consciência social de um país deve e pode ser discutida. É o caso do acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo confirmado pelo Superior Tribunal de Justiça. Reza a decisão que o fato de um homem ter estuprado três meninas de 12 anos não é crime porque elas já se prostituíam. Pois, pois, se um dos mais altos tribunais do País não protege crianças e acha normal e não alcançável pelo Código Penal que um adulto pratique sexo com meninas de 12 anos, abre enorme questionamento em matéria moral, em matéria legal, em matéria de decência, em matéria de direitos humanos. Mas houve reações. Fortes, muito fortes. No Senado, várias vozes se levantaram contra a barbaridade diante da indignação social. Duas comissões do Senado se uniram aos protestos contra decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de relativizar o crime de estupro de vulnerável. Dizem os juristas nativos que praticar sexo com menores de 14 anos configura estupro de vulnerável. É o que estabelece a legislação brasileira atual, que nos últimos anos tem caminhado para se tornar mais rigorosa, no intuito de coibir o abuso e a exploração sexual de crianças e adolescentes. O Código Penal, em seu artigo 217-A, tipifica o crime de estupro de vulnerável, definido como “Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos”. A pena prevista, estabelecida pela Lei Nº 12.015/2009, é de 8 a 15 anos de reclusão. Mas não foi só no Senado a reação. A decisão do STJ, que absolveu um acusado de estuprar três meninas de 12 anos, colocou o dispositivo em xeque e causou a revolta de entidades de defesa dos direitos humanos, inclusive no âmbito do governo federal. Como o caso é anterior à al-
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reza a DeciSão que o FaTo De um homem Ter eSTuPraDo TrêS meninaS De 12 anoS não é crime Porque eLaS Já Se ProSTiTuíam
teração no Código Penal, o julgamento se baseou no antigo artigo 224, revogado, que estabelecia a presunção de violência quando a vítima era menor de 14 anos. A ministra Maria do Rosário, da Secretaria de Direitos Humanos, vinculada à Presidência da República, divulgou nota em que repudia a decisão do STJ e pede sua reversão. O documento foi apoiado pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) e pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) mista que investiga a violência contra a mulher. A senadora Ana Rita (PT-ES), relatora da CPI mista, afirmou que a decisão da corte desrespeita os direitos fundamentais das crianças e acaba por responsabilizá-las, quando estão em situação de completa vulnerabilidade. Os direitos humanos de crianças e adolescentes jamais podem ser relativizados. Com esta sentença, um homem foi inocentado da acusação de estupro de três vulneráveis, o que na prática significa impunidade para um dos crimes mais graves cometidos contra a sociedade brasileira. Esta decisão abre um precedente que fragiliza pais, mães e todos aqueles que lutam para cuidar de nossas crianças e adolescentes. As meninas “já se dedicavam à prática de atividades sexuais”, argumenta a decisão. O argumento usado pelo juiz de primeira instância e depois confirmado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo e pela Terceira Turma do STJ é de que as meninas “já se dedicavam à prática de atividades sexuais desde longa data”. A decisão cria nova jurisprudência. O entendimento dos juízes, expresso pela relatora do caso no STJ, é o de se relativizar a norma referente ao estupro de vulnerável. Em vez de ter um caráter absoluto, o crime de estupro de vulneráveis estaria relacionado ao próprio comportamento das crianças e adolescentes: “Com efeito, não se pode considerar crime fato que não tenha violado, verdadeiramente, o bem jurídico tutelado – a liberdade sexual –, haja vista constar dos autos que as menores já se prostituíam havia algum tempo”, sentenciou a ministra Maria Thereza de Assis Moura, do STJ.
Rubens Campana
Rocky Marciano e a direita
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s quatro figuras que dominaram as últimas eleições presidenciais brasileiras eram de esquerda: Fernando Henrique, professor social-democrata ecumênico, mas de conhecida predileção por Marx e Gramsci; Lula, líder operário de discurso trabalhista; Dilma, ex-militante comunista convertida ao brizolismo e depois ao lulismo; Serra, economista cepalino de firmes raízes desenvolvimentistas. Se as credenciais desses quatro não são suficientes, basta perguntar a eles mesmos onde acreditam que se posicionam. Como o cenário político brasileiro chegou a ser dominado pela esquerda? O tema tem sido objeto de debate recente, e as explicações são várias, a maioria delas buscando esclarecimentos no período do regime militar. Em artigo no Estado de São Paulo, João Mellão Neto reproduziu uma tese tradicional: os militares, no poder, não respeitaram os direitos humanos e as garantias individuais e, porque a direita apoiou a ditadura, pagou também o preço da posterior impopularidade. A direita foi a principal força civil a sustentar o regime e aí estaria a origem de um fenômeno raro na maior parte do mundo, mas que ocorreu no Brasil — o de eleições presidenciais onde os principais concorrentes eram dois candidatos assumidamente esquerdistas. A tese não é nova e obviamente faz algum sentido. O combate ao comunismo produziu em vários países do Ocidente uma conhecida — e por vezes incômoda — coalisão, envolvendo católicos, protestantes, liberais, democratas, conservadores e líderes autoritários. No Brasil, acredita Mellão Neto, o medo do avanço comunista durante a Guerra Fria fez com que nossos melhores pensadores de direita acabassem por se engajar no movimento dos generais, perdendo moral e credibilidade. Em artigo no Diário do Comércio, Olavo de Carvalho defendeu tese distinta. Segundo ele, a história do período militar precisaria ser compreendida à luz dos dois golpes que
teriam ocorrido em 1964: o primeiro removeu do poder o muitíssimo desprestigiado presidente João Goulart, o que ocorreu com entusiasmado apoio de larga porção dos brasileiros. O segundo, meses depois, traiu a promessa de restauração democrática e iniciou longo processo de demolição das lideranças políticas conservadoras, substituídas, no poder, “por uma elite onipotente de generais e tecnocratas apolíticos”. Muitíssimo antes de célebres líderes esquerdistas voltarem do exílio, o regime militar já havia chutado para escanteio os mais vocais expoentes do campo conservador, como Carlos Lacerda. Segundo Carvalho, a maior ironia do governo militar foi a de que este, apesar dos enormes esforços que moveu contra a esquerda armada, nada fez contra a desarmada, e até mesmo a cortejou e protegeu, permitindo que ela assumisse o controle de instituições universitárias, culturais e de mídia. De fato, é difícil negar que os anos de chumbo foram também época próspera para a cultura esquerdista no Brasil. Talvez o sumiço da direita possa ser explicado ainda pela teoria da janela de Overton. Joseph Overton observou que em uma determinada área de política pública, como educação, apenas uma faixa relativamente estreita de políticas potenciais será considerada politicamente aceitável. Esta “janela” de opções politicamente viáveis não é definida por aquilo que os políticos preferem, mas sim pelo que eles acreditam que podem apoiar para ganhar ou manter cargos públicos. Não é difícil observar que a janela, no Brasil, contém mais opções à esquerda do que outros países: os maiores partidos de esquerda da Europa e dos Estados Unidos seriam considerados partidos de centro-direita no Brasil, enquanto que os partidos de centrodireita receberiam aqui as costumeiras acusações de fascismo. Rocky Marciano foi o único campeão pesopesado a nunca perder uma única luta em toda a sua carreira. Ele parecia o lutador me-
nos provável para conseguir isso: em muitas de suas lutas ele apanhou bastante e acabou ensanguentado. Uma das razões pelas quais Marciano apanhava tanto era a de que ele tinha braços mais curtos do que a maioria dos outros pesos-pesados. Era mais fácil para os outros socá-lo do que para Marciano acertar-lhes. Em certo sentido, a direita brasileira está hoje em posição similar na arena política. Em uma cultura fortemente inclinada para a esquerda, a direita será golpeada muito mais vezes do que será capaz de acertar seus próprios golpes. A diferença é que Rocky Marciano compreendeu desde o início que ia ser atingido com mais frequência, e se preparou para esse tipo de luta. Sua estratégia foi se concentrar em desenvolver socos poderosos o suficiente para anular os números maiores de murros de seus oponentes. A direita brasileira tomou o caminho inverso, muitas vezes com resultados também piores. Sabendo que estão prestes a serem atropelados por uma alta frequência de golpes, poderíamos esperar que eles dedicassem mais tempo e esforço no desenvolvimento de uma mensagem de nocaute. Na realidade, porém, eles parecem investir muito menos tempo e neurônios em sua mensagem política do que a esquerda. Ao contrário de Rocky Marciano, uma direita brasileira de curta envergadura não vê a necessidade de trabalhar seus golpes. E eles vão precisar de alguns socos de nocaute se esperam um dia voltar ao combate sem passar vergonha. Uns poucos jabs não significarão nada. A opinião expressa nos artigos é exclusivamente do autor e não reflete a posição do Ministério das Relações Exteriores.
rubens campana é diplomata.
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imigração
o haiti está aqui O Brasil tem cerca de 4 mil haitianos que vieram em busca de uma vida melhor depois do terremoto ocorrido em 2010 que devastou o país. No Paraná, grupos de haitianos estão empregados em diversos setores da economia e fortalecem a mão de obra no Estado M C F J L S
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paranaense Zilda Arns, coordenadora internacional da Pastoral da Criança, que morreu no terremoto no Haiti, ocorrido no dia 12 de janeiro de 2010, participava de uma missão humanitária no país. Responsável por importantes projetos voltados à saú-
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de e assistência social de pessoas mais pobres, principalmente crianças, foi três vezes indicada ao Prêmio Nobel da Paz pelo Brasil. O Haiti, devastado nesta ocasião por um terremoto que alcançou 7 graus de magnitude, é uma antiga colônia francesa, localizada no mar do Caribe. Com cerca de dez milhões de habitantes, é a mais antiga república negra
do mundo, fundada por escravos libertos após uma revolta que desencadeou a independência do país, em 1804. Zilda Arns deixou à mostra a ferida do país considerado o mais pobre da América Latina. O Haiti tem renda per capita anual de US$ 1.123 – cerca de 10 vezes menor do que a brasileira – cerca de 70% da população vive abaixo da linha
o fluxo migratório do Haiti para o Brasil está em torno de 200 indivíduos/mês. Estima-se que 4 mil refugiados haitianos estejam no país de pobreza. Mais da metade vive com menos de US$ 1 por dia, e 78% vivem com menos de US$ 2. A taxa de mortalidade infantil é alta, 60 para cada 1.000 nascimentos, e a expectativa de vida é de dez anos a menos do que no Brasil. Assim como morte e vida são atávicas, são também a sobrevivência aliada à esperança. A dedicação de Zilda, e tantos outros que morreram enquanto estavam cumprindo sua missão humanitária, teve continuidade, com o mesmo sentido, quando uma boa parte dos haitianos desolados pela catástrofe – que matou 250 mil pessoas (número até hoje impreciso) e deixou cerca de três milhões de desabrigados - embarcou ao Brasil em busca de uma condição de vida melhor, com trabalho e moradia. Além disso, o bom momento da economia brasileira tornou propícia a escolha. Dessa maneira, o caminho de haitianos e brasileiros cruzou-se novamente. Segundo o Conselho Nacional de Imigração (CNIg), ligado ao Ministério do Trabalho, foram concedidos 709 vistos de trabalho aos haitianos em 2011. O Comitê Nacional para Refugiados (Conare) protocolou 2.150 solicitações de refúgio feitas por cidadãos haitianos para a permanência no Brasil. De acordo com registros do CNIg, o fluxo migratório do Haiti para o Brasil está em torno de 200 indivíduos por mês. Estima-se que quatro mil refugiados haitianos estejam no país.
Padaria com chefe de cozinha internacional Paulo Roberto Kappaun é administrador de duas padarias de propriedade de sua família, uma localizada em Contenda, um bairro de São José dos Pinhais, e outra no centro de São José dos Pinhais. Soube pela TV que havia um grupo de haitianos no Acre em busca abril de 2012 |
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de trabalho. Paulo, que já realiza trabalhos assistenciais, entrou em contato e trouxe cinco haitianos para trabalhar nas padarias. “Muitos brasileiros não sabem da situação dos refugiados e nem como ajudar”, explica. A idade deles varia entre 24 e 39, e exercem função na produção, todos com situação legal no estabelecimento. “Eles têm carteira de trabalho e visto para ficar no País até junho, mas o governo está tentando regularizar a situação deles para dar o visto permanente”, diz Kappaun. Ele disse que vai trazer mais duas famílias ao Paraná e arrumar trabalho para eles em outros lugares. “Tem inclusive uma grávida de 7 meses. Como está numa situação complicada, vou trazê-la, e depois que o filho nascer ela começa a trabalhar”, diz com altruísmo. Paulo conta que eles moram em um terreno de sua propriedade, alojados numa casa. Em relação à língua, ele diz que tenta ensinar todo dia “um pouquinho de português”. “A língua deles é francês e crioulo, mas eles pegam rápido”, afirma. Esse grupo de haitianos que trabalha na padaria pertencia a uma família de classe média do país. Todos têm boa formação educacional e trabalhavam em outras áreas no país de origem. Richard Seraphim, 34 anos, por exemplo, é chefe de cozinha internacional, estudou na República Dominicana, trabalhou em vários países da América do Sul, é o único que se comunica em português. Weldy Seraphim, 32 anos, irmão de Seraphim, trabalhava como mensageiro. Walner Laurand, 24, e Nouguerson Florestal, 19, trabalhavam como motoristas para o governo, Amos Saint Just, 29 anos, é músico profissional. A disposição deles para o trabalho e para ter uma vida com melhores condições não é apenas uma ambição, é sobrevivência. Quando questionados pelo fotógrafo da matéria João Le Senechal se não tomavam uma cervejinha de vez em quando para descontrair, são categóricos: “se fizermos isso estamos tirando dinheiro que podemos mandar para a nossa família no Haiti”, traduz Seraphim, com lucidez. Além desse grupo, mais 24 haitianos chegaram a Ibiporã, Oeste do Estado, amparados por um acordo realizado entre o cônsul geral do Haiti no Brasil, George Antoine, e representantes do Sindicato dos Trabalhadores na
A disposição deles para o trabalho e para ter uma vida com melhores condições não é apenas uma ambição, é sobrevivência Movimentação de Mercadorias em Geral de Ibiporã. Eles foram contratados para trabalhar na movimentação de mercadorias para cerca de dez empresas da cidade. No fim de janeiro, 44 haitianos que estavam no Acre havia dois meses foram para Cascavel, no Oeste do Paraná, trabalhar na ampliação do Hospital São Lucas, que pertence à Faculdade Assis Gurgacz (FAG). Os haitianos foram contratados conforme a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). Em Rolândia, no dia 8 de fevereiro deste ano, o empresário Adilson Oliveira, proprietário da Eurofral, indústria de fraldas infantis e geriátricas, lenços umedecidos e absorventes, recebeu 35 haitianos para trabalhar em sua empresa. A empresa mantém filiais em Cambé, Porto Alegre e São Paulo. O objetivo da Eurofral é empregar 70 haitianos até o fim de março. De acordo com o artigo “O Haiti no Brasil” do diplomata Rubens Campana para a Revista Ideias de fevereiro, “quem manifesta o desejo de ajudar os haitianos não pode negligenciar a ferramenta econômica mais barata e mais poderosa à sua disposição. Essa ferramenta é a migração internacional. Em um lugar onde a renda real per capita caiu pela metade ao longo dos 40 anos anteriores ao terremoto, a extrema maioria dos haitianos que já saiu da pobreza o fez deixando Haiti. Para os que ficam, as remessas internacionais de parentes
Refugiados no Brasil De acordo com o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), há atualmente no Brasil 4.239 refugiados reconhecidos pelo governo (2009), provenientes de 75 países diferentes. As mulheres constituem 30% dessa população. A maioria dos refugiados está concentrada nos grandes centros urbanos do País. O Brasil é internacionalmente reconhecido como um país acolhedor. Mas aqui também o refugiado encontra dificuldades para se integrar à sociedade brasileira. Os primeiros obstáculos são a língua e a cultura. Os principais problemas são comuns aos brasileiros: dificuldade em conseguir emprego, acesso à educação superior e aos serviços públicos de saúde e moradia, por exemplo.
