Machado por ele mesmo

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O escritor aos 25 anos/Academia Brasileira de Letras


M AC H A D O D E A S S I S P O R E L E M E S M O

O espelho da ficção “Cada criatura humana traz duas almas consigo: uma que olha de dentro para fora, outra que olha de fora para dentro (...). A alma exterior pode ser um espírito, um fluido, um homem, muitos homens, um objeto, uma operação” – escreveu Machado de Assis em “O espelho”, um dos contos mais célebres desse homem célebre, aquele no qual o tema, recorrente em sua obra, da defasagem entre o ser e sua aparência deixa um rastro de sugestão: o que há de Machado em sua ficção e o que há de ficcional em suas parcimoniosas referências a fatos biográficos ou eventos históricos descritos com a pena da galhofa e a tinta da melancolia? Homem profundamente discreto, Machado de Assis parece ter apagado com cuidado os traços de confidência sobre sua vida privada e suas convicções pessoais. Daí ser difícil extrair da sua vasta obra fragmentos onde estaria o “ele mesmo” do escritor. Hábil manipulador das instâncias narrativas, sua visão de mundo está velada por uma profusão de disfarces. Na falta de depoimentos diretos do escritor sobre sua infância e sua vida pessoal, e sobre o que pensava da vida e do mundo, biógrafos e críticos buscaram reconstituir essas lacunas a partir de trechos da ficção que soavam como confissões do escritor. Ocorre que entre nós, leitores empíricos, e o assunto narrado, há editores e autores ficcionais, narradores múltiplos, leitores intrusos, uma pequena multidão de ventríloquos de opiniões e valores em que o homem Machado talvez não acreditasse de modo algum. Surgiram assim vários mitos em torno desse Machado de Assis reconstruído a partir de matéria francamente ficcional. Por isso, para compor esta seção lançamos mão apenas da correspondência, da crítica e da crônica do escritor. São esses os textos em que o homem Joaquim Maria e o escritor Machado de Assis teriam expressado mais abertamente suas opiniões, seus valores e seus afetos. No caso das crônicas, vale uma advertência e um questionamento sobre o estatuto dos seus narradores. Até que ponto o que vai escrito nas crônicas de jornal corresponde às opiniões e convicções pessoais do escritor? Até que ponto essas opiniões seriam mais propriamente creditáveis aos pseudônimos sob os quais muitas delas foram escritas e publicadas? Sem querer resolver o dilema nem responder a essas questões, motivo de controvérsia recente entre os críticos, sempre que for o caso os fragmentos das crônicas vêm acompanhados das iniciais (M.A., M. de A., M.-as) ou dos pseudônimos (Lélio, Eleazar, Manasses, Gil, Job) que acompanham suas primeiras publicações. 53


O menino é o pai do homem

Auto-retrato

“A inocência em mim foi uma evolução, apareceu com a puberdade, cresceu com a juventude, vai subindo com estes anos maduros, a tal ponto que espero acabar com a alma virgem das crianças que mamam.”

“Aos vinte anos, começando a minha jornada por esta vida pública que Deus me deu, recebi uma porção de idéias feitas para o caminho. Se o leitor tem algum filho prestes a sair, faça-lhe a mesma coisa. Encha uma pequena mala com idéias e frases feitas, se puder, abençoe o rapaz e deixe-o ir. Não conheço nada mais cômodo. Chega-se a uma hospedaria, abre-se a mala, tira-se uma daquelas coisas, e os olhos dos viajantes faíscam logo, porque todos eles as conhecem desde muito, e crêem nelas, às vezes mais do que em si mesmos. É um modo breve e econômico de fazer amizade. (...) Trazia comigo na mala e nas algibeiras uma porção dessas idéias definitivas, e vivi assim, até o dia em que, ou por irreverência do espírito, ou por não ter mais nada que fazer peguei de um quebranozes e comecei a ver o que havia dentro delas. Em algumas, quando não achei nada, achei um bicho feio e visguento.”

(“A semana”. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 10.02.1895. Publicado sem assinatura)

“Se a velhice quer dizer cabelos brancos, se a mocidade quer dizer ilusões frescas, não sou moço nem velho. Realizo literalmente a expressão francesa: Un homme entre deux âges. Estou tão longe da infância como da decrepitude; não anseio pelo futuro, mas também não choro pelo passado. Nisto sou exceção dos outros homens que, de ordinário, diz um romancista, passam a primeira metade da vida a desejar a segunda, e a segunda a ter saudades da primeira.” (“Ao acaso”. Diário do Rio de Janeiro, 05.03.1867. Assinado como M.A.)

(“Balas de estalo” [03.04.1885]. Publicado com o pseudônimo Lelio. In Balas de estalo. São Paulo: Annablume, 1998, p. 241)

“O passado (se o não li algures, faça de conta que a minha experiência o diz agora), o passado é ainda a melhor parte do presente, – na minha idade, entenda-se.”

“Eu gosto de catar o mínimo e o escondido. Onde ninguém mete o nariz, aí entra o meu, com a curiosidade estreita e aguda que descobre o encoberto. (...) A vantagem dos míopes é enxergar onde as grandes vistas não pegam.”

(Carta a Joaquim Nabuco, Rio de Janeiro, 05.01.1902) ABL

(“A semana”. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 11.11.1897. Publicado sem assinatura)

“Eu, apesar do pessimismo que me atribuem, e talvez seja verdadeiro, faço às vezes mais justiça à Natureza do que ela a nós. Não posso negar que ela respeita alguns dos melhores, e estou que os fere por descuido, mas logo se emenda e põe o bálsamo na ferida.” (Carta a Salvador de Mendonça. Rio de Janeiro, 29.08.1903)

Pena e tinteiro de Machado de Assis conservados na Academia Brasileira de Letras 54


Reprodução

que, quando toda a gente admirava o manto invisível do rei, quebrou o encanto geral, exclamando: – El-rei vai nu! Não se dirá que, ao menos nesse caso, toda a gente tinha mais espírito que Voltaire. Estáme parecendo que fiz agora um elogio a mim mesmo. Tanto melhor; é minha doutrina.” (“Balas de estalo” [03.04.1885]. Publicado com o pseudônimo Lelio. In Balas de estalo, p. 242)

“Eu não sou homem que recuse elogios. Amo-os; eles fazem bem à alma e até ao corpo. As melhores digestões da minha vida são as dos jantares em que sou brindado.”

O jornalista e diplomata Salvador de Mendonça, um dos fundadores da ABL, c. 1895

“Não achareis linha cética nestas minhas conversações dominicais. Se destes com alguma que se possa dizer pessimista, adverte que nada há mais oposto ao ceticismo. Achar que uma coisa é ruim não é duvidar dela, mas afirmá-la.”

(“A semana”. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 25.09.1892. Publicado sem assinatura)

Literatura: tempo e história

(“A semana”. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 28.02.1897. Publicado sem assinatura)

“A primeira condição de quem escreve é não aborrecer.”

“Eu, pela minha parte, sou como a ingratidão humana – sem fundo.”

(“Ao acaso”. Diário do Rio de Janeiro, 10.10.1864. Assinado como M.A.)

(“História de 15 dias”. Ilustração Brasileira. Rio de Janeiro, 15.07.1876. Publicado com o pseudônimo Manassés)

“Se és feliz, escreve; se és infeliz, escreve também.” (“Ao acaso”. Diário do Rio de Janeiro, 22.11.1864. Assinado como M.A.)

“Sabe que não sou político, nem advogo nenhum interesse militante. Vejo as coisas com a imparcialidade fria da razão. Amigo das instituições que nos legaram, admirador da vida política da Inglaterra, desejo que se estabeleça entre nós por maneira estável o governo da opinião.”

