ENTRE O MORRO E O MAR Uma ressemantização¹ das camadas da paisagem no centro de mangaratiba
Cássio Torres Igor Machado Inês Domingues Pérola Barbosa
Ressemantizar é compreender e responder às semânticas urbanas históricas com atribuição de um novo significado e sentido para a realidade atual e local, um processo de interpretação sobre o existente e uma reapropriação das reminiscências. O Centro de Mangaratiba, o recorte em questão, possui atributos que permitem uma leitura polissêmica, em camadas, da paisagem, como elemento estruturador do projeto. O trabalho se propõe a condensar os aportes teóricos que embasaram a proposição de uma intervenção projetual que almeja a conservação integrada, assim apresenta diretrizes estratégicas para a preservação das ambiências urbanas e o fortalecimento dos ativos locais que partem de uma análise das problemáticas. Apresenta-se inicialmente a interpretação e determinação de sete camadas da paisagem: (1) Modais de transporte; (2) Vias; (3) Massa edificada; (4) Espaços livres; (5) Topografia; (6) Águas e (7) Usos e
práticas. Depois, são apresentada as problemáticas, potencialidades e intenções projetuais, seguidos de uma especificação dos agentes locais que contribuirão para a viabilização e mobilização do projeto em questão. Além do estabelecimento de diretrizes para conservação e manutenção da paisagem como memória e identidade, a proposta visa: (1) a criação de um HUB, como consequência da retirada de vagas de estacionamento em locais públicos e da intermodalidade de projeto; (2) o projeto urbano contempla a orla e as praças do centro histórico, potencializando-os como espaços de lazer, comércio, turismo e entretenimento. Palavras-chave:
Patrimônio, Camadas da Paisagem, Conservação Integrada, Ambiência
A constante construção da paisagem traz uma dificuldade para a conservação das ambiências urbanas das cidades, são diversas as camadas urbanas e culturais sobrepostas, camadas que se transformam com as variáveis formas de desenvolvimento urbano, tecendo novas e encobrindo outras, uma dicotomia das paisagens visíveis e invisíveis. Compreende que a paisagem não é somente uma somatória de objetos ou lugares do espaço, mas um sistema de relações que conectam lugares do território as pessoas, a partir de aspectos comuns históricos, espaciais, estéticos, simbólicos, funcionais e ambientais. A paisagem é uma entidade viva que muda com o tempo, sendo afetada pela tradição, pelas reformas e pela comunidade que a habita. Desse modo, as cidades se compõem por diversas paisagens, organizadas por memórias, ambiências, fenômenos, imagens, sons e silêncios que revelam pelas estruturas urbanas e arquitetônicas suas histórias, suas estéticas e suas transformações. Compreende-se a paisagem como um complexo sistêmico que articula a natureza e a sociedade, um ecúmeno, o qual seu valor representativo está associado às ações sociais e aos significados que lhes são atribuídos. Segundo Jackson (2003 apud BESSE, 2014, p.26-36) paisagem é um território fabricado e habitado pelas sociedades humanas, uma obra coletiva que transforma o substrato natural em um espaço organizado, isto é, composto e desenhado pelos homens na superfície da terra. Assim, entende a cidade como paisagem, Lepetit (2001) trata-a como uma prática social e procura reduzir a dicotomia entre a morfologia e os usos sociais, aborda sua concepção como um processo contínuo e dinâmico, o território estará sempre sujeito a transformações de sua imagem e da ratificação das relações sociais dadas as necessidades. A paisagem possui relação com a memória, contém resistências e pesos temporais onde os hábitos sociais serão mais duradouros que as resistentes formas que registram as antigas relações sociais. É com essa abordagem de paisagem que propomos atentarmos para a cidade de Mangaratiba, situada na Costa Verde, a 105 km do centro do Rio de Janeiro. O município que apresenta uma densidade demográfica de 102,29 hab/km² e IDH 0,753, considerado alto, é formado por zonas urbanas situadas à beira mar, comprimidas entre topografias que, pela pouca oferta de áreas planas, se organiza em distritos independentes ligados pela BR-101 e RJ-014. Entre diferentes tipos de
