IMS Rio: os filmes de Fevereiro/2019

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cinema fev.2019


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14:30 Ama-san (112’) 16:45 Temporada (113’) 19:00 L.A. Rebellion: Dando um rolê (105’) seguido por fala dos curadores Luís Fernando Moura e Victor Guimarães

14:30 Ama-san (112’) 16:45 Temporada (113’) 19:15 L.A. Rebellion: Bush Mama (97’) seguido por fala de Juliano Gomes

14:30 Ama-san (112’) 16:45 Temporada (113’) 19:15 L.A. Rebellion: Bem-vindo de volta, irmão Charles (92’) seguido por fala de Luís Fernando Moura

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14:00 15:30 17:50 20:00

Filme paisagem (72’) Temporada (113’) Ama-san (112’) Lembro mais dos corvos + Tea for two (105’)

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14:00 15:30 17:50 20:00

Filme paisagem (72’) Temporada (113’) Ama-san (112’) Lembro mais dos corvos + Tea for two (105’)

20 Temporada (113’) Tito e os pássaros (73’) Ama-san (112’) Tito e os pássaros (73’)

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Ama-san (112’) Tito e os pássaros (73’) Tito e os pássaros (73’) Sessão Cinética: Bom trabalho (94’) seguida de debate com os críticos da revista

21 Temporada (113’) Tito e os pássaros (73’) Ama-san (112’) El Justicero (80’)

14:00 Lembro mais dos corvos + Tea for two (105’) 16:00 Tito e os pássaros (73’) 18:00 Estação do diabo (234’)

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14:00 Lembro mais dos corvos + Tea for two (105’) 16:00 Tito e os pássaros (73’) 18:00 Estação do diabo (234’)

14:00 Lembro mais dos corvos + Tea for two (105’) 16:00 Tito e os pássaros (73’) 18:00 Estação do diabo (234’)

14:00 Lembro mais dos corvos + Tea for two (105’) 16:00 Tito e os pássaros (73’) 18:00 Estação do diabo (234’)


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14:00 Ama-san (112’) 16:00 Temporada (113’) 18:00 Pré-estreia: Estação do diabo (234’)

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14:30 Ama-san (112’) 16:45 Temporada (113’) 19:30 L.A. Rebellion: Uma imagem diferente (52’) seguido por fala de Janaína Oliveira

11:30 14:00 16:00 17:30

Ama-san (112’) Filme paisagem (72’) L.A. Rebellion: Curtas 1 (71’) Debate: L.A. Rebellion, passado e presente Com Josslyn Luckett, Janaína Oliveira, Mário Vieira da Silva e Juliano Gomes. Mediação de Luís Fernando Moura 20:00 L.A. Rebellion: Curtas 2 (58’)

11:30 Ama-san (112’) 14:00 Filme paisagem (72’) 16:00 L.A. Rebellion: Curtas 3 seguidos por fala de Mário Vieira da Silva (71’) 18:30 L.A. Rebellion: Abençoe seus pequeninos corações (80’) seguido por fala de Josslyn Luckett

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Temporada (113’) Tito e os pássaros (73’) Ama-san (112’) Tito e os pássaros (73’)

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14:00 Lembro mais dos corvos + Tea for two (105’) 16:00 Tito e os pássaros 18:00 Estação do diabo (234’)

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Ama-san (112’) Ama-san (112’) Temporada (113’) Pré-estreia: Estação do diabo (234’)

Ama-san (112’) Temporada (113’) Tito e os pássaros (73’) O criado (116’) Roma (135’)

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11:30 14:00 16:00 18:00 20:00

Ama-san (112’) Ama-san (112’) El Justicero (80’) Fome de amor (73’) Temporada (113’)

Ama-san (112’) Tito e os pássaros (73’) Bom trabalho (94’) Maborosi – A luz da ilusão (110’) Tito e os pássaros (73’)

24 Imagens do mundo e inscrição da guerra (75’) Intervalo (40’) Tito e os pássaros (73’) Estação do diabo (234’)

11:30 14:00 16:00 17:30 20:00

Programa sujeito a alterações. Eventuais mudanças serão informadas em facebook.com/cinemaims e ims.com.br.

Temporada (113’) Lembro mais dos corvos + Tea for two (105’) Tito e os pássaros (73’) Roma (135’) Lembro mais dos corvos + Tea for two (105’)


Tito e os pássaros, de Gustavo Steinberg, André Catoto e Gabriel Bitar (Brasil | 2018, 73’, DCP) capa Abençoe seus pequeninos corações (Bless Their Little Hearts), de Billy Woodberry (EUA | 1983, 80’, DCP)


destaques de fevereiro 2019 Tito, El Jus, Julia Katharine, irmã Glória. Um menino que existe apenas em uma animação, um playboy defensor de oprimidos, uma mulher trans, uma freira missionária em Uganda. Corpos presentes em meio às tensões políticas e estéticas inerentes às suas existências, que são também alguns dos protagonistas dos filmes que serão projetados ao longo de fevereiro no cinema do IMS. Irmã Glória é a personagem principal de Diário de uma freira africana, curta-metragem que faz parte da mostra L.A. Rebellion, apresentada de 5 a 10 de fevereiro, em uma programação com filmes inéditos no Brasil, de cineastas afrodescendentes, produzidos entre os anos 1970 e 1980 na UCLA, acompanhados por um ciclo de debates, que põe em foco a produção vigorosa, atual e pregnante desse cinema. Em Lembro mais dos corvos, em cartaz a partir do dia 7, nos desvelamos

Diário de uma freira africana (Diary of an African Nun), de Julie Dash (EUA | 1977, 15’, digital) 1

Lembro mais dos corvos, de Gustavo Vinagre (Brasil | 2018, 80’, DCP)

em companhia de Julia Katharine, que se autoficcionaliza entre Grey Gardens e Sherazade, com a cumplicidade atenta de Gustavo Vinagre. O galã Arduíno Colasanti interpreta El Jus, um filho de general sensível a dramas sociais, e também Felipe, garçom emigrado que volta ao Brasil para morar em uma ilha deserta. Em tons de comédia e de drama, El Justicero e Fome de amor são dois retratos apurados feitos por Nelson Pereira dos Santos de uma certa burguesia e suas relações com a política do fim dos anos 1960. Tito é um menino que luta contra medos coletivos e também o protagonista da animação brasileira Tito e os pássaros, vencedora do prêmio de melhor longa-metragem infantil no Anima Mundi 2018 e que estreia no cinema do IMS a partir do dia 14 de fevereiro.

O criado (The Servant), de Joseph Losey (Reino Unido | 1963, 116’, DCP)


Pérolas negras – L.A. Rebellion por Luís Fernando Moura e Victor Guimarães

Na alegre missão de introduzir as obras da chamada L.A. Rebellion no Brasil, e na consciência de que poucos destes filmes foram vistos – por poucas pessoas –, e muitos não foram vistos por virtualmente ninguém (ao menos em salas de cinema), optamos por apresentar no precioso espaço do IMS o que poderíamos já chamar, numa derivação, de pérolas da L.A. Rebellion. Não estão aqui – ao menos de maneira direta – filmes proeminentes desse repertório, como O matador de ovelhas (Killer of Sheep, Charles Burnett, 1977) e Filhas do pó (Daughters of the Dust, Julie Dash, 1991), já exibidos em cinema no Brasil algumas vezes, caso particular do primeiro, ou recentemente listados em plataformas de streaming, caso do segundo – obras mais acessíveis e de fortuna crítica mais ampla. Com este conjunto de 14 títulos – curtas, médias e longas –, redirecionamos, assim, o foco a alguns outros trabalhos que, seguramente reveladores – incríveis –, correriam o risco de ser escamoteados pelo vício das curadorias, que se espelham entre si e naturalmente vinculam certos títulos – e não outros – ao ciclo básico 2

de cânones (mesmo quando estão em processo de constituição), reproduzindo a consolidação de consensos ou hegemonias, ainda que em pesquisas de objeto essencialmente dissensual e contra-hegemônico, como é o caso. Sob a rubrica L.A. Rebellion (ou Rebelião em Los Angeles), com que a crítica mundial recente vem se referindo ao conjunto das obras de realizadoras e realizadores afro-americanos que frequentaram a Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA) entre a virada para os anos 1970 e o pontapé da década de 1990, indica-se de partida que, em pleno seio da indústria estadunidense de cultura de massa, esses filmes compartilhavam o desejo de romper com as convenções de um regime sensível e performar a fundação de outros. Contra o que, exatamente, se rebelavam? Em primeiro lugar, contra o quase século de imagens que os precedia, esse espelho embaçado de Hollywood em que, na maioria esmagadora do tempo, negros e negras não podiam se reconhecer. Era preciso inaugurar um outro ambiente cinematográfico, próximo às sensibilidades e aos desejos que

surgiam das comunidades afro-americanas. Tratava-se também de combater um sistema de produção majoritário em que, mesmo em um cinema hegemonicamente negro – vide os filmes da Blaxploitation –, era preciso fazer concessões. De certa maneira, a L.A. Rebellion se voltava prioritariamente para a audiência afro-americana – até o público, se branco, parece por vezes ter sido eleito para falso interlocutor na sala de exibição –, e desse modo se pode notar aqui certa retomada da linhagem dos race films de Oscar Micheaux e Spencer Williams. Com uma diferença, para começar: em sua grande maioria, os filmes daqueles estudantes são de arrojo intransigente e vinham indicar arranjos autônomos de produção de cinema, pensamento fílmico e visão da história social. Juntando-nos a esta revisão conjunta, ficamos animados em poder exibir, por exemplo, o singular Mulher africana, EUA (African Woman, USA, Omah Diegu – nascida Ijeoma Iloputaife –, 1980), que, segundo os parceiros do arquivo da UCLA – que capitaneou a restauração desse acervo, majoritariamente realizado


em ambiente escolar, e nos proveu várias das cópias aqui exibidas –, para nossa surpresa, nunca teria sido solicitado para qualquer programação em tempos recentes. Isso em se tratando de uma diretora comumente referenciada – em uma ainda reduzida bibliografia,1 quase toda em língua inglesa –, e com filme presente na trilogia de DVDs que a universidade restaurou e compilou em 2011, disponibilizado com mais um montante de belos curtas para acervos de pesquisa. Naquele ano, muitos desses filmes, das mais diversas extensões, foram pela primeira vez reunidos sob catalogação sistemática da UCLA e voltavam (ainda timidamente) a circular. O repertório de obras redescobertas e restauradas seria apresentado sob a designação L.A. Rebellion, que havia sido cunhada por Clyde Taylor, historiador e curador afro-americano que organizara uma primeira retrospectiva no Whitney Museum em janeiro de 1986. Primeiro A bolsa (The Pocketbook), de Billy Woodberry (EUA | 1980, 13’, DCP)

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1. A principal publicação é, certamente, o livro editado pela Universidade da Califórnia em 2015: L.A. Rebellion: Creating a New Black Cinema, não traduzido para o português.


nos EUA, em 2015 em Londres e em 2017 em Paris, mesmo ano em que teve um primeiro recorte apresentado no Brasil, durante o festival Janela Internacional de Cinema do Recife. É verdade, temos entre nós o incrível Bush Mama (Haile Gerima, 1979), que poderia (ao lado dos longas de Burnett e Dash) ser considerado integrante conclusivo de uma possível tríade paradigmática em longa-metragem da L.A. Rebellion, e a difícil acessibilidade a boas cópias de exibição doméstica ou pública desse filme decerto nos deixou, de antemão, inclinados a programá-lo. Para além disso, o primeiro longa de Gerima nos parece indispensável num recorte realizado em 2019: a inquieta reação que causou durante o Janela Internacional de Cinema do Recife, onde esta mesma cópia em 16 mm foi exibida, veio reforçar entre nós a sensação de que Bush Mama tem especial vocação para sintetizar as linhas políticas que fazem desse conjunto de filmes incontornável a algumas das questões que nos movem hoje em sociedade e em cinefilia, inclusive na produção contemporânea no Brasil, se estivermos predispostos a colocar 4

a experiência do presente em perspectiva e a alimentar de genealogias nossos horizontes. Além de filmes raros, vimo-nos assim inclinados a privilegiar também raras cópias de exibição para obras preciosas sem versões mais facilmente portáteis, como as digitais, disponíveis: exibiremos em 16 mm os dois filmes de Gerima programados e os dois títulos que trouxemos da realizadora Alile Sharon Larkin, de trabalho ímpar, mas ainda desconhecido em mostras de cinema no Brasil. Apostamos, ainda, em títulos com restaurações recentes em DCP, inclusive sem sequer terem recebido edição doméstica, como é o caso do estonteante Dando um rolê (Passing Through, Larry Clark, 1977), um outro filme-evento na mostra apresentada no Recife, e que, se não for descoberto pelo público brasileiro nesta oportunidade, por enquanto não terá cópia encontrada em qualquer outra plataforma. Em particular, esse arranjo de enfoques foi naturalmente (ainda que de maneira atenta) encontrando um conjunto expressivo de filmes dirigidos por mulheres – são muitíssimas na lista de créditos da

