MAIO
R$ 18
2014
brasil
edição 01 — nóstos
— www.revistaelipse.com
MEMÓRIAS ESQUECIDAS A busca pelas histórias de vida perdidas através da sensibilidade do registro fotográfico
PARADAS NO TEMPO
As malas intocadas de pacientes de instituto mental
NAZARÉ DO MOCAJUBA O registro do humano pelas lentes de Alexandre Siqueira
REGISTROS OCULTOS
A vida secreta de Vivian Maier e sua paixão pela fotografia
Revista Elipse
Edição 1 • Nóstos
RETRANCA
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Rosa Bavaresco.
Revista Elipse
Dedicada à
Elisa Schenner e RETRANCA
Edição 1 • Nóstos
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Revista Elipse
Edição 1 • Nóstos
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Revista Elipse
RETRANCA
Edição 1 • Nóstos
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Edição 1 • Nóstos
Lar de Idosos Vivência Feliz
SUMÁRIO
N O S T O S (grego: vóotoç) é a palavra grega do regresso para casa, a idéia de retorno após uma longa viagem. Esta edição
da Revista Elipse fala sobre o regresso da memória e o reencontro com o passado: a redescoberta de suas origens.
Revista Elipse
M AT É R I A S
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S E ÇÕ E S
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ARTE Nazaré do Mocajuba pelas lentes de Alexandre Sequeira
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ENTENDA Oxitocina, a molécula das relações afetivas e sua ação
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C A PA O resgate das memórias dos idosos do lar Vivência Feliz
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INSPIRE O Alzheimer e suas tristes expressões artísticas
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AMARELADAS Fotógrafo registra malas perdidas de pacientes mentais
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C O L A B O R AT I VA As histórias por trás dos objetos de memória
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PERFIL As fotografias ocultas do passado de Vivan Mayer
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CRÔNICA O homem que queria poder eliminar a própria memória
MEMÓRIA FOTOGRÁFICA
QUE NEGAR A NECESSIDADE ÓBVIA DE ME-
Edição 1 • Nóstos
MÓRIA?”
Marguerite Duras - Hiroshima meu amor
“POR
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Edição 1 • Nóstos
EDITORIAL No prefácio da edição inglesa da enciclopédia Les Lieux de Mémoire, o historiador e organizador do volume, Pierre Nora define um lieu de mémoire como “qualquer entidade significativa, seja de natureza material ou imaterial, que por força da vontade humana ou da obra do tempo tornou-se um elemento simbólico da herança memorial de qualquer comunidade”. Vivemos em um mundo extremamente imediatista, que preza cada vez mais por novas tecnologias e tendências e que tenta sempre estar à frente de tudo. Cada vez mais as pessoas estão sentindo que acabam por esquecer do próprio passado e identidade. Foi com esse propósito que surgiu a Elipse. Na literatura, no cinema e em outras formas narrativas, elipse refere-se à omissão de informações que podem ser subentendidas. Traçamos assim um paralelo com os momentos de nossa vida que acabam sendo esquecidos na vida cotidiana, mas se fazem presentes no curso da nossa vivência e em nossa personalidade.
helena sbeghen e gabriela luchetta
são idealizadoras da Revista Elipse e acreditam no resgate da memória como potência de transformação social.
Na primeira edição, Nostos, buscamos tratar desse reencontro através de matérias como o trabalho de Alexandre Sequeira em Nazaré do Mocajuba, Jon Crispin com as malas perdidas dos pacientes do instituto psiquiátrico Willard e o retrato poético das memórias esquecidas dos idosos do asilo Vivência Feliz de produção autoral da Revista Elipse. Agradecemos a oportunidade e o aprendizado.
Revista Elipse
Com carinho, Gabriela & Helena.
