Jornal
setembro de 2011. Ano ii. Número 6
Distribuição Gratuita - Venda Proibida
Arrocha
jornal-LABORATÓRIO do curso de comunicação social/jornalismo da ufma, campus de imperatriz
Imperatriz: personagens do cotidiano
Jornal
2
Arrocha
Ano Ii. Número 6 iMPERATRIZ, setembro de 2011
CHARGE
EDITORIAL - Anônimos em foco
JADIEL REIS
Você pode nem perceber, mas aquela pessoa que está bem ao seu lado pode ter uma história incrível para contar. A mídia tradicional não costuma registrar, mas as personalidades mais comuns, mais ou menos famosas em seus bairros, são tão importantes para uma cidade como Imperatriz do que um mega empresário que ficou milionário com o seu empreendimento. Nesta edição do jornal Arrocha os acadêmicos do curso de Jornalismo da UFMA foram atrás de personagens que, mesmo sem reconhecimento devido, ou, mesmo famosos em seus bairros, mas sem muita repercussão nos meios de comunicação, contribuem para o crescimento de Imperatriz. Aqui o leitor vai encontrar
tanto a história de personalidades reconhecidas nos meios populares, como o Chico da Banca, João da Farmácia, o empresário “Bodim”, quanto legítimos desconhecidos, como o morador de rua Thiago de Sousa, o “Cacheado” ou Sônia Mota, que chefia a equipe de cozinha do Restaurante Popular. São histórias emocionantes de quem luta para legitimar a sua profissão, muitas vezes desvalorizada. E merece, sim, ter sua história no jornal. Boa leitura. Arrocha: É uma expressão típica da região tocantina e também é um ritmo musical do Nordeste Significa algo próximo ao popular desembucha. Mas lembra também “a rocha”, algo inabalável como o propósito ético desta publicação.
Ensaio Fotográfico WABNER FIGUEIREDO
ROSANA BARROS
RENATA COSTA
Expediente Jornal Arrocha. Ano II. Número 6. Setembro de 2011 Publicação laboratorial interdisciplinar do Curso de Comunicação Social/Jornalismo da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). As informações aqui contidas não representam a opinião da Universidade. Reitor - Prof. Dr. Natalino Salgado Filho | Diretor do Campus de Imperatriz - Prof. Dr. Jefferson Moreno | Coordenadora do Curso de Jornalismo - Profa. M. Roseane Arcanjo Pinheiro.
Professores: M. Alexandre Maciel (Jornalismo Impresso), M. Marco Antônio Gehlen (Programação Visual), M. Marcus Túlio Lavarda (Fotojornalismo). Dr. Marcos Fábio Belo Matos (Revisão). Reportagem: Alessandra Ferreira, André Wallyson, Carla Kassis, Deijeane Morais, Douglas Aguiar, Isabella Plácido, Mario Alves, Marisvaldo Lima, Max Dimes, Nilzeth Alves, Nonato Pereira,Paulo Edson, Pollyana Galvão, Renata Costa, Ronie Petterson, Rosana Barros, Simone Maia, Stepheson Souza,Thalyta Dias, Thenille Santos, Vinicius Loyola.
Diagramação: Allanna Chrystyne Rocha Menezes Sanches, Ana Alice Mendes dos Santos, Anderson Silva de Araújo, Antonio Wagner Silva Aurélio, Cleber Carlos Simoes Júnior, Diana Cardoso Costa, Edigeny Soares Barros, Elen Cristina Silva Santos, Evando Raizio Silva Maciel, Flávia Brito Silva, Flávia Luciana Magalhães Novais, Genyedi Soares Barros, Gleziane Sobrinho de Oliveira, Isabela Crema Tavares, Jéssica Roseane Fernandes Gomes, José Augusto Dias da Silva, Karla Mendes Santos, Karlanny Costa Farias, Kellen Nilceya dos Santos Almeida, Layane do Nascimento Ribeiro, Luan Rogerio Pereira Lima, Maiely Cabral Dos Santos, Marcela de Souza Silva, Maria Félix Pereira Calixto, Mariana Ferreira Campos,
DEIJEANE MORAIS
Marilan Reis dos Santos, Marta Nunes de Oliveira, Mikaelle Katússia Martins Carvalho, Pamella Bandeira Santana, Raísa Farias Araújo Salles, Ramisa Farias Araújo Salles, Rayane Silva de Carvalho, Raynan Ferreira Pinheiro, Rômulo Santos Fernandes, Safira Vieira Pinho, Samoel Pereira de Freitas, Sara Cristina Costa Batalha, Sararuth Andrade Chagas, Saron Paulo Fell Alencar de Albuquerque, Silas Waldemir Souza Chaves, Taya Santana da Silva, Thayse de Sousa Barros, Valdiane Costa de Santana, Walison Silva Reis, Wenia Hyana Reis Silva, Yanny Dorea Moscovits. Bolsista Fapema: (diagramação)
acadêmico
Raphael
Giannotti
Fotografia: Alanna Heringer, Alessandra Ferreira, Carla Kassis, Deijeane Morais, João de Deus, Kellyane Barros, Luis Carlos Lima, Max Dimes, Nilzeth Alves, Paulo Edson, Pollyana Galvão, Renata Costa, Ronie Petterson, Rosana Barros, Roseane Cardoso, Simone Maia, Thalyta Dias e Wabner Figueiredo Contatos: www.imperatriznoticias.com.br | Fone: (99) 3221-7625 Email: contato@imperatriznoticias.com.br
Jornal
Ano Ii. Número 6 iMPERATRIZ, setembro de 2011
Arrocha
3
debate Já virou tradicional a reunião de advogados, informais, taxistas e muitos outros para discutir os pareceres sobre os assuntos cotidianos, como política e futebol
Chico da Banca promove espaço democrático PAULO EDSON
Francisco Melo Filho, o Chico da Banca, pode parecer meio arredio a princípio, mas logo se torna afável e bom de conversa Paulo Edson
Terça-feira de mormaço, como sempre. No relógio, umas 9h20
quando eu chego na Praça de Fátima. Ele, camisa de botão branca semiaberta, uma calça jeans meio velha, óculos escuros escondendo
os olhos verdes e com o rosto avermelhado do calor já conhecido. Sai da pequena armação de metal cinza cheio de letras, histórias e notícias
Castro Carvalho hoje vive a era digital, mas é do tempo do “lambe-lambe”
também”. Seu gosto literário me ficou evidente quando o vi lendo o clássico de Sergio Bonelli, Tex. Tradição - Por vezes meio lacônico e monossilábico, Chico sorri pouco. Parece meio arredio, mas no decorrer da entrevista se mostra uma pessoa afável e de boa conversa. Não é à toa que a banca é tão visitada. “As reuniões são assim mesmo. Não é nada fechado, tem espaço pra todo mundo. Mas se tu falar algo pode esperar a resposta, que pode agradar ou não”. Ele é ligeiro na fala, mas nada que dificulte o entendimento. Por vezes coça a clara barba falhada como o gramado onde pisam os goleiros. Volta e meia levanta do banco para atender aos clientes, sempre à procura de informação ou entretenimento raso. Quando o calor aperta, ele bebe água de sua garrafa térmica azul e, aparentemente, já companheira de anos de banca. Aliás, grande ironia é saber que a banca não é dele. Chico é representante da Distribuidora Maranhão Piauí (Dimapi), e se encontra no mesmo lugar desde a abertura do ponto, em outubro de 1981. Engraçado é pensar que na verdade ele é da banca, e não ela é dele. Abre as portas todos os dias às 8 da manhã e fecha quando acaba a conversa, por volta das 21 horas. “Domingo fecho mais cedo, meiodia, porque tem que ter um futebolzinho”.
RENATA COSTA
cima no momento dos desfiles, pois poderiam quebrá-las. Castro participou da Mangueira do bairro Nova Imperatriz e lamenta o fim das escolas de samba na cidade. “Das antigas, tínhamos Mangueira, Tereza Cristina, União, Unidos da Vila Nova”. Segundo ele, o fim aconteceu pela falta de apoio dos governantes municipais.
para revelar as fotos em um local próximo. Garante a entrega em O mostruário de fotos em uma 20 minutos. Diz que uma das vandas portas da cabine de madeira tagens da nova tecnologia, é que, do fotógrafo Castro Carvalho popor exemplo, uma pessoa com a deria ter como legenda um trecho face pintada pelas marcas da cada música de Belchior: “Eu sou tapora, pode garantir um rosto como você. Eu sou como você. Eu limpo nas fotos. Castro trabalha sou como você”. Pergunto a ele se próximo à Delegacia Regional de tem algo de especial nessa seleImperatriz e presta serviços nos ção de fotos: ele diz que não, mas casos de perícia além de trabalhar aponta orgulhosamente com registros fotopara uma delas tirada gráficos em casamenem máquina analógica tos e formaturas. há seis anos. De quando traba“Eaê Castro Alves!”, lhava com fotografia assim um conhecido o em preto e branco, ele “Da época da foto instantânea, chamada de relembra um cliente cumprimenta em frente à Praça Tirandentes. “lambe-lambe”, ele guarda a lembrança do muito preocupado O local da entrevista é trabalho que não dependia de outra pessoa.” com o resultado da bastante movimentado foto. “Arrumando o e “Castro Alves” de 45 cliente, porque ele anos, muito popular. poderia ficar com a Fotógrafo há 27 anos, cabeça torta: Olha presidente do Falanpra cá tio! Assim... ge de Aço, fanfarra do assim... Enquanto eu time de futebol de ImDa época da foto instantânea, estava focalizando, a calça dele peratriz, ele conta que quando chamada de “lambe-lambe”, ele estava dobrada”. Quando anunchegou para trabalhar ali acom- guarda a lembrança do trabalho ciou que ia tirar a fotografia, o panhado de um primo, a praça que não dependia de outra pes- senhor gritou “Calme aí! Calme aí! era do carnaval. soa. “Era um caixote de madeira Deixa eu arrumá aqui” enquanto “Era bonito. Naquela época os um pouco comprido. Tinha um desdobrava a perna da calça. “Eu ônibus não faziam rota para cá, lugar para você colocar as mãos falei: Não. Não carece não. Denão havia os camelôs”. Quando dentro da máquina”. O velho ins- pois de tirar a foto, perguntei o vinham brincar o carnaval com as trumento de trabalho acabou ro- porquê de ele mexer na perna da suas escolas de samba, armavam ído pelos cupins. calça. Ele disse: pensei que a mio palco e amarravam as cabines Hoje, com a máquina digi- nha calça dobrada fosse sair na para as pessoas não subirem em tal, se desloca várias vezes ao dia foto, ó!”.
