Reunindo três célebres séries fotográficas produzidas entre as décadas de 1960 e 1980, esta exposição convida o público do IMS Paulista a travar contato com a obra de Josef Koudelka. Nascido em 1938, na então Tchecoslováquia, começou a fotografar no começo dos anos 60. Ainda trabalhando como engenheiro, pôs-se a trabalhar para teatros de Praga e, sobretudo, a viajar para registrar
a vida das comunidades ciganas em seu país natal, intrigado por um modo de vida na contramão da norma vigente nos Estados nacionais. Esses mesmos temas — nomadismo, liberdade, independência — ganhariam novos sentidos para o fotógrafo após a invasão soviética que, em agosto de 1968, pôs fim à Primavera de Praga e à esperança de um socialismo democrático. Forçado ao exílio
na Europa Ocidental em 1970, Koudelka entregou-se ele mesmo a uma vida sem domicílio fixo, nas pegadas de ciganos, peregrinos, andarilhos — em suma, de formas de vida avessas ao controle social e à modernização vertiginosa. Unindo a precisão e o rigor a uma poesia sem pauta, Josef Koudelka produziu uma obra poderosa, de grande reverberação visual e humana.
ESLOVÁQUIA, 1963
CIGANOS
As fotos que compõem Ciganos são hoje um dos clássicos da fotografia mundial. Entre 1962 e 1970, Josef Koudelka percorreu inúmeros acampamentos romani no leste da Eslováquia, mas também na Boêmia, na Morávia e na Romênia. Nem reportagem nem projeto premeditado, a longa série é fruto do fascínio e da identificação do fotógrafo com aspectos da cultura e do modo de vida nômade dos ciganos. A intenção de Koudelka
era sobretudo a de produzir uma visão pessoal daquele universo por meio de histórias puramente visuais. Se, nas fotografias de espetáculos teatrais da mesma época, ele retratava o teatro como vida, aqui ele fotografava a vida cigana como uma espécie de teatro a céu aberto. A série teve sua primeira exibição em 1967, no saguão do teatro Za branou. No ano seguinte, ele e o artista gráfico Milan Kopřiva transformaram-na no livro Cikáni,
que não pôde ser publicado em razão da ocupação soviética da Tchecoslováquia, no fim de agosto de 1968, e da subsequente emigração do fotógrafo. Em 1975, Koudelka e o editor Robert Delpire puderam levar a cabo a primeira edição, publicada em francês e inglês. Em 2011, o livro saiu em seis línguas, na forma como havia sido originalmente concebido quase meio século antes.
ESLOVÁQUIA, 1966
MORÁVIA, 1968
ESLOVÁQUIA, 1966
O centro de gravidade
[das primeiras fotos de Josef Koudelka] era menos o estudo de conteúdos e contextos e mais uma busca palpável por formas insólitas e composições originais, muitas vezes ressaltadas por um ponto de vista peculiar.
ANNA FÁROVÁ
Com os ciganos, tudo era teatro também. A diferença é que ninguém havia escrito a peça, e também não havia diretor — só havia os atores. Era real, era a vida… só me cabia aprender a reagir diante daquilo.
JOSEF KOUDELKA
ESLOVÁQUIA, 1966
Há mais ternura nessa imagem do que em qualquer outra [de Koudelka]. Muito embora não possamos ver os olhos do animal… Se eu tivesse que dizer qual animal Josef seria, se fosse um deles, eu diria que ele seria um cavalo — a estabilidade, a força, o ímpeto… Com essa imagem, estamos diretamente em contato com o mais íntimo de Josef. Para mim, essa imagem tem a ver com a superioridade da natureza e com a humildade intrínseca ao amor. A visão que Josef tem da vida.
DOMINIQUE EDDÉ
ROMÊNIA, 1968
ESLOVÁQUIA, 1963 ROMÊNIA, 1968
Não vou jamais esquecer a primeira vez que visitei um povoado [por volta de 1963]. Estava caminhando sozinho e havia uma vasta campina e ao fundo os montes Tatra cobertos de neve. Vi ao longe as cabanas de madeira e ouvi um grande alarido. Juntei coragem e decidi ir até lá. Ouvi os ciganos antes de vê-los.
Quando cheguei perto, vi um grupo de pessoas vindo na minha direção. Primeiro, as criancinhas, depois as mais crescidinhas, e depois as mulheres, e depois os homens. Tinham notado a minha aproximação. Pensei comigo mesmo: “Como isso vai terminar?”. Mas continuei caminhando. JOSEF KOUDELKA
ESLOVÁQUIA, 1967
PRAGA, 1968
Embora nunca houvesse trabalhado antes como fotojornalista e tivesse retornado apenas na véspera da Romênia, onde estivera fotografando os ciganos, Josef Koudelka pôs-se a documentar o que se passava nas ruas de Praga tão logo soube, na manhã de 21 de agosto de 1968, da invasão da Tchecoslováquia por cinco dos exércitos do Pacto de Varsóvia. Ao longo de sete dias, criou uma série dramática e espetacular, considerada por muitos um dos mais importantes
trabalhos de jornalismo do século XX. Algumas dessas fotos foram contrabandeadas para fora da Tchecoslováquia, mais especificamente para a agência Magnum, em Nova York, e terminaram por sair em jornais e revistas do mundo inteiro. Para proteger o fotógrafo e sua família, a Magnum creditou as fotografias apenas com as letras P. P. (Prague Photographer, o “fotógrafo de Praga”). Como a polícia secreta da Tchecoslováquia poderia facilmente descobrir a identidade
do fotógrafo, Koudelka tomou o caminho do exílio em 1970. O fotógrafo só admitiu publicamente que era o autor da série em 1984, à época de sua primeira grande exposição, na Hayward Gallery de Londres — e, em especial, depois da morte de seu pai, quando a informação já não punha em perigo seus familiares. Na Tchecoslováquia, essas fotos só foram publicadas 22 anos depois da invasão, em 1990, num suplemento especial do semanário Respekt.