“Se a missão do romancista fosse copiar os fatos, tais quais eles se dão na vida, a arte era uma coisa inútil; a memória substituiria a imaginação.”

(Imprensa Acadêmica. São Paulo, 14.08.1864. Publicado com o pseudônimo Sileno)

(Crítica ao romance O culto ao dever, de Joaquim Manuel de Macedo. Diário do Rio de Janeiro. 16.01.1866)

“Nem me retruque o leitor com o fato de ter de um lado a opinião do autor da idéia, e as gerações que a têm repetido e acreditado, enquanto do outro estou apenas eu. Faça de conta que sou aquele menino

“O que se deve exigir do escritor antes de tudo, é certo sentimento íntimo, que o torne homem do seu tempo e do seu país, ainda quando trate de assuntos remotos no tempo e no espaço.” 55


Acervro Iconographia

“E o tempo (...) só respeita aquilo que é feito com tempo; máxima salutar que os poetas nunca deviam esquecer.” (“Semana literária”. Diário do Rio de Janeiro, 06.02.1866)

“Talvez haja quem veja na franqueza literária uma espécie de oposição política; tudo é possível num país onde há mais talento que modéstia; mas (...) só duas coisas nos preocupam: o voto dos homens sinceros e a tranqüilidade da nossa consciência.” (“Semana literária”. Diário do Rio de Janeiro, 01.05.1866. Publicado sem assinatura)

“O conto-do-vigário é o mais antigo gênero de ficção que se conhece. A rigor, pode-se crer que o discurso da serpente, induzindo Eva a comer o fruto proibido, foi o texto primitivo do conto.”

O romancista Joaquim Manuel de Macedo

(“Notícia da atual literatura brasileira – Instinto de Nacionalidade”. O Novo Mundo. Nova York, 24.03.1873)

(“A semana”. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 31.03.1895. Publicado sem assinatura)

“Um historiador de quinzena, que passa os dias no fundo de um gabinete escuro e solitário, que não vai às touradas, às câmaras, à rua do Ouvidor, um historiador assim é um puro contador de histórias. (...) Um contador de histórias é justamente o contrário de historiador, não sendo um historiador, afinal de contas, mais do que um contador de histórias. Por que essa diferença? Simples, leitor, nada mais simples. O historiador foi inventado por ti, homem culto, letrado, humanista; o contador de histórias foi inventado pelo povo, que nunca leu Tito Lívio, e entende que contar o que se passou é só fantasiar.”

“Muitas vezes as faces da criação são coradas com o próprio sentimento. Mas que vale isso aqui? Do alto destas páginas só conheço a obra e o escritor. O homem desaparece.” (“Revista de teatros”. O Espelho. Rio de Janeiro, 06.11.1859. Assinado como M.-as.)

“As formas poéticas podem modificar-se com o tempo, e é essa a natureza das manifestações da arte; o tempo, a religião e a índole influem no desenvolvimento das formas poéticas, mas não as aniquilam completamente; a tragédia francesa não é a tragédia grega, nem a tragédia shakespeariana, e todas são a mesma tragédia.”

(“História de 15 dias”. Ilustração Brasileira. Rio de Janeiro, 15.03.1877. Publicado com o pseudônimo Manassés)

(Diário do Rio de Janeiro, 05.06.1866, em crítica a Colombo, poema épico de Manuel José de Araújo Porto-Alegre. Publicado sem assinatura)

“A história é isto. Todos somos os fios do tecido que a mão do tecelão vai compondo, para servir aos 56


olhos vindouros, com os seus vários aspectos morais e políticos. Assim como os há sólidos e brilhantes, assim também os há frouxos e desmaiados, não contando a multidão deles que se perde nas cores de que é feito no fundo do quadro.”

pensamos emendar, quando temos a fortuna de vê-las. Muita vez não a vemos, e então imitamos Penélope e o seu tecido, desfazendo de noite o que fazemos de dia, enquanto outro tecelão maior, mais alto ou mais fundo e totalmente invisível compõe os fios de outra maneira, e com tal força que não podemos desfazer nada. Sucede que, passados tempos, o tecido esfarrapa-se e nós, que trabalhávamos em rompê-lo, cuidamos que a obra é nossa. Na verdade, a obra é nossa, mas é porque somos os dedos do tecelão; o desenho e o pensamento são dele, e presumindo empurrar a carroça, o animal é que a tira do atoleiro, um animal que somos nós mesmos...”

(“A semana”. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 07.07.1895. Publicado sem assinatura)

“De todas as coisas humanas (...), a única que tem o seu fim em si mesma é a arte.” (“A semana”. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 29.09.1895. Publicado sem assinatura)

(“A semana”. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 21.02.1897. Publicado sem assinatura)

“Se as dores humanas se esquecem, como se não hão de esquecer as leis?”

À roda da linguagem

(“A semana”. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 26.07.1896. Publicado sem assinatura)

“Pego na pena com bastante medo. Estarei falando francês ou português? O sr. dr. Castro Lopes, ilustre latinista brasileiro, começou uma série de neologismos, que lhe parecem indispensáveis para acabar com palavras e frases francesas. Ora, eu não tenho outro desejo senão falar e escrever corretamente a minha língua; e se descubro que muita coisa que dizia até aqui não tem foros de cidade, mando este ofício à fava, e passo a falar por gestos.”

ABL

“Assim se vai fazendo a história, com aparência igual ou vária, mediante a ação de leis, que nós

(“Bons dias!” [07.03.1889]. Publicado sem menção ao nome do escritor. In Bons dias!. São Paulo: Hucitec/Unicamp, 1990, pp. 174-175)

“Eu, se tivesse de dar Hamlet em língua puramente carioca, traduziria a célebre resposta do príncipe da Dinamarca: Words, words, words, por esta: Boatos, boatos, boatos. Com efeito, não há outra que melhor diga o sentido do grande melancólico. Palavras, boatos, poeira, nada, cousa nenhuma.” (“A semana”. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 23.04.1893. Publicado sem assinatura)

Machado de Assis, c. 1896 57


“Em matéria de língua, quem quer tudo muito explicado, arrisca-se a não explicar nada.”

“As frases feitas são a cooperativa do espírito.” (“A semana”. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 07.10.1894. Publicado sem assinatura)

(“A semana”. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 14.10.1894. Publicado sem assinatura)

“O adjetivo foi introduzido nas línguas como uma imagem antecipada dos títulos honoríficos com que a civilização devia envergonhar os peitos nus e os nomes singelos dos heróis antigos.”

Crônicas: o cachimbo do fatalismo

“Há um meio certo de começar a crônica por uma trivialidade. É dizer: Que calor! que desenfreado calor! Diz-se isto, agitando as pontas do lenço, bufando como um touro, ou simplesmente sacudindo a sobrecasaca. Resvala-se do calor aos fenômenos atmosféricos, fazem-se algumas conjeturas acerca do sol e da lua, outras sobre a febre amarela, manda-se um suspiro a Petrópolis, e la grace est rompue; está começada a crônica.”

(“Comentários da semana”. Diário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 01.04.1862. Assinado como M.A.)

“Vocês não calculam como os adjetivos corrompem tudo, ou quase tudo; e, quando não corrompem, aborrecem a gente, pela repetição que fazemos da mais ínfima galanteria. Adjetivo que nos agrada está na boca do mundo.”

(“História de 15 dias”. Ilustração Brasileira. Rio de Janeiro, 01.11.1876. Publicado com o pseudônimo Manassés)

(“Balas de estalo” [16.05.1885]. Publicado com o pseudônimo Lelio. In Bala de estalo, p. 259)

“A crônica não gosta de lembranças tristes, por mais heróicas que também sejam; não vai para epopéias, nem tragédias. Cousas doces, leves, sem sangue nem lágrimas. No banquete da vida, para falar como outro poeta... Já agora falo por poetas; está provado que, apesar de fantásticos e sonhadores, são ainda os mais hábeis contadores de história e inventores de imagens. A vida, por exemplo, comparada a um banquete é idéia felicíssima. Cada um de nós tem ali o seu lugar; uns retiram-se logo depois da sopa, outros do coup de milieu, não raros vão até à sobremesa.”

