www.desato.com.br | maio 2013 | R$ 12,00
Dança para todos
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Editora
Diamante
Thiago Negraxa fala sobre a dança como instrumento de comunicação social e seu poder de transformação
Dança Indiana
Ivaldo Bertazzo
Dança consciente
Conheça mais sobre essa rica cultura milenar, seus detalhes e suas vertentes na dança
O coreógrafo conta como é seu trabalho com meninos da periferia e quais suas metas
A difusão da consciência corporal para todos: um registro de uma aula na UNIBES
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SUMÁRIO
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CARTA AO LEITOR
. . . 5 , 6 , 7, 8 ! A dança é movimento, quietude, silêncio, barulho. Ser além dos limites do corpo, sentir. Nessa primeira edição da Desato esperamos que vocês possam sentir e desconstruir a sua realidade, vendo do ponto de vista do outro. Diversas culturas estão sendo apresentadas nessa edição, desde a Ásia com a rica cultura indiana (seção Developé) , que a certo ponto se funde com outras culturas - como acontece nos espetáculos do coreógrafo Ivaldo Bertazzo, que você poderá conferir aqui - passando por Nova Iorque, berço do Hip Hop de Thiago Negraxa até “o Tio Sam pegar no tamborim”, como diria Gil, e chegar às típicas batucadas brasileiras. Confira também a matéria sobre a UNIBES, onde nossa repórter passou um dia e pôde relatar a organização existente numa aula gratuita de balé clássico para crianças com renda menor e, em muitos casos, morando em áreas de risco da cidade. Enfim, diversas perspectivas sobre o mesmo tema, provando, assim, que a dança é uma arte plural, com significância diferente para cada um que dela se apropria. Seja como hobbie, como profissão, como modo de relaxar ou como educação corporal, a dança desata nossos pré-conceitos e une todos nós num ato só. Em cena!
Liz Diamante, editora-chefe
Colaboradores:
Fabio Silveira
Sara
Goldchmit
Lucas
Massimo
REVISTA Editora-chefe: Liz Diamante • Diretor de arte: Liz Diamante Redator: Cid Moreira • Fotografia: Man Ray • Reportagem: William Bonner
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Developé Grupo dança a modalidade Odissi. Abaixo, dançarina clássica indiana.
Fotos: divulgação
DANÇA INDIANA A riqueza e detalhes da cultura hindu também presentes na dança Por: Ravi Shankar
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Dança Clássica Indiana é dividida em Nritta (dança pura ou abstrata) e Nrittya (dança expressiva). A expressiva tem como objetivo contar as histórias dos Deuses da mitologia hindu com fundo filosófico, cultural e religioso ou devocional. A Dança Clássica Indiana pode ser rastreada até 400 aC, aos tempos de Natya Sastra de Bharata Muni. Na verdade, Bharata’s Natya Sastra, considerada a Bíblia da Índia, é a fonte mais importante para determinar as características das danças.O Natya Shastra abrange vários elementos como cenografia, dança, maquiagem, musica clássica , mimicas, figurinos, sentimentos e emoções escrito em Sancrito com um texto em 6 capitulos composto de 6.000 sutras ou versos. Natya é a junção de drama (atuação), música e dança, Shastra
quer dizer escritura. Literalmente os termos natya significa = drama ou teatro e veda = conhecimento. É dito que Natya Shastra foi composto pelo Deus Brahma, extraído dos quatro Vedas, assim Natya Shastra é também de chamado de Natya Veda, pois Brahma teria incorporado nele todas as artes e ciências que havia nos Vedas. Do Sama Veda ele retirou a música, do Rig Veda a poesia e a prosa, do Yajur Veda o gestual e a maquiagem e finalmente do Atharva Veda a representação dramática. Os Vedas não foram comunicados aos homens e só podem ser conhecidos graças ao profeta Bharata que traz aos humanos o Natya Shastra. Assim, Natya Shastra seria um quinto Veda, acessível aos humanos de todas as castas, para ser praticado por todos. •
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Acontece
MA I O
Dança no Teatro Alfa
Espetáculo Cia. Híbrida
1mm all of that Nesta performance site-specific, Cristian Duarte tem como referência o jazz (como dança) e explora a plasticidade do caminhar e do olhar.
