Arrocha saude

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DEZEMBRO DE 2013. ANO IV. NÚMERO 24

DISTRIBUIÇÃO GRATUITA - VENDA PROIBIDA

Arrocha

JORNAL-LABORATÓRIO DO CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL/JORNALISMO DA UFMA, CAMPUS DE IMPERATRIZ

RICARDO KADETT

Saúde Pública


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ANO IV. NÚMERO 24 IMPERATRIZ, DEZEMBRO DE 2013

CHARGE

REPORTAGENS - RADIOGRAFIA

NATALIA CATHERINE

O leitor que já conhece o estilo do jornal Arrocha sabe que os estudantes de Jornalismo envolvidos na sua produção são estimulados a conviver com os personagens e “mergulhar” nos ambientes onde acontecem os fatos relatados. Não foi diferente a orientação dos professores para esta edição do Arrocha, que trata do importante tema Saúde Pública em Imperatriz. No entanto, é preciso relatar que durante a produção desta edição, muitos acadêmicos e futuros repórteres relataram dificuldades múltiplas para terem livro acesso aos locais de atendimento de saúde. Além de solicitar ofícios detalhados ou quererem ler a reportagem antes de publicada, em alguns casos gestores que deveriam permitir o livre trabalho da im-

prensa prejudicaram o andamento das reportagens, impedindo, inclusive, o contato direto dos futuros jornalistas com suas fontes. Mesmo assim, os acadêmicos foram intrépidos e superaram todas essas barreiras, convencendo os responsáveis sobre a importância desta edição. O resultado está nas suas mãos. Um jornal no qual o leitor se sente dentro dos ambientes retratados, conversando lado a lado com os pacientes e entendendo seus dramas e esperanças. Boa leitura. Arrocha: É uma expressão típica da região tocantina e também é um ritmo musical do Nordeste Significa algo próximo ao popular desembucha. Mas lembra também “a rocha”, algo inabalável como o propósito ético desta publicação.

Ensaio Fotográfico NATALIA CATHERINE

ADAYLMA ROCHA

DIEGO SOUSA

DANIELA SOUZA

LINEKER COSTA

EXPEDIENTE

Jornal Arrocha. Ano IV. Número 24. Dezembro de 2013 Publicação laboratorial interdisciplinar do Curso de Comunicação Social/Jornalismo da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). As informações aqui contidas não representam a opinião da universidade. Reitor - Prof. Dr. Natalino Salgado Filho | Diretor do Campus de Imperatriz - Prof. Dr. Marcos Fábio Belo Matos | Coordenadora do Curso de Jornalismo - Profa. M. Marcelli Alves da Silva.

Professores: M. Alexandre Maciel (Jornalismo Impresso), M. Marco Antônio Gehlen (Programação Visual), M. Marcus Túlio Lavarda (Fotojornalismo). Adriano Ferreira, especialista em Lingua Portuguesa e Literatura (Revisão). Reportagem: Adaylma Rocha, Ananda Portilho, Angra Nascimento, Beatriz Karine, Brenda Herênio, Daniela Souza, Diego Sousa, Isabel Delice, Laís Ferreira, Lawson Almeida, Lanna Luiza, Leticia Sekitani, Lineker Costa, Raônni Veloso, Rhaysa Novakoski, Samia Mulky, Silvanete Gomes e Vanessa De Paula.

Diagramação: Aleilton dos Santos Silva, Ana Lourdes Sousa Pereira, Arnoldo Araujo dos Reis, Caroline Duarte Nepomuceno Marinho, Dina Marcia Marinho Giannotti, Dioned de Araujo Campos, Edmara Silva da Silva, Guilherme Miranda Silva, Irisvania Pinheiro da Silva, Jaysa Karla Silva Gomes, John Erik Sousa Silva, Kelver Pereira Padilha, Leiliane de Araujo dos Santos, Leonan Alves de Sousa Moraes, Lorrane Maria Clemente de Araujo Alvarenga, Lucas Jhonata Andrade da Silva, Luis Fernando França da Cunha, Marcos Tand Ferreira da Silva Gomes, Margaret Valente Pereira, Maria do Socorro Oliveira Pereira, Monica Dias Monteiro da Silva, Romulo da Silva Costa e Stephanne Rufino Menezes

Fotografia: Adaylma Rocha, Ananda Portilho, Angra Nascimento, Beatriz Karine, Brenda Herênio, Daniela Souza, Diego Sousa, Isabel Delice, Laís Ferreira, Lawson Almeida, Lanna Luiza, Leticia Sekitani, Lineker Costa, Natalia Catherine, Raônni Veloso, Rhaysa Novakoski, Samia Mulky, Silvanete Gomes e Vanessa De Paula. Contatos: Estagiários: Sararuth Andrade Chagas Abreu, Tayã Santana da Silva e Valdiane Costa de Santana

www.imperatriznoticias.com.br | Fone: (99) 3221-7625 Email: contato@imperatriznoticias.com.br


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SAÚDE Maranhão é o estado brasileiro com o menor número de médicos do país. A proporção é de 0,71 profissional para cada mil habitantes, aponta pesquisa da Veja

Alta demanda dificulta atendimentos no HMI ANANDA PORTILHO

Saul Raychtock verificando documentos como diretor interino do Hospital Municipal de Imperatriz, antes de iniciar a rotina como médico BRENDA HERÊNIO

Passos rápidos e múltiplos. Uma pressa que só se vê naquele lugar. O tempo parece ser um eterno vilão para aqueles que lutam a favor da vida. É assim todos os dias no Hospital Municipal de Imperatriz (HMI), que atende, além da cidade, outros municípios vizinhos do Pará, Maranhão e Tocantins, em média um milhão e meio de pessoas por ano. É nessa corrida pela vida que o médico Saul Raychtock, 59 anos, natural do Rio de Janeiro, começou a trabalhar no Socorrão desde 2001. Nossa equipe chega às 7h30, alguns minutos mais cedo para acompanhar a rotina de Saul, que rigorosamente, às 8 horas, adentra o hospital pela entrada principal. Cabelos brancos, postura já meio encurvada pela idade, e olhar cabisbaixo. Ali começa mais um dia de

plantão no maior hospital do sul do Estado. O diretor do hospital, o médico Alisson Mota Aguiar, tinha viajado um dia antes e por causa disso, Saul assumiu a gestão. Assim, o primeiro lugar visitado pelo médico é a sala da diretoria e depois disso ele começa de fato sua rotina médica. Às 8h15 da manhã sobe as largas rampas revestidas de material antiderrapante de cor preta do hospital e segue sentido às enfermarias. A primeira a ser visitada é a de número 440. “Bom dia! Como você está?” é a pergunta que Saul repete inúmeras vezes durante a primeira visita do dia em todos os quartos. Maria Silva, acompanhante do seu marido que foi internado porque sofreu um acidente há duas semanas, responde: “Tudo bem, só minha cabeça que dói, doutor”. Saul, com tom de brincadeira e um sorriso no rosto, res-

ponde: “A minha também! Não sei o que eu faço”. Em todas as enfermarias cada paciente leva seu próprio ventilador, já que os instalados não funcionam. O calor é forte em plena manhã e Saul começa a transpirar durante as visitas. Com tanto tempo de trabalho no hospital e conhecendo como ninguém as calamidades daquele lugar, o médico carrega um lenço azul no bolso esquerdo da sua camisa e passa na sua testa para limpar o suor em pequenos intervalos de tempo. “É um trabalho duro. Só fica aqui durante muito tempo quem realmente ama”. Segundo dados levantados há dois anos pela revista Veja, o Maranhão é o estado brasileiro com o menor número de médicos do país, a proporção é de 1 profissional para cada 1.400 habitantes. Lá fora, ainda na entrada do

hospital e dentro de uma ambulância com a porta entreaberta, está Edimar Silva, 71 anos, morador de Barra do Corda. Edimar faz tratamento de hemodiálise há cinco meses, e em todas as sessões ele é levado para o HMI pela ambulância do município onde mora. Bem articulado com as palavras, pele negra e olhar distante, ele diz o que acha a respeito do atendimento do hospital. “O atendimento aqui é pouco, pouca gente pra atender. Na verdade eu acho que é ‘descanso’ dos médicos”. Quem também está todos os dias lá na emergência, no térreo do prédio do hospital, é Mônica Louza, 26 anos, coordenadora de Enfermagem do pronto socorro. “Bom dia, querido!”, é assim que cumprimenta todos os técnicos e enfermeiros que vê pelos corredores até chegar à sua sala. Morena, alta e com um jeito bastante simpático, Mônica trabalha no HMI há apenas um ano. Para ela, o problema do Socorrão não é falta de médicos, tampouco de enfermeiros, e sim a desorganização das cidades circunvizinhas em relação à saúde. Conta que há alguns dias, durante o atendimento na sala das poltronas, perguntou quem era de Imperatriz e dos dez pacientes nenhum era da cidade. “O que acontece é que, como eles confiam que

“É um trabalho duro. Só fica aqui durante muito tempo quem realmente ama”, afirma o médico Saul Raychtock aqui tem um hospital que os recebe, tudo eles jogam pra cá”. E acrescenta: “Os outros municípios dificultam a vinda da verba pro HMI, alegando que não tem como fazer, aí Imperatriz gasta o que tem e o que não tem pra poder receber os de fora”. De acordo com a direção do Hospital Municipal de Imperatriz, mais de 15 mil atendimentos são realizados por mês na unidade. Cerca de 60% dos pacientes vêm de outras

cidades do Maranhão, Pará e Tocantins, alguns para realização de procedimentos básicos. Segundo a prefeitura de Imperatriz, um levantamento feito pela administração da unidade de saúde mostrou que 70% dos pacientes são de outros municípios. Mônica também afirma que não há restrição de entrada no hospital, nem por questões regionais (regiões não pactuadas) ou de identificação (cartão do SUS ou qualquer documento pessoal). “A urgência não pode restringir nada, se a pessoa não souber nem o nome, ela entra. E a gente preenche até como desconhecido, faz a ficha porque o paciente tem que ter, não há restrição”.

Ministro - Coincidentemente, naquela ocasião em que a equipe de reportagem acompanhou um pouco da rotina do médico Saul e da correria do pronto socorro, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, estava em Imperatriz. A princípio ele iria fazer a inauguração da unidade móvel de prevenção ao câncer, e depois visitaria o HMI. Logo de manhã, às 9 horas, Padilha estava fazendo um pronunciamento em cima de um palanque montado em frente à prefeitura. Estavam lá também o Secretário de Saúde do Estado, Ricardo Murad, o de Infraestrutura, Luis Fernando Silva, e o presidente da Fundação Vale, Murilo Ferreira. No hospital, a imprensa já estava esperando pela visita dele. Depois de algumas horas aguardando, ficamos sabendo que Padilha teria outros compromissos durante a tarde. “Ele vai pra São Paulo agora”, afirma a coordenadora de enfermagem com um tom de voz decepcionado. Em poucas horas, a oportunidade de ter o ministro da saúde nos corredores do Socorrão desapareceu. A grande autoridade nacional no que diz respeito à saúde, esteve em Imperatriz e não visitou o maior hospital público da região. A visita foi trocada pelo palanque. E a saúde, mais uma vez, foi trocada pela política. No Hospital Municipal de Imperatriz continua, infelizmente, tudo igual, com ou sem Padilha na cidade.