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De acorDo com o miniSTro Da JuSTiça, JoSé eDuarDo carDozo, DoS quaTro miL haiTianoS que enTraram iLeGaLmenTe no BraSiL, 1,6 miL Já eSTá com a SiTuação reGuLarizaDa são historicamente muito mais importantes do que a ajuda externa ao Haiti, com o benefício de chegarem diretamente às mãos dos destinatários”, analisa.
rota, lei e perFil Homens, mulheres e crianças deixam o Haiti pela República Dominicana, passando por Equador, Panamá e Peru. Eles saem da capital Porto Príncipe de navios e atravessam o Mar do Caribe até chegarem ao
Panamá. De lá, seguem para o Equador e depois para o Peru. Dos portos de Lima, os grupos seguem de ônibus, táxis e até mesmo a pé pela Rodovia Transoceânica rumo ao Brasil. Aqui eles costumam entrar pelo Acre. Essa viagem chega a custar até mil dólares. Pela lei brasileira, os haitianos deveriam ser deportados a partir do momento em que entraram ilegalmente no País. No entanto, a medida não será adotada por se tratar de uma questão de ajuda humanitária, segundo o Ministério da Justiça e o Ministério das Relações Exteriores. De acordo com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, dos quatro mil haitianos que entraram ilegalmente no Brasil, 1,6 mil já está com a situação regularizada. O governo federal disse que vai regularizar a situação dos haitianos que estão nos estados do Acre e do Amazonas. Quem já está no Brasil vai receber um visto de permanência. No entanto, o governo vai propor ao Conselho Nacional de Imigração, órgão subordinado ao Ministério do Trabalho, uma resolução para regulamentar a entrada dos haitianos no Brasil. Serão expedidos, pela embaixada brasileira no Haiti, vistos condicionados ao “exercício de atividade certa”, nos termos do artigo 18 da Lei 6.815, de 1980. Por mês, podem ser concedidos cem vistos condicionados com prazo máximo de cinco anos. A maioria dos imigrantes haitianos é homem, com idade entre 20 e 30 anos e grau de escolaridade correspondente ao ensino médio incompleto. Maior parte declarara o desejo de se estabelecer e trabalhar no Brasil. De acordo ainda com o artigo de Campana, “nos lugares onde os melhores estudos sobre imigração foram realizados, verifica-se que a
Saiba maiS Sobre o haiti Nome: república de haiti Forma de governo: república presidencialista capital: Porto Príncipe Nacionalidade: haitiana população: 9.035.536 área: 27.750 km2 idioma: Francês e francês crioulo (oficiais) moeda: Gourde religião: católica, protestante e crenças afro-africanas pib: uS$ 6,9 bilhões (estimativa de 2008) renda per capita anual: uS$ 560 (estimativa de 2008) posição no idh: é o 146º país de uma lista de 177 do índice de Desenvolvimento humano elaborado pela onu (organização das nações unidas)
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a vinda dos haitianos ao Brasil representa mais do que uma força de trabalho, mas uma esperança de continuidade, de construção do futuro contínua chegada de imigrantes incentiva a atividade de negócios e produz ainda mais empregos. Isso porque as economias não possuem um número fixo de empregos pré-determinados; ao contrário, cada novo trabalhador é um recurso que, em condições favoráveis de incentivos, produz riqueza para si e em colaboração com outros. Em seu estudo, os economistas Gianmarco Ottaviano, Giovanni Peri e Greg Wright argumentam ainda que, quanto mais fácil encontrar mão de obra imigrante barata em casa, menos provável que a produção se desloque para fora do país”.
Vistos de trabalho O Conselho Nacional de Imigração (CNIg), ligado ao Ministério do Trabalho, está concedendo vistos de trabalho aos cidadãos haitianos que chegaram ao Brasil após o terremoto de janeiro de 2010 e solicitaram refúgio. A concessão é uma medida complementar de proteção do País, uma vez que a legislação brasileira e as convenções internacionais não reconhecem o refúgio relacionado a desastres naturais ou fatores climáticos. Esta medida, concordada no âmbito do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare) com o apoio de representantes da sociedade civil e do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), permite aos haitianos se estabelecer no Brasil, buscar emprego e ter os mesmos direitos de qualquer estrangeiro em situação regular. Segundo o presidente do CNIg, Paulo Sérgio de Almeida, praticamente todos os haitianos declararam possuir alguma profissão. “Este fator é que faz com que muitos já estejam empregados no Brasil, mesmo com a barreira do idioma, como os que estão em Manaus, quase todos já empregados. O CNIg reforçará 36
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Richard Seraphim, 34 anos, chefe de cozinha internacional, estudou na República Dominicana. Já trabalhou em vários países da America do Sul. No Haiti trabalhava com doces e salgados. Atualmente na padaria com pães e salgados. Único que se comunica em português. Trabalha na padaria de Contenda, bairro de São José dos Pinhais.
Amos Saint Just, 29 anos, músico profissional. Atualmente é auxiliar de cozinha. Trabalha na filial em São José dos Pinhais, centro.
Weldy Seraphim, 32 anos, irmão de Richard. No Haiti trabalhava como mensageiro. Atualmente é auxiliar de cozinha. Trabalha na padaria de Contenda, bairro de São José dos Pinhais.
Nouguerson Florestal, 19 anos, no Haiti trabalhava como motorista para o governo. Atualmente é auxiliar de lanchonete. Trabalha na padaria de Contenda, bairro de São José dos Pinhais.
Walner Laurand, 24 anos, no Haiti trabalhava como motorista para o governo. Atualmente é auxiliar de cozinha. Trabalha na filial em São José dos Pinhais, centro.
Richard Seraphim, Paulo Kappaun, Weldy Seraphim, Divair Nogueira (mãe do Paulo), Nouguerson Florestal, Rosana Kappaun (irmã do Paulo), Amos Saint Just, Fernanda Kappaun (irmã do Paulo) e Walner Laurand.
medidas de cooperação com o Haiti e pretende aprofundar o diálogo com o país, por meio do Ministério das Relações Exteriores (MRE), com foco no tema da imigração”, disse. De acordo com o diplomata Rubens Campana, o Haiti, com seus cerca de 10 milhões de habitantes, possui mais de meio milhão de pessoas vivendo em acampamentos desde o terremoto
que destruiu Porto Príncipe. Para um país como o Brasil, com nossos 192 milhões, a chegada de 4 mil haitianos é inexpressiva. Na verdade, poderíamos receber muito mais, diz ele. Por fim, fica claro que a vinda dos haitianos ao Brasil representa mais do que uma força de trabalho, mas uma esperança de continuidade, de construção do futuro.
Luiz Geraldo Mazza
Aventuras de fotógrafos
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osé Kalkbrener Filho, um dos maiores azes da fotografia e lançador da etapa mais revolucionária ligada à propaganda num estádio que lembrava a Vera Cruz do cinema brasileiro, não brincava em serviço e o mandaram fotografar o golpista das borboletas escudado por seu advogado, o popularíssimo Filizola com sua barba nazarena. O criminalista quis impedir o alemão de fazer a foto e o amigava com tapas. Kalkbrener rapidamente fotografou os lances, como um cineminha, do barbudo querendo agredi-lo. O desdobramento cênico dos dribles de corpo do fotógrafo (que obviamente era o sujeito oculto do operário) causou sensação. Da mesma forma, porém, que se dedicava ao trabalho, o alemão era uma glória do ciclismo nacional, disputando vários sul-americanos. Um dia voltou de uma dessas provas e o diretor do jornal tentou fazer ironia com o fato de ele haver se afastado. E veio duro: “você pensa que isso aqui (o jornal Diário do Paraná)‚ é a casa da sogra?” Com seu tom levemente germânico, respondeu: Acho que sim porque estou com cinco meses de atraso de pagamentos. Todos os artistas, claro, mas um deles saltim-
banco, o Renato Lorangue, vulgo Sati do jornal “O Dia”. Pois na página policial, no necrotério, lá estava, quase sempre, a legenda “a vítima do crime na foto de Sati”. Sabe lá o que é‚ colocar presuntos sob os cuidados justamente de Sati? Pois o Renato nada tinha de satânico, seu jeito lembrava Cantinflas. Um dia ele contava para o diretor do jornal, Saul Lupion de Quadros, a sua lida que o laboratório cedido ao matutino era dele e que com todo esse serviço ainda tinha que engolir fogo. Saul achou que era mete fora e só a entendeu na manhã em que encontrou seu dedicado fotógrafo engolindo fogo na pracinha em frente do jornal, na Carlos Gomes. Nas horas vagas Sati era um pelotiqueiro medieval. Mas fogo ele comia, como meta fora, era mesmo no jornal na hora de receber.
“Rob curioso” Do Sérgio Matulevitius, fotógrafo de revistas nacionais, cuja carreira encerrou como profissional da embaixada yanque, lances em que se torna difícil separar o real do imaginário: foi a Buenos Aires cobrir um sulamericano e no meio da disputa houve um golpe de Estado na Argentina e ele mandou documentário de primeiríssima sobre o assunto e o pessoal até andou se batendo para entender o
feito que esperavam fotos de futebol. Outra foi um jogo em Paranaguá e havia uma dívida que só ele poderia clarear, já que estava atrás do gol, mas urgia fazer a revelação. Ele foi ao apartamento do irmão, Nelson Cabeleira, escultor e lá montou o laboratório. No meio da madrugada gritou “foi gol” e com isso acordou os moradores do Edifício Tijucas. A serviço da revista regional “Panorama” foi documentar o quebra-quebra em Paranaguá por causa da falta de energia nos anos sessenta. Viajou no toco-duro de segunda classe no trem e quando chegou na cidade seus pés estavam inteiramente “adormecidos”, sem circulação, razão pela qual batia os pés no chão para libertar-se daquele constrangimento. Com aquela cara imensa de imigrante aproximava-se das pessoas, batendo os pés, como fandangueiro e lhes perguntava onde se davam as ocorrências, mas quando abordou o segundo informante ganhou o apelido de “Rob curioso”, adequadíssimo como uma foto.
luiz geraldo mazza é jornalista.
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SaÚde
tarja preta na cabeça Nada menos que 10 milhões de caixas de Rivotril – nome com o qual é comercializado o ansiolítico produzido a partir do clonazepam – foram vendidas em 2010 no Brasil. Porém, a venda recorde de ansiolíticos levanta uma série de questões em relação ao consumo exacerbado M C
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unca antes na história deste país se usou tanto ansiolítico. Indicados para o controle de ansiedade e tensão, estão no topo da lista dos remédios mais consumidos pela população brasileira entre 2007 e 2010, apesar de serem de uso controlado. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) divulgou no último dia 20 de janeiro boletim técnico contendo uma série de informações a respeito do consumo de medicamentos controlados. De acordo com o Boletim do Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados, desde 2007 os ansiolíticos feitos a partir de substâncias como clonazepam, bromazepam e alprazolam são os mais consumidos entre os 166 princípios ativos listados na Portaria nº 344, que inclui também as substâncias usadas em outros medicamentos de uso controlado, como emagrecedores e anabolizantes. Segundo a Anvisa, esses inibidores do sistema nervoso central têm sido mais consumidos no Brasil do que muitos medicamentos que não exigem receita médica. A Organização Mundial da Saúde (OMS) prevê que a depressão será a doença mais comum do mundo em 2030 – atualmente, 121 milhões de pessoas sofrem do problema.
tarJa preta Os ansiolíticos estão entre os remédios conhecidos popularmente por “tarja preta”, que só poderiam ser comprados em farmácias registradas e autorizadas pela An38
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a orGanização munDiaL Da SaÚDe (omS) Prevê que a DePreSSão Será a Doença maiS comum Do munDo em 2030 – aTuaLmenTe, 121 miLhõeS De PeSSoaS SoFrem Do ProBLema visa a comercializar os medicamentos listados na Portaria nº 344. De acordo com a Anvisa, a venda legal de Rivotril (clonazepam) saltou de 29,46 mil caixas em 2007 para 10,59 milhões em 2010, os brasileiros gastaram ao menos R$ 92 milhões com Rivotril, em seguida vem o segundo mais comercializado, Lexotan (bromazepan), que vendeu, em 2010, 4,4 milhões de
unidades. Já o Frontal (alprazolam) registrou 4,3 milhões de unidades. Para se ter uma dimensão regional, só no Paraná foram consumidas em 2010 mais de 700 mil caixas de medicamentos que contêm o clonazepam.
depreSSão X triSteza A economista Luciana Silva, 33, toma remédio para síndrome do pânico, um tipo de transtorno de ansiedade patológico, há 15 anos. Ela foi diagnosticada aos 18. “Tomo ansiolítico todos os dias. Tentei vários, pois sofria com os efeitos colaterais. Senti tonturas, náuseas, boca seca, insônia, etc. Hoje me adaptei com Rivotril, mas no início me fez muito mal. Orientada pelo meu psiquiatra, diminuí a dose e me encaixei”, explica a economista. Luciana faz terapia também e diz que tentou parar de tomar o remédio, mas que as crises eram frequentes. “Sei que tenho esse problema então tenho que tratá-lo dessa maneira”, conclui. Já o caso do engenheiro Ricardo Alves, 47, foi diferente. Ele passou por um período difícil, depois que sua mulher faleceu o ano passado, eles estavam casados havia 15 anos. “Sentia que minha vida tinha acabado, foi uma ruptura no meu dia a dia, tudo mudou”, conta. Alves diz que sentia apatia, tristeza, cansaço, e foi a um clínico geral, que diagnosticou estresse pós-traumático e receitou um “tarja preta”. “Tinha consciência que era um período difícil, mas sempre tive um receio com esses remédios. O mais estranho
a prescrição indiscriminada e o uso excessivo podem ser algumas das explicações para o alto consumo de ansiolíticos
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foi que o médico não fez nenhum exame mais aprofundado”. Mesmo assim, Alves tomou o ansiolítico durante três meses. “Conseguia dormir melhor, mas parei. Sempre fiquei em dúvida se precisava realmente tomar ansiolítico”, questiona. Segundo o psiquiatra mineiro Miguel Chalub, em entrevista à Revista Istoé, existe uma diferença entre a “tristeza normal e a patológica”. Mas o despreparo dos demais especialistas não seria o único motivo do que o médico chama de “medicalização da tristeza”. Muitos profissionais se deixam levar pelo lobby da indústria farmacêutica. “Os laboratórios pagam passagens, almoços, dão brindes. Você, sem perceber, começa a fazer esse jogo. Há a tendência de achar que o medicamento vai corrigir qualquer distorção humana. É a busca pela pílula da felicidade”, explica o psiquiatra.
Prescrição indiscriminada O psiquiatra Lauro Cardoso aponta que a prescrição indiscriminada e o uso excessivo podem ser algumas das explicações para o alto consuabril de 2012 |
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O manual de diagnóstico - DSM O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders – DSM) é um manual para profissionais da área da saúde mental que lista diferentes categorias de transtornos mentais e critérios para diagnosticá-los, de acordo com a Associação Americana de Psiquiatria (American Psychiatric Association APA). É usado ao redor do mundo por clínicos e pesquisadores bem como por companhias de seguro, indústria farmacêutica e parlamentos políticos. Existem quatro revisões para o DSM desde sua primeira publicação em 1952. A maior revisão foi a DSM-IV publicada em 1994. O DSM-V está atualmente em discussão, planejamento e preparação, para uma nova publicação em maio de 2013.
Teoria A teoria que as doenças mentais são causadas por desequilíbrios químicos surgiu por volta da década de 1950 com a adaptação de três remédios originalmente destinados para tratar infecções. 1954: Amplictil (clorpromazina): usado em hospitais psiquiátricos, para acalmar pacientes psicóticos, sobretudo os com esquizofrenia. 1955: Miltown (meprobamato): vendido para tratar a ansiedade em pacientes ambulatoriais. 1957: Marsilid (iproniazid): entrou no mercado para tratar a depressão. Em três anos, tornaram-se disponíveis medicamentos para tratar as três principais categorias de doença mental nessa época – ansiedade, psicose e depressão.
mo de ansiolíticos. Segundo o psiquiatra, os ansiolíticos têm sido indicados por profissionais de diversas áreas. “Sabemos que médicos de várias especialidades prescrevem esses remédios, sem necessariamente ser psiquiatras”, revela. Este não é, porém, o único fator que pode explicar o boom dos calmantes no Brasil, ressalta Cardoso. O uso descontrolado também está entre os fatores. É cada vez mais comum recorrer aos tranquilizantes para enfrentar o estresse e as dificuldades da vida cotidiana. O pior é que esse tipo de remédio provoca dependência”, afirma o psiquiatra. De acordo com o médico, o melhor monitoramento do consumo dos ansiolíticos no País reflete também os números elevados. Atualmente, o Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados (SNGPC) da Anvisa tem cadastradas 41.032 farmácias e drogarias, equivalente a 58,2% do total dos
Princípios ativos Clonazepam - Rivotril O clonazepam pertence a uma família de remédios chamados benzodiazepínicos, que possuem como principais propriedades inibição leve de várias funções do sistema nervoso permitindo com isto uma ação anticonvulsivante, alguma sedação, relaxamento muscular e efeito tranquilizante.
