cinema abr.2022
Christine, o carro assassino (Christine), de John Carpenter (EUA | 1983, 110’, DCP) [capa] Titane, de Julia Ducournau (França, Bélgica | 2021, 108’, DCP)
destaques de abril 2022 Depois de exatos dois anos, estamos reabrindo as salas de cinema do Instituto Moreira Salles no Rio de Janeiro, no bairro da Gávea, e em São Paulo, na avenida Paulista, observando a pandemia e o Brasil. Neste tempo vivido, o papel dos cinemas em todo o mundo tem sido reavaliado, seja como espaço de segurança sanitária e convívio ou como meio de difusão, numa época que viu o streaming virar fenômeno social de acesso às imagens. O Brasil convulsiona, a vida social parece recuperar-se, e as imagens seguem vivas. Queremos mostrá-las. Fruto da pandemia, o Programa IMS Convida foi criado como reação a esse período de confinamento. O IMS comissionou mais de 150 obras em diversos suportes a artistas brasileiros de todas as frentes, e que foram apresentadas online no site do IMS durante o período. Desejamos – ao longo de todo o ano – programá-las de forma criativa nas duas salas de cinema, como as obras inventivas e urgentes que são. Neste primeiro mês, acompanham longas brasileiros e do cinema mundial que selecionamos para a nossa programação. A nossa programação deste mês já traz uma mudança de procedimento em relação à forma como as coisas eram vistas pré-pandemia. A maior parte dos filmes apresentados já se encontra disponível legalmente em plataformas digitais no Brasil. É um novo desafio, norteado pela certeza de que os filmes que defendemos poderão ser descobertos na tela grande e no espaço coletivo. Há um outro elo que une esses filmes do mês 1
Madalena, de Madiano Marcheti (Brasil | 2021, 85’, DCP)
de abril de 2022: o corpo. Ele está presente em Madalena, de Madiano Marcheti; Vitalina Varela, de Pedro Costa; Vaga carne, de Grace Passô e Ricardo Alves Jr.; Sete anos em maio, de Affonso Uchôa; Fortaleza Hotel, de Armando Praça. O “corpo” ganha extensão ainda na união entre Titane, de Julia Ducournau, e Christine, o carro assassino, de John
Carpenter, uma programação casualmente interessante no momento em que uma nova crise de combustíveis surge no mundo. Por fim, o festival parceiro É Tudo Verdade, em sua 27ª edição, reabre as salas no início do mês em formato presencial. Kleber Mendonça Filho
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É Tudo Verdade: Retrospectiva Ugo Giorgetti - Curtas (42’) É Tudo Verdade: Quebrando a cara (77’) É Tudo Verdade: México 1968: a última Olimpíada livre (52’)
Vaga carne (45’) + Sete anos em maio (42’) + Cavalinho de barro (7’) Fortaleza Hotel (78’) + República (16’) Madalena (85’) + Manifesto monxtra afrocyborg (6’)
Fortaleza Hotel (78’) + República (16’) Madalena (85’) + Manifesto monxtra afrocyborg (6’) Vitalina Varela (124’) + A gente acaba aqui (13’)
Madalena (85’) + Manifesto monxtra afrocyborg (6’) Fortaleza Hotel (78’) + República (16’) Vitalina Varela (124’) + A gente acaba aqui (13’)
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É Tudo Verdade: Uma outra cidade (58’) É Tudo Verdade: Variações sobre um quarteto de cordas (55’) É Tudo Verdade: Paul Singer: uma utopia militante (58’)
Vaga carne (45’) + Sete anos em maio (42’) + Cavalinho de barro (7’) Fortaleza Hotel (78’) + República (16’) Madalena (85’) + Manifesto monxtra afrocyborg (6’)
Fortaleza Hotel (78’) + República (16’) Madalena (85’) + Manifesto monxtra afrocyborg (6’) Vitalina Varela (124’) + A gente acaba aqui (13’)
Madalena (85’) + Manifesto monxtra afrocyborg (6’) Fortaleza Hotel (78’) + República (16’) Vitalina Varela (124’) + A gente acaba aqui (13’)
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É Tudo Verdade: Pizza (56’) É Tudo Verdade: Em busca da pátria perdida (56’) É Tudo Verdade: Retrospectiva Ugo Giorgetti - Curtas (42’)
Fortaleza Hotel (78’) + República (16’) Madalena (85’) + Manifesto monxtra afrocyborg (6’) Vitalina Varela (124’) + A gente acaba aqui (13’)
Madalena (85’) + Manifesto
monxtra afrocyborg (6’)
Fortaleza Hotel (78’) + República (16’) Sessão Cinética: A concha e o clérigo (40’) + Um convite à viagem (39’), seguida de debate com os críticos da revista
Madalena (85’) + Manifesto
monxtra afrocyborg (6’)
Fortaleza Hotel (78’) + República (16’) Vitalina Varela (124’) + A gente acaba aqui (13’)
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É Tudo Verdade: Programas Especiais Curtas (77’) É Tudo Verdade: É tudo verdade (89’) Vaga carne (45’) + Sete anos em maio (42’) + Cavalinho de barro (7’)
É Tudo verdade: Mafifa (77’) É Tudo verdade: Um jóquei cearense na Coreia (75’) É Tudo verdade: O Kaiser de Atlântida (75’)
Fortaleza Hotel (78’) + República (16’) Madalena (85’) + Manifesto monxtra afrocyborg (6’) Vitalina Varela (124’) + A gente acaba aqui (13’)
Madalena (85’) + Manifesto monxtra afrocyborg (6’) Fortaleza Hotel (78’) + República (16’) Vitalina Varela (124’) + A gente acaba aqui (13’)
TadaVena (85’) + Manifesto monxtra afrocyborg (6’) Fortaleza Hotel (78’) + República (16’) Vitalina Varela (124’) + A gente acaba aqui (13’)
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É Tudo Verdade: Chico Antônio, o herói com caráter (40’) É Tudo Verdade: Competição Brasileira de Curtas 1 (86’) Titane (108’)
É Tudo verdade: O silêncio do infiltrado (71’) É Tudo verdade: Vento na fronteira (77’) É Tudo verdade: O vento nos deixará (72’)
Fortaleza Hotel (78’) + República (16’) Madalena (85’) + Manifesto monxtra afrocyborg (6’) Vitalina Varela (124’) + A gente acaba aqui (13’)
Madalena (85’) + Manifesto monxtra afrocyborg (6’) Fortaleza Hotel (78’) + República (16’) Vitalina Varela (124’) + A gente acaba aqui (13’)
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É Tudo Verdade: A história da guerra civil (94’) É Tudo Verdade: Competição Brasileira de Curtas 2 (79’) Vaga carne (45’) + Sete anos em maio (42’) + Cavalinho de barro (7’)
É Tudo verdade: A história do olhar (90’) É Tudo verdade: Quem tem medo? (80’) Vaga carne (45’) + Sete anos em maio (42’) + Cavalinho de barro (7’)
Fortaleza Hotel (78’) + República (16’) Madalena (85’) + Manifesto monxtra afrocyborg (6’) Vitalina Varela (124’) + A gente acaba aqui (13’)
Madalena (85’) + Manifesto
monxtra afrocyborg (6’)
Fortaleza Hotel (78’) + República (16’) Vitalina Varela (124’) + A gente acaba aqui (13’)
TadaVena (85’) + Manifesto
monxtra afrocyborg (6’)
Titane (108’) Christine, o carro assassino (110’)
Programa sujeito a alterações. Eventuais mudanças serão informadas em ims.com.br.