Apenas um hospital em Imperatriz oferece tratamento contra o câncer RAONNI VELOSO

Apartamento amplo, camas, vários aparelhos, remédios, muitos enfermeiros e médicos entrando e saindo quase que a todo minuto. Esse é o cenário da ala de oncologia do Hospital São Rafael, o único de Imperatriz a oferecer tratamento contra o câncer por meio do Serviço Único de Saúde (SUS). As três camas estão ocupadas por pacientes com diferentes tipos de câncer. Todos acompanhados por algum familiar, sempre na poltrona ao lado prontamente a ajudar. Lauriete, 25 anos, bastante debilitada, conta com a ajuda da sua irmã, Cida, para se comunicar. Ela descobriu um câncer na faringe há seis meses. A irmã conta que o tipo de

câncer de Lauriete é muito raro. “Pra idade dela esse tipo de cancer é praticamente impossível de acontecer”. Com lágrimas nos olhos, balançando a cabeça, ela confirma que acredita ir em breve pra casa, e voltar ao hospital apenas para as sessões de quimioterapia. O secretário de Saúde do Estado, Ricardo Murad, conta que o custo mensal para manter a ala de oncologia é de mais de R$ 600 mil. São feitas aproximadamente 120 internações e mais de quatro mil procedimentos ambulatoriais. Zilma também é paciente, desenvolveu câncer no útero e faz tratamento há dois anos. Alegre ao lado da filha, ela fala com entusiasmo que está quase finalizando as quimioterapias. E conta, muito confiante, que busca na fé as forças para vencer a doença. “Eu acredito que Deus está

no controle e que não vou morrer”. A filha confirma, ao passar a mão levemente sobre os cabelos curtos da sua mãe. Do outro lado da ala, Maria de Nazaré 68 anos, solta gargalhadas que soam por todo o apartamento. Ela explica passando a mão nos cabelos, que já os perdeu três vezes por causa do tratamento, e afirma, com orgulho, que dessa vez estão nascendo lisos. Maria e sua filha Teresa moram em Itinga, mas precisam vir para Imperatriz por causa do tratamento. Francisco Soares é enfermeiro e fala sobre o clima agradável dos apartamentos. “Apesar das dificuldades, todos são alegres e confiantes”. A convivência gera muitas amizades, os pacientes e familiares se apegam bastante uns aos outros, e isso faz com que o hospital se torne uma segunda casa.

LAWSON ALMEIDA

Paciente recebe cuidados na ala de tratamento contra o câncer no Hospital São Rafael


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SUS Na realidade das imperatrizenses que buscam o auxílio do Sistema Único de Saúde para se precaverem, opiniões sobre a qualidade do atendimento são divergentes

Mulheres buscam prevenção e tratamento ISABEL DELICE

Corredores lotados com mulheres de todas as idades. Umas com o intuito de fazer o primeiro exame, outras lutando contra doenças ou mesmo detectando-as. Essa é a realidade das mulheres imperatrizenses que buscam o Sistema Único de Saúde (SUS) como ferramenta de prevenção e tratamento para o seu bem estar. É uma manhã de terça-feira, dia de atendimento. O posto de saúde encontra-se superlotado, como de costume. Por acaso, sentada a espera da sua vez, encontro uma mulher de 18 anos indo pela primeira vez fazer um exame ginecológico. Converso informalmente e em seguida combino uma entrevista. Chego à casa de Raylane Pereira Silva, por volta de 15 horas de uma quarta-feira. Hoje ela é mãe de uma criança de um ano e nove meses, e somente agora decidiu ir ao ginecologista. “Nunca tinha ido por desinteresse mesmo, preguiça”, conta. A consulta foi realizada em um posto de saúde da cidade, o do bairro Três Poderes, para onde foi encaminhada. “Apesar de ter demorado três dias para ser marcada, fui atendida muito bem. Assim que entrei na sala a enfermeira foi simpática, me acalmou e explicou tudo direitinho. Ela sabia que era a minha primeira vez”. Para a coordenadora do Programa Saúde da Mulher, a médica Graça Dantas, “a porta de entrada são os postos de saúde dos bairros”. Em Imperatriz, o projeto teve início

em 2001, porém, é uma política nacional existente desde a década de 1980. “Esta casa está abençoada”. É o que encontro em outro extremo da cidade. A frase localiza-se na porta de entrada da casa de Maria de Jesus Borges, 46 anos. Ao som do radialista Mano Santana, Maria me conta que há um ano descobriu um nódulo no seio e há sete meses fez a cirurgia para retirar uma das mamas. “Tive que pagar pra tirar, não podia esperar”. Mas, todo o tratamento feito após a cirurgia foi por conta do SUS. “Os serviços prestam sim, tudo foi ótimo pra mim”, garante. De acordo com dados do Hospital São Rafael, que possui credenciamento com o Estado, o último levantamento concluído no ano de 2010, detectou 104 casos de pessoas com câncer de mama, dentre esses, dois em homens. O administrador do hospital, José Valmir Oliveira, diz que no ano de 2011 o número de casos aumentou cerca de 20%. Como a maioria das mulheres, Maria, antes da doença, nunca havia feito um exame clínico. “Eu só realizava o autoexame, nunca procurei um médico para fazer a mamografia”. No meio desse percurso do tratamento, ela resolveu casar-se novamente. Depois de 19 anos sem marido, decidiu juntar as “escovas de dente”, como ela mesma diz, com o atual companheiro. “Umas amigas do trabalho arrumaram tudo para que nos conhecêssemos. Conversamos por algum tempo e agora já estamos morando juntos”.

RHAYSA NOVAKOSKI

Em contrapartida, no mesmo dia em que conheço Raylane, uma senhora, que não quis revelar seu nome, estava na fila de espera para receber exames feitos há mais de três meses, e por desespero acabou desabafando. “Negócio de graça não presta. Só presta a gente pagando”. A falta de informações dos responsáveis pelos postos de saúde gera reclamação por parte das pacientes. Faltam senhas de atendimento e direcionamentos para as mulheres de primeira consulta que colaborariam para o melhor atendimento.

Encaminhamento - Para chegar ao posto onde os profissionais especializados da área atendem, cada paciente deve passar pelo clínico geral do seu bairro. Tanto Maria de Jesus quanto Raylane traçaram esse caminho. Elas foram encaminhadas de seu posto para um que é referência na cidade em tratamento de saúde da mulher. “O posto dos Três Poderes é o mais equipado, tanto em aparelhos como também em profissionais”, garante Graça Dantas. “Ginecologistas, cirurgiões, mastologistas, farmacêuticos e nutricionistas, fazem parte do nosso quadro”. Sem um seio, Maria sente sua autoestima prejudicada. Seu companheiro recente diz não se sentir incomodado, mas ela tem planos para reconstituir a parte retirada. “Só vou colocar a prótese ano que vem. Não posso fazer o procedimento antes da radioterapia”, conta ela sobre os planos futuros.

Sem um seio, Maria sente sua autoestima prejudicada e planeja reconstituir a parte retirada

Homens brasileiros passaram a se cuidar melhor nas últimas décadas DIEGO SOUSA DIEGO SOUSA

No corredor da clínica de urologia, a poucos minutos de fazer o primeiro exame de próstata, Jorge tenta disfarçar a ansiedade e o nervosismo. São 10 da manhã, e desde cedo, o operário de 58 anos rói as unhas, folheia revistas e até conta piadas, mas pouca gente ri. Quando o médico anuncia: “próximo!”, o coração acelera e ele se dirige não somente ao interior do consultório, mas também para a estatística de milhares de homens brasileiros que nas últimas décadas passaram a se cuidar melhor. “A coragem de Jorge Barbosa Gomes prova que o preconceito na hora de fazer o exame de toque tem se desmistificado, pois além de ser um exame de rotina, vem diminuindo bastante o número de pacientes com câncer de próstata”, argumenta o urologista Waldir Lage. Ele conta que a maior demanda no consultório de urologia é relacionada à próstata. Em seguida, vem o cálculo renal, as doenças sexualmente transmissíveis, infecções urinárias e a varicocele (doença que acomete os testículos). Esta última pode até ocasionar impactos na fertilidade do paciente. O coordenador de Saúde do Homem, Felipe Hans, afirma que a Secretaria Municipal de Saúde con-

repende por não ter feito os exames de prevenção. A mulher de Elias tenta contar as doenças que já foram diagnosticadas no marido: “No começo, ele tinha só pressão alta. Depois veio a diabetes e essa doença da próstata. Outro dia o médico falou que ele também tinha fibrose. E eu lembro

“Hoje, temos nove médicos urologistas que fazem todo o atendimento necessário”

A maior demanda dos pacientes no consultório de urologia está relacionada à próstata

templa quase mil consultas mensais. “Hoje, temos nove médicos urologistas que fazem todo o atendimento necessário. Os pacientes são agendados e atendidos no ambulatório de especialidades do bairro Três Poderes”. Felipe diz que o gasto com as doenças crônicas é muito alto e a curva de envelhecimento para os próximos anos é significativa, por isso é importante a prevenção. Elias Ramos de Sousa, 75 anos,

acaba de dar entrada no Hospital Municipal de Imperatriz pela nona vez. Aposentado e pai de sete filhos, ele conta que vem sofrendo muito por causa da falta de médico especializado, além do sistema de atendimento precário. “Preciso ser operado logo, mas não tem médico. Além disso, eles não me deixam ficar internado por mais de sete dias. Eu temo morrer a qualquer hora nesse Socorrão”. Com a sonda para urinar presa ao corpo, o aposentado se ar-

que ele deu AVC uma vez”. Ela relata que a família vem sofrendo muito devido ao estado em que ele se encontra. “A boca do Elias é dizer que não vai durar muito tempo e quer ser enterrado junto com a mãe dele. Nós já vimos ele combinando isso com um irmão, escondidinho. Pensa que a gente não percebeu ainda. Minha neta vive chorando, pois é muito apegada a ele. Até aulas ela vem perdendo no colégio. Eu nem sei mais o que fazer”. Novembro Azul - Enquanto Jorge saía do interior do consultório, chegava Nilson a procura do urologista

Waldir Laje. Seu objetivo é conseguir mais patrocínios para uma caravana sobre o movimento Novembro Azul. “Estamos planejando uma grande mobilização. Já falamos com o pessoal da Secretaria Municipal de Saúde e várias outras entidades. A caravana será feita quatro vezes antes do fim deste mês. E vamos contar com bonecos, bandeiras e rapazes de patins carregando faixas”. O Novembro Azul é uma campanha de conscientização realizada em diversos países. Seu objetivo é tratar a importância da prevenção e do diagnóstico precoce do câncer de próstata e outras doenças masculinas. O movimento surgiu na Austrália em 2003, aproveitando as comemorações do Dia Mundial de Combate ao Câncer de Próstata e Dia Internacional do Homem (17 e 19 de novembro, respectivamente). Em Imperatriz, foi realizada no dia 7 do mês de novembro uma audiência pública com o objetivo de mostrar aos homens o quanto é importante fazer o teste que diagnostica o câncer de próstata. Para a presidente da Comissão de Saúde da Câmara Municipal, vereadora Terezinha Soares, cada vez mais os homens estão procurando se cuidar, pois são motivados pelas esposas, pelas informações do rádio e televisão, e pela própria necessidade.