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Revista Elipse
COLABORADORES
FABIO SILVEIRA
SARA GOLDSHMIDT
RAPHAEL MENDES
Orientador da Revista Elipse, auxiliou durante todo o processo do projeto
Ensinou e auxiliou em todos os processos técnicos para o desenvolvimento da revista
Grande amigo e fotógrafo, clicou todas as imagens da nossa matéria de capa
Edição 1 • Nóstos
d i r e ç ã o IED São Paulo | editora Sbeghen & Luch Designs | d i r e ç ã o d e a r t e Gabriela Luchetta & Helena Sbeghen | d i r e ç ã o d e r e d a ç ã o Gabriela Luchetta & Helena Sbeghen | e d i ç ã o d e a r t e Fabio Silveira | d e s i g n e r s Gabriela Luchetta & Helena Sbeghen | d e p t o . d e m a r k e t i n g IED São Paulo Sbeghen & Luch Designs | Rua Maranhão, 700 | São Paulo - SP
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Edição 1 • Nóstos
ENTENDA
A MOLÉCULA DA AFETIVIDADE por
Gabriela Luchetta dos Santos
No “Entenda” dessa edição abordamos a Oxitocina, hormônio que desencadeia uma série de reações no organismo ligadas à confiança e a formação de laços duradouros.
HIPOTÁLAMO A oxitocina é produzida no hipotálamo, localizado próximo ao tronco cerebral. Em seguida, ela é armazenada dentro da hipófise (também chamada glândula pituitária)
AMÍGDALA,BULBO OLFATÓRIO E CÓRTEX SUBGENUAL São regiões cerebrais associadas com as emoções e densamente preenchidas com receptores de ocitocina.
MATERNIDADE Durante a amamentação, a oxitocina é responsável pela passagem do leite pelos mamilos, além de acalmar a mãe e direcionar seu foco para o bebê. Além disso é responsável pela contração do útero durante e após o parto.
VASOS SANGUÍNEOS
Revista Elipse
Ao se ligar aos receptores presentes no coração e no nervo vago (que innerva o intestino e o coração), ajuda reduzindo a pressão arterial. Além de desencadear a liberação de Dopamina (que é associada ao prazer, a motivação e ao esforço) e Seretonina (responsável por reduzir a ansiedade e ter efeito positivo no humor.
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Revista Elipse
INSPIRE
OS RETRATOS DO ALZHEIMER POR WILLIAM UTERMOHLEN William Utermohlen, resolveu continuar a pintar seus auto-retatos mesmo após ter sido diagnosticado com Alzheimer. De 1995 a 2000 ele registrou a evolução das impressões que tinha de si mesmo e sua arte, adaptando o seu estilo às limitações crescentes.
FOTÓGRAFO REGISTRA OS ÚLTIMOS ANOS DO PAI E O DECLÍNIO DE SUA MEMÓRIA
Quando a mãe de Phillip Toledano faleceu, ele começou a perceber o quão grave estava a memória de seu pai, que perguntava constantemente sobre sua ela. Ele resolveu registrar seu cotidiano com o pai, que não era capaz de gravar nada recente. Suas fotos, irreverentes e tocantes, eram publicadas em seu blog Days With My Father e mais tarde, foram compiladas em um livro homônimo. Registro completo em dayswithmyfather.com
Retratos do artista williamutermohlen.org
SÉRIE DE FOTOS MOSTRA O DIA A DIA DE ESPOSA CUIDANDO DO MARIDO COM ALZHEIMER
Mirella é como se chama o projeto fotográfico do italiano Fausto Podavini, e também o nome da protagonista desta história: casada com Luigi durante 43 anos, Mirella viu sua vida mudar quando ele foi diagnosticado com Alzheimer. O fotógrafo opta por captar pequenos gestos de carinho, em vez das dificuldades provocadas pela doença. Confira as fotografias faustopodavini.eu/project/mirella.html
LUGAR DE MEMÓRIA
MUSEU DA PESSOA
Edição 1 • Nóstos
O Museu da Pessoa desenvolveu uma metodologia única - a Tecnologia Social da Memória, utilizada em comunidades, grupos, escolas, empresas, e aplicável indistintamente a toda e qualquer pessoa ou parte interessada, instituição, nacional ou internacional. Criou uma abordagem inédita para instituições em geral, gerando produtos importantes para o resgate e preservação de sua memória.