L.A. Rebellion, sobretudo na produção de curta-metragens, mas apenas Julie Dash parece vir figurando na relação mais corrente de uma meia dúzia de essenciais. Terminamos por selecionar, no conjunto de 14, seis filmes realizados por diretoras de cinema: além de Diegu, Dash e Larkin, Zeinabu irene Davis. Se notarmos que filmes de diretores homens, como Bush Mama, Filha da resistência (Child of Resistance, Haile Gerima, 1972), A bolsa (The Pocketbook, Billy Woodberry, 1980) e Abençoe seus pequeninos corações (Bless Their Little Hearts, Billy Woodberry, 1983), apresentam interesses mais ou menos expressos em desenvolver ricas figuras femininas, é possível já vislumbrar uma primeira trilha de pesquisa suplementar no interior da programação, à maneira de um compêndio de estudos de ponto de vista de mulheres afro-americanas, cujas características dificilmente se replicariam com tal distinção em outras cinematografias conhecidas. De modo similar, o conjunto deixa entrever um testemunho das vivências de uma escola de cinema e da colaboração artística em seu interior, e se


Charles Burnett, nome mais visado do extenso grupo e laureado com um Oscar honorário em 2018, aparece na seleção como realizador de dois curtas, chama a atenção que esteja presente com outras funções na maior parte desses filmes. Burnett cofotografou os dois filmes de Julie Dash e os dois de Billy Woodberry, roteirizando um deles, foi operador de câmera em Bem-vindo de volta, irmão Charles (Welcome Home, Brother Charles, Jamaa Fanaka, 1975), Bush Mama, Dando um rolê, Uma imagem diferente (A Different Image, Alile Sharon Larkin, 1982) e Seus filhos voltam pra você (Your Children Come Back to You, Alile Sharon Larkin, 1979), montador deste e de Ilusões (Illusions, Julie Dash, 1982): de certa forma, é como se uma fatia expressiva da mostra dissesse respeito ao papel excepcional do “professor”, como era chamado por colegas de classe. Os créditos dos filmes, que partilham ainda outros nomes, revelam como essa produção era oriunda de um fazer em comunidade, no sentido mais simples e poderoso da palavra, realizada quase sempre com orçamento mínimo e equipes formadas pelos colegas da 5

universidade. É natural, portanto, que se desenvolvessem pontos estilísticos e discursivos de convergência e coesão, mas também variações e – claro – dispersões e oposições internas. O singular e o plural Se compartilham vontades de cinema, desejos de comunicação e autonomias de produção, esses filmes são também amplamente variados. Revelam, em filigrana, a emergência de vozes autorais singulares, irredutíveis a qualquer tentativa de totalização. A destreza narrativa e a encenação elegante das ficções de época de Julie Dash; a crueza lírica das crônicas de Charles Burnett; a variedade estilística dos ensaios políticos de Haile Gerima; a musicalidade épica e a experimentação revolucionária de Larry Clark; as investigações visuais da subjetividade das mulheres negras nos filmes de Alile Sharon Larkin; as reinvenções lúdicas da ancestralidade africana no trabalho de Zeinabu irene Davis. Diante dessa pluralidade, é natural que protagonistas como Charles Burnett e Haile Gerima rejeitem a ideia de movimento, e mesmo o uso

da expressão “rebelião”. É verdade que a nomeação pode sugerir o desenho de um movimento politicamente coordenado e esteticamente coeso – imagem que, certamente, não faz jus às singularidades dos filmes. Por outro lado, diante das imagens do repertório agrupado pela UCLA, é igualmente impossível não reconhecer traços comuns. O texto de Clyde Taylor publicado no boletim do Whitney Museum era premonitório: “Na virada do próximo século, historiadores do cinema reconhecerão que um ponto de virada decisivo no desenvolvimento do cinema negro teve lugar na UCLA no começo dos anos 1970. Então, definições persuasivas do cinema negro se articularão em torno de imagens codificadas não por Hollywood, mas a partir do autoentendimento da população afro-americana.” Um traço marcante da produção dessa geração é justamente sua autonomia obstinada perante os códigos do cinema que se fazia bem ali, tão perto e tão longe, a menos de dez milhas de distância, mas em outro planeta. Ainda que essa produção tenha sido escamoteada durante décadas, permanecendo longe


do mainstream e dos olhos dos espectadores, seu impacto no cinema realizado por pessoas negras nos EUA nos últimos anos é absolutamente fundamental. No campo do cinema experimental, realizadores como Cauleen Smith, Ephraim Asili ou Christopher Harris não cansam de citar os nomes de Haile Gerima, Larry Clark ou Zeinabu irene Davis como referências fundamentais. E, mesmo no centro da visibilidade midiática norte-americana, não restam dúvidas: hoje, um conjunto significativo de cineastas negros bem-sucedidos em Hollywood – nomes como Ava DuVernay, Dee Rees, Barry Jenkins, Jordan Peele e Ryan Coogler – têm reivindicado filmes da geração de cineastas da L.A. Rebellion como influências decisivas. Em várias ocasiões, DuVernay tem repetindo nos últimos anos sua imensa admiração por Julie Dash, chamada por ela de “ícone para as mulheres cineastas”. Jenkins incluiu O matador de ovelhas em uma mostra de filmes influentes para seu longa-metragem vencedor do Oscar, Moonlight (2016), realizada no Lincoln Center em Nova York. Em uma análise da influência da L.A. Rebellion nos filmes 6

afro-americanos de hoje, a crítica Soraya Nadia McDonald resume: “Não existiria Moonlight sem Charles Burnett”. Mas, se hoje há alguns caminhos abertos para realizadoras e realizadores negros nos grandes estúdios, é preciso constatar que as gerações da L.A. Rebellion não tiveram as mesmas oportunidades. “Uma declaração de independência”. Assim o mesmo Clyde Taylor definiria a significação da L.A. Rebellion em um texto na Black Film Review, ainda em 1986. A proximidade física não poderia ser mais enganadora: não houve cineasta proveniente do grupo que construísse carreira minimamente sólida em Hollywood. Depois do sucesso de O matador de ovelhas em festivais europeus, Charles Burnett recorreu à televisão alemã para financiar O casamento do meu irmão (My Brother’s Wedding, 1983). Julie Dash foi rejeitada por estúdios hollywoodianos antes de conseguir o financiamento para Filhas do pó. Haile Gerima voltou à sua Etiópia natal para filmar. E, mesmo em um caso como o de Jamaa Fanaka, que realizou alguns longas-metragens próximos à produção Blaxploitation, sua posição foi

sempre marginal. Não por acaso, Alysson Nadia Field, uma das curadoras responsáveis pela restauração destes filmes, afirma que “os momentos mais lamentavelmente negligenciados na história do cinema americano foram a L.A. Rebellion e o trabalho dos cineastas associados a ela”. Mas, se a negatividade frente ao cinema industrial salta aos olhos, há uma série de traços que, em sua positividade, perpassam os filmes do conjunto. Se não há um mínimo denominador comum, estilístico ou temático, há elementos que atravessam uma e outra obra, saltam de um filme a outro e se transmutam em novas formas. A busca pela construção de uma identidade negra autônoma, presente em todos os filmes, adquire configurações muito distintas: da busca pelas raízes via ficção de época, em Diário de uma freira africana (Diary of an African Nun, Julie Dash, 1977), até a investigação da subjetividade de uma criança negra, em Seus filhos voltam pra você; dos discursos políticos voltados diretamente para o espectador negro, em Filha da resistência, até a apoteose musical do jazz afro-americano, em Dando um rolê; da convocação da


ancestralidade africana na banda sonora e nos figurinos, em Ciclos (Cycles, Zeinabu irene Davis, 1989), até a formação de uma consciência política pan-africanista, em Uma imagem diferente. A crônica do cotidiano no gueto, que inaugura um mundo sensível em Um bocado de amigos (Several Friends, Charles Burnett, 1969), pontua as cenas domésticas de Seus filhos voltam pra você, e se desdobra na imaginação melodramática dos filmes de Billy Woodberry. Os conflitos raciais, sutilmente sugeridos em O cavalo (The Horse, Charles Burnett, 1973), tornam-se matéria de análise nas conversas do casal de amigos de Uma imagem diferente e explodem na ação revolucionária do final de Dando um rolê. Embora adquiram nuances singulares em cada cineasta, alguns procedimentos também atravessam as diferentes escritas autorais: a entonação que varia habilmente entre o coloquial e o literário nas narrações em voz over de Ciclos, Filha da resistência e Diário de uma freira africana; a ficção ensaística que se fragmenta entre a verossimilhança e a súbita aparição da alegoria em Bush Mama e Uma imagem diferente; 7

a indeterminação entre o cotidiano e a vertigem onírica, como em Ciclos, Filha da resistência e Bush Mama; a montagem disjuntiva e a banda sonora heteróclita dos filmes de Larry Clark, Haile Gerima e Zeinabu irene Davis; as encenações igualmente elegantes – embora díspares – de Charles Burnett e Julie Dash; o jazz que soa alto em praticamente todos os filmes. Isso sem mencionar a força das performances de atores e atrizes que circularam entre vários filmes, como Angela Burnett (Seus filhos voltam pra você, Abençoe seus pequeninos corações), Johnny Weathers (Dando um rolê, Bush Mama) e, em especial, Barbara O. Jones, cuja plasticidade constitui o cerne de tantos filmes: as poses incisivas de Filha da resistência, os olhares contraditórios de Diário de uma freira africana, o léxico acidentado e inesquecível de Bush Mama. Pan-Áfricas e Latino-Américas utópicas Há também algumas cisões importantes. Se os primeiros anos da produção da L.A. Rebellion – impulsionados por um programa de ensino voltado para alunos provenientes das comunidades negras,

indígenas, asiáticas e chicanas, liderado pelo professor afro-americano Elyseo Taylor na UCLA – são marcados por uma majoritária presença masculina, a entrada de um número expressivo de mulheres, a partir do final da década de 1970, transforma bastante o cenário. No dizer da escritora e realizadora Monona Wali, em um artigo no mesmo número já citado da Black Film Review, “as diretoras negras que emergiram na UCLA no fim dos anos 1970 estenderam as tendências estéticas do movimento, enraizando percepções da cultura negra em fontes africanas, explorando veículos simbólicos, icônicos e rituais além da prática normativa, e explicitando as preocupações por justiça social. Sua contribuição particular consiste em apresentar mulheres negras que se autodefinem na tela, um esforço que representa uma ruptura mais drástica na história do cinema em comparação aos retratos de figuras negras masculinas.” Dentre as mudanças trazidas por essas cineastas, está o aprofundamento da relação com a África. Se a figura de Haile Gerima, realizador de origem etíope, já impregnava os filmes de uma orientação


em direção à cultura africana, em um filme como Diário de uma freira africana, o continente chega a ser o lugar onde se passa a história. Se um forte sentimento pan-africano já se desprende do jazz de Dando um rolê, a herança cultural impregnará os figurinos, a direção de arte e a trilha sonora em Ciclos e Uma imagem diferente. Se em Dando um rolê e Bush Mama, um pôster de uma mulher angolana com o bebê em uma mão e um fuzil na outra pontuava a narrativa de ambos os filmes, nas obras de Julie Dash, Zeinabu irene Davis e Alile Sharon Larkin, a construção das figuras femininas aprofundará a presença da cultura africana como ponto de ancoragem fundamental. E, se a África é referência primeira, bem ao lado da influência do cinema africano – por exemplo, dos filmes do senegalês Ousmane Sembène – está um outro continente: a América Latina. Em uma entrevista a Bérénice Reynaud em 1991, Charles Burnett lembra do impacto de ver na universidade filmes como o chileno O chacal de Nahueltoro (El chacal de Nahueltoro, Miguel Littín, 1969). Durante sua retrospectiva na galeria Jeu 8

de Paume, em Paris, em maio de 2017, Haile Gerima mencionou mais de uma vez a influência de cineastas como os argentinos Fernando Solanas e Octavio Getino, o cubano Tomás Gutiérrez Alea e o brasileiro Glauber Rocha. Em seu prefácio ao livro L.A. Rebellion: Creating a New Black Cinema, Clyde Taylor menciona ainda a cubana Sara Gómez e o brasileiro Nelson Pereira dos Santos. A presença do brasileiro Mario Silva entre os alunos da UCLA naquele momento certamente teve um impacto nesse sentido. Mario foi um colaborador fundamental de Charles Burnett, Haile Gerima e, especialmente, Billy Woodberry. Como relatam os curadores da restauração, Allyson Nadia Field, Jan-Christopher Horak e Jacqueline Najuma Stewart, o brasileiro teria sido responsável, por exemplo, por encorajar Woodberry a se transferir para a UCLA. A herança que os cinemas modernos africanos e latino-americanos legaram à geração da L.A. Rebellion pode ser identificada em traços recorrentes, como o recurso à imaginação mítica, a construção de alegorias, a incorporação de discursos revolucionários à banda sonora dos filmes,

