Revista Enfoque

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TROCADINHO Essa revista enfoca no mundo do morador de rua, aqui o querido leitor pode encontrar histórias de superção como a de Jorge Oliveira na página 20, como também é vivenciar um pouco do mundo deles na matéria de Maria Ozi na pg. 10 da revista enfoque. Trazemos também nessa

primeira edição a metéria de capa falando sobre a banda Playing for Change, que inspira o mundo com sua ideia de que a música pode mudar e unir o mundo. Super interessante a entrevista com Thomá Chiaverini, reporter que durante dois anos estudou e conviveu com moradores de

rua, escrevendo o livro cama de cimento. Que o leitor aprecie a leitura e um bom começo para a primeira edição da revista enfoque.

POR QUEM? DIREÇÃO DE ARTE E PRODUÇÃO TOTAL

MARIA OZI REDAÇÃO

DIRETOR DE REDAÇÃO BRUNO CIMINI REDATOR CHEFE LAURA RACHID EDITORA IZABEL COSTA REDATORA LAURA SAAD REPORTER MARIA OZI APOIO MORAL SUZANNE MENDES MARKETING E PUBLICIDADE JOANA ZOCCHI

FOTOGRAFIA FOTÓGRAFO GUI SALVIANO FOTO STAFF CADU COSTA

CONSELHO EDITORIAL FABIO SILVEIRA

PRODUÇÃO GRÁFICA SARA GOLDCHMIT

COLABORAÇÃO NESTA EDIÇÃO LUTTBTTCAS MASSIMO ASSINATURAS assinaturas@eissoai.com.br


O QUE VAI ROLAR RECORTE ALGUNS PROJETOS QUE INSPIRAM.

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06 SÓ DAQUI A 7 DIAS 10 INFOGRÁFICO 14 THOMAS CHIAPERINI 16 EMAUS 20

PLAYING FOR CHANGE MUSÍCOS DE RUA EXPERIMENTAM A TRANFORMAÇO PELA MÚSICA.

RELATO DO SOPÃO DE HIGIENÓPOLIS.

PESQUISA REVELA SITUAÇÃO DOS MORADORES DE RUA NO BRASIL.

JORNALISTA SE APROXIMA DA SITUAÇÃO DOS MORADORES DE RUA E ESCREVE O LIVRI CAMA DE CIMENTO,

EX-MORADOR DE RUA CRIA COMUNIDADE SUSTENTÁVEL EM UBATUBA.


ENFOQUE | RECORTE

REVISTA OCAS A revista é uma chance de mudança efetiva na vida das pessoas em situação de vulnerabilidade social e econômica, ou seja, com dificuldades para entrar no mercado de trabalho. A interação decorrente da compra e da venda da publicação permite que os vendedores estabeleçam contatos e deem novos e autônomos passos de reintegração. O objetivo é fornecer instrumentos de resgate da autoestima dos vendedores, criando mecanismos para que o indivíduo se torne seu próprio agente de transformação, de forma que Ocas” seja um ponto de passagem, e não o destino definitivo. Os vendedores compram a revista por R$ 1 e a vendem pelo preço de capa, R$ 4. Todos têm idade mínima de 18 anos, recebem treinamento, assinam um código de conduta e portam crachá.

MORADORES DE RUA SE MOBLIZAM POR POLÍTICAS SOCIAIS DE APOIO

MORADORES DE RUA REVEENDICAM MELHORIAS EM SÃO PAULO Moradores de rua da capital paulista passaram a madrugada reunidos na praça da Sé, no centro, para reivindicar políticas sociais de apoio à população em situação de rua. A manifestação começou na noite de domingo e terminou na manhã de segunda-feira. A organização informou que 36 barracas foram montadas para abrigar três pessoas em cada, totalizando pouco mais de 100 manifestantes. A mobilização faz parte do dia nacional de luta da população em situação de rua. A data também será lembrada em Belo Horizonte, Fortaleza, Salvador, Curitiba e Vitória. O dia 19 de agosto faz referência ao Massacre da Sé, nome pelo qual ficou conhecido o episódio em que sete pessoas que dormiam na praça foram mortas, em 2004. Até hoje, nenhum dos suspeitos foi preso. O documento mostra, ainda, que 47% dessas pessoas estão nas ruas e 53% em abrigos.