“Os adjetivos passam, e os substantivos ficam.” (Ibidem, p. 259. Publicado com o pseudônimo Lelio)

“Gosto dos algarismos, porque não são de meias medidas nem de metáforas. Eles dizem as coisas pelo seu nome, às vezes um nome feio, mas não havendo outro, não o escolhem. São sinceros, francos, ingênuos. As letras fizeram-se para frases; o algarismo não tem frases, nem retórica.” (“História de 15 dias”. Ilustração Brasileira. Rio de Janeiro, 15.08.1876. Publicado com o pseudônimo Manassés)

(“A semana”. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 01.02.1984. Publicado sem assinatura)

“Estilo, meus senhores, deitem estilo nas descrições e comentários; os jornalistas de 1944 poderão muito bem transcrevê-los, e não é bonito aparecer despenteado aos olhos do futuro.”

“Um mestre da prosa, autor de narrativas lindas, curtas e duradouras, confessou um dia que o que mais apreciava na história, eram as anedotas. Não discuto a confissão; digo só que, aplicada a este ofício de cronista, é mais que verdadeira. Não é para aqui [a crônica] que se fizeram as generalizações,

(“A semana”. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 13.01.1895. Publicado sem assinatura) 58


É uma crise que dura pouco, mas que produz lutas atrozes. A dúvida desaparece quando o primeiro, o segundo, o terceiro, o décimo amigo veio com a mão aberta e o sorriso leal dizer-lhe uma palavra de animação. Eu confesso que estive em uma situação idêntica à que descrevi acima; por vezes intentei renegar a religião que abracei e vender a alma ao primeiro demônio que me aparecesse. Vedou-me a audácia esse passo; e murmurou-me ao ouvido aquelas palavras que atiraram Napoleão às pirâmides, e acabou por me dizer: caminha!”

nem os grandes fatos públicos. Esta é, no banquete dos acontecimentos, a mesa dos meninos.” (“A semana”. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 18.09.1984. Publicado sem assinatura)

“Não é novo nada disto, nem eu estou aqui para dizer coisas novas, mas velhas, coisas que pareçam ao leitor descuidado que é ele mesmo que as está inventando.” (“A semana”. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 24.02.1895. Publicado sem assinatura)

(“Revista dramática”. Diário do Rio de Janeiro, 13.04.1860. Assinado como M. de A.)

“Há outro ponto em que o cronista se parece com os turcos; é em fumar quietamente o cachimbo de seu fatalismo. O cronista não tem cargo de almas, não evangeliza, não adverte, não endireita os tortos do mundo; é um mero espectador, as mais das vezes pacato, cuja bonomia tem o passo tardo dos homens do harém.”

“Eu reduzo a missão do folhetim a isto: – atirar semanalmente aos leitores um punhado de rosas... sem quebrar-lhe os espinhos. Tenho eu culpa que o Criador rodeasse de espinhos as rosas, e que elas surjam assim do seio da terra, formosas, mas pungentes?” (“Ao acaso”. Diário do Rio de Janeiro, 10.07.1864. Assinado como M.A.)

(“Notas semanais”. O Cruzeiro. Rio de Janeiro, 25.08.1878. Publicado com o pseudônimo Eleazar)

“No folhetim, é um erro entristecer os leitores, para depois falar-lhes em assuntos amenos ou festivos.”

“O talento está em fazer de assuntos velhos assuntos novos – ou pelas idéias ou pela forma.”

(“Ao acaso”. Diário do Rio de Janeiro, 17.07.1864. Assinado como M.A.)

(“A semana”. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 26.07.1896. Publicado sem assinatura)

Teatro: o efêmero póstumo Folhetim: rosas e espinhos

“O belo pode existir mais revelado em uma forma menos imperfeita, mas não é exclusivo de uma só forma dramática. Encontro-o no verso valente da tragédia, como na frase ligeira e fácil com que a comédia nos fala ao espírito.”

“O folhetim é como os gatos: acaricia arranhando.” (“Ao acaso”. Diário do Rio de Janeiro, 05.09.1864. Assinado como M.A.)

(“Revista dramática”. Diário do Rio de Janeiro, 29.03.1860. Assinada como M. de A.)

“Ninguém calcula as incertezas e as ânsias em que luta a alma do folhetinista novel, depois de lançada nesse mar, que se chama público, a primeira caravela que a custo construiu no estaleiro das suas opiniões.

“É sem dúvida necessário que uma obra dramática, para ser do seu tempo e do seu país, reflita uma 59


O ponto de vista da crítica

certa parte dos hábitos externos, e das condições e usos peculiares da sociedade em que nasce; mas além disso, quer a lei dramática que o poeta aplique o valioso dom da observação a uma ordem de idéias mais elevadas.”

“Exercer a crítica, afigura-se a alguns que é uma fácil tarefa, como a outros parece igualmente fácil a tarefa do legislador; mas, para a representação literária, como para a representação política, é preciso ter alguma coisa mais que um simples desejo de falar à multidão. Infelizmente é a opinião contrária que domina, e a crítica, desamparada pelos esclarecidos, é exercida pelos incompetentes.”

(“Semana literária”. Diário do Rio de Janeiro, 06.03.1866)

“O que é a veneração da posteridade pelos artistas do teatro? As cenas palpitantes, as paixões tumultuárias, as lágrimas espontâneas, os rasgos do gênio, a alma, a vida, o drama, tudo isso acaba com a última noite do ator, com as últimas palmas do público. O que o torna superior acaba nos limites da vida; vai à posteridade o nome e o testemunho dos contemporâneos, nada mais.”

“Estabelecei a crítica, mas a crítica fecunda, e não a estéril, que nos aborrece e nos mata, que não reflete nem discute, que abate por capricho ou levanta por vaidade; estabelecei a crítica pensadora, sincera, perseverante, elevada, – será esse o meio de reerguer os ânimos, promover os estímulos, guiar os estreantes, corrigir os talentos feitos; condenai o ódio, a camaradagem e a indiferença, – essas três chagas da crítica de hoje, – ponde em lugar deles, a sinceridade, a solicitude e a justiça, – é só assim que teremos uma grande literatura.”

(“Conversas hebdomadárias”. Diário do Rio de Janeiro, 01.09.1863. Assinado como M. A.)

“Será necessário dizer que uma das condições da crítica deve ser a urbanidade? Uma crítica que, para a expressão das suas idéias, só encontra fórmulas ásperas, pode perder as esperanças de influir e dirigir. Para muita gente será esse o meio de provar independência; mas os olhos experimentados farão muito pouco caso de uma independência que precisa sair da sala para mostrar que existe.”

“A posteridade só recebe e aplaude aquilo que traz em si o cunho do belo.” (“Semana literária”. Diário do Rio de Janeiro, 01.05.1866)

“O público não tem culpa nenhuma, nem do estado da arte, nem da sua indiferença por ela; uma prova disso é a solicitude com que corre a ver a primeira representação das peças nacionais, e os aplausos com que sempre recebe os autores e as obras, ainda as menos corretas.”

“Não compreendo o crítico sem consciência. A ciência e a consciência, eis as duas condições principais para escrever a crítica. A crítica útil e verdadeira será aquela que, em vez de modelar as suas sentenças por um interesse, quer seja o interesse do ódio, quer o da adulação ou da simpatia, procure produzir unicamente os juízos da sua consciência. Ela deve ser sincera, sob pena de ser nula. Não lhe é dado defender nem os seus interesses pessoais, nem os alheios, mas somente a sua convicção e a sua convicção, deve formar-se tão pura e tão alta, que não sofra a ação das circunstâncias externas.”