ocupação, a turística, característica nas cidadesbalneário, marcada por condomínios fechados e praias privativas, se instalou em determinadas parcelas do território. Tais fenômenos de ocupação, amplificaram o processo de segregação espacial do município, produzindo um arquipélago de enclaves sociais, culturais e econômicos (GRAHAM, S. & MARVIN, S.), que hoje é inerente à estratificação das relações e conexões que observamos na cidade. Compreender o seu lócus traz o entendimento do centro histórico, uma origem, onde resistem resquícios do passado. No centro de Mangaratiba, foco do nosso plano estratégico, atentamos para sua ambiência urbana histórica interpretando-a com uma leitura de sete camadas da paisagem: (1) Água: o mar é considerado elemento chave da ocupação e do desenvolvimento econômico e social; (2) Topografia: a conformação em um enclave trouxe a ocupação da frente marítima aos topos de morros; (3) Massa edificada: um conjunto tipológico edilício ecléticos com temporalidades distintas e estéticas com estados de conservação, autenticidade e integridade precária; (4) Espaços livres: dentre o traçado urbano consolidado conformam-se a orla marítima e as praças urbanas Olympio Simões, Nossa Senhora da Guia e Sebastião Queiroz; (5) Vias: concentra-se os principais eixos de mobilidade urbana a RJ-014 e a avenida litorânea, observa-se, também, um eixo comercial na rua Coronel Moreira da silva; (6) Modais de transporte: destaca-se a conexão Mangaratiba e Ilha Grande com as barcas, as conexões interdistritais e intermunicipais com os ônibus e vans, os táxis e mototáxi com uso local; (7) Usos e práticas: atenta-se para as questões simbólicas sociais que fortalecem a história e a memória, como a procissão religiosa marítima da Nossa Senhora da Guia, as festas e encontros na praça principal e a tradição caiçara. Apesar de toda potência da ambiência urbana histórica e sua relação com a memória, a cidade parece não enfrentar a questão como merece. O centro de Mangaratiba é marcado por lugares degradados (edificações descaracterizadas) e subutilizados. Devido a quantidade de equipamentos institucionais e ao acesso à Barca para Ilha Grande, grande parcela do território é destinado a estacionamentos para carros. Além disso, estão presentes no centro estruturas como um posto de gasolina e um desenho que não integra esses tempos. Assim, entende-se a necessidade de uma ressematização no centro de Mangaratiba. Lepetit (2001), aborda o termo como uma modalidade historicamente datada de se apropriar
da cidade, onde acontece a transformação da estrutura física ou natural a partir de uma nova utilização, um efeito de documentação que guarda a linguagem da cidade que é progressivamente substituída pela linguagem sobre a cidade. Desse modo, vislumbram-se da conservação integrada para a proposição de intervenções no Centro de Mangaratiba, baseando-as no reconhecimento do valor simbólico e estruturantes nas sete camadas da ambiência. Utiliza-se como guia do pensamento as estratégias apresentadas por Castriota (2009), o qual apresenta seis diretrizes para intervenções de conservação de conjuntos: (1) Priorizar o contexto urbanístico, entendendo-o como um organismo vivo e complexo, privilegiando o contexto de ambiências de conjuntos urbanos em lugar de edificações isoladas; (2) Adotar um procedimento unitário, compreendendo o território sem distinção de características históricas; (3) Integrar as políticas de preservação do meio ambiente urbano e as políticas gerais; (4) Priorizar planos simples de recuperação de edifícios e conjuntos, em prol da preservação da memória e da identidade cultural; (5) Reavaliar a gestão do meio ambiente; (6) Garantir a permanência da população de baixa renda nas áreas a serem urbanizadas e preservadas.