Alprazolam – Frontal Utilizado em distúrbios da ansiedade e em crises de agorafobia. A benzodiazepina estimula os efeitos do ácido gama-aminobutírico (GABA), reduzindo a ansiedade moderada e ansiedade associada à depressão. Também possui propriedades sedativas, hipnóticas, anticonvulsivantes e de relaxamento muscular.
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fotos divulgação
Bromazepam – Lexotan Substância química de classe benzodiazepínica, com propriedades específicas que o indicam como medicamento ansiolítico, hipnótico, relaxante neuro-músculo-esquelético e sedativo.
Quando a emoção e a doença se tornam “moeda”, algo de muito errado acontece no reino da medicina e a palavra “consumo” ocupa todos os seus significados estabelecimentos autorizados pela agência reguladora a vender medicamentos controlados. Além disso, o preço baixo dos ansiolíticos contribui para o alto consumo. Uma caixa de Rivotril sai na faixa de R$ 10 reais. O consumo indevido de medicamentos em geral, e de psicotrópicos em particular, representa um grande problema de saúde pública, de acordo com a Anvisa. Portanto, é bom ficar atento e não cair em fórmulas fáceis e eficazes. Tristeza, sofrimento e dor são parte da vida. Depressão e transtornos mentais devem ser tratados com seriedade e cuidados médicos. Quando a emoção e a doença se tornam “moeda”, algo de muito errado acontece no reino da medicina e a palavra “consumo” ocupa todos os seus significados. O perigo é transformar a doença num negócio, por sinal, extremamente lucrativo.
Andrea Greca Krueger Paula Abbas
Suave é o poder...
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m novo tipo de poder emerge no universo das relações internacionais. Ele não é ditatorial, repressor e intimidador – pelo contrário: é uma força suave, aprazível e branda que pode ser representada de diversas maneiras, formas e tamanhos. Estamos falando do soft power, termo cunhado no início dos anos 1990 por Joseph Nye, professor de Harvard e secretário assistente de defesa para assuntos de segurança internacional do governo Bill Clinton. No livro Bound to Lead – The Changing Nature Of American Power (Fadado a liderar – a natureza mutante do poder americano, em tradução livre), de 1991, Nye discute a necessidade de os EUA se adaptarem às novas realidades do poder mundial num mundo cada vez mais interdependente e menos suscetível ao emprego do poder militar. Na época, a teoria foi duramente julgada e questionada, a exemplo de tantas outras ideias brilhantes e visionárias que foram reconhecidas apenas anos mais tarde. O fato é que o conceito de poder do professor Nye, devidamente retomado e agora cultuado, nunca fez tanto sentido. Levando em consideração que o conceito básico de poder é a habilidade de influenciar outros a fazer o que você quer, ele afirma: “há três maneiras de se fazer isto: uma delas é ameaçá-los com galhos; a segunda é comprá-los com cenouras; e a terceira é atraí-los ou cooperar com eles para que queiram o mesmo que você. Se você conseguir atraí-los a querer o que você quer, custará a você muito menos cenouras e galhos”. Segundo ele, PIB, tecnologia militar ou tamanho da população não tornam uma nação necessariamente poderosa. Ter mais recursos nem sempre produz o resultado esperado, a exemplo da derrota dos Estados Unidos na Guerra do Vietnã. É preciso encontrar um novo argumento para definir poder no século 21. “Não é apenas ganhar a guerra, não é qual exército vence. É qual história prevalece”, defende o professor. “Devemos pensar em termos de narrativas de fato eficazes.” A discussão a respeito do soft power voltou à tona em importantes rodas de intelectuais em todo o mundo. A respeitada revista britâ-
nica Monocle realizou uma pesquisa sobre o poder brando e compilou o resultado ao longo de mais de cem páginas em sua edição dupla de janeiro e fevereiro de 2012, dedicada especialmente ao assunto. O objetivo, segundo o editor Tyler Brûlé, é provocar debates e discussões saudáveis no meio dos ministérios de relações exteriores.
CRITÉRIOS Esta é a segunda vez que a Monocle realiza a pesquisa sobre soft power. Cinquenta fatores e quarenta países foram analisados, mas apenas trinta chegaram lá. Os critérios de seleção foram as respostas obtidas para as vinte questões abaixo: • Percentual do PIB gasto em ajuda internacional • Número de missões culturais • Número de think-tanks (usinas de ideias) e ONGs • Desigualdade de renda • Número de tratados ambientais assinados • Sociedade em organizações internacionais • Taxas de crimes violentos • Gasto em bolsas de estudo internacionais • Número de publicações acadêmicas • Número de patentes • Posição no index de competitividade do Fórum Econômico Mundial • Posição no index Anholt-Gfk Roper Nation Brands (mede imagem e reputação das nações como “marcas”) • Número de usuários de internet • Investimentos internacionais diretos • Número de turistas por ano • Número de correspondentes internacionais que vivem no país • Valor de exportação de filmes • Número de medalhas de ouro em Jogos Olímpicos • Número de lugares considerados Patrimônio Mundial da Unesco • Índices de audiência de mídias patrocinadas pelo estado
RANKING Este ano, os Estados Unidos desbancaram o Reino Unido, que ficou em segundo, e conquistaram a medalha de ouro. Apesar de serem uma grande nação hard power, os ianques ainda são os maiores exportadores culturais do planeta. Os números não mentem: 28 álbuns no top 50 global em 2011, 3.150 correspondentes internacionais vivem no país, há 1.816 usinas de ideias, 45 medalhas de ouro foram conquistadas nos Jogos Olímpicos (de verão e inverno), em média 59,7 milhões de turistas visitam anual-
mente o país – onde, a propósito, nasceram 333 vencedores do Prêmio Nobel. Os súditos da Rainha Elizabeth, apesar da queda e das impopulares políticas de austeridade, têm um enorme alcance graças à sua adorada cultura: 11 álbuns do top 50, 1.500 correspondentes internacionais, 28 patrimônios mundiais da Unesco, 7º no ranking da Fifa, 20 medalhas olímpicas de ouro e 32 universidades no top 100 global. Além disso, a família real vive um momento de grande popularidade e as marcas made in UK – como Aston Martin, Land Rover e Burberry – possuem milhões de fãs mundo afora. Você deve estar se perguntando: “e o Brasil, com a música, a alegria, o Carnaval e o futebol, conseguiu um lugarzinho ao sol?”. Pois bem, a resposta está logo abaixo. Confira lista completa dos trinta países que, de acordo com a Monocle, não apenas possuem soft power mas, principalmente, sabem usá-lo: 1. Estados Unidos 2. Reino Unido 3. França 4. Alemanha 5. Austrália 6. Suécia 7. Japão 8. Suíça 9. Canadá 10. Holanda 11. Noruega 12. Dinamarca 13. Espanha 14. Coreia do Sul 15. Finlândia
16. Itália 17. Nova Zelândia 18. Áustria 19. Bélgica 20. China 21. BRASIL 22. Cingapura 23. Turquia 24. Chile 25. Portugal 26. Israel 27. Índia 28. Rússia 29. República Tcheca 30. Grécia
“BRAZIL” A Monocle quase não tem palavras ruins para se referir ao Brazil, um enorme exportador de commodities, sede das próximas Olimpíadas e Copa do Mundo e ainda por cima terra-mãe das legítimas Havaianas. A “terra de 200 milhões” só não está melhor colocada devido à “burocracia presunçosa”, que faz um mercado potencial gigante parecer uma loja de portas fechadas.
Andrea Greca Krueger é jornalista e professora. Paula Abbas é consultora jurídica e empresarial. abril de 2012 |
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SeguraNça
o horror mora ao seu lado
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uritiba ficou perplexa. Não imaginou jamais que entre os seus cidadãos estivessem pessoas capazes de incitar a violência contra negros, mulheres, homossexuais, nordestinos e judeus. Ou que pregassem o abuso sexual de menores. Isso feito de maneira explícita e sem nenhuma preocupação com as consequências dessa pregação. Tudo bem, há pessoas esclarecidas e cultas (tanto quanto os fanáticos) que tendem a apreciar esses eventos pelos seus aspectos políticos e ideológicos ou de poder. Muitos chegam a defender o direito de cada qual expor suas ideias em qualquer meio de comunicação à sua disposição. A consequência é que não se chega a considerar muito a sério os efeitos desses sobressaltos na vida das pessoas comuns, o povo, os burgueses e burguesotes de cada lugar do País. E, no entanto, é provável que essa seja a única coisa que realmente importa. Pois bem, a ação chamada “Operação Tolerância” da Polícia Federal prendeu no dia 22 de março dois homens que faziam exatamente isso. Emerson Eduardo Rodrigues e Marcelo Valle Silveira Mello eram os responsáveis por um site na internet criado com o objetivo de estimular preconceitos e mais, estimular violência contra os grupos que detestava. Um exemplo trágico disso. O delegado Fúlvio Garcia, da Polícia Federal, encontrou vínculos além da internet que atam os dois presos em Curitiba com problemas mais graves. Para ele, há uma ligação evidente entre Rodrigues e Silveira Mello e a chacina do Realengo, onde um rapaz, Wellington Menezes de Oliveira, atacou a escola Tasso da Silveira, no Rio de Janeiro, e matou 12 crianças. Wellington fazia parte da mesma seita, Homini Sanctus. Para o delegado, o assassino do Realengo procurou o grupo de Rodrigues e Silveira Mello, que o aconselhou: “olha, você tem duas opções, ou você se conforma e vive infeliz pelo resto da vida ou faz alguma coisa em nome de sua causa. Wellington fez. Cometeu a cha-
cina, sem saber quem estava matando. Como um gesto movido pelo rancor e pelo fanatismo, dois sentimentos que costumam andar juntos. Os dois também são suspeitos de planejar um atentado contra estudantes do curso de Ciência Sociais da Universidade de Brasília (UnB), descritos pela dupla como “cânceres” e “parasitas”. O ataque seria nos mesmos moldes do realizado por Wellington Menezes de Oliveira. As investigações sobre a atividade de Rodrigues e Silveira Mello na internet começaram
a conSequência é que não Se cheGa a conSiDerar muiTo a Sério oS eFeiToS DeSSeS SoBreSSaLToS na viDa DaS PeSSoaS em novembro do ano passado. Desde aquela época, mais de 70 mil denúncias de internautas foram registradas. De gente indignada ao ver que os operadores e usuários do site fazem parte de uma seita que prega o extermínio em massa de todos os homens que não são brancos. Uma das pessoas que denunciou o curitibano Rodrigues diz que ele sempre foi um homem muito violento. Segundo a mulher, ele afirmava constantemente que não gostava de negros, homossexuais e judeus. — Parecia ser um homem extremamente inteligente, porém muito violento, descontrolado, agressivo e racista. Nos perfis de Rodrigues nas redes sociais
ele se descrevia como engenheiro que já havia atuado em diversos países do mundo, mas afirmava que não tinha diploma. Ele dizia também que queria ir embora do Brasil e conseguir a cidadania italiana, onde a maioria das pessoas é loira e as mulheres “não tomam o espaço de trabalho dos homens”. Segundo suas publicações, as mulheres que tivessem relação sexual com negros deveriam morrer. Os dois vão responder pelo crime de incitação/indução à discriminação ou preconceito de raça, por meio de recursos de comunicação social e também por incitação à prática de crime e publicação de fotografia com cena pornográfica envolvendo criança ou adolescente. Além disso, a Polícia Federal está convencida de que o curitibano Emerson Eduardo Rodrigues orientou o atirador Wellington, que em 2011 atacou a tiros no Rio de Janeiro. Eles usavam o site silviokoerich.org., que é nome de um cidadão que nada tem a ver com eles. Ao contrário, chegou a criticá-los num debate e, em represália, os criminosos usaram o seu nome. Apesar de demonstrarem uma conduta extremamente agressiva, o professor do Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental da Universidade Federal Fluminense (UFF), Mauro Vitor Mendlowicz, não acredita que os homens sofram de algum tipo de doença mental grave, como esquizofrenia ou psicopatia. Segundo o especialista, o caso parece ser um exemplo do que é conhecido pela psiquiatria como “ideia sobrevalorizada”. Se comprovada a tese do especialista, os dois não podem se beneficiar do Art 26º do Código Penal, que isenta de pena os que, “por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, ao tempo da ação ou da omissão, eram inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato”. Eles devem responder por incitação à prática de crimes, discriminação e divulgação de imagens de pornografia infantojuvenil. Emerson Eduardo Rodrigues ainda é suspeito de agredir a esposa. abril de 2012 |
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terroriSmo
maniqueus cegos
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alvez uma das melhores coisas escritas sobre o terrorismo seja uma crônica de Carlos Drummond de Andrade em 1970, quando o mundo vivia uma epidemia de horror. “O terrorista é um maniqueu cego”, disse o poeta. O terrorismo é a negação do diálogo; é a recusa terminante de entender a outra parte, ouvir as suas razões, vislumbrar um acordo. A essência do terrorismo é a mesma do totalitarismo; ele pretende a destruição moral (e física) dos seus oponentes e o acoelhamento da nação inteira, e sua rendição pelo medo. O que aconteceu na França e chocou o mundo não pode ser explicado de outra forma. Três crianças e um adulto foram abatidos a tiro na porta de uma escola judaica de Toulouse, sudoeste da França. Testemunhas viram um homem abrir fogo sobre as pessoas que estavam à porta da escola Ozar Hatorah e fugir numa scooter. Logo, a polícia comprovou que a arma do crime fora usada dias antes no assassinato de três soldados em Montauban, perto de Toulouse. A polícia francesa mobilizou mais de mil policiais na investigação. Descobriu a identidade do assassino, Mohammed Merah, cidadão francês de 23 anos, filho de argelinos, que cometera pequenos crimes desde a adolescência. Mas o que levou Mohammed Merah a atirar contra crianças e a matar soldados e um professor? Ele disse à polícia que o manteve sob cerco se considerar um soldado dedicado à luta pela libertação da Palestina, contra o povo judeu e contra seus aliados, inclusive a França, que mantém soldados no Afeganistão. Disse também que acredita na religião do Islã e defende as leis do Corão. Revoltou-se com a proibição do uso do véu muçulmano integral pelas mulheres na França, revelou o promotor de Justiça François Molins. Merah disse à polícia ser integrante da Al-Qaeda e que visitou recentemente o Paquistão e o Afeganistão, e afirmou que esteve no reduto talibã de Candahar. Ainda será necessário comprovar todas essas afirmações de Merah. Mas algo é claro, ele foi motivado pela intolerância, pelo racismo, pela
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Só oS inSanoS PoDem PenSar aSSim. maS acreDiTem, eLeS exiSTem e muiTaS vezeS eSTão enTre nóS
crença fanática, a ponto de expor sua própria vida. Não se entregou à polícia, saiu atirando e foi morto com um tiro na cabeça. No entanto, não existem informações concretas sobre sua participação em um campo de treinamento. A investigação deve determinar se ele atuou sozinho ou com a ajuda de uma célula, e se ele pertencia à Al-Qaeda, como afirmou pouco antes de morrer. O que explica o gesto tresloucado de Merah? Ele cresceu em Toulouse, em uma residência pobre no bairro de Lês Izards, que apresenta grande criminalidade e forte presença de imigrantes do norte da África. Depois, mudou-se para a região mais tranquila de Cote Pavee, no sul da cidade. De uma família de cinco irmãos, ele foi criado pela mãe divorciada. Nesses bolsões de imigrantes não integrados às organizações e às teorias que pregam a vendeta por um mundo que nega tudo aquilo que lhe é negado, faz sucesso entre jovens, especialmente. O governo francês identificou esse risco. Para os fanáticos de qualquer religião, o herege é visto como um desafiante da ordem política; o dissidente político é encarado como um desafiador do dogma religioso que ele quer adotado pelo Estado-nação. Dessa forma, explica Rouanet “a intolerância religiosa assumiu formas especialmente virulentas”. O personagem Rubachov, em O Zero e o Infinito, de Arthur Koestler, também exemplifica essa máxima de uma verdade que está acima de tudo e de todos e é a única que deve se impor. “O Partido nunca pode errar – disse Rubachov. – Eu e o camarada podemos cometer um erro. O Partido não. O Partido, camarada, é mais do que você e eu e milhares de outros como você e eu. O Partido é a corporificação da ideia revolucionária da História. A História não conhece escrúpulos nem vacilações. Inerte e infalível, ela marcha para o seu alvo. Em cada curva do seu percurso deixa a lama que arrasta e os cadáveres afogados. A História conhece o seu caminho, não erra. Quem não tem fé absoluta na História não pertence às fileiras do Partido”. Só os insanos podem pensar assim. Mas acreditem, eles existem e muitas vezes estão entre nós.