Renata Costa
e se senta num dos bancos de madeira para falar comigo. É o Francisco Melo Filho, ou só Chico, aquele da banca, onde uns tantos se juntam todos os dias para darem seus pareceres sobre os assuntos cotidianos, principalmente política e futebol. Ao longo da conversa, chegam advogados, informais, taxistas, ambulantes, clientes, mototaxistas e todos que quiserem se juntar. Chico nasceu em Imperatriz, em 7 de junho de 1966, no bairro que talvez seja a síntese da cidade: o Mercadinho. Conta que passou parte da infância mudando-se com a família. Primeiro para o interior do estado, depois para Cuiabá, Mato Grosso, antes de voltar para a cidade natal. Casado com Maria José e pai de uma filha, Maria Marta, ele me diz trabalhar de forma satisfatória, com o que gosta, sem pressões. Entusiasta da leitura desde pequeno enveredou na venda de gibis e jornais como “O Progresso” aos domingos, nas portas das antigas salas de cinema dos finados Cine Fides e Marabá. “Era na base da troca mesmo. Eu tinha uns gibis e ia trocando com a galera, depois vendia nos lugares”. Chico descreve como conseguia os exemplares para a venda com certa nostalgia. “Sempre gostei muito de ler. Prefiro sempre algo científico, mas gosto muito de quadrinhos
Fotógrafo Castro relembra as escolas de samba e os carnavais na Praça Tiradentes
Jornal
4
Arrocha
Ano Ii. Número 6 iMPERATRIZ, setembro de 2011
dedicação Apaixonado pela mulher e pelo casal de filhos, capitão e subcomandante do Batalhão da Polícia Militar de Imperatriz dedica-se com afinco aos dois mundos
Isabella Plácido
É fácil esbarrarmos todos os dias em pessoas incomuns em Imperatriz, difícil é reconhecê-las. Às vezes passamos ao lado de um homem moreno, de 88 quilos, 1,79 metros, e sequer desconfiamos que é um policial que zela pela vida dos cidadãos e já perdeu amigos no exercício da profissão. Janílson Cordeiro Lindoso, de 41 anos, é capitão e subcomandante do 3º Batalhão da Polícia Militar do Maranhão. Casado há 11 anos com Greicyvane Gomes Lindoso, tem uma filha de 14 anos, Tainá, e um filho de 6, Gustavo. Nascido na Baixada maranhense, conta que gosta de ouvir reggae, rock e MPB. Os filmes preferidos são os de terror e ação. Assiste também cinema brasileiro, italiano e mexicano. Capitão Janílson cursava História, na UFMA e Administração, na UEMA, ambas em São Luís, quando fez concurso para soldado em 1993. Apaixonou-se pela profissão e abandonou os cursos. Em 1995 fez o concurso do Curso de Formação de Oficiais (CFO), da UEMA, e entrou na academia. Pediu transferência para Imperatriz em dezembro de 1998. Sobre sua profissão, ele fala com paixão, um prazer de que poucos trabalhadores desfrutam. Ele conta que prender um bandido é uma satisfação, um êxtase. “Eu costumo dizer que é como o craque que joga futebol, que marca um gol lindo, maravilhoso e corre pra torcida pra comemorar. O policial que gosta da profissão se sente feliz, sente alegria, mesmo que sua família corra risco”.
Família - O filme Tropa de Elite, que mostra várias cenas do Capitão Nascimento chegando em casa falando alto, estressado, “é tudo real”, segundo Janílson. “Nesses momentos tem que agir com inteligência, tanto eu como minha esposa. Há uma transferência para dentro de casa. O filme conta a realidade nua e crua”. Greicyvane revela que não gosta da profissão do marido por causa dos riscos e do estresse, mas não deixa de apoiá-lo. “Eu já aprendi a lidar com isso. A gente percebe que ele chega mais explosivo, alterado, então deixamos ele ficar sozinho um pouco. Depois chamamos ele pra sair, pra conversar, pra descontrair e aliviar a tensão”. Tainá, a filha mais velha de Janílson, conta que seu pai é ciumento, mas também é um grande amigo. “Se eu precisar de ajuda em alguma atividade da escola ele me ensina, por que ele é muito inteligente. Não tem dessa de ser severo por ele ser policial. E o que eu mais gosto no meu pai é que ele sempre participou de todos os momentos da minha vida, me mostrando os riscos que eu vou poder correr ou não”. Capitão Janílson já fez diversos treinamentos, como gerenciamento de crise, ocorrência com refém, polícia cidadã, SWAT e está previsto para fazer outro em 2011 que tem duração de um ano. Quando volta para casa do trabalho, leva o rádio e deixa 24 horas ligado. Além de tudo, ele ainda é voluntário no Colégio Militar, onde joga futebol com as crianças.
Janilson Cordeiro divide rotina policial e familiar LUIS CARLOS LIMA
“O policial que gosta da profissão se sente feliz, sente alegria, mesmo que sua família corra risco”, acredita Janílson
Filogônio Lima acredita que ser taxista permite fazer amizade diariamente ROSANA BARROS Rosana Barros
Ouvir o som dos pássaros, sentado em uma cadeira de “espaguete” branca, com os pés escorados em um banco na Praça da Cultura é rotina quase diária do taxista Filogônio Lima Bezerra, de 60 anos. Ele recebeu esse nome porque nasceu no dia 20 de dezembro, dia de São Filogônio. Natural de Coroatá do Maranhão, aos 18 serviu o Exército entrando depois para a corporação da Polícia Militar. Em 1973 foi transferido para Imperatriz. “Desde pequeno eu era apaixonado por uma farda. Queria servir o Exército ou a polícia”, diz emocionado Filogônio, que foi uns dos fundadores do quartel militar no bairro Bacuri. Frequentador das festas noturnas quando jovem, o então policial militar encantava com seus olhos azuis ao subir ao palco para cantar. “Não sei tocar, eu só cantava. As meninas adoravam”. Em uma das noites na antiga boate Beira- Rio, conheceu Jossélia, e em 1976 se casaram e tiveram quatro filhos. O mais velho, a exemplo do pai, se tornou militar.
Rotina - Após se aposentar da polícia, Filogônio, ainda disposto para o trabalho, resolveu comprar o alvará de taxista. E na Praça da
Alguns visitantes da cidade, quando retornam, são fiéis a Filogônio.“São aquelas amizades que o passageiro pega com a gente”
Cultura fez seu ponto de espera. “É bom aqui, é tranquilo. Uma sombra maravilhosa. A gente fica só curtindo enquanto não chega passageiro”. Ele trabalha das oito da manhã às dez da noite, mas faz
questão de almoçar sempre em casa com a família. Em seu dia a dia, sentado na cadeira de “espaguete” branca, Filogônio conversa com seus colegas de profissão e se informa das no-
tícias da cidade. Diz não perder o jornal da tarde e sempre aproveita a banca de revista ao lado do ponto de táxi para se informar. “Chega o turista procurando quais são os locais de diversão, o
restaurante bom, a peixaria ou uma churrascaria. Estou sempre pronto para informar”. Todos esses cuidados são para atender bem aos clientes, principalmente turistas que não conhecem a cidade. Alguns desses visitantes ficam fregueses e sempre que vêm a Imperatriz procuram o taxista. “São aquelas amizades que o passageiro pega com a gente, quando conversamos com eles, falando a respeito da cidade”. Um outro cuidado importante para bem servir a população é com o veículo. Taxista há 20 anos, conta já estar no oitavo carro. Questionado sobre que figuras ilustres já levou em seu carro, Filogônio revela que transportou artistas da cidade para shows, entre eles Charles Brown. E que certa vez perdeu a oportunidade de levar Amado Batista porque seu táxi estava sem película escura. Quando não está de serviço gosta de ficar com a família e deitar para ver televisão, pois já se acostumou a estar informado. Aposentar dessa nova profissão não está em seus planos, por ele seguirá até quando não der mais. “Sou taxista/Tô na rua,/tô na pista./Não tô no palco,/mas no asfalto/ eu sou um artista”. A letra da música de Roberto Carlos lembra bem a figura de Filogônio, cantor, militar e hoje, com muita satisfação, taxista.
Jornal
Ano Ii. Número 6 iMPERATRIZ, setembro de 2011
Arrocha
5
receita Há 26 anos a popular “Farmácia do Ambrozio”, um dos bares mais notórios de Imperatriz, apresenta solução para todos os males com cachaças “medicinais”
Ambrozio tem sempre o remédio mais eficaz André Wallyson
“A de boldo é boa para o fígado e a de casca de laranja para o estômago. Tem também a de sete misturas, que leva inguiriba, paulistana, sucupira, romã, alho, gengibre e mel, uma dose de cada. Essa cura gripe, gastrite, sinusite e outro monte de doenças”. Quem receita é o potiguar da gema Josimar da Silva, que veio para Imperatriz aos 15 anos de idade com os pais. Em busca de uma nova vida, a família chegou quando a cidade passava por um momento de pleno desenvolvimento devido à construção da rodovia Belém-Brasília. O nome que batiza hoje um dos mais notórios bares da cidade foi dado a Josimar quando ele ainda trabalhava como pedreiro, profissão que exerceu durante 20 anos. Antes construtor de casas, agora Josimar seria um engenheiro na arte de fabricar cachaças. No final da década de 1990 o fabricante da aguardente Pirassununga 51 veio à cidade de Imperatriz. Logo descobriu que um senhor fazia misturas “medicinais” com a bebida. “Eles ficaram tão empolgados que fotografaram tudo, fizeram uma reforma, forneceram mesas e cadeiras, deram ideias de novos sabores e disseram: a partir de hoje aqui não é mais o Bar do Ambrozio e sim a Farmácia do Ambrozio”. Fundada há exatos 26 anos, a Farmácia do Ambrozio foi aberta como mercearia, mas a sombra de uma amendoeira que havia na porta aos poucos fez com que os clientes por ali
ficassem conversando. “De um deles veio a ideia: ‘senhor Ambrozio, porque não vende uma bebidinha pra gente? Uma pinga ou cervejinha?”’. As primeiras receitas eram dos mais diversos tipos de raizadas, chegando a quase 200 variações na época. Como alguns deles tinham em sua composição bebidas alcoólicas e no lugar já eram vendidos refrigerantes e petiscos, os clientes começaram a cobrar e dar ideias de novas composições. “Seu Ambrozio e porque o senhor não faz algumas cachaças com frutas? Uma coisa mais leve seria uma boa”. Foi quando surgiram os novos sabores, inspirados em frutas regionais, como tamarindo, cupuaçu, murici e a famosa cajá com mel, a mais vendida atualmente. “Na composição tem pinga, mel, a fruta, um pouco de refrigerante e suco. Cada uma tem sua receita e sou eu mesmo quem faço todas. Se outra pessoa fizer não fica a mesma coisa”, garante Ambrozio.