O surrealismo feminista de Germaine Dulac por Bárbara Bergamaschi
A história já é bastante conhecida. Essenciais para o desenvolvimento da indústria cinematográfica, diretoras, montadoras e roteiristas tiveram suas memórias relegadas às notas de rodapé da história oficial do cinema. Como muitos historiadores já apontaram, as mulheres estiveram na área cinematográfica desde seu nascimento, ocupando cargos de liderança e áreas criativas.1 Será somente por volta do final da década de 1920, quando os grandes estúdios começam a lidar com enormes somas de dinheiro dos patrocinadores e quando surge a divisão de trabalho do 1. Sabemos hoje quanto o cinema soviético e as teorias de montagem de Eisenstein são herdeiros da contribuição da mentora Esfir Shub, e como o cinema-punho de Dziga Vertov não seria o mesmo sem a colaboração de sua companheira Elisaveta Svilova, montadora de grande parte de seus filmes. No Brasil, também não foi diferente. Temos os casos de Cléo de Verberena, de Carmen Santos e de Gilda Abreu, empresárias inovadoras e donas de seus próprios estúdios. 4
studio system, que homens escanteiam mulheres experientes para fora do jogo competitivo do show business. Por muitos anos deixadas de fora das retrospectivas, as obras de diversas cineastas do início do século passado estão sendo finalmente trazidas de volta à luz, em particular das cineastas do cinema silencioso, como Alice Guy-Blaché (1873 -1968), Lois Weber (1879 -1939), Dorothy Arzner (1897-1979) e Germaine Dulac (1882-1942). A lista é ainda maior quando consideramos as mulheres que se aventuraram pela seara do cinema experimental. Cito apenas as mais conhecidas: Maya Deren, Rose Lowder, Abigail Child, Marie Menken, Shirley Clarke, Peggy Ahwesh, Mara Mattuschka, Lisl Ponger, Valie Export, Barbara Hammer, Chantal Akerman, Marguerite Duras e Trinh T. Minh-ha. As mulheres lutaram nas trincheiras do cinema de vanguarda desde os primórdios, e até hoje exploram o que há de mais radical na linguagem cinematográfica. E uma das pioneiras a desbravar esse terreno “minado” foi justamente a francesa Germaine Dulac, uma das primeiras
cineastas feministas, lésbica e sufragista, cujos filmes serão exibidos na sessão especial Cinética no IMS de abril. A concha e o clérigo (1928) Por muitos anos, acreditou-se que o filme espanhol Um cão andaluz (Un chien andalou, 1929), de autoria de Luis Buñuel e Salvador Dalí, tivesse sido o primeiro filme surrealista da história. Hoje sabemos que, na verdade, esse mérito é da francesa Dulac, com o curta A concha e o clérigo (La Coquille et le clergyman, 1928), baseado no roteiro de Antonin Artaud. Um reconhecimento que foi obliterado de maneira proposital – e diga-se de passagem bastante violenta – na época de seu lançamento, em 9 de fevereiro de 1928. Artaud, apesar de ter apoiado vivamente a direção de Dulac de seu roteiro antes das filmagens, se desentendeu com a diretora. Contrariado por não ter tido participação mais ativa no filme e pelo “tratamento feminino” que Dulac deu a seu texto, Antonin Artaud se juntou com o poeta surrealista Robert Desnos
e outros amigos para vaiar o filme em sua estreia. O grupo tentou interromper a sessão, xingando a diretora aos gritos de “vache!” (vaca, em português) e foram sumariamente expulsos da sala. Entretanto, mesmo o fleumático e visceral dramaturgo viria a admitir posteriormente – após seu rompimento com os surrealistas – em carta ao amigo Jean Paulhan em 1932 que o filme de Dulac “inspirou diretamente os outros filmes, todos eles pertencem à mesma veia espiritual. Ele foi o primeiro de seu tipo e um filme historicamente importante. [...] Temos que reconhecer o parentesco de todos esses filmes e dizer que todos eles vêm de A concha e o clérigo.” Filmado um ano antes de Um cão andaluz e no mesmo ano de L’Étoile de mer, de Man Ray, o filme de Dulac reúne em si uma série de características que permitem que o coloquemos na vaga surrealista de Breton, distinta dos filmes de vanguarda anteriores (Le Retour à la raison, Emak-Bakia, Anémic cinéma, Ballet mécanique e Entr’acte 5
são considerados sobretudo filmes dadaístas). Os surrealistas, como o nome do movimento já demonstra, defendiam que suas obras representavam não uma negação do real ou uma fuga alienante para um mundo idílico, mas sim uma realidade “superior” ou “suprarreal”, mais fiel à dimensão psicológica humana do que o realismo burguês, calcado na verossimilhança. O filme de Dulac começa com os seguintes dizeres: “Não um sonho, mas o próprio mundo das imagens conduzindo a mente onde ela jamais teria consentido em ir, o mecanismo está ao alcance de todos”. Semelhante proposição está nos escritos de Artaud para a concepção do filme: “[O filme] Não conta uma história, mas desenvolve uma série de estados de espírito que são derivados um do outro, assim como um pensamento é derivado de outro sem que esse pensamento reproduza a sequência razoável de eventos”. O filme se apresenta portanto como uma deambulação do pensamento, como as associações livres estudadas por Sigmund Freud – nas quais os surrealistas tanto se 6
inspiraram – e que orientavam as práticas e jogos poéticos surrealistas.2 Mas vamos propriamente ao filme. Iniciamos nossa jornada surreal adentrando um recinto escuro, uma espécie de porão. Atravessamos o umbral entre a vigília e o sono, como se estivéssemos adentrando o inconsciente. Nesse território limiar, vemos um homem (Alex Allin) trabalhando em uma mesa. Percebemos pelas vestimentas que se trata do protagonista que aparece no título do filme: o clérigo. O padre, circunspecto, está concentrado em uma tarefa repetitiva. Ele enche vidros de tubos de ensaio com um 2. Os surrealistas criaram alguns métodos ou jogos poéticos para liberar o inconsciente das amarras do ego. São eles: o cadavre exquis, os objets trouvés, o chiste, as collages ou assemblages – através da justaposição arbitrária de imagens encontradas ao acaso. Os encontros fortuitos com objetos ou pessoas no cotidiano invocariam um tipo de percepção “espantosa” da vida, propiciando coincidências “assombrosas” que fariam o sujeito experimentar, enfim, um “reencantamento” com o mundo.
