Cinema do IMS Paulista, setembro de 22

Page 1

cinema set .2022

(Brasil | 2022, 115’, DCP)

Marte Um, de Gabriel Martins

Após uma carreira de sucesso nos cinemas Brasil afora, Medida provisória recebe uma sessão especial no IMS Paulista: enquanto é projetado em volume baixo, o diretor Lázaro Ramos e o diretor de fotografia Adrian Teijido conversam sobre o filme, o processo criativo e sua recepção, com a mediação de Kleber Mendonça Filho.

Não! Não olhe! (Nope), de Jordan Peele (EUA | 2022, 130’, DCP)

Na Sessão Mutual Films, gestos radicais de intimidade, de duas cineastas que se especializaram em “filmes-retratos”, ou breves e cuidadosos estudos poéticos de pessoas e lugares próximos a elas. Ute Aurand, uma das grandes expoentes contemporâneas do cinema experimental na Europa, vem ao Brasil pela primeira vez para apresentar dois programas de seus filmes em cópias 16 mm, formato original de produção, além de cópias restauradas de curtas da cineasta e poeta escocesa Margaret Tait. destaques de setembro

Retrato de Ga (A Portrait of Ga), de Margaret Tait (Reino Unido | 1952, 5’, 16 mm para DCP) [imagem da capa] Lúcio Flávio, o passageiro da agonia, de Hector Babenco (Brasil | 1977, 121’, DCP)

3

2022

Medida provisória, de Lázaro Ramos (Brasil | 2022, 101’, DCP)

Se para Deivinho, um dos protagonistas de Marte Um, o céu é fonte de admiração e interesse, para os irmãos de Não! Não olhe!, é uma ameaça. Em setembro, o Cinema do IMS exibe em conjunto essa dupla de filmes que, cada um à sua maneira, reposiciona o espaço das famílias negras na história das imagens em movimento. A estreia da cópia restaurada em DCP 4K de Lúcio Flávio, o passageiro da agonia é o ponto de partida para uma revisão de diferentes momentos da obra de Hector Babenco. A programação Babenco em cartaz inclui uma miniexposição, no hall de entrada do cinema, que retoma materiais históricos da produção e circulação dos três primeiros filmes de ficção do diretor, exibições de Brincando nos campos do Senhor em cópia 35 mm e um debate em torno do restauro de Lúcio Flávio.

19:00 Medida provisória (101’), sessão comentada ao vivo por Lázaro Ramos e Adrian Teijido, com mediação de Kleber Mendonça Filho. 15:0027 Aquilo que eu nunca perdi (84’) 17:00 Desterro (123’) 20:00 O rei da noite (98’) 15:007 Não! Não olhe! (130’) 17:30 Não! Não olhe! (130’) 20:00 Marte Um + O mundo em cima de um avião (123’) 15:0014 Não! Não olhe! (130’) 19:00 Sessão Mutual Films [programa 1] Curtas de Ute Aurand (66’) Sessão comentada ao vivo pela diretora 15:0021 Não! Não olhe! (130’) 17:30 Marte Um + O mundo em cima de um avião (123’) 20:00 Aquilo que eu nunca perdi (84’) 15:0028 Aquilo que eu nunca perdi (84’) 17:00 Desterro (123’) 19:30 Pixote, a lei do mais fraco (128’) 15:001 Não! Não olhe! (130’) 17:30 Não! Não olhe! (130’) 20:00 Marte Um + O mundo em cima de um avião (123’) 15:008 Não! Não olhe! (130’) 17:30 Marte Um + O mundo em cima de um avião (123’) 20:00 Aquilo que eu nunca perdi (84’) 15:2015 Não! Não olhe! (130’) 18:00 Sessão Mutual Films [programa 2] Onde eu estou é aqui: Filmes de Margaret Tait (76’) 20:00 Sessão Mutual Films [programa 3] Verde correndo com cavalos (86’) Sessões apresentadas por Ute Aurand 15:2022 Aquilo que eu nunca perdi (84’)

20:00 Aquilo que eu nunca perdi (84’) 15:0020 Não! Não olhe! (130’)

17:00 Babenco – Alguém tem que ouvir o coração e dizer: parou (75’) 19:00 Lúcio Flávio, o passageiro da agonia (121’), Seguido de debate com Lauro Escorel, Myra Babenco e Patrícia de Filippi 16:2029 Desterro (123’) 18:45 Brincando nos campos do Senhor (186’)

4 quarta quintaterça615:00

Não! Não olhe! (130’) 17:30 Marte Um + O mundo em cima de um avião (123’)

19:50 Não! Não olhe! (130’) 15:0013 Não! Não olhe! (130’) 17:30 Marte Um + O mundo em cima de um avião (123’)

domingo417:30Marte Um + O mundo em cima de um avião (123’)

19:20 Sessão Mutual Films [programa 2] Onde eu estou é aqui: Filmes de Margaret Tait (76’) 17:3025 O rei da noite (98’) 19:30 Lúcio Flávio, o passageiro da agonia (121’)

16:40 Desterro (123’) 19:00 Meu amigo hindu (115’) 21:30 Desterro (123’) 14:0030 Marte Um + O mundo em cima de um avião (123’) 16:20 Desterro (123’) 19:00 Meu amigo hindu (115’) 21:30 Babenco – Alguém tem que ouvir o coração e dizer: parou (75’) 15:003 Não! Não olhe! (130’) 17:30 Não! Não olhe! (130’) 20:00 Marte Um + O mundo em cima de um avião (123’) 15:0010 Não! Não olhe! (130’) 17:30 Marte Um + O mundo em cima de um avião (123’) 20:00 Aquilo que eu nunca perdi (84’) 21:40 Medida provisória (101’) 14:0017 Aquilo que eu nunca perdi (84’) 15:40 Não! Não olhe! (130’) 18:15 Marte Um + O mundo em cima de um avião (123’) 20:45 Medida provisória (101’) 15:2024 Brincando nos campos do Senhor (186’) 19:00 Pixote, a lei do mais fraco (128’) 21:30 Desterro (123’)

15:002 Não! Não olhe! (130’) 17:30 Marte Um + O mundo em cima de um avião (123’) 19:50 Não! Não olhe! (130’) 15:009 Não! Não olhe! (130’) 17:30 Marte Um + O mundo em cima de um avião (123’) 20:00 Aquilo que eu nunca perdi (84’) 21:40 Medida provisória (101’) 14:0016 Aquilo que eu nunca perdi (84’) 15:40 Não! Não olhe! (130’) 18:15 Marte Um + O mundo em cima de um avião (123’) 20:45 Medida provisória (101’) 15:0023 Aquilo que eu nunca perdi (84’)

Programa sujeito a alterações. Eventuais mudanças serão informadas em ims.com.br.

19:50 Não! Não olhe! (130’) 15:0011 Não! Não olhe! (130’) 17:30 Marte Um + O mundo em cima de um avião (123’) 20:00 Aquilo que eu nunca perdi (84’) 14:0018 Não! Não olhe! (130’) 16:30 Marte Um + O mundo em cima de um avião (123’)

5 sexta sábado

Retratos: filmes de Ute Aurand e Margaret Tait

A Sessão Mutual Films de setembro traz um diálogo entre os trabalhos de admiradoras mútuas e amigas. A cineasta alemã Ute Aurand – que já exibiu seus filmes em importantes festivais, como os de Berlim, Hong Kong, Mar del Plata, Nova York, Roterdã, Toronto e Viena – virá ao Brasil pela primeira vez para apresentar seus filmes em 16 mm e conversar com o público sobre seu método de trabalho. Entre as atividades que contarão com presença de Aurand, haverá uma sessão -homenagem de curtas-metragens recém-digitalizados da cineasta escocesa Margaret Tait, que se tornou uma importante referência para a obra da artista alemã. O texto original a seguir, sobre a relação entre Aurand e Tait, foi escrito por Sarah Neely, professora de cinema e cultura visual na Universidade de Glasgow, diretora da iniciativa Margaret Tait 100 (mt100.luxscotland.org.uk); e pesquisa dora das obras de Aurand e Tait. Aaron Cutler e Mariana Shellard (curadores da Sessão Mutual Films)

6

Ute Aurand Margaret Tait

Eu te digo: estou tentando captar a quarta dimensão do instante-já que de tão fugidio não é mais porque agora tornou-se um novo instante-já que também não é mais. Cada coisa tem um instante em que ela é. Quero apos sar-me do é da coisa. Esses instantes que decorrem no ar que respiro: em fogos de artifício eles explodem silen ciosamente no espaço.