Antonio Augusto Figueiredo Basto
Baile de máscaras “A característica do momento é que a alma vulgar, sabendo que é vulgar, tem a coragem de afirmar o direito da vulgaridade e o impõe em toda parte, ser diferente é indecente.” Ortega y Gasset
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magine que um sujeito que voltando do inferno onde passou alguns séculos é convidado para um baile de máscaras, onde o enorme salão é branco e asséptico, as pessoas se vestem com as mesmas roupas e cobrem o rosto com uma máscara de formas arredondadas e sem expressão, são todos iguais. Essa atmosfera cria inicialmente uma sensação de surpresa, excitação e curiosidade que cede logo ao hilário e ao cômico, mas ao final sente uma opressora asfixia ante o deprimente espetáculo da monótona igualdade, enauseado nosso protagonista prefere as chamas do subterrâneo à assepsia do mundo. Antes de sair o espectro renova a pergunta de Jó: “Sabeis de algum lugar no mundo onde exista inteligência?” Você talvez não tenha lido a “Divina Comédia”, poema composto por Dante Alighieri no século XIV, mas sem precisar do “Google”, sabe quem foi Dante e da sua importância para a literatura universal. Você não deve saber o que é Gerush 92, eu nunca tinha ouvido falar. Noite dessas jantando com os diletos Marcello Ramela, Evaldo Macedo, Armando Santana e Chico Urban, achamos que era um remédio, para melhorar o desempenho sexual, (ninguém ali precisa disso), talvez um antidepressivo ou ansiolítico, drogas tão modernas e usadas como o Google. O “Gerush 92” não é remédio, mas uma droga com certeza. Trata-se de um grupo que se pretende defensor dos direitos humanos, cujas ideias politicamente corretas, podem causar impotência do pensamento, deprimir a inteligência ou causar demência. Traduzo a bula. Esses idiotas do “Gerush 92” pediram às Nações Unidas o banimento da “Divina Comédia” obra-prima de Dante, que Jorge Borges considerou como “o melhor livro produzido pela literatura”, alegando que tem conteúdo homofóbico, antissemita, anti-islâmico e machista e por isso deve ser expurgada das escolas e universidades. A “intelligentzia” diz que a obra escrita em 1300 pode afetar e prejudicar o desenvolvimento mental de nossa juventude. Santa demência. Dante já foi tido como panteísta, antiquado por Hugo, e cruel por Niestzhe, que no Crepúsculo dos Ídolos o define como “A hiena que versifica nas sepulturas”.
Mas pretender ver em seu poema homofobia ou antissemitismo é “hemiplegia moral” desses idiotas que, exaltados pela ideia de um supremo bem- estar social, ideologia que não aceita contradições, contaminam a inteligência submetendo alguns, exaltando outros, demenciando muitos. Ao contrário desses mandarins literários não pretendo e nem me sinto em condições de analisar a complexa obra do mestre florentino, objeto dos mais variados estudos literários, mas talvez a melhor interpretação tenha sido dada por ele mesmo na epístola a Can Grande, onde afirmou que o tema de sua comédia era o estado das almas após a morte. Thomas Carlyle (Heróis) e Maurice Joly (Diálogo no inferno entre Maquiavel e Monstequieu) cunharam obras literárias mundialmente reconhecidas mas vivamente hostis e antissemitas, nem por isso foram banidos ou catalogados como preconceituosos. Expurgar pensadores e bani-los da história é uma ideia velha como a peste, fica adormecida esperando que alguma ratazana seja o vetor de seu maléfico retorno. Aqui recentemente tentaram riscar Monteiro Lobato e agora o Houaiss do mapa literário, vulgarizaram o idioma, simplificando-o em uma linguagem balbuciante, quase infantil. Essa gente inteligente adora rótulos e odeia a diversidade, prefere o exílio da idiotia à liberdade pelo conhecimento. Ideologias moralizantes ou moralizadoras seduzem em um primeiro momento pela possibilidade de um mundo melhor e por isso arrastam muitas pessoas, mas a história se encarrega de desmentir suas proposições. Em 415 d.C cristãos queimaram a biblioteca de Alexandria, mataram a brilhante astrônoma (Hipatia) e um maluco virou santo, a Inquisição queimou Giordano Bruno, comunistas expurgaram intelectuais, fascistas e nazistas pensavam que tinham motivos morais para não fazer o bem. O livre pensar e a diferença sempre foram os piores pesadelos das ditaduras, que viram na homogeneidade o supremo bem social, uma vida “standard” composta do mesmo desiderato para todos. O grande paradoxo é que atrás da máscara das boas intenções esta a carantonha do totalitarismo. Pretender acabar com preconceitos banindo livros é uma ideia tão simplória quanto querer acabar com uma epidemia matando os doentes, deixando de lado as causas da doença. Ray Bradbury em Fahrenheit 451 escreveu “primeiro
se queimam livros, depois pessoas”. Dom Miguel de Unamuno tinha um sentimento trágico da vida, sabia que nosso destino é selvagem e insondável e que a dimensão dessa fatalidade impede que o mundo seja um paraíso, não precisamos da “utopia da virtude”, mas de uma “utopia de sinceridade para continuar vivendo. Igualdade só na fantasia das máscaras da hipocrisia e na morte. Para Blake, “um tolo não entrará no céu por mais santo que seja, é preciso descartar a santidade: é preciso investir-se em inteligência.” Lúcifer é descrito como “o verme que perfura o mundo”, essa gente sisuda que deseja reformar tudo pela virtude, pensa que a única liberdade dada ao homem foi fazer o bem e por isso nenhum desvio é permitido. Se acreditam santos e podem mesmo ser justos, mas são mentalmente pobres, e agem como o “demônio da gravidade que vive nas trevas e vira tudo para baixo”. Julgam e condenam, não escutam, escutam-se, preferem o discurso ao diálogo, querem transformar o mundo num auditório atento e dócil. Essa atmosfera cria uma sensação de opressora asfixia ante o deprimente espetáculo da monótona igualdade, faz com que se renove a pergunta de Jó: “Sabeis de algum lugar no mundo onde exista inteligência?”. Dante carregou sua solidão pela vida, passeou com Virgílio pelos infernos, pelo purgatório, chegou ao paraíso, foi humilhado por Beatriz, exilado e injustiçado morreu solitário em Ravena. Como diria Ramella, foi “imenso” e tão grande é sua obra que rivaliza com os oceanos em beleza e profundidade. Sua obra associou a liberdade de pensar e amar como disse Hugo “Uma responde ao coração, a outra ao espírito: são duas faces da liberdade de consciência. Em qual Deus eu acredito, qual mulher eu amo, ninguém tem de indicar, a lei menos do que ninguém”. Escreveu um livro sobre o destino comum de todos nós, a morte, pois sabia que “não há no mundo amor suficiente para ser desperdiçado em algo que não o ser humano”. Preferiu ser livre nos infernos com Virgílio, a viver na escravidão do paraíso da virtude terrena.
antonio augusto figueiredo basto é advogado e escritor. abril de 2012 |
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Carlos Alberto PessÔa
com vocês o melhor estilo oral da literatura paranaense
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erdi a conta dos anos que conheço o Chaim, Ali, Califa 33, o grande repórter policial do jornal, rádio&tevê, Sombra do Show de Jornal da dupla Aderbal Fortes-Renato Schaitza, canal 4 dos bons tempos que não voltam mais, início dos 70, ao meio da grande arrancada desenvolvimentista sob os militares. Onde nos conhecemos? Nas quebradas, bocas, na madrugada, na boemia de beira de calçada&café da boca maldita, nos inferninhos do Centro – Luigi, Graceful, La Vie Em Rose, Marrocos, Moulin Rouge, Gogó da Ema, etc., todos mortos. Nesta época, sob o título “UM GIRO NA NOITE” e o pseudônimo Lawrence das Arábias, assinava coluna no finado DIÁRIO DA TARDE, direção do Maurício Fruet; malandro, ganhava algum e conhecia as damas da noite, polacas, francesas, argentinas, uruguaias e o bom produto nacional bruto, brasileiras em flor, brasileiras fanadas, brasileiras no ponto; nas horas vagas assessorava o Meio Quilo, conhecido repórter da Gazeta do Povo. Bola vai, bola vem, eis senão quando o nosso herói embarca na tevê, canal 6, Associada. Aqui sob as ordens&comando de outro Aderbal, o Stresser. Tudo ficava bem à mão, no centro, perto da Carlos Gomes; o turco ficou lá pouco mais de um ano. Não lembro de tê-lo visto no canal 6; não via tevê, não tinha tevê, meus horários não combinavam com os do programa. Preciso acrescentar que continuava firme nas assim chamadas ondas hertzianas? Na Bedois! Olha o título do lance: PLANTÃO POLICIAL! O OLHO DA LEI SOBRE A CIDADE. Sucesso de público&crítica, audiência crescente. Com a bola cheia teve seu passe comprado pela Colombo. E ganhou fusca do ano, zerinho, branquelo. Com a célebre, admirada, invejada placa 3333. E assim o conheci, assim
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Sua PreSença De eSPíriTo, Sua inTeLiGência TemPeraDa Por muiTa maLanDraGem, Por riquíSSima exPeriência De viDa
fomos apresentados. Figuraça! Melhora bastante de perto, ao vivo&cores, mãos tratadas, 12 mil perfumes em quase todas as roupas e quase todos os lugares do corpo menos nas mãos, lenço amarrado no pescoço, barbicha rala, ralo bigode, cabelo liso, abotoado, camisa de seda – tem obsessão por seda! por brilho! –, calça justa na bunda e coxas, bocão de sino, sapato cheio de graxa e graça. Não, não é verdade que o Chaim andasse sempre com o seu impertérrito instrumento de trabalho embaixo do braço; não. O gravador ficava no carro, adrede preparado, engatilhado, pronto pra entrar em ação, registrar as falas dos delegados, dos bandidos, dos policiais. E a do seu titular, Ali Chaim. Ali Chaim, Califa 33, o turco, primeiro e único. Com aquela voz tão característica, elocução tão pessoal&intransferível, divisão das palavras tão dele, vocabulário mezzo a mezzo, metade criaçon, outra metade plantaçon. Com gírias e palavras inventadas que levaram o grande Dalton Trevisan a afirmar: — É o melhor estilo oral da literatura paranaense. É. E sua presença de espírito, sua inteligência temperada por muita malandragem, por riquíssima experiência de vida, por muito pedágio pago nas quebradas do mundaréu? Como na noite em que o apresentei ao Hélio Jaguaribe, o grande scholar nacionalista, no auge da fama e atuação política; Chaim não se intimidou; estendeu a mão ao notável e completou de letra, telegraficamente, imortalmente: — Satisfa.
CarLos aLberTo pessÔa é jornalista e escritor.
uNiverSidade
aos cem anos, a universidade traída
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ra, pois, a Universidade Federal do Paraná, a mais antiga desta pátria gentil e patrimonialista, completa cem anos. E as comemorações agitam o público interno e o que foi excomungado desde que a detestável prática do aparelhamento político alcançou a instituição. A nossa universidade foi referência em diversas áreas do conhecimento em passado não muito distante. Seu curso de Direito formou dignos bacharéis da República e advogados e juristas respeitáveis. A área da Genética quando era comandada por Freire e seus discípulos tinha trabalhos publicados nas principais revistas científicas do planeta. As ideias do filósofo da matemática Carneiro da Costa circulavam no mundo associadas à sua pesquisa na Universidade. O curso de arquitetura foi badalado, o mesmo com a Medicina. Estes são apenas alguns exemplos da história que provam que houve vida inteligente na Federal do Paraná. Tudo cessou quando cabeças privilegiadas como a de Newton Carneiro Affonso da Costa, matemático, lógico e filósofo brasileiro, e Belmiro Valverde Jobim Castor, na Administração, para citar apenas dois exemplos emblemáticos, foram ejetados para dar lugar a figuras medíocres que fizeram suas carreiras mais na politicalha externa do que na própria universidade. Estes venceram a batalha. Em declaração recente, o professor Belmiro Valverde Jobim Castor, que preparou gerações, protestou publicamente contra a tibieza com que é celebrado o centenário da UFPR. Para ele, a grande questão não é a da decomposição material da universidade e da falta de equipamento para que exerça seu papel. Diz que é preciso questionar a própria falta de relevância da universidade – no sentido amplo – e o seu aparelhamento político. Em carta ao jornalista Aroldo Murá, Belmiro Valverde Jobim Castor expôs sua indignação. É o que segue:
“Como diz o Eclesiastes, há tempo para tudo e para todas as coisas: fazer manifesto falando de rede que cobre um prédio e de pastilhas que caem sobre carros não está à altura do centenário da Universidade Federal. Vai-se falar também dos elevadores pré-históricos, da falta de giz e de papel sulfite, dos salários dos docentes brasileiros e das mazelas burocráticas da velha senhora? Se alguém quiser mesmo falar dos problemas da universidade pública brasileira, deveria mirar em problemas como seu aparelhamento político, sua visível perda de relevância social e seu descolamento da sociedade, mas isso infelizmente não é uma mazela só nossa.” Prossegue Belmiro: “Concordo totalmente com o comentário/crítica sobre a timidez das comemorações do Centenário, mas acredito
que, construtivamente, todos nós que amamos a Federal, devemos é auxiliar a alertar para o erro e procurar repará-lo o mais cedo possível e não aproveitar o momento para desfiar velhas queixas e “dizer verdades”. Ainda há tempo para isso. Abraço, Belmiro”. Clareza, inteligência, características de Belmiro confirmadas em sua carta, são qualidades que a atual nomenclatura que dirige a UFPR vem tentando expulsar. O que explica a ignomínia. Ora, a mediocridade sempre se volta contra a inteligência, pois só assim consegue lugar. Mais que a decadência física dos prédios e equipamentos, a Universidade deveria refletir sobre a perda de neurônios e de brilho. A universidade foi traída pelo aparelhamento político. Belmiro Valverde tem razão. abril de 2012 |
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geNte
você precisa ser louco Ficcionista curitibano da nova geração fala de sua trajetória literária e ressalta o que é indispensável para ser um escritor T F R M
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hove na Praça Santos Andrade. Em um café próximo, Andrey Michalzechen remexe o maço de cigarros. É escritor, nascido em Curitiba há vinte invernos. “Sinto-me à vontade em dizer: sou um escritor. Mas também não gosto dessa designação. Só sou escritor quando escrevo”. A escrita lhe apareceu, entre outros motivos, por conta de uma overdose literária. “Quando você começa a ler demais, percebe que também é capaz daquilo (escrever). Comecei a escrever para mostrar às pessoas que eu era bom em alguma coisa. Acabei por descobrir que não sou nada”, afirma ele, põe o cigarro entre os lábios e sai à marquise. Cedo, com oito ou dez anos, tateou os primeiros terrenos das veredas literárias. Leitura e escrita. Segundo ele, o primeiro livro que leu por completo foi “A História Sem Fim”, do alemão Michael Ende. “Quando li, eu fiquei curioso para saber como o autor tinha tempo de fazer tantos livros iguais, para tantas pessoas. Eu indagava meu pai: ele não dava bola”. A história, de uma abordagem fantástica, o levou a escrever seu primeiro esboço de ficção. Nem sempre o primeiro contato é definitivo. Michalzechen levou mais alguns anos para entrar de cabeça no universo literário. Com dezesseis, passou a ler assiduamente, despertado por Dalton Trevisan e Rubem Fonseca. O ímpeto causado por tais leituras trouxe-o, ao longo do tempo e da curiosidade de rato de biblioteca, um leque de obras e autores. “O melhor livro que já li foi ‘Angústia’, do Graciliano Ramos. Ontem, dia quinze de março, eu terminei ‘Primeiro Amor’, de Samuel Beckett, e ‘Liquidação’, do Imre Kertész, e comecei ‘Plataforma’, do Houellebecq”. “Mas Andrey, o que é preciso para ser um escritor?”. Algumas coisas, de acordo com ele, são essenciais, tais como não mostrar os textos para sua mãe, ler mais que escrever e não preocupar-se com os novos talentos.