líquido escuro para, em seguida, imediatamente descartá-los no chão. Para tal, o homem se utiliza de um estranho instrumento: uma concha de proporções gigantescas. Aqui, Dulac já joga suas cartas na mesa, demonstrando a premissa de sua encenação, denunciando o seu jogo de cena, como uma pequena maquete em mise en abyme. A diretora parece nos dizer: estamos diante de um experimento! Veja o nosso laboratório criativo de jogos com imagem. Como de fato veremos ao longo da narrativa, o rol de experimentações é bastante vasto: vemos desde o uso do stop motion até a câmera lenta, as duplas e triplas exposições, fotocolagens, máscaras, o anamorfismo, espelhamentos múltiplos, assim como o uso de câmeras emancipadas dos tripés, correndo livres pelas ruas da cidade (muito antes das câmeras da nouvelle vague francesa). Os tubos de ensaio quebrados que se avolumam aos pés do personagem mostram o gesto profanador que subverte o lugar do laboratório – sítio originalmente
reservado à limpeza e ordem. Estamos agora em um ateliê da entropia e do caos. O gesto é contrário ao positivismo científico, ou, em outras palavras, do Rechenhaftigkeit: o espírito do cálculo com o qual, segundo Michael Löwy, os surrealistas, com “seu punhal aguçado”, foram capazes de cortar “os fios da aritmética” dessa teia de aranha racional. As primeiras cenas permitem diversas associações livres bastante imediatas. A forma da concha nos remete ao órgão reprodutivo feminino: lembra uma vulva ou um útero. Pode também representar os fluxos de pensamento jorrando do crânio do homem? Ou talvez os líquidos que ele manuseia cuidadosamente possam ser seus fluidos eróticos mal direcionados? A sexualidade permeia todo o filme, mas não se trata de uma sexualidade libertária, e sim amaldiçoada. Nele, a libido amordaçada está em estado de convulsão agonizante. Vemos o retrato de um homem sufocado pela castração da moral religiosa. Já o segundo personagem, o general (Lucien Bataille), surge como um misto de força animal viril e 7
conservadora. O militar encarna a figura do castrador, que surge na cena ameaçando com seu sabre fálico o clérigo, que, por sua vez, qual uma criança, se encolhe diante da figura de autoridade paternal. É a mulher (Génica Athanasiou) do general que figurará como o espectro do desejo do padre. Como também observou Freud em seu livro A interpretação dos sonhos (1900), muitas vezes o mecanismo onírico opera por uma lógica peculiar, como nas figuras de linguagem, ora por condensação, ora por deslocamento, de duas ou mais ideias ou imagens. Algo semelhante ocorre no filme, quando o clérigo substitui o lugar do general como marido ou quando o militar troca de lugar com o padre e escuta os pecados da mulher no confessionário. A violência do desejo, que o faz querer entrar em fusão ou matar seu rival (como no mais óbvio complexo de Édipo), aproxima o erotismo da morte e do sagrado, temas tabus prediletos dos surrealistas, em particular de Georges Bataille. Outro dado curioso é a “robotização” das personagens, que às vezes agem
e atuam como manequins. O padre realiza sua missão no laboratório de forma automática e irrefletida, como se movido por uma força mecânica involuntária. Quando persegue a mulher, corre como um boneco autômato animado. Como se sabe, os surrealistas eram fascinados pela experiência “estranho-familiar” (Unheimlich, em alemão), o sentimento que atinge o sujeito quando se percebe diante de um objeto inanimado que poderia ser, de alguma forma, dotado de vida, ou vice-versa. Dulac e Artaud, apesar do estranhamento em vida, não deixam de concordar e m a l g u m a s p re m i s s a s te ó r i ca s . Cotejando suas anotações pessoais e entrevistas, é possível notar que ambos concordam na proposição de uma nova arte que teria paralelos com a música, sendo “compreendida” não intelectualmente, mas sim através de sentidos outros. Não por meio do sentido lógico, da primazia da palavra ou da narrativa linear, mas sim da sensualidade da matéria. Assim como Artaud buscava o verdadeiro teatro “original” primitivo,
baseado no duplo e nas experiências físicas convulsivas com o corpo, o cinema de Dulac também buscava – através de uma “pureza” original do meio cinematográfico – experiências sensoriais com o corpo das imagens. Um convite à viagem (1927) A importância do ritmo e da música estão presentes em muitas obras de Germaine Dulac. Segundo a diretora, “o cinema está sujeito visualmente à disciplina do ritmo da mesma forma que a música. Um tema expresso em imagens só pode ter impacto se for elaborado de acordo com as mais rígidas leis de harmonia.” É curioso lembrarmos que no seu renomado A sorridente madame Beudet (La Souriante madame Beudet, 1923), considerado o primeiro filme feminista da história, a narrativa é pautada pelo badalar do relógio, e a protagonista é uma pianista que toca Claude Debussy. A tentativa de traduzir os ritmos, as harmonias e a atmosfera da música clássica está também nos filmes experimentais Disque 957 (1928), 8
baseado em um prelúdio de Chopin, e Étude cinégraphique sur une arabesque (1928). Uma tentativa semelhante de tradução ou transliteração de uma arte em outra ocorre em L’Invitation au voyage (1927), baseado no poema homônimo de Charles Baudelaire e um dos filmes mais musicais da diretora. L’Invitation au voyage foi rodado no mesmo ano de A concha e o clérigo, mas se tratava de um projeto com uma narrativa mais convencional e voltada para um público mais amplo. O que demonstra que Dulac não via contradição entre o universo do experimental e do cinema comercial, ao contrário, acreditava que podiam se complementar. Nesse filme, o poema original de Baudelaire se converte em um espaço físico: um bar na cidade de Paris, onde, como no poema, tudo é “luxo, beleza e langor”. Agora, entretanto, o eu lírico masculino, que antes conclamava “a doce irmã” para, em uma viagem, “amar a valer, amar e morrer”, se converte em uma mulher (Emma Gynt). Não é mais o homem boêmio, mas sim uma mulher, enfastiada pela vida doméstica burguesa