Clarice Lispector, Água viva (1973, p. 7)

7

A cineasta e curadora alemã Aurand (que nasceu em 1957) conheceu o trabalho de Tait em 1992, quando o filme Hugh MacDiarmid: A Portrait (1964) foi exibido em Berlim como parte de um programa apresentado pela London Film-Makers’ Co-op. Após receber o incentivo de uma amiga que achava que o estilo pessoal e poético do cinema de Tait a interessaria, Aurand visitou a cooperativa para ver a coleção de filmes de Tait. Ela então retornou a Berlim com cópias da coleção, que usou para estudo pessoal, bem como para fins de exibição e distribuição mais ampla. Em 1994, como parte de uma série realizada no Arsenal – Institut für Film und Videokunst e.V. de filmes feitos por cineastas mulheres, Aurand montou um programa de filmes de Tait, que foi exibido primeiro em Berlim e depois em Hamburgo, Düsseldorf e Frankfurt. (Alguns anos depois, Aurand conseguiu adquirir cópias de seis dos filmes de Tait para o departamento de distribuição do Arsenal.)

Esses

Pulsantes, fragmentários e fugazes –os tons de pele rosada de uma série de imagens foscas que abrem o filme recente de Ute Aurand, Relances de uma visita a Orkney no verão de 1995 ( Glimpses from a Visit to Orkney in Summer 1995, 2020) são intermitentemente colocados em foco, revelando uma variedade de rosas, presumivelmente do jardim da cine asta e poetisa escocesa Margaret Tait (1918-1999). A câmera móvel se aproxima ou se distancia a cada movimento, em cada quadro, oferecendo uma nova perspetiva e talvez até a falsa promessa de sentir o perfume das flores. O filme mudo, encomendado para o centenário de Tait, é composto por imagens que foram filmadas quando Aurand visitou Tait em sua casa em Orkney, um arquipélago na costa nordeste da Escócia.

Quando Aurand visitou Tait em Orkney, um sentimento de admiração mútua já havia se estabelecido. Meu primeiro encontro com Aurand foi por meio do arquivo de Tait, quando eu estava fazendo pesquisa para um livro sobre ela.1 Enquanto eu examinava as muitas correspondências que documentaram a luta de Tait para buscar o apoio necessário para financiar e distribuir seu trabalho ao longo de sua vida, as cartas de Aurand se destacaram por sua genuína oferta de apoio e solidariedade. Na década de 1950, quando Tait retornou à Escócia após estudar cinema no Centro Sperimentale di Cinematografia, em Roma, sua expectativa era fazer filmes em grande escala –como Aurand descreveu em uma entrevista, não “como a poetisa solitária ou a artista solitária, mas como uma 1. NEELY, Sarah. Between Categories – The Films of Margaret Tait: Portraits, Poetry, Sound and Place. Oxford: Peter Lang, 2017. instantes que decorrem no ar por Sarah Neely

Apenas algumas semanas antes de sua morte, em 1999, Tait expressou gratidão em uma carta a Aurand por “ter feito mais do que qualquer outra pessoa por meus filmes, exibindo-os, apresentando-os a novos públicos, até mesmo gerando receita para mim”.3 Durante a visita a Orkney, Tait mostrou a Aurand alguns de seus filmes que não haviam sido preservados pela cooperativa, bem como obras inacabadas, incluindo alguns rushes com papoulas, que Aurand a encorajou a desenvolver, no que se tornaria seu último filme, Garden Pieces (1999). Em Orkney, as duas também começaram a trabalhar em um projeto a partir de um esboço de 2. De uma entrevista com Aurand realizada em junho de 2011. 3. “Carta de Margaret Tait a Ute Aurand, 23.03.1999”. In: ORTEGA, Garbiñe (ed.). Cartas como filmes/Letters as Films. Pamplona: Punto de Vista/La Fabrica, 2021. Vale ressaltar que, na mesma carta, Tait também menciona o apoio do cineasta e curador Peter Todd, que vinha exibindo os filmes de Tait em Londres. roteiro que Tait havia escrito, chamado Video Poems for the 90s. Elas pegaram suas câmeras Bolexes e começaram a filmar. Como Aurand lembrou: “Nós não terminamos os filmes-poemas, mas foi um começo inesquecível… sem fim”. 4 O filme nunca foi concluído, embora as cineastas tenham tentado dar continui dade, compartilhando por correio novos trechos que filmavam. Os filmes, os programas, as cartas fazem parte de uma conversa, algo que o cineasta Peter Todd costuma chamar de “diálogo”. Também é provável que a aber tura e o imediatismo dos filmes de Aurand e Tait inspirem esse tipo de engajamento. Aurand relembrou que em suas primeiras experiências como cineasta se inspirou no estilo de filmagem de Jonas Mekas, que 4. Publicado originalmente em: NICOLSON, Anabel, TODD, Peter, AURAND, Ute e WOOD, Sarah. “Remembering Margaret Tait (1918-1999). Vertigo, v. 2, n. 7, 2004. Disponível em: www.closeupfilmcentre.com/vertigo_maga remembering-margaret-tait-1918-1999/.zine/volume-2-issue-7-autumn-winter-2004/ tem, segundo ela, uma qualidade que é ao mesmo tempo “íntima e privada [...] e fala com o mundo inteiro”.5 De forma similar, ela descreveu o ato de assistir ao filme The Stoas (1997), de Robert Beavers, e experimentar uma sensação de entrar em “um espaço além das imagens, onde se está inteiramente em si mesmo e simul taneamente no mundo. Onde já não se fala; onde se está simplesmente presente, recebendo integralmente o presente do filme.”6 Tait e Aurand frequentemente se referiam a seus filmes como presentes. Às vezes, são presentes para os amigos e parentes que as artistas estão filmando, mas também são presentes para o espectador – uma oferta. Essa generosidade de espírito é aparente em um estilo compartilhado de 5. AURAND, Ute. “How I Began to Film”. In: ORTEGA, Garbiñe e CRUZ, María Palacios. Meditaciones sobre el presente: Ute Aurand, Helga Fanderl, Jeannette Muñoz, Renate Sami. Navarra: Punto de Vista – Festival Internacional de Cine Documental, 2020. 6. Ibidem

cineasta”.8

2

9 filmar, que é ao mesmo tempo voltado para dentro e para fora, e convida o espectador a se envolver totalmente no mundo que está sendo filmado – a juntar-se às ci neastas na busca delas pelos instantes que decorrem no ar. Em uma carta ao marido de Tait, Alex Pirie, Aurand escreveu sobre “esses pequenos momentos que juntos criam um sentimento, um lugar de Empfindungen [sensações], esse algo invisível sem qualquer prova.”7 É o que também marcou o trabalho de Tait, algo que Pirie descreveu como uma “poesia da presença”.8 É um apelo para dar atenção aos momentos cotidianos que passam facilmente a cada respiração, mas que dentro de si contêm multidões – os “fogos de artifício” que Clarice Lispector descreve que “explodem silenciosamente no espaço”. É isso que está em jogo nos filmes de Aurand e Tait. 7. “Carta de Ute Aurand a Alex Pirie, março de 1996”. In: ORTEGA, Garbiñe (ed.). Op. cit. 8. De uma entrevista com Pirie em setembro de 2006.

10A obra de Lispector foi trazida à minha atenção pela primeira vez após a publicação póstuma do livro experimental de não ficção de Tait, Personae, em 2020. Embora seja incerto se a cineasta e poetisa escocesa tenha conhecido o trabalho da célebre escritora ucrania na-brasileira, seus estilos de escrita, de vida, de fluxo de consciência às vezes têm semelhanças inquietantes. Tait escreveu a maior parte de Personae em 1959, mas o livro permaneceu inédito durante sua vida. Água viva, assim como Personae, dedica-se a proporcionar a experiência plena da vida cotidiana – toda a riqueza de detalhes, ordinários e extraordiná rios. Enquanto Lispector escreve sobre os fogos de artifício no instante, Tait escreve sobre seu compromisso com um tipo de poesia crua, semelhante à ideia de Federico García Lorca de “poesia de sangue”, de poesia que combina “o movimento do sol com o movimento de si mesmo”, de “espaço interestelar” e das “estrelas no sangue”.9 9. TAIT, Margaret. Personae . Ed. Sarah Neely.