Ambrozio”. São 388 remédios que curam da tristeza à dor de amor, da gripe à gastrite. No receituário, “medicamentos” como pau de índio, cascavel assada, leite de onça e couro de cobra têm preços que variam entre 15 e 18 reais o litro, sempre acompanhados de limão, sal e carambolas cortadas em estrela. Dos quase dois mil sócios de car-
teirinha da farmácia que já se tornou uma lenda e um ponto turístico de roteiro obrigatório na cidade de Imperatriz, Mauricio Pereira é dos mais antigos. “Antigamente a dose, que hoje custa R$ 2,50, era 50 centavos. A gente vinha fazer o ‘esquenta’ aqui e depois descia para a Fly Back, uma extinta boate da cidade”. Mauricio comenta que mora no
Parque Anhanguera e vai ao Ambrozio quase todos os dias. São mais de dez anos frequentando a farmácia. “Venho até quando estou doente, tomo o remédio por aqui mesmo. E o mais interessante é que quando o negócio está agoniado os próprios clientes ajudam no atendimento. Aqui é só tranquilidade”. ALANNA HERINGER
Popularidade - Pessoas de todo o Brasil procuram o local para saborear as “cachaças medicinais”. A farmácia tem também “pacientes” em países como Suíça, França, Espanha e Estados Unidos. “Aqui eu já atendi gente de todo canto do mundo que leva caixas de bebida como lembrança da cidade de Imperatriz”. É o que conta André Jardson Rodrigues, que trabalha há quase dois anos na farmácia e já foi apelidado pelos clientes de “enfermeiro do
Josimar da Silva, conhecido como Ambrozio, conta que pessoas de todo Brasil procuram o local para saborear os “remédios”
Samuel Ribeiro luta contra o preconceito com os servidores da limpeza ALESSANDRA FERREIRA
mais ou menos dez anos”. Agora Samuel mora com a família: pai, mãe, irmão e duas irmãs. São seis pessoas e todos contribuem para a renda familiar. Uma das irmãs trabalha como doméstica, o pai é aposentado e a mãe é autônoma. Samuel mora próximo do emprego, no bairro Nova Imperatriz. Acredita que muitos reconhecem o trabalho realizado, mas “existem pessoas que têm mania de estar discriminando”, pois têm preconceito com quem “lida com chão, limpa banheiro e tira teia de aranha”. Para Samuel, quem mexe com limpeza merece ser tratado com respeito igual a outros trabalhadores, pois se trata “de um serviço como outro qualquer”.
“Existem algumas pessoas que têm mania de estar discriminando quem lida com chão, limpa banheiro e tira teia de aranha” Alessandra Ferreira
“Tem uma coisa que eu nunca fui conformado, que tenho muita vontade de mudar em mim: é a minha estatura”. Com 1,54 metros e trabalhando
na área de serviços gerais como auxiliar de limpeza, há três anos, para uma empresa privada prestadora de serviços, Samuel Ribeiro Alves, de 25 anos, se sente um anão. “Nunca gostei da minha estatura, se eu pudesse
mudaria”. Pardo, olhos claros e conhecido por sua curiosa vaidade, Samuel nasceu em Imperatriz. “Mas já passei uma temporada fora, em torno de uns quatro anos, só que isso já tem
Vaidade – “Não é porque trabalhamos na área da limpeza vamos deixar de nos cuidarmos”. Samuel alega que atualmente não tem condições para tentar aumentar a altura, mas há planos para mudá-la. Ele revela que o seu sonho é aumentar sua estatura por meio de uma cirurgia de alongamento ósseo. Porém, o procedimento cirúrgico é muito caro e não dá para juntar o dinheiro, porque o mais barato custa 20 mil. Para a família, a ideia não é interessante, porque parece um sonho estranho. Mas Samuel discorda: “É igual a você querer mudar algo em
você: às vezes você quer ser gordo ou quer ser magro, às vezes você quer fazer uma plástica, mudar algum visual... Isso aí é uma mudança qualquer”. Mas os itens mais curiosos desse brasileirinho são duas lentes que usa: uma da bandeira do Brasil e a outra branca, que lembra um olho de gato. Só que cada uma delas é para ser utilizada em uma época específica e carrega um significado: “A branca em época de carnaval e a do Brasil quando tem jogo ou é época de Copa”. São itens que chamam muito a atenção por serem exóticos e tão diferentes que esse tipo de lente não é encontrado em Imperatriz para pronta entrega, sendo necessário fazer encomenda. “Mas não é tão cara não, ela custa na faixa de uns 140 reais. Não acho cara não!”. Mas as lentes brasileirinhas não são restritas aos momentos de lazer. “Uso no trabalho também. Porque tem as épocas da gente usar. Aí eu uso em todo lugar, lá no serviço, para onde eu vou”. Samuel se diz muito esforçado na questão de trabalho. “Uma pessoa boa, honesta, trabalhadora, um cidadão de bem, que tem responsabilidade”. Mas, quando é lembrado da sua vaidade, declara entre risos: “Aliás, vou abrir o jogo, como todo mundo já acha, vaidoso”.
Jornal
6
Arrocha
Ano Ii. Número 6 iMPERATRIZ, setembro de 2011
paixão Mesmo sem possuir formação acadêmica em Educação Física, treinador, que já foi corredor, destaca que pesquisa muito para sempre oferecer o melhor
Francisco Bezerra treina atletas como “terapia” Simone Maia
Beira-Rio: cenário perfeito para prática de esportes não fosse pelo sol que fazia naquela tarde de sábado na qual o termômetro indicava 36º. Porém, isso não é o suficiente para impedir que Francisco Bezerra Ferreira Costa, 63 anos, deixe de fazer uma das coisas que mais lhe dá prazer: exercer a função de treinador de atletismo. Quem frequenta aquele local para a prática da caminhada ou de qualquer outra modalidade esportiva já deve ter se deparado com este senhor simpático. Em companhia de uma moça e de sua bicicleta de cor prata, ele ostenta saúde a cada pedalada que dá em volta da lagoa. Apesar de hoje ser treinador, Francisco um dia foi corredor. Porém, como ele mesmo diz, começou tarde a prática do atletismo. “Comecei com 30 anos e passei dez anos como corredor, mas só era amador no esporte”. O atletismo tinha tudo para ser coisa de família, uma vez que a esposa de Francisco, Maria das Neves da
Conceição, um dia também já foi corredora chegando a conquistar muitas medalhas. E o sonho de ambos era que sua única filha, Flávia da Conceição, também seguisse esse ramo, mas ela optou por ser professora. Ele faz questão de deixar claro que nunca foi um bom atleta, mas que sempre procurou ser um bom observador para detectar pessoas que se sairiam bem na prática do atletismo. E foi assim com Dayana Fernandes Alves, de quem ele é treinador há cinco anos. “Quando olhei para a Dayana vi que tinha o biotipo de atleta”. A relação de Francisco com Dayana parece ser de muita afinidade, tanto que ela o chama de pai. “Ele não é só meu treinador é também meu terapeuta, pois esporte pra mim é terapia”. Sob a coordenação do treinador, a esportista já venceu duas vezes a maratona em comemoração ao aniversário da cidade.
Futuro - Paciência e conversa parecem ser os ingredientes mais utilizados pelo treinador para com sua atle-
ta. O treinador pretende encerrar em breve a carreira com Dayana, já que são cansativos os treinamentos, além de ocorrerem muito cedo ou à tarde. A paixão pelo atletismo é dividida com o ofício de consertar relógios, profissão que exerce há 24 anos em um mesmo ponto no Calçadão de Imperatriz. Por causa da outra profissão ele já foi instigado pelos amigos a fazer um curso superior de Educação Física, mas não se imagina cursando uma faculdade. Mesmo sem possuir formação acadêmica, Francisco se considera apto para ser treinador. “Eu pesquiso muito, sei o bruto, o que eu sei não se aprende em uma universidade”. Dificuldades financeiras como falta de patrocínio deixam Francisco triste, pois muitas das vezes não pode acompanhar Dayana nas competições fora do estado. Mas nada disso tira o brilho do olhar desse senhor que encara com muita seriedade tudo que faz. O fato de não ser remunerado pelo trabalho de treinador não o in-
SIMONE MAIA
Dayana Fernandes acompanhada pelo treinador Francisco: “Ele é meu terapeuta”
comoda. Pelo contrário, para ele ser treinador é um hobby, uma vez que faz por amor ao atletismo. “Eu me sinto bem, não importa se minha atle-
ta sobe ou não ao pódio”. Na opinião de Francisco, com as perdas nós só temos a aprender e assim, consertamos os erros.
