Roda Mundo

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mundo DISTRIBUIÇÃO GRATUita jUNHO 2012 IED • Sp DG3AV

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Uma educação que alegra, faz sentido, integra e cria um viver e atuar significativo

poder

transformador • Pedagogia • bloco de pedra • projeto âncora



ODA MUNDO O Brasil tem 21 milhões de adolescentes com idade entre 12 e 17 anos. De cada 100 estudantes que entram no ensino fundamental, apenas 59 terminam a 8a série e apenas 40, o ensino médio. A evasão escolar e a falta às aulas ocorrem por diferentes razões, incluindo violência, gravidez na adolescência e o pouco interesse pela escola. Com isso em mente, nós da Roda Mundo procuramos apresentar aos educadores brasileiros ideias transformadoras na área da educação e construir uma ponte entre o ensino formal, dominante, e o informal, que busca valorizar o indivíduo e o que ele tem a oferecer ao coletivo. Isso pode ser entendido tanto no nível do sujeito “aluno”, como nas células de cultura de uma região, ou seja, as culturas locais, também valorizadas pelo ensino informal. As ideias apresentadas na revista não devem ser vistas como propostas contrárias à educação formal. Mais do que julgar qual é o mais adequado, a revista uma reflexão de como o ensino informal pode auxiliar o quadro da educação no Brasil, por ser mais difuso, menos hierárquico e burocrático que o ensino tradicional. A proposta da Roda Mundo se baseia na ideia de que o ensino pode ser algo construído não apenas pelo professor para o aluno e sim do professor, aluno e comunidade para o professor, aluno e comunidade.

UEM SOMOS INTEGRANTES

PROFESSORES

Julia Vargas Michaella Kirsten Rodrigo Puelles

Fabio Silveira Lucas Massimo Sara Goldchmit

COORDENADORA

COLABORADORA

Mari Pini

Jany Vargas



Sumário

dividir • São Paulo, São muitos! Festas populares na cidades de São Paulo

Revista Roda Mundo Edição + 01 • Ano 01 • Junho 2012 Tiragem 4 exemplares Foto: Julia Vargas

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• OLHAR Bloco de Pedra Ensaio fotográfico do bloco de maracatu na Vila Madalena.

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fazer • Os Protagonistas Matéria de Capa. A educação no Projeto Âncora

18 pensar • Pedagogia da Autonomia Leitura do livro de Paulo Freire

• ouvir Andaimes Entrevista com Suzana Camargo, coordenadora pedagógica.

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• contar Bolinha de gude no meu olhar Crônica de Jany Vargas.


6 © JULIA VARGAS

DIVIDIR

São Paulo, são muitos!

FESTA DO BOI [3 festas: abril, junho e novembro]

Comandado por Tião Carvalho e o Grupo Cupuaçu, há mais de 20 anos, o evento reúne pessoas de diversas regiões da cidade. São três festas por ano, que acompanham a vida do boi: uma no sábado de Aleluia (nascimento do Boi), uma em junho (seu batizado) e outra no dia de finados (sua morte). ONDE: Morro do Querosene, praça do Boi

Que o Brasil é uma terra de riquezas e diversidade, todo mundo já sabe. Mas você sabia que durante todo o ano diversas festas populares, das mais variadas culturas e regiões, são celebradas em São Paulo? A roda mundo destacou algumas delas. Fique de olho!

© SÃO PAULO POLIFÔNICO

Festa do ano-novo chinês


7 DIVIDIR

BLOCO DE PEDRA [todo sábado, às 15h, Vila Madalena]

O grupo de maracatu de baque virado apresenta todo o sábado canções populares da cultura maranhense. Relacionados com o projeto Calo na Mão, que forma novos brincantes e , consequentemente, integrantes do grupo. ONDE: Escola Prof. Alves Cruz, R. Alves Guimarães, 1511.

FESTA CIGANA [Outubro, Santana]

Organizada pela família Sbano, a festa conta com comidas, músicas e danças típicas, além de atrações circences. ONDE: CASSAP - Clube da Aeronáutica de São Paulo. R. Tenente Rocha, 387

ANO NOVO CHINÊS [final de janeiro ou começo de fevereiro, Liberdade]

O ano-novo chinês é comemorado na praça da Liberdade com fogos de artifício, comidas típicas, dança, música, desfiles e oficinas de arte chinesa. ONDE: Pça. da Liberdade

FESTA DE OGUM [abril/maio, Ibirapuera]