(“Semana literária”. Diário do Rio de Janeiro, 13.02.1866)

“Em uma terra onde tudo está por fazer, não seria o teatro, cópia continuada da sociedade, que estaria mais adiantado.”

“O crítico deve ser independente – independente em tudo e de tudo – independente da vaidade dos autores e da vaidade própria.”

(“Comentários da semana”. Diário do Rio de Janeiro, 01.12.1861. Assinado por Gil) 60


ensaios de crítica, fui movido pela idéia de contribuir com alguma coisa para a reforma do gosto que se ia perdendo, e efetivamente se perde. Meus limitadíssimos esforços não podiam impedir o tremendo desastre. Como impedi-lo, se, por influência irresistível, o mal vinha de fora, e se impunha ao espírito literário do país, ainda mal formado e quase sem consciência de si? Era difícil plantar as leis do gosto, onde se havia estabelecido uma sombra de literatura, sem alento nem ideal, falseada e frívola, mal imitada e mal copiada. Nem os esforços dos que, como V. Exa., sabem exprimir sentimentos e idéias na língua que nos legaram os mestres clássicos, nem esses puderam opor um dique à torrente invasora.”

“É preciso que o crítico seja tolerante, mesmo no terreno das diferenças de escola: se as preferências do crítico são pela escola romântica, cumpre não condenar, só por isso, as obras-primas que a tradição clássica nos legou, nem as obras meditadas que a musa moderna inspira, do mesmo modo devem os clássicos fazer justiça às boas obras dos românticos e dos realistas, tão inteira justiça, como estes devem fazer às boas obras daqueles.” (“O ideal do crítico”. Diário do Rio de Janeiro, 08.10.1865)

“A crítica oficial, tribunal sem apelação, garantido pelo governo, sustentado pela opinião pública, é a mais fecunda das críticas, quando pautada pela razão, e despida das estratégias surdas. Todas as tentativas, pois, toda a idéia para nulificar uma instituição como esta, é nulificar o teatro, e tirarlhe a feição civilizadora que porventura lhe assiste.”

(Carta a José de Alencar, Rio de Janeiro, 29.02.1868)

“Confesso francamente, que, encetando os meus

(“Idéias sobre o teatro”. O Espelho. Rio de Janeiro, 25.12.1859. Publicado sem assinatura)

Archivo Contemporâneo

(“Idéias sobre o teatro”. O Espelho. Rio de Janeiro, 25.12.1859. Publicado sem assinatura)

“Julgar do valor literário de uma composição, é exercer uma função civilizadora, ao mesmo tempo que praticar um direito do espírito; é tomar um caráter menos vassalo, e de mais iniciativa e deliberação.”

José de Alencar e Machado de Assis em ilustração de 1873 61


ver e sentir, que dá a nota íntima da nacionalidade, independente da face externa das cousas. (...) O nosso Alencar juntava a esse dom a natureza dos assuntos tirados da vida ambiente e da história local. Outros o fizeram também; mas a expressão do seu gênio era mais vigorosa e mais íntima. A imaginação que sobrepujava nele o espírito de análise, dava a tudo o calor dos trópicos e as galas viçosas de nossa terra.”

“Desfiguram-se os intentos da crítica, atribui-se à inveja o que vem da imparcialidade; chama-se antipatia o que é consciência.” (Carta a José de Alencar, Rio de Janeiro, 29.02.1868)

“Não se comenta Shakespeare, admira-se.”

(discurso “A estátua de José de Alencar”. In Páginas recolhidas. Obra completa, v. 2. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2006, p. 625)

(“Revista dos teatros”. O Espelho. Rio de Janeiro, 12.11.1859. Assinado como M.-as.)

Um crítico célebre

“[sobre O Primo Basílio, de Eça de Queirós] Um leitor perspicaz terá já visto a incongruência da concepção do sr. Eça de Queirós, e a inanidade do caráter da heroína. Suponhamos que tais cartas não eram descobertas, ou que Juliana não tinha a malícia de as procurar, ou enfim que não havia semelhante fâmula em casa, nem outra da mesma índole. Estava acabado o romance, porque o primo enfastiado seguiria para França, e Jorge regressaria do Alentejo; os dois esposos voltavam à vida exterior. Para obviar a esse inconveniente, o autor inventou a criada e o episódio das cartas, as ameaças, as humilhações, as angústias e logo a doença, e a morte da heroína. Como é que um espírito tão esclarecido, como o do autor, não viu que semelhante concepção era a coisa menos congruente e interessante do mundo? Que temos nós com essa luta intestina entre a ama e a criada, e em que nos pode interessar a doença de uma e a morte de ambas?”

Reprodução

[sobre José de Alencar] “Nenhum escritor teve em mais alto grau a alma brasileira. E não é só porque houvesse tratado assuntos nossos. Há um modo de

“Se o autor, visto que o Realismo também inculca vocação social e apostólica, intentou dar no seu romance algum ensinamento ou demonstrar com ele alguma tese, força é confessar que o não conseguiu, a menos de supor que a tese ou ensinamento seja isto: – A boa escolha dos fâmulos é uma condição de paz no adultério. A um escritor esclarecido e de boa fé, como o sr. Eça de Queirós, não seria lícito contestar que, por mais singular que pareça a conclusão, não há outra no seu livro.” “O sr. Eça de Queirós não quer ser realista mitigado, mas intenso e completo; e daí vem que o

Ilustração de O primo Basílio por Alberto de Souza 62


Reprodução

tom carregado das tintas, que nos assusta, para ele é simplesmente o tom próprio. Dado, porém, que a doutrina do sr. Eça de Queirós fosse verdadeira, ainda assim cumpria não acumular tanto as cores, nem acentuar tanto as linhas; e quem o diz é o próprio chefe da escola, de quem li, há pouco, e não sem pasmo, que o perigo do movimento realista é haver quem suponha que o traço grosso é o traço exato. Digo isto no interesse do talento do sr. Eça de Queirós, não no da doutrina que lhe é adversa; porque a esta o que mais importa é que o sr. Eça de Queirós escreva outros livros como O primo Basílio”. (Crítica a O primo Basílio, de Eça de Queirós. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 16.04.1878)

O poeta Gonçalves Dias

“Sobre o verso solto, em que pretende fazê-lo, não pode ter senão os meus aplausos. Sabe como aprecio este verso nosso, que o gosto da rima tornou desusado; é o verso de Garrett e de Gonçalves Dias, e ambos, aliás, sabiam rimar tão bem.”

Castro Alves as possui; veste as suas idéias com roupas finas e trabalhadas.” (Resposta a uma carta de José de Alencar, Rio de Janeiro, 29.02.1868)

(Carta a Mário de Alencar, Rio de Janeiro, 21.01.1908) “Quem disse de Garrett que ele só por si valia uma literatura disse bem e breve o que dele se poderá escrever sem encarecimento nem falha.”

“Hoje à tarde, reli uma página da biografia do Flaubert; achei a mesma solidão e tristeza e até o mesmo mal, como sabe, o outro...”

(Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 04.02.1899. Publicado sem assinatura)

(Carta a Mário de Alencar, Rio de Janeiro, 29.08.1908) Leitores, livros, estantes

[sobre Álvares de Azevedo]: “Não é difícil ver que o tom dominante de uma grande parte dos versos ligava-se a circunstâncias de que ele conhecia a vida pelos livros que mais apreciava.”