e pela falta de interesse do marido, que busca uma aventura romântica. A protagonista então se arrisca em um bar de marinheiros, à procura de uma possível fagulha para se sentir desejada e viva novamente. Entretanto, a ousadia de viver um romance fora das convenções – prática exaltada pelos poetas masculinos – será punida de maneira cruel quando os papéis de gênero se invertem. A cena da falsa escotilha é especialmente marcante, como uma forma de comentário, ou uma moldura dentro da moldura. Ao olhar para fora, a mulher vê um beco triste repleto de lixo, que ela ignora e prefere continuar a sonhar com o mar. O seu imaginário vai tomando conta da narrativa como um filme paralelo, ou um filme dentro do filme. Ela se vê em uma viagem pitoresca, navegando por mares desconhecidos com seu amante. Esse recurso puramente visual (há pouquíssimas cartelas de intertítulos) nos faz perceber que a personagem não está avaliando bem o que tem à sua frente: em vez de um elegante pretendente que irá libertá-la de suas amarras, na verdade se
trata de um homem que irá abandoná-la em um beco sujo e sem saída. Para Breton, fundador do surrealismo, a mulher encarna ela mesma o éthos surrealista, devido à sua intuição, aos dons divinatórios míticos e à sensibilidade aflorada, que, no senso comum, são características associadas ao universo feminino. Ainda dentro de uma lógica patriarcal que essencializa o comportamento de gênero, o surrealismo buscou, por meio do “amor louco” e da restituição da mulher como força disruptiva, caótica e “irracional”, dar um golpe de misericórdia na logos racionalista da civilização ocidental. No entanto, em Germaine Dulac, as mulheres não estão mais no papel de objeto de desejo ou da “musa única” (como Breton se referia às mulheres), mas sim como protagonistas, com suas subjetividades colocadas agora em primeiro plano. Como feminista, Dulac demonstrou em seus filmes o que Virginia Woolf já alertava em seu livro Um teto todo seu, publicado em 1929: a liberdade não é para todos. São precisas certas condições materiais para que mulheres se permitam alçar voos 9
criativos. Para que a tentativa romântica-revolucionária dos surrealistas de reencantamento do mundo fosse possível, era portanto preciso que também as mulheres tivessem direito à luta pela liberdade sine qua non do espírito. Germaine Dulac foi uma das pioneiras a dar asas para a imaginação feminina, que foi finalmente representada nas telas. Em seus filmes, o cinema alcançou seu potencial revolucionário, seja na estética, seja na política – duas irmãs que não raro andam de mãos dadas na história.
Referências Bibliográficas
ARTAUD, Antonin. Antonin Artaud 1896-1948: Selected Writings. Edição e introdução de Susan Sontag. Nova York: Farrar, Straus and Giroux, 1976. BAUDELAIRE, Charles. As flores do mal. Edição bilíngue. Tradução de Ivan Junqueira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. BORIE, Monique, ROUGEMONT, Martine de e CHERER, Jacques (org.). Estética teatral – Textos de Platão a Brecht. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2018. DULAC, Germaine. Writings on Cinema (19191937). Organização e apresentação de Prosper Hillairet, prefácio de Tami M. Williams. Tradução para o inglês de Scott Hammen. Coleção Classiques de l’Avant-Garde. Paris: Expérimental, 2018. HOLANDA, Karla (org.). Mulheres de cinema. Rio de Janeiro: Numa, 2019. LÖWY, Michael. A estrela da manhã: surrealismo e marxismo. Tradução de Eliana Aguiar. São Paulo: Boitempo, 2018.
Em cartaz Kar-Wai se tornou nossa principal referência. Não tinha como fugir.” Fortaleza Hotel será exibido junto ao curta-metragem República, de Grace Passô, produzido para o programa IMS Convida. [Íntegra da entrevista de Armando Praça disponível no site Papo de Cinema: tinyurl.com/ FortalezaHotelEntrevista]
Fortaleza Hotel
Armando Praça | Brasil | 2021, 78’, DCP Pilar, uma jovem camareira, está de partida para Dublin, onde vai tentar uma nova vida logo após a virada do ano. Shin, uma sul-coreana de meia-idade, veio ao Brasil para levar o corpo de seu falecido marido de volta a Seul. O caminho das duas se cruza no Fortaleza Hotel. O diretor Armando Praça conta que, desde o roteiro, pensava que as duas mulheres poderiam se aproximar pela música. Pilar apresenta o forró a Shin, mas a escolha de música coreana foi mais difícil: “No começo, havia imaginado um k-pop, embora não tivesse a ver com uma mulher como aquela. Mas até gosto desses contrastes. Pesquisei a respeito, principalmente durante os dias em que estive na Coreia por causa do filme. Foi quando descobrimos o tango. Ele trazia uma personalidade. Não é uma mulher que gosta de uma música coreana qualquer. Ela gosta de tango. Isso não entrou por causa de Felizes juntos (1997), foi a atriz que trouxe essa preferência particular. Mas, quando se apresentou, é claro que o Wong 10
Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).
Madalena
Madiano Marcheti | Brasil | 2021, 85’, DCP Luziane, Cristiano e Bianca vivem em uma pequena cidade cercada por plantações de soja no Centro-Oeste do Brasil. A seu modo, cada um deles é confrontado pelo desaparecimento de Madalena. “O filme surgiu do desejo de refletir sobre questões específicas da minha região de origem, que ainda é pouco representada no cinema, e não muito conhecida mesmo dentro do Brasil”, comenta o diretor Madiano Marcheti. “Por mais que eu veja Madalena como um filme sobre vida, sobre resiliência (principalmente quando penso na maneira como muitas travestis e mulheres trans lidam com a experiência do luto) ou sobre modos de resistência, as mortes provocadas pela transfobia infelizmente continuam sendo uma realidade assustadora. Então, ao mesmo tempo que não queria explorar a questão da morte sob um prisma esteticamente apelativo ou por uma narrativa policialesca e violenta, também não me parecia razoável fugir completamente dessa questão. Daí
a ideia de ter o filme girando em torno da ausência, do desaparecimento de Madalena.” Primeiro longa-metragem do diretor, Madalena estreou na competição oficial do Festival de Roterdã e, ao longo de 2021, recebeu, entre outros, o prêmio de Melhor Filme do Festival Internacional de Cinema de Istambul, na Turquia, e, no Festival de Cinema de Lima, no Peru, os de Melhor Primeiro Filme e Prêmios Gio (voltado à temática LGBTQIA+) de roteiro e interpretação para a atriz Pamella Yule. Madalena será exibido junto ao curta-metragem Manifesto MONXTRA AFROCYBORG, do coletivo AfroBapho, produzido para o programa IMS Convida. [Íntegra da entrevista de Madiano Marcheti disponível no dossiê de imprensa do filme em: terceiramargemfilmes.com/madalena] Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 12 (inteira) e R$ 6 (meia).