1mm all of that 10 a 12 de Maio. Sexta às 20h, sábado e domingo às 19h. Ingressos: R$ 5,00 e R$ 2,50. Complexo Cultural FUNARTE Sala Renée Gumiel - Al. Nothman, 1058 – Campos Elíseos Classificação etária: Livre
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A Companhia Híbrida estreou no dia 3 de maio, seu novo espetáculo, Moto Sensível. O grupo oferecerá também oficinas gratuitas. Moto Sensível 3 a 26 de maio. Sextas e sábados às 20h, domingos às 18h. Ingressos: R$20. Espaço Sesc - Rua Domingos Ferreira 160, Copacabana. Tel: (21) 2547 0156 Classificação etária: 18 anos
Foi divulgada nesta segunda-feira, programação da décima temporada de dança do Teatro Alfa, em São Paulo, que começa no dia 8 de agosto e termina no dia 10 de novembro.
10ª Temporada de Dança no Teatro Alfa 8/08 a 10/11. Ingressos: 5693-4000 e 0300 789-3377, ou na bilheteria. Teatro Alfa - R. Bento Branco de Andrade Filho, 722, Santo Amaro - São Paulo
[IN]Permanência Apresentação do TCC das formandas do curso de Dança e Movimento da Universidade Anhembi Morumbi.
[IN]Permanência 29 de maio à 04 de junho de 2013 (exceto domingo).Às 20h. Entrada franca (retirar ingressos com 1h de antecedência). Teatro Experimental - UAM Campus Centro
Workshop
Festival
Butô com Minako Seki
Festival Internacional do Panamá
O workshop com Minako Seki é destinado a bailarinos, coreógrafos, atores, estudantes de artes cênicas, dança e artes visuais.
Workshop de Butô 14 de abril, das 9h às 14h. MEME Santo de Casa Estação Cultural - R. Lopo Gonçalves, 176. Cidade Baixa – Porto Alegre – RS
Está aberta, até o dia 31 de março, a convocatória para a segunda edição do Festival Internacional de Dança Contemporânea do Panamá – PRISMA.
Festival Internacional do Panamá Enviar projetos para festival.prisma@gmail.com
Festival América do Sul Começou dia 01 de maio, o décimo Festival América do Sul, em Corumbá, interior de Mato Grosso do Sul. Festival América do Sul 1 a 5 de maio. Ingressos Gratuitos. Corumbá, Mato Grosso do Sul
Mostra de Performance
Circuito “Dança no Mato”
Grupo Ronda
A Galeria Vermelho estará recebendo propostas de performances para a 9ª edição da mostra de performance arte VERBO, a ser realizada de julho a dezembro de 2013. Mostra de performance verbo@galeriavermelho.com.br. Enviar até 5/06/13.
Artistas residentes em Mato Grosso do Sul e com mais de dois anos de atuação, têm até o dia 1 de maio para inscrever seus trabalhos no Circuito Dança no Mato.
Circuito Difusão no Mato Gerência de Difusão Cultural – 4º andar / Memorial da Cultura / Avenida Fernando Corrêa da Costa, n° 559, Centro / Campo Grande – MS / CEP: 79002-820.