[sobre a dificuldade de publicação] “Há duas razões principais desta situação: uma de ordem material, outra de ordem intelectual. A primeira, que se refere à impressão dos livros, impressão cara, e de nenhum lucro pecuniário, prende-se inteiramente à segunda que é a falta de gosto formado no espírito público. Com efeito, quando aparece entre nós essa planta exótica chamada editor, se os escritores conseguem encarregá-lo, por meio de um contrato, da impressão das suas obras, é claro que o editor não pode oferecer vantagens aos poetas, pela simples razão de que a venda do livro é problemá-

(“Semana literária”. Diário do Rio de Janeiro, 26.06.1866. Publicado sem assinatura.

“Não é raro andarem separadas estas duas qualidades da poesia: a forma e o estro. Os verdadeiros poetas são os que as têm ambas. Vê-se que o sr. 63


tica e difícil. A opinião que devia sustentar o livro, dar-lhe voga, coroá-lo enfim no Capitólio moderno, essa, como os heróis de Tácito, brilha pela ausência. Há um círculo limitado de leitores; a concorrência é quase nula, e os livros aparecem e morrem nas livrarias. Não dizemos que isso aconteça com todos os livros, nem com todos os autores, mas a regra geral é essa.

(“Comentários da semana”. Diário do Rio de Janeiro, 29.12.1861. Assinado como M.A.)

(“Semana literária”. Diário do Rio de Janeiro, 09.01.1866)

(“Ao acaso”. Diário do Rio de Janeiro, 05.03.1867. Assinado como M.A.)

“Que pouco se leia nesta terra é o que muita gente afirma, há longos anos; é o que acaba de dizer um bibliômano na Revista Brasileira. Este, porém, confirmando a observação, dá como uma das causas do desamor à leitura o ruim aspecto dos livros, a forma desigual das edições, o mau gosto, em suma. Creio que assim seja, contanto que essa causa entre com outras de igual força. Uma destas é a falta de estantes. As nossas grandes marcenarias estão cheias de móveis ricos, vários de gosto; não há só cadeiras, mesas, camas, mas toda a sorte de trastes de adorno fielmente copiados dos modelos franceses, alguns com o nome original, o bijou de salon, por exemplo, outros em língua híbrida, como o porte-bibelots.”

[sobre a abolição da escravatura] “Houve sol, e grande sol, naquele domingo de 1888, em que o Senado votou a lei, que a regente sancionou, e todos saímos à rua. Sim, também eu saí à rua, eu o mais encolhido dos caramujos, também eu entrei no préstito, em carruagem aberta, se me fazem favor, hóspede de um gordo amigo ausente; todos respiravam felicidade; tudo era delírio. Verdadeiramente, foi o único dia de delírio público que me lembra ter visto.” Biblioteca Guita e José Mindlin

(“A semana”. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 11.08.1895. Publicado sem assinatura)

“Não freqüento o paço, mas gosto do imperador. Tem as duas qualidades essenciais ao chefe de uma nação: é esclarecido e honesto. Ama o seu país e acha que ele merece todos os sacrifícios.”

Instinto e alma nacionais

[sobre o Brasil] “Um dos defeitos mais gerais, entre nós, é achar sério o que é ridículo, e ridículo o que é sério, pois o tato para acertar nestas coisas é também uma virtude do povo.” (“Ao acaso”. Diário do Rio de Janeiro, 28.03.1865. Assinado como M.A.)

“O país real, esse é bom, revela os melhores instintos; mas o país oficial, esse é caricato e burlesco. A sátira de Swift nas suas engenhosas viagens, cabenos perfeitamente. No que respeita à política nada temos a invejar ao reino de Lilliput.”

Ilustração da Revista Ilustrada de maio de 1888 sobre a abolição da escravatura 64


“O carnaval é o momento histórico do ano. Paixões, interesses, mazelas, tristezas, tudo pega em si e vai viver em outra parte.”

Acervo Companhia da Memória

(“A semana”. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 14.05.1893. Publicado sem assinatura)

(“A semana”. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 16.02.1896. Publicado sem assinatura)

“O carnaval desta terra é constante, e é a política que nos oferece o espetáculo de um contínuo disfarce.” (“Comentários da semana”. Diário do Rio de Janeiro, 02.03.1862. Assinado como M.A.)

“Quando eu li que este ano não pode haver carnaval na rua, fiquei mortalmente triste. É crença minha, que no dia em que deus Momo for de todo exilado deste mundo, o mundo acaba. Rir não é só le propre de l’homme, é ainda uma necessidade dele. E só há riso, e grande riso, quando é público, universal, inextinguível, à maneira dos deuses de Homero, ao ver o pobre coxo Vulcano. (...) Não admira que acabemos todos de cinta de seda. Quem sabe se não é uma reminiscência da tanga do homem primitivo? Quem sabe se não vamos remontar os tempos até ao colar de miçangas? Talvez a perfeição esteja aí. (...) Como se disfarçarão os homens pelo carnaval quando voltar a idade da miçanga? Naturalmente com os trajes de hoje.”

O carnaval em ilustração da Revista Ilustrada de 1889

nos transporta ao lugar e à cidade. Este Rio de Janeiro de hoje é tão outro do que era, que parece antes, salvo o número de pessoas, uma cidade de exposição universal. Cada dia espero que os adventícios saiam; mas eles aumentam, como que quisessem pôr fora os verdadeiros e antigos habitantes.”

(“A semana”. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 04.02.1894. Publicado sem assinatura)

(Carta a Salvador de Mendonça, Rio de Janeiro, 22.09.1895) “Compreendo que, ao ver tanta gente nova, em 1891, toda ela se parecesse intrusa por nada saber dos nossos bons tempos nem dos homens e coisas que lá vão. Alguns intrusos vingam-se em rir do que passou, datando o mundo em si, e crendo que o Rio de Janeiro começou depois da Guerra do Paraguai. Os que não riem e respeitam a cidade que não conheceram, não têm a sensação direta e viva; é o mesmo que se lessem um quadro antigo que só intelectualmente

“Quanto às minhas opiniões públicas, tenho duas, uma impossível, outra realizada. A impossível é a república de Platão. A realizada é o sistema representativo. É sobretudo como brasileiro que me agrada esta última opinião, e eu peço aos deuses (também creio nos deuses) que afastem do Brasil o sistema republicano, porque esse dia seria o nasci65


Acervo Iconographia

Proclamação da República no campo da Aclamação no dia 15 de novembro de 1889, gravura de Urias Antonio da Silveira

beiços no guardanapo da vizinha, nem na ponta da toalha. Um secretário de clube dançante jura que a política é dar excelência às moças, e não lhes pôr alcunhas quando elas já têm para esta. Segundo um morador da Tijuca, a política é agradecer com um sorriso animador ao amigo que nos paga a passagem. Muitas cartas são tão longas e difusas, que quase se não pode extratar nada. Citarei dessas a de um barbeiro, que define a política como a arte de lhe pagarem as barbas, e a de um boticário para quem a verdadeira política é não comprar nada na botica da esquina. Um sectário de Comte (viver às claras) afirma que a política é berrar nos bondes, quer se trate dos negócios da gente, quer dos estranhos. (...) Uma dama gamenha escreve-me, dizendo que a política é praticar com os olhos o que está no Evangelho de S. Mateus, cap. VII, verso 7: ‘batei e abrir-se-vos-á’.”

mento da mais insolente aristocracia que o sol jamais iluminou...” (“Cartas fluminenses”. Diário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 05.03.1867. Publicado com o pseudônimo Job)

“[sobre a Academia Brasileira de Letras] Em França há muito quem ataque ou diga mal da Academia, mas são os que estão fora dela; os que a compõem sabem amá-la e prezá-la. Aqui a própria Academia acha em si mesma a oposição.” (Carta a Mário de Alencar, Rio de Janeiro, 11.04.1907)

