Jornal Arrocha - Edição 12 - Mercadinho

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SETEMBRO DE 2012. ANO III. NÚMERO 12

DISTRIBUIÇÃO GRATUITA - VENDA PROIBIDA

Arrocha

JORNAL LABORATÓRIO DO CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL/JORNALISMO DA UFMA, CAMPUS DE IMPERATRIZ ADRIANO ALMEIDA

Mercadinho: cores, sabores e personagens


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Arrocha CHARGE

EDITORIAL - Mercadinho Para elaborar essa edição do jornal Arrocha, os acadêmicos do curso de Jornalismo da UFMA de Imperatriz tiveram que abrir todos os sentidos. O Mercadinho, espaço cultural e comercial de Imperatriz, permite um espetáculo de cores, sons, cheiros e sabores. Além de ser palco para personagens que dizem muito dos costumes e formas de expressão da nossa cidade. O tipo de jornalismo exercitado nesta edição pode ser chamado de imersão, ou vivência. Nada melhor que a ideia de um “mergulho” em outra realidade para definir a experiência de conhecer de perto um espaço comercial como o Mercadinho. Os acadêmicos da disciplina Laboratório de Jornalismo Impresso raciocinaram quais seriam os temas a serem investigados no local e partiram a campo, cada qual com a sua missão.

ANO III. NÚMERO 12 IMPERATRIZ, SETEMBRO DE 2012

KELLY SARAIVA

Foram acompanhados pelos colegas de Laboratório de Fotojornalismo, responsáveis por captar imagens representativas da ação constante do Mercadinho. Depois da correção dos textos e escolha final das fotos, o material seguiu para os alunos de Laboratório de Programação Visual, que elaboram as propostas de diagramação. Nessa edição apresentamos nossa nova desenhista: Kelly Saraiva. Nosso chargista tradicional, Jadiel Reis, concluiu o curso e passou o bastão para a sucessora. Arrocha: É uma expressão típica da região tocantina e também é um ritmo musical do Nordeste. Significa algo próximo ao popular desembucha. Mas lembra também “a rocha”, algo inabalável como o propósito ético desta publicação.

Ensaio Fotográfico GLEICY FERRAZ

MAYARA GABRIELLE

RÔMULO FERNANDES

VICTOR AURELIO BATISTA

EXPEDIENTE

Jornal Arrocha. Ano III. Número 12. Setembro de 2012 Publicação laboratorial interdisciplinar do Curso de Comunicação Social/Jornalismo da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). As informações aqui contidas não representam a opinião da Universidade. Reitor - Prof. Dr. Natalino Salgado Filho | Diretor Prótempore do Campus de Imperatriz - Prof. Dr. Marcelo Soares | Coordenadora Pró-tempore do Curso de Jornalismo - Profa. M. Marcelli Alves.

Professores: M. Alexandre Maciel (Jornalismo Impresso), M. Marco Antônio Gehlen (Programação Visual), M. Li Chang Shuen Cristina (Fotojornalismo). Revisão: Dr. Marcos Fábio Belo Matos. Reportagem: Adriano Ferreira, Ana Carla Rio, Chystiane Martins, Cristina Costa, Dayane Silva, Denise de Sousa, Edynara Vieira, Evanilde Miranda, Genyedi Soares, Hilton Marcos Ferreira, Jefferson de Sousa, Jéssika Ribeiro, Millena Marinho, Raimundo Cardoso, Ramon Cardoso, Rebeca Avelar.

Diagramação: Adriana Dias da Silva, Andre Ricardo Guimaraes Cadete, Andreza Vital da Silva Pinto, Angela Maria Laurindo da Silva, Aurikelly Renata Saraiva, Breno Rafael Alves Franco, Camila de Sousa Silva, Cicero Fernando Pereira Alves, Diego da Silva Carreiro, Dionnatha da Conceicao Silva, Erica Fernanda Silva Ferreira, Flavia Brito Silva, Flavia Luciana Magalhaes Novais, Francisca Sheila Rodrigues da Costa, Giovana Cordeiro Cardoso, Israel Shamir Mendes Chaves, Jhonatha Pereira dos Santos, Jorzennilio Alves Junior, Lanna Luiza Silva Bezerra, Luanda Vieira de Oliveira, Maria Rhemylla Oliveira, Marina Pereira

Cardoso, Railson de Andrade Carvalho, Railson Silva Lima, Samia Said Mulky, Samoel Pereira de Freitas, Sueda Marilia Silva Borges, Yanny Dorea Moscovits.

Acadêmicos: André Wallyson, Fernando Costa e Paula de Társsia.

Fotografia: Adriano Ferreira, Ana Carla Rio, Chystiane Martins, Cristina Costa, Dayane Silva, Denise de Sousa, Genyedi Soares, Gleicy Ferraz, Hilton Marcos Ferreira, Jefferson de Sousa, Jéssika Ribeiro, Mayara Gabrielle, Millena Marinho, Raimundo Cardoso, Ramon Cardoso, Rômulo Fernandes, Victor Aurélio e Karla Carvalho (Tratamento de imagens).

Charge: Kelly Saraiva

Contatos: Fan Page: www.facebook.com/JornalArrocha www.imperatriznoticias.com.br | Fone: (99) 3221-7625 Email: contato@imperatriznoticias.com.br


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ORIGENS Mercadinho de Imperatriz: pessoas, produtos e serviços movimentam o cotidiano da segunda maior cidade maranhense em mais de três décadas de existência

Em cada box, banca ou beco, uma história ADRIANO FERREIRA

Temperos, iguarias e grãos expressam a variedade oferecida. Cheiros, sabores e humores são ofertados cotidianamente por feirantes atentos a todos os olhares da clientela diversificada. É a maior feira de varejo e atacado no município

mitação do Mercadinho é a di visão do Mercado Central, de responsabilidade da prefeitura Cheiros diversos em diferen- e o Mercado Vicente Fitz, onde tes cantos se misturam com o movi- funcionam os açougues e algumento de pessoas que transitam no mas lojas de eletrônicos. Todo o local. Este é o Mercadinho de Impe- resto é propriedade particular. ratriz, cuja idade ninguém sabe ao “O local todo era uma zona certo. Os mais velhos contam que o onde funcionavam cabarés”, diz comércio diversificado teve início Antônio. Ele informa ainda que na década de 1970. Seu Osvaldo de por volta de 1973, o interventor Morais é um deles e vai refazendo Bayma Júnior mandou derrubar a história com um olhar atento ao todos os casebres da área com trânsito, confuso de pessoas, que tratores. Com a desocupação do se perdem pelos labirintos da feira. local, pessoas foram invadindo Ele vende cereais no mercado o terreno baldio, que pertencia à desde 1982 e diz que “nessa época ti- prefeitura, amontoando barraquinha o mercado da carne, o mercado nhas feitas de madeira. Assim coda verdura e o mercado de cereais”. meçou a história do Mercadinho. Atualmente a única deliNos anos 1980, o então preADRIANO FERREIRA

feito, José de Ribamar Fiquene, vendo a ocupação do local, cedeu títulos de propriedade definitiva de algumas partes da feira, menos a parte do Mercado Central, administrada pela Secretaria de Agricultura do município. Em 1,8 mil metros quadrados administrados pela Prefeitura Municipal, estão dispostos 78 boxes. Nessa parte do Mercadinho a história é obscura. “Cada gestão que passava não se preocupava em documentá-lo”, lamenta Naene dos Reis, secretária do gabinete da feira. Ela pouco sabe sobre o maior mercado de Imperatriz. Enquanto fala, mostra um desenho feito a lápis numa cartolina pregada a um isopor que é guardado bem escondido entre ADRIANO FERREIRA