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Ele para: um gole da cerveja. “Você precisa ser louco”, afirma. Ou melhor, parafraseia. Foi Rubem Fonseca quem disse. “Segundo o Rubem, além de louco, precisa ser alfabetizado. Mas não muito alfabetizado também. Motivado, imaginativo e paciente”. Andrey é escritor. Levanta-se às seis horas e dedica-se a ler e escrever a manhã toda. À tarde trabalha como livreiro. À noite também. A rotina matutina repete-se após o batente. Motivado. Sua escrita é demorada.
Procura, antes de tudo, organizar as ideias na cabeça. Depois senta e escreve. Processo criativo, cada um com o seu. Mas reescreve, reinventa. Altera o perfil do personagem, o curso no qual corre a ficção. Dificilmente leva menos de um mês para concluir o texto. Paciente, imaginativo. Ele é um daqueles que se apoderam daquilo que leem e transfiguram em algo seu, uma classe de indivíduos conhecidos como escritores, suficientemente alfabetizados e loucos.
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Ensaio Fotográfico por Dico Kremer
Retratos anônimos
A
capacidade de prestar atenção à sua volta, a ver o seu mundo circundante por partes, seus detalhes, seus volumes e texturas, a enquadrá-lo, a refletir sobre os aparelhos que seu pai possuía e ainda possui, fez Tatiana Nasser Viecilli imaginar um mundo todo seu. Secreto, particular, que, ainda não o entendendo, tinha a certeza de desvendá-lo. Silenciosa, acompanhava de perto as atividades de seu pai a meio de livros, câmeras, objetivas, filtros, rolos de filmes, negativos, diapositivos. O olhar a procura do objeto, do tema, da luz mais favorável, do enquadramento foram aos poucos intuidos e compreendidos. Depois, a espera do resultado, a transformação da imagem virtual em real, a fotografia enfim revelada, copiada, ampliada, tudo isso aguçava a visão de Tatiana. Aos sete anos ganha sua primeira câmera, uma Olympus Trip 35. Essa câmera fez muito sucesso entre os aficionados da fotografia pois o formato era meio quadro, dobrava o número de exposições do filme 135. E a visão do mundo da fotografia, que começou em casa junto a seu pai Sérgio, logo foi ampliada com o conhecimento do trabalho de outros fotógrafos. Registrada em sua memória, há já algum tempo, a fotografia de Henry Sandbank “Milk and Egg”, (Leite e Ovo). Nessa foto aparentemente simples, Tatiana viu o que está
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por trás de uma boa foto: enquadramento, composição, iluminação. Um retrato da artista plástica Kiki Kogelnik feito pela fotógrafa Evelyn Hofer inspira a Tatiana que caminho seguir. Na Universidade Tuiuti formase em Comunicação Social em 2001. E é lá que, graças ao empenho de sua professora de fotografia Anuschka Lemos, Tatiana tem o seu sonho revelado, realizado: embrenha-se nos caminhos da arte fotográfica. A atuar na área de marketing para empresas fazia questão de fotografar o que era necessário para a comunicação de seu cliente. Trabalhava com filmes até 2002/2003 quando comprou sua primeira câmera digital. Era a chamada exigência do mercado. Porém, para seu trabalho pessoal, ainda usa a câmera analógica. E é nesse trabalho que a sua criatividade e invenção, junto com o que mais preza como princípio gerador das suas fotos, a intuição e a espontaneidade, que ela se realiza. Com o filme não há a série de disparos que o digital proporciona. O que há é o pensar. Olho e mente. O pensar e o olhar. A escolha de um momento que é único. E daí o caráter único de uma fotografia. Admiradora de Henri Cartier-Bresson, Annie Leibovitz, Sebastião Salgado, Tatiana fotografa, abre-se inteiramente ao fantástico mundo das imagens, pensa e repensa sobre elas, percebendo que aquele momento único pode ampliar um contato maior entre a humanidade.
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Ernani Buchmann
o ano em que morei na praça
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raça Santos Andrade, 864. Nada de Bruno&Marrone e sua praça sertaneja, era um apartamento de primeiro andar, com janelas de frente para a capela do Colégio Santa Maria. Aquele inverno fez um frio digno da Estação Comandante Ferraz, que ainda não existia e muito menos tinha pegado fogo. Faz tanto tempo que foi antes de outro incêndio, aquele que destruiu o grande auditório do Teatro Guaíra, ali de frente para a Faculdade de Direito. Eu estudava, por assim dizer, na dita faculdade. Acordava dez minutos antes da aula, atravessava a praça e, depois de um cafezinho na cantina, ia direto a Roma, no terceiro andar. Triste rotina. As catilinárias me davam sono, mesmo porque o professor não era lá nenhum Cícero, de tal forma que eu me sentia liberado para cruzar a praça no sentido contrário, ler qualquer coisa, tirar uma soneca ou, apenas, tiritar um pouco mais. Em alguns fins de semana ficava sem falar com ninguém além dos garçons que serviam o prato de canja com que me aquecia durante o almoço ou o pedaço de pizza que matava a fome noturna. O vento que vinha direto da antártica pegava o passante de frente antes da esquina do Correio. Sempre impliquei com aquele vento, que teimava em subir a João Negrão na contramão. Quando chegava a mesada paterna, em um tempo em que o dinheiro vinha fisicamente, se bem me expresso, era possível combater o frio na quadra abaixo, na Marechal Deodoro ainda de bitola estreita. Existiam ali algumas casas
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o venTo que vinha DireTo Da anTárTica PeGava o PaSSanTe De FrenTe anTeS Da eSquina Do correio habitadas por moças especialistas em vender certo tipo essencial de calor. Elas também costumavam frequentar o Bar do Renato, ao lado do Guaíra, já na Amintas de Barros. Não soube mais das gêmeas que recepcionavam os enregelados visitantes com um conhaque, que de francês só tinha o preço. Não fossem elas talvez eu tivesse sucumbido como Robert Scott e seus pôneis. Quase sucumbi antes mesmo do inverno, agora lembro. Fui derrubado por uma crise de apendicite uns dias antes do carnaval. Sorte que o cirurgião era meu tio, João Fleury Rocha Jr. Depois de horas tratando de separar as vísceras sãs das nem tanto, deu o caso por resolvido. Fui encaminhado ao repouso do quarto. Pois sim: o tal carnaval se intrometeu entre os meus lamentos. Pior ainda, o sucesso da temporada era aquele do “tanto riso, ó quanta alegria, mais de mil palhaços no salão...” E um
no hospital, Zé Keti esqueceu de cantar. Cheguei a preferir as pontadas agudas da doença do que aquelas que me zumbiam nos ouvidos. Tanto que ainda hoje não consigo ouvir o arlequim chorando pela colombina. Bem sei que se trata de um clássico do nosso cancioneiro, mas aí está outra questão complicada. Cada vez que ouço essa expressão, lembro da Inezita Barroso, com seus duzentos anos de carreira em prol do nosso cancioneiro. Mesmo correndo o risco de ser processado qual um Houaiss, sugiro a hipótese: existe pouca coisa mais chata do que os exemplos acima, entre tudo o que o homem já inventou. Não esquecendo dos monumentos intragáveis que a nossa pródiga humanidade tem sido capaz de parir. Depois voltei para casa, o inverno foi aquilo mesmo e, no fim do ano, desisti em nome dos confortos da casa paterna, então em Recife. O frio pernambucano tem 20 graus e o Cícero que lá ensinava foi condescendente, permitindo minha aprovação em Direito Romano. Tudo isso vem a propósito de já não sei o quê. Quem sabe tenha sido o incêndio na estação da Antártica, o finado carnaval deste ano ou uma dor profunda que anda me atacando o lado direito. Só sei que não posso ouvir falar em “nosso cancioneiro”.
ernanI buChmann é escritor, advogado e publicitário.
Marcio Renato dos Santos
É fácil
É
o telefone a tocar. Tem a construção de um prédio ao lado. Chega uma carta, que não é para mim, foi engano, mas o porteiro usa o interfone e me tira da cadeira. Ouço a vizinha, do andar de cima, ensaiar um baile flamenco. Embaixo, o namorado da viúva pretende assoprar o trumpete com maestria, mas ele começou a treinar faz duas semanas. Manifestantes jovens e rebeldes de camisetas vermelhas, que se tornarão recatados com trajes neutros no futuro, protestam em cima de um carro de som na praça a poucos metros daqui. Preciso alugar outro imóvel. Aqui está difícil, apesar de a sorte ter sido generosa comigo. No prêmio 1.346, da Mega-Sena, acertei as seis dezenas. Por acaso, ainda na fila da loteria, eu fui pagar uma conta atrasada, decidi jogar e escolhi os números 12, 32, 40, 47, 48 e 59. E não é que me dei bem? Desde então não preciso fazer nada. Só fico aqui, neste apartamento. Mas tem tanto barulho que, mesmo não fazendo nada, me canso. De tudo. Anteriormente eu tinha de passar oito horas, ou mais, dentro de escritórios e, devido a isso, nem sabia dos sons do entorno do meu prédio durante o horário comercial. Mas isso, o barulho, não é problema. Não tenho mais problemas. Agora, tenho 24 milhões. Posso, mais do que alugar, comprar outro imóvel. Mais de um até. E será um apartamento com isolamento acústico. No silêncio, futuro, vou poder me concentrar e, então, dar início ao meu sonho, que é escrever. Sim. Quero escrever. Já faz tempo que tenho esse projeto, mas o trabalho me impedia. As oito horas não permitiam que eu me dedicasse e, depois, em casa, já estava cansado. Ligava a tevê, e adormecia no sofá.
Mas, antes de lançar meu livro, vou buscar espaço em algum jornal ou revista. Tenho de me tornar conhecido. Meu nome precisa circular, e em jornal e revista o nome circula, sabia? Vi, dia desses, uma revista chamada Ideias. Já leu? Pois eu li. Até as cartas. E gostei. Muito. Meu sonho é escrever na Ideias. Penso, agora, em uma questão. E os assuntos? Sobre o que eu escreveria? O tempo presente? As tendências para 2013? Ou o que aconteceu ontem e antes de ontem? Há possibilidades, inclusive comentar a cena local. Mas não. Gostaria mesmo é de imitar, ou melhor, fazer o que o Marcio Renato dos Santos faz. Já leram os textos dele? Pois o sujeito é um tremendo de um malandro. Folgado. Ao invés de refletir ou pesquisar sobre algum tema, ele inventa. Pode? Bom, se deixam publicar é porque pode. Quero fazer o mesmo. É fácil. Vou dar um exemplo. Eu poderia começar uma crônica, para a revista Ideias, da seguinte maneira: “É o telefone a tocar. Tem a construção de um prédio ao lado.” Depois, é só completar o texto com palavras, vírgulas e, no fim, colocar um ponto. Percebe? Escrever uma crônica é fácil. Afinal, se o Marcio faz, eu também posso fazer, não é mesmo? Bom, depois de alugar, ou comprar, um apartamento novo, vou dar um jeito de escrever na Ideias. E, em seguida, pretendo publicar meus livros e viver meu sonho literário. O sucesso é fácil, realmente muito fácil, não acha?
Marcio Renato dos Santos é escritor. abril de 2012 |
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Presenteie com inteligência. Dê livros da Travessa. PROMOÇÃO ESPECIAL: 3 livros por R$ 50,00. Escolha entre quase 100 títulos disponíveis e reserve já os seus. Estoque limitado. Veja algumas sugestões:
A Árvore de Isaías Fábio Campana Crônica 160 páginas 13 x 21 cm
O velho e rude esporte bretão
Carlos Alberto Pessôa Futebol / crônicas 240 páginas 15 x 21 cm
O mundo não é redondo Antonio Cescatto Ficção 384 páginas 15 x 21 cm
Ultralyrics
Marcos Prado Poesia 192 páginas 24,5 x 25 cm Inclui CD
Arquitetura do movimento moderno em Curitiba
24 quadros
Salvador Gnoato Arquitetura 144 páginas 22 x 21 cm
Luciana Cristo Nívea Miyakawa História 168 páginas 22 x 21 cm
Em preto e branco, o início da televisão em Curitiba
Rubens Meister, Vida e Arquitetura
Joaquim - Dalton Trevisan (en)contra o paranismo Luiz Claudio Soares de Oliveira História e Crítica 216 páginas 22 x 21 cm
Corpo Re-construção Ação Ritual Performance Fernanda Magalhães Arte / fotografia 288 páginas 17,5 x 23,3 cm
Livro, o melhor presente.
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Marcelo Sutil Salvador Gnoato Arquitetura 95 páginas 22 x 20,5 cm
Maria Luiza Gonçalves Baracho História 112 páginas 22 x 21 cm
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Fábio Campana Romance 182 páginas 15 x 21 cm
Modos & Modas
Carlos Alberto Pessôa Crônica 144 páginas 15 x 21 cm
Izabel Campana
alegrias de infância
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m casa passavam sempre boa parte dos neurônios de Curitiba. Frequentadores assíduos eram Jamil Snége, Wilson Bueno, Aroldo Murá, Luiz Roberto Soares e Carlos Alberto Pessôa. Discutiam de tudo. De literatura, claro, a futebol. De boxe a jazz e de música clássica a política. Mas isso tudo em um papo de amigos, conversa jogada fora. Eu, pequena, acompanhava atenta. Era menina demais para lembrar dos debates, quanto mais para entendê-los, mas me recordo até hoje das emoções da conversa que varava noites. O humor do Jamil, genial, era de dar inveja. Tinha, assim, agilidade mental, para citar uma das piadas recorrentes. Wilson Bueno, inteligência ímpar e um grande coração. O professor Aroldo sempre me contava histórias do Canadá, que eu ouvia fascinada. Luiz Roberto Soares, cultura saindo pelas orelhas. Lembro também quando se exaltavam a defender uma ideia ou outra. O Carlos Alberto, por exemplo, passou certa noite defendendo Bach como a única amostra de música já produzida na face da terra. É só ouvir “Jesus Alegria dos Homens” para perceber que
eu DeiTava e Ficava Lá, ouvinDo oS DiScurSoS e oS riSoS e não me aGuenTava. LoGo DeScia aS eScaDaS DevaGarzinho em camiSoLa e chineLoS tinha razão. Como lhe é de costume. Fora isso, pouco me lembro das conversas, mas quando criança essas noites em que enchiam a casa eram mágicas. Gostava de ouvir tudo, observar os gestos e acompanhar a orató-
ria. A certa medida, assim que dava a hora das crianças irem para a cama, minha mãe me fazia subir, tomar banho, vestir pijama, et cetera. Mas eu deitava e ficava lá, ouvindo os discursos e os risos e não me aguentava. Logo descia as escadas devagarzinho em camisola e chinelos. Furtivamente entrava na sala e me aninhava sob a proteção do pai. A mãe achava graça e me deixava ficar. Claro que não sem o alerta de que havia aula no dia seguinte. Papel de mãe. Assim que me era permitido ficar, me acomodava quietinha e ali podia passar horas a ouvir os adultos. Nos filmes americanos, há sempre crianças que na manhã de Natal descem as escadas de forma sorrateira em seus pijamas e pantufas para ver o que Papai Noel deixou. Pois essa imagem de intensa alegria infantil me remete às noites de papo adulto que eu ouvia com atenção, embora sem entender nada. Ah, as alegrias de infância.
IzabeL Campana é advogada.