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ARTE
NAZARÉ DO MOCAJUBA por
Armando Sobral
fotografia
Alexandre Sequeira
Revista Elipse
A MEMÓRIA E O SENTIDO DE LUGAR NO HUMANO
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PROJETO DE ALEXANDRE SEQUEIRA NA VILA DE NAZARÉ DO MOCAJUBA, RESGATA A HISTÓRIA DOS HABITANTES DESSA PEQUENA COMUNIDADE
morial. Os egípcios o faziam na pedra atribuindo-lhe o poder mágico da eternidade, suas representações em constante imobilidade são qualidades relacionadas ao desejo de permanência e continuidade. Laiciza-se com os gregos que imprimem ao gênero um profundo sentimento de humanidade.
Em 1977 Alexandre Sequeira iniciou uma pesquisa que resultou em uma série de imagens fotográficas impressas sobre os próprios pertences dos moradores: objetos cotidianos como redes, lençóis, mosquiteiros. A primeira intenção, ao visitar a vila, foi fotografar a paisagem, mas o contato com os moradores e o pedido para que os fotografassem, gerou novos encontros permeados por trocas de afeto, baseadas na confiança, no respeito mútuo. Assim, o estrangeiro tornou-se o amigo, integrou-se à cultura do lugar.
A fotografia vem questionar o status de unicidade do retrato tradicional como gênero artístico, conferindo à representação humana dados mais diretos e imediatos da realidade, e, às lembranças, a consciência de mortalidade e de transitoriedade da vida. Questões que apontam para outra chave de compreensão: a construção da memória.
Chega-se à Nazaré do Mocajuba percorrendo um estreito caminho de terra de, aproximadamente, nove quilômetros, que representam, para a comunidade, um enorme isolamento social e econômico. Seus limites são os roçados, a mata em torno e o rio Mocajuba à frente, com sua densa vegetação de mangue. As atividades produtivas do lugar se restringem a culturas de subsistência: plantio da mandioca, farinha, pesca e extração do caranguejo; além de um pequeno comércio de bebidas e alimentos, ponto de encontro dos nativos. As casas, a maioria de barro, distribuem-se no raio de alguns metros da rua principal, via de terra batida paralela ao rio. No centro da vila, destaca-se uma pequena igreja branca e singela. Sobre o rio avança o trapiche de madeira que serve à comunidade como porto e, para nós visitantes, de mirante, onde podemos nos debruçar e descansar, no fim da tarde, sobre os belos jogos de espelho das águas do Mocajuba. Este mundo à parte é o lócus no qual Alexandre Sequeira assenta o compasso e descreve seu arco poético. Já revelara em fotografias de anos anteriores o que nestes retratos capta com extraordinária sensibilidade: o sentido do lugar no humano. Em sua viagem ao Peru realizou inúmeras fotografias em preto e branco; muitas delas – certamente, as mais intensas - de descendentes dos quíchuas e de pequenas vilas andinas retratadas através de seus moradores.
Alexandre exclui intencionalmente dados mais contingentes do modelo – expressões faciais, movimentos involuntários, dramas – e evita, dessa forma, o teatral no assunto. Não interfere e nem interpreta, capta a própria imanência do modelo com isenção e imparcialidade. As imagens gravitam impunes ao tempo em um estado de permanente suspensão, que se rompe com as circunstâncias físicas do suporte. O que se vê é uma expansão contínua que se internaliza em camadas sucessivas de significados. Isso se deve à rica trama de valores significantes alinhavados em um lento processo de vivência e de construção de sentido, a ponto de, até ele próprio, o artista, projetar-se como objeto da representação. Por fim, um acontecimento trágico, natural e, porque não, emblemático. Dois moradores, antes fotografados, vieram a falecer recentemente. No velório, suas imagens puderam ser cultuadas in memorian. Alexandre ouviu da esposa de um dos falecidos: “foi Deus quem te trouxe para fazer a foto dele”.