Os filmes de Tait e Aurand têm muito em comum com os estilos de escrita de Tait e Lispector, por meio de seu compro misso de registrar a plenitude do instante que decorre no ar, de reconhecer a poesia no cotidiano e de valorizar o potencial dessa poesia de puxar para dentro e de dentro para fora. Em Relances de uma visita a Orkney no verão de 1995, alguns momentos da visita de Aurand à casa de Tait são oferecidos de forma expandida. As mudanças de foco e a edição em staccato enfatizam a natureza fugaz da experiência e home nageiam o filme de Marie Menken que é referenciado no título do filme, Relances do jardim (Glimpse of the Garden, 1957), mas também nos alertam para prestar atenção, concentrar, manter nossos olhos abertos e evitar perder as imagens, pois elas piscam rapidamente na tela. Aurand intercala os diferentes segmentos do filme com uma série de telas monocromáticas, Londres: LUX, 2020. Mais informações sobre o livro podem ser conferidas em inglês lux.org.uk/product/personae-margaret-tait/.aqui: que se dissolvem em uma variedade de cores. Esse dispositivo interrompe nossa capacidade de discernir o assunto que está sendo filmado e chama a atenção para a preciosidade do próprio material fílmico. Também fornece ao espectador uma sensação de como as memórias sãoPertoprocessadas.dodesfecho de Relances, final mente avistamos Margaret Tait. Embora na metade do filme tenhamos visto brevemente o que podem ser as mãos dela (primeiro escrevendo em um quadro -negro, depois virando as páginas de um livro), é apenas no final que vemos Tait em seu estúdio, sentada em uma mesa posta para o almoço, servindo uma xícara de chá – primeiro para sua visi tante e depois para ela mesma. Ela olha para a câmera, sorri, e então a tela fica preta –, um choque repentino, um vislumbre fugaz, um instante passageiro.

11

Os três filmes iniciais da obra de ficção de Hector Babenco – O rei da noite (1975), Lúcio Flávio, o passageiro da agonia (1977) e Pixote, a lei do mais fraco (1980), foram resgatados dos arquivos e restaurados nos últimos quatro anos. A obra de Babenco parecia estar numa estante segura, porém alta, do Cinema autoral brasileiro. Seus filmes aguardavam atualização técnica. Redescobri-los via trabalho de Myra Babenco, filha do roteirista, produtor e cineasta, permite recons truir um panorama histórico dessas obras no Cinema Brasileiro. É o melhor fruto possível da restauração de filmes de qualquerBabenco,acervo.argentino radicado no Brasil, estabeleceu comunicação notável com o grande público, o prestígio de premiações e o respeito da crítica. Os filmes sedimentaram a segunda parte de uma carreira, que continuou a impressionar, também no exterior. Essa temporada de obras de Hector Babenco no Cinema do Instituto Moreira Salles (este mês na sala da avenida Paulista, em novembro no IMS Rio) – via Babenco em cartaz por Kleber Mendonça Filho projeto Memória de Hector Babenco da HB Filmes – apresenta em primeira mão no Brasil a restauração em 4K de Lúcio Flávio, o passageiro da agonia, um grande filme brasileiro. Depois da estreia no IMS, a cópia será vista pela primeira vez no exterior em outubro, no prestigioso Festival Lumière, em Lyon, França. Os retratos do Brasil filmados por Babenco nas últimas quatro décadas mostram que o país continua com as mesmas áreas inflamadas, e agora com sinais de retrocesso. Em O rei da noite, a masculinidade podre na alta socie dade sudestina atravessa o século 20 fazendo estragos. É uma crônica afiada com o corte de São Paulo. Revisto em 2022, o filme é tão duro na sua lógica humana e social quanto bem encenado por Babenco, Lauro Escorel, Paulo José, Marília Pera, de fato, por todo o elenco.

A violência institucionalizada mediada pela relação que o país tem com o seu próprio racismo empurram Lúcio Flávio sempre para a frente como um bólido. O filme levou milhões de brasileiros às salas em 1978-1979. Teve enorme impacto na cultura, virou assunto, foi discutido, foi censurado. Na época, Babenco relatou livre mente em entrevistas que “a única intervenção final da censura foi o corte de alguns segundos de nudez frontal de Reginaldo Faria […]. E por determinação daquele departa mento, o filme recebeu um letreiro suple mentar, informando – ilusoriamente – que os elementos ligados ao caso Lúcio Flávio foram expulsos da polícia e punidos crimi nalmente.” Eu achei que essa ordem dada pela censura não deveria estar no filme restaurado, mas entendo a decisão de deixá-la. Foi assim que o Brasil viu o filme na época. Lúcio Flávio, o passageiro da agonia transcorre na tela como se duas ou três páginas policiais de jornal fossem dramatizadas em sequências rápidas (o texto é adaptado do livro de mesmo título de José Louzeiro). É um relato assombrado por fantasmas da vida brasileira, a morte e a tortura como armas de Estado. Acima de tudo, Lúcio Flávio, o passageiro da agonia é um thriller nosso, sujo e malvado.

O abandono dos vulneráveis que o Brasil brutaliza é o coração de Pixote, que foi restaurado em 2018 pela Fundação George Lucas e Film Foundation, via Martin Scorsese. É o filme assinatura de Babenco. A história de um garoto e da sua aparente transformação em algo mais bruto nas ruas de São Paulo e do Rio de Janeiro. A grande beleza do filme é ver que a metamorfose não chega a acontecer, e Pixote (Fernando Ramos da Silva) segue ainda um tanto doce andando nos trilhos, uma criança áspera, mas ainda uma criança… A trajetória de vida e de morte de Fernando também fala muito do país e faz até hoje uma sombra grande no filme, completando-o.Nasúltimasdécadas, os “títulos de catá logo” do Cinema brasileiro ficaram de fora da cultura do olhar, do (re)descobrir dentro da nossa própria indústria do audiovisual. Com a troca de tecnologia nos últimos 10 ou 12 anos, as cópias enve lhecidas em 35 mm pararam de circular totalmente, e nosso acervo – com algumas exceções raras como Joaquim Pedro de Andrade, Nelson Pereira dos Santos e Cena de Lúcio Flávio, o passageiro da agonia Cartaz da 31ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

12

Essa observação pode ser um tanto otimista demais. De toda maneira, é do fundo do poço de onde estamos vindo, um período marcado por dois incêndios – um no Museu Nacional e outro na Cinemateca Brasileira (unidade da Vila Leopoldina) –, incidentes que simbolizam o apagão estético e moral observado no país desde 2016.

Revendo O rei da noite, Lúcio Flávio e Pixote, totalmente restaurados, percebi que as pessoas haviam perdido o contato com eles. Lúcio Flávio e Pixote, juntos, levaram cerca de dez milhões de espec tadores aos cinemas. Talvez seja a competição agressiva do produto estrangeiro (Hollywood, europeus), que não só investe no lançamento dos seus filmes em sala, mas também na manutenção dos títulos. São filmes tratados como produtos, mas cultivados como lembranças. Guardar um filme como quem guarda um livro, ou um arquivo digital, que seja… O Brasil falha ao não cultivar nossos filmes como lembranças. No último mês de maio, observou-se uma celebração no cenário de cinema brasileiro em torno da projeção no Festival de Cannes – na seleção Cannes Classics – de Deus e o Diabo na terra do Sol, de Glauber Rocha. Talvez exista hoje um desejo crescente de valori zação do álbum da família disfuncional que o Cinema Brasileiro é, uma percepção mais afiada em torno da preservação dos nossos acervos.

Avanços exponenciais em tecnologia de imagem e som são notáveis e cada vez mais acessíveis para a revisão de títulos de acervo. Há também a multiplicação de canais de distribuição via projeções espe ciais em salas de cinema bem equipadas, festivais, mostras e a exploração comer cial em múltiplas mídias e plataformas de streaming, que nos permitem aguardar um novo cenário, melhor e mais otimista.

13

alguns Glauber – ficou fora da nova tecnologia de restauração e difusão digital.