o gosto pela colagem ou a constante mobilização da montagem vertical. Mas esse legado também se expressa na identificação de uma utopia comum: a luta anticolonial, que tanto para os cineastas do “Terceiro Mundo” quanto para os afro-americanos, nas ruas de Dacar como nas de Havana ou do bairro de Watts, é uma questão de forma, e reivindica a descolonização do olhar. To be Young, Gifted and Black É impossível sair de um mergulho na filmografia da L.A. Rebellion sem um punhado de imagens inesquecíveis. O travelling que percorre as celas da prisão e descobre os jovens negros, um a um, enquanto TC lança um recado a Dorothy e ao espectador em Bush Mama, seguido do contraplano do olhar frontal da protagonista, emoldurado por outras grades. Mas também a hilária batalha campal para arrastar uma máquina de lavar no espaço exíguo de Um bocado de amigos. Os olhares contorcidos de Barbara O. Jones em Diário de uma freira africana, mas também a beleza épica de Nathaniel Taylor em Dando um rolê. A parada na


imagem que petrifica a reação do menino em O cavalo ou as mãos da protagonista de Filha da resistência se debatendo entre as grades da cela e a câmera que a filma. Ou ainda o interlúdio onírico de Ciclos, com as mulheres de óculos escuros a tomar conta das ruas da cidade como quem possui, com autoridade e alegria, um território. É como se a célebre canção de Nina Simone e Weldon Irvine – “To be Young, Gifted and Black” – tocasse nessa passagem, que cria uma imagem rara para o sentimento de orgulho. Na regravação da canção no disco Black Gold, em 1970, a estrela se dirigia ao público antes de tocá-la: “Essa canção não é endereçada, primeiramente, às pessoas brancas. No entanto, ela não deixa vocês tristes, de nenhuma maneira. Ela simplesmente ignora vocês.” E, após a enxurrada de aplausos, continuava: “Porque meu povo precisa de toda a inspiração e de todo o amor que ele possa conseguir”. Os filmes não circulavam como as canções de Nina Simone, contudo, e como foi o caso em tantas outras cinematografias marginais, a relação entre o cinema dessas gerações e a audiência 9

das comunidades afro-americanas foi, em grande medida, um hiato quase intransponível. Se, na primeira metade do século XX, pioneiros como Oscar Micheaux chegaram a constituir circuitos de produção e distribuição comercial próprios e alternativos, que foram estáveis durante algumas décadas – sustentados pelo público afro-americano –, é importante lembrar que, tantos anos antes da consolidação da televisão, o cinema era um fenômeno social inteiramente diferente, com uma presença massiva no cotidiano e um enraizamento maciço na experiência popular. Em meados dos anos 1970, a abrangência e o escopo da insurreição estavam fadados à insularidade. O que aconteceu em Los Angeles teria mesmo sido uma rebelião – não uma revolução. Por outro lado, guardamos ainda a lembrança de uma história contada por Haile Gerima durante sua retrospectiva parisiense. Certa vez, na saída da sessão de um de seus filmes em um festival no interior dos Estados Unidos, uma senhora negra que estava na plateia veio cumprimentá-lo e, discretamente, colocou uma nota de dez dólares no bolso de seu

paletó. Ele só se deu conta depois que a mulher já tinha ido embora, mas a ação se repetiria inúmeras vezes durante sua carreira. Alguns meses depois, em uma entrevista de Charles Burnett, reencontramos a mesma anedota. Algo nos comove profundamente ao imaginar esse gesto. Poucas vezes na história existiu, até nossos dias, um conjunto tão vigoroso de filmes feitos de preto para preto, de preta para preta, e que se afirmassem com tamanhas altivez e independência. Os filmes dessa geração jovem e talentosa representam um tesouro dos mais valiosos para o presente e o futuro do cinema, para os cinemas do presente e do futuro. Ao fim e ao cabo, a maior potência desse incêndio inaugural é a de irrigar outros começos.


Bom trabalho, de Claire Denis: os corpos gloriosos Luiz Soares Júnior

Em “Plan contre flux”, um texto já clássico no estudo de dicotomias cinematográficas, Emmanuel Burdeau fala-nos do cinema somático do “fluxo”, modulado pelo beat energético do plano-sequência, que captura os devires de um corpo; e um cinema (mais clássico) do plano fixo, do ponto de vista, da perspectiva universal, do cogito do sujeito do conhecimento. O cinema de Claire Denis sempre se inclinou mais para o fluxo, mas o acompanhamento de seus filmes por esses devires desregulados da matéria nunca lhe interditou o dever de coreografá-los, de submetê-los ao metro de uma dança etérea; antes pelo contrário: o contraste formal entre o energético e o substancial sempre injetaram uma força inolvidável em seus estudos sobre corpos exilados de seu estado de natureza. Em Bom trabalho, temos uma visão coreográfica dos corpos que se perseguem, se ferem de morte, se desejam sem mácula, sobretudo nas sequências de exercícios dos soldados da Legião Francesa e numa cena-chave, cuja música de fundo pertence à ópera de Benjamin Britten, Billy Budd, adaptada da última e 10

mais ambígua novela de Herman Melville, inspiração essencial para o filme também. A novela conta-nos da obsessão fantasmática do capitão Verve pelo “boa-praça” sedutor soldado Billy Budd, que acaba enforcado pelo primeiro, e em suas entrelinhas fala-nos das tortuosas trajetórias do desejo, inclinado antes ao processo de consumição/consumação de seu objeto que à sua simples fruição – leitmotif central no filme de Denis igualmente. “Todo amante mata aquele que ama”, como diz Oscar Wilde. Essa “correção” do cinema do fluxo pelo formalismo mais estrito de um metro coreográfico em Bom trabalho se hieratiza e desvitaliza um tanto, dando-nos nesses planos de conjuntos e vistas gerais soberbos dos torsos eretos e dos embates ensaiados entre os soldados – um traço de neoclassicismo, cuja decupagem precisa do filme arremata com sua ascese teoremática: os planos soltos, fluidos, pouco raccordados da anterior Claire Denis aqui se fixam em efígies de celebração de corpos gloriosos, retomando para a matéria animada do fotograma cinematográfico aquilo que na

letra literária da obra adaptada segundo o espírito (Billy Budd, de Melville) permanecia entravado pela metáfora preciosista. Bom trabalho é um dos filmes mais belos de Claire Denis porque a Beleza, pelo menos entendida por Michel Mourlet como manifestação épica do Espírito, é o seu tema orquestral mais decisivo: se o sargento Galoup quer destruir Gilles Sentain, ou de qualquer maneira eliminá-lo do mapa desejante de Bruno Forestier, o comandante, é também porque o seu físico raquítico enxerga no maciço torso de mármore do soldado um substituto mais digno hierarquicamente no espírito do homem mais velho, que deseja o soldado interpretado por Grégoire Colin. Galoup é aquele terceiro excluído que tudo resolve nas finitas equações humanas, porque vê em Sentain uma oferta de perfeição que jamais poderá devidamente emular, e portanto precisa ser expulsa do campo de visão de Forestier, a quem Galoup deseja de forma seminal o corpo e o posto. O exílio no deserto de Sentain e finalmente a morte não são mostrados por Denis, na medida em que o filme é também o produto da cabeça, imaginado


e rememorado, de Galoup; basta o abandono na estrada, o pó sobre o corpo de Sentain e a oferta d’água ao moribundo para que completemos tudo com nosso imaginário, vetor de fora de campo. O raccord de direção de olhar no cinema é, em termos fantasmáticos, mas também em grande medida narrativos, o vetor 11

pelo qual se indica quem deseja quem, quem exclui quem, e é por sua vez desejado e excluído: uma borda decisiva, a partir da qual tudo se define em termos de ente desejante e desejado. O raccord é uma relação física entre planos (“interplanos”), inscrito na matéria do próprio filme, mas que mimetiza as implicações

fantasmáticas que o Desejo tão frequentemente solicita. A direção do olhar do ator e sua correspondência, no contracampo que se segue, do olhar sobre o qual o anterior se destinara, constituem-se numa retórica do fantasma escópico, como diria Serge Daney: o objeto e o sujeito reciprocamente se imantam, como se assediam


e se consomem, e o filme é o local dessa arena fremente. Em filmes sobre o olhar (do Outro) e sua relação com o desejo, como Persona (Ingmar Bergman, 1966) e Bazar central (Central Bazaar, Stephen Dwoskin, 1976), é seguindo o fio de Ariadne do olhar que fenomenologicamente o filme se estrutura, porque o raccord é, desde os clássicos até sua transgressão com o faux-raccord nos contemporâneos, o médium através do qual o espaço do plano de cinema e o espaço mental do espectador possuem enfim um mesmo leito para habitar, complicado sempre, em um cinema muito energético como o de Denis, pelas escaramuças do plano-sequência. Em Bom trabalho, numa plaga desértica africana ocupada pela Legião Francesa, Galoup (Denis Lavant), o comandante Bruno Forestier (Michel Subor) e Gilles Sentain (Grégoire Colin) são os três olhares principais cujo raccord de direção entretece uma teia imantada pelo Desejo. Não é sempre o olhar um índex, barômetro, signo de uma Força desejante que se apossa desse órgão tão superficialmente pulsante, e lhe determina um destino? 12

O soldado Sentain está, é certo, no centro dessa arena onde o disputam Forestier e Galoup, com a problematização narrativa de que o olhar de Galoup o vasculha das profundezas do passado (ele, um ex-sargento da Legião Francesa, é o narrador da história, o seu contramestre narrativo, e, como todos os vencedores, detém a potência de sua enunciação); Bom trabalho é assim uma narrativa em abismo – ou seja, uma narrativa presente, atual, que se revela superposta à narrativa subjetiva, virtual, do sargento Galoup. Aquele instrumento de enunciação entre os três personagens principais que vai se encarregar de propor sua versão, decisiva porque única –, mas o neoclassicismo de que falei acima se afirma sobretudo por uma transparência de crônica de vilegiatura, de caderno de anotações do cotidiano da Legião, sublinhada à contraluz por momentos extáticos ou devaneantes, como o supracitado da música de Britten. Denis nunca força a mão do estilo, e embora o filme seja comandado pela voz off de Galoup (já aposentado da Legião Francesa, e na iminência do suicídio, como nos mostra

a penúltima cena), esta não autoriza em nenhum momento um extravio suplementar na estrutura narrativa do filme, sempre límpida e causal. Esse é um dos gênios, aliás, de Bom trabalho: o equilíbrio ou equidistância entre a voz off que nos fala do passado e este mesmo passado restituído, sem sombra de retórica, pela carne de um presente que possui algo de imemorial: ambos convivem sem importunar a linha reta ou a nota exata um do outro, e, ao mesmo tempo, o filme guarda uma perturbação que nos é cristalizada estilisticamente pela rentreé triunfal do final, com Galoup (Lavant) na sua dança na boate, espécie de revanche do significante feérico e do morto sobre um filme que, até então, se mantivera sob a égide de uma clareza cristalinamente neoclássica, enfarruscada aqui e ali pelo êxtase de sua elocução épica.


L.A. Rebellion Entre os anos 1970 e 1980, a Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA) iniciou uma política de inclusão de jovens estudantes de cinema de origens diaspóricas e imigratórias nos EUA. Foi nesse contexto que surgiu um conjunto extraordinário de filmes que expressam o vigor e a pregnância de um novo cinema negro. Objeto de redescoberta e restauração nesta década, os filmes de realizadoras e realizadores afro-americanos egressos dessas turmas, movidos por um projeto de autonomia histórica e de emancipação artística, foram reunidos sob a rubrica L.A. Rebellion (Rebelião em Los Angeles), que passou a designar a produção de nomes que se tornariam célebres, como Charles Burnett (vencedor de um Oscar honorário em 2018) e Julie Dash (primeira mulher negra a dirigir um longa-metragem estreado comercialmente nos EUA), além de outros menos conhecidos – mas igualmente notáveis –, como Zeinabu irene Davis, Alile Sharon Larkin, Haile Gerima, Larry Clark e Billy Woodberry. Em fevereiro, os cinemas do IMS exibem esses filmes em sessões comentadas pelos curadores Victor Guimarães e Luís Fernando Moura e também por críticas e críticos, pesquisadoras e pesquisadores. Ingressos: R$ 8 (inteira) e R$ 4 (meia). O debate L.A. Rebellion, passado e presente tem entrada gratuita. Distribuição de senhas 30 minutos antes da sessão. Um ingresso por pessoa. Sujeito a lotação.