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livroS
Prateleira
As Memórias do Livro Romance sobre o manuscrito de Sarajevo as memórias do Livro Geraldine Brooks ediouro 2008
Por marisa vilella
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ivro também tem moda. Aliás, como tudo na vida, vemos modismos na culinária, na arquitetura, nos bolos das noivas, na decoração e nas cores das paredes e, para alguns, há moda até mesmo nas práticas de comportamento social. A primeira vez que vi este livro pensei que fosse mais uma dessas publicações tão em voga nas livrarias, que contam tragédias muçulmanas ou tramas enigmáticas, pretendendo ser modernos romances policiais, mas que não passam de um amontoado de charadas para manter o leitor ativo. Foi uma surpresa ler “As Memórias do Livro”. Ficção de boa qualidade, união de pesquisa histórica e imaginação salutar. Tudo gira em torno do Hagadá, um livro milenar. Segundo o Novo Dicionário Aurélio, o Hagadá é “uma narrativa da libertação e da saída dos judeus do antigo Egito, entremeada de ensinamentos rabínicos, salmos de louvor, canções e trechos bíblicos, conforme compilada da tradição oral, e que é recitada na primeira noite da Páscoa judaica”. Baseada nesta definição, a autora começa a história em Sarajevo, capital da Bósnia e palco de uma guerra sangrenta e cruel nos anos 1990. Lá é localizado o único exemplar do Hagadá, sobrevivente não só da guerra dos Balcãs, mas também participante de atrocidades de outras épocas desde o século XIII. A personagem principal é Hanna, uma pesquisadora australiana contratada pela Organização das Nações Unidas para verificar a autenticidade do livro, cuidadosamente escondido por Ozren Karaman, chefe da biblioteca de um museu bósnio. Um muçulmano que protege
Um grito
Perdi o enterro
Por renan machado
Por renan machado
A
você, Seu Luís, apelo por um artigo. Escreva assim, escreva assado. Que “Angústia”! Com toque de Graci, essa sua história, Seu Luís, é uma obra-prima da literatura brasileira. Uma viagem por entre os personagens: às vezes panorâmica (a mulher da Rua da Lama me é uma incógnita ossuda); outrora pontual (Marina faz passeios diários em meu quintal, de coxas grossas e cabelo incendiado). Uma turbulência, Seu Luís, um grito dado por você, que muitos engoliram. Meu apreço pelo senhor, do tamanho da Ásia. Agora, reforço: o artigo, Seu Luís, por favor, do jeitinho que o manual gosta.
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um livro judaico em nome da preservação da História. Nas primeiras análises, Hanna encontra entre as páginas alguns fragmentos estranhos à publicação: uma mancha de vinho, um pêlo branco, alguns cristais de sal, uma asa de inseto. Cada um desses elementos está no Hagadá por algum acontecimento do passado. A partir daí, os capítulos se sucedem com narrativas diferentes, paralelamente às ações da pesquisadora Hanna, que viaja a Viena, Londres e Boston a fim de consultar especialistas de várias áreas, sempre buscando uma explicação para a presença de tais fragmentos. Além da ficção, o livro é uma aula sobre conservação de documentos, com boas e úteis informações sobre cuidados de arquivos históricos. Geraldine Brooks faz uma boa costura entre os caminhos que o Hagadá poderia ter percorrido desde Sevilha, na Espanha, no ano de 1480, com passagens por Veneza dois séculos depois, Viena em 1894, para chegar em Sarajevo durante a Segunda Guerra Mundial até ser novamente localizado no pós-guerra da Bósnia, em 1996. A pergunta do que teria acontecido, ao longo de cinco séculos, e quais mãos teriam folheado tal livro, está sempre presente nas páginas do “As Memórias do Livro”. Evidentemente há também um pouco de romance, inveja e atrito de vaidades nos momentos em que Brooks conta a trajetória de Hanna. Talvez seja a dose de emoção que a autora encontrou para dar a este livro um ar “atual”, agradando também aqueles leitores de modernidades.
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u não era amigo próximo do Ivan Ilitch, mas soube de sua morte. Sujeito importante. Bateu as botas e muita coisa mudou. Então decidi ler um relato, escrito por um senhor russo chamado Leon Tolstoi, e fiquei à parte de tudo. “A morte de Ivan Ilitch”: uma das maiores reflexões sobre o findar de todos nós. Não lembro bem da causa da morte do Ivan. Mas a solidão, o sofrimento, a autocompaixão... “Será fácil morrer?”. Tornei-me amigo de Ilitch, só ele não soube. Foi um mero acaso cronológico e espacial que me fez perder o seu enterro. Lamento.
livros
Filme
A Dinastia Rothschild
Baby Doll, de Elia Kazan
Por Fábio Campana
Por Dico Kremer
o crescente apetite da família para adquirir obras de arte festejadas e cobiçadas, como telas de Vermeer e desenhos de Fragonard.
O barão James de Rothschild, fundador do ramo francês do clã, ganhou título de nobreza da corte austríaca: “A paz é sempre melhor para os negócios”.
Millôr Por Fábio Campana
M
U
AKG / LatinStock
A
biografia dos Rothschild, o clã mais rico da Europa, mostra como o poder e a fortuna da família influenciaram a história – e prova que, sim, os ricos também choram Por muito tempo – do século XIX ao início do século XX -, a expressão “rico como um Rothschild” era usada largamente por toda a Europa quando se queria descrever alguém que realmente tivesse dinheiro. Muito dinheiro. O mundo de então não conhecia nenhuma outra entidade, além dos governos e das casas reais, que detivesse tanto poder econômico quanto o clã de banqueiros judeus estabelecidos em Frankfurt, Viena, Nápoles, Londres e, sobretudo, Paris. A certa altura, dizia-se mesmo que os Rothschild eram donos de tudo – “até do bom gosto”, segundo detratores incomodados com
illôr Fernandes é um escritor de domínio linguístico invejável e ouvido perfeito. Em crônicas, frases soltas, poemas curtos, pastiches, peças de teatro originais e memoráveis traduções, deixa um legado textual variado que expressa com grande coerência, em meio à diversidade das formas, uma visão de mundo que se poderia chamar de milloriana.
m dos mais cáusticos e humorísticos filmes norte-americanos é “Baby Doll” (Boneca de Carne, cretinamente traduzido), de Elia Kazan e Tennessee Williams, de 1956. Diretor de teatro (chegou a receber um elogio do crítico Eric Bentley) e de cinema, Kazan deixou legado artístico importante e perene. Fundou o Actors Studio, trabalhou com os melhores atores e os melhores roteiristas de sua época. “Baby Doll” conta com três atores fabulosos: Karl Malden, Carrol Baker, futura musa sex symbol, e Eli Wallach em seu primeiro papel no cinema. Seu personagem “Silva Vacarro” – devia ter ganho um Oscar pelo seu desempenho – prenuncia o “Calvera” do “The Magnificent Seven” (Sete Homens e um Destino, outra cretinice). Adaptado de sua peça “27 Wagons Full of Cotton”, de T. Williams, Kazan realiza um filme divertido e, também, dramático que, pelo menos para mim, lembra Billy Wilder. Um casamento não consumado já há quase dois anos do contrato nupcial (Malden x Baker), uma cidade do interior do Mississipi, o proprietário do desencaroçador de algodão à beira da falência e a nova máquina de um recém-chegado – o
carcamano Vacarro – a disputa dos dois (Malden x Wallach) e a aproximação sensualíssima entre Baker x Wallach é o brevíssimo resumo. O filme exala sensualidade, sutileza e ambiguidade. Mas o filme não é só comédia. É também o drama de um homem sensual e atormentado, que se ve confrontado entre o sexo, a entrega de sua mulher ainda intocada e a sobrevivência. Mesmo a ambiguidade e a sutizela não foram suficientes para que a temível Legião Católica de Decência e outras muitas legiões de defesa da moral norte-americana não perseguissem tenazmente o filme. Mas a liberdade venceu e temos esse grande filme para nos deleitar.
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Marianna Camargo
Vazio inexorável
N
o texto Ler um romance de Orhan Pamuk para a Revista Piauí de novembro, ele diz na abertura: “Um romance é uma segunda vida. Como os sonhos de que fala o poeta francês Gérard de Nerval, os romances revelam cores e complexidades de nossa vida e são cheios de pessoas, rostos e objetos que julgamos reconhecer. Assim como no sonho, quando lemos um romance, às vezes ficamos tão impressionados com a natureza extraordinária das coisas que nele encontramos que esquecemos onde estamos e nos vemos no meio dos acontecimentos e das pessoas imaginárias que contemplamos”. Sensação que permeia a vida de modo intrínseco, confunde sonho e realidade. Na imensidão voraz, da vida quando engasga. E surge uma imagem bumerangue, palavraimã, eterno retorno. É uma espécie de amuleto, sinal, presságio. Encruzilhada, esquina, medo. A sós com as palavras, ouço John Keats, “Quanto tenho temores em cessar de ser...”. A narrativa forma mais que uma frase, dá um sentido, imerso em referências e impressões que transcorrem outro universo. Puxado pela memória, contrasta com o vazio que transborda, que não se sustenta, que invade quando se está absolutamente só. Percorre os sonhos, cai nas paisagens solares, risca as noites sem fim.
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Surge, aniquilador naquela frase, naquele livro, na imaginação que não dorme. No sentido que está na ancestralidade das percepções. Percorre as páginas em branco, escreve pelo corpo e refaz toda a cartografia da memória. No livro O Aleph, de Jorge Luis Borges, ele diz: “vi a circulação do meu sangue escuro, vi a engrenagem do amor e a transformação da morte, vi o Aleph, de todos os pontos, vi no Aleph a Terra, e na Terra outra vez o Aleph e no Aleph a Terra. Vi meu rosto e minhas vísceras, vi teu rosto, e senti vertigem e chorei, porque meus olhos tinham visto aquele objeto secreto e conjectural cujo nome os homens usurpam mas que nenhum homem contemplou: o inconcebível universo”. Uma das cenas mais inesquecíveis desse universo paralelo é o capítulo 7 do Jogo da Amarelinha, de Julio Cortázar: “Você me olha, de perto me olha, cada vez mais de perto, e então brincamos de cíclope, olhamo-nos cada vez mais de perto e nossos olhos se tornam maiores, se aproximam uns dos outros, sobrepõem-se, e os cíclopes se olham, respirando confundidos, as bocas encontramse e lutam debilmente, mordendo-se com os lábios, apoiando ligeiramente a língua nos dentes, brincando nas suas cavernas, onde um ar pesado vai e vem com um perfume antigo e um grande silêncio. Então, as minhas mãos procuram afogar-se no seu cabelo, acariciar
lentamente a profundidade do seu cabelo, enquanto nos beijamos como se tivéssemos a boca cheia de flores ou de peixes, de movimentos vivos, de fragrância obscura. E se nos mordemos, a dor é doce; e se nos afogamos num breve e terrível absorver simultâneo de fôlego, essa instantânea morte é bela. E já existe uma só saliva e um só sabor de fruta madura, e eu sinto você tremular contra mim, como uma lua na água”. Como se alguma conclusão fosse possível, finalizo com o escritor mexicano Octavio Paz. “Palavras, frases, sílabas, astros que giram ao redor de um centro fixo. Dois corpos, muitos seres que se encontram numa palavra. O papel se cobre de letras indeléveis, que ninguém disse, que ninguém ditou, que caíram ali e ardem e queimam e se apagam. Assim, pois, existe a poesia, o amor existe. E se eu não existo, existe você.” Existo, permaneço nesse mistério. A respiração para. Palavras ancestrais formam outro universo. Isso que torna o abismo mais profundo. Tão perto, tão longe, tão real, tão fictício. Um vazio inexorável.
Marianna Camargo é jornalista.
arteS pláSticaS
leila alberti
João Le SenechaL
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m maio, quem for à Nova York e entrar na Macy’s verá estampas florais em vários produtos. Obra de artista paranaense que faz seu trabalho para o mundo no bairro de Santa Quitéria. Há 28 anos. Leila Alberti, que roubamos de Santa Catarina desde que ela chegou a Curitiba aos 18 para estudar na Escola de Belas Artes. “Vivi minha primeira infância em uma pequena cidade no “oeste bravio” de Santa Catarina. Muitos irmãos e uma natureza exuberante a nosso dispor. Mas, dentro de casa, havia muitos livros de minha mãe professora e de meu pai tabelião.” Leila conta a sua história de vida e arte com sensibilidade e graça de escritora. Por isso é melhor que ela mesma diga de sua experiência. “Era um cotidiano que aguçava os cinco sentidos e, cedo, o tátil encontrou uma ferramenta: o lápis. Um só não. Muitos! E de cores. Dos desenhinhos nas folhas do caderno da pré-escola veio o incentivo à arte dado pela família e pelos professores. Com 18 anos entrei no edifício antigo da Belas Artes em Curitiba. Queria ser pintora! Há 28 anos estou pintando em Curitiba. Tenho uma rotina de trabalho de 6 à 8 horas em meu atelier no bairro Santa Quitéria. A cor é meu estudo permanente, seja na pintura figurativa, nas abstrações ou em colagens nas ilustrações infantis – um de meus projetos mais recentes. Em Curitiba trabalho, mas meu olhar zanza por várias direções geográficas, enviando meus trabalhos. Nestes últimos três anos às vezes abandono a pintura e me entrego ao desenho e à pesquisa com refugos de porcelanas. É que enquanto produzo penso muito sobre a arte, a existência humana e seus contrastes, a falta de apoio ao artista e ao educador e adentro numa natureza oposta à de minha infância. É uma floresta de seres e ideias em brancos, cinzas e pretos. Em alguns períodos tenho a placidez de uma “Monalisa”, como o João Henrique Le Senechal me retratou, e em outros estou mais para a “Mulher Chorando”, de Picasso. A arte me permite transitar com liberdade entre diferentes mundos.” Essa é Leila Alberti, por ela mesma. A foto é do João Le Senechal, outro artista, este aqui da casa.
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Jussara Voss
Um tempo para olhar o mar
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Um atraente refúgio em Itapoá
udo o que eu queria era colocar os pés na água do mar, como há muito tempo eu não fazia, e que tivesse um céu azul e uma brisa leve. Não esperava mais nada. Mesmo para quem não gosta muito de praia, areia e calor, não dá para negar a delícia que é um dia deitar-se dando as costas para o Brasil sem sair do país. Mas Itapoá, a primeira praia de Santa Catarina, onde o Paraná termina, me reservava surpresas. As lembranças do antigo distrito de Garuva não eram as melhores, há muitos anos, lembro-me de o carro no qual eu estava quase cair num rio, tamanho era o lamaçal na estrada que levava ao, naquela época, desabitado balneário. Mas eu sobrevivi, para minha sorte, e num fim de semana do ano que começa a tomar fôlego conheci o Baití Hotel & Marina, que, além das boas instalações, abriga o restaurante Tambaiá. Com 32 quilômetros de extensão, Itapoá, que
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agora tem dois acessos com estradas asfaltadas, não é das praias mais charmosas do Estado vizinho ao nosso, coisa que as 14 ilhas na Baía de Babitonga, entre as cidades de São Francisco do Sul e Joinville, tratam de resolver, ajudadas pelo mar calmo, com águas mornas, e pelo belo ecossistema do lugar. O moderno terminal portuário privado, instalado recentemente ali, quase ao lado do pequeno e bem montado hotel, no bairro Pontal do Norte, dá folego ao empreendimento da família Nóbrega na baixa temporada – a presença de estrangeiros no local não é mais novidade. Aliás, foi isso, além da familiaridade com a praia, os proprietários sempre passavam as férias lá, que pesou na escolha do local. Enquanto o casal, ele capixaba e ela londrinense formada em Turismo e Hotelaria, sonhava em passar uma temporada maior no litoral, a filha deles, Emiliana Carvalho, estudava gastronomia na Universidade Anhembi Morumbi, conhecia seu futuro marido, par-
ceiro também na cozinha, passava uns meses em San Sebastián, o balneário do país basco conhecido pelos expoentes da gastronomia, no famoso e premiado, com três estrelas Michelin, Martin Berassategui, e, não nessa ordem, resolvia mudar-se com mala e três filhos para tocar o restaurante do hotel. Miduca Carvalho topou o desafio, deu adeus a São Paulo com Emiliana, deixando de lado o diploma de administração para viver o sonho de morar num lugar tranquilo, ver as crianças brincando em liberdade e ir atrás da tão sonhada qualidade de vida. Mas não foi apenas Emiliana que se envolveu com o empreendimento, os outros filhos do casal, Carlos Henrique, que é arquiteto, fez o projeto e cuida da marina, Mariana, administradora de empresas, é responsável pela parte financeira e contábil, e o outro genro e nora também participam. É nesse ambiente familiar, tranquilo, simples, mas de bom gosto e com conforto, que o visitante coloca
os pés, deixando corpo e cabeça descansarem. Funcionários atenciosos também fazem a sua parte, e quem se hospeda ali tem permissão para ver a vida passar entre uma boa comida e outra. Emiliana é responsável por criar o cardápio que depois é executado a quatro mãos. A comida da “morada das conchas” - Tambaiá, em tupi-guarani -, é definida por eles como autoral, o destaque são os frutos do mar, é claro, o toque é a regionalidade, ou caiçara, como eles preferem chamar as receitas exclusivas que passeiam por diversas influências gastronômicas, como a asa de robalo, uma igua-
ria que nasceu para ser hit parade do local e foi ensinada por um cozinheiro francês que morava na região. Eles brilham nos aperitivos, como o ceviche, escabeche de cambira, tostadas de sardinha marinada e croquete de linguiça Blumenau e no chapeado com frutos do mar e vegetais grelhados, e devem melhorar, são muito jovens ainda. O deck do hotel à beira-mar, o mirante e a vista para a Baía da Babitonga são estrelas ali, mas uma piscina marcaria pontos. Os confortáveis quartos são 15, têm ares rústicos, nenhum excesso, mas com tudo o que é necessário. A sala de ginás-
O deck do hotel à beira-mar, o mirante e a vista para a Baía da Babitonga são estrelas ali
Asa de robalo e o chapeado com frutos do mar: valem a visita
Baití – minha casa em hebraico – reforça o desejo de bem receber dos empreendedores
tica e sauna devem ficar intocáveis em curtas temporadas, como a minha, mas a charmosa sala de estar com lareira faz um convite à leitura a todo instante, por isso daria um jeito de sumir com a televisão dali. Que venha o progresso, mas que se preserve a natureza. De acordo com os proprietários, a vegetação fixadora de dunas frontais foi recuperada, e o local possui tratamento de esgoto, onde as plantas fazem a filtragem dos efluentes, e ainda tem o Centro de Estudo em Pesquisas Ambientais, que pretende funcionar como apoio a projetos de pesquisa ambiental. Os índios Carijós, os primeiros habitantes da região, agradeceriam. A “pedra que surge”, o significado do nome do lugar e que controla o movimento das marés, quer água limpa ao seu redor. E eu que pensei que nunca mais voltaria a Itapoá, fui rendida. Serviço: Baití Hotel & Marina e Restaurante Tambaiá. Informações e reservas: (47) 3443-7003.