O maior e mais tradicional evento cultural religioso de Umbanda e Candomblé de SP. A festa é organizada pelo Movimento Chega, Guerreiros do Axé, Soucesp (Supremo Órgão de Umbanda e Candomblé do Estado de São Paulo) e é uma homenagem ao Orixá Ogum. ONDE: Ginásio do Ibirapuera

A Roda Mundo não perdeu a chance de aproveitar uma dessas festas! Nas próximas páginas, confira nossa visita ao maracatu Bloco de Pedra >>


8 OLHAR

DE

PEDRA


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Educação informal e celebração da cultura do maracatu na Vila Madalena Fotos Julia Vargas e Rodrigo Puelles


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“Com a história do maracatu, a gente descobre muito da história da cultura brasileira e do Brasil que a gente não aprende direito na escola”

Luis Gustavo Silviano, Coordenador


11 OLHAR

O

“Bloco de Pedra” se denomina apenas da cultura popular e atraíndo o interesse de um grupo de maracatu. Porém, traba- jovens a essas manifestações. “Apenas” um grupo de maracatu em São lhando em parceiria com o projeto “CaPaulo, pode fazer toda essa diferença! lo na mão”, eles oferecem oficinas de manufatura dos instrumentos típicos do ritmo, aulas de música e apresentações semanais, que por sua vez, foram responsáveis pela revitalização da escola Escola Prof. A. Alves Acesse: Cruz, que antes da formação do grupo, pas- blocodepedra.maracatu.org.br/ sava por momentos. ou use este QR code! Além disso, o grupo oferece workshops de história do Maracatu, promovendo a difusão

Quer conhecer o projeto?


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Textos e Fotos rodrigo e julia

Meninos e meninas são os protagonistas do Projeto Âncora e de suas próprias vidas. São pequenos cidadãos desenvolvendo corpo e mente saudáveis num ambiente criativo e motivador.


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FAZER FAZER

uando chegamos na escola do Projeto Âncora, tínhamos poucas informações sobre como a escola realmente funcionava: sabíamos que o projeto havia sido fundado por Walter Steurer em 1995 e tinha como objetivo atender as crianças da região. Sabíamos também que há pouco tempo o projeto se firmara como escola, atuando não mais apenas como complemento às escolas e agora atendendo às crianças em tempo integral. Marcamos um horário com a Regina Steurer, conselheira executiva do projeto. Ao chegarmos na escola, perguntamos para dois alunos onde ela poderia estar. “Quem é Regina?” seria uma resposta aceitável, já que em muitos colégios a diretoria mantém uma relação bastante distante dos alunos. Mas não foi isso que aconteceu. O Lohan e o Vinícius, nossos guias nos levaram até o escritório da Regina sem pensar duas vezes. Ao chegar lá, ela sugeriu que fossemos conhecer a escola e os dois logo se prontificaram para nos acompanhar. As crianças conheciam a escola como a palma da mão. Fomos até a marcenaria, onde conhecemos o Seu Divino. Todo orgulhoso, ele comentou que havia feito vários móveis daquela escola. No caminho para o refeitório, o Lohan nos mostrou uma dobradura que havia feito. Dissemos que gostávamos de dobraduras e que podíamos ensiná-lo a fazer um tsuru. Foi motivo suficiente para que


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um monte de crianças se juntasse à nossa volta para aprender a dobradura. Lá, sentados no chão vimos duas coisas incríveis: a liberdade que essas crianças tinham e a vontade de aprender. Dobrando os papéis direto no chão sujo de terra sem se incomodar, as crianças estavam completamente instigadas com aquilo que faziam. O fato de estarmos fotografando foi uma diversão a parte. À nossa volta, várias crianças dando cambalhotas, fazendo pontes, espacates, paradas de mão. Elas realmente tinham muito o que mostrar. E nós, rodeados de pequenos espetáculos circenses, tentando registrar tudo. Fomos ao circo, onde todo aquele conhecimento era adquirido e lapidado, sempre sob a supervisão e cuidados da professora Maria da Penha. Perguntamos para duas crianças, que haviam feito uma apresentação linda de contorcionismo, como elas haviam feito as coreografias. Uma delas, que

nós descobrimos que fazia circo no Projeto Aprendiz há oito anos, apontou cheia de agradecimento para a professora e disse: “Penha, minha segunda mãe”. Quando conversamos com a Regina e a Suzana, coordenadora pedagógica do projeto, percebemos que muito do que havíamos visto era reflexo da filosofia da escola (nas páginas seguintes, a entrevista completa com a professora Suzana). Percebemos que lá, o velho padrão da educação unilateral não é aplicado. Os alunos são protagonistas, tem responsabilidades, como a de levar os mais novos de uma sala para a outra; tem poder de decisão, que é exercido nas assembléias e liberdade de escolha, para estudar aquilo que lhes interessam. Com essa experiência, adquirimos uma real dimensão do papel da escola, que é formar cidadãos conscientes, que saibam fazer escolhas, ter responsabilidades e autorrespeito. Protagonistas da sua própria vida.