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Sete anos em maio
Affonso Uchôa | Brasil | 2019, 42’, DCP Em uma noite de maio, sete anos atrás, Rafael chegava em casa depois do trabalho. Quando abria o portão, alguém chamou seu nome. Ele olhou para o lado e viu pessoas que não conhecia. Saiu da sua casa carregado pelos desconhecidos e nunca mais voltou. Desde então, ele vive como se aquela noite nunca tivesse terminado. Em entrevista ao portal Cine Festivais, o diretor Affonso Uchôa (de Arábia e A vizinhança do tigre) conta que o projeto se alterou ao longo do tempo, conforme se debruçava na questão de como filmar o depoimento de seu protagonista: “Inicialmente, eu tinha a ideia de fazer um documentário meio Maya Deren, em que eu ia cortando, mudando as locações, enquanto ele mantinha o fluxo do relato, sabe? Em 2017, na primeira etapa de filmagem, eu filmei assim. E quando fui pra montagem, vi que era um erro. O dispositivo formal estava atrapalhando a gente a ouvir o Rafael.” A partir de então, Uchôa sentiu a necessidade de refazer o filme, como explica em entrevista para
o portal Cine Festivais: “A ideia era dar mais liberdade para o espectador poder imaginar as coisas. [...] Ele vai ter que ver de outra maneira, dentro da cabeça dele, e as palavras é que vão conduzir para essa imaginação. [...] Depois que eu entendi qual tinha que ser a duração, a extensão desse relato, falei: ‘Sim, agora é o momento de trabalhar isso como material verbal-cinematográfico’. O que pode ser a palavra no cinema? A palavra no cinema pode ser imagem. Como pode ser imagem?” Exibido em diversos festivais no Brasil e no exterior, Sete anos em maio recebeu, entre outros, o Prêmio Silvestre para Melhor Curta-Metragem, no Indie Lisboa, e o Prêmio de Melhor Filme da Seção “Novos Rumos” do Festival do Rio, ambos em 2019. Sete anos em maio será exibido junto ao média-metragem Vaga carne, de Grace Passô e Ricardo Alves Jr., e ao curta Cavalinho de barro, de Silveraço. Este último foi produzido no contexto das ações do coletivo Coquevídeo para o programa IMS Convida. [Íntegra da entrevista de Uchôa em: bit.ly/acsete] Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).
Vaga carne
Grace Passô e Ricardo Alves Jr. | Brasil | 2019, 45’, DCP Uma voz toma posse do corpo de uma mulher. Juntos, a voz e o corpo procuram por uma identidade própria, enquanto questionam seus papéis dentro da sociedade. Vaga carne é uma transcriação do espetáculo teatral homônimo da atriz e dramaturga Grace Passô. Foi exibido na abertura da 22ª Mostra de Cinema de Tiradentes, na qual Passô foi homenageada. Em entrevista ao podcast Cinefonia, da Rádio Tiradentes, a artista comenta sobre o processo de transposição da obra para o cinema: “Eu diria que um dos maiores esforços que a gente tem que fazer é entender a relação da atuação com a câmera. No lugar do teatro, o espaço se dá entre público e atuação. Já no cinema, somos permeados por máquinas, somos mediados por máquinas. Essa mediação te faz criar uma obra através de máquinas, mas que a gente só opera com nossa extrema sensibilidade, e isso é um dos maiores trabalhos. 12
[…] No teatro, é como se você criasse uma festa toda noite. Por exemplo, quando você vai fazer uma festa, você pensa em tudo para que ela aconteça. Uma festa não acontece só numa racionalidade distante e fria. Tem uma relação entre corpos que é muito viva. Eu acho que faço teatro para me lembrar – e consequentemente isso faz com que eu tente que as outras pessoas se lembrem também – de que eu estou viva. Porque a ideia de ter que presentificar uma situação a cada apresentação é muito metafórica de como a gente tem que viver. [...] No cinema, existe um trabalho de prospecção para alguma coisa do depois. É uma outra relação com a temporalidade que o cinema tem em relação ao teatro. Mas eu te confesso que eu só falo essas coisas em entrevistas porque, normalmente, eu sou muito ligada ao desejo de fazer alguma coisa, sabe? O desafio de pensar o que seria essa peça como filme me excita, eu acho legal, eu acho inventivo, e me obriga a lembrar as coisas básicas que fazem aquilo ser uma peça de teatro, o que faz ser um filme. Esse exercício me mantém mais viva artisticamente falando também.” Vaga carne será exibido junto ao média-metragem Sete anos em maio, de Affonso Uchôa, e ao curta Cavalinho de barro, de Silveraço. Este último, foi produzido no contexto das ações do coletivo Coquevídeo para o programa IMS Convida. [Íntegra da entrevista de Grace Passô a partir dos 28 minutos do podcast: bit.ly/gpvaga] Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).
Vitalina Varela
Pedro Costa | Portugal | 2019, 124’, DCP Vitalina Varela, 55 anos, cabo-verdiana, chega a Portugal três dias depois do funeral do marido. Há mais de 25 anos que Vitalina esperava a sua passagem de avião. Pedro Costa conheceu Vitalina e sua história em 2013, quando buscava uma locação para outro filme no bairro de Cova Moura, região metropolitana de Lisboa. Desde então, passou a desenvolver o roteiro a partir de uma série de conversas com a personagem. Vitalina Varela apresenta traços que são característicos das últimas obras do diretor: o trabalho com atores não profissionais imigrantes, equipe de filmagem reduzida, gravações que duraram anos e que valorizam a atuação e a história das personagens. “Todos sabemos que pessoas como Vitalina, Ventura [personagem principal de Juventude em marcha (2006) e Cavalo dinheiro (2014)] ou Vanda são condenadas”, ele conta ao site Cine-File. “Quando o barco sai do porto, no minuto em que o avião decola, eles estão condenados. Desde o dia em
IMS Convida que nascem. E talvez eles tenham sido condenados muito antes disso. Simplesmente culpados. Não posso dar muito aos meus amigos cabo-verdianos. Não posso dar-lhes muito dinheiro, não posso dar-lhes um futuro brilhante, não posso dar-lhes esperança. Mas talvez haja muito a ganhar com nosso trabalho no cinema. O cinema pode esclarecer tudo e, de alguma forma, aqueles que foram prejudicados serão vingados. Um doce milagre, de fato.” Este é o primeiro filme de Pedro Costa a ter distribuição comercial no Brasil. Vitalina Varela será exibido junto ao curta-metragem A gente acaba aqui, de Everlane Moraes, produzido para o programa IMS Convida. [Íntegra da entrevista de Pedro Costa em inglês: bit.ly/vvcinefile, trecho traduzido por Eduardo Escorel, na revista piauí: bit.ly/VVPiaui] Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).