04 - SESSÃO


EX- BAIXISTA DO LEGIÃO URBANA VIRA MORADOR DE RUA O músico foi encontrado pela reportagem do programa Domingo Espetacular, da Rede Record, sentado em frente a uma agência bancária no centro da cidade. Rocha, que entrou para a banda a convite do cantor Renato Russo, foi despedido alguns anos depois. Segundo um vídeo da época, o baixista foi expulso, de acordo com Dado Villa-Lobos, por “ser muito louco”. Falando do grupo, Renato Rocha diz sentir saudade dos tempos de sucesso: “Adoro ouvir Legião no rádio”; e sobre Russo: “Ele era uma pessoa muito inteligente. E (quando estava) sóbrio, era fácil de conviver; só que ele bebia sem limites”. Ainda sobre drogas e álcool, o músico afirma nunca ter sido dependente: “Às vezes você toma um calmante e é considerado droga. Eu preferia tomar um calmante para controlar o nervosismo”. Mas falando sobre as festas, admite: “Depois (dos shows) pode liberar tudo”.

PROJETO MINHA RUA MINHA CASA EM SÃO PAULO O Projeto Minha Rua Minha Casa foi criado em 1994, fruto de uma parceria do PNBE - Pensamento Nacional das Bases Empresariais com a OAF Organização de Auxílio Fraterno.Iniciado com a construção de um Centro de Convivência nos baixos viadutos do Glicério, a partir do trabalho já realizado ali pela OAF, a Associação Minha Rua Minha Casa é hoje um centro de referência para moradores de rua reconhecido por seu trabalho inovador que vai muito além de uma abordagem assistencialista Com capacidade para receber 350 pessoas no espaço que foi cedidoem comodato pela Prefeitura Municipal de São Paulo, a associação tem diversificado suas atividades e ampliado suas parcerias.

Moradores de rua, Liberdade, São Paulo.

Renato Rocha, ex-baixista do Legião Urbana

Projeto Minha Rua Minha Casa, Lberdade, São Paulo.

ENFOQUE- 05






ENFOQUE | SÓ DAQUI A 7 DIAS

SÓ DAQUI A 7 d

MORADORES DE RUA COMEM NO SALÃO DE IGREJA EM HIGIENÓPOLIS


dias

Almoço é servido pra moradores de rua no bairro de Higienópolis, em São Paulo. Maria Ozi ficou 3 meses servindo almoço para eles , aqui ela conta como foi a experiência vivida.

t

Toda segunda-feira o almoço é servido a moradores de rua, no salão da Igreja Santa Teresinha, no bairro de Higienópolis. No começo minha intenção era apenas fazer meu relato etinográfico, porém percebi que havia comida doada por moradores e e padarias da região, para mais de 100 moradores de rua que frenquetavam o sopão, mas faltava voluntários para servir a comida. Você deve se perguntar porque eles não se servem sozinhos? Do mesmo jeito que grande parte da sociedade os esqueceu eles não seguem mais algumas regras da sociedade, não acham certo esperar todos se servirem para repetir o prato. Não faltavam vezes em que os moradores de rua discutiram com voluntários pedindo mais comida, queriam repetir sem esperar que todos tivessem feito pelo menos um prato de comida, então decidi continuar servindo o almoço. No sopão qualquer um pode comer, tinham as pessoas que eram fixas, que perguntavam como eu estava e porque eu havia faltado e as pessoas que iam uma vez e nunca mais apareciam. No primeiro dia em que fui, ví a

ENFOQUE - 11


ENFOQUE | SÓ DAQUI A 7 DIAS

cordenadora fazendo um prato antes que todos se servissem, perguntei para ela para quem era, ela me contou que todo dia de sopão sem, falta um cachorrinho ia até a frente da igreja sozinho e ela dava comida para ele, ela mesma me disse “aqui quem estiver passando fome pode comer”. Houve um dia em que depois de todos repetirem, chegou uma senhora, ela conseguiu fazer um belo prato com o que restava e se sentou para comer, então chegou chegou um homem com os seus 39 anos, dizendo que estava com muita fome e que ficou sabendo do sopão de última hora, porém a comida tinha acabado completamente, a senhora não teve dúvida, dividiu o prato dela ao meio e deu para ele. Essa cena me arrepia até hoje quando conto, foi lindo ver como aquela mulher conseguiu dividir o melhor prato de comida que ela conseguiria aquela semana com uma outra pessoa que ela nem conhecia mas que precisava daquilo, ela conseguiu dividir um prato que muitos diriam que não é nada, mas também não o dividiriam.