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Abençoe seus pequeninos corações Bless Their Little Hearts Billy Woodberry | EUA | 1983, 80’, DCP

Redistribuído em circuito nos EUA em 2017 pela distribuidora Milestone, Abençoe seus pequeninos corações é centrado em Charlie, um desempregado que arranja bicos para sustentar a família, e Andais, que precisa administrar a vida doméstica e cuidar dos filhos. Este drama, trabalho de conclusão de mestrado na UCLA, se passa no bairro de Watts, em Los Angeles, onde orquestra o choque entre dois movimentos de vida, de marido e mulher, e, na mais fina tradição da crônica social desenvolvida no contexto da L.A. Rebellion, atenta para a complexidade dos laços e das relações entre as pessoas – para a empatia em meio ao conflito moral –, por meio de aguda sensibilidade realista. Billy Woodberry se reuniu aqui ao eventual colaborador e colega de classe Charles Burnett – que já havia sido um dos fotógrafos de seu curta A bolsa, três anos antes –, responsável pelo roteiro deste que é até hoje o único longa-metragem de

Woodberry como diretor. A escrita melodramática de A bolsa, calcada na compaixão diante de ruínas morais – como fazer o que se diz certo se as coisas do mundo não vêm vindo bem? –, é retomada para que se desenvolva talvez um dos filmes da L.A. Rebellion em que as consequências da dramaturgia são encaradas de forma mais frontal, longa e dedicada. É preciso, como na melhor colaboração entre cinema clássico e consciência crítica, que a cena comunique paixão e contingência do conflito. Para tanto, Nate Hardman e Kaycee Moore, protagonistas, estão afiados e partilham pontos de vista de densidade semelhante, que não só expressam a expectativa histórica dos papéis de gênero como problema – político e dramático –, como catalisam o retrato melancólico de um tempo e de um espaço. Como em A bolsa, o valor do dinheiro e do trabalho na sociedade americana é objeto e disruptor de uma hipótese, enquanto o jazz empresta notas emocionais e subtexto político. A exibição será seguida por fala de Josslyn Luckett.


Bem-vindo de volta, irmão Charles Welcome Home Brother Charles Jamaa Fanaka | EUA | 1975, 91’, DCP

O contexto da realização de Bem-vindo de volta, irmão Charles não poderia ser mais controverso. Uma das maneiras de compreender o repertório da L.A. Rebellion é situá-lo como um contraponto crítico às imagens sedutoras de violência e erotismo da contemporânea produção da Blaxploitation, esse polêmico conjunto de filmes dos anos 1970 em que um intenso protagonismo negro no cinema comercial estadunidense convivia, segundo seus críticos, com a veiculação de clichês nocivos sobre a negritude. Em consonância com as posições do movimento negro da época, os estudantes afro-americanos da UCLA teciam fortes críticas a essa produção, buscando afastar-se o máximo possível de sua estética. O próprio Jamaa Fanaka realizara na escola, em 1972, o curta-metragem A Day in the Life of Willie Faust, or Death on the Installment Plan, que joga com os códigos da Blaxploitation, mas oferece uma visão sombria e pessimista sobre o destino de um jovem viciado em heroína (interpretado pelo próprio Fanaka). Nesse contexto, é possível imaginar a surpresa de todos quando Fanaka propôs, como um de seus projetos de graduação, realizar um longa-metragem contando a história de um ex-presidiário que decide se rebelar contra o sistema racista que o encarcerou injustamente, cometendo uma série de estupros e assassinatos em uma vingança brutal contra seus algozes brancos (com a ajuda de insólitos superpoderes adquiridos como resultado dos experimentos científicos aos quais fora submetido na prisão). Esse enredo tão próximo do 14

universo da Blaxploitation seria filmado, porém, em um contexto diametralmente oposto ao das produções comerciais: com um orçamento formado por bolsas de mecenato cultural e economias de seus pais, a produção se arrastaria por 17 meses, com filmagens limitadas aos fins de semana, para permitir o acesso irrestrito aos equipamentos da universidade (com o colega Charles Burnett como operador de câmera). O resultado econômico não poderia ser mais auspicioso: o filme conseguiria um contrato de distribuição, arrecadaria US$ 500.000 nas salas de cinema e permitiria a Fanaka realizar outros dois longas-metragens ainda como estudante: Emma Mae (1976) e Penitentiary (1979), tornando-se o único diretor de sua geração a ter obtido algum sucesso comercial naquele momento. O resultado estético não poderia ser mais complexo e desafiador: equilibrando-se entre o humor nonsense e a crítica social radical, entre a adesão e o distanciamento frente aos códigos da Blaxploitation, o filme trabalha uma série de estereótipos raciais em múltiplas camadas de interpretação. A exibição será seguida por fala de Luís Fernando Moura. [Cortesia da Xenon Films, Vinegar Syndrome e do American Genre Film Archive.]

Bush Mama

Haile Gerima | EUA | 1979, 97’, 16 mm Das obras-primas fundacionais do que se entende por L.A. Rebellion, o crucial Bush Mama foi o trabalho de conclusão de mestrado de Haile Gerima – etíope que migrara para Los Angeles em 1967 – na UCLA, em 1975. Aqui está um dos encontros do diretor com a fenomenal atriz Barbara O. Jones – uma das mais prolíficas do contexto da L.A. Rebellion – e uma veneração capital à sua presença em cena, exibida em cópia cedida pelo arquivo da universidade. A ficção desbrava o drama agudo de Dorothy, moradora de um inquieto quarteirão do bairro de Watts, que se vê diante de um excesso de realidade: seu companheiro está preso, enquanto ela precisa cuidar de sua filha e de uma gestação, enfrentando o protocolo míope da assistência social, a ubiquidade das normas disfuncionais e o bombardeio do juízo público em um estado de coisas em que a violência dá molde às dinâmicas coletivas. Dedicado ao ponto de vista da personagem, Gerima conduz a narrativa como uma arrojada busca de formas e de forças, como quem está seguro de que, para comu-


nicar um desejo, é preciso inventar uma alternativa. É preciso ensinar-aprender a filmar a mobilidade (concreta e simbólica) de uma mulher negra – de Dorothy –, no branco cinema. O que deve acontecer com a representação para que Dorothy se mova? Como inscrever o olhar de uma mulher como ela num filme? A personagem de Barbara O. Jones nos guia como projeto ativo de corpo-olhar, e o tempo da peregrinação termina por colapsar, de dentro da dramaturgia, os fluxos romanescos, criando estonteantes sequências que não cabem no compasso clássico, ritmadas então como um entorpecido jazz, porque atento demais: a política aqui é musical como condição discursiva, e a realidade será assim movida pelos devaneios entre a dicção e a vertigem – como a palavra que conclama: mova-se, Dorothy! Mova-se com Dorothy, espectador! Gerima aqui talvez tenha inventado uma pedagogia (a se apreender). A exibição será seguida por fala de Juliano Gomes.

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Dando um rolê

Passing Through Larry Clark | EUA | 1977, 105’, DCP Realizado como filme de conclusão de mestrado na UCLA por Larry Clark – que já havia dirigido na escola o curta Tamu (1970) e o média-metragem As Above, So Below (1973) –, o filme tem como fio narrativo a história de Eddie Warmack (Nathaniel Taylor), saxofonista de jazz que deixa a prisão após cumprir sua pena pelo assassinato de um gângster branco. Enquanto tenta convencer seus colegas músicos a escapar da máfia da indústria fonográfica, que lucra com a exploração do suor e do talento dos artistas negros, Eddie parte em uma busca – ao lado de sua companheira Maya (Pamela B. Jones) – por seu avô, o lendário mestre jazzista Poppa Harris, interpretado pelo veterano Clarence Muse, ator com uma prolífica carreira de mais de 150 papéis e considerado o primeiro afro-americano a “estrelar” um filme. À medida que a narrativa se move entre os conflitos raciais e a busca pela identidade negra, o filme se transforma em experiência visual e sonora inigualável. De forma ainda mais intensa do que nos filmes anteriores de Clark, a ficção se desdobra ora em ensaio – a partir da incidência de imagens de arquivo das lutas de liberação negra na África e nos Estados Unidos –, ora em pura investigação visual e sonora, embalada pelo jazz de vanguarda da Pan-Afrikan Peoples Arkestra, liderada por Horace Tapscott. Mais do que oferecer um tema para o enredo ou um acompanhamento musical, o jazz é tratado por Larry Clark como um princípio formal, que inspira o trabalho fortemente experimental com as cores, as múltiplas camadas narrativas, as idas e

vindas entre passado e presente que desafiam qualquer noção de linearidade, a extrema musicalidade da montagem. Para Clyde Taylor (historiador responsável por cunhar o termo L.A. Rebellion), trata-se do “mais ambicioso esforço de construir um filme em torno dos ritmos e dos movimentos da tradição jazzista”. Para o crítico francês Raphaël Bassan, em certa medida, Dando um rolê poderia ser considerado “o único jazz film da história do cinema”. [Um grande projeto de pesquisa coletivo, intitulado Liquid Blackness, foi iniciado na Georgia State University, nos EUA, inspirado pelo encontro das pesquisadoras e pesquisadores com Dando um rolê. Uma coletânea de ensaios a partir do filme (em inglês) pode ser conferida aqui: bit.ly/lareb2] [A frase de Clyde Taylor faz parte do texto curatorial da primeira retrospectiva a reunir alguns dos filmes dessa geração, em 1986, no Whitney Museum of American Art. O texto pioneiro pode ser acessado em: bit.ly/lareb4] [A frase de Raphaël Bassan integra um texto (em francês) do autor no jornal francês Libération, em 9 de setembro de 1985, intitulado “Douarmenez tout noir”] A exibição será seguida por fala de Luís Fernando Moura e Victor Guimarães. [Cópia em DCP: cortesia do UCLA Film & Television Archive. Preservação parcialmente financiada pela doação da Andy Warhol Foundation for the Visual Arts e pelo Packard Humanities Institute.]


Uma imagem diferente

A Different Image Alile Sharon Larkin | EUA | 1982, 52’, 16 mm Alana (Margot Saxton-Federella) é uma jovem que trabalha em um escritório enquanto desenvolve estudos de pintura. Seu cotidiano é marcado pelo esforço em se tornar uma mulher independente e se rebelar contra as convenções impostas por uma sociedade machista e racista. Seu colega de escritório e amigo, Vincent (Michael Adisa Anderson), parece o parceiro ideal nessa busca por construir autonomamente uma outra imagem de negritude. A amizade entre os dois parece contrariar os estereótipos e subverter as expectativas de todos ao redor, até o momento em que, enquanto Alana dorme a seu lado, Vincent se aproveita da situação e tenta estuprá-la. Uma imagem diferente é uma investigação sobre como a masculinidade tóxica é formada em uma cultura visual marcada pela extrema objetificação do corpo feminino. Outdoors publicitários e revistas pornográficas atravessam a paisagem urbana retratada pelo filme, em contraste com as fotografias e pinturas africanas que povoam a 16

casa da protagonista e sinalizam um outro caminho de representação das mulheres. Mais do que elementos de fundo, porém, essas imagens são constantemente convocadas pela montagem – repetidas, justapostas, tensionadas –, assumindo a centralidade em uma ficção que se abre para o gesto analítico típico do ensaio fílmico. A música original, de forte inspiração africana, também contribui para a construção de um filme fortemente influenciado pelo pan-africanismo que marcou o processo de formação de uma geração de jovens negros universitários nos Estados Unidos – e teve grande impacto na UCLA naquele momento. Esse olhar para a África como fonte de uma nova consciência política pode ser percebido também no filme anterior de Alile Sharon Larkin, Seus filhos voltam pra você, ou mesmo em outros filmes da L.A. Rebellion, como Bush Mama e Mulher africana, EUA. A exibição será seguida por fala de Janaína Oliveira.

Curtas 1

Diário de uma freira africana Diary of an African Nun Julie Dash | EUA | 1977, 15’, digital

Em mais uma homenagem ao corpo da atriz Barbara O. Jones, Julie Dash adapta uma história da escritora Alice Walker, pondo em cena o fluxo de consciência de uma freira negra vivendo em Uganda. Em uma visada lírica da feminilidade negra que remete ao cânone experimental, ao filme-ensaio e ao estudo do rosto no cinema, este compêndio de confissões muito bonitas amarra e desamarra os vértices de um triângulo entre a prece católica, as origens africanas da espiritualização – note-se, a propósito, a trilha sonora percussiva – e a autonomia do corpo, em que se deposita a expectativa do gozo, da felicidade, da mobilidade, da autenticidade – perceba-se os enquadramentos, mas também os desenquadramentos, que buscam os mínimos movimentos da personagem.


Julie Dash tem em seu currículo filmes de época e que observam personagens em êxodo, como o seu paradigmático longa Filhas do pó (Daughters of the Dust, 1991), e com esse retorno sistemático a capítulos da diáspora – pela recriação de diferentes paisagens e estatutos, da história social à história do espetáculo, como em Ilusões –, parece levar a cabo o franco projeto de especular documentos e mitos para desenhar pontas soltas de uma genealogia outra para a existência da mulher negra em contexto colonial, em variadas expressões geográficas. A professora da Universidade de Chicago Allyson Nadia Field registra que Dash, aqui, estava impressionada com a descrição do conflito íntimo vivido pela freira em Walker, uma personagem que sabia o paradoxo que era “trazer a morte para um povo imaginário” ao mesmo tempo que estava a seu serviço – e cujo ponto de vista obliterado é então exposto pela imaginação à nossa percepção da história. [O texto de Allyson Nadia Field é um dos publicados (em inglês) no livro L.A. Rebellion: Creating a New Black Cinema, editado em 2015 pela Universidade da Califórnia] [Preservação parcialmente financiada pela doação da National Film Preservation Foundation.]