Jussara voss é jornalista. abril de 2012 |
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Luiz Carlos Zanoni
Alsácia, meu amor
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oncordo que não é fácil pedir algo chamado PfaffenheimGueberschwihr Gewürztraminer, ou HorschwillerKibntzheim Riesling, mas vale tentar, mesmo sob o risco de contundir a língua. Boa parte dos vinhos alsacianos carregam nos nomes um desesperador amontoado de consoantes. É que, apesar de francesa, a província sofre incisiva influência da vizinha Alemanha, país que a anexou por repetidas vezes ao longo das últimas
de fazer o vinho a França dita as regras. Por isso os vinhos brancos alsacianos são em geral secos, alternando anos bons e ruins, já que os produtores se submetem aos caprichos climáticos. Os alemães preferem paladares mais doces. E odeiam surpresas, praticando uma vinicultura técnica e intervencionista. Olivier é proprietário da Zind-Humbrecht, vinícola que, sem exagero, está para a Alsácia como a Romanée-Conti para a Borgonha. Passei algumas horas na adega da casa, próxima à vila de Colmar. Foi paixão ao primeiro
guerras. As mesas deixam claro isso, repletas de pratos como o choucroute e o baeckeoffe (carne de porco, batatas e mão pesada nos temperos) e de taças onde soa alto o sotaque germânico. Olivier Humbrecht costuma dizer que a vinicultura é o melhor exemplo dessa dualidade cultural. Cada país contribui com sua parte no patrimônio local de cepas viníferas, mas, enquanto a nomenclatura e o hábito de exibir na garrafa o nome da uva usada segue a tradição germânica, no jeito
gole, um sentimento que só aumentou depois, ao conhecer os vinhos assinados por outros produtores locais não menos talentosos, como Trimbach, Marcel Deiss, Paul Blanck e Dopf au Moulin. A legislação vitivinícola da região permite sete variedades de uvas. Apenas uma é tinta, a Pinot Noir. As demais, todas brancas, são a Riesling, a Gewürztraminer, a Muscat, a Silvaner, a Pinot Blanc e a Pinot Gris. Tão ampla variedade faz da carta de vinhos alsa-
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ciana uma das mais completas na harmonização gastronômica. Para o aperitivo, acompanhando petiscos, boas opções são os Muscats, ligeiros e aromáticos, e o espumante típico, o Crémant d’Alsace, elaborado com a Pinot Blanc pelo método tradicional. Em entradas como saladas, ovos, embutidos, terrines de peixes ou ostras, ótima pedida é um Riesling, também parceiro de sushis e de pratos leves, como quiches, tortas ou suflês. Com receitas mais condimentadas, caso da cozinha baiana e suas moquecas, os exuberantes Gewürztraminer fazem bela figura. Mais consistentes e encorpados, os vinhos de Pinot Gris vão bem com bacalhoadas e carnes brancas. E a Alsácia é igualmente pródiga em vinhos licorosos, de sobremesa. O estilo Vendage Tardive, muito comum, nasce de uvas colhidas mais tarde, que perdem água e concentram o açúcar, definindo brancos doces, com perfeita acidez, amigos de sobremesas e do foie gras. E há, ainda, um patamar acima, os vinhos com a denominação Sélections de Grains Nobles, de colheita também tardia, mas buscando-se apenas as uvas afetadas pelo Botrytis cinérea, um fungo que ataca a fruta em sua fase final de maturação, atribuindo-lhe incomparável riqueza aromática. A Alsácia exporta, em média, 150 milhões de garrafas por ano. O pessoal dos Países Baixos fica com a parte do leão, seguido de alemães, ingleses, norteamericanos, italianos e suíços. O Brasil é um traço tímido nessa planilha. Pouco nos chega.
LUIZ CARLOS ZANONI é jornalista e apreciador de vinhos.
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Almir Feijó
O cara
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le a conduzira até a luz branca, aquele estágio da iluminação a partir do qual pessoas, patrimônio, valores morais, tudo, vira poeira. Abriu portas inteiramente novas para ela. Mais do que qualquer homem. Mais do que todas as mulheres com quem farreou. Hoje, beirando 4 ponto 4, sente-se mais viva do que nunca. Exsuda – para usar uma expressão que adora –, exsuda energia. Não mais a desiludida coveira dos próprios sonhos. Não mais solitária maestrina da siririca. Uma mulher plena. Senhora do seu destino, dos elementos e dos mistérios. Agora, apaixonada, quer casar-se com ele. Afofálo. Chamá-lo por apelidos carinhosos, que só os dois entendem, Cadinho, Dogão, Benito (este, parece, referência à careca de Mussolini). Tem ímpetos de correr na chuva
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com ele. Quer levá-lo a Paris para ver a torre. Assinar a Contigo para saber das fofocas e depois assistir a novela ao lado dele exibindo erudição. Superclasse média. No processo, conheceu a felicidade dos idiotas. Fez lutinhas de travesseiros diante do espelho. Formou rodas imaginárias de par ou ímpar – adorou, mesmo perdendo sempre. Trocou Mahler, seu favorito, pelos CDs do Victor & Leo. E fez uma opção de vida: saem as bolsas Victor Hugo, a drenagem linfática todas as semanas, o petit gâteau, o Peugeot novinho na garagem, o Amex platinum, entra – tará! – Sua Majestade, o Sexo. Cinco, dez vezes por dia. Graças a ele, descobriu o pubococcígeo, um músculo escondido nas estranhas, o qual, tocado, torna-se portal para orgasmos nirvânicos: o céu mitológico revelase neles. Orgasmos sim. No plural. Quantos quiser, a hora que bem entender. E olha que
nem precisa rolar clima. Houve até aquela vez (única, uma heresia) em que experimentou um orgasmo místico – no confessionário. Vive banhada. Molha-se só de pensar. Sua expressão de felicidade – a cara de bocó, ornamentada por uma língua que estala freneticamente – é motivo de inveja entre as amigas. Que bosta de ser humano, antes, levou-a até tão longe? Se for para o céu, carrega ele junto, escondido entre as pernas. Despachada para o inferno, aproveita e pede para conhecer o pai do noivo. Não tem pra ninguém. Ele, o vibrador – ele é o cara.
almir feijó é escritor e publicitário.
Renan Machado
O filho exemplar
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mãe de Bira não vinha bem de saúde. Sentia dores, tontura. A asma não dava trégua. É a idade meu filho, tua mãe é uma velha agora. Bira dizia ser besteira e tranquilizava a mulher roliça em um abraço carinhoso. D. Célia vivia na cama; levantava-se em raros momentos, como para ir ao banheiro. E olha lá. Uma ou duas vezes, evacuara nos lençóis sem perceber. Queria morrer de vergonha. Certo dia, enquanto arrumava a cama da mãe, Bira encontrou uma aranha. Encolhida nos pés da cama, ela escondera-se sob o cobertor embrulhado. Bira a cutucou de leve. Estava morta. Com um peteleco, fez o bichinho voar para o chão. D. Célia lavava o rosto em seu banheiro. Bira nada disse a ela sobre a aranha. A mãe, doente e complexada, nunca mais dormiria na cama. Por isso, omitiu o caso. D. Célia não cessava de reclamar de dores. Bira acostumara-se: cuidava das doenças da mãe desde seus dez anos. O pai, militar reformado, morrera e deixara uma boa pensão à viúva e o único filho. O dinheiro ia quase todo para a compra de remédios. Oh, meu pé,
Certo dia, enquanto arrumava a cama da mãe, Bira encontrou uma aranha. Encolhida nos pés da cama, ela escondera-se sob o cobertor embrulhado filhinho querido. Como dói... Estava inchado. Vasos irrompiam à epiderme. Mais essa: gota agora... – lamentava Bira, em silêncio.
O pé de D. Célia piorara. Estava arroxeado e parecia descamar. Mas que coisa é essa mamãe? Das cobertas, exalava um odor podre. Foram ao médico. Bira acompanhava a velha, pálida e molenga. No hospital, constataram o gradual apodrecimento do pé de D. Célia. Internaram-na. Há insetos em sua casa? Aranhas? Bira não respondeu. Dias se passaram. Bira visitava a mãe todos os dias. Em uma tarde cinza, o médico chamou-o a um canto. Não tinha boas notícias. Precisaremos amputar. Não! Como?! A mãe era triste o bastante. Limitada pelo pé amputado mergulharia em depressão. Não tem outra opção, Seu Bira. É a faca ou o caixão. Ao médico, Bira virou as costas. Fora aquela aranha, naquele dia. Em silêncio, caminhava com as mãos nos olhos. Matei minha mãe, minha mãezinha querida! Tomado pela angústia, deitou-se em um divã no hall de espera e morreu.
renan machado é escritor.
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Ana Figueiredo
Virado
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stava tudo virado, de cabeça para baixo. Um paralelo adimensional onde coisas se perdiam e flutuavam sem lugar. Logo ela, que sempre teve tantas certezas sobre si mesmo, que conhecia suas próprias verdades como ninguém. Ela viu o tempo parar, e já não sabia mais onde se encaixava. Talvez o mundo fosse extremo demais. Cresceu com tantos pecados escondidos, com vergonhas debaixo do tapete, e agora tudo aquilo a encarava. Olhos sérios, mas servis. Aquele sonho infante virou uma realidade tediosa e confusa. Vivia um pesadelo insone, abarrotado de fatos, cores, flores e frustrações. Vivia atormentada, não queria crer em si mesma. Não podia acreditar na mudança, onde foi que o mundo a mudou? Quando foi que deixou de compartilhar sonhos e desejos para pensar apenas em si mesmo? Como uma lagarta, que em segredo se transforma pouco a pouco dentro do casulo, e sai completamente mudada, chocando o mundo. Ela acreditava que aquelas rebeliões diárias a levaram a isso. A metamorfose é drástica quando se muda aos poucos. E a borboleta, não quer voltar a ser lagarta... Não desejava regredir, gostava das mudanças que havia feito em sua vida, mas tinha esse
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A metamorfose é drástica quando se muda aos poucos. E a borboleta, não quer voltar a ser lagarta... desejo insano de se encaixar. O monstro queria ser médico, nunca antes havia percebido, mas ser igual é mais difícil do que imaginava. Não era busca por aceitação, como acreditavam por aí. Era algo maior, era uma fantasia ingênua; acreditar que a vida ia se organizar sozinha. Sabia tão bem quanto qualquer outra coisa que apenas ela podia pôr cada detalhe em seu devido lugar. Mas que doce era a ilusão de acreditar que mais cedo ou mais tarde, pelo movimento terrestre ou pelo sopro de um vento frio, tudo ia se assentar.
A verdade é que se esforçava para manter tudo aquilo que a fez feliz um dia, mas isso exigia tanta força, que a felicidade virava cansaço. Sabia que não estava pronta pra mais mudanças. Estava tão confusa, sentia-se mesmo como a tal da borboleta, que tem medo de sair do casulo, que foi por tanto tempo uma acomodada lagarta, e agora teme mostrar ao mundo sua nova forma. Tinha em si a certeza de que estava melhor, mas também a certeza que agora teria que voar. Voar mais alto e se distanciar daquilo que amava. É engraçado como o amor pode nos fazer regredir. Talvez a vida seja assim mesmo, um quarto adolescente, desorganizado e cheio de tralhas sentimentais. Um quarto onde nada tem lugar, e onde a loucura pelo novo se encontra com a paixão pelo velho. O antigo faz parte de quem somos, mas nossa essência é mais do que uma lembrança nostálgica, é também nosso fetiche pelo futuro. Abrir mão de roupas, brinquedos e bugigangas. Abrir mão de pessoas, lembranças e medos. Deixar a correnteza do tempo levar tudo aquilo que já não serve mais.
ana figueiredo é escritora.
Solda
estas palavras estas palavras sobre mim você pierre menard arnold schwarznegger fantasmas escombros betinho grandes sertões são petersburgo demi moore thelonius monk alan parker liberdade bhagavad-gita kundera privada sísifo bomba & brigite bardot estas palavras epitáfios poemas vida e morte al capone solidão sacco & vanzetti hiroshima & nagasaki nova iorque si is leider auch flagelo frieza vômito insinuações bilhetes rostos assombrações paulo leminski roma itararé Boris karloff marcos prado versos páginas prosa & provérbios estas palavras carregam a cólera a úlcera as vísceras a bosta o tempo o espaço a virtude bob marley a estética platão a natureza o espírito o fogo mishima a água o adjetivo a fuga o vassalo o súbito der geburstag stanislaw ponte preta artichewsky wojciechovski o vazio & o saco cheio estas palavras não pedem as palavras estúpidas traiçoeiras canto gregoriano mudas adágios parábolas fonemas signos cruzadas indiscretas vãs párias imundas promessas madonnas definitivas pitorescas obscenas inconvenientes caladas verbais escritas catatau & livro dos contrários estas santas palavras pedem a palavra de hegel dos irmãos marx juan rulfo frank zappa ângela maria antonioni pablo neruda carlos estevão sadam husseim george bush capitão marvel penélope monteiro lobato bergson pelé mendigos punks padres arquitetos japoneses locutores paranistas aleijados jogadores de futebol mágicos amantes cozinheiros comunistas viados santos pitonisas cachorros pássaros & vice-versa estas palavras não dão a palavra têm a palavra palavrório palavroso palavreado palavrão tufado logomáquico expressão bagaçada conversa parlenda lábia loquaz papo opinião jorge amado pachouchada enfático empolada charada grammatiké & gramatiquice estas palavras são cópias de outras palavras de outras palavras de corbiére e foram minhas últimas palavras não necessariamente nesta ordem
soLda é escritor, humorista e cartunista. abril de 2012 |
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ISABELA FRANÇA
Um apaixonado D
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Naideron Jr.