12 - SOPÃO

“ A SENHORA NÃO TEVE DÚVIDA, DIVIDIU O PRATO DELA AO MEIO E DEU PARA ELE.” Ela dividiu o nada para alguns deixando muito para os dois.Teve um dia que um amigo meu foi comigo e decidiu se passar por morador de rua, ele contaria a hitória que saiu de casa há dois dias, pois havia brigado com sua mãe. Ele foi orientado pela cordenadora a sentar do lado esquerdo do salão, pois os travestis sentavam do lado direito e eles iriam dar em cima dele mesmo, iriam querer algo com ele. Ele se sentou do lado esquerdo, porém a cozinheira do sopão, achando que era o que ele queria, disse para uma travesti ir conversar com ele, ver porque ele estava lá. Ele me disse que não


IRMÃ REZA COM MORADORES DE RUA ANTES DE SERVIR O ALMOÇO

importava o que ele contava, ela só diazia para eles irem para a Rua Marechal ele falou que não poderia, ela então pediu um beijo, ele deu na bochecha dela. Disse que o cheiro dela não era nada agradável e eu ja havia percebido isso enquanto servia o almoço. Também por isso aprendi que não adianta só servir almoço para eles, pois a comida sós os mantém vivos, ví que nem mesmo os voluntários que estão há mais de 15 anos lá acreditam em uma possível melhora dessas pessoas, uma voluntária me disse “ esses aqui só se resolvem de baixo da terra, a gente serve comida porque não podemos deixa-los passando fome”. Foi algo que me intrigou, ela está há exatamente 10 anos lá, não crê em uma melhoria e mesmo assim continua a servir comia toda santa segunda-feira. Como disse a comida só os mantém vivos, essas pessoas precisam ver valor na sociedade, porém muitas vezes por

“ESSES AQUI SÓ SE RESOLVEM DE BAIXO DA TERRA.” causa dessa sociedade eles chegaram na situação em que chegaram. Muitos deles acham que vivendo na rua eles são livres e muitas vezes não querem sair dessa situação. Na maioria das vezes nós achamos que somos mais lúcidos que eles, então podemos dizer o que é melhor para eles, mas será que isso está certo? Podemos dizer o que é melhor para uma pessoa em uma situação em que nunca tivemos perto de vivenciar? ESCRITO POR: MARIA OZI

ENFOQUE - 13


ENFOQUE | INFOGRテ:ICO


MORADOR DE RUA NO BRASIL

8.000

vagas em albergues

7.079

pessoas moram nesses albergues

6.587

vivem nas ruas

35,5% 48,4% estão fora de casa há mais de dois anos.

foram para as ruas por alcolismo ou drogas

18,4% saíram de casa por problemas familiares.

da população é formada por homens.

82%

ENFOQUE - 15


Tomas

Chiaverini CAMA DE cimento

16 - Thomas Chiaverini


Durante quase dois anos, o jornalista e escritor Tomás Chiaverini, de 28 anos, percorreu as ruas de São Paulo e conviveu de perto com a situação dos moradores de rua da capital.

Chamou atenção o fato de durante esses anos ter crescido o número de moradores de rua em São Paulo? Tomás Chiaverini - A estimativa que tinha em 2003 era que existiam 10 mil pessoas em situação de rua. Aumentou muito. É estranho aumentar tanto numa época em que a economia melhorou. Acho que isso é uma prova de que a política para essas pessoas não funciona. Parece que nada do que está sendo feito resolve definitivamente o problema. Conversei com pessoas muito sérias, gente que estudou o assunto a vida toda. Vi albergues muito bons, com espaço, programas de reinserção. Tem quem passa por esses lugares mais de três vezes e no fim sempre volta para rua. Mesmo a vanguarda da assistência social ainda se pergunta como fazer. Tem a questão econômica, que é fundamental. Mas se o problema for dinheiro, ele fica na casa de alguém e dá um jeito.

“Não adianta não dar comida. Não é tirando o pouco de conforto que elas têm que elas vão ser ajudadas.”