Para tal, no entanto, é preciso que a memória do Cinema Brasileiro faça parte de um projeto sério de governo e Cultura, como em tantos países. E que os grandes autores e autoras do nosso Cinema sejam revistos e valorizados, mas também que uma revisão ampla, diversa e investigativa da produção nacional seja restaurada e disponibilizada de maneira atraente e inclusiva. Que nossos filmes sejam (re)descobertos e apresentados nas suas melhores versões, como as lembranças queAlémsão.da trinca inicial de obras geradas por Babenco, o Cinema do IMS apre senta também revisões de Brincando nos campos do Senhor (At Play in the Fields of the Lord , 1990, projetado em cópia 35 mm da época do lançamento), com produção de Saul Zaentz (Um estranho no ninho , Amadeus ), já no período internacional de Babenco. Seu último filme – Meu amigo hindu (2015, projeção em DCP) – e o filme-ensaio Babenco –Alguém tem que ouvir o coração e dizer: parou (2019, DCP), da realizadora e atriz Bárbara Paz, também serão apresentados. O cineasta faleceu em 2016, aos 70 anos, e esta temporada celebra em imagem e som as suas conquistas.

Otelo e Milton Gonçalves são os atores negros do elenco. Cada um de um lado da história. Otelo é o guia espiritual do candomblé de Lúcio Flávio, enquanto Milton é o policial corrupto que o quer caçar.

A história sombria como um filme de terror, sufocante como um saco amarrado na cabeça, é inteligentemente toda contada de modo solar, palatável, com resultados estéticos quase próximos a O demônio das onze horas ( Pierrot le fou , 1968), de Jean-Luc Godard. Se um policial sobe um morro para torturar em um bar, em plena luz do dia, o perso nagem de Grande Otelo, a cena é antes de tudo brejeira.

Pessoas15 são arquivos. Especialmente em culturas que tiveram a sorte de não terem sido, no milênio passado, inva didas, esvaziadas e violentadas pela colonização europeia. Nessas culturas afortunadas, prevaleceu a tradição oral. A distribuição e troca de conhecimento se deram de maneira radicalmente demo crática. Culturas em que tudo é audiovi sual. Tudo é Cinema. Lúcio Flávio, filme brasileiro de 1978, dirigido por Hector Babenco e agora restaurado em 4k, é um filme sobre a caça a pessoas arquivo. Personagens margina lizados que precisam ter sua voz calada para que possa prevalecer a cultura, o modo de vida que o colono trouxe para nossa terra. A própria lógica de funcionamento da vida na colônia caça o tempo todo filmes brasileiros. Pois são eles também arquivos vivos, cheios de coisas fundamentais a serem ditas. Quando uma cinemateca pega fogo, é tão queima de arquivo quanto a polícia subir o morro para matar pobres. Nesse sentido, todo o cinema brasileiro é, no fundo, pobre, marginal... e perigoso. Pessoas são arquivos por Dodô Azevedo

Lúcio Flávio, o personagem real, era em sua época o mais famoso líder de quadrilha de assaltos a bancos, em plena ditadura militar, quando militantes saíam às ruas à noite para pixar muros com frases do tipo “Fora FMI” ou “Os bancos são os verdadeiros assaltantes do Brasil”. Loiro do tipo galã, imediatamente se tornou produto rentável para a mídia na época. Somado-se ao fato de o sujeito colecionar um incontável número de fugas de presídios e cadeias dos quais nenhum preto conseguia fugir, era renda líquida certa para os jornais, já em busca de cliques e likes desde aquela época. Nada contra produtos. Babenco também fez do seu Lúcio Flávio um mara vilhoso produto. Reginaldo Faria, olhos azuis, quase o tempo todo sem camisa, dispõe corpo e alma de forma visceral, sumindo esplendidamente no perso nagem, tornando-se o Robin Hood que os críticos à ditadura militar precisavam para falar com o público dito geral, que fez filas nos cinemas de rua e transformou o filme em um dos recordistas de bilheteria de nossa história.

Apenas neste século a filmografia brasi leira passou a representar personagens negros de forma não caricata. Os artistas que até este século tiveram acesso aos meios de produção são pessoas que não sabem corretamente a definição de, por exemplo, Exu. Não tiveram acesso a estes saberes ou, quando tiveram, não souberam entender para além da visão Pierre Verger da cultura afro-diaspórica. Mas, no Lúcio Flávio de Babenco, temos

pontos positivos em relação a tão importante assunto (posto que brasileiros pretos são arquivos que ninguém quer de fato acessar).

O primeiro ponto é a colocação do personagem de Milton Gonçalves como um policial de classe média (ainda que baixa). Terno cinza, sempre cumprindo ordens, é importantíssima a cena em que seu personagem, ameaçado de morte por Lúcio Flávio em um banheiro de bar, afirma ter mulher e filhos. É tudo o que Lúcio Flávio não tem. Há um rápido e sutil jogo de inversão de poderes ali: Lúcio percebe na hora o valor da vida daquele sujeito. Milton Gonçalves nos dá uma especial verdade na intepretação de algo tão rápido e aparentemente pequenino

dois16

no17 filme. Um grande ator. Uma grande pessoa. Grande arquivo.

O segundo ponto é Grande Otelo. Uma vez o ator me fez passar um dia de cama, deprimido, com o peso do mundo sobre mim. Foi quando, em uma entrevista, já bem próximo da morte, ele revelou que nunca havia interpretado um texto escrito por um negro ou uma negra. Otelo morreu semanas depois. Peço licença para repetir. Grande Otelo, um dos maiores brasileiros que já viveram, um dos maiores atores que já vimos em todo o mundo, que viveu e morreu sem nunca interpretar um texto, uma linha sequer, escrito por roteirista preta ou preto.

Sou um roteirista preto. E, segundo as tradições de nosso povo, Grande Otelo vive em mim. Segue o texto. No filme, o personagem de Otelo é uma mistura de pai e oráculo de Lúcio Flávio. A cena em que contracenam falando sobre futuro e o poder dos orixás e guias no destino do herói, em um barraco limpo (parabéns aos envolvidos) no alto do morro é maravilhosamente antigrega, uma vez que na Grécia há uma imposição de destinos, enquanto nas filosofias africanas sagrado é seguir acasos e fluxos. Foi na rota comercial do Mediterrâneo, que liga o país de Platão ao norte da África, que se roubou, sem copyright , toda a cosmogonia da região. Iansã tornou-se Afrodite, Oxóssi tornou-se Apolo, Oxalá tornou-se Zeus etc. Todos os mais de um milhão de espectadores que foram ao cinema assistir ao filme já sabiam o destino de Lúcio Flávio. Mas aí é que entra mais um dos grandes e raros atributos da obra. O filme de Babenco é cinema de gênero. Especialmente de um gênero que nossa filmografia não explora em toda sua polifonia: o filme da ação. Hoje, temos uma fórmula ainda mais enges sada do que a do cinema estadunidense. Lúcio Flávio de Babenco dá uma aula de como fazer um filme de gênero sem parecer um clone. Lúcio Flávio, o personagem e a pessoa real, era, na época, o maior dos arquivos vivos. O segredo de suas incontáveis fugas de presídios, bem como o sucesso em assaltar bancos curiosamente pouco policiados, devia-se ao fato de que tudo era antes combinado com a polícia. Ele se arriscava, fazia o serviço, ficava alguns meses preso para despistar, dividia o dinheiro com a polícia, mas ficava sempre com sobras. Enquanto a polícia enriquecia. Em determinado momento, o movimento de corrupção da polícia carioca chega até esferas mais altas, que resolvem criar pequenas milícias, chamadas de Esquadrão da Morte, que, na prática, assassinava negros e pobres nas peri ferias da cidade. Lúcio Flávio é sobre isso. Um sujeito que viu a cultura da milícia nascer e resolveu contar tudo o que sabia, enquanto ainda era arquivo vivo. O que contou ao escritor José Louzeiro tornou-se o filme de Babenco, que comunicou ao Brasil inteiro o ovo que ali a serpenteBabencobotava.eequipe, todos arquivos vivos, passaram a ser imediatamente amea çados pelos esquadrões da morte, homens brancos, bem-vestidos, de terno e anéis maçônicos. Hoje, às vésperas das eleições, somos todos Hector Babenco e equipe.