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ROTINA Pessoas com insuficiência renal fazem o tratamento em média três vezes por semana, enquanto aguardam por um transplante de rim na rede pública

Hemodiálise, o filtro que mantém vidas SAMIA MULKY LETÍCIA SEKITANI

O cheiro de éter e a brancura das paredes são característicos de qualquer clínica. Mas nesse ambiente, as poltronas de atendimento estão encostadas em máquinas e tubos específicos. A clínica de nefrologia, localizada no centro de Imperatriz, atende, por mês, 174 pessoas da cidade e localidades vizinhas que fazem hemodiálise. Fábio tem 19 anos. Ele é sorridente, franzino e conversador. Viaja três vezes por semana da cidade de Sítio Novo para Imperatriz, desde 2009. O translado é facilitado por auxílios de transportes da prefeitura. A hemodiálise é um tratamento feito em pessoas com insuficiência renal, que consiste na remoção do líquido e substâncias tóxicas do sangue, funcionando como um rim artificial. Ao ver a equipe de reportagem entrando na sala, Fábio logo abriu um sorriso. “Foi fácil achar aqui?”. O lugar estava cheio de pessoas em tratamento. Ele parece não se importar em passar quatro horas por dia, três vezes por semana, sentado em uma poltrona azul, ligado a uma máquina que filtra todo seu sangue. Seu pai o presenteou com um notebook para que pudesse se entreter nessas horas. “Você tem Facebook? Digita aqui seu nome pra eu te achar”. O pai de Fábio, José de Sousa Andrade, desconfiou que houvesse algo errado quando seu filho completou 14 anos. Ele não acompanhava o crescimento dos garotos da sua faixa etária. “Os meninos da idade dele estavam todos cres-

pera por um rim. “Pessoas idosas, com HIV, câncer, que tomam medicamentos imunossupressores (que reduzem a ação do sistema imunológico), entre outros, não podem entrar na fila de espera por causa do risco cirúrgico”. Com 27 anos e cinco de hemodiálise, José Wilson de Almeida é de Açailândia. Os sintomas iniciais foram dormência e inchaço nas pernas. Ele procurou o médico e foi informado que era necessário iniciar o tratamento. Como Fábio, José vem três vezes por semana. “Rapaz, eu não desisti mesmo por causa da minha mãe e dos meus dois filhos”. Com semblante triste, ele diz nunca ter se acostumado com o tratamento. “Tem semanas que venho porque é o jeito, mas não gosto. Venho arrastado. Fico agoniado”.

Estatísticas- Segundo dados do Fábio fazendo o tratamento de hemodiálise na clinica de nefrologia no centro de Imperatriz, ao mesmo tempo que se diverte no computador

cendo e ele continuava pequeno, pálido e amarelo. Aí eu pensei: esse menino tem algum problema”. Depois de ir para Balsas, Teresina e São Luís, descobriram que Fábio precisava fazer hemodiálise. “A primeira vez a gente acha estranho, colocam um cateter no pescoço e a gente não pode dormir com o lado do cateter pra baixo, mas depois que vai para o braço a gente acaba acostumando”, conta Fábio. Um emaranhado de tubos conduzem o sangue quente para dentro do filtro, e depois de filtrado, o sangue volta para as veias de Fábio novamente. “Não podemos chegar

aqui com mais de três quilos de líquido. Olha ali, (mostra no visor da máquina) hoje cheguei com 1,9kg. Nem bebi muita água ontem”. Quando questionado sobre as privações do tratamento. ele diz: “Ah, eu queria trabalhar, mas nesse braço (aponta para o braço esquerdo que está com dois tubos condutores de sangue) eu posso pegar no máximo dois quilos. Assim, não dá pra trabalhar, mas é só isso que não posso fazer”. Ele parou de estudar em 2008, mas voltou agora em 2013 para a escola. Suas aulas são às terças e quintas, dias em que não se desloca até Imperatriz.

O enfermeiro André Sales conta que não há fila de espera para esse tipo de tratamento. “Graças a Deus as clínicas da cidade agora conseguem suprir a demanda de pacientes e eles têm maior expectativa de vida. Tem paciente que faz o tratamento há mais dez anos porque o serviço é de qualidade”. O governo federal paga as sessões de diálise (filtragem) que no sistema particular custaria R$ 1,2 mil cada. “Esse tratamento é muito caro, todos os equipamentos são importados”, afirma André. Sobre os transplantes, ele diz que existem pessoas que não podem entrar na fila de es-

site do Ministério da Saúde, em 2013 foram investidos R$ 81,3 milhões para a habilitação de Unidades de Terapia Intensiva e procedimentos de hemodiálise. Foram 21 estados contemplados. No Maranhão, o município de Coroatá recebeu novos leitos e equipamentos para a realização dos procedimentos. A hemodiálise e a diálise fazem com que o paciente sinta-se melhor, mas não cura as disfunções do órgão. José é o terceiro da fila para o transplante que está previsto para acontecer em novembro, em Imperatriz. A recuperação é uma das esperanças para ele. “Eu só espero que não seja adiada”. O transplante está marcado para o dia 26.

Faltam doadores de sangue na segunda maior cidade do Estado SILVANETE GOMES ANGRA NASCIMENTO

Apesar de o Hemocentro possuir uma média de 1,1 mil doadores por mês, equivalente a 55 doações por dia, é pouco para a demanda. “Com a proximidade das festas de final de ano, aumenta a necessidade de doações”, explica a coordenadora do laboratório da unidade, a médica Vera Lívia Siqueira. Ela acrescenta, ainda, que o principal fator para demanda por sangue são os acidentes de trânsito. Responsável pelo abastecimento de sangue dos hospitais públicos e privados de Imperatriz, além de 13 regionais, o Hemomar precisa de doadores. Atualmente, a entidade está com estoque do tipo O- em situação emergencial. Faltam, também, neste final de 2013, doadores do tipo AB-. Nessa situação, encontramos Adenilton Doia do Nascimento, 26 anos, vítima de um acidente entre duas motos, fato que aconteceu no povoado Calumbi, a seis quilômetros da cidade de Arame. Ele fraturou a perna esquerda, perdeu muito sangue e precisou de quatro bolsas do tipo O- para fazer a transfusão. No Hospital Municipal (Socorrão), enfermaria 40, leito 28, Adenilton é uma das nove pessoas

internadas. Destas, sete sofreram acidentes de moto. Ainda confuso, em decorrência de uma forte pancada na cabeça, o jovem aceita participar da reportagem e responde a todas as perguntas. Acompanhado da mãe, Maria Leide, e da esposa, Adriana, Adenilton conta que não sabe ao certo o que aconteceu. “Eu não me lembro do acidente, foi tudo muito rápido”. Ele olha para a mãe e pergunta: “Eu fiz uma cirurgia?” Maria Leide, que desde o acidente não deixa o hospital, responde: “Foi, meu filho, mas vai ficar tudo bem. Ele ficou assim

“Com a proximidade das festas de fim de ano, aumenta a necessidade de doações”

“Já tivemos que cancelar cirurgias por falta de sangue, principalmente quando o tipo é O-”.

Cirurgias – Conforme relatório fornecido pelo setor de transfusão, somente no mês de agosto de 2013, foram recebidas do banco de sangue 687 bolsas que foram distribuídas para várias emergências. Ao todo, aconteceram, no mesmo mês, 163 cirurgias que precisaram de transfusão sanguínea. A coordenadora do laboratório do Hemomar, a médica Vera Lívia, explica que cirurgias mais complexas só são realizadas com a garantia de, no mínimo, seis bolsas de sangue. “Uma cirurgia cardíaca, por exemplo, só pode ser realizada depois de ser feita a doação de no mínimo, seis bolsas”, afirma, lembrando que, até um parto normal, pode precisar de transfusão sanguínea. Embora o Hemonúcleo possua mais de mil doadores mensais, ainda é pouco para a demanda

Doadores – A doação é um prodepois do acidente”, explica a mãe, enquanto acaricia os cabelos do filho. De acordo com a técnica de laboratório da Unidade de Transfusão de Sangue do Socorrão, Arienilma Barbosa, os estoques não são suficientes para atender à demanda.

cedimento simples e pode ser feito voluntariamente em qualquer banco de sangue. Para ser doador, é preciso realizar cadastro no hemocentro, além de se submeter a uma triagem clínica. Antes da coleta, o doador passa por uma entrevista que tem como objetivo dar mais segurança tanto para quem doa

quanto para quem recebe. Só podem ser doadores, pessoas que estão em boas condições de saúde e têm entre 18 e 60 anos. Menores com 16 ou 17 anos, apenas mediante consentimento formal do responsável.

Nunca doar – Pessoas com diagnóstico positivo de HIV, hepatite,

sífilis e doença de Chagas, usuários de droga e aqueles que tiveram relacionamento sexual com múltiplos parceiros nos últimos 12 meses também não podem doar.

Serviço - Em Imperatriz, o banco de sangue fica localizado na rua Coriolano Milhomem, Centro. Telefone: (99) 3525-2737.


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POSTOS Ministério da Saúde exige que a prefeitura preste contas dos gastos na saúde pública. A última atualização do município de Imperatriz foi em 2003

Falta de investimento na saúde gera transtornos DANIELA SOUZA

Filas grandes na frente dos postos de saúde mostram o descaso na saúde pública de Imperatriz. Muitos chegaram às 4h da manhã para conseguir uma consulta. Essa é a primeira etapa de outras que estão por vir DANIELA SOUZA

É uma terça-feira de novembro, 4h da manhã e enquanto muitos imperatrizenses dormem, pessoas se aglomeram formando uma fila em frente ao Centro de Saúde Dr. Milton Lopes, localizado no bairro Bacuri. Com caras de sono, sentadas e cabisbaixas, elas permanecem no local até o nascer do sol. Aos poucos, aqueles que moram nas proximidades e em bairros adjacentes chegam ao posto em busca de uma consulta médica. Duas horas e meia depois, cerca de 40 pessoas já se encontram na fila. Muitas delas irão para casa sem conseguir um atendimento, porque somente 35 fichas serão distribuídas para consulta com o clínico geral, sendo que 17

delas são exclusivamente para a fila de idosos. E as fichas que sobram não podem ser distribuídas aos demais. O portão é aberto às 7h da manhã, com a chegada do coordenador da Unidade de Saúde. As fichas são distribuídas e mais de 20 pessoas ficam sem receber. Elas devem esperar a próxima semana para tentar novamente, o que gera um burburinho e causa irritação em algumas delas. A cidade de Imperatriz possui 32 Unidades Básicas de Saúde. De acordo com a assessora técnica do departamento de Atenção Básica e Saúde, Ana Márcia Coelho, todos os postos funcionam diariamente. As consultas com médicos especialistas se concentram na Unidade de Saúde dos Três Poderes e são marcadas a partir do dia 20 de

cada mês. Em meio a conversas e choros de crianças está Aline Nascimento, moradora do bairro da Caema. Há um ano ela espera um tratamento de hérnia para filha. Ela reclama da demora em se conseguir uma consulta e do fato de ter que ir a vários lugares até chegar ao especialista. “É cansativo e a gente fica sem esperança de melhorar a saúde”. Direito à saúde – A Constituição Federal de 1988 garante que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e outros agravos”. É assegurado ainda, acesso universal e igualitário aos serviços de saúde, que são financiados pelos impostos que a população paga.