Trânsito confuso e aleatório em uma das principais ruas que dão acesso ao complexo movimento comercial do Mercadinho: cotidiano e tradição

a parede e o armário do escritório. Eles não têm mais do que isso para falar sobre a história da feira. Bem perto dali, existia um galpão onde os animais chegavam dos matadouros para serem cortados e vendidos expostos entre moscas, mãos, lâminas e mau cheiro dos seus próprios restos. Fátima revela o segredo: “Aqui era coberto de telha Brasilit. A sujeira e o mau cheiro eram demais. Depois da reforma feita pelo ex-governador José Reinaldo Tavares em 2003, melhorou”. Maria de Fátima Lima trabalha vendendo refeições todos os dias desde 1979 e atende a uma cliente que conhece um pouco sobre o Mercadinho. Rute Inácio da Silva, 29 anos, conta que

“vinha junto com a mãe ao mercado e que inclusive já comeu fruta e verdura que jogavam no lixo”. Ela diz que uma das características da feira foi ter sempre de tudo e que encontra coisas que em Senador La Roque, cidade onde mora atualmente, não tem. Nos dias de hoje, o Mercadinho movimenta pessoas e mercadorias diversas, as quais são distribuídas entre as ruelas que foram se moldando pela presença dos feirantes. Aos poucos, mas gradativamente, eles foram se instalando sobre calçadas em barracas cobertas por guarda-sóis ou sob as instalações do Vicente Fritz, Mercado Central. Ou de seus quiosques e bancas particulares. ADRIANO FERREIRA

Barracas antigas ainda retratam os aspectos das primeiras tentativas de organização da feira


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COTIDIANO Trabalhadores com carrinho de mão persistem no ofício, à procura de clientes, mesmo estando expostos ao sol com pouquíssima proteção

Profissão: carregador em tempos difíceis DAYANE SILVA DAYANE SILVA

Em mais uma manhã típica de domingo no Mercadinho, pode-se avistar pequenos grupos de homens, dispostos como em um grid de largada. Nas corridas de Fórmula 1, pilotos aceleram em busca da linha de chegada. Aqui, trabalhadores com carrinho de mão aguardam a possibilidade de uma nova entrega. Mesmo diante de um calor fortíssimo, estes profissionais trafegam de um lado para o outro, pois o expediente segue firme até o meio-dia. Alguns, já cansados, esquivam-se dos raios solares recostados à sombra e sentados dentro dos próprios carrinhos. A maioria deles traja no corpo camisas de mangas curtas e bermudas. Nos pés, chinelos havaianas e na cabeça bonés ou chapéus. O uso do protetor solar é desconhecido. Segundo Antônio Lima, 64, “só o chapéu na cabeça e o sol nas costa”. Lima trabalha há 30 anos na profissão e criou 12 filhos com o dinheiro arrecadado nas entregas. Mas afirma que o maior bem adquirido por ele foi a compra de uma casa no parque Santa Lúcia. Proeza de Carla, filha que mora em Uberlândia. Para ele, os dias bons na profissão podem ser descritos na amizade estabelecida com os clientes. “Quando estou ocupado, aí eles esperam um pouco”, garante Lima. Domingo, 6h, inicia-se uma nova corrida. Carregadores adentram a feira em manobras radicais. Clientes aguardam na linha de chegada. Carrinho parado, carrinho vazio.

Carregador observa, dentro de seu próprio carrinho de mão, o movimento do Mercadinho enquanto aguarda a possibilidade de fazer uma nova entrega na casa de clientes, que optam por este serviço

Ao longe avisto um senhorzinho de olhos atentos, que cuidadosamente organiza as compras de uma cliente. Então, aproximome, apresento-me e peço para acompanhá-los. Os dois retrucam. “Vamos sair da feira”, diz o carregador. “Tu vai andar muito”, alerta a cliente.

Percorremos a rua Rio Grande Norte no sentido bairro Bacuri. No trajeto, o trabalhador segue lado a lado com a cliente. O silêncio reina, mas é permeado por raras indagações sobre meu trabalho. Já no local da entrega, o acerto é feito debaixo de cochichos. Quando questionado sobre o pagamento,

o carregador responde com satisfação: “Três reais!”. Paulo Santos Medeiros tem 66 anos, pele clara, cabelos lisos e brancos, barba por fazer e delicadas sardas na área dos olhos, que permanecem encobertas pelos óculos de grau. Medeiros já não vem à feira do Mercadinho com tanta frequência, pois a dor

nas costas o acompanha nas entregas. Paulo explica o caos na profissão: “Já teve mais concorrência, ganhava bem. Mas hoje em dia os carrim das senhora, e os povo dos comércio enfraqueceu nós”. Durante a semana é possível avistar quatro a cinco carrinhos vazios e emparelhados na rua Aquiles Lisboa.

Levantar cedo para o trabalho é a maneira de sustentar a família GENYEDI SOARES GENYEDI SOARES

Não seria muito exagero afirmar que Eliane de Araujo talvez fosse a primeira moradora a levantar de manhã cedinho na rua Monte Castelo, no centro de Imperatriz. Há 11 anos trabalhando no Mercadinho, essa feirante de 37 anos pega no batente às 5h da manhã. Antes, prepara o café para a família. Arruma a única filha, que tem sete anos, para ir à escola, e em seguida, com o marido e a sobrinha adolescente, Raimunda Maria, seguem para a feira para tirar o sustento do mês. A rotina de trabalho fica por conta da venda de verduras que são trazidas de fora. De segunda a sexta, ela trabalha das 6 da manhã às 18 horas, com um intervalo curto para o almoço, consumido ali mesmo, em uma banca de comida que fica dentro da própria feira. Aos sábados e domingos o expediente é até o meio-dia e sobra tempo apenas para ir à missa das 19 horas na igreja católica São Francisco. Ali, próximo da feira, na rua Rio Grande no Norte, no centro de Imperatriz, também mora Maurílio Alves Camargo. Paranaense de 60 anos, mas com uma disposição de um jovem de 20, ele levanta da cama às 4h30. Toma café prepa-