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Lançado pelo Instituto Moreira Salles em abril de 2020 como resposta aos danos causados na produção das artes pela pandemia, o Programa Convida comissionou mais de 150 projetos de artistas e de coletivos, apresentados no site e nas redes sociais do IMS. Nesta reabertura das salas de Cinema do IMS Rio e IMS Paulista, cada um dos filmes em cartaz será acompanhado por um curtametragem produzido no âmbito do programa. Seja por aproximação, contraste ou complementariedade, convidamos os filmes a conversar. E convidamos o público a conversar com eles. Todas as obras produzidas estão disponíveis na página ims.com.br/convida/.
Cavalinho de barro
Silveraço | Brasil | 2020, 7’, DCP Conversando e cantando pelo celular, Mestre Assis Calixto, patrimônio vivo de Pernambuco, interage com crianças via internet. Mesmo sem contato físico, imposto pela quarentena, Tio Assis continua sendo uma referência para os mais jovens. Bora brincar de cavalinho de barro? O curta foi produzido dentro do programa IMS Convida, em parceria com o coletivo Coquevídeo – Formação e Experimentação Audiovisual, de Pernambuco, que articula e desenvolve diversas ações em prol da consolidação de um campo de produção de arte e comunicação na comunidade do Coque, em Pernambuco. Cavalinho de barro será exibido junto aos médias Vaga carne, de Grace Passô e Ricardo Alves Jr., e Sete anos em maio, de Affonso Uchôa, filmes em cartaz no Cinema do IMS.
diálogos banais ali diante do morto. É um monte de vida ao redor do corpo sem vida.” A gente acaba aqui será exibido junto ao longa-metragem Vitalina Varela, de Pedro Costa, em cartaz no Cinema do IMS. [Íntegra da entrevista: bit.ly/AGenteAcabaAqui]
A gente acaba aqui
Everlane Moraes | 2021, 13’, DCP A presença da morte em meio aos vivos. O reencontro de familiares e amigos ao redor do corpo do tio da realizadora Everlane Moraes. Filmadas em 2011, as imagens do funeral só foram se tornar filme 10 anos depois, em 2021, durante a pandemia. “Por um tempo não fazia sentido produzir um filme com aquelas imagens, porque já não tinha conexão com elas. Achava um pouco sensacionalista, não sabia o que fazer. Mas depois da morte da minha mãe, tudo fez sentido. Voltei àquelas imagens e vi muita gente que agora está morta. Pessoas mortas que ali estavam vivas, olhando para um morto. Aquilo me tocou muito e falei: acho que é o momento”, comenta a diretora em entrevista ao portal Mulher no Cinema. “Tem um pouco de metalinguagem nas questões formais e também uma medida de ocultamento, porque a gente nunca vê o morto. A gente só vê vida no filme, só vê os corpos vivos. O tempo todo há uma brincadeira de vida e morte. A criança, as pessoas olhando para o corpo, os 14
Manifesto MONXTRA AFROCYBORG
Afrobapho | Brasil | 2020, 6’, DCP “Há um grito entalado na gente e chama por liberdade…” Assim o coletivo Afrobapho inicia seu manifesto audiovisual MONXTRA AFROCYBORG. Nas palavras da integrante Malayka SN, “Monxtração é um processo de criação artística que envolve a construção de personas, personagens ou estados performáticos, através de técnicas em maquiagem, indumentária, body modification e performance. A monxtruosidade enquanto linguagem surge do anseio emergencial em perceber como os atravessamentos que o corpo dissidente, racializado e degenerade sofre, levando em consideração marcadores como raça, classe, sexualidade e direitos básicos, como o direito à vida, no sentido de sua manutenção e trânsito pleno, como garantidos enquanto cidadania básica.” Afrobapho é um coletivo formado por jovens negros LGBTIA+ da periferia de Salvador, Bahia,
que utiliza as artes integradas como ferramenta de mobilização e sensibilização social. Manifesto MONXTRA AFROCYBORG será exibido junto ao longa-metragem Madalena, de Madiano Marcheti, em cartaz no Cinema do IMS.
República será exibido junto ao longa Fortaleza Hotel, de Armando Praça, em cartaz no Cinema do IMS. [Íntegra da conversa disponível no site do IMS: bit. ly/ConversaRepublica]
[Íntegra do depoimento e obra completa disponível em: bit.ly/AfrobaphoIMS]
República
Grace Passô | Brasil | 2020, 16’, DCP Brasil, 2020. A pandemia evidencia a dimensão da necropolítica que opera no país e a sociedade vive uma crise ética em meio a um governo que é a exata expressão do poder colonialista. República é um curta-metragem realizado em casa, com estrutura caseira, durante o início da quarentena de 2020, no centro da cidade de São Paulo, Brasil, e faz parte do programa IMS Convida. Foi eleito o melhor curta-metragem do ano pela Abraccine e também no Festival de Cinema de Brasília, além de diversas outras premiações e exibições especiais. Em conversa com Erica Malunguinho e Malu Avelar, dentro do programa IMS Convida para Conversar, Grace Passô conta um pouco sobre o sentimento que inspirou a obra “Eu queria encontrar uma expressão, tanto falando quanto atuando, do tamanho da impossibilidade de acreditar nesse lugar, nesse grande pesadelo, que a gente estava e está mergulhado. E, ao mesmo tempo, como esse pesadelo é antigo.” 15
Sessão Cinética Feminista e sufragista, a cineasta Germaine Dulac é uma figura-chave no desenvolvimento do cinema de vanguarda francês dos anos 1920. No início de 1900, trabalhou como escritora e fotógrafa em duas revistas feministas, La Fronde e Le Française. Após a Primeira Guerra Mundial, passou a se interessar por cinema e fundou a Delia Film, sua própria produtora. Seus primeiros filmes foram melodramas, e, a partir de 1917, ela e o marido, o teórico Louis Delluc se uniram para iniciar o movimento de vanguarda francês, também chamado de impressionismo francês, composto por intelectuais e cineastas dedicados a promover o cinema como a “sétima arte”. A Sessão Cinética de fevereiro apresenta dois filmes que se encaixam no conceito de cinema integral, que Dulac define em seu livro Qu’est-ce que le cinéma? [O que é o cinema?]: “Harmonia de linhas, superfícies, volumes, que evoluem sem artifícios de evocação, segundo a lógica das formas, desprendida de todo significado excessivamente humano, para melhor alcançar a abstração e deixar mais espaço para sensações e sonhos: assim é o cinema integral ao qual certos cineastas estão ligados.” O livro, escrito por volta de 1920, foi publicado apenas em 2020, com autoria de Dulac e de Marie-Anne ColsonMalleville, que foi companheira da cineasta após a separação de Delluc. Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).