Edição 1 • Nóstos
Interessa-se, principalmente, pela observação de cenas e costumes, registrados em plena atividade. Transmite seu deslumbramento com o lugar deixando-o transparecer na própria geografia humana. Pouco tempo depois passa a se dedicar aos retratos estampados sobre papel tingido. O retrato remonta ao passado ime-
Em uma das visitas a Nazaré do Mocajuba, Alexandre colheu um depoimento significativo. Ao mostrar ao Sr. Carmelino o próprio retrato, ouviu dele o seguinte comentário: “perdi minha esposa e meu filho e sinto muita falta deles, mas não consigo lembrar os seus rostos”. Os retratos de Nazaré alojam-se em uma ausência, tornam aparente a perda visual do passado. Alexandre não propõe reconstituir essas vidas – não se pode recuperar o corpo que sentiu – mas esforça-se em atribuir um valor poético à memória, fazendo confluir nessas vidas a sua própria subjetividade. Adotou e foi adotado pelo lugar. Retrata e se vê retratado, caminha para o centro da representação.
Texto crítico escrito pelo curador Armando Sobral para apresentar a pesquisa de Nazaré do Mocajuba em Belém-Pará - Brasil .
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D. Célia.
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MEMÓRIAS ESQUECIDAS por
Gabriela Luchetta
fotografia
Raphael Mendes
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Edição 1 • Nóstos Cama de D. Célia.
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A EXPERIÊNCIA DE BUSCA PELAS HISTÓRIAS E LEMBRANÇAS DOS IDOSOS DO LAR VIVÊNCIA FELIZ ATRAVÉS DO REGISTRO FOTOGRÁFICO
época além dos novos amigos e colegas que encontrou no asilo, e ao buscar expor para nós a sua trajetória e cotidiano, alguns acabaram por relembrar a própria identidade já esquecida.
A fotografia tem o poder de eternizar momentos. Todo mundo possui em algum lugar uma fotografia especial guardada, seja uma foto 3x4 do seu filho que você leva na carteira, a última foto da sua turma do colégio, a foto daquela viagem inesqucível, ou ainda aquela foto do casamento de seus pais que fica em cima da cama deles desde sua infância. Apesar da banalização da imagem que vivemos hoje em dia, esses registros que tem importância pessoal continuam a existir.
O Lar de Idosos “Vivência Feliz” trata-se de uma entidade sem fins lucrativos, fundada em 1995 e tem como principal objetivo resgatar a alegria de viver, afastando problemas e frustrações dos corações de seus abrigados, na maioria endurecidos por fatos, situações e circunstâncias do passado. Graças à energia fraterna que envolve os trabalhos da família Vivência Feliz, diversas ações de auxílio ao próximo são desenvolvidas em parelelo às atividades de amparo aos nossso idosos. O lugar está sempre de portas abertas aos visitantes e fomos acolhidos como parentes.
Revista Elipse
A Revista Elipse trás nessa matéria de capa o relato da experiência que tivemos ao passar a freequentar o lar de idosos Vivência Feliz. O convívio e as descobertas que fizemos com cada morador e o resgate de suas histórias, seu passado e suas lembranças, através de obejtos pessoais, fotografias, e a narrativa de sua caminhada de vida. Muitos não possuiam mais nenhum parente próximo que os visitasse, ou algum amigo de outra
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O resultado dessa experiência foi registrado através de fotografias analógicas expressivas feitas por nosso amigo querido, Raphael Mendes, realizadas com uma câmera Minolta STL 101, uma tecnologia ultrapassada, mas que guarda em si um calor e uma expressividade de cores, luz e granulação que não se encontra nas frias câmeras digitais comuns, fazendo um paralelo poético
Corredor .