Feirante Eliane de Araújo enquanto trabalha em sua barraca no Mercadinho, que mantém há 11 anos: “Tem cebola que vem até da Argentina”

rado pela esposa e segue para o Mercadinho. Trabalha há quatro anos como feirante. Sua barraca no “Beco do Tomate” já fica montada esperando apenas ele chegar às 5 da manhã para organizar as verduras que ficam encaixotadas em uma espécie de galpão pequeno e apertado, mas bem estruturado. Sozinho, ele toma conta da banca de tomates, cebola, pimentão e outros atrativos. “As verduras todas vêm de fora. Tem cebola que vem até da Argentina”. Com um sotaque do Sul, ele agrada aos fregueses que não se acanham e se aproximam da barraca para escolherem seus produtos. De domingo a domingo, ele trabalha na feira, o almoço tem que ser rápido, ali mesmo. “Evangélico, sonho em ser pastor e um grande pregador da palavra de Deus”. A feira mais conhecida da cidade de Imperatriz, no estado do Maranhão, conserva um espírito de solidariedade, de união e “sobrevivência”. Parodiando os versos do compositor brasileiro Noel Rosa, ela também “tem feitiço com farofa, vela e muito vintém que nos faz bem”. Tendo seu nome de Mercado Municipal Vicente Fritz, transformou verduras, frutas e temperos num feitiço decente que prende toda gente.


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CONFUSÃO As infrações das leis do Código de Trânsito Brasileiro acontecem banalmente no Mercado Vicente Fritz, um lugar onde quase tudo é permitido

Trânsito no Mercadinho é negócio da Índia CRISTINA COSTA

Carros, motos, bicicletas, carregadores, caminhões, barracas, carroças e pedestres. É a mistura conturbada dos personagens que diariamente transformam o setor Mercadinho em um teste de paciência para quem precisa transitar CRISTINA COSTA

“Dá licença moço, preciso passar”. A senhora de cabelos brancos, roupas de tons claros e estatura mediana segurava o carrinho de compras com a mão direita, tentando mantê-lo o mais atrás dela que conseguia. Afinal de contas, a única maneira de se locomover no Mercadinho aos domingos é assim, com jeitinho. Não somente pelos clientes e barracas estabelecidas no centro da rua Aquiles Lisboa, entre Paraíba e Rio Grande do Norte, mas também pela disputa entre os vários tipos de transpor-

tes que passam nesse dia por dentro da feira e seus arredores. É possível esbarrar com condutores montados em vários “veículos” comprando “a verdura nossa de cada de dia”. Desde bicicletas, carrinhos de mão e de bebê, até motos. E este último, mesmo ilegal, passeia livremente entre as bancas. Fato que, segundo o capitão Barros, diretor executivo da Secretaria Municipal de Trânsito (Setran), é muito difícil de erradicar: “Não há pessoal suficiente para dar exclusividade a esta área”. A disposição das barracas é diferenciada no decorrer da sema-

na, como nas mais notórias feiras que temos espalhadas, e deveria se restringir às laterais da via. Entretanto, deslocar-se neste centro pode se tornar uma tarefa árdua. O exercício da paciência é constante: a velocidade máxima atingida às vezes não chega a 20 km/h. Talvez por esse fato não haja tantos registros de acidentes bruscos. Eis a constatação do diretor executivo da Setran e de alguns feirantes do local. Um carregador caminha tranquilamente pelo centro da rua e parece não se incomodar com o fato de ter um carro atrás dele. O motorista, já irritado,

tenta em vão a ultrapassagem. Tampouco o senhor que conduz a carroça se incomoda com o tempo considerável que ficou estacionado para descarregar os tomates e cebolas na banca da dona Maria, inviabilizando qualquer movimento até o fim de seu trabalho. Os personagens do aglomerado de modo geral se sentem à vontade na área reservada à passagem dos veículos. Tanto clientes como feirantes e carregadores não se intimidam com o som ensurdecedor das buzinas dos condutores mais exaltados que tentam seguir. Outro fato curioso é o estabe-

lecimento do “fast-food da verdura”. Funciona assim: Você para o carro em fila dupla, escolhe o seu produto, aguarda o comerciante empacotar, passar o troco, para então, desobstruir a via pública. Caso haja alguém pedindo passagem ele que espere, afinal de contas estamos no Mercadinho, onde até o carro da Polícia Militar vez ou outra pratica tal ação. O quadro alarmante do trânsito em Imperatriz também é refletido no centro de compras mais badalado da cidade. O diferencial desse setor é o convívio de todos que trabalham, passam ou tentam passar por ali.

Comerciantes estão preocupados com a falta de segurança e fiscalização ADRIANO FERREIRA EVANILDE MIRANDA

No corre-corre da multidão, no intenso calor de um sol de 10 da manhã, Amado Edilson apresenta “A mulher da blusa amarela e saia de outra cor”, destacada em meio às vozes que atraem clientes aos diversos pontos do Mercadinho. Ao lado do Mercado Central, dois homens sentados na calçada da loja, com marmitex nas mãos, recarregam as energias para enfrentar o fim de mais um dia de trabalho. Casa dos Plásticos (a casa da ambiguidade), Casa dos Fogões (cheia de ventiladores e nenhum utensílio de cozinhar) são alguns dos curiosos nomes de barracas no Mercadinho. Rua repleta de caixotes e carros de mão com legumes, frutas, cereais, sementes, temperos e comidas,

mesclam cores e desordem que constroem o cenário de identidade do Mercado Vicente Fitz. À esquerda, um homem de barriga saliente com uma camisa verde Puma acompanhada de bermuda jeans. Sentado, olha a mulher de jaleco furar-lhe o dedo. Álcool e caixa de isopor à mesa. Na folha A4 diz apenas: Pressão R$ 1. Os usuários de barraca pagam todo mês pelo uso do ponto. Antonio Vaz de Sousa, o Antonio do Açaí, é um deles. “Eu pago R$ 30 por mês pelo ponto”. Mas a princípio a posse foi por compra de títulos. Osvaldo Carlos de Moraes, por exemplo, é proprietário da barraca de secos e molhados, após 20 anos no ramo de confecção. “Eu paguei R$ 130 mil. Nem sei qual era a moeda da época, em 1982”. Há muita confusão por causa

dos pontos. As pessoas chegam, põem seus produtos na frente de outras barracas e marcam o território. “O Mercadinho é uma terra sem lei, você não tem a quem recorrer”. Osvaldo desabafa amarrando o saco de farinha para seu Noca. Os vigias só trabalham durante à noite e ao longo do dia é muito difícil aparecer um policial. “Segurança não existe aqui. No setor do troca-troca a maioria é coisa roubada”. Não há fiscalização dos produtos que chegam ou saem das barracas. “Ainda hoje rola uma droga doida de noite. O próprio vigia está na CCPJ porque estava comercializando drogas”. Ele se refere à Central de Custódia de Presos da Justiça. Seu Osvaldo pega a lona azul, amarra a mercadoria e às 17 horas marca o fim de mais um dia de trabalho.