Em outro posto de saúde da Vila Planalto II, que recebe também moradores da Vila São José e Santa Rita, semanalmente, 150 fichas são distribuídas para marcação de consultas. Segundo o coordenador do posto, Carlito Romão, essas fichas são divididas para serem entregues nas segundas, quintas e sextas-feiras, durante o dia. E acrescenta que o posto tem uma médica e duas enfermeiras que atendem diariamente a população pela manhã e tarde. O Ministério da Saúde exige que todos os municípios prestem contas dos recursos destinados à saúde pública. A última prestação de contas de Imperatriz é de 2003, quando foram gastos R$ 444 mil com as Unidades Básicas de Saúde do município. A cidade

tem cerca de 250 mil e dados do Ministério da Saúde apontam que cerca de 60% dessa população é atendida pelas Unidades Básicas de Saúde distribuídas no município. Josefa Rodrigues, 61 anos, é uma das primeiras pessoas da fila neste dia. Ela conta que esse posto é sempre cheio. “Tem é pouca gente hoje, porque nesse posto costuma vim gente de todos os bairros”. Nessa Unidade de Saúde dois médicos atendem diariamente. Iniciam-se as marcações de consultas, e, esperançosas, as pessoas comentam que o programa “Mais médicos” vai beneficiar o posto. Frases como “espero que melhore com a chegada dos novos médicos” são ditas pelos que aguardam atendimento.

UPA, uma recente saída para os enfermos

LINEKER COSTA

LANNA LUIZA O abre e fecha da porta sinaliza a todo momento a chegada de mais um doente. Em plena tarde de domingo, a sala de espera da Unidade de Pronto Atendimento (UPA), encontra-se lotada, evidenciando que não existe nem hora e nem dia para adoecer. O ambiente asséptico, com um agradável cheiro de lavanda deixa o clima mais brando. Os funcionários da limpeza que se encontram ali no momento, exercem, além de suas funções, a generosidade de encaminhar os pacientes que chegam ao local enfermos e sem saber o que fazer. É assim que Fátima Moraes, auxiliar de limpeza desde 2011 na unidade, recebe Alzira Sobral, uma idosa de 77 anos, que chega ao local com a pressão alta e dificuldade de respirar devido a gripe. A forma acolhedora com que Alzira é recebida dá a sensação de rapidez no atendimento. Com passos lentos e expressão facial apreensiva, Alzira se direciona à sala onde é realizada a primeira etapa do atendimento. Na UPA o paciente passa por uma classifi-

cação de risco, realizada por dois técnicos de enfermagem na área de acolhimento. E como nos semáforos, o grau de risco é enquadrado de acordo com as seguintes cores: verde, para pacientes com lesões leves e baixo nível de risco; amarelo para os de urgência, que por não estarem em situação de perigo iminente podem esperar atendimento em até uma hora e vermelho para os de emergência com alto risco de morte. Alzira é atendida e encaminhada para segunda etapa: o cadastramento. Classificada com a cor amarela, ela segue para sala de coleta de dados, onde é avaliada por uma enfermeira e posteriormente por um clínico geral que a examina e a encaminha para sala de nebulização. Em média, a UPA atende 250 pacientes diariamente. De acordo com o diretor clínico Alexsandro Freitas, a unidade de Imperatriz é de porte II, funciona 24 horas, nos sete dias da semana com dois clínicos geral, dois pediatras e um intensivista (profissional responsável pela ala vermelha da UPA). “A Política Nacional de Urgência e Emergência e o sistema de classificação

Alzira Sobral recebendo os primeiros atendimentos durante a triagem na UPA, para a classificação do encaminhamento para atendimento médico

de risco contribuem para diminuir as filas nos prontos-socorros dos hospitais e dinamizam o trabalho na saúde”, ressalta o diretor.

Aparentemente cansada, Alzira sai da sala de nebulização com um leve sorriso e mostra a satisfação no atendimento. “Estou me sentindo

melhor, o pior já passou, mas ainda vou ficar em observação. A minha pressão continua alta”, comenta, com a voz trêmula e ofegante.


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ACOMPANHAMENTO De acordo com o Sindicato dos Agentes Comunitários de Saúde, Imperatriz necessita de 245 profissionais a mais para atender a demanda da população

Agentes exercem funções de outros cargos RAÔNNI VELOSO

Maria das Graças recebe a agente comunitária de saúde, Sílvia Maria, em sua residência LAWSON ALMEIDA

Todos os dias eles fazem a mesma tarefa. Chegam ao posto de saúde, pegam o material necessário e seguem para visitar as residências da sua área. O trabalho do Agente Comunitário de Saúde (ACS) envolve uma relação entre o profissional e as famílias, mas eles acabam cumprindo outras funções que não são do seu ofício.

A agente de saúde da Estratégia de Saúde da Família (ESF) I - Nova Imperatriz, Sílvia Maria Oliveira, está na profissão há 14 anos. Apesar da sobrecarga de serviço ela demonstra satisfação com a profissão e conta como entrou na carreira. “Eu fazia um trabalho na igreja católica de visitas as famílias, então me identifiquei bastante”. O ACS é o primeiro suporte na

área da saúde pública, com o dever de informar, buscar orientação e encaminhar os casos para os postos de atendimento quando necessário. Cada agente tem sua área demarcada. Em média, são 150 residências que devem receber pelo menos uma visita ao mês. Todo dia eles precisam visitar pelo menos dez lares, o que nem sempre é possível. “Às vezes a pessoa que nos atende fica tão feliz com a nossa presença que a gente acaba demorando mais e reduzindo o número de visitas”, relata Sílvia. Acompanhamos Sílvia em uma de suas visitas. O Ministério da Saúde criou um novo cadastro, com perguntas mais específicas e por isso ela avisa que vai levar mais tempo. Quando chega à residência, bate à porta e Maria das Graças Seles a recebe com um sorriso. “E é tu Sílvia?”. Ela responde e pergunta se tem cachorro. Maria convida para entrar. Sílvia pega a ficha de cadastro e pede os cartões do SUS e RGs dos moradores da casa. Maria das Graças é hipertensa, mora com sua mãe que já é de idade avançada e dois sobrinhos. Um deles teve hepatite C e foi diagnosticado no posto de saúde. Sílvia preenche o cadastro entrevistando Maria, que não para de andar de um lado para o outro enquanto procura o cartão do sobrinho. Quando encontra, ela finalmente senta e conversa com Sílvia. O agente tem muita coisa para preencher e precisa fazer o cadastro da residência, perguntando, entre outras questões, sobre telefone, esgoto,

coleta de lixo, animais e número de pessoas da residência. Depois faz o cadastro individual de cada morador, preenchendo o salário, ocupação, grupo religioso, deficiência e opção sexual. Além das perguntas: “Como está a saúde?”, “Está tomando o remédio direitinho?”, “Precisa de consulta?”. O profissional ACS precisa morar dentro da sua área destinada para visitas, como forma de acompanhar melhor a comunidade. Durante a conversa entre Sílvia e Maria percebemos a confiança que a agente passa para a família. Maria relata que faz bastante tempo que Sílvia é sua ACS e que gosta do trabalho que ela faz. “A minha agente é maravilhosa, sempre que preciso, ela me ajuda. Quando preciso de consulta ela me dá a ficha, não tenho o que reclamar”. Maria Aparecida, também tem 14 anos na profissão e trabalha no ESF II – Nova Imperatriz. Antes, ela ajudava a mãe, que foi agente e por isso resolveu fazer o seletivo. Quando perguntada sobre a função do agente ela responde. “Toda coisa somos nós que fazemos. Fazemos papel de técnico de enfermagem, fazemos triagem para o doutor e até cartão do SUS, que é função do assistente administrativo que não existe”. Segundo o presidente do Sindicato dos Agentes Comunitários de Saúde da Regional de Imperatriz Maranhão (Sacsrima), Valdemir Alves, a cidade possui 335 agentes para atender os 38 postos de saúde . De acordo

com as suas estimativas, Imperatriz comportaria 580 agentes, número necessário para atender a demanda. Ele conta que desde 2009 o sindicato busca soluções nos órgãos públicos, nas conferências de saúde e nas reuniões com os representantes municipais, mas não foi atendido. “Já fizemos tudo o que podíamos fazer em relação aos governantes, só falta acionar o Ministério Público”. O último seletivo para preenchimento de vagas ocorreu em 2003. A cidade está há dez anos sem a entrada de ACS, sendo que muitos saíram do cargo e as vagas ficaram vazias. A Secretaria Municipal de Saúde (Semus) alega que faltam investimentos para a criação de ESF, pois para contratar agentes comunitários, é preciso montar uma equipe com médicos, enfermeiros e agente bucal.

Sacsrima - O sindicato foi criado em 2006, ano da implantação no Brasil, da Lei n° 11.350 que regulamenta a profissão, com a missão de lutar pelos direitos na cidade e região. “Antes do sindicato, o agente recebia apenas um salário mínimo. Hoje, ganhamos o respeito, recebemos por insalubridade, negociação de salário anual e defendemos o direito do ACS”. As reuniões acontecem de três em três meses e advertem os agentes quanto à sua função. “A nossa política é de acabar com a sobrecarga de trabalho. Tem muito agente que faz porque se deixa levar, não é sua função”, conta Alves.

Projeto do governo federal leva equipe médica aos lares das famílias ADAYLMA ROCHA

É dia de visita médica nos lares. A equipe de Estratégia Saúde da Família (ESF), do Posto de Saúde da Vila Lobão, espreme-se no carro da médica Maria Elenice Pinheiro para iniciar as visitas. O projeto do governo federal tem apoio da prefeitura municipal de Imperatriz e leva saúde na casa de pessoas sem acesso aos centros médicos. Na manhã de uma terça-feira o grupo sai para desenvolver suas atividades no bairro. Composto por uma médica, uma enfermeira, uma técnica de enfermagem e quatro agentes de saúde que trabalham previamente, selecionando as famílias que precisam das visitas. Durante o acompanhamento, a função dos agentes é orientar a equipe sobre as casas que devem receber a atenção básica. Na primeira residência somos bem recebidos por Edilene Alves, 47 anos. Ela nos acompanha diretamente ao quarto de sua mãe, Joana Oliveira, 80 anos, que sofreu um Acidente Vascular Cerebral (AVC). Joana também precisou passar por uma cirurgia no fêmur, e durante sua internação no hospital, a gravidade da fratura, somada à alta temperatura e ao colchão inadequado resultaram em uma escara (ferida). A técnica de enfermagem mede a pressão da paciente, ao mesmo tempo em que a médica pergunta

sobre a alimentação de Joana. Edilene responde a todas as perguntas e ouve atentamente as indicações. Apesar da dificuldade de Edilene para cuidar de sua mãe, ela demonstra carinho e exibe a ferida quase cicatrizada para médica. “Olha, doutora já está sarando”. Segundo a Secretaria Municipal de Saúde (Semus), em Imperatriz atuam 42 equipes de ESF, que são distribuídas nos 38 postos de saúde da cidade de acordo com a demanda. Os pacientes atendidos pela ESF são selecionados pelos agentes de saúde, que ao fazerem suas visitas anotam e marcam o atendimento médico em casa. O critério de seleção observado pelos agentes é a dificuldade de locomoção do doente. “Geralmente são pacientes acamados”, esclarece a enfermeira Monik Suelly. A visita médica em casa é semelhante ao atendimento no posto. Na segunda casa visitada, a neta de Maria Max de Sousa convida todos para entrarem. Maria, 60 anos, está sentada no sofá. Sofre de diabetes e pressão alta e, por conta disso, toma muitos medicamentos. Todos seus remédios são guardados em um organizador porta-trecos de três gavetas, decoradas com etiquetas que estão escritas manhã, tarde e noite. A médica pergunta: “Como a senhora está tomando os medicamentos dona Maria? Está tomando direitinho?”.