“A FOTOGRAFIA TEM O PODER DE ETERNIZAR MOMENTOS”
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1. Sr. Inácio olhando suas fotografias | 2. Leito 15 - quarto feminino | 3-4. Dona Célia jogando dominó | 5. Sr. Fernando | 6. Refeitório 7. Sr. José Roberto | 8. D. Margarida e Visitante
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9. Retrato de D. Esther jovem | 10. Sr. Manuel | 11. Altar do refeitório | 12. D. Lúcia 13. Sr. Inácio | 14. D. Ana Maria
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de linguagem com os registros das vidas das pessoas experientes e maravilhosas que encontramos no lar. D. Célia é a mulher sorridente que abre nossa matéria com sua gata de pelúcia Tininha no colo. Quando pedimos para fotografá-la no lugar do asilo que ela mais gostava, ela nos levou até uma cama cheia de bichinhos de pelúcia, fotografias e flores. “Arrumo tudo assim, todo os dias. Aquelas flores ali, ganhei esse ano quando fui a Rainha da Primavera! Essas fotos aqui são de gente que vem visitar e traz pra mim... família eu não tenho mais nenhuma.” D. Célia é também a maior campeã de dominó do asilo, e joga com todos os visitantes apostando balas de yogurt.
No leito 15 de D. Jacira também vemos muitas fotografias, algumas são antigas, como a de seu marido que morreu, enquanto todas as novas, que ficam ao lado de seu calendário, são de visitantes, “Eles tiram e me trazem, eu guardo porque me sinto querida.” Todo mundo desconfia de quem segura uma câmera. É preciso de várias visitas até que você se torne uma pessoa comum a todos. Não se trata apenas de ganhar a confiança, mas de se tornar banal, como se fosse um morador ou cuidador. Ao buscar retratar o cotidiano e identidade de cada morador do lar, e a buscar sua intimidade, nós acabamos por relembrar nossas próprias histórias, carências e origens, e a nossa maior reflexão sobre toda essa vivência é que o ser humano, como ser social, as vezes só é capaz de se encontrar e relembrar quem realmente é ao compartilhar a sua vida com os outros ao seu redor.
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Seu Inácio é o mais falante da casa. Não pode ver um visitante novo que já pergunta se ele tem um celular, o leva para uma ponta do refeitório e diz que vai cantar enquanto você grava “É pra colocar na internet, youtube!” ele diz. Ex radialista, ainda escreve músicas com sua máquina de escrever e é apaixonado por sua coleção de discos. Sempre mostra pras pessoas novas o álbum de fotografias do asilo, e conta sobre as festas que aconteceram, os visitantes que passaram.
D. Esther já nos mostrar assim que chegamos sua foto que fica na cabeceira da cama. “Quando eu era jovem e cheguei aqui em São Paulo”.
Relato em vídeo em: youtube.com/channel/revistaelipse
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Revista Elipse
PÁGINAS AMARELADAS
PARADAS NO TEMPO por
Hunter Oatman-Stanford — 5 de Novembro de 2012
tradução livre fotografia
MALAS ABANDONADAS EM INSTITUIÇÃO MENTAL REVELAM AS VIDAS PRIVADAS DE SEUS PACIENTES Se você fosse levado a uma instituição psiquiátrica, sem a certeza de que um dia voltaria à vida que tinha antes, o que você levaria consigo? Essa questão paira sobre cada uma das malas da instituição psiquiátrica Willard. De 1910 até 1960, muitos pacientes da Willard deixaram suas malas para trás depois que morreram, sem ninguém para reivindica-las. Depois do fechamento do centro em 1995, empregados encontraram centenas dessas cápsulas guardadas em um depósito. Trabalhando em conjunto com o Museu de Nova Yorke, antigos funcionários conseguiram preservar as malas como parte da coleção permanente do museu.
Jon Crispin
ocultadas pelo estado de Nova York, negando elas até para seus parentes. Cada mala oferece uma breve visão da vida de cada indivíduo, vivendo numa era em que aqueles com doenças mentais e incapacitados eram não somente estigmatizados, mas também isolados da sociedade.
Por qual motivo você acredita que essas malas sobreviveram tão bem?
Willard é uma pequena cidade onde múltiplas gerações de pessoas trabalharam na instituição; por exemplo, um pai trabalhava lá e depois sua filha seria uma enfermeira, e assim por diante. Eu tenho uma teoria que a relação entre os pacientes e os funcionários era muito próxima, que eles não poderiam simplesmente jogar fora esses objetos quando os pacientes morressem. Há um cemitério na área, e a maioria dos pacientes foram enterrados por ali. E os funcionários passaram a guardar suas malas e movê-las ao longo que algumas instituições foram fechadas.