Política e mundo: capítulo dos chapéus, calças e casacas

(“Balas de estalo” [08.07.1885]. Publicado com o pseudônimo Lélio. In Balas de estalo, pp. 279-280)

“O que é a política? Aqui há anos, creio que por 1849, lembrou-se alguém de propor uma questão em um jornal. A questão era saber o que é honra. Em vez, porém, de escrever deveras aos outros, coligir as respostas e publicá-las, engendrou as respostas no escritório, e deu-as a lume. (...) Não publico todas as definições recebidas, porque a vida é curta, vita brevis. Faço, porém, uma escolha rigorosa, e dou algumas das principais (...). Uma das cartas dizia simplesmente que a política é tirar o chapéu às pessoas mais velhas. Outra afirmava que a política é a obrigação de não meter o dedo no nariz. Outra, que é, estando à mesa, não enxugar os

“A soberania nacional é a coisa mais bela do mundo, com a condição de ser soberania e de ser nacional. Se não tiver essas duas coisas, deixa de ser o que é para ser uma coisa semelhante aos Três sultões, de Wagner, quero dizer muito superior, porque o Wagner ou qualquer outro compositor apenas nos dá a cabaletta, diminutivo de cabala, que é o primeiro trecho musical da eleição. Os coros são também muito superiores, mais numerosos, mais bem ensaiados, o ensemble mais estrondoso e perfeito.” 66


(“História de 15 dias”. Ilustração Brasileira. Rio de Janeiro, 01.10.1876. Publicado com o pseudônimo Manassés)

que pensava há 1.400 anos um autor eclesiástico, isto é, que o mundo está ficando velho. Há outras ocasiões em que tudo me parece verde em flor.” (“A semana”. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 04.12.1892. Publicado sem assinatura)

“Podia fazer um exame de consciência e uma confissão pública, à maneira de Sarah Bernhardt ou de Santo Agostinho. Oh! perdoa-me, santo da minha devoção, perdoa esta união do teu nome com o da ilustre trágica; mas este século acabou por deitar todos os nomes no mesmo cesto, misturá-los, tirá-los sem ordem e cosê-los sem escolha. É um século fatigado. As forças que desprendeu, desde princípio, em aplaudir e odiar, foram enormes. Junta a isso as revoluções, as anexações, as dissoluções e as invenções de toda casta, políticas e filosóficas, artísticas e literárias, até as acrobáticas e farmacêuticas, e compreenderás que é um século esfalfado. Vive unicamente para não desmentir os almanaques.”

“Também é certo que as coisas passam menos do que nós passamos, e que a velhice delas é muita vez o cansaço dos nossos olhos. Questão de óculos.” (“Notas semanais”. O Cruzeiro. Rio de Janeiro, 18.08.1878. Publicado com o pseudônimo Eleazar)

“Os anos nada valem por si mesmos. A questão é saber agüentá-los, escová-los bem, todos os dias, para tirar a poeira da estrada, trazê-los lavados com água de higiene e sabão de filosofia.”

(“A semana”. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 28.02.1897. Publicado sem assinatura)

(“A semana”. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 30.10.1892. Publicado sem assinatura)

“É uma santa coisa a democracia – não a democracia que faz viver os espertos, a democracia do papel e da palavra, – mas a democracia praticada honestamente, regularmente. Quando ela deixa de ser sentimento para ser simplesmente forma, quando deixa de ser idéia para ser simplesmente feitio, nunca será democracia, – será espertocracia que é sempre o governo de todos os feitios e de todas as formas.”

“Quem pode impedir que o povo queira ser mal governado? É um direito anterior e superior a todas as leis.” (“A semana”. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 06.01.1895. Publicado sem assinatura)

“A liberdade pode ser comparada às calças que usamos. Virtualmente existe em cada corte de casimira um par de calças; se o compramos, as calças são nossas. Mas é mister talhá-las, alinhavá-las, proválas, cosê-las e passá-las a ferro, antes de se vestir. Ainda assim há tais que podem sair mais estreitas do que a moda e a graça requerem.”

(“Ao acaso”. Diário do Rio de Janeiro, 24.10.1864. Assinado como M.A.)

“A democracia, sinceramente praticada, – tem os seus Gracos e os seus Franklins; quando degenera em outra coisa tem os seus Quixotes e os seus Panças, quixotes no sentido da bravata, Panças no sentido do grotesco.”

(“A semana”. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 10.05.1896. Publicado sem assinatura)

(“Ao acaso”. Diário do Rio de Janeiro, 24.10.1864. Assinado como M.A.)

“Aborrecer o passado ou idolatrá-lo vem a dar no mesmo vício; o vício de uns que não descobrem a filiação dos tempos, e datam de si mesmos a aurora humana, e de outros que imaginam que o espí-

“Há ocasiões em que, neste fim de século, penso o 67


rito do homem deixou as asas no caminho e entra a pé num charco.”

Janeiro, 01.04.1877. Publicado com o pseudônimo Manassés)

(“A nova geração”. Revista Brasileira. Rio de Janeiro, v. 2, 01.12.1879)

“Este mundo é um baile de casacas alugadas.” (“A semana”. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 11.06.1893. Publicado sem assinatura)

[sobre o Eclesiastes] “Quando me afligirem os passos da vida, vou-me a esse velho livro para saber que tudo é vaidade. Quando ficar de boca aberta diante de um fato extraordinário, vou-me ainda a ele para saber que nada é novo debaixo do sol.”

O homem: galhofa e melancolia

“Com efeito, a idéia de que todo o mundo tem mais espírito do que Voltaire, é consoladora, compensadora e remuneradora. Em primeiro lugar, consola a cada um de nós, de não ser Voltaire. Em segundo lugar, permite-nos ser mais que Voltaire, um Voltaire coletivo, superior ao Voltaire pessoal. Às vezes éramos 20 ou 30 amigos; não era ainda todo o mundo, mas podíamos fazer um oitavo de Voltaire, ou um décimo. Vamos ser um décimo de Voltaire? Juntávamo-nos; cada um punha na panela comum o espírito que Deus lhe deu, e divertíamo-nos muito. Saíamos dali para a cama, e o sono era um regalo.”

(“A semana”. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 15.01.1893. Publicado sem assinatura)

“Montaigne é de parecer que não fizemos mais que repisar as mesmas coisas e andar no mesmo círculo; e o Eclesiastes diz claramente que o que é, foi, e o que foi, é o que há de vir.” (“A semana”. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 04.02.1894. Publicado sem assinatura)

“Ao cabo, só há verdades velhas, caiadas de novo.”

“Todo o mundo não tem mais espírito que Voltaire, nem mais gênio que Napoleão. Cito estes dois grandes homens, porque o segundo lá está citado, na frase do eminente senador.”

(“Notas semanais”. O Cruzeiro. Rio de Janeiro, 02.06.1878. Publicado com o pseudônimo Eleazar)

“Consolemo-nos com o ser simplesmente Macário ou Pantaleão. Multipliquemo-nos para vários efeitos, para fazer um banco, uma câmara legislativa, uma sociedade de dança, de música, de beneficência, de carnaval, e outras muitas em que o óbulo de cada um perfaz o milhão de todos; mas contentemo-nos com isto.”

“Quando olhas para a vida, cuidas que é o mesmo livro que leram os outros homens, – um livro delicioso ou nojoso, segundo for o teu temperamento, a tua filosofia ou a tua idade.” (“A semana”. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 01.10.1893. Publicado sem assinatura)

(“Balas de estalo” [03.04.1885]. Publicado com o pseudônimo Lelio. In Balas de estalo, pp. 241-242)

“Venha, venha o voto feminino; eu o desejo, não somente porque é idéia de publicistas notáveis, mas porque é um elemento estético nas eleições, onde não há estética.”

