Elisa Ferreira Comissária Europeia para a Coesão e Reformas
É
pelo menos encorajador constatar que a Covid-19 não só não impediu, como até estimulou, a reflexão sobre uma quantidade de grandes questões da atualidade, sobre a forma como nos organizamos enquanto sociedade e de que forma vamos construir o nosso futuro. Procurando responder ao tema deste debate, não sei se o mundo pós-pandemia será admirável, porém, do que eu não tenho dúvida é que este será um mundo diferente, já que é preciso que sejam retiradas todas as lições possíveis desta crise. Ainda que não seja admirável, espero que este mundo seja melhor a vários títulos: nos contratos sociais que estão na base das nossas sociedades; na qualidade da nossa democracia; no modelo de desenvolvimento das nossas economias; e na capacidade de resposta às preocupações e inquietações dos cidadãos. O populismo, que é também um dos temas deste painel, alimenta-se precisamente da falta de resposta a essas preocupações. O problema não são as perguntas que as pessoas colocam face aos enormes desafios que enfrentamos — sejam eles a globalização, as alterações climáticas, a revolução tecnológica, as desigualdades, ou as migrações — mas sobretudo,
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Conferência de Lisboa – 4 _ 2020 Lisbon Conference – 4
European Commissioner for Cohesion and Reforms
o desencanto e desconforto que resultam da falta de respostas adequadas para essas perguntas. “Porque é que a Europa se mostra tão preocupada com a proteção do ambiente e dos direitos sociais e depois, na sua política comercial, não impõe regras mínimas às importações, que ao entrarem na UE com normas de produção inferiores às internas, geram deslocalizações de produção e perdas de emprego para outras zonas do mundo?”. Ou ainda, “Como é que foi possível que, no meio de uma crise financeira global como foi a de 2008, o discurso político se tenha, por vezes, limitado a objetivos como o cumprimento das décimas para a meta do défice orçamental?”. E por último, a título de exemplo, “Como é possível que o sistema bancário tenha chegado a um tal grau de desregulação em todo o mundo, que para salvar os depósitos dos cidadãos, os Estados tenham tido de injetar nos bancos montantes astronómicos que escasseiam para outros objetivos sociais?” Estes são apenas alguns exemplos de questões colocadas por muitos. Quando as pessoas estão a debater-se com perdas de emprego, com a ruína das suas empresas, ou sem acesso a serviços básicos de saúde, estas questões parecem completamente desconectadas do resto da sociedade e das suas preocupações. Este tipo de contradições, aliado ao facto de muitos se sentirem à margem do sistema, é uma das principais fontes de desconforto e que se exprime em atitudes contra o sistema, um sistema que não
A ACELERAÇÃO DAS MUDANÇAS GLOBAIS THE ACCELERATION OF GLOBAL CHANGE