O Grupo Ronda, de Florianópolis, vai ministrar oficina prática de dança contemporânea em Campo Mourão (PR), dia 09 de março. O encontro gratuito será das 14h às 17, com limite de 20 vagas. Workshop com Grupo Ronda Inscrições para rondagrupo@gmail.com
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Ivaldo Bertazzo
C I DA D Ã O DANÇANTE I VA L D O B E R TA Z Z O Por Ivy Berty Fotos: Man Ray
Cena do espetáculo “Corpo Vivo” (2010). À esq., Bertazzo e seus alunos no projeto “Mar de Gente”(2007)
Ele já misturou samba com kathak; canto de tribos zulus com Dorival Caymmi. Com uma carreira de 30 anos, mostrou que dançar é pra qualquer um, e que desbravar os limites do corpo é desbravar os limites da vida. Desde 2000, Bertazzo toca projeto que traz para o centro da cena a energia da molecada da periferia. Como foi trabalhar com jovens de periferia? A metodologia veio do trabalho realizado na escola. Apenas extravasamos as fronteiras. É muito importante o trabalho com esses meninos. Na verdade, é nessa fase da vida que todos deveriam ser educados corporalmente. E eles têm muita disponibilidade. O que a gente faz é correr atrás do que a escola pública deveria oferecer a eles, mas não oferece. Para alcançar o resultado artístico que pretendemos, acabamos tendo de fazer um trabalho de linguagem. Antes de tudo, eles precisam aprender a se comunicar. Não dá para imaginar que basta fazer um gesto, tocar um instrumento.
Há muita carência entre esses meninos?
Eles são carentes de aprendizado. Contrariando um pouco o que se imagina, na periferia essa turma tem acesso a muita coisa. Eles têm telefo-
ne celular, dvd, usam os melhores tênis. Na sociedade de consumo em que vivemos, eles representam ótimos cidadãos. No entanto, faltam muitas outras coisas. É preciso que eles compreendam que há mais do que o consumo. É preciso que melhorem a qualidade de entendimento do mundo.
morrem de dar risada. “Que geringonça é essa? Que estranheza é essa?” Eles não veem que o leque humano, cultural, é muito vasto; é rico na sua diversidade. Eles simplesmente acham que o cara é um xarope. Eles tendem a achar que o mundo é só aquilo que lhes impuseram. E isso é muito perigoso. •
É fácil mostrar a importância de outros valores?
É uma luta. Os valores desses meninos são muito manipulados. Eles são instrumentos massificados pela mídia. Se eles não tiverem como ampliar seus conhecimentos, se não tiverem acesso a bens culturais, à diversidade humana, eles não vão a lugar algum. Serão exatamente o que a mídia espera deles: seres rígidos dentro de um padrão. É preciso que se abram as perspectivas desses jovens. Não é trabalho fácil. Eles estão presos a desejos culturais paupérrimos. Você mostra um vídeo com uma tribo aborígine da Austrália dançando e eles
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Vem quem quer
DIVERSIDADE UNÍSSONA Da dança indiana à nossa batucada brasileira, passando pela dança contemporânea, ballet, e até maracatu. Aulas e oficinas gratuitas para todos os gostos.
Indian Cultural Center
Seu espaço no Centro de São Paulo oferece aulas gratuitas de danças típicas da Índia.
Indian Cultural Center Al. Sarutaiá, 380, Jardins - São Paulo. Aulas de 2ª a 6ª das 18h30 às 19h30
Meninos do Morumbi
O trabalho tem como base a dança étnica. São realizados ensaios semanais atendendo milhares de crianças e jovens.
Meninos do Morumbi R. José Jannarelli, 485 - SP. Aulas de 5ª a sábado
Bloco de Pedra
O bloco lança o Projeto Calo na Mão, que em Maio oferece vagas para quem quiser participar.
Bloco de Pedra Rua Alves Guimarães, 1511, Vila Madalena. Ensaios sábados, das 14h às 15h
Núcleo Vocacional
O núcleo oferece aulas de artes visuais, dança e teatro a adolescentes a partir de 14, em CEUs de São Paulo.
Vocacional cultura@prefeitura.sp.gov.br. Aulas de 3ª a domingo.
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Thiago Negraxa
A DO
FORÇA
HIP HOP
O poder de transformação social do hip hop aos olhos de Thiago Negraxa. Texto e fotos: Liz Diamante
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hiago Negraxa fala sobre a força do movimento Hip Hop em plena era virtual e seu poder de comunicar, quebrar estereótipos e voltar à raiz de tudo: o contato pessoal. Nascido no Ipiranga, Negraxa é um artista multifacetado: ensina, dirige uma companhia de dança e, nos últimos anos, deu início à produção de documentários, tendo concluído um e com outro atualmente em processo, o “H-urb”, que contempla cidades como Brasília, Paris e Nova York. Como se deu o início da sua relação com o movimento Hip Hop? Como e porque aconteceu uma identificação com a dança de rua, especificamente? Eu gostava muito de ouvir musicas de Rap e R&B, quando um amigo me convidou para participar de um grupo que dançava hip hop.