Aquilo que eu nunca perdi Marina Thomé | Brasil | 2021, 84’, DCP (Descoloniza Filmes) Nascida no interior do Mato Grosso do Sul, Alzira E começou a carreira musical com seus irmãos, Tetê e Geraldo Espíndola, até emigrar para São Paulo nos anos 1980, onde construiu uma sólida carreira como compositora e intérprete, com parceiros como Itamar Assumpção e Ney Matogrosso. Hoje, aos 65 anos, Alzira lidera uma banda de rock. Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).

18 Em cartaz

“Para mim, o filme é muito sobre a falência de estruturas e sobre a insistência numa ideia de olhar e de narrativa. Estamos vivendo num mundo em que pessoas que nunca conseguiram se dizer ou se representar vão começando a conquistar esse lugar e, nesse momento, sinto necessidade de desconstruir o status quo da ideia de normali dade, do casal branco hetero intelectualizado. Vejo um desejo do filme de olhar justamente para essa repetição, para essa classe média que faz a manu tenção de algo decadente, cujo desejo é não falar sobre isso e não questionar, para não perder seu chão, que foi conquistado por gerações e gera ções anteriores de pessoas que mantiveram o status quo. Com certeza há uma relação com Os dias com ele, no sentido do que é público e do que é privado, porque as práticas do privado são públi cas e representam a manutenção de uma política e de uma sociedade sempre voltada para o que é uma estrutura familiar. O que representa essa ideia de família que, através de um discurso emotivo, mantém tantas opressões, usando ideias de pro teção e [Citaçõesgarantia?”retiradas do material de imprensa do filme.]

Desterro Maria Clara Escobar | Brasil, Argentina, Portugal | 2020, 123’, DCP (Embaúba Filmes)

Uma casa está em chamas. Todas as casas. Uma viagem resulta em várias viagens, e essa é sem regresso. Muitas mulheres falam. Contam suas histórias. A perda, a morte e a luta por ser, ao lado dosEmoutros.entrevista à pesquisadora e jornalista Carol Almeida, a diretora Maria Clara Escobar, de Os dias com ele (2013), lançado também pela coleção DVD IMS, declara: “Desterro para mim sempre foi um sentimento. Uma atmosfera a ser construída no filme. Acho até difícil de alguma forma expli car ele em sinopses, porque o filme não é sobre a linha narrativa dele. Sempre foi sobre criar uma atmosfera e filmar esses corpos em desencontro, desconforto e desencaixe com o que eles são propostos a ser. Acho que existe uma forma de se pensar como as coisas são e como deveriam ser. É impossível ser um corpo igual ao que sempre se esperou que ele fosse. A própria existência é des compassada. O filme é muito pensado para gerar esse sentimento de desterro e tentar apontar caminhos para o que seria uma possibilidade de existência, que não é algo fixo. Não poderia, por tanto, ser um corpo fixo. Desterro é esse embate, essa falha.”

Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).

são sonhadores, otimistas e levam a vida às margens de uma grande cidade brasileira depois da decepção da eleição de um presidente de extrema direita. Uma família negra de classe média baixa, eles sentem a tensão da nova realidade. Tércia, a mãe, revê seu mundo depois de um encontro inesperado que faz com que ela suspeite ter sido amaldiçoada. Seu marido, Wellington, coloca todas suas esperanças em fazer do filho caçula um jogador de futebol. Deivinho acompanha relutante a ambição do pai, pois sonha em estudar astrofísica e colonizar Marte. Enquanto isso, Eunice, a filha mais velha, se apaixona por uma jovem de espírito livre, e se questiona se não está na hora de sair de casa. Marte Um é a estreia na direção solo de Gabriel Martins em longa-metragem e foi financiado pelo primeiro e, até agora, último edital afirmativo do Brasil, que, em 2016, contemplou três longas -metragens produzidos ou dirigidos por pessoas negras. O filme estreou na edição deste ano do Festival de Sundance, maior evento do cinema independente norte-americano. “Tudo começou com a imagem de um garoto olhando para o céu e segurando uma bola de fute bol”, conta o diretor em entrevista ao portal Screen Daily. “Talvez tivesse algo a ver com o Brasil per dendo de 7 a 1 pra Alemanha nas semifinais da Copa do Mundo de 2014, em Belo Horizonte. Esse foi um grande momento, porque também estáva mos passando por muitas lutas no cenário político. O Brasil tem sido uma enorme bagunça desde então e antes também, então se trata de futebol, política e sonhos. Eu decidi fazer esse filme sobre o que significa para esse garoto sonhar com algo tão grande, algo tão distante dele.”

19

“Filmamos em novembro, dezembro de 2018, então este filme é um retrato de como eu e acho que muitas pessoas estavam se sentindo em rela ção a raça, sonhos, política e decepção com tudo o que estava acontecendo no Brasil. [...] Tudo isso estava na minha mente, mas eu não poderia fazer um filme que fosse uma espécie de plano de vin gança contra esta eleição, porque ele foi eleito de forma justa. Sim, houve fake news, como houve com Trump, mas as pessoas o elegeram demo craticamente. Portanto, não há um problema apenas com Bolsonaro, mas com um país – quão polarizados nos tornamos, como não temos dis cussões maduras sobre política. Este é um filme sobre diferenças entre gerações também. Como o pai vai se relacionar com a filha? O jovem verá o mundo como seu pai o vê ou encontrará seu pró prio caminho?”

Marte Um Gabriel Martins | Brasil | 2022, 115’, DCP (Embaúba OsFilmes)Martins

Marte Um será exibido junto com o curta-metra gem O mundo em cima de um avião, de Rayanna Maria, produzido no contexto das ações do cole tivo Coquevídeo para o programa IMS Convida. Por ocasião do lançamento do filme de Gabriel Martins, será exibido também seu longa ante rior, No coração do mundo, em codireção com Maurílio Martins. [A íntegra da entrevista, em inglês, está disponível em: Ingressos:bit.ly/imsmarteum]terça,quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).

Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).

O mundo em cima de um avião será exibido junto ao longa-metragem Marte Um, dirigido por Gabriel Martins, em cartaz no Cinema do IMS.

Os protagonistas do terceiro longa-metragem de Jordan Peele, diretor de Corra! e Nós, acredi tam ser herdeiros do jóquei que figura em uma série de fotografias de Eadweard Muybridge, que constituem um dos marcos fundamentais do surgimento da imagem em movimento. Em entrevista ao portal Empire, Peele diz: “O aspecto da his tória afro-americana a que o filme se endereça é, acima de tudo, a espetacularização das pes soas negras, bem como o nosso apagamento, pela indústria, por muitas frentes. Acredito que, de muitas maneiras, esse filme é uma resposta para a sequência de Muybridge, que foi a primeira série de fotografias postas em ordem sequencial para criar uma imagem em movimento, que era um homem negro andando a cavalo. Nós sabe mos quem é Eadweard Muybridge, o homem que criou a sequência, mas nós não sabemos quem é esse homem a cavalo. Ele é a primeira estrela de cinema, o primeiro treinador de animais, o pri meiro dublê de todos os tempos, e ninguém sabe quem ele é! Esse apagamento é parte do que os protagonistas desse filme estão tentando corrigir. Eles estão tentando reivindicar seu lugar de direito como parte do espetáculo. E o que o filme tam bém aborda é a natureza tóxica da atenção e as armadilhas do vício humano em espetáculo.” [Citação retirada de: bit.ly/imsnope]

IMS Convida Lançado pelo Instituto Moreira Salles em abril de 2020 como resposta aos danos causados na produção das artes pela pandemia, o Programa Convida comissionou mais de 150 projetos de artistas e de coletivos, apresentados no site e nas redes sociais do IMS. Desde a reabertura das salas de cinema do IMS Rio e IMS Paulista, alguns dos filmes em cartaz são acompanhados por um curta-metragem produzido no âmbito do programa. Seja por aproximação, contraste ou complementaridade, convidamos os filmes a Todasconversar.asobras produzidas estão disponíveis na página ims.com.br/convida.

20 Não! Não olhe! Nope Jordan Peele | EUA | 2022, 130’, DCP (Universal UmaPictures)dupla de irmãos, interpretada por Keke Palmer e Daniel Kaluuya, vivem em uma ravina solitária no interior da Califórnia. Após a morte súbita de seu pai, os dois herdam um rancho de cavalos voltado para produções de cinema e TV. Eles acreditam que a partida do pai pode estar relacionada a uma série de eventos estranhos vindos do céu.