“Numa das portas do cemitério do Caju, há este lema: Revertere ad locum tuum. Quando ali vou, não deixo de ler essas palavras, que resumem todo o resultado das labutações da vida. Pois bem; esse lugar teu e meu, é a terra donde viemos, para onde

(“História de 15 dias”. Ilustração Brasileira. Rio de 68


pública; entraria nos costumes uma refeição de despedida, frugal, não triste, em que os que iam morrer dissessem as saudades que levavam, fizessem recomendações, dessem conselhos, e se fossem alegres, contassem anedotas alegres. Muitas flores, não perpétuas, nem dessas outras de cores carregadas, mas claras e vivas, como de núpcias. E melhor seria não haver nada, além das despedidas verbais e amigas...”

iremos todos, alguns palmos abaixo do solo, no repouso último e definitivo, enquanto a alma vai a outras regiões.” (“História de 15 dias”. Ilustração Brasileira. Rio de Janeiro, 01.11.1876. Publicado com o pseudônimo Manassés)

“Nascer rico é uma grande vantagem que nem todos sabem apreciar. Qual não será a de nascer rei? Essa é ainda mais preciosa, não só por ser mais rara, como porque não se pode lá chegar por esforço próprio, salvo alguns desses lances tão extraordinários, que a história toda se desloca. Sobe-se de carteiro a milionário; não se sobe de milionário a príncipe.”

(“A semana”. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 06.09.1896. Publicado sem assinatura)

“Se eu houvesse de definir a alma humana (...), diria que ela é uma casa de pensão. Cada quarto abriga um vício ou uma virtude. Os bons são aqueles em que os vícios dormem sempre e as virtudes velam e os maus... Adivinhaste o resto; poupas-me o trabalho de concluir a lição.”

(“Balas de estalo” [07.11.1883]. Publicado com o pseudônimo Lelio. In Balas de estalo, p. 73)

(“A semana”. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 13.10.1895. Publicado sem assinatura)

“Chegará o dia em que, por falta de doenças, acabarão os remédios, e o homem, com a saúde moral, terá alcançado a saúde física, perene e indestrutível, como aquela. Indestrutível? Tudo se pode esperar da indústria humana, a braços com o eterno aborrecimento. A monotonia da saúde pode inspirar a busca de uma ou outra macacoa leve. O homem receitará tonturas ao homem. Haverá fábrica de resfriados. Vender-se-ão calos artificiais, quase tão dolorosos como os verdadeiros. Alguns dirão que mais.”

“Não há defeito que não ache explicação ou desculpa na boa amizade.” (Carta a José Veríssimo, Rio de Janeiro, 10.06.1899)

“Tudo se perdoa ao amor; tudo perdoamos aos que nos adoram. E isto quer se trate de casamento, quer de poder, quer de glória. A diferença é que os gloriosos esquecem, às vezes, e os poderosos podem esquecer muitas.”

(“A semana”. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 19.11.1893. Publicado sem assinatura)

(“A semana”. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 03.09.1893. Publicado sem assinatura)

“Qualquer de nós teria organizado este mundo melhor do que saiu. A morte, por exemplo, bem podia ser tão-somente a aposentadoria da vida, com prazo certo. Ninguém iria por moléstia ou desastre, mas por natural invalidez; a velhice, tornando a pessoa incapaz, não a poria a cargo dos seus ou dos outros. Como isto andaria assim desde o princípio das coisas, ninguém sentiria dor nem temor, nem os que se fossem, nem os que ficassem. Podia ser uma cerimônia doméstica ou

“Quem, falando de amor, não sentir agitar-se-lhe a alma e reverdecer a natureza, pode crer que desconhece a mais profunda sensação da vida e o mais belo espetáculo do universo.” (“A semana”. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 21.10.1894. Publicado sem assinatura) 69


“Os melhores amores nascem de um minuto.”

“A consciência é o mais cru dos chicotes.”

(Carta a Salvador de Mendonça, Rio de Janeiro, 15.04.1876)

(“A semana”. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 02.12.1894. Publicado sem assinatura)

“Não por ser banal, a idéia é falsa; ao contrário, há nela a sabedoria de todo mundo.”

“Tudo vale pela consciência. Nós não temos outra prova do mundo que nos cerca senão a que resulta do reflexo dele em nós: é a filosofia verdadeira.”

(“A semana”. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 07.10.1894. Publicado sem assinatura)

(“A semana”. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 22.11.1896. Publicado sem assinatura)

“A banalidade repete-se de século a século, e irá até a consumação dos séculos; não é folha que perca o viço.”

“A esperança é própria das espécies fracas, como o homem e o gafanhoto; o burro distingue-se pela fortaleza sem par.”

(“A semana”. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 30.12.1894. Publicado sem assinatura)

(“A semana”. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 16.10.1892. Publicado sem assinatura)

“O grande assombra, o glorioso ilumina, o intrépido arrebata; o bom não produz nenhum desses efeitos. Contudo, há uma grandeza, há uma glória, há uma intrepidez em ser simplesmente bom, sem aparato, nem interesse, nem cálculo; e sobretudo sem arrependimento.”

“O homem nasceu simples, diz a Escritura; mas ele mesmo é que se meteu em infinitas questões.” (“A semana”. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 19.01.1896. Publicado sem assinatura)

(“Notas semanais”. O Cruzeiro. Rio de Janeiro, 02.06.1878. Publicado com o pseudônimo Eleazar)

“O incerto é o sal do espírito!” “Nós amamos as celebridades de um dia, que se vão com o sol, e as reputações de uma rua que acabou ao dobrar da esquina. Vá que brilhem; os vaga-lumes não são menos poéticos por serem menos duradouros; com pouco fazem de estrelas.”

(“A semana”. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 16.04.1893. Publicado sem assinatura)

(“A semana”. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 04.10.1896. Publicado sem assinatura)

“A vida dos livros é vária como a dos homens. Uns morrem de 20, outros de 50, outros de 100 anos, ou de 99 (...). Ora, esse prolongamento da vida, curto ou longo, é um pequeno retalho de glória. A imortalidade é que é para poucos.”

“O cinismo, que é a sinceridade dos patifes, pode contaminar uma consciência reta, pura e elevada, do mesmo modo que o bicho pode roer os mais sublimes livros do mundo.”

(“A semana”. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 16.08.1896. Publicado sem assinatura)

(“Balas de estalo” [14.03.1885]. Publicado com o pseudônimo Lelio. In Balas de estalo, p. 231)

“Que é a loucura senão uma supressão da transpiração do espírito?” 70


“Alguns sonham, e creio que sonhos generosos; mas a imaginação e o coração não mudam a torrente das coisas, e os homens acordam frescos e leves, sem haver debatido nem incandescido nada.”

(“A semana”. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 13.10.1895. Publicado sem assinatura)

“A loucura é uma dança das idéias.” (“A semana”. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 26.03.1893. Publicado sem assinatura)

(“A semana”. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 24.11.1895. Publicado sem assinatura)

“Os desconcertos da vida não têm outra origem, senão o contraste dos homens e das casacas. Há casacas justas, bem postas, bem cabidas, que valem o preço do aluguel; mas a grande maioria delas divergem dos corpos, e porventura os afligem. A dança dissimula o aspecto dos homens e faz esquecer por instantes o constrangimento e o tédio. Acresce que o uso tem grande influência, acabando por acomodar muitos homens à sua casaca.”