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cia anterior como pintora na Nigéria. Omah Diegu realizaria, ainda no contexto da escola, os curtas-metragens Obaledo (1980) e Atilogivu: The Story of a Wrestling Match (1982), e, mais tarde, o longa autobiográfico The Snake in My Bed (1995), financiado pelo governo alemão.

Mulher africana, EUA

African Woman, USA Omah Diegu [Ijeoma Iloputaife] | EUA | 1980, 20’, digital Uma imigrante nigeriana estuda dança em uma universidade nos Estados Unidos enquanto luta para conseguir um emprego e sustentar a filha, que passa os dias sozinha em casa. Seu cotidiano é atravessado por episódios de sexismo e racismo, até o ponto em que um homem se passa por produtor para se aproximar e abusar sexualmente da menina. Mulher africana, EUA tem fortes elementos autobiográficos, refletindo os conflitos vivenciados pela própria Omah Diegu (nascida Ijeoma Iloputaife, como assina no filme), estudante nigeriana que chegara à UCLA para estudar cinema no fim dos anos 1970. Com uma trilha sonora constituída por músicas tradicionais africanas e pelo jazz de John e Alice Coltrane, e uma construção visual arrojada (a sequência final é particularmente impressionante), o filme combina o talento narrativo da realizadora (que ela atribui a suas vivências em solo africano que remontam à infância) e sua experiên-

Filha da resistência

Child of Resistance Haile Gerima | EUA | 1972, 36’, 16 mm Era outubro de 1970 quando Angela Davis foi presa em Nova York, identificada como cúmplice no caso dos irmãos de Soledad, três presidiários negros acusados de assassinar um policial branco. Após ver imagens da autora e ativista algemada, o então estudante de cinema Haile Gerima teve um sonho, que materializou em Filha da resistência. São deslumbrantes 36 minutos de loucura de uma presidiária que, interpretada pela grande Barbara O. Jones – protagonista também do posterior primeiro longa do diretor, Bush Mama –, se percebe obsediada por uma profusão de símbo-


los da violência sofrida por pessoas negras na América. Confinada na cela, resta à prisioneira ritualizar a ruína da libertação – e a desesperança individual se descobre no movimento da coletividade. Como comenta a ensaísta Kariima Ali, o monólogo imaginado pela personagem em muito desdobra os escritos revolucionários de George Jackson, um dos presos no caso vinculado a Davis – enquanto, do outro lado das grades, desfilam algemas, correntes, cadeiras elétricas, mas também expressões do hedonismo capitalista, como um irônico playground de tormentas que codifica a silhueta da nação americana –, ou o que Jackson chamaria de “’mercado de pulgas’ do fascismo e do capitalismo de consumo”. É frontal a maneira de Gerima desbravar a substância da violência, busca mais exclamativa em seus filmes que nos de muitos de seus colegas de geração, e suas incontornáveis obras-primas inaugurais – como Filha da resistência – elegem a instituição policial como concreção contemporânea da escravidão de pessoas negras. A partir dela, aqui se desenvolve uma espécie de cosmologia moderna da opressão, cuja missão é de comunicação popular e cujo afluente final é, em tom amargo, mas luminoso, a reivindicação persistente da reunião para a rebelião. [Para conferir o texto de Kariima Ali (em inglês): bit.ly/lareb1]

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Curtas 2

Um bocado de amigos

Several Friends Charles Burnett | EUA | 1969, 22’, DCP O segundo filme estudantil de Charles Burnett, após um projeto sem título no ano anterior, hoje considerado perdido, tem a magnitude de uma ruptura radical: as periferias negras norte-americanas parecem filmadas pela primeira vez. Prosaicas cenas cotidianas – uma briga, o conserto de um carro, a tentativa de mover uma máquina de lavar – filmadas nas imediações de South Central, bairro onde Burnett cresceu, adquirem a força da inauguração de um mundo feito de gestos, posturas, jeitos de falar que o cinema hollywoodiano negligenciou ou pasteurizou por décadas a fio. Essa crônica negra prefigura a obra-prima O matador de ovelhas (Killer of Sheep, 1977), estabelece os principais temas e as marcas do estilo do cineasta mais conhecido da L.A. Rebellion, laureado com um Oscar honorário pela carreira em 2018.

Nas palavras de Burnett em uma entrevista, o tema do filme é “essa sensação que você tem às vezes, quando atinge um ponto em que existe um sentimento de que você não vale nada”. Filmado em 16 mm, com um elenco formado por atores não profissionais, sincronizado e montado à mão nas dependências da UCLA, o método de realização praticado em Um bocado de amigos sumariza os principais traços das produções da L.A. Rebellion: baixo orçamento, trabalho intensamente colaborativo entre os estudantes (que exerciam diversas funções nos filmes uns dos outros), liberdade de experimentação. O filme tem participação, na equipe de som, do brasileiro Mario Vieira da Silva, à época estudante da UCLA, e colaborador íntimo de Burnett. Alguns anos mais tarde, Silva seria operador de câmera em A bolsa, de Billy Woodberry. [Várias entrevistas de Charles Burnett foram reunidas no livro (em inglês) de Robert E. Kapsis, Charles Burnett: Interviews, editado pela University Press of Mississippi em 2011]


Ilusões

Illusions Julie Dash | EUA | 1982, 36’, DCP Durante a Segunda Guerra, o encontro entre Mignon Duprée (Lonette McKee), uma assistente de produção em Hollywood, e Esther Jeeter (Rosanne Katon), cantora negra contratada para dublar atrizes brancas em cenas musicais, torna-se um ensaio com sabores satíricos sobre a indústria cultural, no que se revela um raro debate fílmico sobre colorismo. As duas personagens são como espelhos turvos uma da outra, talvez duros de encarar pelo que deixam entrever, mas preciosos ao reconhecimento – o que temos em comum? O que nos diferencia? As duas mulheres terminam por desenvolver uma espécie de cumplicidade, sempre desconcertante, já que Mignon, de pele clara, passa por branca diante de seus colegas de trabalho, em vias de ter sua identidade descoberta, quiçá afirmada. Este, que é o trabalho de conclusão de mestrado de Julie Dash – só restaurado em 2014 –, é um caso muito incomum de filme no conjunto da L.A. Rebellion, em que a maioria dos 19

atores é branca (uma série de trabalhos não têm sequer um corpo branco em cena), ao mesmo tempo que é também exemplar raro de narrativa filiada às formas mais clássicas do cinema estadunidense. Há, nesse sentido, uma espécie de infiltração necessária nas estratégias do olhar hegemônico, vistas por uma diretora negra que resolveu filmar segundo a gramática do establishment branco macho. Mignon, que termina por viver numa espécie de interseção entre dois horizontes de experiência social, é também um laboratório imprevisto para a representação (pública e fílmica) do racismo e, diante de Esther, algo em seu drama próprio talvez entre em ruína ou se transforme, restando entender ainda como vai afetar a sociedade instituída ao redor, que dela demanda e a ela convoca. A propósito, a voz usada na dublagem da atriz branca é a de Ella Fitzgerald, nas canções “The Starlit Hour” e “Sing Me a Swing Song, and Let me Dance”.

Curtas 3

O cavalo

The Horse Charles Burnett | EUA | 1973, 14’, DCP A paisagem desolada de um faroeste moderno. A imobilidade, o silêncio, o tempo que escorre lentamente enquanto um grupo de homens brancos espera na varanda de uma casa de fazenda. Um menino negro se despede de um cavalo doente prestes a ser sacrificado, enquanto os outros esperam pela chegada do pai do garoto para realizar o trabalho. Essa descrição sumária aponta para um filme em que os eventos narrativos são menos importantes do que uma atmosfera singular, composta por uma exuberante paleta de cores e por uma montagem que aposta na qualidade dos silêncios e na duração. O desejo inicial por filmar O cavalo se deve ao impacto provocado em Charles Burnett por um conto de William Faulkner (“The Bear”): o realizador desejava compor um filme que


partilhasse algo da atmosfera sulista de Faulkner e de sua habilidade para construções metafóricas. Naquele momento, Burnett já estava imerso no longo processo das filmagens de seu primeiro longa-metragem, O matador de ovelhas (Killer of Sheep, 1977) – seguramente o filme mais conhecido da L.A. Rebellion –, mas se viu obrigado a esperar, porque o ator que ele escolhera para o papel principal estava na prisão, e sua liberdade condicional era repetidamente adiada. Foi então que decidiu partir com a pequena equipe para uma região rural a cerca de 300 quilômetros de Los Angeles para filmar o curta-metragem. Nascido em Mississippi em 1944, Burnett se mudara para L.A. ainda criança, em uma onda migratória partilhada por muitas famílias negras sulistas que partiram para a Califórnia em busca de oportunidades. A carga simbólica do sul escravocrata, porém, pode ser notada em filigrana em vários de seus filmes. Nas trocas de olhares de O cavalo, o realizador enfrenta essa iconografia com a sutileza que lhe é peculiar: o racismo torna-se essencialmente uma questão de olhar. No dizer de Burnett, o filme é “uma alegoria sobre o poder sulista e seu declínio”. [Várias entrevistas de Charles Burnett foram reunidas no livro (em inglês) de Robert E. Kapsis, Charles Burnett: Interviews, editado pela University Press of Mississippi em 2011]

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Ciclos

Cycles Zeinabu irene Davis | EUA | 1989, 17’, digital A personagem da atriz Stephanie Ingram aguarda a menstruação, e sua apreensão logo se aprofunda em transe. Confinada em um apartamento, elege uma faxina, depois um banho, para se distrair da espera. Se o alvoroço da dúvida reivindica um futuro – o que será amanhã?, para onde vou? são questões que martelam como mantra maior, de rima histórica –, o espírito da personagem vai se desgarrando do script social, para se reinaugurar em pequenos prazeres, prosaicas, mas fabulosas preces, signos que se derramam do tempo cotidiano em dança entre corpo, filme e história. Hoje professora da Universidade de San Diego, a diretora Zeinabu irene Davis já havia realizado um primeiro mestrado em Estudos Africanos na UCLA quando, em 1989, terminou seu segundo, adquirindo um título de Belas-Artes em Produção de Cinema e TV. Ciclos é fruto imediato desse processo e, embora exemplar já tardio nas gerações da L.A. Rebellion, serve de entrada em retrospecto para uma perspectiva de gênero que é das mais

argutas buscas do conjunto, levada a cabo não exclusivamente, mas de maneira direta, por algumas das mulheres diretoras ligadas ao grupo. Como sugere a pesquisadora Ayanna Dozier, aqui Davis investiga o corpo feminino negro não como simples representação, calcado nos enquadramentos sociais dos corpos das mulheres negras. Em vez disso, transfigura a presença de Stephanie em afetos que agitam a escrita fílmica e recuperam os valores de uma poética do corpo. Em Ciclos, “o corpo feminino negro é apresentado como uma força de ação”. No horizonte, afinal, uma coletividade se anuncia à visão, modesta e lindamente. [Confira o texto de Ayanna Dozier (em inglês) na página do projeto Liquid Blackness: bit.ly/lareb6]

A bolsa

The Pocketbook Billy Woodberry | EUA | 1980, 13’, DCP É das coisas mais lindas o que Billy Woodberry fez neste curta baseado em conto de Langston Hughes. Ambientado no bairro de Watts, em Los


Angeles, e sob fotografia de Charles Burnett, Gary Gaston e do brasileiro Mario Silva, uma epopeia infantojuvenil cindida em dois atos: de dia, o olhar dos meninos sobre o tempo da brincadeira e os indícios de vida, enquanto um nostálgico blues de Lead Belly se repete e faz do filme uma cantiga em disparada. À noite, o garoto que brincava tenta roubar a bolsa de uma senhora, negra como ele, que observava uma vitrine na calçada. A reação da senhora ao impropério é levar o menino Ray para casa e lhe dar, sim, um aconchego maternal, além de uma razoável lição de moral, que, no entanto, é discretamente subversiva: porque também ela admite não poder ser o eixo de uma sociedade integrada, pequeno-burguesa. Pelo contrário, é uma espécie de mesma de Ray – sem nunca poder ser exatamente, e, portanto, não seria capaz de compreender o garoto de todo. Daí a melancolia da comunidade, que a faz dissensual e que guarda a preciosa singularidade de cada rosto. A bolsa termina por se distinguir como um ensaio melodramático que tem como um dos objetos mais caros a insuficiência da sociologia em traduzir o que os afetos comunicam, e vice-versa. Woodberry, sagaz cronista e filiado a traços da imaginação neorrealista, é certamente um par criativo de Charles Burnett, interessado na correspondência e na defasagem entre os movimentos do mundo e os dramas mais íntimos, secretos, entre a dor e os pequenos prazeres, entre o destino e a fuga. Este filme – como o longa Abençoe seus pequeninos corações, não à toa roteirizado por Burnett – voltou a circular nos últimos anos graças ao importante trabalho de distribuição da independente Milestone. 21