16 16 14 16 FAZER FAZER FAZER


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18 OUVIR OUVIR

os andaimes_ Conversamos com a coordenadora pedagógica do projeto âncora, a professora Suzana Camargo. Ela nos contou como foi a ampliação do projeto em uma escola.


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“A gente não vai fazer uma Escola da Ponte aqui. Aqui é um outro contexto, não existe um modelo.”

RODA MUNDO: Como foi a ampliação do projeto em uma escola? Até que ponto o modelo da Escola da Ponte serviu como uma base para essa ideia? A gente não vai fazer uma Escola da Ponte aqui. Aqui é um outro contexto, não existe um modelo. Usamos algumas ideias que deram certo, que podem ser interessantes. Mas não podemos impor, já que o que fazemos é com as crianças e não para as crianças. É diferente. Quando você faz para, você tem uma coisa pronta. De cima para baixo. Nessa nossa visita pela escola, vimos cartazes anunciando uma assembleia entre os alunos. Como surgiu essa ideia? Essa é uma das ideias que existe lá e que nós achamos importante que existisse aqui. Ficamos de olho na oportunidade de aplicá-la. Ela só surgiu depois de um problema que tivemos com a falta de lápis na escola. O nosso material é comum, não tem “meu” estojo, “minha” caneta. É interessante ver como está instalada nas pessoas essa coisa de: “meu” estojo, “minha” mochila. Elas ainda não conseguiram se desvencilhar disso. O projeto não quer que isso aconteça. Demos uma parte do material e os pais deram a outra parte. Colocamos em garrafas PET nos espaço de atividade e também nos espaços de alfabetização. Quando o lápis foi acabando — ficava toquinho, apontavam, apontavam... outro batia o lápis na mesa... —, ficamos surpresos,

pois não sabíamos como lidar com isso. Nós também estamos aprendendo. São três meses de escola. É uma enxurrada de conhecimento todo dia. “E agora o que a gente faz com os lápis?”. As crianças ficavam desesperadas, e um disse: “a minha mãe vai mandar lápis”, mas nós recusamos. Apareceu um problema em um banheiro, na sujeira que estava na classe, já tinha aparecido algumas coisas... mas o que moveu mesmo a ideia foi o problema do lápis. Nos reunimos, nos dividimos em 10 grupos. Anotávamos os problemas do projeto, tudo que havia de dificuldade. Precisávamos comunicar para todos os problemas levantados. Então nomeamos dois representantes, duas crianças bem articuladas (que aliás foram os dois que guiaram vocês, o Vinícius e o Lohan). Perguntamos às crianças “vocês sabem o que é uma assembleia? Vamos fazer uma coisa: vamos descobrir o que é isso. Durante essa semana vocês fazem uma pesquisa na casa de vocês, com os pais de vocês...”. E contando as experiências, surgiram mil coisas sobre o que era uma assembleia. Assim, por interesse de todos, elas surgiram, funcionando como qualquer outra: existe pedido de voz, inscrição, mediadores, representantes... A ideias é fazer as assembleias no circo: fica muito mais interessante quando você explora o formato de arena. Sem um na frente e os outros assistindo. Estamos tentando fazer de um jeito democrático.


20 Retranca OUVIR

“Anunciam que o Brasil é o quinto no ranking da economia mundial. Que tem um PIB tal, etc. Esses números não dizem nada. O que me diz são esses meninos que estão aqui e não sabem ler e escrever.” O projeto âncora se preocupa em ser um modelo para os projetos sociais, como um projeto sem caráter assistencialista. Como vocês fazem isso? Vocês falaram a palavra certa. Assistência é uma coisa, assistencialista é outra. O assistencialismo é “de cima para baixo”, é paliativo. Tentamos fazer com que o protagonismo seja feito. Estamos apenas oferecendo andaimes na vida deles, que eles “subam” e tenham uma visão geral, mas voltem e possam construir suas próprias escadas para chegar no andar de cima. Queremos que eles sintam tudo e se tornem autônomos, sejam atuantes, conscientes, que façam a diferença. Você fazer a diferença de diversas formas: no ônibus, no trânsito...