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A concha e o clérigo
Um convite à viagem
A concha e o clérigo disputa com o filme Um cão andaluz (1929), de Luis Buñuel e Salvador Dalí, o título de primeiro filme surrealista da história do cinema. A obra é fruto de uma parceria entre Germaine Dulac e o escritor Antonin Artaud, autor do roteiro do filme. Ele propõe ao espectador um caminho para assistir ao filme: “Não devemos procurar uma lógica ou uma sequência que não esteja presente nas coisas, mas interpretar imagens que se desenvolvem no sentido da sua significação íntima essencial, que vai de fora para dentro. A concha e o clérigo não conta uma história, mas desenvolve uma série de estados mentais que são deduzidos uns dos outros como o pensamento é do pensamento.”
Um convite à viagem é baseado no poema homônimo de Charles Baudelaire, escrito em meados do final do século 19. Como uma obra característica dessa fase da carreira da cineasta feminista Germaine Dulac, o filme não possui uma narrativa clara, mas enfatiza alguns versos do poema em seu prólogo: Minha irmã e filha, Pensa a maravilha De ir para lá, na voragem. [...] Uns móveis polidos Pelos tempos idos Ornariam nosso aposento.
La Coquille et le clergyman Germaine Dulac | França | 1927, 40’, Arquivo digital
[Citação extraída do site da distribuidora Light Cone em inglês: bit.ly/AConchaEOClerigo]
L’Invitation au voyage Germaine Dulac | França | 1927, 39’, Arquivo digital
[trecho do poema extraído da edição brasileira de As flores do mal, traduzida por Júlio Castañon Guimarães, publicada pela Companhia das Letras]
Sessões especiais Separadas por quase quatro décadas, duas experiências de gênero em cinema em que a relação humano-máquina é marcada pelo desejo e pela obsessão com um automóvel. O Cinema do IMS traz a chance de assistir Titane, filme de Julia Ducournau, vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes, junto a Christine, o carro assassino, de John Carpenter.
Titane
Julia Ducournau | França, Bélgica | 2021, 108’, DCP A diretora de Grave (2016), Julia Ducournau, apresenta Alexia, uma jovem que leva consigo uma placa de titânio dentro da cabeça e dança em feiras automotivas. Em fuga após cometer alguns crimes, Alexia assume a identidade de Adrien Legrand, filho de um bombeiro, que estava há 10 anos desaparecido. “Titane”, palavra que em francês pode significar tanto o metal titânio quanto a mulher titã, dá nome a um filme que borra não apenas as fronteiras da identidade de gênero, mas também aquelas entre corpo e máquina, humano e não humano. Sobre sua protagonista, Ducournau fala em entrevista à Slant Magazine: “Tem essa coisa que é essencial na jornada de Alexia ao longo do filme: quanto menos seu corpo parece humano, mais ela é humanizada. Esse é um traço que foi inspirado pela jornada da criatura do Frankenstein, da Mary Shelley, o Prometeu moderno. Eu sempre achei muito bonita a forma como o monstro é humanizado por meio da violência. Quanto mais 17
violento ele se torna, mais ele se torna verdadeiramente humano. Ele começa a ter emoções humanas, uma mente analítica e tudo o mais, o que é muito assustador para o seu criador, porque reflete sua própria violência. Daí a culpa de Victor Frankenstein. Foi esse o tipo de ironia que eu tentei capturar. Quanto menos ela parecia humana, mais ela se aproximava da própria humanidade.” Vencedor da Palma de Ouro em 2022, essa foi apenas a segunda vez em que o Festival de Cannes deu seu principal prêmio para uma diretora mulher, 28 anos após O piano, de Jane Campion. E a primeira vez na história do festival que uma mulher levou o prêmio sozinha. O filme estreou no Brasil na plataforma de streaming Mubi e ganha agora uma nova oportunidade de ser assistido na sala escura. [Íntegra da entrevista, em inglês: bit.ly/ TitaneEntrevista] Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).
É Tudo Verdade
Christine, o carro assassino Christine John Carpenter | EUA | 1983, 110’, DCP
Christine é um carro Plymouth Fury de segunda mão modelo 1958 nas cores vermelho e branco, nascido em uma linha de montagem de automóveis em Detroit. Seu atual dono, um jovem de 17 anos chamado Arnie Cunningham, desenvolve uma obsessão pelo veículo. Arnie dedica todo seu tempo a Christine, chegando a se afastar do seu círculo de amizades. Quando a namorada e o melhor amigo de Arnie decidem intervir nessa relação, se tornam vítimas da ira de Christine. Em uma entrevista de 1996 à revista SFX, Carpenter diria que Christine foi seu único filme feito não como projeto pessoal, mas porque precisava do trabalho: “Eu gostei de trabalhar com os atores. Mas gastei muito tempo com aquele carro maldito. Foi difícil fazê-lo parecer assustador. Encurralado [filme de Steven Spielberg lançado em 1971] tinha um caminhão, que era maior, e isso era legal. Aqui era esse carro 18
moderno dos anos 1950, super rock’n’roll – e era muito fofo.” Cultuado como mestre do horror, John Carpenter dirigiu Christine após uma recepção pouco calorosa, do ponto de vista da bilheteria, de seu filme anterior O enigma de outro mundo (1982). O roteiro foi escrito por Bill Phillips a partir do livro homônimo de Stephen King. Em entrevista à revista Variety já em 2019, Carpenter comenta: “Eu precisava de um trabalho após O enigma de outro mundo, porque ninguém me contrataria. Então apareceu isso, eu peguei o trabalho e acabou ficando melhor do que poderia prever. Nós descartamos um elemento do romance de Stephen King, que era o fantasma do dono do carro que ficava sentado no banco de trás. Eu achei isso um pouco brega. Sei lá, talvez tenha cometido um erro, mas acabou correndo tudo bem.” [As entrevistas citadas podem ser lidas, em inglês, em: bit.ly/ChristineEntrevista e bit.ly/ EntrevistaChristine] Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).