O problema não é só econômico, então? Tomás Chiaverini - Os motivos que levam as pessoas às ruas são diversos. Tem o catador de lata que não consegue voltar para casa com a carroça e acaba dormindo nela. Ou brigou com a mulher e nunca mais voltou para casa. Ou por causa das drogas, do álcool, pessoas não são mais aceitas dentro de casa. Tem quem perdeu emprego de uma forma traumática, violenta. Ou expresidiário que não é mais aceito aonde veio. Sempre tem outra coisa além da questão financeira. Não adianta dar trabalho ou dinheiro. Falta outra coisa. Cada um tem uma falta diferente, e o mais difcil é saber como tratar histórias tão diferentes de forma

a não generalizar. Para alguns vai ser preciso tratar do alcoolismo. Já outros precisam de psicólogo. O que acha dos moradores e comerciantes que se mobilizam para não dar ajuda nem comida a essas pessoas? Tomás Chiaverini - Não adianta não dar comida. Não é tirando o pouco de conforto que elas têm que elas vão ser ajudadas. Você pode resolver o seu problema, e não o delas. Porque elas vão para outro lugar. Comida e abrigo são questões emergenciais e é preciso impedir que elas morram de frio ou de fome. Essa é a primeira coisa. Depois se pensa em tirá-las da rua. Suspender a comida é como exterminar. É como dizer: ‘vamos tornar a vida dessas pessoas insuportável. Vamos passar óleo na frente da loja, água pra em cima de quem dorme’ Como foi dormir na rua durante sua experiência? Tomás Chiaverini - Na verdade, não dormi nenhuma noite. É impossível dormir. É muita tensão. Algumas vezes estive junto com técnicos do Capes. Uma vez passei a noite embaixo do viaduto Glicério, e outra em um albergue. Dessa vez, me disfarcei e fui recolhido. Me mandaram para um albergue.

ENFOQUE- 17


ENFOQUE | ENTREVISTA A abordagem chegava a ser violenta? Tomás Chiaverini - Em São Paulo, não muito. Li recentemente uma reportagem da revista Piauí [sobre a Choque de Ordem da prefeitura] e achei que no Rio a situação é mais violenta. Quando fiz o trabalho, entre 2005 e 2006, as pessoas perguntavam quem estava interessado em seguir para o albergue. Quem estava ia, quem não estava, ficava. Por que muitos não vão para esses albergues? Tomás Chiaverini - Muitas vezes porque você não pode levar grandes pertences. Mala de mão, sim. Agora, carroça e cachorro não podem levar. E as pessoas não queriam deixar eles de fora. Fizeram, no governo Marta [Suplicy, prefeita entre 2001 e 2004] uma experiência, o Projeto Oficina Boracia, com lugar para deixar carroçaa e animais. Mas depois me parece que mudou o perfil desse albergue. Outra coisa que muitos me relatavam era que o rompimento dessas pessoas com

a sociedade, antes de ir para as ruas, foi tão forte que eles acabam não se adaptando às regras do albergue. Na rua você vive num cotidiano de total liberdade, apesar de privado do conforto da vida moderna. Essa noção de liberdade e ruptura com a vida em sociedade não se encaixa na realidade do albergue, que tem regra para tudo. Tem regra para tomar banho, para jantar, para acender a luz, para sair do quarto. Tem fila pra tudo. É um esquema de quartel. Outra coisa: muitos querem mesmo ser recolhidos, principalmente em época de frio. Até para evitar que morram. Agora, eles são levados para onde tem vaga. Então, quem vive na região da Praça da Sé pode ser levado para um lugar a 30 km dali. E, no dia seguinte, não tem vaga garantida para esse albergue e ele vai ter que voltar. Muitas vezes sai de lá de ressaca, não sabe onde está, não tem dinheiro pra voltar para aquela sua comunidade com quem mantém relação, seja com o dono da padaria, com o cara que deixa ele dormir no posto, debaixo da marquise ou mesmo com os conhecidos que o protegem.

Moradores de rua na Zona Leste cem São Paulo

18 - Thomas Chiaverini

Quando você dormiu no albergue, te pediram documento? Tomás Chiaverini - Quando fui, estava sem nada. Disse que tinha perdido. Não existe muito controle sobre isso. Uma coisa interessante é que dei outro nome quando entrei porque tive medo que um técnico do Capes me reconhecesse. Antes, tinha passado uma noite acompanhando os trabalhos dele, e ele sabia que eu fazia esse livro. Foi a mesma pessoa que me recolheu entre os moradores de rua. Ele não me reconheceu.