Os pacientes tinham acesso às suas malas no momento em que chegavam à instituição?
Edição 1 • Nóstos
O fotógrafo Jon Crispin sempre se interessou pelos remanescentes fantasmagóricos de instituições psiquiátricas abandonadas. Depois de tomar conhecimento sobre as malas da instituição Willard, Crispin solicitou a permissão do museu para documentar as malas e cada um de seus conteúdos. Suas fotografias restauram um pouco da dignidade dos indivíduos que passaram suas vidas em meio às paredes da Willard. Curiosamente, as identidades desses pacientes ainda estão
Helena Sbeghen
Tinham vários níveis de doentes mentais nesses lugares. Algumas pessoas estavam em uma situação crítica e eram completamente incapazes de executar qualquer função dentro do meio social. Essas pessoas provavel-
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PÁGINAS AMARELADAS
mente não tinham acesso à suas malas. Mas um grande número de pessoas na instituição entrava e saia quando necessário – eles trabalhavam na fazenda; faziam trabalhos artísticos. Alguns desses lugares até tinham sua própria banda de baile. O Hospital Utica tinha, literalmente, um jornal. Havia diversos pacientes nessas instituições que provavelmente não eram muito diferentes dos amigos que temos. As razões pelas quais as pessoas eram ingressadas nesses lugares divergiam de sérias psicoses até pessoas que não conseguiam superar a morte de um parente. Outros eram institucionalizados só pelo fato de serem homossexuais. Algumas pessoas na Willard definitivamente tinham acesso às coisas que trouxeram. Por exemplo, uma mala estava cheia do que pareciam ser ferramentas para trabalhar com couro, e fica muito claro que essa pessoa utilizava as ferramentas porque essas instituições realizavam atividades artesanais. As malas também contêm muitas cartas recebidas pelos pacientes, e tinham muitas cartas escritas na instituição, porém nunca enviadas. Também há diversos exemplos de coisas escritas por pessoas que eram obsessivo-compulsivas, como um homem que escreveu o nome de cada estação ferroviária dos Estados Unidos em seu caderno.
Há alguma mala com uma história que tenha te marcado emocionalmente? Revista Elipse
Uma das últimas bagagens que fotografei foi a de um cara chamado Frank que estava no exército. Sua história é particularmente triste. Ele era negro, e mais tarde descobri que também era homossexual. Ele estava jantando e sentiu que o garçom o desrespeitou, e ele sim-
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“EU ERA CONSTANTEMENTE AFETADO PELOS OBJETOS, E ESSE É MEU PROPÓSITO COM AS FOTOGRAFIAS.”
Revista Elipse
plesmente enlouqueceu. Ficou extremamente furioso, quebrou alguns pratos e foi preso. Seus objetos são tocantes porque ele tinha muitos álbuns com fotografias de si e de seus amigos. Frank parecia muito elegante, e há mulheres maravilhosas dos anos 30 e 40 em fotografias de seus álbuns. Isso realmente me afetou. A mala de Dmytre é outra que gosto muito, e foi a última que fotografei. Dmytre era muito marcante. Era Ucraniano e claramente brilhante. Ele tinha cadernos cheios de desenhos de ondas senoidais e coisas matemáticas como isso. Há uma foto do casamento dele com sua mulher, e ela está segurando um bouquet de flores falsas, que também estavam em sua mala. A história de Dmytre é interessante: foi preso pelo Serviço Secreto pelo fato de ter ido à cidade de Washington e dito que era casado com Margaret Truman, a filha do presidente Harry S. Truman. Obviamente, algumas das malas eram muito mais mundanas que as outras. Em uma havia seringas que eram muito bonitas e velhas, e pequenos pacotes ainda com pílulas neles. Havia pentes, livros, bíblias, relógios e um incrível despertador Westclox em sua embalagem original, isso é incrivelmente primitivo.