Conte um pouco sobre sua formação na dança, e onde atua hoje em dia. Eu inicei minha trajetória com a dança no Grupo The face há 14 anos, começei participando de competicções nacionais e internacionais, chegamos a participar do campeonato mundial em Los Angeles/Califórnia, depois
dei inicio a uma trajetória ministrando aulas começando nas academias, depois nos espaços culturais da cidade de São Paulo e também em projetos da Secretaria de cultura como Vocacional, Piá e a Emia, em 2009 fui pleiteado com o prêmio Klauss Viana do Ministério da Cultura para montar o espetáculo “Movimento pelo Movimento” com a Cia “D.Urbanos” na qual eu sou o diretor, e em 2011 fui prêmiado pelo Proac para produzir o documentário “H-urb”. Atualmente trabalho no projeto vocacional, na escola “Emia” e com a produção do documentário H-Urb de outras regiões do brasil, Europa e E.U.A. Na prática, sendo artista e professor da área, você enxerga a dança em geral, e o hip hop em específico como um fator de transformação/inclusão social? Consegue observar mudanças de que tipo em seus alunos? Sim. Eu acredito na dança como um fator de transformação/inclusão social por conta de que os praticantes começam a colocar sua opinião a partir de um determinado tempo de prática e não permanecem só na reprodução e isto afeta todas as outras
instancias de vida do aluno. Você crê no poder da dança como comunicador social? Sim, principalmente pelo sistema educacional falido que nós temos hoje, na dança eles vem com o desejo de aprender e acabam por desenvolver várias qualidades para dançar, na escola eles precisam tirar nota, estes váriados lugares que eles tem para praticar, ajudam a desenvolver não só as técnicas artísticas como a cidadania.
Hoje nos encontramos numa era onde a tecnologia virtual está ao alcance de todos, desde crianças até adultos. Você acredita que a dança, atividade necessariamente presencial, pode ajudar na reintegração do conceito do contato humano, da vivência real com o outro? Sim eu acredito que o encontro é fundamental, a relação humana possibilita uma vivência mais refinada da dança, porém os meios de comunicação com uma má utilização, podem trabalhar na contramão destas vivências. >>
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Thiago Negraxa
Sendo negro e fazendo parte da cultura do Hip Hop (que possui diversas ramificações sociais, como a dança, a música e a arte), você sente que exerce uma função social que une essas duas coisas? Acha que por meio da sua arte e da sua origem, você gera (ou tem a intenção de gerar) uma nova perspectiva nas pessoas? Sim eu acho que ser negro e trabalhar com o Hip Hop tem uma função social que une várias coisas, a primeira delas é quebrar o estereótipo de hip hop relacionado, a mulher semi nua, dinheiro e carro, futulidades que não são o fator real de transformação dos praticantes, segundo que hip hop é coisa de preto,não é só para os negros é uma cultura de todos e ela ja pertence ao mundo.
O precoceito racial e social são questões do ser humano e que através da arte nós vamos sensibilizando o mundo para diluir as não aceitações. Em muitas modalidades de dança, a competição vira rivalidade causando atritos entre seus praticantes, e isso as desvalorizam. Como é esse cenário no mundo da dança de rua? Esse fator competitivo é atenuado pela dança fazer parte, junto da música e da arte, de uma cultura, havendo uma maior identificação entre seus membros?