Maria responde: “Estou sim”. E aponta para o organizador de remédios, mostrando que estão todos separados por horário. A técnica de enfermagem mede a pressão de Maria e logo depois monitora o teor de glicemia no sangue. A aposentada olha para Elenice, mostra suas pernas e fala: “Olha, doutora, minhas pernas estão inchadas”. Então, ela responde:

“Tem que levantar elas, vou te receitar mais um remédio aqui para desinchar mais rápido. Meu Deus! Chega me dá dó passar mais um remédio”. Numa manhã a equipe passa, em média, por cinco residências. A visita dura cerca de 20 minutos, é rápida, mas tempo suficiente para prescrever receitas para exames e para os medicamentos de trata-

mento dos pacientes.

Programa - A ESF teve início no Brasil em 1994 e foi um programa proposto pelo governo federal aos municípios. A assistência ao paciente é educativa e permanente, priorizando as necessidades básicas de saúde. “O acompanhamento a esse paciente é para sempre”, conta Monik Suelly. LAÍS FERREIRA

A filha de Maria Max mostra o organizador “porta-trecos” com remédios durante a visita da equipe de Estratégia de Saúde da Família, em sua residência


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DOAÇÃO O Banco de Leite Humano funciona como um setor do Hospital Regional Materno de Imperatriz. Apesar das doações, ainda falta leite para atender a demanda

Mães solidárias que doam leite materno VANESSA DE PAULA BEATRIZ MACHADO

São 8h30 e elas já estão na sala de coleta do Banco de Leite Humano (BLH). Com toucas brancas no cabelo e máscaras descartáveis no rosto, massageiam suas mamas. As “mãezinhas”, como são carinhosamente chamadas pela equipe do Hospital Regional Materno de Imperatriz (HRMI), dão início à retirada de leite para seus filhos e para outros recém-nascidos. O BLH é um centro de incentivo ao aleitamento materno e funciona dentro do hospital como um setor específico. Dentre as doadoras cadastradas no banco, 32 são externas ao hospital. As internas retiram leite para seus bebês e algumas doam para outras crianças. São internas porque seus filhos estão na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI). Poliana da Silva, 21 anos, é uma das doadoras internas. Está no hospital há nove dias, porque seu filho, Sávio, nasceu prematuro, com apenas seis meses. Eles são de Ulianópolis, no estado Pará e vieram para Imperatriz porque lá não tem UTI. Ela nos conta que para ele sair de lá, precisa alcançar um quilo e 700 gramas. Sávio pesa um quilo e 500 gramas. A partir do leite e dos cuidados hospitalares recebidos, ele está lutando para sair. “É muito importante retirarmos nosso leite, pois, além de alimentarmos nossos filhos e outros bebês que precisam, nosso peito não empedra”, diz Poliana ao retirar leite. Sávio precisa de 19 mililitros a cada mamada. Ela dispõe de muito, durante nossa conversa en-

Depois de estímulos nas mamas, Poliana da Silva dá início à retirada de leite que, além de alimentar seu bebê, ajuda outras crianças da UTI

che um copo descartável enquanto as outras mães a elogiam. Falta - Apesar do esforço das poucas, mas fiéis mulheres que doam, o BLH necessita de mais leite. Segundo a coordenadora e nutricionista do banco, Jaisane Lobato, cada bebê necessita de uma quantidade específica de mililitro de leite a cada mamada. Então, elas fazem a soma da dose que cada bebê internado na unidade precisa e multipli-

cam por oito, que é o número de mamadas diárias. Ela explica que o leite retirado pelas mães não é suficiente nem para atender à necessidade da UTI, muito menos para os pedidos de famílias que adotam e querem alimentar as crianças com leite materno. “Nós já tivemos dias de necessitarmos de dez litros de leite para 24 horas e só termos dois litros disponíveis. Agora temos até uma quantidade maior, mais ainda é baixa”.

A nutricionista comenta, ainda, que quando o leite não é suficiente para todos os bebês, eles têm que selecionar os que já estão mais recuperados. “É de cortar o coração você ter que escolher que bebê vai tomar leite materno, e qual o leite industrializado. Por mais que esse leite seja enriquecido, não é a mesma coisa”. A questão estética é um dos motivos que impedem o ato de amor. A nutricionista diz que muitas mães

não querem doar, ou até mesmo amamentar o filho até os seis meses, com medo de que seus seios fiquem flácidos. Porém, esse fator pode ocorrer com qualquer mulher em idade mais avançada, o importante é a saúde. Ao amamentar, o risco de ter câncer de mama e ovário diminui consideravelmente, inclusive ajudando a emagrecer. Além disso, o bebê é mais saudável e o vínculo entre mãe e filho é estabelecido por meio do ato de “dar o peito”. Amor - A técnica em Enfermagem, Aldeíde Carvalho, 34 anos, trabalha no HRMI há sete. Ela diz que seu bebê, Fernando, hoje com oito meses, ficou internado na UTI. Ele não precisou receber leite de outra pessoa. Aldeíde fez questão de doar para outras crianças e se sente feliz por ter ajudado de alguma forma. Ela trabalha no BLH informando às mães que estão doando, a outras que chegam ao hospital com dúvidas sobre a amamentação e no controle do leite coletado. “O leite coletado passa por uma série de cuidados para que fique livre de impurezas e bactérias que podem prejudicar o bebê”, observa, ao analisar amostras no acedímetro, aparelho que verifica a acidez do leite. Doar leite é como doar sangue, só que é um “sangue branco”. Salvar a vida de um bebê é algo extremamente gratificante e Aldeíde se orgulha de fazer parte da equipe do BLH. “Eu amo o que faço. Nos outros setores o cliente vem em busca de atendimento. No nosso caso, nós vamos atrás das doadoras, chamando e perguntando se querem doar”, conta, com brilho nos olhos.

Histórias de pessoas que vencem a luta diária contra a diabetes BEATRIZ MACHADO VANESSA DE PAULA

Maria Elza Rodrigues, 50 anos, é dona de um restaurante no Entroncamento, que além de local de trabalho é também sua casa. Ela tem diabetes há 23 anos, que começou durante a gestação (diabetes gestacional). Pode acontecer quando os hormônios da gravidez impedem que a insulina cumpra sua função. Quando isso ocorre, os níveis de glicose podem aumentar no sangue da gestante. “Cadê a dona daqui?”, pergunta uma senhora ao entrar na casa com um gatinho amarelo nos braços, enrolado em um pano, como se fosse um bebê. “Trouxe esse gato”. Sentada no sofá, Elza pega o animal. “Olha que bonitinho... Mas é grande. Ele não vai ficar, vai fugir”. Ela não adota o gato com medo dele escapar e depois ela sofrer com a perda. Elza não pode ficar nervosa senão a diabetes aumenta e os gatos a acalmam. O seu felino de estimação é branco e se chama Thor. “Mas sempre quis ter um gatinho amarelo”. Elza não segue a dieta recomendada. Sua maior dificuldade é ser dona de restaurante. “Eu termino de servir as pessoas e quando dou fé, já tô comendo arroz”. Pessoas com diabetes devem evi-

tar os açúcares presentes nos doces e carboidratos, como massas e pães. Ela mostra um ferimento que tem no dedo há um ano e meio. “Se eu tivesse a dieta certa, já tinha sarado meu pé”. Elza toma remédio todo dia, dois de manhã e dois à noite, para diminuir a taxa de glicose no sangue e melhorar a circulação. Esses medicamentos ela recebe gratuitamente nos postos de saúde. Com os olhos cheios de lágrimas ela fica em silêncio por um tempo. “Para de chorar, mãe”, diz sua filha ao abraçá-la. “A senhora vai conseguir seguir a dieta”, encoraja nossa equipe de reportagem. O diabetes é uma síndrome metabólica causada pela falta de insulina ou da incapacidade de exercer sua função, que é reduzir a taxa de glicose do sangue. Isso acontece porque o pâncreas não produz o hormônio insulina em quantidade suficiente para suprir as necessidades do organismo, ou porque este hormônio não é capaz de agir de maneira adequada. Maeve Suzana, 19 anos, é promotora de vendas e tem diabetes há quase 12 anos. “Com oito anos de idade comecei a aplicar injeção em mim mesma”. Com uma voz enérgica, ela diz que sofreu muito

na infância. “Eu não saía, não ia para festa de criança. Tive depressão”. Sua casa é repleta de doces. Ao oferecer água, já trouxe um pote com pé de moleque. Ela gosta de cozinhar e principalmente de fazer bolo. “Faço bolo e não como, fico chamando os outros para experimentar”. Seu pai já foi dono de restaurante e sua avó, de lanchonete. “Eles me ensinaram a cozinhar de tudo”. Maeve consegue seguir uma dieta equilibrada. Ela tem o aparelho para glicemia em casa. Por dia, faz o teste sete vezes e aplica insulina duas. “Vou já aplicar uma dose”. Ela abre a geladeira, pega a seringa, a insulina e a fita. Prepara tudo, senta e aplica o conteúdo na perna. “Já acostumei”. Ela recebe esses materiais gratuitamente no posto. “Mas tem dois meses que recebo só insulina. O resto eu tenho que comprar”. Poucas pessoas sabem que ela tem diabetes. “Não é que tenha medo de preconceito, nem me importo com isso. Não gosto é que ninguém fique pegando no meu pé”. Maeve conta que namorou por um ano e o namorado não sabia que ela é diabética. “Ele me dava bombom e eu dizia que ia comer em casa, me dava balinha e eu

Maeve Suzana segue uma rotina com uma dieta equilibrada e aplica insulina duas vezes ao dia

ia no banheiro e jogava no lixo”, conta, rindo. O atendimento a pessoas com diabetes é feito no Pré-diabéticos, na entrada lateral do Hospital Mu-

nicipal Infantil (HMI) de segunda à sexta, a partir das 8 horas. No ano de 2012 foram atendidos o total de 6.923 pacientes com diabetes.


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ENTREVISTA Promotora dos Direitos da Saúde Pública, Emmanuella Peixoto, esclare os problemas da saúde pública de Imperatriz na atenção básica, média e alta complexidade

“O Socorrão não é dos piores do Brasil” Titular da 5ª Promotoria de Justiça Especializada dos Direitos da Saúde Pública e Registro Público, a promotora Emmanuella Souza de Barros Bello Peixoto tem 38 anos, é graduada em Direito e especialista LINEKER COSTA

Como a Promotoria de Justiça Especializada dos Direitos da Saúde Pública e Registro Público atua? A Promotoria da Saúde tem por objeto principal zelar pelo direito à saúde pública. Esse trabalho pode ser feito em nível coletivo, quando a gente tenta consertar algum problema que atinge a toda população. Ou em nível individual, quando o problema é específico de um só cidadão. Mas, a nossa meta primordial é o coletivo, resolver pra coletividade, pra toda sociedade. Um exemplo de ação realizada, foi o da falta de medicação para os doentes renais. Nós entramos em contato com os agentes administrativos – o poder público – para buscar um esclarecimento e, tendo por base a resposta dos gestores tomamos algumas providências. Às vezes fazemos uma reunião para que eles deem uma solução, damos um prazo para solucionar o caso e quando não é solucionado, assinamos um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). E quando isso não é suficiente entramos com uma Ação Civil Pública. São essas as fases, mas aqui temos conseguido resolver muita coisa a partir do diálogo.