Erie, mas eu não quero você convivendo na Associação de Jovens Cristãos, porque eles ainda estão muito bravos por você ter tentado esfaquear aquela menina.” Essa carta diz muito sobre a vida dessa mulher. Mas cada caso era diferente e eu ficava constantemente impressionado. Era muito importante para mim não me despreocupar com essas coisas e esquecer que eram pertences de uma pessoa. E eu tenho muito respeito por eles, como também pelas enfermeiras e médicos que trabalharam na instituição. Os pacientes não eram apenas pessoas que estavam presas em quatro paredes. Ao mesmo tempo em que fui respeitoso, eu tentei não ser muito sério. Se você já esteve em contato com pessoas que estiveram em instituições psiquiátricas, sabe que muitas de suas experiências são engraçadas. Alguns dos itens eram incríveis, mas outros faziam seu coração doer, e outros faziam você pensar, nossa, o que isso quer dizer? Eu era constantemente afetado pelos objetos, e esse é meu propósito com as fotografias.
Pág 20 e 21, mala de Dmytre Z. Acima malas de Steffan K, Anna B, Freda B e Maude K.
Edição 1 • Nóstos
As histórias surgem com frequência a partir dos objetos que você encontra nas malas? Você pode contar muito sobre uma pessoa com o que está em sua mala. Uma das mais tocantes cartas que li foi escrita para uma mulher que estava em outra instituição, foi solta e depois enviada à Willard. Era uma carta de sua irmã, dizendo, “Você poderia voltar para
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PERFIL
REGISTROS OCULTOS por
Gabriela Luchetta dos Santos fotografia
VIVIAN MAIER ATRAVESSOU A VIDA COMO UMA SIMPLES BABÁ. HOJE, PORÉM, É CONSIDERADA UMA DAS MAIORES FOTÓGRAFAS DE RUA DOS ESTADOS UNIDOS E DO MUNDO
Revista Elipse
É difícil saber o que leva alguém a optar por atravessar a vida sem deixar pista sobre quem realmente foi. No caso da americana Vivian Maier (1926-2009), que permaneceu trancada dentro de si mesma para poder percorrer uma trajetória das mais excêntricas, talvez não tenha sido opção, e sim a única forma de saber existir. Ela jamais imaginou que, depois de morrer como quis – anônima, desconhecida, indevassada –, fosse causar tanto desalento a seus biógrafos e provocar tamanha curiosidade nos admiradores de sua surpreendente
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Vivian Maier
obra. Sua paixão só foi descoberta por acaso em 2007, quando o colecionador de arte John Maloof investiu 380 dólares numa caixa com 30 mil fotografias e negativos de um fotógrafo desconhecido. Maloofs procurava apenas imagens que pudessem ilustrar um livro que estava escrevendo sobre Portage Park, em Chicago. Mas ao ver as imagens de Chicago e de Nova Iorque dos anos 50 e 60, percebeu que o que tinha em mãos era bem mais valioso. A fotografia para Vivian foi sua razão de ser de viver. Fotografou compulsivamente, apenas para si mesma. Jamais mostrou o trabalho para ninguém e não se sabe como aprendeu a fotografar. Até hoje, pouco se sabe sobre a vida de Vivan Mayer. O importante, porém, são as lindas fotografias que deixou como legado.
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COLABORATIVA
OBJETOS COM MEMÓRIA AS HISTÓRIAS QUE OS OBJETOS NOS CONTAM
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Essa é nossa seção colaborativa. Basta postar sua foto no instagram com a #revistaelipse que ela poderá ser publicada aqui. Na próxima edição: lugares de memória
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“Essa é a Va, boneca que simboliza a sabedoria. Ganhei de minha mãe quando vim morar sozinha em São Paulo.” por
Helena Sbeghen ( @helenasbe )
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COLABORATIVA
“Há 22 e 16 anos, as roupinhas de aniversário de 1 ano dos meus filhos queridos feitas pela vó Clair, me trazem lindas lembranças!” por
Nadia Sbeghen ( @nadiasbe )
“Me lembro ainda daquele seu jeito encanado de ser. Aquela cara de durão que escondia um coração enorme. Ela está sempre comigo vô.”