Seus filhos voltam pra você

Your Children Come Back to You Alile Sharon Larkin | EUA | 1979, 27’, 16 mm O processo de construção da identidade de mulheres negras é o mote principal da composição das protagonistas na obra de Alile Sharon Larkin realizada na UCLA. Desde o curta-metragem The Kitchen (1975), que narra os conflitos de uma mulher com os padrões de beleza que excluem seu cabelo crespo, até o média Uma imagem diferente, que retrata a busca de uma jovem por reinventar o entendimento sobre sua descendência africana – enquanto enfrenta a masculinidade tóxica que a rodeia por todos os lados –, diferentes aspectos são trabalhados em diferentes filmes. Em Seus filhos voltam pra você, Larkin explora esse processo a partir da perspectiva de uma criança, Tovi, interpretada por Angela Burnett – a sobrinha de Charles Burnett, que também atua em O matador de ovelhas (Killer of Sheep, Charles Burnett, 1977) e Abençoe seus pequeninos corações (Billy Woodberry, 1980). A menina vive com a mãe, Lani (Patricia Bentley King), que luta para

criá-la sozinha enquanto o pai partiu para a África para se juntar à guerrilha do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA). Enquanto a mãe se divide entre o trabalho doméstico e as idas ao escritório da assistência social, Tovi passa parte do tempo com uma tia rica, Chris (Simi Nelson), irmã de seu pai, que tenta conseguir por diversos meios a guarda da menina. Um dos traços formais mais marcantes de Seus filhos voltam pra você é o esforço da câmera por enxergar através dos olhos de Tovi, cuja descoberta do mundo – de suas desigualdades e injustiças – coincide com a formação de sua consciência política, atravessada pela memória do pai e pelos ensinamentos de sua escola afrocêntrica progressista. Nas palavras da influente crítica americana B. Ruby Rich, “Larkin é uma cineasta jovem e original, cujo orgulho e sensibilidade só são comparáveis a seu profundo senso estético. Se há um filme tão delicado quanto este, eu desconheço.” [A frase de B. Ruby Rich, publicada no jornal The Chicago Reader, é citada (em inglês) no livro Screenplays of the African American Experience, editado por Phyllis Rauch Klotman e publicado pela Indiana University Press em 1991] A sessão Curtas 3 será seguida por uma conversa com Mario Vieira da Silva.


Palestrantes e debatedores Luís Fernando Moura (curador) Pesquisador e programador de cinema. Mestre e doutorando em comunicação social pela UFMG, onde integra o grupo de pesquisa Poéticas da Experiência. Foi repórter e crítico no Jornal do Commercio e no Diário de Pernambuco, e escreveu sobre cinema, literatura e cultura para as revistas Continente, Monet, Gol, ArtFliporto, La Fuga, Tercer Film e Língua Portuguesa, para o Suplemento Pernambuco e para o portal Estadão, além de catálogos de mostras e outras publicações. Coeditou o dossiê “O cinema e o animal”, da revista Devires. Foi um dos coordenadores do Cineclube Dissenso, no Recife e um dos curadores das mostras Brasil Distópico, no Rio de Janeiro, e L.A. Rebellion, no Recife, e integrou comissões de curadoria no Festival Internacional de Curtas de Belo Horizonte (2017-2018) e no forumdoc. bh (2018). É curador e, desde 2015, coordenador de programação do Janela Internacional de Cinema do Recife.

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Victor Guimarães (curador)

Janaína Oliveira

Josslyn Luckett

Juliano Gomes

Crítico, curador e professor. Escreve para a revista Cinética desde 2012 e para o site Horizonte da Cena desde 2015. Colaborou com revistas como Senses of Cinema (Austrália), Desistfilm (Peru), El Agente Cine (Chile), Lumière (Espanha) e La Furia Umana (Itália), além de diversos livros, catálogos de festivais e mostras retrospectivas no Brasil, na Argentina e na França. Foi professor no Centro Universitário UNA, na Universidade Positivo e na Vila das Artes. Curador de mostras, como Sabotadores da indústria (Sesc Palladium, 2014), Argentina rebelde (Caixa Cultural/RJ, 2015), Anacronias (Semana – Festival de Cinema/ RJ, 2017) e Brasil 68 (MIS Cine Santa Tereza/BH, 2018). Doutorando em comunicação social pela UFMG, com passagem pela Université Sorbonne-Nouvelle (Paris 3). É autor do livro O hip hop e a intermitência política do documentário (PPGCOM/ UFMG, 2015) e organizador de Doméstica (Desvia, 2015). Atualmente, é um dos curadores de longas-metragens da Mostra de Cinema de Tiradentes.

Pesquisadora e curadora, Janaína Oliveira é doutora em história, professora no IFRJ (Instituto Federal do Rio de Janeiro), e Fulbright Scholar no Centro de Estudos Africanos na Universidade de Howard, em Washington, D.C. nos EUA. Atualmente, é curadora do Encontro de Cinema Negro Zózimo Bulbul (RJ), do Fincar (Festival Internacional de Realizadoras/PE) e do Festival Les Nuits d’Abidjan (Costa do Marfim). Em 2018, integrou as comissões de seleção de filmes de alguns festivais, dentre eles o Festival de Brasília (DF), Kinoforum (SP), Semana de Cinema (RJ), Festival Visões Periféricas (RJ) e Janela Internacional de Cinema (PE). Em 2019, fez a curadoria na mostra Soul in the eye – Zózimo Bulbul and the contemporary Black Brazilian Cinema para o Festival de Roterdã. Faz parte da Apan (Associação dos Profissionais do Audiovisual Negro). É idealizadora e coordenadora do Ficine, Fórum Itinerante de Cinema Negro (www.ficine.org).

Josslyn Jeanine Luckett é professora-assistente do Departamento de Cinema da Universidade de Nova York. Tem doutorado em estudos africanos pela Universidade da Pensilvânia, mestrado teológico pela Faculdade de Estudos Religiosos de Harvard, mestrado em roteiro pela Tish Escola de Artes, da Universidade de Nova York, e bacharelado em estudos étnicos pela Universidade de Berkeley. Sua pesquisa é voltada especialmente aos estudos de mídia, jazz e improvisação e a estudos étnicos comparativos e relacionais, com ênfase na interseção entre raça, mídia e justiça social e nas representações de práticas espirituais afro-diaspóricas no cinema e na televisão. Seu atual projeto de livro investiga a pré-história dos cineastas da chamada L.A. Rebellion, cujos filmes mudaram a mídia independente nas comunidades negras, latinas, asiáticas e indígenas em Los Angeles e outras localidades. Roteirista, dramaturga e ex-editora de roteiro da série The Steve Harvey Show, roteirizou o telefilme Love Song, dirigido por Julie Dash.

Crítico de arte e professor. Formado em cinema na PUC-Rio, com mestrado na Comunicação da UFRJ, lecionou na Pós-Graduação em Audiovisual na Unochapecó, além de cursos livres na Vila das Artes (Fortaleza -2014), na Academia Internacional de Cinema, na Semana de Cinema e no Festival Fronteira. Faz concepção audiovisual de espetáculos de teatro e dança desde 2010. É performer em Help! I need somebody. Dirigiu os curtas … (2007) e As ondas (2017). Programa a Sessão Cinética no IMS desde 2009.

Mario Vieira da Silva Foi estudante de cinema na UCLA, onde obteve o bacharelado e mestrado nos anos 1960 e participou, por um feliz acaso do destino, de um grupo étnico multinacional, denominado por um jornalista de L.A. Rebellion. Lá, conheceu excelentes pessoas, que enriqueceram bastante sua vida. Voltou ao Brasil em 1974 depois de 12 anos e meio em Los Angeles.


Nelson Pereira em Cartaz Ao longo de um ano, a filmografia de Nelson Pereira dos Santos será exibida em uma retrospectiva integral no Cinema do IMS. A cada mês, uma parte da obra do diretor é exibida em cópias digitais e 35 mm.

El Justicero

Nelson Pereira dos Santos | Brasil | 1967, 80’, cópia restaurada em 35 mm Primeiro filme da profícua colaboração entre Arduíno Colasanti e Nelson Pereira dos Santos, El Justicero se baseia no romance As vidas de El Justicero, de João Bethencourt. Seu protagonista é um playboy, interpretado por Colasanti, que defende fracos e oprimidos e tem sua biografia cinematográfica feita por seu amigo Lenine, entre outras peculiaridades. Obra de transição do diretor, que volta seu olhar político (agora em tom de comédia) para extratos sociais mais abastados, o filme recebeu comentário preciso de Maurício Gomes Leite: “El Justicero é uma curiosa, divertida e provocante mistura de jamesbondismo carioca, política estudantil, sexo novo e visão panorâmica de uma certa burguesia – a que vai do Leme até o fim do Leblon”. [A crítica original de Maurício Gomes Leite, além de textos sobre o filme por José Carlos Avellar e Alex Viany, entre outros, publicados no Jornal do Brasil podem ser lidos em bit.ly/JBJus] Ingressos: R$ 8 (inteira) e R$ 4 (meia).

Fome de amor ou Você nunca tomou banho de sol inteiramente nua

Nelson Pereira dos Santos | Brasil | 1968, 76’, cópia restaurada em DCP Dois casais isolados em uma ilha do litoral do Rio de Janeiro. Em uma espécie de continuidade de El Justicero, Fome de amor é um retorno do diretor a uma certa “burguesia esclarecida”. Abandona-se o tom de comédia para entrarmos na seara de relações pessoais entremeadas por ebulições políticas. Nas palavras de José Carlos Avellar, em crítica para o Jornal do Brasil à época do lançamento, “a inquietude com que Fome de amor surge na tela é a forma perfeita para as indagações que o filme levanta. Um melodrama se transforma num filme político. A narração em ordem não cronológica, o modo inesperado com que cada plano surge na tela, o fascinante jogo de claro-escuro e de movimentos de câmera deixam fixar quatro dos personagens [...] apenas para que eles funcionem como símbolos e sejam perguntas que Nelson levanta sobre nossa sociedade. Onde está o povo?” [A crítica original de José Carlos Avellar, e textos de, entre outros, Alex Viany e Maurício Gomes Leite, pode ser encontrada em: bit.ly/FOMENPSJB] Ingressos: R$ 8 (inteira) e R$ 4 (meia).

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Sessões especiais Maborosi – A luz da ilusão

Maborosi Hirokazu Kore-eda | Japão | 1995, 110’, 35 mm O filme que projetou o então documentarista Hirokazu Kore-eda para fora de seu país natal, e também seu primeiro longa de ficção, será exibido em cópia 35 mm. A obra acompanha o luto de Yumiko após o suicídio de seu marido. Em matéria disponível no site The Moveable Fest, Kore-eda conta: “Em Maborosi, Yumiko passa o filme pensando nos mortos. [...] E, no Japão, sinto que não se trata de uma crença em Deus necessariamente, mas uma crença nos mortos e em como os mortos olham por nós. Isso é algo que eu sinto diretamente [...]. Talvez seja uma forma de pensar sobre vida e morte diferente da ocidental, mas, do meu ponto de vista, a morte não começa no fim da vida. É que a vida e a morte correm em paralelo o tempo todo. Elas refletem uma à outra, então eu vivo assim e acho que isso se traduz nos meus filmes também.” [Íntegra da entrevista, em inglês: bit.ly/mabor1] Ingressos: R$ 8 (inteira) e R$ 4 (meia).