O mundo em cima de um avião Adryan Lucas, Rayanna Maria | Brasil | 2020, 8’, DCP (acervo IMS) A primeira viagem de Adryan num avião: desde que recebeu uma câmera de filmar até a ida para o espaço. Um filme autointitulado “ficcionalizinho”, realizado por Adryan Lucas, de 10 anos, com a colaboração de sua amiga Emily e pequenas aparições de sua mãe, da avó e do avô.

21 Sessão comentada Medida provisória Lázaro Ramos | Brasil | 2022, 101’, DCP (Elo NoCompany)dia20de setembro, terça-feira, o diretor Lázaro Ramos e o diretor de fotografia Adrian Teijido apresentam uma sessão comentada de Medida provisória, sob a mediação de Kleber Mendonça Filho. Tal qual uma faixa comentada de DVD, o filme será exibido em volume baixo, enquanto os convidados debatem a obra e o processo de produção. Essa sessão é recomendada àqueles que já assistiram ao filme. Inspirado na peça Namíbia, não! (2011), de Aldri Anunciação, o primeiro longa de Lázaro Ramos tem início em um momento do futuro em que o governo brasileiro desiste de um projeto que indenizaria pessoas negras de baixa renda pelos danos causados por uma história escravocrata. Em vez disso, as autoridades decidem enviar à força toda a população negra para países do con tinenteOscilandoafricano.entre drama, tensão e comédia, a narrativa desenhada por Lázaro, em que o hori zonte esperançoso de uma política de reparação é transformado de súbito em um aprofundamento ainda mais radical da discriminação racial, emula um futuro que parece ecoar as últimas décadas da nossa história recente. exibiçõesIngressos:regulares, 16 e 17/9: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia). sessão comentada, 20/9: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia). Babenco em cartaz Em parceria com o projeto Memória de Hector Babenco, da HB Filmes, o Cinema do IMS apresenta uma pequena seleção de filmes do diretor como forma de marcar a estreia da cópia restaurada em 4K de Lúcio Flávio, o passageiro da agonia (1977), sucesso de público e crítica por ocasião de sua estreia. Depois da exibição no IMS, a nova cópia será vista pela primeira vez no exterior em outubro, no prestigioso Festival Lumière, em Lyon,EssaFrança.série reúne cópias restauradas em DCP 4K dos três filmes iniciais da obra de ficção de Babenco: O rei da noite (1975), Lúcio Flávio e Pixote, a lei do mais fraco (1980), junto a uma ocupação no hall de entrada do Cinema do IMS Paulista que retoma materiais históricos da pro dução e circulação desses três filmes. Serão exibidos também Brincando nos campos do Senhor (1990), já do período internacional do diretor, projetado em cópia 35 mm da época do lançamento; Meu amigo hindu (2015), seu último filme; e o documentário Babenco – Alguém tem que ouvir o coração e dizer: parou (2019), da reali zadora e atriz Bárbara Paz.

O cineasta faleceu em 2016, aos 70 anos, e esta temporada celebra em imagem e som as suas Ingressos:conquistas.R$10 (inteira) e R$ 5 (meia). O rei da noite Hector Babenco | Brasil | 1975, 98’, DCP (HB UmaFilmes)crônica dos costumes do Brasil dos anos 1940, O rei da noite retrata Tezinho, um jovem boêmio que, depois de ter o coração partido, se apaixona por duas irmãs e acaba se envolvendo com uma prostituta conhecida como Rainha da Noite.

A restauração digital de imagem do filme foi feita a partir dos negativos originais preservados, pela Cinemateca Brasileira, e escaneados em resolução 4K. O som foi restaurado e remasteri zado na JLS Facilidades Sonoras – Estúdio JLS, por José Luiz Sasso, tendo como matrizes o áudio transferido a partir de fitas de vídeo DigiBeta.

Hector Babenco | Brasil | 1977, 121’, DCP (HB Filmes)

“Acho que naquela época existia uma indig nação muito grande pelas contradições sociais expostas que havia em São Paulo. E o que mais me incomodava era a total anestesia dos meios de comunicação, das pessoas pensantes, dos amigos jornalistas, cineastas, sociólogos, enfim, as pessoas que eu frequentava… Era um assunto no qual não se tocava e, quando se tocava, era socio logicamente”, comentou Hector Babenco em entrevista a Drauzio Varella.

Esta cópia foi restaurada pelo World Cinema Project, que faz parte da The Film Foundation, e pela Cinemateca de Bolonha, no laboratório L’Immagine Ritrovata, em colaboração com HB Filmes, Cinemateca Brasileira e JLS Facilitações Sonoras. A restauração faz parte do projeto Memória Hector Babenco, da HB Filmes, que visa a recuperar toda a obra do cineasta, falecido em 2016.

Lúcio Flávio, o passageiro da agonia

22

Recorde de bilheteria nacional quando lançado, o filme relata a trajetória de Lúcio Flávio, um fugitivo que monopolizou as manchetes dos jornais com seus roubos a banco e fugas espetaculares na década de 1970. Ao expor a brutalidade de um grupo criminoso da polícia brasileira conhecido como Esquadrão da Morte – fato revelado pelo próprio Lúcio Flávio a um repórter antes de ser assassinado –, o filme passou por censura e se tornou uma peça da história do cinema brasileiro. O filme foi vencedor do Prêmio do Público da primeira edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em 1977. (HB Filmes) Vivendo a dura realidade dos menores carentes em um reformatório de São Paulo e revoltados com as injustiças dos administradores da instituição, quatro crianças fogem e passam a conviver com uma trabalhadora sexual. Drama de 1981 baseado no livro A infância dos mortos, de José Louzeiro, o filme apresenta Fernando Ramos da Silva, um ator em ascensão que foi morto aos 19 anos pela polícia de São Paulo.

“Um dia eu fui à Febem no Tatuapé com um amigo meu fazer umas fotografias e me horrori zei com o que vi. As crianças vinham falar comigo com as mãos para trás e a cabeça baixa, que era já uma estruturação corporal policialesca, de você, culpado, querer pedir perdão ao outro. E eu dei meu endereço, meu telefone pra alguém, e sei que, uma semana depois, me ligou um garoto e disse: ‘Olha, a gente fugiu da Febem, estamos aqui uns 20 e queremos passar para conversar com você’. Aí vieram ao meu escritório, eram uns oito ou nove. Eu os levei pra comer um hambúrguer, eles come çaram a me contar histórias, e eu disse: tenho que fazer um filme dessa gente.”

Um casal de missionários evangélicos é enviado à Amazônia para catequizar indígenas locais. Ao mesmo tempo, dois aventureiros que estão de passagem pelo local são forçados pelo governo a bombardear a aldeia.

Babenco – Alguém tem que ouvir o coração e dizer: parou Bárbara Paz | Brasil | 2019, 75’, DCP (Imovision) Em relatos marcantes sobre memórias, amores, reflexões e a frágil condição de saúde de Hector Babenco, o documentário revela o quanto sua paixão pelo cinema o manteve vivo por tantos anos.

Em 2019, o documentário foi vencedor do prêmio de Melhor Documentário sobre Cinema da sessão Venice Classics, do Festival de Veneza, além de receber o prêmio paralelo Bisato D’Oro, da crítica independente.

Meu amigo hindu Hector Babenco | Brasil | 2016, 115’, DCP (HB Filmes)

(HB23 Filmes)

Baseado no romance homônimo de Peter Matthiessen, o longa-metragem dirigido por Hector Babenco conta com roteiro do próprio cineasta em parceria com Jean-Claude Carrière.

Protagonizado por Willem Dafoe, Meu amigo hindu é uma ficção baseada em memórias de Hector Babenco, que lutou contra um câncer linfático por mais de 20 anos. O longa narra o drama de um cineasta que, após ser diagnosticado com um câncer em estado avançado, decide submeter-se a um tratamento experimental. No hospital, ele conhece um menino hindu e, a partir desse encontro, ambos passam a dividir fantasias que os ajudam a suportar o período de tratamento.

Em 1991, a Associação de Críticos de Filmes de Los Angeles concedeu ao filme o troféu de Melhor Trilha Sonora, que também rendeu à produção uma indicação do Globo de Ouro do ano seguinte.