A educação está vivendo um momento em que a prioridade é formar vestibulandos e não cidadãos? No lado das escolas particulares, a educação se transformou em um bom negócio. Os donos de escola pensam em mostrar resultado para obter mais lucros, atrair mais alunos. Qual é o medidor? Que a pessoa entre na faculdade. O “grande objetivo” de todo mundo. Por outro lado, tem faculdade que aceita todo mundo, contanto que esteja pagando. São produtoras de diplomas. A educação tem que dar conta de transformar as pessoas em autônomas, competentes, com conhecimento de verdade. Não aquela “decoreba” que a pessoa entra na faculdade, e na semana seguinte não lembra mais. Já a escola pública faz pouquíssima coisa. Temos alunos que chegam aqui sem saber ler e escrever. É uma coisa muito séria. Anunciam que o Brasil é o quinto no ranking da economia mundial. Que tem um PIB tal, etc. Esses números não dizem nada. O que me diz, são esses meninos que estão aqui e não sabem ler e escrever.


21 retranca OUVIR

“Você vê as pessoas confusas pela cultura do “ter”, estimulada pela mídia. Fica um vazio enorme. A euforia uma hora acaba. Na verdade, o que falta é o que está dentro.” Você vê as pessoas confusas pela cultura do “ter”, estimulada pela mídia. Fica um vazio enorme: as pessoas se matam em função disso. Elas querem uma coisa, conseguem. E então? “Ah, agora eu quero essa outra coisa!”. A euforia uma hora acaba. Na verdade o que falta é o que está dentro. E a relação com os pais e a comunidade? Essa relação mudou bastante, já que antes, quando o projeto era uma assistência, os pais ficavam muito sossegados. Deixavam as crianças aqui e era tudo como um grande quintal muito gostoso, com o circo... Estamos começando um outro momento. Com uma escola é mais fácil trazer os pais. A ideia é que tenha pais aqui dentro, atuando, dando opiniões. E nós vamos conhecendo uns aos outros: “o que o senhor faz?” e o pai responde “Ah, sou pedreiro”. Assim, formamos parcerias. Ao mesmo tempo que estavam empolgados com a escola, afinal, o professor Walter Steurer, fundador do projeto já tinha formado um nome forte para ele, eles estavam com receio. “Será que vai dar certo?”. Mas agora eles estão encantados. Um pai veio falar que a filha estava aprendendo, e até ensinando, conteúdo de sétima série.

E eu pergunto, por que tem que ser na sétima série. Na verdade, se você for ver a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), você vai ver que ela é extremamente flexível e extremamente inteligente. Quem não é, é quem aplica a lei. A avaliação, por exemplo. “Como que não tem avaliação?”. O que é avaliação? É uma prova? Aquela prova que a pessoa engole e engole e depois vomita tudo e acabou? Não lembra mais nada depois. Quando você realmente entende o porquê é que você aprende. Queremos chegar em um ponto em que a criança tem vontade de ser avaliada. “Então como você prefere ser avaliado? Quando?”. A criança pode se perguntar, “será que eu estou pronto para ser avaliado?”. E sempre contemplando os parâmetros curriculares. Mas tudo tem que fazer sentido para as crianças. Como é trabalhar com o professor José Pacheco? O professor Pacheco acompanha 120 escolas pelo Brasil. Eu desafio quem conhece melhor as escolas do Brasil do que ele. Ele vai até escolas que estão no meio do mangue, no interior de São Paulo, em Curitiba... ele sabe a dificuldade que há nesse trabalho. Eu nunca achei que fosse viver algo tão bonito. A Cláudia [Duarte dos Santos], a Regina [Steurer], O professor [Pacheco]... É uma diretoria muito comprometida.


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“Ensinar não é transferir conhecimentos, conteúdos nem formar. É ação pela qual um sujeito criador dá forma, estilo ou alma a um corpo indeciso e acomodado.”


23 PENSAR

pedagogiaautonomia da Uma leitura do livro Pedagogia da Autonomia de Paulo Freire. por Michaella Kirsten

nsinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção. Nem formar é ação pela qual um sujeito criador dá forma, estilo ou alma a um corpo indeciso e acomodado. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender. Quem ensina, ensina alguma coisa a alguém. Quando vivemos a autencidade exigida pela prática de ensinar–aprender participamos de uma experiência total, diretiva, política, ideológica, gnoslógica, pedagógica, estética e ética, em que a “boniteza” deve achar-se de mãos dadas com a decência e com a seriedade. A relação a aprender, é um processo que pode deflagrar no aprendiz uma curiosidade crescente, que pode torná-lo mais e mais criador. Quando mais criticamente se exerça a capacidade de aprender, tanto mais se constrói e desenvolve o que venho chamado “curiosidade epistemológica”, sem a qual a não alcançamos o conhecimento cabal do objeto. O educador democrático não pode negar-se o dever de, na sua prática docente, reforçar a capacidade crítica do educando, sua curiosidade, sua insubmissão. Trabalhar com os educandos a rigorosidade metódica com que devem se “aproximar”dos objetos cognoscíveis. É exatamente neste sentido que ensinar não se esgota no “tratamento” do objeto ou conteúdo, superficialmente feito, mas se alonga à produção das condições em que