e a diminuição dos fluxos automotivos no centro, reforça a pedestralização com o fechamento de algumas vias concretizando-as como novas áreas de praças. Visa com essa criação uma a intervenção que preserva o desenho da praça consolida, a esquerda da igreja, conectando-a com o HUB e com estação de barca. Propõem um novo desenho de orla, com a criação de novas infraestruturas de lazer e um mirante contemplativo, que descortinará uma nova visada de acesso a cidade, reforçando a conexão da paisagem urbana-cultural com a natural. Para viabilizar o projeto, pensou-se na mobilização de atores locais públicos, como a Prefeitura Municipal de Mangaratiba, a Secretaria de Turismo, a Casa de Cultura Contemporânea de Mangaratiba, o Museu Municipal de Mangaratiba, o Hospital Municipal Victor de Souza Breves e a Escola Municipal Coronel Moreira da Silva, o INEPAC, o INEA (APA Estadual de Mangaratiba), e também atores privados, como a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes e a CCR Barcas, como suporte para o fomento à cultura, preservação e conservação da memória e identidade da região, além do entretenimento e a reformulação viária, propostos para a região da orla e das praças. Sendo assim, o projeto busca, através de uma abordagem polissêmica da paisagem, propor possibilidades para potencializar o centro de Como meio de conservação da ambiência urbana Mangaratiba como ativo econômico e cultural da propõem-se um polígono de proteção da paisagem, cidade. onde seus limites são guiados pela RJ-014, topos dos morros e pelo mar. A escolha pelo limite da via deuse pelo encontro com a área de proteção ambiental já consolida. Essa estratégia busca-se determinar Referências: diretrizes específicas para todas as edificações incluídas no polígono, determinando padrões de BESSE, Jean-Marc. O gosto do mundo: Exercícios comunicação visual, tipos de pinturas e aplicações de paisagem. As cinco portas da paisagem – ensaio de toldos, como também, a criação de um inventário de uma cartografia das problemáticas paisagísticas arquitetônico e urbano e as determinações de contemporâneas. 2014. P.5-66. altimetria máxima de dezesseis metros (a partir da linha da rua) e de padrões de ocupação do CASTRIOTA, L. Patrimônio Cultural: Conceitos, lote similar ao entorno para as intervenções nas políticas e instrumentos. São Paulo: Annablume; antigas e novas edificações. Utiliza-se do estudo Belo Horizonte: IEDS, 2009. de caso de New Rochelle (NY, EUA) para propor um plano que explora a memória como um ativo, GRAHAM, S. & MARVIN, S. (2001). Splintering e também a estratégia de um HUB, para criar um Urbanism: networked infrastructures, eixo intermodal de transporte, condensado os technological mobilities and the urban condition”. estacionamentos, fluxos de ônibus, das vans, dos Routledge, New York. p.121 táxis e dos mototáxis em um único ponto. Além disso, soma-se nessa infraestrutura metragens para LEPETIT, B. Por uma nova história urbana: É possíveis usos sociais e coletivos da sociedade, o possível uma hermenêutica urbana?. Seleção de edifício conecta a parte alta e baixa do centro, sendo texto, revisão crítica, apresentação Heliana Agontti a parte baixa estabelecida com a reabilitação de Salgueiro, tradução Cely Arena. - São Paulo: Editora uma edificação histórica. Com a retirada das vagas da Universidade de São Paulo, 2001.
CAMADAS DA PAISAGEM: CENTRO DE MANGARATIBA
RJ-014
modais demodais transporte de transporte - concentração - concentração de modaisde aomodais longo da aopraça longo da praça Olympio Simões Olympio Simões - pontos de- pontos ônibus de improvisados ônibus improvisados ao longo da ao longo da rj-014 rj-014
RJ-014
r. coronel moreira dar.silva coronel moreira da silva
av.litorânea
hospital
av.litorânea
vias vias - rj-014 e av. - rj-014 litorânea e av.como litorânea principais como principais vias de vias de acesso e escoamento acesso e escoamento da região da região - rua coronel - rua moreira coroneldamoreira silva como da silva principal como principal eixo comercial eixo comercial
massa edificada massa edificada - concentração - concentração de edificações de edificações históricas históricas próximas às próximas praças eàsà praças orla e à orla - equipamentos - equipamentos institucionais institucionais próximos àpróximos à praça praça
hospital
prefeitura prefeitura escola municipal escola municipal igreja N. S. da Guia igreja N. S. da Guia
espaços livres espaços livres - praças Olympio - praçasSimões, OlympioN.Sra.da Simões,Guia N.Sra.da e Guia e Sebastião Sebastião Queiroz como Queiroz centro como institucional centro institucional e e econômicoeconômico do distritodo distrito - extensão-marítima: extensão marítima: 600 metros 600 metros
praça Olympio Simões praça Olympio Simões
∆ 250m
orla
orla
píer - barcas
píer - barcas
∆ 250m
topografiatopografia - centro de- Mangaratiba centro de Mangaratiba compreendido compreendido entre a entre a morro (e rj-014) morroe(eo rj-014) mar e o mar - altimetria: - altimetria: 250 metros250 demetros altura de altura
águas águas - praia do Centro - praia do como Centro atributo comodaatributo região da região - paisagem- paisagem aquática caracterizada aquática caracterizada por barcospor barcos pesqueirospesqueiros e barcas (conexão e barcasIlha (conexão Grande) Ilha Grande)
usos e práticas usos e práticas - procissão- religiosa procissãomarítima religiosa da marítima N. Sra. da N. Sra. da Guia Guia - festas e encontros - festas e encontros na praça principal na praça principal - tradição -caiçara tradição caiçara
PROBLEMÁTICAS, POTENCIALIDADES E INTENÇÕES DE PROJETO
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44 43 42
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40
29
1
Mapa com identificação de edificações históricas enumeradas, espacialização de modais de transporte existentes e vagas de estacionamento públicos e privados;
edificações história
1
modais de transporte vagas de estacionamento total de vagas a serem retiradas: 377 aprox 5mil m² entorno da praça 78; privados 97; Orla 80; Praça 30; Vias fechadas 92
PROBLEMÁTICAS:
28
Entorno da praça Sebastião Queiroz tomado por carros estacionados e fluxos constante provocados pelo posto de gasolina. Perturbação da ambiencia histórica pela presença de postes de energia com fiação excessiva aparente.