Revista Elipse
por
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Breno Prado ( @brenoprado_ )
Revista Elipse
“Este é o rádio que ficava na cozinha de minha bisavó, que morava no interior. Me lembra dela cozinhando ouvindo moda de viola.” por Gabriela Luchetta ( @gabriela_luch )
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CRÔNICA
O HOMEM QUE QUERIA ELIMINAR A MEMÓRIA por
Ignácio de Loyola Brandão
ilustração
Katie-Scott
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Entrou no hospital, mandou chamar o melhor neurocirurgião. Disse que era caso de vida e morte. O médico: – Sim? – Quero me operar. Quero que o senhor tire um pedaço do meu cérebro. – Um pedaço do cérebro? Por que vou tirar um pedaço do seu cérebro? – Porque eu quero. – Sim, mas precisa me explicar. Justificar. – Não basta eu querer? – Claro que não. – Não sou dono do meu corpo? – Em termos. – Como em termos? – Bem, o senhor é e não é. Há certas coisas que o senhor está impedido de fazer. Ou melhor; eu é que estou impedido de fazer no senhor. – Quem impede? – A ética, a lei. – A sua ética manda também no meu corpo? Se pago, se quero, é porque quero fazer do meu corpo aquilo que desejo. E se acabou. – Olha, a gente vai ficar o dia inteiro nesta discussão boba. E não tenho tempo a perder. Por que o senhor quer cortar um pedaço do cérebro? – Quero eliminar a minha memória. – Para quê? – Gozado, as pessoas só sabem perguntar: o quê? Por quê? Para quê? Falei com dezenas de pessoas e todos me perguntaram: por quê? Não podem aceitar pura e simplesmente alguém que deseja eliminar a memória. – Já que o senhor veio a mim para fazer esta operação, tenho ao menos o direito dessa informação. – Não quero mais lembrar de nada. Só isso. As coisas passaram, passaram. Fim! – Não é tão simples assim. Na vida diária, o senhor precisa da memória. Para lembrar pequenas coisas.
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Ou grandes, compromissos, coisas a pagar... – É tudo isso que vou eliminar. Marco numa agenda, olho ali e pronto. – Não dá para fazer isso, de qualquer modo. A medicina não está tão adiantada assim. – Em lugar nenhum posso conseguir eliminar a minha memória? – Que eu saiba não. – Seria muito melhor para os homens. O dia a dia. O dia de hoje para a frente. Entende o que eu quero dizer? Nenhuma lembrança ruim ou boa, nenhuma neurose. O passado fechado, encerrado. Definitivamente bloqueado. Não seria engraçado? Não se lembrar sequer do que se tomou no café da manhã? E para que quero me lembrar do que tomei no café da manhã? – Se todo mundo fizesse isso, acabaria a história. – E quem quer saber de história? – Imaginou o mundo? – Feliz, tranquilo. Só de futuro. O dia em vez de se transformar em passado de hoje, mudando-se em futuro. Cada instante projetado para a frente. – Não seria bem assim. Teríamos apenas uma soma de instantes perdidos. Nada mais. Cada segundo eliminado. A sua existência comprovada através de quê? – Quem quer comprovar a existência? – A gente precisa. – Para quê? O médico pensou. Não conseguiu responder. O homem tinha-o deixado totalmente confuso. Pediu ao homem que voltasse outro dia. Despediram-se. O médico subiu para os brancos corredores do hospital, passou pela sala de operações. Chamou um amigo. – Estou pensando em tirar um pedaço do meu cérebro. Eliminar a memória. O que você acha? – Muito boa idéia. Por que ninguém havia pensado nisto antes? Opero você e depois você me opera. Também quero.
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Edição 1 • Nóstos Revista Elipse
Memória — Carlos Drummond de Andrade
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“Amar o perdido deixa confundido este coração. Nada se por o olvido contra o sem sentido apelo do Não. As coisas tangíveis tornam-se insensíveis à palma da mão. Mas as coisas findas, muito mais que lindas, essas ficarão.”
Revista Elipse
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Edição 1 • Nóstos
Revista Elipse é uma publicação trimestral da Sbeghen & Luch Designs em colaboração com IED São Paulo Contato: atendimento@revistaelipse.com
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