Segundo os comerciantes do Mercadinho a segurança no local está longe do que seria ideal


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VARIEDADE A busca por comodidade de comprar frutas e verduras em supermercados, não fez com que o imperatrizense perdesse o hábito de fazer a sua feira

Bons e velhos hábitos que não se perdem DENISE DE SOUSA

Cores, formas e texturas são facilmente encontradas no Mercadinho. Agradando, assim, a todos os tipos de gostos dos clientes que saem diariamente de seus lares à procura do melhor alimento para complementar e variar as suas refeições diárias DENISE DE SOUSA

É o fim de uma tarde de setembro quando encontro Francisca da Silva, com o seu guarda-chuva e óculos escuros. “Eu num largo esses dois aqui. Minha sombrinha é meu xodó, ainda mais com um sol quente desse”. Ela vai apertando e analisando precisamente cada fruta que pensa em comprar. Com olhar e tato apurados de quem já faz isso há muito tempo, afirma nunca errar, e sempre fazer a melhor escolha. O colorido e a beleza de cada fru-

ta e verdura armazenada lado a lado fazem com que os olhos busquem ainda mais informação. Elas brilham como se tivessem sido lustradas, uma a uma. O aroma exalado no ar forma uma relação interessante entre todos os tipos. Bananas se mesclam com tangerinas, que se misturam com limões, tomates, melancias e muitas outras. A busca por comodidade de comprar frutas e verduras em supermercados, não fez com que o imperatrizense perdesse o hábito diário de

Com mais variedade os açougues atraem clientes CHYSTIANE MARTINS

A obra de infraestrutura mais recente do Mercadinho é um monumental mercado de carnes, denominado Vicente Fitz. Ela ocupa uma posição centralizada entre lojas com vendas no atacado e varejo, farmácias e vendedores de verduras. Essa grande construção de paredes altas, piso sujo, devido ao fluxo contínuo de pessoas, calçadas estreitas e desiguais, está sempre ocupada por bicicletas, motos e vendedores. Ali, açougueiros se distribuem em balcões, envolvidos por paredes de azulejos brancos, com freezers, balanças e uma armadura de ferro ao fundo. Ganchos enormes servem para pendurar peças inteiras dos animais que chegam sempre à mesma hora do dia. Vários tipos de carnes podem ser encontrados: de gado, bode, porco e até de peixes. Todos os dias, só de carne bovina, chegam ao mercado, em média, dez cabeças de gado. Francisco Soares, responsável pelo box 49, que trabalha no local há cer-

ca de quatro anos, afirma vender, nos bons dias, algo em torno de cem quilos de carne. São aproximadamente 18 açougueiros, que disputam entre si os fregueses que entram no local. “Ei amiga. Quer alcatra? Contrafilé? Chegue aqui. A carne é de boa qualidade”. Peixe - José Gomes trabalha no Mercadinho desde 1984 e afirma que, apesar da preferência do imperatrizense por carne vermelha, a venda de peixe tem crescido desde que adotou esse produto em seu box. “O peixe é ótimo para quem quer perder peso e controlar o nível de colesterol no sangue, além de ser gostoso. Com isso a saída do produto é certa”. O cliente já leva o peixe tratado e até cortado na hora. José Gomes explica que para ter peixe fresquinho conta com vários fornecedores, “inclusive daqui da cidade do belo rio Tocantins”. A clientela é muito diversificada e fiel: principalmente donas de casa e muitos restaurantes da cidade.

fazer suas compras no Mercadinho. O movimento é grande na rua Aquiles Lisboa, local onde, desde a década de 1960, se encontra o maior mercado de hortifruti da cidade de Imperatriz. “Eu já consegui comprar até casa própria. A gente vende bem aqui”, diz Maria Lúcia Borges, que trabalha há 15 anos no mesmo local. Com características indígenas, a maranhense de cabelos negros e longos usa brincos, cordão e unhas pintadas de vermelho bem chamativo. Dona Maria procura sempre estar em dia com a aparência. “Eu tenho que

me “enquajar” (se arrumar), assim como eu estou né? Pra ter boa presença”. Com sorrisos tímidos nos lábios, ela emprega o seu jeitinho para chamar os clientes à sua barraca de verduras e frutas. Vários guarda-sóis de todas as cores e formas se espalham pela rua larga, mas que se torna pequena para tanta gente. Embaixo deles os vendedores procuram se esconder do sol, que teima em aparecer cada vez mais forte. E é entre carros, motos, bicicletas e carroças que começa o fluxo de pessoas à procura dos ingredientes

para as suas refeições. Maria, já com um ar de cansaço, de quem acordou às 6h da manhã, começa a guardar seus produtos. “Aqui no meu lugar é bom porque eu só ponho as coisas dentro do local, não levo nada pra casa”. Com o aluguel mensal de 30 reais, ela tem a sua barraca fixa. E assim segue o seu destino no fim do trabalho, para o bom descanso, já que o outro dia a espera com o mesmo calor, a fedor das ruas, barulho e o cansaço, no entanto nada que consiga atrapalhar a sua venda diária. CHYSTIANE MARTINS

Carne vermelha é o prato preferido na mesa dos imperatrizenses. Em bons dias, a venda pode chegar até a cem quilos de carne, por açougue


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ALIMENTAÇÃO Panelada, cachorro-quente, pastel, caldo de carne e churrasco são exemplos de alimentos encontrados no mercado em todos os dias de feira

Alimentos para diversos tipos de paladar RÔMULO FERNANDES EDYNARA VIEIRA

Domingo, 9h30. Os cheiros permeiam o ar. Olhos marejam em meio ao leque de opções gustativas. A boca aguarda ansiosamente a decisão. É possível que os sentidos fiquem inconscientes por segundos, mas o fascínio pelas cores, texturas e sabores o traz à consciência. Este é o cenário do Mercadinho, em mais um dia de feira. Logo na chegada, somos surpreendidos por uma diversidade em termos de alimentação. Barracas de cachorro quente, pastéis, caldos de carnes, churrascos, panelada. Aqui, poucos consomem o tradicional café da manhã. Quanto mais cedo for, melhor é a ocasião para degustar uma panelada com farinha ou arroz, temperada pelo freguês com acréscimos de pimenta e limão. Acompanha ainda uma água bem gelada. A comida pesada é associada à força. Comer bem significa estar apto para enfrentar o dia. Nas barraquinhas de cachorro-quente se percebe um amontoado de pernas. O lanche acompanha um copo com suco natural nos sabores laranja, abacaxi, tamarindo e acerola. Os consumidores fazem gestos de aprovação à comida. E para quem pensa que os consumidores dos alimentos vendidos na feira do Mercadinho se restringem a um determinado grupo, engana-se. O consumo destes produtos abrange um misto de classes sociais. O preço é um grande atrativo. Há uma loja só de bolos ao lado de um espetinho. Pedaços