De 1 a 10 de abril, o Cinema do IMS Rio recebe uma seleção da programação do 27º É Tudo Verdade – Festival Internacional de Documentários. A programação completa e mais informações sobre os filmes podem ser conferidas em etudoverdade.com.br. Entrada gratuita. Sujeita à lotação da sala. Ingressos distribuídos 1 hora antes de cada sessão. Uma senha por pessoa.
coleção DVD | IMS
Criada em 2012 pelo então coordenador de cinema José Carlos Avellar (1936-2016), a coleção DVD | IMS já lançou diversos filmes, entre produções brasileiras e estrangeiras. Grey Gardens. de Albert Maysles, David Maysles, Ellen Hovde, Muffie Meyer | EUA | 1975, 94’
As Beales de Grey Gardens. de Albert Maysles e David Maysles | EUA | 2006, 91’ Em 1973, um escândalo tomou as manchetes dos jornais americanos. Alegando falta de condições sanitárias, as autoridades de East Hampton, um balneário de luxo a 160 quilômetros de Nova York, tentaram expulsar as duas moradoras de uma mansão à beira-mar. Elas viviam isoladas ali, em Grey Gardens, há mais de 20 anos, entre guaxinins, sujeira e mato. Notícia banal, não fossem elas Edith Bouvier Beale e sua filha de 56 anos, Edie, respectivamente, tia e prima de Jacqueline Kennedy Onassis. Dois anos depois, Big Edie e Little Edie abrirão as portas de Grey Gardens a Albert Maysles e David Maysles. Eles registrarão a personalidade e os conflitos de mãe e filha, mulheres inteligentes e excêntricas. Esta edição em DVD duplo inclui ainda As Beales de Grey Gardens, em que, passadas três décadas do lançamento de seu filme, os irmãos Maysles revisitam e apresentam parte das sobras de montagem. Extras: - Faixa comentada por Albert Maysles, Ellen Hovde, Muffie Meyer e Susan Froemke - Entrevista de Albert Maysles a João Moreira Salles (2006) - Livreto com depoimentos de Albert Maysles, Susan Froemke e Ellen Hovde
O futebol, de Sergio Oksman O botão de pérola e Nostalgia da luz, de Patricio Guzmán Photo: Os grandes movimentos fotográficos Homem comum, de Carlos Nader Vinicius de Moraes, um rapaz de família, de Susana Moraes Últimas conversas e Cabra marcado para morrer, de Eduardo Coutinho A viagem dos comediantes, de Theo Angelopoulos Imagens do inconsciente e São Bernardo, de Leon Hirszman Os dias com ele, de Maria Clara Escobar A tristeza e a piedade, de Marcel Ophüls Os três volumes da série Contatos: A grande tradição do fotojornalismo; A renovação da fotografia contemporânea; A fotografia conceitual La Luna, de Bernardo Bertolucci Cerimônia de casamento, de Robert Altman Conterrâneos velhos de guerra, de Vladimir Carvalho
Vidas secas e Memórias do cárcere, de Nelson Pereira dos Santos O emprego, de Ermanno Olmi Iracema, de Jorge Bodanzky e Orlando Senna Cerimônia secreta, de Joseph Losey As praias de Agnès, de Agnès Varda A pirâmide humana e Cocorico! Mr. Poulet, de Jean Rouch Diário 1973-1983 e Diário revisitado 1990-1999, de David Perlov Elena, de Petra Costa A batalha de Argel, de Gillo Pontecorvo Libertários, de Lauro Escorel, e Chapeleiros, de Adrian Cooper Seis lições de desenho com William Kentridge Sudoeste, de Eduardo Nunes Shoah, de Claude Lanzmann Memórias do subdesenvolvimento, de Tomás Gutiérrez Alea E três edições voltadas à poesia: Poema sujo, dedicado a Ferreira Gullar; Vida e verso e Consideração do poema, dedicados a Carlos Drummond de Andrade
Os DVDs podem ser adquiridos nas livrarias especializadas, nas lojas dos nossos centros culturais e na loja online do IMS: bit.ly/imsdvd. 19
Curadoria de cinema Kleber Mendonça Filho
Programação de cinema e DVD Barbara Alves Rangel Programadores assistentes Ligia Gabarra e Thiago Gallego Projeção Adriano Brito e Edmar Santos
Revista de Cinema IMS Produção de textos e edição
Thiago Gallego, Ligia Gabarra e Kleber Mendonça Filho Diagramação
Marcela Souza Revisão
Flávio Cintra do Amaral
Os filmes de abril
O programa de abril tem o apoio do 27º É Tudo Verdade – Festival Internacional de Documentários, da revista Cinética, do Mubi e das distribuidoras Embaúba, Light Cone, Park Circus, Vitrine Filmes, Zeta Filmes e do Espaço Itaú de Cinema. E dedica agradecimentos a Everlane Moraes, Grace Passô, Safira Moreira, Silveraço e aos coletivos Afrobapho e Coquevideo.
Apoio
Meia-entrada
Com apresentação de documentos comprobatórios para professores da rede pública municipal, estudantes, menores de 21 anos, portadores de Identidade Jovem, maiores de 60 anos, portadores de HIV e aposentados por invalidez. Cliente Itaú: desconto para o titular ao comprar o ingresso com o cartão Itaú (crédito ou débito). Venda de ingressos
Ingressos à venda na bilheteria, para sessões do mesmo dia. Vendas antecipadas no site ingresso.com. Ingressos e senhas sujeitos à lotação da sala (113 lugares). Devolução de ingressos
Em casos de cancelamento de sessões por problemas técnicos ou por falta de energia elétrica, os ingressos serão devolvidos. A devolução de entradas adquiridas pelo ingresso.com será feita pelo site.
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Sessões para escolas e agendamento de cabines pelo telefone (21) 3284 7400 ou pelo e-mail imsrj@ims.com.br. Programa sujeito a alterações. Acompanhe nossa programação em cinema.ims.com.br e facebook.com/cinemaims. As seguintes linhas de ônibus passam em frente ao IMS Rio: Troncal 5 - Alto Gávea - Central (via Praia de Botafogo ) 112 - Alto Gávea - Rodoviária (via Túnel Rebouças) 538 – Rocinha - Botafogo 539 – Rocinha - Leme Ônibus executivo Praça Mauá - Gávea.
República, de Grace Passô (Brasil | 2020, 16’, DCP)
A concha e o clérigo (La Coquille et le clergyman), de Germaine Dulac (França | 1927, 40’, Arquivo digital)
Visitação
Terça a sexta, das 12h às 18h
Sábado, domingo e feriados (exceto segundas) das 10h às 18h Entrada gratuita.
Mais informações: ims.com.br
Rua Marquês de São Vicente 476 CEP 22451-040 Gávea – Rio de Janeiro 21 3284 7400 imsrj@ims.com.br
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