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Roma

Roma Alfonso Cuarón | México | 2018, 135’, DCP Durante os anos 1970, em um bairro chamado Roma, na Cidade do México, Cléo é uma jovem empregada doméstica de origem mixteca que trabalha em uma casa de família de classe média. Ali, cuida de quatro crianças como se fossem seus próprios filhos. Sofia, a patroa, sofre com a ausência prolongada do marido. Nas ruas, o confronto entre estudantes e militares se torna crítico. Alfonso Cuarón conta que o roteiro do filme é autobiográfico: “90% das cenas surgiram de memórias minhas. Filmamos nos lugares onde essas cenas realmente aconteceram. Eu reuni 70% dos móveis da minha casa antiga, que estavam espalhados por todo o México nas casas dos meus familiares. E depois eu chamei atores que pareciam o máximo possível com as pessoas originais. Tudo isso para ambientar a história da personagem que se chama Cléo. Ela era a empregada doméstica em minha casa, a babá. Acabamos nos tornando parte de sua família, ou ela se tornando parte da nossa. A outra perso-

nagem é baseada em minha mãe. Mas a história acontece praticamente o tempo todo sob o ponto de vista de Cléo. [...] Durante esse trabalho, tive extensas conversas com a Cléo da vida real. Escrevendo seu personagem, fui então forçado a me aproximar dela pela primeira vez na vida. E vê-la como uma mulher, e uma mulher com todas as complexidades de sua situação. Uma mulher que vem de uma classe social mais desfavorecida, que também vem de uma herança indígena em uma sociedade que é dominada por uma classe, mas muito perversamente, como em todo o mundo, raça e classe são questões íntimas. E então há aqui outro relacionamento perverso entre classe e raça, essa mulher me criou, ela é minha... É estranho dizer mãe postiça porque é uma palavra estranha. Coloco dessa forma, esse é o caso de tantas trabalhadoras domésticas ou babás. Elas têm mais presença em sua vida do que às vezes a sua própria mãe biológica.” [Entrevista completa, em inglês: bit.ly/RomaACuaron] Ingressos: R$ 8 (inteira) e R$ 4 (meia). Vendas exclusivamente pelo site Event Brite: Dia 16/2: bit.ly/romaims16 Dia 24/2: bit.ly/romaims24


Sessão Cinética

O criado

The Servant Joseph Losey | Reino Unido | 1963, 116’, DCP O aristocrata Tony se muda para Londres e contrata Hugo Barrett para realizar todos os serviços domésticos. Barrett parece ser um empregado leal e competente, mas Susan, namorada de Tony, pede que ele seja demitido. Além de retratar a tensão entre classes sociais, O criado encena uma forte tensão sexual entre os personagens de Tony e Hugo. O roteiro foi escrito por Harold Pinter a partir do romance homônimo de Robin Maugham. Pinter, que em 2005 receberia o Nobel de Literatura, comenta sobre o início de sua longa parceria com Joseph Losey, em entrevista à revista Time Out: “Eu estava escrevendo peças de teatro à época e tinha começado a ter textos montados por Peter Hall na Royal Shakespeare Company. De todo modo, Joe me pediu para vê-lo e disse: ‘Eu gosto do seu roteiro’. Eu disse: ‘Oh, obrigado’. E ele disse: ‘Mas tem algumas coisas que eu não gosto nele’. E eu disse: ‘Que coisas?’. E ele me contou. Então eu disse: ‘Está bem, então, por que você só não 25

vai lá e faz mais um filme?’. E fui embora. Dois dias depois, ele me ligou e disse: ‘Olha, por que não tentamos começar de novo?’. E eu disse: ‘Está bem’. Trabalhamos juntos por cerca de 30 anos, e nunca mais tivemos outro desentendimento.” Sobre o roteirista, Losey teria comentado: “As palavras de Pinter são poucas, econômicas, precisas... Pinter também apreciava a utilidade da frase acidental, que se ouve por acaso, o diálogo como efeito sonoro. Ele entende com que frequência seres humanos usam as palavras para atravancar a comunicação.” [Íntegra da entrevista de Harold Pinter, em inglês: bit.ly/hpservant] [A citação de Joseph Losey foi retirada do livro Joseph Losey: A Revenge on Life, de David Caute. Oxford University Press, 1994, p. 5] Ingressos: R$ 8 (inteira) e R$ 4 (meia).

Bom trabalho

Beau travail Claire Denis | França | 1999, 93’, 35 mm O ex-suboficial Galoup se lembra dos tempos felizes vividos na Legião Estrangeira Francesa, de sua vida muito bem orquestrada com uma tropa de homens abandonados no golfe de Djibouti, travando a guerra e consertando as estradas. “Quando o filme me foi proposto, deveria fazer parte de uma coletânea, que tinha como tema o sentimento de ser estrangeiro [no original, stranger]”, comentou a diretora em entrevista ao jornal The Guardian em junho de 2000. “Ir para o exterior seria como se sentir um estrangeiro em um país estrangeiro, mas não seria o suficiente para expressar algo que se sente por dentro. [...] Eu achei que viajar para fora era um aspecto necessário ao filme, mas que o centro deveria ser o sentimento de ser um estrangeiro na vida de alguém. Então pensei na Legião Estrangeira, na verdade, de uma forma bastante ingênua, porque tem a palavra ‘estrangeira’ no nome. Então, percebi que não sabia nada sobre eles. Eu era completamente ignorante. Mas tendo trabalhado em Marselha quando fiz Nénette e Boni (1996), em bares à noite, muitas vezes encontrávamos o legionário solitário passando a noite em um bar perto do porto – e longe da Legião. Aquele sentimento do Galoup eu já havia sentido de alguma forma. Então foi assim que começou.” Bom trabalho é livremente inspirado na obra de Herman Melville, sobretudo na novela Billy Budd. Na quinta-feira, dia 14, a sessão será seguida de debate com os críticos da revista Cinética. [Íntegra da entrevista, em inglês: bit.ly/cdbt1] Ingressos: R$ 8 (inteira) e R$ 4 (meia).


Filmes em cartaz

Ama-san

Ama-san Cláudia Varejão | Portugal | 2016, 112’, DCP Em Wagu, uma pequena vila de pescadores da península de Ise, Matsumi, Mayumi e Masumi, três mulheres de gerações distintas, mergulham diariamente sem saber o que irão encontrar. Sem o auxílio de tanques de oxigênio ou ferramentas que potencializem a capacidade de permanecer debaixo da água, seus corpos são convocados a trabalhar no limite. Esses mergulhos são feitos no Japão há mais de dois mil anos pelas ama-san. Nessa cultura, enquanto os homens se dedicavam à caça ou à pesca em alto-mar por longos períodos de tempo, as mulheres mergulhavam em busca de subsistência. O que coletavam no mar tornava-se negócio em terra. Em entrevista ao jornal Observador, a diretora Cláudia Varejão conta que, se hoje essa profissão já não oferece estabilidade financeira, “nas décadas de 1960, 1970, elas ganhavam muito, muito dinheiro. Porque não pescavam só marisco e iguarias, mas também as ostras, que tinham as pérolas. Existia uma expor26

tação gigantesca de pérolas do Japão para o resto do mundo. E elas eram muito ricas. A ama mais velha no filme tem duas casas compradas com o dinheiro dela. Os maridos de muitas ama, na história mais recente, não trabalhavam. Elas ganhavam tanto dinheiro… E isso é muito interessante, foi assim que reverteram o papel da mulher na sociedade japonesa. Elas ganharam o poder sem ser conflituosas. Não são mulheres feministas, nem sequer têm noção desse conceito. Elas são extremamente respeitadas. É uma oposição à gueixa, que é a mulher submissa. As ama são uma figura completamente à parte, são respeitadas, os homens prestam-lhe imenso respeito. E foi uma das coisas que me fascinou logo, como é que estas mulheres, num país como o Japão, têm tanto poder, são tão livres.” “Olho para tudo aquilo com grande interesse e fascínio”, comenta a diretora, “como uma criança a olhar para algo que nunca viu. O Japão tem uma cultura muito diferente da nossa, e há uma forma de viver muito cuidada, muito cheia, com uma grande valorização de tudo. O prazer não está só na intimidade nem nas coisas claramente festivas, está em tudo. E isso atinge-se através do cuidado, do ritual, da calma como se faz e se observa as coisas a serem transformadas: a natureza a mudar, os filhos a crescerem, o fogo a acender, a luz a avançar. Talvez isso esteja impresso no filme, eu estou muito atenta a isso. O facto de eu não falar a língua, de não perceber à partida do que estão a falar, faz com que eu olhe sobretudo para os gestos. É um filme que está muito atento ao ritual, à repetição, como as pessoas se relacionam, o tipo de enquadramentos. São quadros mais fechados, movimentam-se com os gestos delas. [...] O filme acaba por resultar nesse retrato mais gestual.”

Em 2016, o longa recebeu os prêmios de Melhor Filme da Competição Portuguesa no Doclisboa; Melhor Filme da Competição Internacional – Extra Muros Competition do Pravo Ljudski Film Festival, em Sarajevo; Menção Especial do Júri do Festival de Karlovy Vary; e o Prémio Teenage no Porto/Post/Doc. O filme chega ao Brasil com apoio do Instituto Camões e do Consulado de Portugal. [Íntegra da entrevista de Cláudia Varejão em: bit.ly/ama-san] Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 22 (inteira) e R$ 11 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 26 (inteira) e R$ 13 (meia).


Estação do diabo

Ang panahon ng halimaw Lav Diaz | Filipinas | 2018, 234’, DCP No final dos anos 1970, uma gangue de policiais controlada por militares aterroriza uma remota aldeia nas Filipinas, infligindo terror físico e psicológico aos cidadãos. As pessoas são constantemente alimentadas com boatos sobre o líder da aldeia. Algumas lutam, recusando-se a desistir. Enquanto isso, o poeta, professor e ativista Hugo Haniway tenta descobrir a verdade sobre o desaparecimento de sua esposa. Uma ópera rock com música e letras compostas por Lav Diaz, inspirada em eventos e pessoas reais e ambientada na ditadura de Ferdinando Marcos. Em entrevista à revista Film Comment, o diretor declara: “Tudo começou com o filme de gângster que estou escrevendo. Enquanto escrevia o roteiro para esse filme de gângster, ou filme noir, comecei a escrever músicas ao mesmo tempo. Enquanto fazia isso, eu continuava ouvindo, assistindo e lendo sobre o que se passa nas Filipinas. E todas essas coisas trouxeram informação às músicas. E eu continuei escrevendo e lamentando e chorando – compondo marchas fúnebres para o meu país. É muito elegíaco. E a partir daí pensei que talvez pudesse usá-las para fazer um musical. Eu vi muitos musicais, mas como cineasta não estou familiarizado com a forma – é mais pelo que já vi. Então pensei nisso conceitualmente e criei todo esse folclore pagão: a coruja, a cobra, o traidor, os homens sábios. Tomei emprestadas algumas figuras mitológicas ocidentais, como o homem com cara de Jano, cujo nome é Narciso. Assim, todas essas funções semióticas foram usadas para os 27

personagens, assim como a semiótica, o uso do significado, foi usada nas canções. É um misto de realismo com perspectivas conceituais.” [Íntegra da entrevista, em inglês: bit.ly/lavdiaz1] Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 22 (inteira) e R$ 11 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 26 (inteira) e R$ 13 (meia).


Lembro mais dos corvos

Gustavo Vinagre | Brasil | 2018, 80’, DCP Júlia conta histórias para atravessar uma noite de insônia. Gustavo Vinagre e Julia Katharine se conhecem há dez anos e já fizeram três curtas-metragens juntos: Os cuidados que se tem com o cuidado que os outros devem ter consigo mesmos, Filme-catástrofe e o inédito Medo medo medo. Em Lembro mais dos corvos, o roteiro assinado pelos dois apresenta um monólogo que une documentário, ficção e improviso. “Ele me deu muita liberdade, em momento nenhum sentamos para escrever diálogos. Parecia que eu estava fazendo terapia, porque ficou eu e uma equipe muita pequena a noite toda juntos. Uma noite e sem segundo take”, conta Julia Katharine, a primeira atriz trans a ganhar um prêmio no Festival de Tiradentes: o prêmio Helena Ignez, voltado para o trabalho de mulheres no cinema brasileiro. Em 2018, Lembro mais dos corvos recebeu também o Prêmio Joris Ivens e o Prêmio do Júri Jovem de Melhor Filme, no festival Cinéma du Reel, e o Grande Prêmio Longa-Metragem Cidade de Lisboa, no IndieLisboa. Junto ao filme, será exibido Tea for two, curta-metragem de Julia Katharine. Ingressos: R$ 12 (inteira) e R$ 6 (meia).

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Tea for two

Temporada

Silvia é uma cineasta de meia-idade em crise com sua vida. Na mesma noite em que é surpreendida pela visita da ex-esposa, que a largou há alguns anos, conhece uma outra mulher que a fascina. Primeiro filme dirigido por Julia Katharine, Tea for two será exibido junto a Lembro mais dos corvos, sempre depois do longa.

Juliana está se mudando de Itaúna, no interior de Minas Gerais, para a periferia de Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte, para trabalhar no combate à dengue e endemias na região. Ao mesmo tempo, ela enfrenta as dificuldades com seu marido, que também está prestes a se mudar para a cidade grande. “Eu conheci o André na primeira experiência que tive com a produtora Filmes de Plástico, que é No coração do mundo, um filme que vai ser lançado no ano que vem”, comenta Grace Passô, que interpreta a protagonista Juliana. “Para mim, é muito especial a aproximação com a Filmes de Plástico. Os dois filmes que eu fiz com eles acontecem na paisagem de Contagem. Eu nasci em Belo Horizonte, mas em um lugar bastante próximo de Contagem. Então toda a arquitetura e toda a paisagem que existem nesses filmes são muito familiares, existe um certo olhar para esse espaço, que é um olhar de quem viveu ali. E, como de alguma forma eu sou vizinha daquele espaço e também vivi ali, senti rapidamente uma intimi-

Julia Katharine | Brasil | 2018, 25’, DCP

Ingressos: R$ 12 (inteira) e R$ 6 (meia).