Joel Rocha
iscreto, o empresário Mariano Lemanski comemorou do jeito que gosta – em traje de gala e ao lado de sua bela Bibba Pacheco – os 25 anos da Cabanha São Rafael, sua segunda paixão. O diretor presidente do maior grupo de comunicação do Paraná, GRPCOM, que reúne os jornais Gazeta do Povo, Jornal de Londrina, o jornal online Gazeta Maringá, a RPC TV – com oito emissoras afiliadas à Rede Globo, as rádios 98FM, Mundo Livre FM, Cultura FM de Maringá e o canal por assinatura ÓTV, é um aficionado por cavalos da Raça Crioula. Sua cabanha, em São Luís do Purunã, é uma das maiores do País na criação, reprodução e preparação de animais para prova funcional. A festa dos 25 anos, no último dia 25 de março, teve ares de superprodução, com o auxílio profissional de outro expert e apaixonado pela temática. O cineasta Jayme Monjardim, também criador, dirigiu todo o evento de três dias, que recebeu os principais criadores do Brasil, Argentina e Uruguai. Até os cavalos, treinados para apresentar-se no picadeiro de leilão, fizeram sua parte. Durante o coquetel que aconteceu na varanda da sede da fazenda, uma iluminação especial criada pelo cenógrafo Beto Bruel fez com que os animais cavalgassem em torno do lago criando uma cena única para os convivas de Lemanski, minutos antes do pregão. O resultado deixou todos pra lá de satisfeitos, com a comercialização recorde de quase R$ 3,8 milhões.
R$ 2
milhões
É o valor que o Estado do Paraná terá para investir em ações de educação no trânsito em todo o exercício de 2012. Infelizmente, o valor não chega a 0,5% - isso mesmo, meio por cento - do que se arrecada em multas só na cidade de Curitiba.
Expertise
Sanduíche chique Os sócios Michelle Camargo Gullin, Guilherme Requião e Paola Camargo estrearam no mês passado o cardápio de almoço na sua recéminaugurada Guiolla Hamburgueria Gourmet. As receitas exclusivas do hambúrguer de cordeiro com molho de hortelã, hambúrguer portenho com molho chimichurri, tapenade de azeitonas e geleia de pimenta já conquistaram uma clientela exigente e fiel. Todo o layout da casa foi inspirado no romance com imagens de casais enamorados famosos no cinema, com identidade visual assinada pela competente Ana Camargo. A chancela da casa ficou a cargo do chef Joe Ramos, de Porto Alegre, formado pela Cordon Bleu, que idealizou o menu com Guilherme.
O médico Márcio José de Almeida participa este mês da Conferência Multinacional 2012 da Fundação Kettering, em Ohio, nos Estados Unidos. Dedicada ao estudo e à pesquisa sobre sociedade civil e democracia em todo o mundo, a entidade reúne instituições de ensino superior, organizações não-governamentais e agências estatais de 70 países e promove o evento bienal Doing Democracy around the World cujos participantes permanecem conectados na rede International Civil Society Consortium for Public Deliberation para trocar experiências, reportar projetos e compartilhar ideias. Professor da Universidade Estadual de Londrina, com mestrado em medicina social pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro e doutorado em saúde pública pela Universidade de São Paulo, Márcio tem realizado palestras em várias cidades brasileiras para lançar seu livro Educação Médica e Saúde – A Mudança é Possível!, editado pela Associação Brasileira de Educação Médica. Resultado de uma pesquisa científica, a obra apresenta uma reflexão pungente sobre a formação médica no contexto da sociedade contemporânea e seus notáveis avanços da ciência e da tecnologia biomédica, propondo novas iniciativas na educação dos profissionais de saúde assim denominadas: “UNI”, “Changing”, “Network” e “Gestão de Qualidade”. O moço acaba de deixar o mandato de vereador em Londrina para integrar-se à equipe do governador Beto Richa no comando da Unidade de Gerenciamento dos Contratos de Gestão, função para a qual o credencia toda a sua expertise como especialista e consultor em governança social e gestão pública para resultados. abril de 2012 |
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Onda O artista plástico Juares Matter está estreando uma nova, colorida e bela fase que promete atrair muitos olhares dos apreciadores da arte local. Estão saindo de seu ateliê lindos e leves recortes que lembram as ondas dos skatistas em seus flips, drops e ollies. São pinceladas únicas, intensas. Pintura e colagem sobre policarbonato. Juares, com seus interessantes olhos azuis de menino curitibano, já foi skatista, quem diria!? No começo dos anos 80, antes da publicidade, dos cenários, dos portraits e dos cata-ventos, foi campeão paranaense de skate freestyle. Continuou no Freestyle desde então. Gosta de pintar ao ar livre, nos jardins do ateliê no Seminário.
marcelo rudini
Vampiro
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O escritor Dalton Trevisan tem saído de sua casa, na esquina das ruas Ubaldino do Amaral e Amintas de Barros, com mais freqüência nos últimos meses. Na vizinhança, está preparando um projeto que vai agradar o público que reclama de sua personalidade antissocial. Aceitou o convite de Constantino Viaro e, aos poucos, está levando boa parte de sua produção – obras traduzidas para o polonês, alemão e russo desconhecidas dos curitibanos – para uma sala que ganhará seu nome no belíssimo Museu Guido Viaro. O museu fica na Rua XV de Novembro, em frente ao edifício da reitoria da UFPR e é comandado por Constantino Viaro e seus filhos Guido e Túlio.
O advogado curitibano Gustavo Justino de Oliveira, professor de direito Administrativo da Universidade de São Paulo, propõe uma solução pra lá de controversa para reduzir a corrupção. Ele acredita que a população deveria acompanhar mais de perto os processos licitatórios e arrisca sugerir um grande big brother da gestão pública brasileira. Para ele, os processos licitatórios deveriam ser transmitidos e estar disponíveis na web em tempo real e é favorável à proposta de que os gestores públicos tivessem câmeras instaladas em suas salas para permitir que a população acompanhasse seu trabalho. Gustavo defende a maior concorrência nas licitações, o uso de todo e qualquer recurso de fiscalização que possa fornecer provas para apuração de fraudes e punição mais severa aos culpados por crimes contra o patrimônio público. “Não se pode aceitar passivamente o comportamento criminoso”, ressalta.
Cortesia As atitudes gentis, mesmo no campo profissional, andam tão esquecidas que, dia desses, uma amiga levou um baita susto com a educação do pediatra de um dos filhos. Depois de alguns dias com febre e dor de garganta – aqueles dias e noites que todas as màes curitibanas bem conhecem, em que ligamos várias vezes para o pobre pediatra que ganha menos de R$ 50,00 por consulta do plano de saúde –, o menino já estava bem quando ela recebeu uma chamada do pediatra em seu celular. Ao ser indagada pelo médico sobre o estado do filho, ela caiu no choro, desesperada, imaginando que a criança pudesse estar com algo grave que tivesse motivado a ligação. Respirou aliviada ao ouvir: “Só quero saber se ele melhorou”.
kraw penas
Big Brother
Uma mulher
A jornalista Valéria Prochmann falou brilhantemente no discurso que fez em nome das homenageadas pela Câmara de Vereadores de Curitiba, no dia 8 de março, em comemoração ao Dia Internacional da Mulher. Uma pena que sua sugestão não tenha sido acatada. Em meio ao rebuliço que estava armado com o afastamento de Derosso, instigante, como sempre, Valéria encerrou sua fala propondo aos vereadores que uma mulher fosse escolhida para a presidência da Câmara. “Sim, senhores vereadores e senhoras vereadoras, elejam uma mulher presidente e permitam a esta Casa de Leis a oportunidade de experimentar um estilo feminino de administrar: eficiente, dinâmico, humanista, sustentável, criativo, calcado em diálogo, cooperação, entendimento, seriedade, integridade e sensibilidade”, disse, arrancando alguns minutos de aplausos da plateia. Fechando a cerimônia que teve vários discursos enaltecendo a capacidade da mulher nas mais variadas atividades, Valéria alfinetou: “Eis a melhor forma de homenagear as mulheres que nasceram, trabalham, mantêm famílias e vivem em Curitiba!”.
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Claudia Wasilewski
Chega de skinheads
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Eu pintaria todos os dias se fosse preciso. Se não tivesse dinheiro para tinta usaria cal. A cozinha da minha avó Martha era sistematicamente pintada com cal. Branquérrima. No ano passado a polícia paulista garantiu a manifestação dos skins no MASP. Não entra na minha cabeça. A mesma polícia que dá porrada na marcha da maconha, na USP, no Pinheirinho e onde mais quiser. Lá estava a PM para fazer o cerco e garantir as palavras de ordem racistas, integralistas e outras istas. O vídeo é nojento. Em 2005 uma grande quadrilha foi presa no Paraná. Pasmem meus amigos, o filho de dois anos do casal preso apontava a foto de Adolf Hitler e o chamava de “VOVÔ”. Fora todos os crimes, ainda davam este tipo de deformação para a criança. Isto, uma educação deformada. Já passou da hora de uma nova megaoperação para tirar de circulação estes bandidos. Às vezes me sinto falando sozinha. Denuncio no blog, arrumo confusão, recebo e-mails me xingando, mas não desisto. Adotei para ilustrar tudo que se refere aos skins a figura preta. Na minha cabeça é um pano de luto. Me recuso a usar a suástica com o xis. Nem isto tem vez comigo. Por favor, fiquem espertos. Prestem atenção como está a cidade. Denunciem. Um dos lemas deles é “Mistura racial? Não, obrigado.” Como assim? Eu me orgulho de todas as minhas. Acho o máximo. stock.xchng
S
im os skins existem. Os cabeças raspadas estão por aí. Penso que deveriam se chamar “sem cabeças”. Longe de mim ofender a mula sem-cabeça. Só não é risível a existência destas quadrilhas, porque eles espancam e matam. Como podem ser achar superiores? Em um mundo tão deliciosamente miscigenado fica claro que este tipo de ideologia, se pode ser chamada assim, é absolutamente burra. No Brasil é ridícula. Por aqui perseguem negros, gays, nordestinos e judeus. Soube que alguns também não gostam de gordos. E assim vão cada vez mais incluindo ao acaso ou por conveniência as pessoas. Uma espécie de justificativa maluca. Será que a cabeça raspada não serve para esconder o cabelo crespo? Estes dias me contaram que o menino preso entrou em pânico quando a mãe chegou na delegacia. Queria a todo custo esconder a mãe negra. Por sua vez, ela não entendia direito o que era o tal grupo. Provavelmente nem ele. Deve ter sido uma decepção imensa para ela saber que gerou e pariu aquela pessoa. Ele devia se atormentar imaginando que passou nove meses dentro de um ser inferior, foi amamentado e cuidado. Tudo isto só pode ser doença. Não é normal. Os movimentos separatistas tomaram gás e estão voltando. O sul é meu país me embrulha o estômago. Curitiba está pichada de suásticas por todos os lados. O pior é que as pessoas não percebem. Não sei se pela agitação da vida, a pressa ou porque a poluição visual é tão grande que passam despercebidas. Eu pareço o menino do filme Sexto Sentido. “Eu vejo o tempo todo”. Vejo e não me conformo. Não esqueçam que tem Copa do Mundo em Curitiba e isto é um horror. Como uma pessoa não se incomoda com uma suástica na frente de casa ou do seu comércio?
A mesma polícia que dá porrada na marcha da maconha estava lá para fazer o cerco e garantir as palavras de ordem racistas, integralistas e outras istas
Claudia Wasilewski é empresária.
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Cartas
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REVISTA
dIsmorFIa, dIsTÚrbIo ou doenÇa? A matéria sobre a Dismorfia é absolutamente pedagógica e necessária. Há muitas mulheres se submetendo a transformações do corpo sem nenhuma necessidade. O resultado é o corpo e a mente doentes. Meus parabéns pela iniciativa. Marian Rossi Eu não sabia o que era dismorfia. Li toda a matéria e achei ótima! Como conheço pessoas que acham que para ser feliz têm que ser diferente do que são. Carmem Rosa
oLha a poLÍTICa aÍ, GenTe
Fiquei com mais nojo da política depois de ler essa reportagem “Olha a política aí, gente”. Mas também percebi que a política é inevitável e devemos brigar contra a corrupção e os costumes deste nosso país, tão bonito e tão maltratado por essa gente. Lauro Fabris
CurITIba, de paCaTa, nÃo Tem nada
A violência em Curitiba chegou a um ponto insuportável para nós que vivemos sem proteção da polícia. Sabemos que a criminalidade aumentou muito, mas sabemos também que a polícia diminuiu. Por que tantos investimentos em obras e não naquilo que o cidadão mais precisa? Miriam Sobanski Curitiba superou Salvador? Quem sou eu para brigar com as esta-
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tísticas, mas não é essa impressão que eu tenho. Não estou dizendo que a cidade é perfeita, mas aqui eu não ando paranoica com assaltos, como lá, onde é muito comum ver a polícia dando blitz em todos os pontos da cidade, a qualquer hora do dia, estando sujeito a balas perdidas inclusive. Não sei se lá eu lia mais jornais ou pelo próprio fato da cidade propiciar uma convivência dos contrastes sociais no mesmo espaço, eu sabia a cada dia a chacina do bairro tal, o acerto de contas dos traficantes, enfim... Tatiana Oliveira Ao mesmo tempo em que está na lista das sete cidades mais sensacionais de todos os tempos pra se viver da ONU/UNESCO/OMC. Quem estará mentindo mais? José Luiz Acho que o problema de Curitiba é a propaganda da cidade que acaba atraindo muita gente para viver aqui. Uma ilusão. Não há lugar nem trabalho para todos. E as ruas estão entupidas de carros. É preciso parar com essa propaganda lá fora de que aqui é o paraíso. Não sou contra ninguém, mas chega de migrantes. Arlete Soldatti
ensIna-me a Ler o mundo A matéria ficou ótima! Obrigada pelo olhar! Abraço! Marcela Bettega
o menIno morTo “O menino morto” é o conto mais tocante que li nos últimos tempos. Fiquei emocionado com a história. Não conhecia o autor e andei procurando livros ou outras publicações com os seus trabalhos. Poderia me dizer onde encontrá-los? Wilson Becker
Publicação da Travessa dos Editores ISSN 1679-3501 Edição 126 – R$ 10,00 ideias@revistaideias.com.br revistaideias.com.br facebook.com/revistaideias twitter:@revistaideias EDITOR Fábio Campana REDAÇÃO Marianna Camargo COLUNISTAS Almir Feijó, Ana Figueiredo, Andrea Greca Krueger, Antonio Augusto Figueiredo Basto, Carlos Alberto Pessôa, Claudia Wasilewski, Ernani Buchmann, Isabela França, Izabel Campana, Jussara Voss, Luiz Carlos Zanoni, Luiz Fernando Pereira, Luiz Geraldo Mazza, Luiz Solda, Marcio Renato dos Santos, Marisa Villela, Paula Abbas, Pryscila Vieira, Renan Machado, Rubens Campana COLABORADORES Cellus Klaus, João Le Senechal, Marciel Conrado DIRETOR DE FOTOGRAFIA Dico Kremer TRATAMENTO DE IMAGEM Carmen Lucia Solheid Kremer
Lindo e sensível! Mari Leonaldo
CrÔnICas O melhor colunista desta revista é, sem dúvida, o Luiz Fernando Pereira, que está a merecer, data vênia, um espaço maior para desenvolver as suas ideias e conceitos tão precisos e iluminadores da ignorância da população. Alceu Kreiser Acho que as crônicas da Marianna Camargo eram ótimas, senti a falta nas últimas edições. Ela não escreve mais para a revista? Estanislau Gardolinski A Pryscila é a melhor coisa da revista. A primeira coisa que eu vejo é a Amely. Célia Ramoneda Adoro a sessão de culinária da Jussara Voss e a de vinhos do Luis Carlos Zanoni. Aliás, acho que elas se completam. Ao menos para mim. Aprendo muito com esses dois que realmente conhecem daquilo que falam e escrevem. Nestor Almada dos Santos
FOTO DA CAPA Dico Kremer ARTE E PRODUÇÃO GRÁFICA Luigi Camargo REVISÃO Márcia Campos CONSELHO EDITORIAL Aroldo Murá G. Haygert, Belmiro Valverde, Carlos Alberto Pessôa, Denise de Camargo, Fábio Campana, Lucas Leitão, Marianna Camargo, Paola De Orte, Rubens Campana PARA ANUNCIAR comercial@revistaideias.com.br PARA ASSINAR assinatura@revistaideias.com.br ONDE ENCONTRAR Banca do Batel Banca Boca Maldita Banca da Praça Espanha Fnac Shopping Barigui Revistaria do Maninho Revistaria Quiosque do Saber no Angeloni Banca Presentes Cotegipe no Mercado Municipal Livrarias Ghignone Banca Bom Jesus Revistaria Itália Banca Shopping Curitiba
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