João da Farmácia acha que não há preço que pague o diagnóstico preciso KELLYANE BARROS
Todo dia é assim na farmácia de João Ramiro: pessoas disputam as suas consultas Mario Alves
Cabelos grisalhos, estatura média, roupas brancas, voz mansa e um sorriso estampado no rosto. Estas foram as primeiras impressões que tive de João
Ramiro Carneiro Alves. Ou como a maior parte da cidade o conhece, João da Farmácia. Chego às quatro horas da tarde, como havia combinado. No entanto, só consigo finalizar a entrevista às
oito horas da noite. Este fora mais um dos dias típicos na farmácia. As pessoas faziam fila para ser atendidas por João, mesmo com outros atendentes disponíveis. Enquanto aguardo no balcão da farmácia, observo a forma atenciosa e prestativa com que ele atende a um dos seus clientes. É um pai que busca orientação sobre a doença da filha que está em seus braços. João entende a linguagem popular, não foi à toa que se tornou tão conhecido em Imperatriz. Até o restante do dia, ainda passaram pelo balcão da farmácia jovens, idosos, intelectuais e leigos. Uma senhora comenta que tenta não chamálo de doutor João, mas é inevitável. Sua rotina vai até as 20 horas. Ele só vai para casa quando todos os clientes são atendidos. Com sorriso no rosto ele comenta: “Tenho o maior prazer de ajudar todos que chegam até a mim. Não tem coisa melhor do que ouvir de alguém:
‘fui a vários médicos da região, mas só você conseguiu resolver meu problema’. Isso para mim não tem preço”. João Ramiro nasceu em 1953, no povoado de Olho D’Água dos Bichos, próximo a Grajaú (MA). Com a permissão dos pais, aos 10 anos de idade passa a morar no convento liderado pelo médico, frei Alberto. O religioso ajudou-o em sua formação e ensinou as primeiras lições da medicina. Mais tarde aceitou o convite do primo Geraldo Maracaípe para morar em Brasília. Lá, conseguiu trabalhar em uma farmácia, onde aperfeiçoou seu conhecimento da profissão. Como não conseguia conciliar trabalho e estudo, saiu do emprego e veio passar férias na casa de amigos em Imperatriz. “Chego à cidade com 20 anos de idade, e aqui mesmo finalizo meus estudos. Fiz vestibular, e passei para o Curso de Ciências Exatas, na Faculdade Estadual de Imperatriz (FEI), que hoje é a UEMA. Logo desisti, porque
o curso não era reconhecido no país”, conta João. O trabalho e família tornam-se único objetivo a partir daquele momento. Em 1978, começou a trabalhar na Farmácia São João. Logo sua dedicação e facilidade em entender o povo foram notadas pelos clientes. Nesta época passou a ser conhecido por todos como “João da farmácia”. Durante 30 anos, João trabalhou naquela farmácia. “De lá tirei o sustento para minha família. Contribuí para a formação de meus dois filhos na área de farmácia-bioquímica, em Araguaína (TO). Comprei duas casas, que hoje se tornou esse prédio”. No dia 23 de março de 2009 João Ramiro abriu seu próprio empreendimento: a farmácia Santa Mônica, em parceria com seus filhos. Uma grande realização pessoal. Hoje ele carrega na memória os desafios, as conquistas de sua vida e a certeza de que agora pode ser chamado de João da sua própria farmácia.
Fagner Pereira e Maria de Jesus fazem do artesanato sua forma de vida Marisvaldo Lima
O jovem Fagner Pereira de Brito, de 19 anos, parou de estudar no 2° ano do Ensino Médio. Agora ele divide seu tempo entre tomar conta da loja de produtos artesanais e as outras atividades do dia a dia. No pequeno salão localizado na avenida Bernardo Sayão, no bairro Três Poderes, ele trabalha as peças que são trazidas de Crato, no Ceará. “Meu trabalho aqui é basicamente
pintar e vender essas peças que vêm de fora, mas a gente também fabrica muitas aqui na cidade” explica, timidamente. Em Imperatriz funciona desde 2009 o Centro de Artesanato, ao lado da Academia Imperatrizense de Letras. A entidade, além de comercializar produtos como vasos, toalhas, roupas e peças de ornamentação, também oferece cursos de capacitação para a comunidade em geral e profissionais como Fag-
ner, que desejam melhorar as suas técnicas. Maria de Jesus Vitor da Silva pinta e borda, mas também costura de vez em quando. Ela é a típica vizinha a quem todos recorrem quando têm que diminuir vestidos, “fazer a bainha” da calça, pregar botões e outras possibilidades que uma máquina de costura proporcione. Ela, aos 40 anos, faz tapetes de linha, borda em panos de prato e toalhas, personaliza colchas de cama e
ainda tem tempo pra cuidar dos dois filhos. Maria alega que não considera a atividade como arte, e sim um complemento da renda familiar. Mas como disse uma de suas clientes fiéis: “Esse pano de prato é tão bonito que dá dó de colocar ele na cozinha pra sujar de gordura. Dá vontade de colocar ele numa moldura”. Tanto Maria de Jesus quanto Fagner e tantos outros artesãos que participam do Centro de Artesanato concordam em um ponto: falta in-
centivo por parte do governo para a divulgação dos produtos. Enquanto isso, Maria sai de porta em porta vendendo os produtos que confecciona em casa, com o mesmo anseio de Fagner, que continuará dia após dia na frente da loja, às vezes pintando seus produtos. Outras, apenas à espera de clientes curiosos à procura de peças que custam entre R$ 1,50 e 80 reais. Ele tem muitos planos pra o futuro, sendo um deles voltar a estudar.
Jornal
Ano Ii. Número 6 iMPERATRIZ, setembro de 2011
Arrocha
7
lição Mais conhecido como “Bodim”, empresário destaca que o incentivo aos funcionários é um dos fatores para continuar vencendo
Josélio Lourenço: empresário da motivação MAX DIMES Max Dimes
Toques de telefone celular persistem em duas horas de entrevista. A última chamada atendida registra 23 minutos de conversa ininterrupta. Tanta ocupação foi suficiente para denunciar a difícil rotina de um empresário à frente de 100 empregados distribuídos por cinco lojas em Imperatriz. Quem enxerga a bela aliança de casamento e o anel de formatura nos dedos de Josélio Lourenço de Sousa não imagina que aquelas mãos mergulharam em graxa e construíram uma das maiores distribuidoras de bicicletas da região. “Eu sempre gostei muito deste trabalho. Tenho orgulho do que fiz para chegar até aqui”. Uma satisfação despertada ainda na infância quando sua mãe, Maria Lourenço de Sousa, o empregou com apenas oito anos em uma oficina no bairro Nova Imperatriz. Montar e desmontar bicicletas era apenas uma das tarefas ensinadas por Oton, antigo chefe e homem de respeito. “Certo dia questionei o patrão dizendo: ‘por que aprender tantas coisas?’ Respondeu: ‘o homem deve aprender muitas profissões e escolher uma para viver.’ Tomei essas palavras e nunca mais esqueci”. Em 1991, o empresário desistiu da carreira militar para abrir o negócio que mudaria sua vida. Empregou-se em um armarinho para juntar dinheiro e montar a
Mãos que já mergulharam em graxa agora se dividem nos muitos afazeres de quem comanda uma distribuidora de bicicletas
própria oficina. “Eu disse que ia ficar lá por um ano de serviço para depois trabalhar por conta. Mas diziam: ‘pode sonhar, você não paga nada por isso’. Infelizmente me subestimaram muito”. Com o apoio moral e financeiro da mãe, Josélio iniciou sua jornada com o capital equivalente a 2 mil reais. “Aluguei um ponto,
comprei uma prateleira dessas aí, e coloquei mercadorias”, disse com orgulho ao apontar para um dos arquivos de pedidos, despachos e carregamentos do escritório. “Quando o cliente queria o que eu não tinha, dizia que estava no depósito. Saía e comprava o que faltava para não desagradálo.”
Sucesso - A empreitada deu tão certo que hoje, aos 37 anos, distribui peças e acessórios para mais de dois estados brasileiros. “Com exceção da capital, atendemos todo o Maranhão. No Tocantins contemplamos a região do Bico do Papagaio. Falta pouco para atender o Pará inteiro”, disse, ao apontar para três grandes mapas
B.V. mora em um abrigo, foi acolhido com carinho e sonha em ser jogador de futebol Pollyana Galvão
Com o portão sempre aberto, o lugar é tranquilo e arborizado. Brinquedos, como gangorra, traves de futebol e balançadores. Em meio a dezenas de crianças, B. V. se destaca. Um garoto de 12 anos, extrovertido e alegre. B. V. mora em um abrigo da cidade de Imperatriz. Ele foi tirado do seu convívio familiar por maus tratos, há mais de um ano. O garoto afirma que gosta mais de morar no abrigo do que com sua mãe.
Como a maioria dos meninos de sua idade, B. V. tem o sonho de ser jogador de futebol. Quando questionado quem são as pessoas mais importantes da sua vida, ele responde sem titubear: “Os meus pais sociais do abrigo e as pessoas que cuidam de mim”. B. V. gosta de estudar matemática, dançar, ouvir músicas e assistir desenhos. Ele se considera uma criança muito feliz, “porque aqui a gente brinca toda hora” e sua brincadeira preferida é “camaleão”. De mãos dadas, as Pollyana Galvão
fixados nas paredes. Formado em Gestão de Negócios pela Faculdade Atenas Maranhense (Fama), Josélio domina com maestria o jargão comercial ao explicar a função de alguns dos milhares de produtos abarrotados em grandes gaiolas de aço. Enquanto mostra com orgulho cada centímetro dos 1,8 mil m² da sua distribuidora e, desviando de uma peça ou outra, ele revela a origem do nome que deu vida à sua empresa. “Temos apelidos como o gordo, o loiro, o salsicha... o meu veio de um ex-patrão no ano de 1987. Eu tinha apenas 12 anos de idade, ele olhou para mim e disse: ‘tu parece um bodinho’, ou seja, um sujeito pequeno. Na linguagem corriqueira do maranhense, isso acabou virando Bodim”. A motivação profissional dos funcionários é um dos fatores decisivos para “romper fronteiras e continuar vencendo”. Entre comissões e bonificações, ele destaca uma campanha de motivação entre os empregados. “O melhor vendedor ganha um jantar à luz de velas com a esposa. Nós vamos mandar uma cartinha para ela dizendo que se ela não for a culpa é do marido”. E completa: “Muitos aqui entraram pelas menores funções e hoje são supervisores de venda, gerentes de loja. As oportunidades existem, o que falta é: as pessoas estarem atentas e preparadas para abraçá-las”.
Pollyana Galvão
crianças são puxadas umas pelas outras em forma de corrente. B. V. mora no Programa de Moradia Alternativa Novo Amanhecer (Promana), criado há mais de 30 anos por Dom Affonso Felippe Grégory, primeiro bispo de Imperatriz e Manoel Alves Pereira, um dos coordenadores do abrigo até hoje. Após a morte de Dom Affonso, em 2008, o Promana passou a ser mantido apenas por doações da sociedade. As pessoas colaboram com cestas básicas, roupas, remédios e com outras necessidades que as crianças têm.