“Espíritos medíocres, não podendo abraçar a amplidão do espaço em que a civilização os lançou, olham saudosos para os tempos e as coisas que já foram, e caluniam, menos por má vontade que por inépcia, os princípios em nome dos quais se elevaram.” (“Comentários da semana”. Diário do Rio de Janeiro, 25.11.1861. Publicado com o pseudônimo Gil)

(“A semana”. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 11.06.1893. Publicado sem assinatura)

“Até o merecimento precisa um pouco de rufo e outro pouco de cartazes.” (“Notas semanais”. O Cruzeiro. Rio de Janeiro, 01.09.1878. Publicado com o pseudônimo Eleazar)

Metafísica e estilo

“Crer faz bem, crer é honesto. Quando o mal vier, se vier, dir-se-á mal dele.” “Pensamentos valem e vivem pela observação exata ou nova, pela reflexão aguda ou profunda; não menos querem a originalidade, a simplicidade e a graça do dizer.”

(“A semana”. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 20.11.1892. Publicado sem assinatura)

(Carta a Joaquim Nabuco, Rio de Janeiro, 19.08.1906)

“Os anos que passam tiram à fé o que há nela pueril, para só lhe deixar o que há sério; e triste daquele a quem nem isso fica: esse perde o melhor das recordações.”

“A piedade ama os seus atos de piedade.”

(“Notas semanais”. O Cruzeiro. Rio de Janeiro, 16.06.1878. Publicado com o pseudônimo Eleazar)

(“A semana”. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 04.10.1896. Publicado sem assinatura)

“Não há tempo nem espaço, há só eternidade e infinito, que nos levam consigo; vamos pegando aqui de uma flor, ali de uma pedra, uma estrela, um raio, os cabelos de Medusa, as pontas do Diabo, micróbios e beijos, todos os beijos que se têm consumido, até que damos por nós no fim do papel.”

“É isto a razão humana: uma luz melindrosa, que resiste muita vez ao vendaval de um século, e se apaga ao sopro de um livro.” (“Notas semanais”. O Cruzeiro. Rio de Janeiro, 09.06.1878. Publicado com o pseudônimo Eleazar) 71


“Quanto ao século, os médicos que estão presentes ao parto reconhecem que este é difícil, crendo uns que o que aparece é a cabeça do XX, e outros que são os pés do XIX. Eu sou pela cabeça, como sabe. Sobre a minha verte vieillesse, não sei se ainda é verde, mas velhice é, a dos anos e a do enfado, cansaço ou o que quer que seja que não é já mocidade primeira nem segunda. Vamos indo..

(“A semana”. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 16.09.1894. Publicado sem assinatura)

Memorial do fim

“Os anos (...) vão caindo sobre mim, que lhes resisto ainda um pouco, mas o meu organismo terá de vergar totalmente; e as letras, também elas me cansarão um dia, ou se cansarão de mim, e ficarei à margem.”

(Carta a José Veríssimo, Rio de Janeiro, 05.01.1900)

(Carta a Salvador de Mendonça, Rio de Janeiro, 09.02.1897)

“Não me parece que de tantas cartas que escrevi a amigos e a estranhos se possa apurar nada interessante, salvo as recordações pessoais que conservarem para alguns. Uma vez, porém, que é satisfazer o seu desejo, estou pronto a cumpri-lo, deixandolhe a autorização de recolher e a liberdade de reduzir [ou deduzir?] as letras que lhe pareçam merecer divulgação póstuma. Nesse trabalho desconfie da sua piedade de amigo de tantos anos, que pode ser guiado, – e mal guiado, – daquela afeição que nos uniu sem arrependimento nem arrefecimento. O tempo decorrido e a leitura que fizer da correspondência lhe mostrará que é melhor deixá-la esquecida e calada.”

[sobre a própria obra e suas duas fases] “O que Você chama a minha segunda maneira naturalmente me é mais aceita e cabal que a anterior, mas é doce achar quem se lembre desta, quem a penetre e desculpe, e até chegue a catar nela algumas raízes dos meus arbustos de hoje.” (Carta a José Veríssimo, com agradecimento pela crítica publicada a propósito do lançamento da segunda edição de Iaiá Garcia, Rio de Janeiro, 15.12.1898) Augusto Malta/Coleção particular

(Carta a José Veríssimo, Rio de Janeiro, 21.04.1908)

[sobre Memorial de Aires] “Daqui a pouco a casa Garnier publicará um livro meu, e é o último. A idade não me dá tempo nem força de começar outro; lá lhe mandarei um exemplar. Completei no dia 21 sessenta e nove anos; entro na ordem dos septuagenários. Admira-me como pude viver até hoje, mormente depois do grande golpe que recebi e no meio da solidão em que fiquei, por mais que amigos busquem temperá-la de carinhos.” (Carta a Joaquim Nabuco, Rio de Janeiro, 28.06.1908)

[sobre Memorial de Aires] “O livro é derradeiro; já não estou em idade de folias literárias nem outras. O meu receio é que fizesse a alguém perguntar por

Machado de Assis é acudido após desmaiar no cais Pharoux em 1 de agosto de 1907 72


Acervo Iconographia

(Carta a Joaquim Nabuco, Rio de Janeiro, 01.08.1908)

“A morte levou-nos muitos daqueles que eram conosco outrora; possivelmente a vida nos terá levado também alguns outros, é seu costume dela, mas chegando ao fim da carreira é doce que a voz que me alente seja a mesma voz antiga que nem a morte nem a vida fizeram calar.” (Carta a Salvador de Mendonça, Rio de Janeiro, 07.09.1908)

Amor e morte: Carolina

“Foi-se e a melhor parte da minha vida, e aqui estou só no mundo. Note que a solidão não me é enfadonha, antes me é grata, porque é um modo de viver com ela, ouvi-la, assistir aos mil cuidados que essa companheira de 35 anos de casados tinha comigo; mas não há imaginação que não acorde, e a vigília aumenta a falta da pessoa amada. Éramos velhos, e eu não contava morrer antes dela, o que seria um grande favor; primeiro, porque não acharia ninguém que melhor me ajudasse a morrer; segundo, porque ela deixa alguns parentes que a consolariam das saudades; e eu não tenho nenhum. Os meus são os amigos, e verdadeiramente são os melhores; mas a vida os dispersa, no espaço, nas preocupações do espírito e na própria carreira que a cada um cabe. Aqui me fico, por ora na mesma casa, no mesmo aposento, com os mesmos adornos seus. Tudo me lembra a minha meiga Carolina. Como estou à beira do eterno aposento, não gastarei muito tempo em recordá-la. Irei vê-la, ela me esperará.”

Joaquim Nabuco

que não parara no anterior, mas se tal não é a impressão que ele deixa, melhor.” (Carta a José Veríssimo, Rio de Janeiro, 19.07.1908)

“Lá vai o meu Memorial de Aires. Você me dirá o que lhe parece. Insisto em dizer que é o meu último livro; além de fraco e enfermo, vou adiantado em anos, entrei na casa dos 70, meu querido amigo. Há dois meses estou repousando dos trabalhos da Secretaria, com licença do Ministro, e não sei quando voltarei a eles. Junte a isto a solidão em que vivo. Depois que minha mulher faleceu soube por algumas amigas dela de uma confidência que ela lhes fazia; dizia-lhes que preferia ver-me morrer primeiro por saber a falta que me faria. A realidade foi talvez maior que ela cuidava; a falta é enorme. Tudo isso me abafa e entristece. Acabei. Uma vez que o livro não desagradou, basta como ponto final.”

(Carta a Joaquim Nabuco, Rio de Janeiro, 20.11.1904)

Fontes: Machado de Assis – Obra completa (Nova Aguilar, 2006); Machado de A a X – Um dicionário de citações, de Lucia Ribeiro Prado Lopes (Editora 34, 2001); A semana – Crônicas: 1892-1893 (Editora Hucitec, 1996, organização de John Gledson), e Crônicas (W. M. Jackson, 4 volumes, 1937) 73


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