Programa 1 Curtas de Ute Aurand Ute Aurand | Alemanha | 1980-2021, 66’ (com comentários da artista), 16 mm (cópias do acervo da artista) A artista alemã Ute Aurand estará presente em São Paulo e no Rio de Janeiro para fazer uma sessão comentada de seis de seus mais de 40 filmes. A seleção visa a apresentar um panorama do trabalho dela, desde seu primeiro filme – realizado no início da década de 1980, quando estudava cinema na universidade – até o mais recente, que estreou no ano passado. As projeções em 16 mm serão intercaladas por falas de Aurand sobre seu método de trabalho e sua relação com as pessoas registradas em seus filmes-retratos ao longo dos anos. As cineastas Maria Lang e Renate Sami, a escritora e professora Lisa Tamaru e os próprios pais da diretora são algumas das figuras que aparecem sorrindo diante de sua câmera com qualidades lúdicas e, por vezes, melancólicas. Também presente no programa, na forma de uma homenagem em um dos filmes, está a cineasta escocesa Margaret Tait, uma fonte de inspiração para Aurand e uma artista cujo trabalho ela divulgou de diversas formas. Aurand começou a fazer cinema seguindo os exemplos impressionistas e poéticos de cineastas da vanguarda norte-americana, como Jonas Mekas e Marie Menken, e logo desenvolveu seu próprio estilo, que é ao mesmo tempo modesto e rigoroso em seu gentil olhar humano. Os filmes de Aurand que passarão no IMS contêm retratos, imagens de família, experiências banais, porém que refletem o valor absoluto da vida. Eles são registros majestosos de uma vida comum que expressam uma relação apaziguadora entre o ser humano e seu entorno, descrevendo momentos idílicos que ocupam um espaço de tempo de mais de quatro décadas. O método particular de edição dos filmes, no qual cor tes rápidos são entremeados por uma breve luz ofuscante, cria um dinamismo incomum entre pai sagens distintas e diferentes posicionamentos da visão subjetiva da artista no espaço. Aurand leva nossos olhos a dançarem com a imagem, nos envolvendo na impressão de que a própria vida é um breve sopro, um estouro fugaz e passageiro.

24 Sessão Mutual Films Retratos: filmes de Ute Aurand e Margaret Tait

A Sessão Mutual Films de setembro traz filmes de artistas que foram colaboradoras e amigas. A cineasta e curadora berlinense Ute Aurand (que nasceu em 1957), uma das maiores expoentes contemporâneas do cinema experimental na Europa, virá ao Brasil pela primeira vez para apresentar dois programas de seus filmes (todos em suas estreias brasileiras) no formato original em 16 mm. Ela também apresentará um programa de curtas da cineasta e poeta escocesa Margaret Tait (1918-1999) – cujo processo de trabalho Aurand conheceu de forma profunda na década de 1990 –, em novas cópias digitais de alta resolução que passaram em festivais e cinematecas ao redor do mundo nos últimos anos em homenagem ao centenário de Tait. Aurand e Tait se especializaram em “filmes-retratos”, ou breves e cuidadosos estudos poéticos de pessoas e lugares próximos a elas. As artistas celebram o aqui e agora em obras pessoais que, enquanto captam instantes, representam um lapso temporal de anos de preparo. Os filmes enfatizam uma inseparabilidade entre o viver e o registrar, convidando os espectadores a compartilhar experiências efêmeras, porém intensas, em um gesto radical de intimidade. Os programas de filmes no Rio de Janeiro e em São Paulo incluem uma sessão comentada dos curtas de Aurand, na qual a diretora conversará com a plateia sobre seu método e sua visão de cinema. A curadoria e a produção da sessão são de Aaron Cutler e Mariana Shellard. Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).

A sessão conta com os seguintes filmes, que passarão em exibição única em cada cidade em seu formato original de 16 mm. Quatro dos filmes são sonoros, e dois (De ponta-cabeça nos galhos e Meia-lua para Margaret), silenciosos. Aurand vai conversar com o público entre a projeção de cada filme.

25 Maria e o mundo (Maria und die Welt) Ute Aurand | Alemanha | 1995, 15’, 16 mm Profundamente envolvida numa conversa silenciosa (Schweigend ins Gespräch vertieft) Ute Aurand | Alemanha | 1980, 8’, 16 mm Lisa (Lisa) Ute Aurand | Alemanha | 2017, 4’, 16 mm Renate (Renate) Ute Aurand | Alemanha | 2021, 6’, 16 mm De ponta-cabeça nos galhos (Kopfüber im Geäst) Ute Aurand | Alemanha | 2009, 15’, 16 mm

para Margaret (Halbmond für Margaret) Ute Aurand | Alemanha | 2004, 18’, 16 mm

Meia-lua

Ela também escreveu contos e livros de poesia, tendo autores como Federico García Lorca e Hugh MacDiarmid como importantes referências. Os fil mes chamados por ela de “filmes-poemas” são estruturados de forma lírica e breve, e expressam a beleza e o sublime de momentos fugidios.

O programa que passará no IMS conta com seis desses filmes, apresentados em ordem cronoló gica e em novas cópias digitais de alta resolução preparadas pela distribuidora britânica LUX, a partir de materiais em 16 mm. Ele começa com dois filmes-retratos, o primeiro de pessoas que Tait conheceu durante seus estudos na Itália (entre elas, o diretor argentino Fernando Birri), e o segundo, de sua mãe, após voltar para a Escócia. Onde eu estou é aqui é seguido por três filmes

Programa26 2

Margaret Tait | Escócia | 1951-1976, 76’, 16 mm para DCP (LUX) Uma poça d’água. A roda de um carro. Um prédio em construção, tijolo sobre tijolo. Um castelo de cartas sendo construído em stop motion Prédios e mais prédios em construção. A noite se aproxima, caminhando na beira da praia. DANGER [PERIGO]. Água. Fogo. Gelo. Um pássaro. Ouvimos o pássaro quadros para a frente, sobre a imagem do fogo. Palavras aparecem em stop motion Música vai e vem. Uma carta sendo escrita. Brincadeiras na neve. Lua. “Um começo, um fim.” As imagens listadas acima vêm do filme Onde eu estou é aqui (1964), um retrato plá cido e melodioso da cidade de Edimburgo. Ele é um dos filmes mais renomados de Margaret Tait (1918-1999), uma artista pouco conhecida em vida, mas que hoje é tida como uma pioneira do cinema poético realizado no Reino Unido. O filme, como a maioria de seus trabalhos cinematográ ficos, foi rodado pela própria Tait em sua Escócia natal – muitas vezes ao redor de sua casa, na ilha de Orkney. “Eu não estou, de fato, interessada em ‘registrar para a posteridade’”, ela falou em uma entrevista transmitida pelo Channel Four em 1983.1 “Isto é um valor acidental ou incidental que meus filmes podem ter, e não o seu propósito. Eu faço meus filmes para audiências que estão presentes no momento – para uma resposta no 1. Citado no livro Subjects and Sequences: A Margaret Tait Reader (2004, ed. Peter Todd e Benjamin Cook). momento... No meu uso da linguagem cinemato gráfica, eu mostro coisas desse tipo – às vezes –, e se eu as uso, gosto de que elas tenham preci são; porém, mais em função da reverberação do que do registro.”

2. Ibidem. mais curtos que oferecem impressões de momen tos no tempo, com explorações ousadas de paisagens, cores, texturas de seu ambiente e sons cristalinos que remetem a processos de reflexão e andança.Acuradoria do programa foi feita por Sarah Neely e Matt Lloyd em 2018 em homenagem ao centenário de Tait. Três esboços de retratos é um filme mudo, enquanto os outros filmes do pro grama são sonoros. A cineasta alemã Ute Aurand vai apresentar a primeira exibição do programa no IMS Paulista e sua exibição única no IMS Rio.

Onde eu estou é aqui: Filmes de Margaret Tait

Tait estudou medicina na Universidade de Edimburgo e trabalhou com o Royal Army Medical Corps na Ásia durante a Segunda Guerra Mundial. Porém, ela chegou a sentir que “era neces sário fazer algo mais do que apenas trazer as pessoas de volta à saúde corporal”,2 e resol veu cursar cinema na década de 1950 no Centro Sperimentale di Cinematografia, em Roma. Entre este momento e o final de sua vida, Tait fez mais de 30 filmes, a maioria deles nos formatos de curta e média-metragem (a única exceção foi Blue Black Permanent, de 1992, o primeiro longa-metra gem de ficção feito por uma diretora na Escócia).