Acolhida - O Promana é coordenado
Abrigo, com sistema de “pais sociais”, acolhe crianças atualmente em Imperatriz
tanto por Manoel Pereira quanto por sua esposa, Aciléa Pereira. Além deles, dois casais são contratados para morar no abrigo e cuidar das crianças. São os “pais sociais”, assim chamados por elas. Incluindo B.V., o abrigo acolhe 16 crianças. Além delas, existem filhas dos pais sociais e egressas, ou seja, crianças que já voltaram para o convívio familiar, mas continuam sendo acompanhadas pelo Promana. B. V. garante que todas as crianças do abrigo são os seus amigos. “Mas sempre me lembro do meu irmãozinho, que ainda é um bebê”. Se permanecer no abrigo, B.V. poderá morar nele até os 18 anos. Mas, as crianças só deixam o Promana quando já estão
B.V. mora no Programa de Moradia Alternativa Novo Amanhecer e supera traumas
trabalhando e têm a capacidade de morar sozinhos. Além de estudar no ensino regular, B. V. faz um curso de
leitura uma vez por semana na Casa Brasil, entidade mantida pelo governo federal.
Jornal
8
Arrocha
Ano iI. Número 6 iMPERATRIZ, setembro de 2011
coordenação Chefe de cozinha do Restaurante Popular destaca que o trabalho em equipe é essencial para garantir que tudo dê certo na difícil rotina de alimentar muitas pessoas
Sônia Mota alimenta 750 todos os dias ROSEANE CARDOSO
de açougueiros, os 130 quilos de carne são cortados por dois cozinheiros que fazem parte da equipe de dez profissionais da cozinha do Restaurante Popular. Enquanto isso, são preparados verduras e legumes para que antes das 9 horas a salada já esteja pronta. Em enormes panelas, o feijão e a carne são temperados e o arroz é cozido. Às dez horas todos os profissionais almoçam para que às 11 horas o restaurante seja aberto para o atendimento. Sônia não apenas coordena, mas também coloca a mão na massa. “Trabalhamos em equipe e nos desdobramos para realizar e demonstrar nosso trabalho”. Após o atendimento, todas as panelas são lavadas, os nutricionistas lançam o cardápio do próximo dia e o feijão é colocado de molho. Dificilmente sobra comida e quando sobra é utilizada por funcionários. De acordo com Sônia, o restaurante faz muitas doações. “Muitas pessoas chegam e não têm o valor de um real para pagar pelo prato de comida, daí a assistente social libera a doação. São cerca de 20 a 30 por dia”.
Desafios - No início, Sônia entrou De infância muito pobre, hoje mãe de três filhos e há seis anos separada do marido, Sônia comanda equipe de 10 profissionais Stepheson Souza
Você acha cansativo cozinhar para a família todos os dias? E para 750 pessoas? Essa é a rotina da chefe de cozinha do Restaurante Popular de
Imperatriz, Sônia Mota, 45 anos, que se divide entre os afazeres de casa e as obrigações do emprego. De infância muito pobre, hoje mãe de três filhos e há seis anos separada do esposo, Sônia mora no bairro
Bom Sucesso, em Imperatriz. Acorda às 5h30 da madrugada para chegar a tempo no serviço. Quase 23 quilos de feijão já foram colocados de molho no dia anterior para agilizar o preparo. Por falta
apenas como cozinheira e aos poucos foi ganhando espaço e se destacando. “Uma vez um cozinheiro colocou tudo a perder. O arroz não cozinhou e o frango ficou só a papa. Mesmo assim teve que ser servido, houve reclamações e todos nós fomos chamados a atenção”, conta Sônia. A partir desse episódio todos pas-
JOÃO DE DEUS
Antônio Andrade depende da habilidade de motorista para salvar muitas vidas Thenille Santos
Sirene tocando, luzes acesas, faróis em pisca alerta... Esta é uma das ambulâncias 192 andando nas ruas da cidade. Mas será que alguém consegue enxergar Antônio Andrade de Amorim – seu Andrade- executando sua importante função de condutor socorrista nas ruas de Imperatriz? Com 58 anos e com quase dez de serviço, Andrade é o condutor socorrista mais antigo do Sistema de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) de Imperatriz . Completando uma equipe de 17 condutores, Andrade procura dar o melhor de si a cada corrida de urgência e emergência. Como afirma o coordenador do Samu-Imperatriz, Everton Barros, a função de condutor socorrista é tão importante quanto os outros profissionais que estão dentro de uma ambulância. Para quem pensa que os socorristas são apenas motoristas com CNH categoria D se engana. Eles são submetidos a um rigoroso treinamento para também prestar socorro às vítimas. Ao ingressarem no Samu, os so-
corristas passam pelo treinamento de Suporte Básico de Vida no Pré-hospitalar, direção defensiva e estão envolvidos em constantes capacitações para aperfeiçoamento da categoria. “Gosto do que faço, nunca socorri um parente meu, só vizinhos e amigos. Cada vez que saio da central da Samu o sentimento que tenho é de que estou atendendo um parente”. Na função de condutor, Andrade precisa manter a calma e, em momentos críticos, ter sangue frio. “As pessoas me questionam como eu consigo dirigir sabendo que ali atrás de mim tem alguém entre a vida e morte”. Andrade questiona: “Se eu que estou conduzindo a ambulância não ficar calmo, quem ficará?” Todo plantão chega às 7 horas na sede da Samu, verifica o veículo e faz um check list desde o motor até a aparelhagem que existe na parte interna da ambulância. “Ficamos atentos às urgências e prontos para atender às chamadas. Todo plantão peço a Deus que nos ajude e que possamos fazer bem o nosso trabalho”. Ao longo dos anos Andrade já viu de tudo. Amigos sofrendo acidentes, parceiros que não aguentaram a pres-
saram a ter mais de uma função e Sônia a coordenar a equipe. “Ela é muito dedicada, divertida e inteligente, sabe realmente administrar a cozinha”, afirma a colega de trabalho Marli Pereira. Sônia nasceu em Castanhal no Pará e teve uma infância turbulenta. Seu pai morreu quando ela tinha três meses de idade. Morava com a mãe, os avós e mais sete irmãos e sua mãe era muito rígida, sequer a deixava brincar. “Por diversas vezes dormi fora de casa com medo de apanhar”. Na adolescência Sônia começou a fabricar bolos e tortas para vender na frente de festas no município de Ribamar Fiquene, no Maranhão. Chegou a Imperatriz com a proposta de cuidar de uma casa para pagar a dívida de uma geladeira que sua mãe havia comprado. Mas surgiram outras oportunidades. “Trabalhando como garçonete no Posto Santa Tereza foi que eu consegui matar toda a fome que eu passei quando criança”. No posto conheceu o pai dos seus três filhos, José Mota, com quem conviveu por 20 anos. Sônia passou a ser dona de casa, porém aperfeiçoou sua aptidão pela culinária com diversos cursos. Trabalhou na área por muito tempo até conseguir a vaga no Restaurante Popular. Seu objetivo é montar o próprio negócio, uma confeitaria e o grande sonho reencontrar sua irmã, que foi doada por sua avó aos dez anos de idade para um policial militar no município de Estreito. Questionada sobre a receita da vitória, Sônia revela: “É ter muita garra e força de vontade e nunca desistir da vida e de sonhar”.
“Muitos motoristas não abrem passagem. Todo plantão peço a Deus que nos ajude e que possamos fazer bem o trabalho”
são e pediram pra sair. Médicos e enfermeiros que “amarelaram” e muitas pessoas vivendo, morrendo e nascendo ao longo dessa jornada. “No começo de tudo, senti medo, insegurança. Quando algo acontecia dentro da ambulância eu procurava me concentrar na direção, mas algumas vezes era impossível, pois antes de chegar ao hospital a vítima havia morrido. E nessas horas cheguei a pensar que não tinha feito o suficiente e que poderia ter feito melhor”. São sentimentos comuns à equipe do
Samu, pois todos trabalham sincronizados. “Não tenho dificuldades no meu serviço, pois realmente faço o que posso para dar tudo certo”. Ele acredita que alguns empecilhos são inevitáveis, como o trânsito e também a falta de conscientização dos condutores. “Os motoristas não entendem que mesmo quando a ambulância está apenas com as luzes ligadas naquele momento estamos trabalhando: ou indo em direção a um local ou vindo para o hospital com uma vítima. Mui-
tos motoristas não abrem passagem para que nosso veículo passe”. Adrade deixa um alerta importante: abram sempre caminho para uma ambulância do Samu. Assim como os outros condutores socorristas, cumpre uma carga horária de 15 plantões por mês. Além dessa atividade, nos dias livres ele exerce sua primeira e permanente profissão, de marceneiro. E na sua própria oficina trabalha com seu irmão na restauração de instrumentos musicais como guitarra e violão.