PRAGA, TCHECOSLOVÁQUIA, 1968
PRAGA, TCHECOSLOVÁQUIA, 1968
Nessas fotos, não importa quem é russo e quem é tcheco. O que importa é quem está de arma em punho e quem não está. E, na verdade, aquele que não está é o mais forte, ainda que isso não seja evidente à primeira vista. JOSEF KOUDELKA
PRAGA, TCHECOSLOVÁQUIA, 1968
O único outro fotógrafo que eu vi era um demente completo com umas câmeras velha-guarda penduradas no pescoço e um caixote de papelão pendente do ombro. Ele avançava direto para os russos, subia nos tanques e fotografava abertamente. A multidão o apoiava, intervindo e cercando o sujeito quando os russos tentavam arrancar seus rolos de filme. Eu não sabia se aquele homem era o mais corajoso ou o mais maluco de todos.
IAN BERRY
PRAGA, TCHECOSLOVÁQUIA, 1968
Ao emigrar, em 1970, Josef Koudelka perdeu sua terra natal, mas ganhou a própria liberdade, e seguiu fazendo o que podia para garantir que não a perderia jamais. Para poder viajar e fotografar, vivia modestamente. Em seus deslocamentos constantes — por Espanha, França, Portugal, Itália, Irlanda e Grã-Bretanha —, concentrou-se em retratar a população romani, as celebrações
EXÍLIOS
religiosas, as festas populares tradicionais e a vida cotidiana. À sua própria maneira, tornara-se ele mesmo um fotógrafo nômade — como seus fotografados. Ao longo das décadas de 1970 e 1980, retratou modos de vida em vias de desaparecer, mas também espaços desabitados, animais perdidos em áreas densamente construídas, paisagens e naturezas-mortas. Trabalhando
com metáforas visuais, contando a história de um mundo em que os seres humanos procuram em vão por seu lugar, Koudelka converteu o instantâneo documental em ocasião para produzir imagens poderosas. A partir dessas fotografias, Koudelka e Delpire compuseram em 1988 o livro Exílios Com pequenos ajustes na ordem e na seleção das fotos, a obra voltou a ser publicada em 1997 e em 2014.
MORÁVIA, 1968
ESPANHA, 1971
Nunca fique muito tempo no mesmo lugar… Quando você para em algum lugar, as coisas começam a grudar em você. Quando você vai de um lugar para outro, você está se limpando.
DOS DIÁRIOS DE JOSEF KOUDELKA, DÉCADA DE 1970
ESPANHA, 1971
Um homem jaz estirado em um banco público, e não há como saber se estava adormecido ou morto.
Cada imagem [de Exílios] é um enigma: à maneira da Esfinge, cada uma delas nos faz uma pergunta. Esses corredores longos e escuros, em que só se veem os rostos pela metade, aonde eles conduzem? Essas pilhas de
tábuas e pedras de alcantaria espalhadas pelo chão, no que talvez seja uma desordem espacial deliberada, terão elas um sentido oculto a ser decifrado? E que Inferno é esse em cujo umbral somos detidos por esse cão Cérbero, cuja forma negra e ameaçadora destaca-se tão claramente contra a neve?
CLÉMENT CHÉROUX
FRANÇA, 1987
Exílios está fundamentado em um curioso paradoxo: essas imagens são irredutíveis a um lugar ou a uma circunstância determinados. Seu caráter misterioso não se deve à ignorância do que está acontecendo ou a um mal-entendido qualquer; as fotos simplesmente não respondem às perguntas do espectador. Deixam em aberto sua própria razão de ser — e, mesmo assim, somos tocados por sua precisão afetiva.
MICHEL FRIZOT
PORTUGAL, 1976
— Esses traços que você procura, você saberia defini-los?
— O que eu sei é que só me interessa o que está terminando, o que está desaparecendo, e não o que está por vir.
JOSEF KOUDELKA EM CONVERSAÇÃO COM HERVÉ GUIBERT
FRANÇA, 1973
Esta exposição é realizada pelo Instituto Moreira Salles em parceria com a Fundação Josef Koudelka e o Museu de Artes Decorativas de Praga.
18 DE MAIO A 15 DE SETEMBRO DE 2024
INSTITUTO MOREIRA SALLES
coordenação da exposição
Miguel Del Castillo
Samuel Titan Jr.
projeto expográfico Metrópole_Arq
Ana Paula Pontes
Bruna Caracciolo (assistência)
projeto de identidade visual
Luciana Facchini
iluminação
Fernanda Carvalho Lighting Design agradecimentos
Marcio Tavares, secretário executivo do Ministério da Cultura do Brasil
FUNDAÇÃO JOSEF KOUDELKA
direção artística
Josef Koudelka
codireção
Jonathan Roquemore
coordenação
Irena Šorfová
MUSEU DE ARTES DECORATIVAS DE PRAGA
direção geral
Radim Vondráček
curadoria da Coleção Josef Koudelka
Tomáš Pospěch
coordenação
Veronika Mědílková conservação
Martina Chadimová
Markéta Šíblová
Todas as obras desta exposição estão protegidas por direitos autorais © Josef Koudelka/Magnum Photos, cortesia da Fundação Josef Koudelka.
PARCERIA IRLANDA DO NORTE, 1978