“O sistema único do Brasil é amplo e universal, sem restrição a nenhuma pessoa.” Exercendo esse papel fundamental do promotor de Justiça como agente político em fazer esse intermédio entre a sociedade e a administração pública para poder garantir o atendimento que a população necessita. Já os atendimentos individuais o reclamante comparece aqui na promotoria, nós identificamos o problema e fazemos uma recomendação ao poder público. Em caso de não atendimento entramos com uma Ação Civil Pública de Direito Individual Indisponível para solucionar o problema, mas a maioria dos problemas resolvemos também com diálogo. O Sistema Único de Saúde – SUS, enquanto proposta é referência mundial como política pública de prevenção e assistência à saúde . O que faz do SUS essa referência? O sistema único do Brasil é amplo e universal, sem restrição a nenhuma pessoa. Qualquer brasileiro com cartão do SUS é atendido pelo sistema, enquanto nos outros países, é preciso pagar ou ser atendido por instituições filantrópicas, já que o poder público não arca com essa responsabilidade. Por ser amplo e universal, que é difícil de se ter sucesso. Claro que existem regras: para ser atendido, o paciente deve dar entrada pelo seu município e caso haja necessidade ele será encaminhado para outra localidade por

em Direito Tributário e Ciências Criminais. Ela assumiu a promotoria há um ano e 8 meses, e tem exercido o papel de agente político mediador de conflitos, buscando soluções junto aos responsáveis. Emmanuella

meio do Tratamento Fora de Domicílio (TFD). A saúde é dividida em atenção básica, média e alta complexidade. Imperatriz é gestão plena (possui as três). É a única Gestão Plena e que tem alta complexidade efetivamente aqui na região. Para isso já existem as pactuações: o município recebe ou teoricamente era para receber por esse atendimento de TFD. A média complexidade é a mesma coisa, cidades pequenas como Davinópolis também são atendidas por Imperatriz. Mas, mesmo assim, tem muita gente que não está pactuada e vem buscar atendimento aqui. Aí acaba sobrecarregando também, existe esse problema.

Souza destaca a importância do diálogo para sanar os problemas que ferem o direito à saúde. Em entrevista, ela faz um diagnóstico do SUS em Imperatriz, seus problemas, os avanços e a expectativa para um

O SUS é um sistema descentralizado, possibilitando a autonomia da União, estados e municípios, mas ao mesmo tempo um depende do outro. Para o promotor Joaquim Junior, chefe das promotorias de Justiça de Imperatriz, se um deles falhar, o sistema todo fica comprometido. Em Imperatriz e região, esse princípio de descentralização tem funcionado?

sistema de saúde funcional e eficaz. Trata, ainda, da atuação da promotoria não só como reclamante, mas também de colaborador, contribuindo para garantir o direito à saúde para toda a população.

Mesmo assim, a promotoria tem de ficar fiscalizando se está sendo bem investido. Às vezes as licitações demoram demais, falta medicação, isso a gente fica o tempo todo fiscalizando, entendeu? Como solucionar essa problemática das especialidades? Por exemplo psiquiatria, nós entramos com uma ação, porque LANNA LUIZA

Como a promotoria atua em relação a essa sobrecarga? O que nós orientamos à própria prefeitura é o que acontece muito no Socorrão: o paciente vem de outro estado que não tem pactuação com Imperatriz; simula um atendimento de urgência e emergência; o médico atende identifica a necessidade e encaminha de volta para a cidade de referencia do paciente. Qual o cenário do sistema hoje em Imperatriz? O Hospital de Urgência e Emergência que é o Socorrão não é dos piores do Brasil. Se fosse dar uma nota, diria que está em uma média sete, porque você não vê, ainda, pessoas sendo atendidas no corredor. No dia que tá muito cheio às vezes fica um maca ali no Pronto Socorro. Mas, de todas as vezes que eu fui lá, olhei apenas uma vez assim tão cheio. As enfermarias ainda tem uma folga, agora tem problema. As vezes, tem reclamação de médico que não vai no plantão e de mau atendimento de vários profissionais. Nós entramos em contato com a direção do hospital e vamos resolvendo esses probleminhas. A gente fica o tempo todo acertando essas coisinhas, entendeu? O grande problema de Imperatriz são as especialidades. Como é alta complexidade aqui, é necessário disponibilizar para população vários tipos de especialidades. No caso do Estado é a inexistência de radioterapia da oncologia. Não existe aqui, ele é realizado só por TFD e o TFD do Brasil todo está lotado. Não existe vaga no Brasil, então as pessoas estão morrendo por falta de radioterapia. A pediatria é outro grande problema com especialidade, mas não tem. Pediatria e a especialidade pediátrica são problemas nacionais. O curso de Medicina em Imperatriz seria uma solução? Solução, eu acho que não é só isso, mas eu acho que ajudaria muito, até porque vão ter algumas residências aqui. Parece que já está sendo encaminhado para ser aceita a de pediatria, a de psiquiatria e tem mais umas duas. O MEC já está vendo essa possibilidade, então as pessoas vão fazer o curso e a residência aqui. Isso vai contribuir muito para essa falta de especialidade.

alta complexidade. Quem chega lá já tá quase morrendo e se deixar de financiar o pessoal vai morrer. Tem interesses farmacêuticos, médicos e laboratoriais. A Atenção Básica em Imperatriz é razoável: a cobertura não é completa e chega a pouco mais que 50%. Por conta da centralização da marcação de especialidades, sejam consultas ou exames, em Imperatriz acabam se gerando muitas filas e transtornos. Como a promotoria tem trabalhado com esse problema? Eu já conversei com a gestão. Primeiro é um problema básico, a procura é maior que a oferta, esse problema existe em quase todas as especialidades. Eles colocam um dia só e marcam pro mês todo. Antes, quando era marcado com muita antecedência, as pessoas esqueciam e perdiam a consulta e o médico perdia o tempo. Essa foi a explicação que a prefeitura me deu. Imperatriz não possui um banco de coleta de órgãos, tampouco um centro especializado de transplantes. Os pacientes que buscam esse tipo de tratamento são direcionados a outras localidades e superlotam a fila de espera por órgãos. É evidente que a criação de mais pontos de coleta e transplantes contribuiria para um tratamento mais rápido e reduziria o número de mortos nas filas de espera. O que falta para isso acontecer aqui, sendo Imperatriz Gestão Plena?

Em entrevista, Emmanuella Peixoto faz um diagnóstico do Sistema de Saúde em Imperatriz

O financiamento do SUS é tripartite, ele é uma parte pela União, uma parte pelo Estado e uma parte pelo município. Pela Lei complementar 141 o Estado tem que usar 12% do orçamento e o município no mínimo 15%. Já a União não pode diminuir o investimento em relação ao ano anterior. O governo federal faz esse papel por meio de vários tipos de programas, como os de Saúde da Mulher, da Família, do Homem e Hanseníase. Tudo isso vem dinheiro da União. O Caps é quase sustentado só pelo dinheiro federal. Tem Caps que recebe R$ 70 mil por mês, mas pra isso ele tem que ser habilitado, credenciado. Já os de Imperatriz não são, funcionam só com o dinheiro do município. A cidade que se enquadrar dentro daquilo que a União exige em cada um desses programas, teria bastante recurso. Nesses interiozinhos tudinho, estão reformando quase todos os postos de saúde com recursos do Governo Federal. Quanto ao Estado, existe uma reclamação muito grande dos municípios de que não recebem o repasse ou recebem inferior ao que determina a lei. E o município de Imperatriz tem investido mais do que esses 15%. No ano passado foram mais de 26% de investimentos. Estão investindo bem acima do que prevê essa lei.

negociamos, negociamos, e eles não cumpriram com os acordos. O juiz deu a liminar estipulando um prazo para a contratação. Com um ano de contrato, o médico não quis renovar. Começamos outra vez as cobranças e passamos mais três meses sem psiquiatra no Caps III. Agora tem psiquiatra e se não tiver um lá o negócio não funciona direito. É falta de oferta de médico, eles dizem que procuram em Belém, São Luís e não conseguem. Aí acabam contratando sempre o mesmo grupo daqui, que sempre dá problema. Em um evento promovido pelo Mistério Público do Maranhão no mês de outubro, o promotor de Justiça Herbet Figueiredo disse: “Muita importância se dá à Atenção Básica de Saúde (ABS), mas somente 5% dos R$ 67 bilhões destinados à saúde vão para a ABS. Os demais, 95%, são direcionados para a média e alta complexidade. Assim, este setor, que deveria ser prioritário fica subfinanciado”. Como tem sido a Atenção Básica de Saúde em Imperatriz? A Atenção Básica é fundamental para que o SUS dê certo, porque ela funcionando chegam menos casos na média e alta complexidade, que é onde se gasta a maior quantia em dinheiro. Não há investimento por uma série de interesses. Primeiro, não pode deixar de financiar a

“Eu acho que a primeira coisa para o SUS dar certo seria a atenção básica funcionar da forma que ela está prevista.” Imperatriz agora vai começar a fazer transplante de rins, aí deve começar a ter esse banco para rins. Na verdade, esse é um problema do Brasil todo. Lá em São Luís uma vez a menina bateu o carro e a sua mãe deixou ela uma semana ligada nos aparelhos pra mandar os órgãos pra São Paulo, pra onde fosse e ela não conseguiu. Então é um problema do país mesmo, porque não tem essa rede interligada. Mas não existe nem previsão pra ter um banco de órgãos aqui. Talvez com o início dessa rede de transplantes que vai ser pelo SUS, mas executado no Hospital Santa Mônica. O que falta para o SUS acontecer da maneira almejada? Eu acho que a primeira coisa para o SUS dar certo seria a atenção básica funcionar da forma que ela está prevista. Todos os programas e a prevenção funcionando. São vários casos de AVC, que ocupam muito tempo de uma UTI, que daqui a pouco não vão dar conta. Tudo isso é em razão de uma falta de prevenção. AVC e derrame são pressão alta. É uma coisa que deveria ser cortada lá na base, na atenção básica.