Jornal
Ano iI. Número 6 iMPERATRIZ, setembro de 2011
Arrocha
9
Entrevista Professora Domingas Paixão tem propriedade para comentar sobre as principais características de uma Imperatriz que ela viu crescer e se desenvolver
“Quem ama uma cidade não vê defeitos” Domingas Paixão. Professora, pedagoga e 67 anos de idade, dos quais 37 dedicados à educação
em Imperatriz. Em entrevista ao Arrocha, a professora Domingas fala sobre elementos da cultura e
da história de Imperatriz, da sua paixão por livros e do seu amor pela literatura. Não deixa de men-
cionar a sua opinião sobre a proposta de criação do estado do Maranhão do Sul. Lembra, ainda, as
RONIE PETTERSON
Ronie Petterson Vinicius Loyola
Imperatriz já foi chamada pejorativamente de Sibéria maranhense por conta do seu isolamento. Recentemente a cidade foi palco de uma reportagem que a intitulou de “capital da pistolagem”. Essas denominações podem ser consideradas verídicas ou não? Eu começo dizendo assim: quando a gente ama não vê defeitos. Justamente por ter minhas raízes aqui eu não vejo em Imperatriz os defeitos que dizem que nós temos. Eu não considero que em relação aos crimes Imperatriz seja tudo isso que dizem. Assim que o padre Josimo morreu eu fui a São Paulo fazer uma prova. Na hora da apresentação, quando eu disse que era de Imperatriz, “meu Deus” todo mundo olhou pra mim. Ao terminar minha oração várias pessoas vieram me perguntar como tinha acontecido, quem tinha assassinado o padre, quem tinha mandado? Me perguntaram até se eu não tinha medo de morar aqui e eu disse não. Aí eu expliquei: olha, o criminoso não é de Imperatriz, o mandante não é de Imperatriz, a briga não aconteceu em Imperatriz. Outra coisa: dizem que aqui é a terra dos pistoleiros. Se alguém conhecer algum vai ver que ele não é de Imperatriz e se é daqui você pode observar que é filho de gente que veio de outro lugar. Hoje Imperatriz conta com dois campi de universidades publicas, diversas faculdades particulares que oferecem mais de 80 cursos entre presenciais e a distância, além de escolas publicas, particulares de grande qualidade. Isso sem contar com os centros que oferecem cursos profissionalizantes e técnicos. Para você Imperatriz já pode ser considerada um polo educacional? Eu considero que sim, e me alegra muito principalmente porque eu vejo que as pessoas vêm de outras cidades para estudar aqui. Eu continuo dizendo que Imperatriz cresce à revelia. Eu acompanhei boa parte das mudanças nesta área. Pra mim a escola Santa Teresinha foi o marco para que Imperatriz se tornasse o polo educacional que é hoje. No princípio de sua existência a escola funcionava como internato e abrigava jovens e moças de outras cidades como Marabá e Carolina, assim como acontece hoje, que as escolas e universidades de Imperatriz recebem vários estudantes de outras cidades próximas. Como você analisa a possibilidade da criação do estado do Maranhão do Sul, tendo Imperatriz como capital? Olha, talvez seja falta de conhecimento político meu, mas veja bem: qual é o interesse que São Luís tem em se desligar de Imperatriz? Não há nenhum interesse dos políticos maranhenses. Eu diria que nós, de Imperatriz, também
antigas lendas do rio Tocantins e explica a sua relação de amor com a cidade.
cultural forte e expressiva, ou seja, cada um chega e quer impor sua cultura não aceita a que encontra. Manifestações culturais do passado são, por exemplo, o forró pé de serra, o reisado ou folia de reis, dança do coco, o lindô e era típico daqui nós prestigiamos o drama, que hoje chamamos de teatro. Inclusive pagávamos para assistir peças teatrais. Forte ainda hoje são as festas juninas. Sua tetravó era uma índia que já morava aqui quando chegou o frei Manoel Procópio. De lá para cá você, ao longo de seus 67 anos, acompanhou ou ouviu sobre todas as transformações pelas quais passou Imperatriz. Que perspectivas futuras você espera para a cidade?
não temos tanto interesse assim. Acabamos de sair de uma eleição e eu pergunto: quantos deputados e senadores de Imperatriz foram eleitos? Você acha que os atuais ou os recentemente eleitos vão trabalhar para transformar, principalmente, Imperatriz em capital do Maranhão do Sul? Outra coisa: e se não for Imperatriz a capital do novo estado significou o que ter Maranhão do Sul? Vamos sair das mãos de São Luís e passar para as de outro. Se não for Imperatriz a capital não dá rock (risos). Mesmo quando era isolada dos grandes centros desenvolvidos no passado, Imperatriz, com muita dificuldade, já se destacava por ser uma cidade exportadora, com grande potencial para o comércio. Hoje a cidade venceu o isolamento e possui um comércio forte e que abrange cerca de 80 municípios em três estados. Para você a que se deve um comércio tão forte? O comércio de Imperatriz é uma potência e a prestação de serviço se deve ao interesse do povo. Onde se chega aqui é possível montar sua barraquinha, vender sua coisinha. As pessoas acham como se movimentar e trabalhar. Uma vez eu estive em São Luís na casa de uns parentes e saí bem cedo para um curso. Procurei e não encontrei uma banca para lanchar, fiquei com fome até a hora do almoço e com dinheiro para lanchar, mas não encontrei onde. Aqui em Imperatriz com apenas 10 reais
você, em qualquer, lugar se empanturra de comer. Isso sem falar da diversidade de coisa. Pela manhã você encontra: bolo, pamonha, cuscuz, bolo de arroz, espetinho e a famosa panelada. O setor do Mercadinho, pelo amor de Deus, ali é uma fartura de coisas. Às vezes eu vou ao Mercadinho só observar, aquele mundaréu de milho verde, tomates, abacaxis e todas as frutas que você pensar. Para mim isso é consequência primeiro da própria terra. Imperatriz é uma cidade plana e, segundo, por sua localização e acesso. Desde o início por causa do rio Tocantins ela já era uma cidade de referência para posto comercial e com a construção da rodovia BR– 010 isto se consolidou. Um dos mais graves problemas enfrentados aqui é a infraestrutura precária. Você acompanhou grande parte da explosão desenvolvimentista de Imperatriz. A infraestrutura da cidade não acompanhou seu desenvolvimento? Um dos principais agravantes de tal problema é a densidade demográfica da cidade, que cresceu muito rapidamente sem planejamento nenhum. Era assim: se a prefeitura abria rua o povo fazia casas e se não abrisse, as próprias pessoas abriam por conta própria e moravam do mesmo jeito. Por isso existe cada rua irregular por aí, é gente, gente, gente. A cidade cresceu muito rápido, os governos municipais não deram conta de abrir as ruas, fazer uma rede de esgotos
adequada, pôr rede de energia. A possível solução é ter um prefeito em Imperatriz que aja com auxilio do governo estadual e federal e arrume a rede de esgotos da cidade. Não adianta só asfaltar, é preciso ter esgoto e realizar o beneficiamento de toda a água dos esgotos das casas para que não seja toda lançada no rio Tocantins.
Sem todas estas pessoas que chegaram aqui de vários lugares do Brasil, Imperatriz ainda seria uma cidade com duas ou três ruas como era quando ainda era a vila de Santa Tereza. Então a chegada de tantas e diferentes pessoas eu analiso como algo benéfico para nossa cidade. Observe que várias pessoas que não são daqui hoje se consideram imperatrizenses. Porém, eu fico triste em saber que muitos vieram pra cá, ficaram ricos e hoje menosprezam a cidade. As perspectivas de futuro que eu espero para Imperatriz são as melhores possíveis, mesmo que a cidade não se torne a capital do Maranhão do Sul, ou a capital do estado Timbira (risos), nome da tribo da qual sou descendente. Estes dias ouvi alguém dizer que não chamarão mais o novo estado de Maranhão do Sul e sim de Timbira. Eu ficaria muito feliz se isto acontecesse, mas muito triste se Imperatriz não for a capital do novo estado, tenha ele o nome que tiver.
Imperatriz é uma cidade que agregou pessoas de diversas partes do Brasil, cada uma com seus costumes, hábitos e culturas. Como você analisa as manifestações culturais?
Você foi professora por 37 anos e é uma mulher muito inteligente e que nunca deixou de estudar. Um dia pretende escrever um livro sobre a história de Imperatriz?
As nossas manifestações culturais, as que são mais expressivas, são as religiosas. Como vocês sabem, Imperatriz cresce a partir da abertura da estrada Belém-Brasília, hoje conhecida como BR- 010. Depois disto chegaram aqui pessoas vindas dos quatro cantos do Brasil, todas com seus costumes e culturas. Tanto é que a maior e mais característica festa de Imperatriz é a de Santa Tereza, mas, até o hino que se julga ter sido de autoria de Frei Manoel Procópio estão tentando matá-lo. Há sete ou oito anos eu tenho lutado com os organizadores do evento para que o hino de Santa Tereza de autoria do frei fundador desta cidade seja novamente uma das atrações da festa. Isso é uma atitude de alguém que não é de Imperatriz, não viveu aqui, não tem raízes nesta cidade. A grande diversidade de pessoas em Imperatriz para mim é a principal causa de não termos uma manifestação
Com toda sinceridade eu já pensei nesta possibilidade, mas eu faço uma ressalva: se um dia eu escrever sobre Imperatriz eu vou contar a história desta cidade a partir do que eu vi, do que eu presenciei aqui. Pretendo contar minhas experiências, as histórias que meus pais contavam. Meu convívio com minha avó materna foi muito grande e ela me contava muitas histórias e lendas, inclusive sobre o rio Tocantins. A lenda do boto, do cobrão ou cobra dourada. Uma história muito interessante é a do moleque que aprontou várias traquinagens e saltou no rio e lá do meio deu banana de mão para as pessoas. No outro dia os pés de melancia estavam todos cortados e ele nunca mais foi visto. Mas, isso tudo são relatos não há nada comprovado, nenhuma fotografia. É assim e o rio Tocantins como todos os rios brasileiros e alguns do mundo possuem várias histórias.
Jornal
10
Arrocha
Ano Ii. Número 6 iMPERATRIZ, setembro de 2011
mudanças Barcos que eram a remo hoje têm motor e coletes salva-vidas. A comida pode ser esquentada em pequenos fogões a gás. Mas as velhas lendas não mudaram
Pedro Lima vive evolução dos pescadores
WABNER FIGUEIREDO
Com 58 anos e 26 de ofício de pescador, Pedro faz parte da Associação de Pescadores de Imperatriz e, apesar de seu pai não ter exercido essa profissão, o fato de sempre morar perto do rio Tocantins foi determinante Nonato Pereira
Adeptos de uma profissão antiga, sujeitos à chuva, sol, ventos fortes e correntezas, os pescadores têm muito que contar. Se a comida antes era esquentada em uma fogueira no interior do barco, hoje fogão e gás facilitam a preparação. Se os barcos eram à base de remo, atualmente quase todos são motorizados e têm até coletes salva-vidas. Imperatrizense de nascimento, de 58 anos e 26 de ofício, o pescador Pedro Lima da Silva reside em uma casa bem humilde no Parque do Buriti. O cenário ali é de muitos bares e casas, tudo muito simples, feito de madeira.