Na verdade que essas questões da competição e da vaidade, pertecem aos seres humanos e não aos segmentos artísticos, elas sempre vão existir em várias instâncias, mas existe uma comunhão muito grande entre os grupos praticantes das danças da cultura hip hop e que se estende aos MC’s, Grafiteiros e Djs. •
“ Na dança os alunos vêm com o desejo de aprender e acabam desenvolvendo várias qualidades. “
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Saúde
Musculos em ação
Trabalhando todos os músculos, o ballet clássico é considerado uma das atividades físicas mais estruturadas e completas Texto: Natália Vizza Fotos: Liz Diamante Ilustração: Alvaro Szrajer
Uma pesquisa feita pela Universidade de Hertfordshire, no Reino Unido, mostrou que, na comparação entre a natação e o balé clássico, a dança apresenta melhores resultados em sete de dez medidas de condicionamento físico. O estudo comparou o condicionamento e o desempenho de membros do Royal Ballet com o de nadadores da seleção olímpica britânica. Pois é, horas e horas de ensaio, dores por todo o corpo, disciplina, concentração e principalmente, dedicação. Essas são algumas das características dessa arte que têm encantado a todos com a estréia do novo filme. Por trabalhar todos os músculos do corpo, o exercício faz com que a musculatura fique rígida, sem nenhuma gordurinha fora do lugar. Afinal, todas as áreas são trabalhadas em conjunto: pernas, abdome, braços, costas, glúteos. Tanto esforço e dedicação, fazem do balé um dos esportes mais estruturados e bem trabalhados.
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Deltóide
Extensores do braço
Bíceps
Trapézio
Grande Dorsal
Abdominais
Músculos Internos da perna
Glúteos Máximos
Gêmeos Tibial Anterior
Exemplo de trabalho de cadeias musculares em um movimento muito comum no ballet, a pirueta. Bailarina: Mônica Caldeira
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UNIBES
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Texto: Liz Diamante Fotos: Paulina Alves 18
Um novo espaço
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esde o momento em que pedi auxílio de algumas pessoas sobre como chegar ao metrô Armênia para ir à UNIBES, já ouvi “ih, cuidado que lá é barra pesada.” Tratei de me vestir de um jeito simples, com uma camiseta básica lisa e uma calça de ficar em casa, para não me destoar muito do ambiente. Chegando no local, notei que as pessoas eram bem mais simples e o bairro, mal-cuidado, com construções comerciais baixas, sem muitos prédios e com aparência esteticamente mais simples, mesmo. Mas não era tão “barra-pesada” quando eu estava imaginando. Talvez pela UNIBES ser perto do metrô, gerando muito movimento naquela área, tenha atenuado esse fator. Há duas UNIBES no Bom Retiro, uma na rua Rodolfo Miranda, que é a sede, e onde as pessoas fazem doações, e outra na rua Pedro Vicente, onde fui, e onde acontecem as aulas. Há uma recepção, salas de administração e de professores, salas de dança e quadras esportivas. O local em geral é simples, mas bem ajeitado e limpo. Quando cheguei, me apresentei à moça da recepção e tive que esperar Paulina chegar. Nesse tempo, fiquei
conversando com a recepcionista, que não aparentava mais de 20 anos. Ela me perguntou se eu dançava, se eu gostava de ballet, eu disse que dava aulas de dança do ventre e que já havia feito outras danças, como dança contemporânea : “O que é dança contemporânea?”, disse ela. E depois de tentar explicar um pouco essa pergunta tão complexa e falar sobre nudez recorrente nesta dança, ela
“Quando expliquei que a nudez era algo recorrente na dança contemporânea, ela disse: ‘vixe, pornografia!’ ”
responde: “vixe, pornografia!”. Achei muito interessante o jeito que ela naturalmente encarou esse mundo tão distante da realidade dela, uma vez que ela nunca havia ouvido falar dele. Quando a professora chegou, me cumprimentou e fomos em direção à sala de aula. Ao ser apresentada às crianças, antes da aula começar, num hallzinho aberto perto da sala de aula: algumas perguntaram meu nome, outras deram risadinhas cúmplices