Como era o lugar? Tomás Chiaverini - Era razoável. Entre os albergues, tem muita discrepância. Muitos são geridos por ONGs e alguns são altamente confortáveis, com cama bem arrumada, banheiro limpo. Eu fiquei num quarto com oito beliches, cama limpa para dormir e um mínimo de higiene. Durante o trabalho, visitei mais de dez. E dormi, disfarçado, em um.

Moradore de rua na Zona Sul, em São Paulo


“A sociedade vira o olho”.

A pesquisa aponta que as brigas entre eles são as formas mais comuns de violência nas ruas. Por que isso acontece? Tomás Chiaverini - Geralmente por bebida ou por drogas. O que acontece nesse espaços, e isso

meia-noite. Toma sua cachaça e dorme. Mas a uns 30 metros deles fica só quem vende o crack. Esses não dormem. Então você vê muita discussão entre eles, muita gente querendo roubar quem morava ali. A ameaça estava o tempo todo por perto. Me orientavam para guardar a carteira na cueca, dormir com o tênis debaixo da cabeça. Sempre tem um “noia” rondando, querendo roubar a esmola que você conseguiu. Sentiu medo da polícia? Tomás Chiaverini - O problema da Guarda Civil são os rapas. Isso eles faziam. Chegam com caminhão de lixo, pegam tudo e colocam no caminhão. Não vi acontecer, mas ouvi muitos relatos.

a pesquisa não consegue mostrar, é a forma como o tráfico usa a população de rua como disfarce. Frequentei o Glicério quase diariamente durante dois meses. Mas durante o dia. E entrevistei todo mundo que morava lá. Quando ganhei confiança, resolvi dormir no mesmo lugar. Mas à noite não vi aquelas pessoas que eu conhecia. Vi só o tráfico, gente que ia à noite vender crack naquele lugar. Isso acontece porque as pessoas não chegam perto de moradores de rua quando veem todos juntos, com aquelas fogueiras queimando. Ninguém passa lá. A sociedade vira o olho, um espaço ideal para quem quer vender ou consumir o crack. Quem mora ali dorme antes da

A sentença aparentemente simplista e desprovida de consciência afirma uma realidade derivada de uma sociedade injusta, incapaz de dar oportunidades justas a todos. E para comprovar estas e muitas outras verdades sobre o povo que dorme ao relento nas grandes cidades, o autor viveu isso na própria pele.

ESCRITO POR SUZANNE MENDES ENFOQUE- 19


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mudar UM MORADOR DE RUA QUE SUPEROU AS DIFICULDADES, MUDOU DA BAHIA PARA UBATUBA E FUNDOU UMA SOCIOEDADE SUSTENTÁVEL

Não é preciso ter dinheiro para se preocupar com o homem e o meio ambiente. Motivado por essa certeza, há 13 anos Jorge da Cruz Oliveira saiu da baiana, onde nasceu, com quase nada no bolso e uma grande missão: erguer uma comunidade autônoma para moradores de favela e sem-teto de Ubatuba. O objetivo era oferecer a eles novas perspectivas de vida através da educação e do trabalho. Jorge morou na rua até os 11 anos. Sua vida começou a mudar quando ele foi adotado por uma família de empresários da região. “O que me tirou da rua foi a dedicação dessa família. Comecei a vender doce para eles e não tive a menor dúvida de que estava no lugar certo”, lembra. Aos 17 anos, o baiano já tinha sido gerente de bar, administrador de cinema e de supermercado. Tudo isso tendo estudado apenas um ano na vida. “Encontrei boa vontade na professora, fiz da primeira a quarta série em apenas um ano, mas aprendi a ler sozinho, folheando gibis nas minhas folgas. Queria entender o que os artistas dos filmes estavam falando”, diz.