Entre os mais variados tipos de comida que são vendidos na feira, o espetinho é um dos preferidos dos clientes, que aproveitam para se alimentarem enquanto fazem as compras

grosseiros de carne são espetados e colocados na churrasqueira, a fumaça lançada é enorme e a “gordurinha” salta aos olhos dos clientes, que ansiosos, aguardam a vez. Ao longe, avisto uma barraquinha na cor azul, que fica em uma

esquina, ao lado do ponto de táxi. O fluxo de pessoas é muito grande, logo cedo pessoas com suas fardas, carros e motos. Pergunto ao proprietário, Welligton Pereira Santana, porque estas pessoas preferem um hot dog ao invés de um café tra-

dicional. Ele responde: “A maioria das pessoas aqui trabalham pesado e isso dá sustentação para o dia”. Welligton, 41 anos, trabalha com a esposa Jocicleia Barbosa Santana, 32 anos. Os dois sustentam a família com essa ati-

vidade há 16 anos. Sempre com o ponto lotado, ele diz que o segredo é o bom atendimento. Conquistaram casa própria e um carro do ano. O casal é muito simpático. Agradeço e recebo um copo de suco que realmente é natural.

Sujeiras, lixos e esgoto a céu aberto compõem o cartão de visita do local MILLENA MARINHO

Situação da limpeza (ou da falta dela) é algo que parece não preocupar tanto os comerciantes, que em meio ao lixo vendem suas mercadorias para os clientes que vêm de toda a região tocantina MILLENA MARINHO

O clima de animação e correria dá espaço aos esgotos a céu aberto, sujeiras e moscas que passeiam normalmente pelas vielas. Quem nunca se deparou com essa imagem caótica ao

passar pelos corredores do maior mercado da região tocantina? Mercado Vicente Fitz, ou simplesmente Mercadinho, assim chamado pela população de Imperatriz, pode ser comparado a uma espécie de “trânsito indiano”. Não temos vacas e elefantes pelas ruas,

mas em compensação, cavalos, carroças e bicicletas aos montes. Segundo a assistente administrativa da Vigilância Sanitária de Imperatriz, Valdenice Ribeiro, houve uma pequena melhora na questão da higiene do mercado. Mas ainda há uma re-

sistência por parte dos principais envolvidos, que são os frequentadores, feirantes e ambulantes. Antes de fechar qualquer estabelecimento, o órgão realiza um processo de conscientização. São palestras educativas, nas quais se explica a forma correta de armaze-

namento de alimentos, a organização da limpeza, estrutura adequada e higiene pessoal dos funcionários. A situação da limpeza (ou da falta dela) é algo que parece não preocupar tanto os proprietários e frequentadores do local, uma vez que já se tornou habitual, como se fosse o próprio cartão de visita do mercado. “Aqui a higiene é precária, mas o pessoal tá acostumado”, afirma Wilton Costa, um simpático baixinho, dono de um dos açougues do armazém. Assim como a alta porcentagem que não se importa com a questão da higiene, há também os que veem nisso algo importante a ser levado a sério. É o caso de Genilda dos Santos, parda, feições cansadas, porém bem receptiva, que trabalha em um quiosque do ramo alimentício, vendendo panelada, prato típico da região. “Eu me preocupo com a higiene. Se os outros não fazem sua parte, eu faço a minha, mantendo meu espaço sempre limpinho”. Em meio ao corre-corre do mercado, ligado ao odor dos esgotos e lixos, se juntando ao cheiro de comida, surge José Nascimento, morador de Imperatriz há 30 anos. “Sempre frequento o Mercadinho, já me acostumei com a sujeira e descaso. Lancho em um hot dog daqui, e dentre os demais lanches este eu considero o mais limpo”.


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ATACADO Sacos de batata, laranja, pilhas de caixas de maçãs, uvas, caminhões carregados de melancia e outras verduras preenchem olhares e aguçam os sabores

Economia nas compras em grande escala JÉSSIKA RIBEIRO

Homens descarregando caminhão com cerca de 90 mil laranjas que chega a cada três dias de várias regiões do Maranhão e Tocantins. Compradores são donos de mercearias e bancas JÉSSIKA RIBEIRO

Essa é a parte do Mercadinho em que a palavra unidade não é pronunciada. “Quero terminar essa ‘carrada’ é hoje!”, grita seu Edmar Lopes, sentado em uma cadeira, no “escritório”, rodeado por

caixotes e cerca de 20 mil laranjas. O rapaz de bermuda florida e camiseta laranja se esperta rapidamente, voltando a atenção para o seu companheiro: “Bora que nóis tem que contar 40 saco”. Ligeiramente os dois se encaminham em

direção à enorme pirâmide de laranjas e começam a contar uma a uma, dividindo-as em sacos de cem. As compras em atacado no Mercadinho movimentam não apenas Imperatriz e regiões circunvizinhas como outros estados,

principalmente Pará e Tocantins. Os compradores são, na maioria, donos de mercearia, comércios, bancas e quitandas de frutas e verduras localizadas em diversos bairros de Imperatriz. Sacos de batata, laranja, cebola, pilhas de caixas de maçãs, car-

telas de ovos, caminhões carregados de melancia, cocos, abóboras e várias outras frutas e verduras preenchem os olhares. Nas calçadas é quase impossível transitar. Ficam estreitas, lotadas de caixas arrumadinhas com muita banana. A rua já não é tão grande por conta dos caminhões estacionados de um lado e do outro. Quem caminha por ali não pode andar de cabeça baixa e deve manter a atenção, pois, a qualquer momento, uma melancia pode voar à sua frente. Os homens vêm e vão com caixas nos ombros e empurrando os carrinhos de mercadoria pesada super carregados. Paulo Sipião é um cliente fiel do Mercadinho. Ele e dona Avanir Sipião são proprietários de uma quitanda. “Temos que vir ao Mercadinho um dia sim, outro não. Saímos pechinchando até encontrar o melhor preço no atacado pra depois vendermos no varejo”. “O cento tá cuma?” “R$ 16”, “Tá pronto?” “Sim senhor!”. O jovem moço de calças dobradas nas pernas pega o saco de laranjas, coloca nas costas e carrega até a carroça já transbordando de mercadorias. A laranja é uma das frutas mais vendidas em grande quantidade. O saco, contendo cem laranjas, varia entre R$ 16 e R$ 18 no atacado. Por outro lado, no varejo as mesmas laranjas revendidas custam entre R$ 20 e R$ 25.