(talvez debochando, talvez achando graça), e outras só olharam com curiosidade. Eram meninas e meninos de 7 a 10 anos, em média. Uma das meninas perguntou meu nome e prontamente se apresentou, “Sofia”. Várias meninas perguntaram o que eu ia fazer, se ia dar aula também para elas também, se eu também dançava, se eu ia fazer aula com elas. A essa altura já era possível começar a identificar o tipo de comportamento que teriam em sala. Na sala, todos tiraram os sapatos, deixando-os do lado de fora (eu também), fizeram uma roda e Paulina, a professora, perguntou se eu não gostaria de entrar. Entrei, Sofia me deu espaço para sentar ao lado dela e quando a professora começou a passar os exercícios ela disse “faz também!”, me convidando a se juntar a eles. Nesse meio tempo, chegou uma aluna atrasada, aparentemente a mais velha do grupo, e logo estranhou minha presença e perguntou, na lata, “quem é você?”, pra mim. Tinha um jeito mais agressivo, expressão corporal mais dura, parecia estar sempre na defensiva (ao ver passar de longe uma colega de quem não gostava, mostrou a língua em deboche várias vezes. Quando me apresentei e perguntei o
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UNIBES
“Um dos meninos me chamou muito a atenção. Na barra, em um exercício de dupla, ele ensinava o colega como se fosse o professor: ‘pensa no seu corpo como se fosse um cabide, a força tem que vir daqui. Sentiu a leveza?’ nome dela também, com segurança e a olhando nos olhos, ela pareceu ficar surpresa, que na sua tentativa de me intimidar, talvez, eu respondi de forma segura e sem deixar sua agressividade me atingir. Imagino que ela devia estar acostumada a intimidar e bater de frente com as pessoas. Em seguida, Paulina explicou à todos que eu estava ali para ver a aula deles e pediu para cada um dizer o nome; ao fim, me apresentei também, mas os olhares de estranhamento de muitas das crianças ainda permaneceu. Na roda, o exercício em si foi muito interessante, com didática somática, a fim de proporcionar a percepção e a sensibilização do corpo. “Massagem” nos ossos do pé, identificando todos os ossos. Todos estavam familiarizados com as palavras ‘maléolo’, ‘calcâneo’, ‘metatarso’, ‘tarso’, ‘ísqueos’, etc. Ao serem perguntados se sabiam o que era articulação, um deles A professora Paulina Alves
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(Luis, que mais tarde se revelaria um aluno super atento e concentrado) disse: “é quando dobra o osso”. Profª: “mas o osso dobra?” e explicou que na verdade era o lugar onde se juntavam dois ossos.
Sensibilizando
Enquanto a sensibilização acontecia, alguma suspeitas minhas se confirmaram: as meninas que deram risadinhas quando me apresentei logo no hallzinho, se mostraram as mais arteiras, que não paravam de conversar e cochichar. Outra que conversava e fazia brincadeirinhas era Evelyn, de aprox. 11 anos, que foi uma das que teve de ser mudada de lugar pela professora por falar demais. Sofia, que estava do meu lado, se mostrou a mais receptiva, conversou comigo várias vezes, me mostrando como se fazia os exercícios e distribuindo sorrisos sempre. Pareceu mais sozinha, se dava com todos mas não era de um grupinho. Depois, foram todos fazer exercícios na barra. Quase tudo que observei do comportamento na roda foi refletido na barra: as duas que não paravam de falar na roda, não prestavam atenção no que a professora explicava e faziam os exercícios de forma desleixada, sempre conversando e por vezes debochando da situação. Sua atenção foi chamada pela professora inúmeras vezes. Surpreendentemente, a arteira Evelyn se mostrou atenta na barra e reproduziu muito corretamente os exercícios, conversando um pouco durante os intervalos das seqüências, mas concentrada na hora de executá-los. Um dos meninos, o Luis, me chamou muito a atenção. Na barra, em um exercício de dupla, foi sensacional como ele
ensinava o colega como se fosse o professor: “pensa no seu corpo como se fosse um cabide, a força tem que vir daqui. Sentiu a leveza?”. Devia ter 9, 10 anos e era o mais dedicado, sempre atento e com a postura correta quando esperava as próximas instruções de Paulina. Constantemente ia tirar dúvidas com ela e falar de termos que havia aprendido fora de sala de aula. “Mas professora, isto não é um glicé ao invés de frapé?”. Mais tarde a professora me disse que ele e o colega que fazia dupla com ele, Daniel, ganharam uma bolsa para fazer aulas no Teatro Municipal, na Escola de Bailados, de grande renome em São Paulo. Daniel não entrou pois as aulas acontecem de noite, e como a maioria das crianças moram em áreas de risco, para voltarem para casa de
noite é perigoso. A turma era composta por 10 meninas e 5 meninos, e a relação entre eles era natural, sem deboche por serem meninos fazendo ballet.