aprender criticamente é possível. E essas condições implicam ou exigem a presença de educadores e de educandos criadores, instigadores, inquietos, rigorosamente curiosos, humilde e persistentes. A realidade com que eles têm que ver é a realidade idea­ lizada de uma escola que vai virando cada vez mais um dado aí, desconectado do concreto. Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. O saber de pura experiên­ cia feito. Pensar certo. Do ponto de vista do professor, tanto implica o respeito ao senso comum no processo de sua necessária superação, quanto ao respeito e o estímulo à capacidade criadora do educando. Implica o compromisso da educadora com a consciência crítica do educando cuja “promoção” da ingenuidade não se faz auto­ma­ti­camente. Que podem pensar alunos sérios de um professor que, há dois semestres, falava com quase ardor sobre a necessidade da luta pela autonomia das classes populares e hoje, dizendo que não mudou, faz o discurso pragmático contra os sonhos e prática a transferência de saber do professor para o aluno?!

Referência BIBLIOGRÁFICA: FREIRE, Paulo. Pedagogia da Educação — Saberes necessários à prática educativa. 25a ed. São Paulo, Ed. Paz e Terra. 1996


24 contar

Bolinha de gude no meu olhar

C

onheço uma escola que prepara todos os cantinhos para suas pequenas crianças encontrarem aquilo que precisam. Pode ser cura da mágoa de alguma briga, o conhecimento de como enrola um tatu bola, descobrir que som faz um tambor... Lá tem um grande bambuzal onde mora a Velha da Gudéia e ali eles podem encontrar a coragem, o medo, a ousadia. Certo dia um menino pediu para fazer uma fogueira. “Mas está muito quente! O fogo é bom para aquecer” alguém lhe disse. Ele explicou que queria a fogueira só para olhar. Dito e feito, ficou ali sentadinho por muito tempo. De repente se levantou e foi brincar. Quem sabe algum nó desatado? Poucos “Nãos!” por ali. Só os que fazem sentido. Sim, pode se molhar. Sim, pode tirar a roupa, pintar o corpo com urucum, subir na árvore, entrar no lagui-

Adultos ali com a intuição mobilizada para possibilitar o só ser.

nho, sentir os peixinhos beliscando. Tempo para se acostumar a ficar descalço, à vontade com a grama, perder o medo da formiga. Vida sentida, conhecida no corpo. Bonecas para ser papai e mamãe. Balanço para voar. Tintas, cores, música no canto, nos instrumentos! Outro menino para ter raiva, para descobrir o que é ter amigo, para rir, chorar. “Agora eu era um cavalo, você era um rei”. Arte de negociar. Galinha, cachorro, milho para colher, horta, fogão à lenha. Conhecer os processos, o antes e o depois, o cru e o cozido. Chuva, sol, morte e vida para experimentar o Mistério. Mais perguntas para as perguntas. Sem intelecto, só verdade, só aquilo que é. Na linguagem do simbólico, da imaginação, naquela que for a escolhida pelo pequeno indagador. Adultos ali com a intuição mobilizada para possibilitar o só Ser, para que não seja necessário desenvolver precocemente o pensar como meio de tentar entender o descompasso entre o sentir e as respostas inadequadas que muitas vezes vêm do mundo dos adultos. Desse modo está garantido o espaço para as crianças encontrarem sua paz e por isso ali elas


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pedagogia da sensibilidade

ficam muito entregues ao que fazem. É visível o quanto estão permeadas livremente pelo amor que elas direcionam com facilidade para quem se dispõe a entrar em contato com elas. Os olhos e ouvidos destes educadores são muito atentos e curiosos para ouvir sabedorias surpreendentes e observar a facilidade que as crianças têm de ler a realidade com o coração. Eles estão interessados em acolher incondicionalmente esses pequenos Mestres

na arte de viver o presente, honestos que são em relação aos sentimentos e tão dispostos a não conservar o rancor. Escola Ciranda, Pedagogia da Sensibilidade, lá num sítio em Cotia, São Paulo, recheado de gritinhos, risos, choros, vida!

Por Jany Vargas

Foto Pedro Pacheco

contar





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