Brechó: amontoados de sabedoria e moda para todas as classes sociais JEFFERSON DE SOUSA JEFFERSON DE SOUSA

“A maior parte do pessoal é civilizado”. É assim que José Gomes de Queiroz define os clientes do seu brechó. Dentre roupas amontoadas e um grande estoque de sabedoria, ele relata os mais de 15 anos trabalhando no setor do Mercadinho. José e sua esposa têm duas lojas do mesmo ramo, o de roupas usadas. Com essa atividade tentam conquistar o sustento de sua família. Ganham pouco, mas afirmam que o negócio funciona por temporada: “Aqui durante o verão vende mais, porque os trabalhadores de roça vêm procurar jaqueta para se proteger do sol. Já no inverno, a procura não é tão intensa” . Todas as classes sociais procuram a pequena loja do seu José para se diferenciar da maioria. A moda retrô sempre tem seus clientes fiéis: “Aqui, vem gente de tudo quanto é jeito. Vem pobre, vem rico, sempre tem gente procurando roupa pra entrar na moda. O que mais sai aqui são jaquetas jeans que serve pra todo tipo de gente”. Responsabilidade - A sua pequena loja, de difícil localização pelas entranhas do Mercadinho, é registrada como uma micro empresa que, por sua vez, conta com a vigilância da prefeitura e do governo do Estado: “Sempre tem fiscalização por aqui. De vez em quando eles procuram a gente pra saber

Proprietário José Gomes conta que nos seus mais de 15 anos de experiência no setor do Mercadinho, o que não existe é falta de histórias das mais variadas classes sociais. “Vem pobre e vem rico”

o que está acontecendo”, informa seu José quando pergunto sobre a segurança do local. Das variadas lojas que se encontram por lá, a maioria pertence a comerciantes com mais de 20 anos de negócios. Seu José recorda que existiam outros brechós, mas

que com o tempo foram desaparecendo: “Aqui tinha mais loja que mexe com roupas usadas, mas com o tempo foram todos desistindo por pensar que não teriam clientes. Todas as minhas roupas chegam de São Paulo, sempre trago roupas de lá”, relata com um olhar orgulhoso

e um sorriso disfarçado de felicidade sobre aquilo que faz. O cheiro de mofo, o ventilador que mal dá para espantar o calor e o grande barulho que insiste em nos rodear transformam de um jeito estranho o brechó em um lugar aconchegante. Elementos que

anulam o tabu de que esse tipo de loja vende roupas do “já morreu”. E fazem com que pessoas de várias classes sociais procurem os seus mais diferenciados estilos em um só lugar, afinal de contas o que se compra em um brechó não se vê igual na rua.


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ENTREVISTA Ex-administrador do Mercado Municipal de Imperatriz, pastor Weudison Feitosa

“O Mercadinho é o coração de Imperatriz” O complexo comercial que forma o Mercadinho é composto por dois grandes mercados. O Vicente Fitz é de administração estadual e abriga açougues e lojas de eletrônicos. Já o Mercado Central é de administração municipal e agrupa

78 boxes e 16 barracas que vendem tudo que se possa imaginar no segmento de secos e molhados. Essa Babilônia, em forma de feira livre existe há tanto tempo que poucos se arriscam a fixar uma data para sua origem. Apesar disso,

a administração pública do mercado é bem recente, data de metade dos anos 1980, quando o então prefeito Ribamar Fiquene criou o cargo de administrador do local. Apenas o lado municipal do Mercadinho possui uma coordena-

ção para administrar o espaço e as atividades burocráticas. Quem estava à frente dessa tarefa, no mês da entrevista com o jornal Arrocha era o pastor Weudison Feitosa. Ele era responsável por manter a ordem no local, que recebe diariamente de 7

a 8 mil pessoas, número que chega a 14 mil nos dias que encerram a semana. Weudison respondeu na época aos questionamentos mais frequentes dos feirantes e dos consumidores sobre o Mercadinho.

HILTON MARCOS FERREIRA

solucionar esse problema? O secretário de Agricultura ficou de acionar o secretário da Setran e nós iríamos retomar algumas medidas, por exemplo: de um lado ficar só a feira e do outro só estacionamento. Só que os donos de armazém não concordaram. Nada ficou definido. Mas pretendemos deixar um lado da Aquiles Lisboa e um lado da Benedito Leite para estacionamento e outro lado para feira.

HILTON MARCOS FERREIRA REBECA AVELAR

Qual a importância do complexo de feiras que forma o Mercadinho para Imperatriz e região? Creio que representa muito para a cidade. O Mercadinho é o coração de Imperatriz, aqui é onde gira todo o dinheiro da cidade. Vem gente também das cidades vizinhas, como Buritirana, Davinópolis, João Lisboa. Funciona mesmo como um Ceasa, que além de distribuir para toda cidade, movimenta a região Tocantina.

Como a administração lida com os problemas de infraestrutura, as infiltrações, o esgoto a céu aberto e o lixo acumulado na feira? Todos os dias temos essa reclamação, mas hoje já não está como era antes. Se você chegar aqui cedo verá uma equipe de pessoas da Limp Fort aí por fora, trabalhando. Só que aqui é gente de minuto a minuto, são em média sete mil pessoas diariamente, nos fins de semana e nos feriados o número chega a 15 mil. Não tem como manter o mercado limpo o tempo todo. Quando a questão é esgoto, chamamos a Caema. Já fizemos abaixo-assinado, às vezes agindo como presidente de associação para solicitar o serviço da Caema, então a limpeza é feita. Só não são 24 horas como eles (feirantes) querem.

Qual é a renda obtida pelo Mercadinho? Em média 200 reais por dia para cada feirante. É uma média de meio salário mínimo por box. Isso no Mercado Central. E quais benefícios a sua gestão alcançou? Aumentamos o número de fiscais (atualmente são seis , na gestão anterior era um), reformamos e construímos novos banheiros. Houve também a pintura da estrutura física do mercado e a implantação do gabinete da administração. Quais as perspectivas para o futuro do Mercadinho? Existe um projeto que pretende organizar o povo que está nas ruas, criando outra feira para desobstruir as ruas. Dentro do mercado conseguimos dar qualidade na organização dos banheiros e na estrutura física.

Qual a postura da administração do Mercado Central em caso de crimes que acontecem por aqui? A minha orientação aos fiscais é recuar e acionar a polícia, caso presenciarem algo dessa natureza. Já aconteceu caso dos fiscais apartarem discussões, mas o que temos que fazer é comunicar à polícia. (Nota dos entrevistadores: Havia um posto da Polícia Militar, mas como o efetivo não era suficiente esse posto foi desativado). Esse é o nosso papel aqui.