André Novais Oliveira | Brasil | 2018, 113’, DCP


dade muito grande com a Filmes de Plástico, e especificamente com o André nessa experiência. É um olhar artístico com que eu me identifico muito. Um olhar que ele tem para aquele espaço e para aquelas pessoas que não é um olhar de quem vê de fora, um olhar de quem simplesmente julga, mas é, sobretudo, um olhar de quem é dali. Isso me interessa muito.” Na mesma entrevista, Grace Passô comenta ainda a necessidade de o cinema expandir seu universo simbólico: “A gente precisa ter várias perspectivas de mundo. Não dá mais para as nossas narrativas e as nossas histórias serem contadas sempre de uma mesma perspectiva, de um mesmo lugar. Não dá para o cinema seguir um universo classista, que quando está falando da periferia é sempre um olhar de fora da periferia.” Temporada estreou mundialmente em 2018, na mostra Cineasti del Presente do Festival de Locarno. No mesmo ano, foi o grande vencedor do Festival de Brasília, com os prêmios de Melhor Filme pelo júri; Melhor Atriz para Grace Passô; Melhor Ator Coadjuvante, para Russão; Direção de Arte e Fotografia. [Íntegra da entrevista de Grace Passô para o portal O Tempo em: bit.ly/gracetemp] Ingressos: R$ 12 (inteira) e R$ 6 (meia).

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Tito e os pássaros

Gustavo Steinberg, André Catoto e Gabriel Bitar | Brasil | 2018, 73’, DCP Tito é um menino tímido de 10 anos que vive com sua mãe. De repente, uma estranha epidemia começa a se espalhar, fazendo com que pessoas fiquem doentes quando se assustam. Tito rapidamente descobre que a cura está relacionada à pesquisa feita por seu pai ausente sobre o canto dos pássaros. Então, ele embarca numa jornada com seus amigos para salvar o mundo da epidemia. Gabriel Bitar, codiretor e diretor de arte, comenta em depoimento veiculado no material de imprensa do filme: “Como estávamos lidando com questões como o medo e o caos social, durante a fase de pesquisa sentimos uma forte identificação com o movimento expressionista europeu do começo do século XX. Queríamos fazer todo o filme utilizando pintura a óleo, mas isto mostrou não ser um modelo de produção viável. Assim, por exemplo, fotografamos algumas pinceladas de tinta a óleo, que foram então utilizadas pelo pessoal da pintura digital.”

“A inspiração para os personagens veio de muitos lugares”, diz o também diretor André Catoto, “como o modo como uma vizinha se comporta, o modo como um professor escreve etc. O expressionismo alemão também inspirou diretamente a estética do filme. Artistas como George Grosz e Karl Schmidt-Rottluff são grandes influências, assim como o cinema expressionista, que distorce o cenário e os personagens, o que me fez olhar para a maquiagem utilizada para gerar essas distorções, especialmente em torno dos olhos, que transmitem um leve desconforto, entre o cansaço e o medo. Durante a elaboração do filme, testamos muitas versões dos personagens, mas uma coisa que nós nunca mudamos foram os olhos muito redondos, porque eles são parte da história – tudo começa com eles.” Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 22 (inteira) e R$ 11 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 26 (inteira) e R$ 13 (meia).


Harun Farocki: quem é responsável? Todos os sábados, a partir do dia 23 de fevereiro, integrando a exposição Harun Farocki: quem é responsável?, serão exibidos os filmes Imagens do mundo e inscrição da guerra, às 11h30, e Intervalo, às 15h, do cineasta e videoartista Harun Farocki (Neutitschein, Tchecoslováquia, 1944-Berlim, Alemanha, 2014). Nas obras desta exposição, Farocki mostra como fotografias e imagens digitais participam da construção de armas letais, denuncia preconceitos e mecanismos de coerção implícitos em ilustrações de livros didáticos, expõe o drama humano contido nos desafios aparentemente banais dos jogos de computador e aponta para a ligação entre a indústria cultural e a indústria de guerra. Com uma trajetória iniciada no fim dos anos 1960 no campo do cinema ativista, Harun Farocki voltou-se para o universo das videoinstalações a partir da década de 1990. Deixou uma produção de 120 filmes e instalações em que sua crítica, ao abordar fronteiras pouco nítidas entre ficção e realidade, ganha surpreendente atualidade. Entrada gratuita. Sujeito a lotação.

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Intervalo

Aufschub Harun Farocki | Alemanha, Coreia do Sul | 2007, 40’, DCP

Imagens do mundo e inscrição da guerra Bilder der Welt und Inschrift des Krieges Harun Farocki | Alemanha Ocidental | 1988, 75’, DCP

Filme-ensaio sobre o uso de imagens operacionais (desenhos e fotografias realizados com finalidade técnica, sem pretensão artística) em processos produtivos, operações militares e como mecanismos de controle. Harun Farocki se debruça especialmente sobre um conjunto de fotografias aéreas de Auschwitz tiradas por aviões de bombardeio norte-americanos em 1944, mas que foram descobertas e identificadas por dois funcionários da CIA apenas em 1977. O cineasta reflete sobre o papel do olho como intermediário entre o ser humano e o mundo, e sobre como o ponto de vista determina o que vemos. O uso de imagens tanto em projetos de construção como de destruição estão no centro de suas indagações.

Harun Farocki investiga um conjunto de cenas silenciosas, em preto e branco, realizadas em 1944, em Westerbork, um campo de refugiados holandês criado em 1939 para abrigar judeus foragidos da Alemanha. Em 1942, após a ocupação da Holanda, os nazistas o transformaram num “campo de trânsito”, onde os detentos viviam antes de serem deportados novamente para a Alemanha. As imagens foram realizadas pelo fotógrafo judeu Rudolf Breslauer, que viveu em Westerbork. Em depoimento, Farocki relata como, uma vez de posse das filmagens de Breslauer, “ficamos procurando por detalhes e tentado descobrir as intenções de representação de cada sequência a partir de informações do contexto.. Propus-me fazer um filme no espírito desses estudos, que registrasse também o processo das investigações das imagens. O material básico é mudo e o mantive assim, acrescentando apenas legendas. As imagens devem falar por si.” [Excerto do texto “Berta vermelha vai andando sem amor”, disponível no catálogo da exposição Harun Farocki: quem é responsável?]


coleção DVD | IMS

Criada em 2012 pelo então coordenador de cinema José Carlos Avellar (1936-2016), a coleção DVD | IMS já lançou diversos filmes, entre produções brasileiras e estrangeiras.

Cerimônia secreta (Secret Ceremony)

Joseph Losey Inglaterra | 1968, 109’

Duas mulheres alimentam a ilusão de viver como mãe e filha. Leonora imagina reencontrar em Cenci a filha que morreu afogada. Cenci imagina reencontrar em Leonora a mãe cuja morte ela se recusa a aceitar. O equilíbrio instável se rompe com o aparecimento do padrasto de Cenci, Albert. “A chave do filme é obviamente o rito, a cerimônia da vida e da morte” – diz o diretor. “Quando criança, me envolvi com a igreja e com os rituais. Depois com o teatro, que também é um ritual. Jovem, eu era hostil a qualquer tipo de ritual e de cerimônia, e ainda o sou em certa medida, mas cheguei à conclusão, alguns anos atrás, de que certos rituais, certas cerimônias, são necessários ao ser humano. Se você não tiver o ritual do enterro, você não consegue se livrar da morte. Não me oponho mais aos rituais.” O filme, conclui Losey, trata da “necessidade terrível que os seres humanos têm de outros seres humanos e da impossibilidade, para a maior parte deles, de satisfazer essa necessidade quando ela se manifesta”. O DVD é acompanhado por livreto com o ensaio “Os camundongos de Brecht”, de Michel Ciment. 31

O futebol, de Sergio Oksman O botão de pérola, de Patricio Guzmán Photo: Os grandes movimentos fotográficos Homem comum, de Carlos Nader Vinicius de Moraes, um rapaz de família, de Susana Moraes Últimas conversas e Cabra marcado para morrer, de Eduardo Coutinho A viagem dos comediantes, de Theo Angelopoulos Nostalgia da luz, de Patricio Guzmán Imagens do inconsciente e São Bernardo, de Leon Hirszman Os dias com ele, de Maria Clara Escobar A tristeza e a piedade, de Marcel Ophuls Os três volumes da série Contatos: A grande tradição do fotojornalismo; A renovação da fotografia contemporânea; A fotografia conceitual La Luna, de Bernardo Bertolucci Cerimônia de casamento, de Robert Altman

Conterrâneos velhos de guerra, de Vladimir Carvalho Vidas secas e Memórias do cárcere, de Nelson Pereira dos Santos O emprego, de Ermanno Olmi Iracema, de Jorge Bodanzky e Orlando Senna Cerimônia secreta, de Joseph Losey As praias de Agnès, de Agnès Varda A pirâmide humana e Cocorico! Mr. Poulet, de Jean Rouch Diário, de David Perlov Elena, de Petra Costa A batalha de Argel, de Gillo Pontecorvo Libertários, de Lauro Escorel, e Chapeleiros, de Adrian Cooper Seis lições de desenho com William Kentridge Memórias do subdesenvolvimento, de Tomas Gutiérrez Alea E três edições voltadas à poesia: Poema sujo, dedicado a Ferreira Gullar; Vida e verso e Consideração do poema, dedicados a Carlos Drummond de Andrade.

Os DVDs podem ser adquiridos nas livrarias especializadas, nas lojas dos nossos centros culturais e na loja on-line do IMS: bit.ly/imsdvd.


Curadoria de cinema

Os filmes de fevereiro

Meia-entrada

Kleber Mendonça Filho

O programa de fevereiro tem o apoio da Cinemateca do MAM do Rio de Janeiro, da Cinémathèque française, da Terratreme, da Regina Filmes, da revista Cinética, e das distribuidoras Bretz Filmes, Elo Company, Tamasa, Vitrine Filmes, Zeta Filmes e do Espaço Itaú de Cinema. E dedica agradecimentos a Leticia Monte, Marcia Pereira dos Santos e Diogo Dhal.

Com apresentação de documentos comprobatórios para professores da rede pública municipal, estudantes, menores de 21 anos, portadores de Identidade Jovem, maiores de 60 anos, portadores de hiv e aposentados por invalidez.

Produção de cinema e DVD Barbara Alves Rangel Assistência de produção Thiago Gallego e Ligia Gabarra

Apoio

Projeção

Exibições de Ama-san

Adriano Brito e Edmar Santos

Exibições de Bom trabalho

Cliente Itaú: desconto para o titular ao comprar o ingresso com o cartão Itaú (crédito ou débito). Venda de ingressos

L.A. Rebellion Curadoria: Luís Fernando Moura e Victor Guimarães Produção: Ana Carolina Antunes, Luisa Lanna, Associação Filmes de Quintal Realização: Instituto Moreira Salles Agradecimentos: Aaron Cutler, American Genre Film Archive, Carla Italiano, Cinécim Vidéo, Cinéma Du Réel, Dennis Doros, Dora Amorim, Emilie Lesclaux, Janela Internacional de Cinema de Recife, Josslyn Luckett, Julie Dash, Junia Torres, Larry Clark , Milestone Film & Video, Mariana Shellard, Mario Silva, Omah Duiegu (Ijeoma Iloputaife), Sankofa Video & Bookstore, Steven C. Hill, UCLA Film & Television Archive, Women Make Movies. L.A. Rebellion: Creating a New Black Cinema foi um projeto do UCLA Film & Television Archive desenvolvido como parte de Pacific Standard Time: Art in L.A. 1945-1980.

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Ingressos à venda na bilheteria, para sessões do mesmo dia. Vendas antecipadas no site ingresso.com. Ingressos e senhas sujeitos à lotação da sala (113 lugares). Devolução de ingressos Em casos de cancelamento de sessões por problemas técnicos ou por falta de energia elétrica, os ingressos serão devolvidos. A devolução de entradas adquiridas pelo ingresso.com será feita pelo site.

Sessões para escolas e agendamento de cabines pelo telefone (21) 3284 7400 ou pelo e-mail imsrj@ims.com.br Programa sujeito a alterações. Acompanhe nossa programação em cinema.ims.com.br e facebook.com/cinema ims As seguintes linhas de ônibus passam em frente ao IMS Rio: Troncal 5 - Alto Gávea - Central (via Praia de Botafogo ) 112 - Alto Gávea - Rodoviária (via Túnel Rebouças) 538 – Rocinha - Botafogo 539 – Rocinha - Leme Ônibus executivo Praça Mauá - Gávea


Imagens do mundo e inscrição da guerra (Bilder der Welt und Inschrift des Krieges), de Harun Farocki (Alemanha Ocidental | 1988, 75’, DCP)


Terça a domingo, sessões de cinema até as 20h. Visitação Terça a domingo, inclusive feriados (exceto segundas), das 11h às 20h. Entrada gratuita.

Rua Marquês de São Vicente 476 CEP 22451-040 Gávea – Rio de Janeiro 21 3284 7400 imsrj@ims.com.br

ims.com.br /institutomoreirasalles @imoreirasalles @imoreirasalles /imoreirasalles /institutomoreirasalles

Maborosi – A luz da ilusão (Maborosi), de Hirokazu Kore-eda (Japão | 1995, 110’, 35 mm)


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