HISTÓRIA Nesta época, a mãe do baiano morreu, deixando para ele a casa na qual foi morar com a esposa e seus dois irmãos, além da própria irmã, então órfã. Casado com Maria Joana sua atual companheira -, Jorge passou a voltar a atenção para os moradores de rua e para o meio ambiente. “Nossos irmãos estavam a caminho da rua, mas acabamos morando todos juntos e já começamos a vida de casados em uma família de cinco”, conta. “Já nesta época, minha família começou a aumentar e não parou mais. Na comunidade, as pessoas são muito

Nossos irmãos estavam a caminho da rua, mas acabamos morando todos juntos e já começamos a vida de casados em uma família de cinco”,

felizes, e não existe nenhuma área desmatada”, orgulha-se. “Quem trabalha com o homem pobre, acaba sempre se envolvendo com o meio ambiente”, conclui. Hoje, dirige a Comunidade de Serviço Emaús Ubatuba, atendendo a 22 famílias, são 220 pessoas que produzem o alimento que consomem e vivem da renda do próprio trabalho, preservando o meio ambiente. ENFOQUE - 21


ENFOQUE | EMAUS

“Não dá para acabar com a miséria sem acabar com a fome do homem”, Para botar em prática sua missão, Seu Jorge, 49 anos, não precisou fazer milagre. Seguiu à risca um lema muito simples: evitar o desperdício. Nos 33 mil metros quadrados, no bairro de Ipiranguinha, zona rural de Ubatuba, nada é problema: o lixo é separado e vendido; o esgoto é tratado por meio de um sistema alternativo e vira adubo para as plantações; os dejetos dos porcos passam por um biodigestor e se transformam em gás natural. O alimento é cultivadono Emaus.

PRODUÇÃO O baiano tem muito orgulho de percorrer a área. Cacau, alface, couve-flor, banana, madioca e arroz são apenas alguns dos ítens que compõem o cardápio da comunidade. “Não dá para acabar com a miséria sem acabar com a fome do homem”, costuma dizer ele, afinado com as metas do presidente Luis Inácio Lula da Silva. Guiado por esta filosofia, Jorge conta que sempre teve a preocupação de cuidar do homem e preservar o meio ambiente. “Quando comecei o trabalho na comunidade, falava-se muito em preservar as matas, mas ninguém parecia se preocupar com o homem pobre. Para cuidar do homem, é preciso ensinar que, em vez de desmatar, devemos plantar, em vez de fazer queimadas, devemos preservar” . Graças ao trabalho social que realizava com jovens na Bahia, Jorge foi convidado a colocar em prática o projeto da comunidade, em Ubatuba. Foi descoberto pelo padre João Benevides, de Cachoeira Paulista. “O padre me procurou dizendo que precisava de uma pessoa para criar a comunidade em São Paulo e que essa pessoa só poderia ser eu. Larguei tudo e vim”, diz Jorge. Ele não recebe um tostão pela tarefa. “A idéia é conquistar tudo através do trabalho. Começamos com apenas um caminhão para a locomoção e poucos recursos”, diz. Ao chegar na área, Jorge teve a certeza de que teria autonomia para administrar o lugar ao seu modo. Em Ubatuba, o baiano ouviu do padre João: “Lá é o seu Céu, aqui é o seu povo”. A comunidade Emaús Ubatuba é formada por gente de todas as idades, 59 das quais vindas da favela Rio Grande do Sul. Na casa principal, de 14 cômodos,

Jorge vive com os seis filhos - em idades que variam dos 20 aos 32 anos -, os respectivos genros e noras, 11 netos e mais 54 crianças encaminhadas pelo Conselho Tutelar do Município. “Elas ficam aqui até encontrar os pais”, explica Jorge, que para a construção das casas recebeu suporte inicial da entidade Emaús Internacional, sediada na França.

“A idéia é conquistar tudo através do trabalho. Começamos com apenas um caminhão para a locomoção e poucos recursos” O Emaús é um movimento de pessoas livres e inconformadas com a miséria, que reúne adeptos em todo o mundo. A primeira comunidade nasceu em 1949, na França, fundada pelo padre Abbe Pierre, que após seu mandato como deputado passou a pedir ajuda financeira nas ruas de Paris para manter uma casa para desabrigados. Para garantir o próprio sustento, os moradores passaram a recuperar e vender móveis, eletrodomésticos, roupas e outros objetos doados pelo povo. Esse método de trabalho é clássico no movimento e praticado por 80% das 300 comunidades no mundo inteiro. No Brasil, existem 12 comunidades. ESCRITO POR JULIA VARGAS

22- JORGE OLIVEIRA





Nome revista - 04


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