Pai de quatro filhos, todos maiores de idade e que não moram mais com ele, é muito reservado, de respostas curtas. Sua esposa e mãe dos seus filhos é falecida. Hoje ele vive com outra mulher. Pedro faz parte da Associação de Pescadores de Imperatriz. Sempre morou próximo ao rio e talvez isso o tenha levado a ser pescador, apesar de seu pai não ter sido. A conversa se deu na porta da casa e logo no início apareceram os amigos de pescaria. Pedro hoje tem uma embarcação motorizada. Bem melhor que antes, quando usava canoa a remo e tudo era muito cansativo. Pescam sempre em grupo e ficam até seis dias distantes. Partem em uma
embarcação maior e levam sempre outra menor para colocar os materiais de pescaria. Às vezes rio acima, outras rio abaixo, veem muitos povoados nascerem e outros deixarem de existir. Nas suas viagens pelo rio Tocantins encontram outros barcos, acampam, fazem barracas de pau cobertas de plástico e armam redes para dormir. Levam fogão a gás e vasilhas para preparar a comida. Para pescar, sempre usam redes. Mas, na pescaria também são utilizados o tambor - que é uma garrafa de refrigerante e uma linha amarrada com um anzol na ponta, colocado no meio do rio - a tarrafa e o anzol. Pedro diz que já pescou um peixe de 1,80 metro e 80 quilos.
Eldo da Silva, ex-preso, quer mais respeito Douglas Aguiar
“O mundo, hoje, tem muita discriminação com alguém que já foi preso”. A declaração é de Eldo da Silva Oliveira, 33 anos. Ele já foi dependente químico, roubou e foi preso muitas vezes. Hoje, encara esses fatos como pertencentes a uma vida passada. Mas confessa que não é fácil se inserir no mercado de trabalho. “Quando eles olham sua ficha e veem que você já passou por uma penitenciária, inventam uma desculpa, pedem pra voltar depois ou dizem que não há vagas”. Movido pela curiosidade e pela influência de algumas pessoas, com 16 anos Eldo experimentou o seu primeiro entorpecente: o clorofórmio. Eldo ficou um pouco alucinado, mas com o tempo a droga foi deixando de fazer efeito. Começou então a usar maconha, mas a sensação também foi deixando de ser a mesma. Passou, então, para a cola de sapateiro. Chegou certo ponto em que não havia mais droga forte. “Eu
fumava a maconha, cheirava a cola e bebia o álcool”. Seu organismo começou a ser destruído. Sem vontade de se alimentar, passou dias andando pelas ruas sem voltar em casa. “Depois iniciou a ‘febre’ do crack. Quando comecei a usá-lo, a desgraça aumentou mais ainda”. Preso uma média de dez vezes, era impulsionado a praticar crimes dos mais diversos para sustentar o vício. “Era a maneira mais fácil de conseguir dinheiro pra comprar minhas drogas”.
Recuperação - As inúmeras prisões, a dependência química e as vezes em que foi “linchado” pela população o levaram a refletir melhor sobre o que estava fazendo com sua vida. Sua família começou a rejeitá-lo, pois não suportava mais aquela realidade e tanto sofrimento. Para abandonar esse estilo de vida, Eldo passou um ano e meio em um centro de recuperação. “Decidi mesmo sair dessa vida quando o cerco apertou de uma maneira que já não conseguia me
mexer. Comecei a ser ameaçado de morte. Então decidi parar, ou alguém me parava”. Ele afirma que só consegue abandonar os vícios e práticas do passado quem toma uma decisão pessoal. Acolhido pelo projeto Cristo Liberta da Igreja Batista Nova Aliança, diz que a intimidade com Deus também o tem ajudado. “Hoje eu dou meu testemunho na penitenciária, em escolas, praças, e igrejas. E isso tem feito jovens mudarem. Tomarem uma decisão na vida”. Ele aceita qualquer tipo de trabalho, seja como ajudante de pedreiro, pintor ou limpador de esgoto. “Eu não quero mais é ser ajudante de traficante, de ladrão. Quero estar é trabalhando, ganhando meu dinheiro com meu próprio suor”. Vivendo uma nova rotina de trabalho e atividades da igreja, Eldo sente-se feliz, principalmente por ter recuperado a relação com sua família. “Sempre vou visitá-los. Hoje, eles são quem pedem meu conselho”.
“Antes o peixe era mais farto”. Ele acredita que hoje as pessoas estão mais conscientes sobre a preservação dos rios e das florestas, já que há muitas comunidades e empresas que plantam árvores às margens do rio. Na própria Associação de Pescadores há aulas de reflorestamento e de preservação. Na época da Piracema, que vai de novembro a fevereiro, só é permitido pescar cinco quilos e um peixe que pode ser de qualquer tamanho. Pedro defende que este período é mal programado, pois a pesca é liberada ainda na desova dos peixes. Durante esse tempo eles recebem o seguro de um salário
mínimo mensal. São Pedro é o padroeiro dos pescadores e é comemorado na mesma festa de Santa Tereza Dávila. Pescador sempre tem uma história para contar, algo que só eles acreditam. Relatou que o amigo Garrafinha já brigou com um boto. “O bicho agarrou a canoa, segurou e freou. Mesmo sendo motorizada, foi uma luta prá soltar”. O outro, conhecido como o Rei da Maravilha, disse: “O amigo Maguila tava pescando binhi na beira do rio, quando tacou o anzol aqui ó...! Viu um peixe passando, o nome dele é fiote. Ele é grande, dá na base de uns 150 quilos. Aí saíram tudo correndo!”.
Raimundo defende o bairro Wallikson Barros
“A maioria dos líderes não resolve os problemas da comunidade, só os seus próprios”. A opinião polêmica é de Raimundo José, mais conhecido como “Pipoca”. Aos 48 anos, ele orienta e organiza a comunidade da Vila Cafeteira com relação aos seus direitos e deveres. Função que não considera nada fácil, mas gratificante. Nascido em Campo Maior no Piauí, saiu de sua terra natal em 1985. Mora em Imperatriz há mais de 25 anos e há 15 se tornou líder comunitário. “Fazemos um trabalho social em nosso bairro e nos circunvizinhos. As campanhas são feitas em prol da comunidade”. “Pipoca” argumenta que a maioria dos lideres comunitários de hoje não trabalham mais com amor à comunidade. Ele conta que é muito difícil organizar reuniões, pois as pessoas não têm tempo. Mesmo assim, garante que quando vê algo que está prejudicando a comunidade, como algum buraco na rua, procura os órgãos responsáveis e
reivindica. Quando sua reclamação não é atendida, procura a imprensa para que todas as pessoas tomem conhecimento e principalmente para mostrar aos governantes a situação do bairro. Ele reclama muito dos nossos maiores líderes na política, pois não participam das audiências que ocorrem na Câmara Municipal. “O governo do nosso estado não dá apoio nenhum para a nossa comunidade. Nós temos um grande problema que é das nossas ruas. Quando a chuva chega, ninguém consegue sair de casa por causa da lama escorregadia”. Raimundo acredita que o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) não está sendo cumprido a contento. “O governo federal deveria trazer alguém para ver a real situação do grande problema do bairro”. Mesmo assim, tem muita satisfação em ser um líder comunitário. “É muito bom, porque ajuda as pessoas. O líder comunitário é o que vai correr atrás das soluções. Não tenho pretensão em ser político, mas o que importa é ajudar”.
Jornal
Ano Ii. Número 6 iMPERATRIZ, setembro de 2011
Arrocha
11
dedicação Logo no início de sua carreira a professora descobriu que a docência seria parte integrante de sua vida, embora seja uma profissão muitas vezes desvalorizada DEIJEANE MORAIS
Ana Célia comprova papel social de ser professora Deijeane Morais
Não foi difícil reconhecer e admirar tamanha simpatia e espontaneidade na expressão da professora ao longo de duas horas. Ela não deixou dúvidas da sua satisfação em atuar, há 23 anos, na educação pública de Imperatriz. Envolvida por relevantes lembranças, Ana Célia Almeida Silva e Silva, 41 anos, recapitulou que, quando adolescente, não sentia de sua família “aquele incentivo” à busca pelo sonho da profissão. “Eu me pergunto: por que não via ‘aquele sonho’ de ser uma professora, uma secretária?” Confessou que cumpria a sequência escolar por fazer. Mas, no decorrer das fases da vida, com apoio de seu marido, continuou estudando. Embora casada e mãe, tal continuação foi o meio pelo qual Ana começou a “sentir o gosto” da concretização do sonho. “Surgiu uma oportunidade na Escola Municipal
Ipiranga, em 1988”. Com um ano de construída, a escola se viu necessitada de formar mais turmas, porém não tinha professor, então, a professora foi. “Eu tava estudando ainda, no 1º ano do Magistério. Na minha mente, não tinha noção que realmente eu seria professora”. Os três primeiros meses trabalhando ali fizeram Ana Célia abrir os olhos e perceber, efetivamente, a docência como parte integrante de sua vida. “A partir daquele momento, tive outra dimensão daquilo, por saber que aquelas crianças estavam ali, por saber da confiança dos familiares em ver você exercendo uma função tão importante. Então, eu fui”. Manhãs e tardes, livros e diários, crianças tímidas e travessas. Uma realidade que fez a professora Ana assegurar: “Valeu a pena, como valeu!” A partir de então, sua vida tornouse prova contínua de uma genuína valorização à Educação. Formou-se em Pedagogia pela Universidade Regional
do Cariri e pós graduou-se em História e Geografia, enfrentando dificuldades, com persistência e otimismo.
Função Social - Exercendo uma profissão ora reconhecida, ora desvalorizada, para a professora Ana foi fácil admitir que há certa dificuldade em atuar na educação. Contudo, essas dificuldades não foram empecilhos para que ela, por diversas vezes, cumprisse o papel social que um educador possui. Assim, interveio diretamente na vida de seus alunos. “Por que você tá chorando”? Ana fez esta pergunta a uma aluna de 11 anos que chorava muito na hora do recreio. Descobriu que a menina estava triste porque vivia sob a tutela de um homem qualquer, já que a mãe entregou-a para ele em negociações medíocres. “Eu não podia aceitar uma coisa dessa”. Então, com a ajuda de um mototaxista, ela conseguiu levar a menina para a casa da mãe. Por esse e outros episódios, ela
“Durante minha vida plantei amor. Ensinar me faz aprender. Quem planta, colhe”
acrescenta: “Quem planta, colhe. E durante minha vida, plantei muito amor. Ensinar me faz aprender. Afinal, é com o ser humano que lidamos. E assim
levo a vida, tirando a lagrimazinha que caiu do olho de um, levando alegria em um recreio do outro e acreditando que querendo, podemos alcançar, sim”.