O Mercadinho é dividido em duas alas, uma sob administração estadual e outra municipal. Porque o município não gere a ala estadual, atualmente sem coordenação? É uma questão que precisa ser resolvida pelo secretário (Agricultura) do município e a gerência regional do Estado. Não sei se futuramente os mercados serão agregados, mas já ouvi conversas nesse sentido, embora não possa afirmar que isso acontecerá. Creio que a prefeitura assumirá esse compromisso tendo em vista a necessidade dos comerciantes do mercado estadual. A reclamação dos vendedores da parte municipal diz respeito à ineficiência dos serviços prestados pela administração do mercado (limpeza, segurança, organização). De que modo são prestados esses serviços? Creio que nós não podemos agradar 100%, mas se você for fazer uma pesquisa ou comparação da atual gestão com a que passou, verá uma grande diferença na questão da segurança, na limpeza, na organização. As reclamações em função de esgoto não é nossa responsabilidade, é da Caema. Temos vigia aqui à noite para o Mercado Central, mas

não vigias para a quadra toda do Mercadinho. Mas creio que o mercado melhorou muito em termos de informação, reforma de banheiros. Infelizmente tem aqueles que não se conformam com essa administração, mas nem Jesus agradou a todos. O efetivo que trabalha no Mercadinho se concentra durante a semana e falha no fim de semana quando o movimento é maior. Por que isso acontece? Os funcionários da prefeitura, em sua maioria, são concursados. E você sabe que eles possuem uma carga horária, então não podemos

colocar eles para trabalhar acima da carga deles. A questão é sentar e ver como vamos melhorar isso, colocando uma turma para trabalhar fim de semana e também nos feriados. Diariamente, toneladas de carnes, hortaliças, frutas e condimentos são comercializados no Mercadinho. Como é feito o controle de higiene desses produtos? Essa questão é de responsabilidade da Vigilância Sanitária. Às vezes quando avistamos coisas irregulares nessa área, nós comunicamos a eles. Eles vêm, fazem a vistoria e junto

conosco, todos os dias, nos reunimos com a equipe do abate clandestino. Queijos e laticínios também é responsabilidade da Vigilância, mas trabalhamos em parceria. Nossa missão é fiscalizar a rua, organizar, padronizar boxes, mas quando vemos coisas assim acionamos o pessoal do abate clandestino e da Vigilância Sanitária. Uma reclamação constante sobre o Mercadinho é a dificuldade de tráfego, estacionamento e acesso à feira. Que medidas a administração (e o poder público local) já tomaram para

Qual é a função específica dos fiscais? A função deles hoje é fiscalizar a questão da entrada de novos feirantes (invasores). Todos os dias existem pessoas querendo aumentar a feira. Nós estamos tentando manter a quantidade de feirantes neste mercado. Entre a rua Rio Grande com a rua Paraíba o espaço do estacionamento é tomado. Desde o início esse Mercadinho foi assim. O trabalho dos fiscais é conscientizar, orientar e manter o padrão. Se você pudesse mudar algo no complexo Mercadinho, o que mudaria? Primeiro eu tiraria todo esse povo da rua (Aquiles Lisboa). Liberaria o espaço para veículos e pedestres. Segundo, colocaria no Mercado Central uma parte só para secos e outra só para molhados. Aqui é tudo misturado. Terceiro, ampliaria o espaço do mercado, e para esses feirantes clandestinos, procuraríamos um local dentro do próprio mercado para colocá-los.


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BICHOS Vendedores de animais afirmam que o comércio é promissor, apresentando como principal clientela a população com renda mais baixa de Imperatriz

Diversidade de animais agita Mercadinho ANA CARLA RIO

Clientes costumam para ao ver os animais expostos, na maioria das vezes perguntam sobre os preços, encantam-se, negociam e em seguida levam os bichinhos para casa. Às vezes voltam e vendem os animais por um preço inferior ao da compra ANA CARLA RIO

Cocó,cocóricó. É a ânsia de uma galinha, esperando o seu abate em pleno Mercadinho. A cena marca o intervalo entre o chão e o precipício. É a finitude de mais uma galinha, que terá seu funeral em uma mesa farta de uma família imperatrizense. “Não se culpe, o jeito é você fechar os olhos e matar. O único problema é fechar os olhos”, afirma, rindo, Maria de Lurdes, 56 anos, sete filhos, 25 anos vendendo e matando galinhas. “Hoje isso para mim é normal, tenho prazer de entregar quase

pronta pro cliente”. A negociação representa a efervescência de um comércio pouco comum, precário, mas predestinado à superação. “Bom dia patrão! Aqui é você quem manda! Quero um desses, quanto é? É 10 pilas. Beleza, vou levar”. Este é um exemplo clássico e comum de mais um negócio fechado em Imperatriz. Francinilson Pereira Nascimento, vendedor de animais no Mercadinho há três anos, fala sobre a clientela: “Gosto de atender mais pobre que rico. Pobre quando chega, já compra. Rico aluga, aluga, toma teu tempo e ainda implora

desconto”. Ele conclui que as pessoas sempre compram para criar ou presentear alguém. Marcelo Araújo, 25 anos, proprietário de uma loja de compra e venda de animais no local, fala sobre a diferença entre o estabelecimento e uma clínica veterinária. “Aqui não tratamos a doença do animal, só vendemos e compramos. Trabalhamos muito mais com a experiência da gente do que com exames laboratoriais”. Suelene Santos, professora, 32 anos, três filhos, entra na loja neste momento. “Eu vim aqui com minha ‘pequena’, e ela tá caindo a pelagem. ANA CARLA RIO

Aves ornamentais chamam a atenção dos clientes. Para eles, esses pássaros representam o principal atrativo do comércio pelo seu contraste de cores

Sua esposa passou uma injeção e está caindo mais”. Marcelo responde: “Tá não, aparentemente tá é sarada. Entre, vou passar uma pomadinha, e vou dar um descontão para ela”, convida, com uma risada larga. Desse modo, observa-se que pessoas sem formação alguma passam medicamento para o animal podendo comprometer a sua saúde. Ercílio Polizelli, 36 anos, conta que as pessoas compram, pensando estar levando um bichinho de pelúcia para casa. “O bichinho dá trabalho, suja tudo, tem horário pra comer”. Ele informa que a maioria das pessoas que compram animais

no Mercadinho voltam para vender novamente, marcando o famoso “troca-troca” característico do comércio. Muitos compram os animais para comer no caso de algumas aves (codorna, galinha e patos), criar e domesticar (cão, gatos, coelhos) e outros casos, como os de alguns pássaros ornamentais, por hobby. Dessa forma, o comércio de animais no Mercadinho supera as expectativas de quem compra pela diversidade apresentada e agrada quem vende pelos resultados econômicos. ANA CARLA RIO

Cachorros são animais de melhor comércio, donas de casa e crianças gostam de levá-los para casa