Margaret Tait | Reino Unido | 1976, 10’, 16 mm para DCP

Margaret Tait | Reino Unido | 1964, 35’, 16 mm para DCP

Tait | Reino Unido | 1974, 4’, 16 mm para DCP Arremate (Tailpiece)

27

Poemas de cores (Colour Poems)

Margaret Tait | Reino Unido | 1974, 12’, 16 mm para DCP Retrato de Ga (A Portrait of Ga)

Margaret Tait | Reino Unido/Itália | 1951, 10’, 16 mm para DCP Onde eu estou é aqui (Where I Am Is Here)

Margaret Tait | Reino Unido | 1952, 5’, 16 mm para DCP Aéreo (Aerial Margaret)

Três esboços de retratos (Three Portrait Sketches)

Ute Aurand | Alemanha/Reino Unido | 2020, 4’, 16 mm

Verde correndo com cavalos Ute Aurand | Alemanha/Inglaterra | 2019-2020, 86’, 16 Emmm2015, a cineasta alemã Ute Aurand começou a trabalhar na edição do que se tornou seu primeiro longa-metragem. Ela mergulhou em seus arquivos fílmicos e revisitou um total de seis horas de material gravado em 16 mm para criar o romântico Verde correndo com cavalos. Da janela de um trem em movimento, observamos um gramado verde onde correm duas pessoas a cavalo, intercalando com árvores ora de folhagem verde, ora de flores brancas. Conforme a proximidade dos objetos, vemos apenas um borrão colorido ou, ao longe, formas bem definidas. O filme desenvolve um movimento de aproximação e distanciamento das imagens registradas, o que passa a sensação de uma valsa de lembranças. Vemos crianças crescerem, tornarem-se adultos e tornarem-se pais, vemos adultos envelhecerem. Vemos protagonistas de diversos outros filmes de Aurand e momentos domésticos com o cineasta norte-americano Robert Beavers – uma presença importante na vida e no trabalho da artista desde a década de 1990. Esses personagens vêm e vão, e, quando nos esquecemos de alguém, logo este alguém retorna para relembrarmos de sua presença, em momentos que saboreiam simultaneamente o passado e o presente.

3. Frase original (em português de Portugal): www. doclisboa.org/2019/filmes/rushing-green-with-horses/.

Verde correndo com cavalos (Rasendes Grün mit Pferden)

Programa28 3

Relances de uma visita a Orkney no verão de 1995 (Glimpses from a Visit to Orkney in Summer 1995)

Verde correndo com cavalos estreou em 2019 no Festival Internacional de Cinema de Berlim, na mostra Forum Expanded, e tem viajado o mundo desde então. Ele terá sua estreia brasileira no IMS, em seu formato original de 16 mm, com a pre sença de Aurand para apresentar as sessões. Será exibido com um curta-metragem mudo recente de Aurand, Relances de uma visita a Orkney no verão de 1995, que foi comissionado pelo projeto Margaret Tait 100 junto a curtas de outros nove artistas e cineastas em homenagem à diretora Margaret Tait.

Como descreve Aurand, o filme é um “conjunto de observações e encontros breves, filmados entre 1999 e 2018, em casa e em viagem, com amigos e a sós. Gestos íntimos despertam a minha atenção: o 94º aniversário de Jón, Sofia dançando, James e Robert transportando o proje tor de 16 mm, neve em Cape Cod, Detel [sua irmã artista] no estúdio dela, o casamento de Sabrina e Franz, uma visita a Detroit. Vemos as mesmas pes soas em idades diferentes. Por vezes, alguém fala. Outras vezes, há música ou silêncio.”3

Ute Aurand | Alemanha | 2019, 82’, 16 mm

Sarah Neely (escritora convidada): Sarah Neely é professora de cinema e cultura visual na Universidade de Glasgow, na Escócia. Suas publicações incluem Between Categories: The Films of Margaret Tait – Portraits, Poetry, Sound and Place (Peter Lang, 2016) e, como editora, Margaret Tait: Poems, Stories and Writings (Carcanet, 2012) e Personae, de Margaret Tait (LUX, 2020). Entre 2018 e 2019, ela foi a diretora do projeto Margaret Tait 100 (mt100.luxscotland. org.uk/), um programa de eventos que, ao longo de um ano, celebrou o centenário do nascimento da cineasta e poetisa Margaret Tait. Ute Aurand (cineasta convidada): Ute Aurand nasceu em 1957 em Frankfurt/Main, na Alemanha, e cresceu em Berlim. Entre 1979 e 1985, ela estudou cinema na Deutsche Film und Fernsehakademie Berlin (DFFB). Produz seus próprios filmes desde 1985. Também trabalha como curadora de cinema desde 1990, inclusive de exibições inéditas na Alemanha de filmes experimentais dirigidos por mulheres. Mais informações sobre seu trabalho podem ser conferidas no site www.uteaurand.de/.

29

O programa do mês tem o apoio de HB Filmes, Mutual Films e das distribuidoras Descoloniza Filmes, Elo Company, Embaúba, Imovision, Universal Pictures do Brasil. Agradecemos a Myra Babenco, Marcella Imparato, Felippe Crescenti, Dodô Azevedo, Lázaro Ramos, Adrian Teijido, Gabriel Martins, Adryan Lucas, Rayanna Maria, coletivo Coquevídeo, Alice Lea, Carolina Garcia de Carvalho, Erika Balsom, Garbiñe Ortega, Lucas Murari, Pedro Neves, Sarah Neely, Sérgio Allisson, Ute Aurand, Yara Castanheira. Apoio Mostra Babenco em cartaz Sessão Mutual Films Curadoria de cinema Kleber Mendonça Filho Programadora de cinema Marcia Vaz Programador adjunto de cinema Thiago Gallego Projeção Ana Clara Costa e Lucas Gonçalves de Souza Legendagem eletrônica Pilha Tradução Revista de Cinema IMS Produção de textos e edição Thiago Gallego e Marcia Vaz Diagramação Marcela Souza e Taiane Brito Revisão Flávio Cintra do Amaral

Venda de ingressos Ingressos à venda pelo site ingresso.com e na bilheteria do centro cultural, a partir das 12h, para sessões do mesmo dia. No ingresso.com, a venda é semanal: toda quarta-feira, às 18h, são liberados ingressos para as sessões que acontecem até a quarta-feira seguinte. Ingressos e senhas sujeitos à lotação da sala. Capacidade da sala: 145 lugares (com restrição de 50% da lotação máxima).

Meia-entrada Com apresentação de documentos comprobatórios para professores da rede pública, estudantes, crianças de 3 a 12 anos, pessoas com deficiência, portadores de Identidade Jovem, maiores de 60 anos e titulares do cartão Itaú (crédito ou débito).

A devolução de entradas adquiridas pelo ingresso.com será feita pelo site Programa sujeito a alterações. Eventuais mudanças serão informadas em facebook. com/cinemaims e ims.com.br. Não é permitido o acesso com mochilas ou bolsas grandes, guarda-chuvas, bebidas ou alimentos. Use nosso guarda-volumes gratuito. Confira as classificações indicativas no site do IMS.

30 Os filmes de setembro

Devolução de ingressos Em casos de cancelamento de sessões por problemas técnicos e por falta de energia elétrica, os ingressos serão devolvidos.

| 2021,

Aquilo que eu nunca perdi, de Marina Thomé (Brasil 84’, DCP)

Profundamente envolvida numa conversa silenciosa (Schweigend ins Gespräch vertieft), de Ute Aurand (Alemanha | 1980, 8’, 16 mm) Terça a domingosquinta,eferiados sessões de cinema até as sextas20h;esábados, até as TerçaLivrariaBalaioVisitação,22h.Biblioteca,IMSCaféedaTravessaadomingo, inclusive feriados das 10h às 20h. Fechado às segundas Última admissão: 30 minutos antes do encerramento. Avenida Paulista 2424 CEP 01310-300 Bela Vista – São Paulo tel: (11) imspaulista@ims.com.br2842-9120ims.com.br/institutomoreirasalles@imoreirasalles@imoreirasalles/imoreirasalles/institutomoreirasalles

Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.