Thiago de Sousa, o “Cacheado”, roda o Brasil e tem ruas por moradia Carla Kassis
Em meio ao trânsito confuso e um vai e vem de pessoas eles são quase invisíveis. Mas, basta selecionar um pouco mais o olhar para vêlos. Os moradores de rua sentam-se à beira das calçadas. Andam por entre becos e pelas grandes ruas da cidade. Ao cair da tarde, algumas praças de Imperatriz tornam-se abrigos. Os bancos, o seu local de descanso. Com um prato de comida em mãos em meio ao sol forte das 14 horas, conheço Thiago Sousa, 20 anos, o “Cacheado”. Short e camiseta gastos. Seu boné esbranquiçado pelo tempo co-
bre o que um dia lhe deu seu apelido. O cabelo já não tem mais o seu black power. Sem cerimônias, ele se apresenta, com um sorriso castigado pela falta de cuidados. Há sete meses na cidade, Cacheado deixou em Pirassununga (SP), sua casa, mãe, pai e o trauma que lhe fez ir para as ruas. “Depois que meu irmão morreu, eu fiquei desgostoso com a vida, não quis mais morar lá e um dia resolvi ir embora de casa. Saí pelo mundo pegando estrada”. Apesar da pouca idade, seu roteiro de viagens e caronas tem sido intenso. De São Paulo cortou o Brasil até chegar a Macapá. Depois de meses seguiu para Belém, Araguaína e agora
sobrevive olhando carros e fazendo serviços de limpeza em lanches da Praça Brasil. Com ele, apenas uma mochila e algumas roupas. Para tomar banho usa o banheiro da lanchonete. Dorme por entre os cantos da praça ou em qualquer lugar que considere “seguro”. “A vida na rua é muito difícil, andar por aí pegando carona não é fácil, mas se você quer viver assim, tem que se arriscar. Com o tempo a gente vai perdendo o medo”. Nesta vida de andarilho já presenciou de tudo. Conhece gente boa, má, além de muitos usuários de drogas. E, para sobreviver entre eles, sem ter que se envol-
ver a ponto de se prejudicar, usa suas estratégias. “Eu não tenho passagens pela polícia. Mas, eu sei quem comete muitas coisas ruins por aqui. Sou alvo fácil, porque moro na rua. Já fui pressionado para entregar muita gente. Só que a única coisa que eu sei dizer é que eu não vi nada e não sei de nada”.
Saudade – Quando pode liga para os pais. A saudade é inevitável, uma conversa aqui e outra ali faz com que ele se sinta melhor. Sua família, assim como a grande maioria, não gosta desse seu modo de viver. Sente medo. “Sinto falta dos meus pais,
isso é normal. Sei que eles se preocupam comigo, mas, eu não quero morar lá.” Em cada trabalho que faz, guarda uns trocados e conta com a ajuda de colegas da igreja que frequenta para voltar a São Paulo. Cacheado vai embora da praça com seu prato vazio. Segue à procura de mais carros e espera conseguir dinheiro para jantar mais tarde. Apesar da incerteza que paira sobre sua vida, não tem nada do que reclamar. “Durmo e acordo todos os dias. Faço minhas refeições. Vejo minha família quando posso, essa é a vida que eu escolhi viver, mesmo que seja assim, morando na rua”. CARLA KASSIS
Os moradores de rua são quase “invisíveis” mesmo para quem passa perto deles. Ao cair da tarde, algumas praças de Imperatriz tornam-se abrigos e os bancos, seu único local para descanso após tanto perambular
Jornal
12
Arrocha
Ano Ii. Número 6 iMPERATRIZ, setembro de 2011
tradição Maria Francisca Pereira trouxe a dança do Lindô de Caxias e, apesar de lutar contra um câncer de mama, lidera o grupo Batalhão Real, mantendo viva a dança THALYTA DIAS
Francisca do Lindô toca pra todos dançarem Lindô. “Meu véi, no dia 1º de abril, no Dia da Mentira eu vou completar ano, e vou fazer o Lindô para o povo dançar! Como? Se o povo não conhece? Quem não sabe aprende!”. Francisca comenta que toda a vizinhança foi convidada para a sua festa. No início, apenas quatro pessoas a acompanharam na dança, mas depois todos estavam envolvidos pelo ritmo. “Dentro da geladeira eu tinha dois ‘carotinhos’ de botar água, derramei a água e começei cantando e batendo o ‘carotinho’, desde esse dia, nunca mais se acabou”, lembra, sorrindo. Apesar do câncer de mama que Francisca do Lindô enfrenta, ela consegue liderar o grupo Batalhão Real, criado no dia 1º de abril de 1984, ocasião de seu aniversário.
“Vou sempre fazer o Lindô para o povo dançar. Se eu morrer ainda vai ter o CD. O povo não conhece? Quem não sabe, aprende!” Thalyta Dias
Mãe, avó e bisavó, aos 66 anos, Maria Francisca Pereira da Silva dedica-se a manter viva a tradição das danças do Lindô e da Mangaba em Imperatriz. Ela trouxe as dan-
ças de Caxias do Maranhão, cidade em que viveu toda a sua infância. Seus pais contavam que a dança do Lindô apareceu em Caxias no ano de 1722, divulgada por dois rapazes vindos de Portugal. Moradora de Imperatriz desde 1978 e uma das
fundadoras do bairro Santa Inês, Francisca do Lindô, assim conhecida pela a comunidade, apresentou a dança à cidade pela primeira vez em seu aniversário de 40 anos. Ela conta que chegou a comentar com o seu esposo sobre a apresentação do
Memória - Há 26 anos o grupo Batalhão divulga a dança do Lindô e da Mangaba. Os ensaios acontecem no fundo do quintal da líder. Hoje, com 32 membros, incluindo crianças, jovens e adultos, o grupo faz suas apresentações nos locais onde é convidado. “Nas festas juninas ou em qualquer tempo que o pessoal convida a gente se apresenta”. Os passos do Lindô têm seme-
lhança com os da quadrilha da festa junina. Já os da Mangaba são executados com quatro pessoas, sendo que os homens passam um pelo outro. “Quem dança mais é o homem, que fica rodando”. A dança do Lindô é apenas acompanhada pelo o som de sua voz e pelo tambor. O acompanhamento da Mangaba é feito por meio de percussão e o seu ritmo contagiante agita os dançarinos. A dança tem origem africana e foi trazida por moradores do Piauí para o Vale do Mearim, no Maranhão. Tanto no Lindô quanto na Mangaba, as mulheres vestem saias rodadas e floridas e os homens, camisas e calças coloridas. Em 2004, com o apoio da prefeitura de Imperatriz, Francisca do Lindô gravou um CD com músicas de autoria própria. Sem condições de divulgar seu trabalho, ela mesma começou a vendê-lo em casa ou nos locais de apresentações do Batalhão Real. Desde a sua infância Francisca se dedica à dança do Lindô e da Mangaba. Ela comenta que em ‘vida’ irá manter o seu trabalho e mesmo quando morrer as danças poderão ser lembradas por meio do registro fonográfico. “Se eu morrer pelo menos tem o CD”.
Sebastião Dantas mantém a família unida em seu armazém do Mercadinho NILZETH ALVES Nilzeth Alves
Em 1970, uma família composta por cinco membros desembarcou em João Lisboa para recomeçar suas vidas. Eles vieram fugindo da seca que assolava Mirador, pequeno município localizado no interior do estado do Maranhão. A viagem durou quatro longos dias em cima de um caminhão pau de arara, nome dado ao transporte usado pelos retirantes nordestinos. O relato é de Sebastião Dantas de Sousa, 49 anos, que era criança quando esse fato ocorreu. Aliar trabalho e determinação foi a receita que a família Sousa utilizou para vencer a pobreza. Aos 81 anos, Silvino Dias de Sousa, pai de Sebastião, possui aproximadamente 300 cabeças de gado e 25 alqueires de terra. Mas a maior herança que ele pode dar aos seus filhos é o valor do trabalho. O garoto se inspirou no exemplo do pai. De segunda a sábado, Sebastião, os três filhos e a esposa trabalham juntos em uma banca localizada no centro do Mercadinho. Há 21 anos está no mesmo local, onde vende raízes, remédios naturais, temperos e artigos avulsos como quibano, cofo, lamparina, entre outros. Quando a situação financeira melhorou um pouco, o
Sebastião, os três filhos e a esposa trabalham juntos em banca que vende raízes, remédios naturais, temperos e artigos avulsos
comerciante comprou outro ponto por 12 mil cruzeiros na época e, assim, ampliou o negócio.
Visitantes - Estudantes da Uni-
versidade Estadual do Maranhão (Uema) e de escolas secundárias vão à barraca constantemente. “Eles vêm saber algumas coisas mais sobre as ervas. Às vezes a
gente passa uma hora ocupado com eles”, comenta, orgulhoso. Mas há também outros visitantes não tão ilustres assim. São os agentes da vigilância sanitária,
que fazem inspeções periódicas no local. “A vigilância implica com os remédios naturais. Perguntam tudo, o nome da fábrica e de onde vêm”. A experiência e a curiosidade garantem o sucesso das vendas do comerciante. Ele se “especializa” usando um livro de pesquisa sobre os benefícios das raízes e não perde as reportagens que abordam o assunto. Ao ser questionado sobre o efeito dos medicamentos, declara sem hesitação: “Uso e me dou bem. Não ando em farmácia”. Um dos casos mais graves de que se recorda é o de uma amiga que deixou São Paulo desenganada pelos médicos. O câncer estava generalizado. Então, ela veio até a barraca dele e comprou dois litros de leite de macaúba. Após 90 dias recebeu um novo diagnóstico: estava curada. “Ela só sente dor hoje se cair”, comemora. Sebastião revela que tem recebido algumas propostas em um de seus pontos. A última foi de 40 mil reais. Mas ele segue firme no propósito de continuar com o negócio. Afinal de contas, quem diria que aquele menino pobre do sertão teria um dia condições para pagar colégio particular para os três filhos? Ou possuir duas motos, casa própria, um prédio de dois andares e uma chácara?