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DIVERSIDADE Lima, o proprietário, explica que o pai iniciou as atividadwes do estabelecimento buscando facilitar o acesso dos menos favorecidos a bens mate-

Troca-troca de produtos e experiências

RAIMUNDO CARDOSO

RAIMUNDO CARDOSO

Todo tipo de objeto pode ser encontrado por ali, como motos, bicicletas, TVs, geladeiras e celulares RAIMUNDO CARDOSO

Objetos amontoados em prateleiras, nos corredores e pessoas agitadas com a possibilidade de fazer um bom negócio caracterizam o pequeno espaço entre o corredor e a parede lateral do prédio do Mercado Vicente Fitz, no Mercadinho. O espaço à esquerda de quem chega, ao lado do edifício principal da feira, pela rua Aquiles Lisboa, é conhecido como troca-troca. Os boxes daquele corredor se enquadram na modalidade de compra e venda de materiais novos e

usados. Todo tipo de objeto pode ser encontrado ali: bicicletas, telefones celulares, televisores, geladeiras, armários, estantes e ventiladores. O setor do troca-troca guarda inúmeros mitos derrubados pelo vendedor Antonio Lima e pelo irmão, Hildoberto, que trabalham há 30 anos no local. Antonio explica que o pai originou as atividades do lugar na intenção de facilitar o acesso dos menos favorecidos a bens materiais novos e usados, com preços mais acessíveis. A maioria dos objetos é revendida pelos antigos proprietários que,

Vendedor Antonio Lima trabalha há 30 anos com o ramo de troca-troca. Negócio iniciado pelo pai e tocado por ele e o irmão chega à terceira geração

por algum motivo de “aperto financeiro”, decidiram comercializar alguns dos seus pertences em troca de dinheiro extra para outra atividade. Do lado de fora, um jovem colega de curso aguarda o momento de retornar ao campus, quando é abordado por um homem de feições enrugadas, barba por fazer, estatura média, vestindo bermuda jeans desbotada e camisa preta com um jovem loiro na frente e, logo acima, o nome Nirvana. O homem pergunta se o estudante deseja vender alguma coisa, e o rapaz responde: “Sim, mas gostaria de saber primeiro quanto

vou receber no aparelho que pretendo vender”. O diálogo flui, mas logo no primeiro box o jovem se depara com um comerciante evangélico que, ao recusar a proposta de compra do objeto, pergunta ao estudante: “Você já é evangélico?” A resposta negativa do jovem leva o comerciante a puxar um folheto com reflexões bíblicas e orientar o rapaz a mudar de “rumo”. Hildoberto Lima confessa orgulhoso que o negócio iniciado pelo pai e continuado por ele e pelo irmão já chegou à terceira geração da família. Para os irmãos Lima, as ati-

vidades do setor de compra e venda de móveis e eletros usados já tiveram dias melhores. Antonio Lima conclui a conversa entre irmãos dizendo: “Tenho 30 anos de negócio aqui e isso é sinal de que trabalho certo. Todo mundo conhece a gente aqui, eu tenho um nome a zelar, posso andar em qualquer canto”. Hildoberto balança a cabeça afirmativamente, enquanto observa o movimento do lado de fora da loja. Ele se retira rapidamente, pois um possível freguês ou provável vendedor veio em busca de uma boa negociação. RAIMUNDO CARDOSO

Fachada do acesso principal do setor de compra e venda do troca-troca, ambiente marcado pela informalidade e rapidez nas negociações. Maioria dos objetos é revendida pelos seus antigos proprietários que estão em “aperto” financeiro


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SAÚDE Para lidar com remédios fitoterápicos, segundo alertam os raizeiros, é preciso ter conhecimento e responsabilidade. Mas a fé do cliente ajuda bastante

Farmácia popular: garrafadas e raizadas RAMON CARDOSO

Raizadas das mais diversas texturas, cores e sabores abarrotam sacos de fibra, caixotes e bacias.Pessoas de várias partes do país vão ao Mercadinho movidos pela promessa de cura para os mais variados tipos de enfermidades RAMON CARDOSO

Formas, texturas, aromas, cores, abundantes em várias barracas, enchem os olhos, as mãos e as narinas. Assim é o Mercadinho das raizadas e garrafadas: uma mistura, tão fina e tão rude, tão leve e tão doce quanto o próprio povo que circula pelos corredores e vielas dessa feira de culturas, que pulsa vida pelo coração da cidade. Um labirinto de sensações e sabores abarrotando sacos de fibra, baldes azuis, caixotes e bacias de

alumínio, onde é tão fácil se perder quanto se encontrar. Esta riqueza ímpar de características que, para muitos, indica a capacidade de curar das plantas, também torna fácil confundir suas serventias. Francisco Joaquim de Sousa, 72 anos, pernambucano conhecido como seu Chico Raizeiro, alerta que esse engano pode levar à morte. Ele diz, entre uma aspirada e outra de rapé, que para lidar com remédios fitoterápicos “é só ter conhecimento e responsabilidade”.

Raizeira há 30 anos, a cearense Joviana Alves da Silva, 66, confessa que hoje até evita fazer garrafadas por ser algo trabalhoso e que exige muito cuidado. Foi o desengano com os médicos e laboratórios que levou dona Joviana a mexer com raizadas e muitos a procurarem seus remédios. Ercísio Rafael da Silva, 55, veio de Goiânia e aproveitou para comprar banha de jiboia. “Nunca fiquei doente, mas não hesitaria em usar o remédio natural, pois o de farmácia decepciona muito. Vemos RAMON CARDOSO

Vendedores prepararam os remédios naturais no ambiente de trabalho e os clientes podem acompanhar todo o processo

muitos casos de falsificações na TV”. Doenças - De hérnia a doença venérea, os mais diversos casos aparecem. Há mulheres jovens frígidas que buscam algo para se “animar” e homens jovens que querem frear o apetite sexual das suas companheiras. Além dos abortivos, estes sempre recriminados. Tudo depende da capacidade de expressão. É tudo uma questão de saber prosear. Edilene Lucia de Sousa, 52, pernambucana, mais conhecida como Irmã Edilene, comenta que ven-

de até para médicos. Ela enfatiza: quem cura não são as ervas, mas antes a fé, Deus. Quem compra sabe que o que vale é a oração sobre o remédio. A prosa longa e leve, a prova dos gostos e sabores das ervas, tudo é livre por ali. A troca e os gestos acompanham essa garrafada de raízes culturais, espirituais e experimentais. Porque, como diz seu Chico: “Raizeiro tem que ter responsabilidade. Se der, deu. Se não, não deu. Aí é: ‘rapaz procure um médico’”. RAMON CARDOSO

Vendedores acreditam que a cura não vem só das ervas, mas também da fé que os compradores têm nos “remédios”


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