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SOROPOSITIVOS 906 portadores de HIV são atendidos no Complexo de Saúde do Parque Anhanguera com tratamento clínico e acompanhamento psicológico

Humanização é parte do tratamento de HIV ANANDA PORTILHO

Às 8 da manhã uma oração conduzida pela psicóloga Diana Régia Meirelles inicia mais uma reunião do grupo de adesão para portadores de HIV. “Amém”, dizem em uníssono os presentes. Os encontros acontecem uma vez ao dia e complementam o tratamento clínico dos pacientes. A sala abriga uma mesa comprida que fica de frente para pouco mais de 50 cadeiras azuis. Nos assentos, homens e mulheres das mais variadas idades e camadas sociais dividem o espaço. Eles parecem se conhecer de longa data e enquanto a psicóloga não inicia a programação contam histórias e trocam depoimentos. Junto da psicóloga está Edson Chaves, agente facilitador do grupo que assim como seus “pacientes”, é portador de HIV. “Cheguei aqui há 13 anos como voluntário, queria ajudar as pessoas, conversar, conscientizar”. As portas se abrem e um carrinho prateado que é empurrado por uma moça baixinha é posicionado junto à porta. Ele está “carregado” de copinhos de plástico com o lanche do dia: “chá de burro”. Um por um, os pacientes se levantam e se servem. Doriedson pega um copinho, mas parece que não gosta do sabor. “Melhor assim, você precisa emagrecer”, brinca a psicóloga. “Mas quem disse que eu quero emagrecer?”, sorriu. “Eu gos-

to de ser gordinho”. Doriedson Ribeiro é portador de HIV há dez anos e contraiu o vírus de um relacionamento de oito anos. “Quando descobri imaginei que morreria de imediato”. Os olhos vagam pela sala branca enquanto conta o desespero que sentiu. “Cheguei a por a corda no pescoço. Quando estava a ponto de me jogar pensei na minha mãe e no que estava fazendo da minha vida. Desisti”. Hoje, é vice-presidente da Rede Nacional da pessoas com HIV – núcleo Imperatriz (RNP+). “Primeiro me aceitei, depois quis ajudar as pessoas”. O núcleo oferece palestras e reuniões que esclarecem e ajudam pessoas soropositivos. Ele é um dos 906 pacientes do Complexo de Saúde do Parque Anhanguera que oferece gratuitamente o tratamento para portadores de HIV. O acompanhamento acontece uma vez ao mês por um médico, quando são feitos dois exames para a verificação e controle das taxas de vírus. “Elizangela, você chegou atrasada”, alerta Edson enquanto ela passa pela porta. “Quem mora no interior quando vem, tem que resolver tudo. Resolver a vida”, disse sorrindo. Elizangela de Arruda é soropositivo desde 2005. “Desconfiei quando a mulher do meu ex-marido foi diagnosticada com o vírus, fiz o teste e deu positivo”. O olhar baixo denuncia a decepção. Algumas lágrimas caem quando se lembra dos seus sonhos antes de

BRENDA HERÊNIO

Doriedson Ribeiro é soropositivo há dez anos, faz tratamento no Complexo e é vice-presidente da Rede Nacional da Pessoa com HIV - núcleo Imperatriz

contrair o vírus. “Meu maior sonho era ter filhos”, conta, de cabeça baixa. Ela mora em Porto Franco e uma vez a cada dois meses vem verificar

como está sua taxa de vírus e receber os remédios.Os antirretrovirais e os medicamentos de apoio são distribuídos gratuitamente na far-

mácia do complexo e são entregues mediante a apresentação da receita médica, identidade e cartão do Sistema Único de Saúde (SUS).

Tempo de resposta ao 192 não satisfaz necessidade imediata da população ANGRA NASCIMENTO SILVANETE GOMES

Rua Simplício Moreira, 4 horas da tarde, um homem agoniza na calçada. Ele aguarda a ambulância do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), solicitada por um morador vizinho ao local. O homem não tem identificação, estava passando na rua e começou a passar mal. Rapidamente o espaço é tomado por curiosos. Segundo o pedreiro Alexon da Silva Pereira, que estava trabalhando em frente, já fazia 30 minutos que o jovem esperava desmaiado, quando a ambulância chegou para prestar socorro. O homem, aparentando 30 anos, foi resgatado com vida e levado ao Hospital Municipal. A ambulância que saiu para atender a ocorrência estava na Central, localizada na Avenida Bernardo Sayão, um percurso considerado pequeno para o tempo de espera do paciente. O coordenador do Samu, Itaércio dos Santos, não quis dar entrevista para explicar os motivos do atraso. Quem fala sobre o assunto é o coordenador de enfermagem, Roque Filho. Para ele, o tempo de resposta foi considerado alto levando em consideração a distância entre o local da ocorrência e a base central do serviço de urgência. Ele disse que isso só acontece quando todas as ambulâncias estão ocupadas. A central de regulação do Samu atende uma média de

Homem não identificado desmaia na rua e a ambulância do Samu só chega 30 minutos depois do pedido de socorro ao 192

mil telefonemas por dia. Cerca de 60% das ocorrências são clínicas, como o caso do paciente mencionado no começo da reportagem. Segundo dados estatísticos do próprio serviço, a média de tempo para uma viatura do Samu chegar ao local em que foi solicitada é de oito minutos em Imperatriz, conforme informou o assistente administrativo Jeremias Campelo, responsável pelo setor de estatística do órgão. Se a média estabelecida pelo Ministério da Saúde é de 15 minutos, então para a Central de Regulação o tempo de resposta vem sendo cumprido. Mas, para a

população que precisa do serviço esse tempo não condiz com a realidade.

Segundo os médicos especialistas, em cinco minutos, 50% dos indivíduos com parada cardíaca morrem A dona de casa Francineide Barros Santos, 44 anos, residente na Vila Fiquene, solicitou o

atendimento de emergência para o pai dela, Raimundo Apolônio, de 86 anos, que estava com problemas respiratórios. O tempo de resposta foi de 30 minutos. Para agilizar o atendimento às solicitações do 192 foram criadas esse ano duas bases descentralizadas. Uma na Avenida Jacob, próximo à rodovia Pedro Neiva de Santana e outra base no Bairro Bacuri, nas proximidades do Quartel da Polícia Militar. A ambulância fica na porta aguardando o chamado da central. O Samu de Imperatriz conta com oito equipes de emergência:

seis Unidades de Suporte Básico (USB) e duas Unidades de Suporte Avançado (USA). Na Central, ficam cinco viaturas, duas na base da Avenida Jacob e uma na base do Bacuri. Um novo chamado desloca da central a “motolância”, um componente assistencial móvel, que chega mais rápido no local da ocorrência. A motocicleta tem maior fluidez no trânsito. O condutor, que também é auxiliar de enfermagem, presta os primeiros socorros até a chegada da ambulância. Outra vítima de acidente pede socorro. O ajudante de pedreiro Isaias Pereira da Silva, estava voltando do trabalho, quando foi atropelado por uma motocicleta, no cruzamento da Avenida Ceará com a Rua Projetada, no Bairro Nova Imperatriz. Com ferimentos no pé, ele espera atendimento deitado na calçada. O paciente foi socorrido meia hora depois da solicitação ao 192. Segundo dados estatísticos do Samu, 25% das ocorrências atendidas na cidade são de vítimas de acidentes de trânsito. O tempo de resposta entre um pedido de socorro ao 192 e a chegada da ambulância ao local solicitado não seria suficiente para salvar vítimas de infarto. Segundo os médicos especialistas, em cinco minutos, 50% dos indivíduos com parada cardíaca morrem.


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TRATAMENTO Sistema Único de Saúde oferece terapias tanto para doenças físicas quanto mentais, avaliando seus sintomas para oferecer o melhor tratamento

TOC: Como conviver com ele diariamente LETICIA SEKITANI

guns casos, o uso de medicamentos”. Para Amanda, o tratamento acontece de outra forma. “Antes eu ficava muito presa à sujeira que os outros faziam. Agora tento focar no que eu estou fazendo para não perder o ritmo.” Bernando usa o autocontrole como tratamento. “Quando estou perto da minha irmã me seguro ao máximo para não fazer essas manias. Ela sempre briga comigo, então tento evitar ao lado dela”.

SAMIA MULKY

Da porta da frente se vê um casarão antigo, recentemente pintado e com uma porta de madeira entalhada. Entrando em uma sala de espera com sofás de couro preto e cadeiras de plástico ocupadas, têm-se dois ventiladores e uma televisão transmitindo novela mexicana. É essa a primeira impressão que as pessoas têm quando chegam ao Centro de Atenção Psicossocial de Imperatriz Infanto-juvenil (Capsij) para buscar um tratamento de Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC) pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Nossa equipe de reportagem foi recebida pela doutora Nádia Borges, que é uma das duas psicólogas do Capsij de Imperatriz. Entramos em uma sala pequena e desarrumada. “Desculpe a bagunça, quando atendo as crianças aqui, elas não ficam muito quietas”, diz, entre risos. Nádia, que trabalha no projeto desde sua fundação na cidade, explica como se pode fazer a distinção entre a doença e as manias. “A frase não é minha, mas tem que ser identificado o que é normal, o que é problema e o que é patológico. Ver a intensidade desses sintomas”. A preocupação extrema com a limpeza, o incômodo com a disposição dos objetos, o medo de tocar nas pessoas, receio de se machucar com facas, impulsos sexuais aleatórios e intensos, necessidade de tocar objetos por repetidas vezes, podem ser sinais do transtorno obsessivo compulsivo. Meio envergonhada, a estudante Amanda Feitosa, de 18 anos conta: “Quando a pessoa entra em minha casa, eu fico olhando se ela deixou alguma marquinha no chão e eu já estou lá com o pano atrás, limpando”. Ela foi diagnosticada com transtorno obsessivo compulsivo de limpeza,

Histórico - O psiquiatra alemão Karl

Bernardo durante a entrevista, passando alcool em gel nas mãos, enquanto falava sobre seus sintomas do transtorno obsessivo compulsivo

dois anos atrás. “Isso me atrapalha a convivência e em relacionamentos. Qualquer coisinha que eu vejo fora do lugar, já começo a brigar com todo mundo. Eles dizem que eu sou insuportável”. A enfermidade conta com sintomas que podem ser confundidos com outras doenças. “Não é todo mundo que manifesta o TOC do mesmo jeito, pois ele condiz com a história de vida da pessoa”, considera Nádia. Ela acredita ser necessário um aprofundamento e análise de uma equipe para que o resultado seja correto. “O TOC parece ser um transtorno fácil de diagnosticar porque existe uma miscelânea de sintomas”. Segundo ela, quando se ocorre uma repetição de atos, e quando esses atos começam a comprometer a rotina diária da pessoa gerando sofrimento, chegou a hora de ir ao médico.

Bernardo tem 20 anos e já mostra um sintoma diferente de Amanda. Para ele, ir dormir e não observar se o fogão está desligado, se a porta não está fechada e se não lavar as mãos depois de pegar um alimento, causa incômodo. “É como que se eu não verificar todas essas coisas, não consigo fazer mais nada”. Bernardo não foi diagnosticado, mas sabe que tem o transtorno por já ter pesquisado sobre o assunto. “Todo mundo fala, independente de pessoas que me conhecem muito ou pouco. Principalmente minha mãe e minha irmã”. A doutora explica a importância da base ao redor do paciente. “A família também tem que ser tratada, porque normalmente não sabe como lidar com essa situação. Elas precisam de ajuda, de orientação”. A psicóloga afirma que pais sem conhecimento sobre o TOC chegam a agredir seus fi-

lhos por acharem que são atos propositais. Ela ainda afirma que a doença tem níveis e que se não for cuidada, pode agravar e ter consequências severas. “Se não tratar pode evoluir a ponto de comprometer toda a relação social, afetiva, intra e interpessoal”. A doença, atinge 5% da população mundial e o Capsij em Imperatriz, trata aproximadamente 25 pacientes com idade até 18 anos. Os que iniciaram o tratamento antes da maioridade podem continuar até receber alta clínica. A idade de atendimento pode chegar até os 23 anos. Após a conclusão do tratamento o Centro faz um acompanhamento mensal, evoluindo para consultas semestrais e anuais. Nádia mostra algumas formas de tratar a doença. “É necessário que se crie uma rotina para essa pessoa, ela precisa de rituais. Levá-la aos lugares onde ela tem aquela obsessão, e em al-

Westphal, em 1865, foi um dos responsáveis por uma das primeiras identificações modernas desse transtorno. O conceito evoluiu e se tornou mais abrangente. Hoje é possível mapear até mesmo as motivações genéticas. Segundo pesquisas realizadas pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), 60% dos casos tem origem congênita. A proposta do estudo é identificar quais os genes envolvidos. Na produção da reportagem, percebi que tenho diversos sintomas, encontrados nas minhas ações cotidianas. A extrema necessidade de lavar as mãos e a ansiedade para as coisas mais simples como espera, pode prejudicar bastante o meu dia. No Brasil, 2% da população manifesta o TOC. Como Bernardo, muitos ainda não procuraram ajuda médica para a identificação do problema. O transtorno atrapalha as mais variadas atividades diárias e pode evoluir ao isolamento social. Para poder entrar no programa é necessário que um médico do SUS encaminhe o paciente para a clínica. As consultas são feitas por agendamento e acontecem visitas às residências nos casos mais rigorosos. O Capsij se encontra na Rua Sergipe, número 23, do Bairro Três Poderes e funciona das 8 às 18 horas.