Caminhos
Ao final, da aula, quando todos saíam, Paulina chamou de lado uma menina, Ana. Virou para mim e disse: “Liz, você sabia que a Ana era a melhor aluna que eu tinha e que hoje é uma bagunceira e só conversa?”. Perguntei para Ana, “por que, Ana?”, no que Paulina disse “eu também gostaria de saber por quê.”, como se questionando a menina, que, na defensiva, não disse nada. A professora continuou: “você era a melhor aluna dessa sala, era dedicada, prestava atenção, fazia tudo direitinho e agora só conversa. O que aconteceu?”, para em
Educação Somática • Referências • Curso de Dança Anhembi Morumbi www.anhembi.br • Estúdio Ayélen Blanco www.ayelenblanco.com.br • Estúdio Laban de Dança estudiolabandedanca.webnode.com.br • Núcleo de Improvisação www.nucleodeimprovisacao.com.br
seguida perguntar se a menina estava passando por algum problema pessoal, sempre recebendo uma negativa de cabeça como resposta, e pedindo constantemente para Ana olhar para ela, visto que a menina, não gostando de estar levando bronca, estava com os braços cruzados e desviando o olhar da professora. Depois de per-
guntar insistentemente o que estava acontecendo para aquela mudança de comportamento, Paulina disse à aluna tão resistente e defensiva: “Sabe, Ana, na vida a gente pode escolher dois caminhos: o ruim e o bom. Eu escolho o bom sempre. E você, vai escolher qual? “
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O medo que temos do corpo Por Tiago Bartolomeu Costa
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No verão de 2005, no âmbito do Festival d’Avignon, em França, uma das maiores polémicas colocou-se acerca do uso, aparentemente abusivo, do corpo em cena. Medo: e se de repente o corpo tivesse tomado conta da linearidade que só a palavra permitia e nos forçasse agora a um confronto nada saudável com a nossa capacidade em filtrarmos a realidade, porque sem vontade de dar respostas. A questão era tanto mais relevante se pensarmos que a direcção artística dessa edição tinha sido entregue ao coreógrafo belga Jan Fabre, aparentemente menos transgressor que o director do ano imediatamente anterior, o encenador alemão Thomas Ostermeier, director da Schaubühne e enfant terrible do teatro europeu. Doce ilusão.Fabre colocou no centro do festival a dança metafórica de Christian Rizzo, o questionamento dos formatos de Mathilde Monnier e a violência de Wim Wandekeybus, forçando o público, a crítica e os próprios programadores a uma verdadeira revolução estética, artística e discursiva. Terse-iam acabado as fronteiras? Poderia a dança não ser dança, o teatro não ser teatro? Seríamos todos “cavaleiros do desespero”, como anunciava Jan Fabre no espectáculo de abertura, L’Histoire des larmes? Louppe tenta a explicação: “Ser bailarino é escolher o corpo e o movimento do corpo como campo de relação com o mundo, como instrumento de saber, de pensamento e de expressão. É igualmente ter confiança na dimensão ‘lírica’ do orgânico, sem que, no entanto, faça referência a uma estética nem a uma forma precisa: [nem] o gesto ou o estado de corpo neutro (voluntariosamente desacentuado e trabalhando na ausência de ‘desenho’), [ou] a sua própria qualidade lírica, à medida que o gesto é tensional ou musical”.
Foto: Liz Diamante
[DES COM PÊN DIO]
[IN] Permanência 29/05 a 04/06 • 21h • Teatro Experimental Universidade Anhembi Morumbi - Mooca