41
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44
45
28
Poluição visual da Praça N. Sra. da Guia, via comercial marcada por excesso de letreiros, fiação aparente. Concentração de veículos, ponto de taxi, mototaxi e vans.
PROBLEMÁTICAS:
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28
Praça Sebastião Queiroz, subutilizada, monofuncional, com baixa caminhabilidade; Perturbação da paisagem pelo constraste dos veículos com a igreja N. Sra da Guia, edificação com grande importancia simbolica para a região
04
03
13
Beco da Poesia, ao lado do Museu municipal de Mangaratiba, viela de ligação entre via comercial e av. litorânea. Edificações descaracterizadas por comunicação visual, toldos e fiação aparente.
DIRETRIZES DE CONSERVAÇÃO: PROBLEMÁTICAS
Postes de energia a serem enterrados
Manutenção de ruas e calçadas com pavimentação original
Proibido: Faixas e anuncios, ocultação de elementos da fachada com placas e toldos, placas e vitrines adesivadas. Toldos maiores que os vãos e onde existe marquise, elementos de infraestrutura como ar condicionado, antenas, exaustores, caixa d’agua, etc.
DIRETRIZES DE CONSERVAÇÃO: SIMULAÇÃO
Permissão de comunicação visual com area maxima de 0,4 m², fixada somente no pavimento térreo com nome do estabelecimento. max 1 placa por local Pedestralização de através de balizadores
Permitido:
ruas
Toldos com mesma com largura do vão e em edificações sem marquise, não prejudicando os elementos principais da fachada.
PROPOSTA DE INTERVENÇÃO
1
2 3 4 8
9 5
11
6
10 7
Agentes locais a serem mobilizados: 1. Hospital municipal vitor breves 2. Casa de Cultura Contemporânea 3. Museu Municipal de Mangaratiba 4. Prefeitura de Mangaratiba 5. Igreja N. Sra da Guia 6. Estação CCR Barcas 7. Secretaria de Turismo 8. Escola municipal Moreira da Silva 9. Associação de Bares e Restaurantes 10. Associação de moradores 11. INEA (APA Estadual de Mangaratiba)
AMPLIAÇÃO 1:
EDIFÍCIO EM GARAGEM
TAXI
O acesso ao HUB se dá a partir de uma duplicação da Rj-014. Os pavimentos inferiores são destinados à estacionamentos, enquanto o pavimento térreo é destinado à rodoviária, pontos de táxi e mototáxi. Os pavimentos superiores são destinados para o uso social da comunidade local. O acesso petonal se dá através de uma passarela no nível +1, além do acesso pelo lote de uma edificação histórica localizado na rua Nilo Peçanha, com um percurso caminhável até o elevador que conecta o terreno aos pavimentos do edifício.
AMPLIAÇÃO 2: ORLA E PRAÇAS
Ampliação das praças Olympio Simões, N. Sra. da Guia e Sebastião Queiroz, a serem unificadas por um desenho urbano que também reformula a orla com novo mirante, abertura das edificações e espaços públicos com arquibancada para o mar. Com a retirada do estacionamento a entrada do centro pela RJ014 ganha uma nova perspectiva, a paisagem urbana se abre para a enseada concretizando a integralidade natural e cultural.
AMPLIAÇÃO 2: CENÁRIOS
Festa de N. Sra. da Guia:
Show no posto de gasolina:
Feira livre