Uma história de amor e dedicação aos pacientes que fazem fisioterapia ADAYLMA ROCHA LAÍS FERREIRA

São 14 horas e a clínica de fisioterapia já está lotada. A televisão ligada exibindo a novela distrai os pacientes enquanto esperam. O ventilador grande ao lado da TV ajuda a amenizar o clima local. Há diversos tipos de doenças que os trazem até ali, mas todos com o mesmo objetivo: a fisioterapia como tratamento. ‘‘A grande maioria que chega aqui é devido aos acidentes de trânsito’’, explica a fisioterapeuta Silvia Almeida. Ela é fisioterapeuta da clínica que possui convênio com o Sistema Único de Saúde (SUS). Silvia relata que, ‘‘trabalhar com o SUS não é fácil, a pessoa deve amar o que faz, pois eles além de pagarem pouco, ainda atrasam’’. E com um sotaque paranaense que marca sua fala, ela atende seus pacientes com um sorriso no rosto e sempre contente. A fisioterapia inicia com Silvia atendendo ainda no consultório pacientes que estão na sua primeira consulta. Após o atendimento ela sobe as escadas, com passos rápidos e já começa a falar com cinco pacientes que lhes aguardam em um corredor bem claro. Enquanto esperam sua vez, eles assistem televisão. Silvia olha para Francisca, que é uma de suas pacientes e diz em tom de brincadeira. ‘‘Já de novo aqui?!’’. Elas entram em uma das salas, com

Apesar de Raimunda Silvia ter terminado a sessão para tratar o ombro, ela ainda faz exercícios

outra paciente. Ao fechar a porta a sessão inicia. O tratamento naquela tarde será com o recurso da eletroterapia, conhecida como ‘‘choquinho’’, que tem como intuito a estimulação dos nervos e que possui o poder analgésico.

Francisca da Silva Moura, 48 anos, sofreu um derrame no trabalho, em 2002. Desde então faz tratamento para voltar os movimentos do lado esquerdo. Os cinco primeiros anos de tratamento foram apenas exercícios físicos. ‘‘Hoje é só o choquinho’’, con-

ta, alegre. Já tô bem, até danço!’’. A fisioterapia possui várias vertentes e tem como intuito dar condição de uma pessoa trabalhar ou retornar ao meio social mesmo com suas limitações. Ela pode ser dividida em três etapas: A prevenção, que são as caminhadas; o tratamento; e por fim a reabilitação que é a parte dos exercícios. Silvia entra na sala contente quando vai atender Francisca. Ela se desloca para a sala ao lado, mas se esqueceu que não havia pacientes lá. Quando retorna começa a rir e fala que está ficando louca. Todos no ambiente começam a dar risadas e a sessão continua. Enquanto os pacientes são atendidos em uma sala, Silvia corre para outra onde outros a esperam. A correria não para. Silvia atende por volta de dez pacientes por hora, mas os números variam de acordo com os casos atendidos. Raimunda Silvia Oliveira, 51 anos, mora na cidade de Sítio Novo, no estado do Tocantins. Ela vem diariamente fazer fisioterapia em Imperatriz. Para chegar à sessão depende da van, e gasta mais de uma hora de viagem. É a segunda vez que ela retorna para a fisioterapia. ‘‘Tô melhor do ombro, agora é a coluna’’. Silvia entra na sala em que Raimunda está sozinha, pede para ela

deitar na maca e fala em tom de brincadeira. ‘‘O povo me ama, volta mesmo’’. Raimunda também irá receber ‘‘o choquinho’’ para aliviar as dores que está sentindo. Após a sessão de eletroterapia, que dura cerca de 20 minutos, Silvia retorna ao recinto e pede para que Raimunda se dirija à sala de exercícios, onde irá exercitar os braços. Com um braço levantado para exemplificar, Silvia explica com calma como Raimunda deve fazer o exercício para melhorar os movimentos de seus braços. ‘‘Ninguém merece ficar doente e o médico atender com cara feia. Quando retornei à clínica, falei logo que não queria com os outros não, quero com a doutora Silvia. Trata todo mundo bem, alegre e satisfeita. E até ajuda o paciente, pois anima o pessoal, até saio contente’’, conta Raimunda.

Tratamento – Em Imperatriz existem duas clínicas que possuem convênio com o SUS. Porém, só uma está atendendo, uma vez que a outra excedeu a cota de atendimento. A maioria dos pacientes atendidos na clínica são enviados pelo SUS. Em média, 315 casos são atendidos por mês, segundo a Secretaria Municipal de Saúde (Semus). Para conseguir a fisioterapia o paciente deve passar por consulta com o clínico do seu posto de saúde ser encaminhado ao ortopedista.


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NEGLIGÊNCIA Além de todo o preconceito envolvendo a doença degenerativa, o tratamento do Mal de Hansen, determinado pelo governo, acaba dificultando a vida de pacientes

Combate à hanseníase encontra obstáculos ISABEL DELICE

Médico especialista do Centro de Referência Humanizado em Dermatologia Sanitária atende à paciente, que teve uma forte reação na pele após deixar de receber os remédios prescritos e parar o tratamento, mesmo sem a alta médica RHAYSA NOVAKOSKI

*Os nomes dos pacientes entrevistados são fictícios. Os pacientes do dia estão na sala de espera. Olham apáticos para a televisão, vigiam o relógio. Já passa das cinco da tarde. De repente, a porta do consultório se abre e aparece uma figura vestida completamente de branco, a expressão séria. É a indignação personificada em um médico de cabelos alvos. Em Imperatriz, a hanseníase, doença degenerativa crônica causada pelo bacilo de Hansen, atinge níveis de infecção hiperendêmicos (quando há a transmissão intensa e persistente de um agente infeccioso dentro de uma zona geográfica). A luta contra esse mal é constante e, apesar dos grandes avanços, ainda encontra barreiras estabelecidas pelo próprio governo. Ilde*, 56 anos, é dona de casa e faz tratamento no Centro de Referência Humanizado em Dermatologia Sanitária desde 2011. Ela é a primeira a entrar no consultório do dermatologista Pedro Júlio Gonçalves. Poucos minutos depois, ele insurge na sala de espera. “Chama todo mundo aqui, vem todo mundo pra cá que eu quero falar uma coisa”, diz o médico, de modo imperativo. No pequeno recinto, pacientes e funcionários se aglomeram e esperam a fala de Pedro Júlio. Ele expõe calorosamente a situação de Ilde, que, apesar de não ter recebido alta clínica, teve a entrega dos remédios negada no posto de saúde. Sem medicação desde julho, a reação do bacilo na pele foi forte, as feridas reapareceram e a doença ganhou força. Entre 1990 e 2000, o Ministério da Saúde preconizou o prazo para tratamento e cura da hanseníase de seis a 12 meses. Trata-se de uma recomendação que está sendo tomada como regra, dificultando a vida de portadores do bacilo que necessitam de um acompanhamento clínico mais longo, como acontece com Ilde.

“Nós vamos avaliar cada caso”, afirma o dermatologista, acrescentando que não obedece a critérios estatísticos e sim médicos. Pedro Júlio também pede a ajuda de seus pacientes, para que denunciem quando tiverem seus direitos feridos. Todos no cômodo concordam com ele, já que a maioria passou, ou está passando, por um período de tratamento maior que o “recomendado” pelo ministério para alcançar a cura total do mal de Hansen. Essa persistência da equipe do Centro de Referência no combate humanizado à hanseníase vem trazendo bons resultados para Imperatriz. Em 2012, o número de casos detectados pela Vigilância Municipal de Saúde foram 282. Em contrapartida, até julho deste ano, o total de registros não chegou aos 100. É

uma redução maior que 50%.

Desabafo - Já no consultório, o dermatologista faz as últimas recomendações a Ilde, que vai recomeçar a tomar os remédios. Durante a conversa ela relembra o momento mais difícil na sua trajetória de enfermidade, a morte do seu único filho homem. “Aí ajuntou uma coisa com a outra. Minha fia, um dia eu quase que eu fico doida”, conta a mulher, com as mãos balançando nervosamente. Enquanto relata seu sofrimento, Ilde se exalta, gesticula, altera a voz como se enfim tivesse encontrado alguém para partilhar sua angústia. “Me dê forças meu Deus! Me ajude pelo amor de Deus!”, começa a clamar com as mãos na cabeça e os olhos fechados, reproduzindo o momento de dor que a atormenta até hoje e fazendo todos na sala

ficarem em silêncio. “Mas a gente tem que ser forte”, reflete. A força de Ilde vem da sua fé.

Tratamento – O pedreiro Romário*, 33 anos, chega cedo ao Centro de Referência. Está usando uma camisa preta com mangas longas, para não mostrar as marcas causadas por uma reação. Como de costume, ele passará pela avaliação da enfermeira antes de falar com o médico. Em tratamento desde 2011, Romário conta que não manifestou os sintomas mais comuns da doença. No lugar das manchas esbranquiçadas, ele apresentava pequenas irritações doloridas na pele. “No começo pensei que era algum tipo de alergia”, conta o pedreiro, admitindo ter tomado antialérgicos. Durante o tratamento o paciente pode sentir uma série de ISABEL DELICE

Teste de sensibilidade é realizado antes e durante o tratamento para avaliar o estado dos nervos do portador e verificar possíveis evoluções da doença

efeitos colaterais, como fraqueza, sono e dores musculares. Por sentir fortes reações à medicação, Romário teve que sair do emprego. Hoje vive da pensão do INSS, benefício que muitos não possuem. Depois de fazer as perguntas habituais, a enfermeira, Kallinka Carneiro, começa a realizar os testes de sensibilidade para avaliar a condição dos nervos do paciente (uma das principais áreas afetadas pela hanseníase). Ela faz a inspeção dos olhos, nariz, mãos e pés. Com o auxílio de tubos coloridos, cada um com um fio de diferentes espessuras, Kallinka testa a sensibilidade de Romário, tocando suas mãos e pés com os filamentos. O teste é denominado de estesiometria. As cores verde e azul indicam grau zero de comprometimento dos nervos, roxo e vermelho são grau um. Ao ver que tem indicadores nos tons roxo e vermelho, o homem fica preocupado. “É por que teu pé tá duro”, brinca a enfermeira ao mostrar que a superfície dos pés de Romário está muito grossa. O pedreiro está na fase final do tratamento, recebendo doses menores de medicação. Logo estará livre da doença que lhe traz vergonha. Romário conta que quando as pessoas perguntam do que está doente, ele mente e diz que é a coluna. “Nunca senti preconceito, mas prefiro que os outros não saibam”. O que causa tal temor nos portadores de hanseníase é resultado do mito em torno desta enfermidade. Ao contrário do que se pensava, o mal de Hansen possui 100% de chance de cura e, assim que se inicia o tratamento, a cadeia de transmissão é quebrada imediatamente. “Não tem que separar prato, nem copo, nem garfo, nem comida. Ou seja, a vida continua como ela era antes. É aí que está a beleza da coisa”, explica Pedro Júlio com satisfação sobre o tratamento da doença e da possibilidade dos pacientes terem uma vida normal.


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