O Instituto Inclusão Eficiente nasceu do sonho de um mundo diferente, onde todos podem ter e receber oportunidades com equidade, sem preconceito com suas diferenças, um mundo onde a diversidade é contemplada e no qual todos podem usufruir dos seus direitos plenamente.
Há mais de 10 anos, em Chapecó/SC, nascemos como empresa, com a proposta de levar essa experiência de sucesso a outros locais. Hoje, estamos presentes nas regiões Nordeste, Sudeste, Centro Oeste e Sul do Brasil, com pólos em Recife/PE, São Paulo/ SP e Goiânia/GO. Também contamos com núcleos espalhados por todo Brasil, em parcerias com profissionais que compartilham dos mesmos ideais.
Primamos diariamente pela busca de processos inovadores e de máxima qualidade nas áreas de inclusão e reabilitação de pessoas com dificuldades ou deficiências, com temáticas permeadas pelas áreas da saúde e da educação.
Nosso motivo maior é oferecer cursos com profissionais renomados, tanto nacionais quanto internacionais, e levar o conhecimento para onde ele de fato precisa chegar: aos profissionais e familiares que são agentes diários de transformação, os quais através das mudanças de paradigmas e suporte oferecido, poderão ampliar a participação social de todos. Muito mais do que isso, poderão incentivar o protagonismo de todos nós, a partir das nossas histórias de vida.
Este livro é parte da nossa história, mas a tônica maior é poder fazer parte da história de cada profissional que esteve com a gente nos Cursos de Especialização Lato Sensu, em parceria
com a Faculdade IPPEO. Esta edição faz parte dos cursos de Pósgraduação Lato Sensu em Desenvolvimento Infantil e Intervenção Precoce, com ênfase no modelo centrado na família, coordenado pela Fisioterapeuta Mestra Stéphani de Pol.
Os leitores poderão encontrar, em cada capítulo, mais do que os trabalhos de conclusão de curso de cada aluno, um pouco da história de formação de cada um. E, assim, coletivamente caminhamos na direção da construção de uma clínica ampliada, na qual o fazer de cada um impacta a todos, na perspectiva da construção social da nossa missão inicial na qual a representatividade deva ser conquistada e a participação social seja uma garantia de direitos humanos.
Esperamos que a temática, tão valorizada pela equipe da Inclusão Eficiente e pelos alunos deste curso de especialização, possa lhe ser útil, trazendo reflexões e novos aprendizados.
Em tempo, ressaltamos nosso agradecimento a todos os colaboradores desta obra rica e cheia de significados.
Prefácio
Jean Piaget (1896-1980), em uma de suas máximas, afirma que o indivíduo se desenvolve a partir da ação sobre o meio o qual está inserido, assim, nesse sentido, esta publicação apresenta diversos capítulos que promovem uma análise a respeito de variados prismas relacionados aos impactos que os fatores externos podem ocasionar no processo do desenvolvimento infantil. O objetivo central é justamente tentar compreender como é possível alterarmos e/ou adaptarmos os ambientes para que o desenvolvimento infantil ocorra de forma plena e integral, com fins de proporcionar melhorias ao indivíduo e ao trabalho desenvolvido pelos terapeutas.
Novamente, agradecemos a dedicação dos nossos alunos e docentes que participaram do curso de Pós-Graduação Lato sensu em Desenvolvimento Infantil e Intervenção Precoce: com ênfase no modelo centrado na família e que produziram essas pesquisas. Esta obra corrobora o compromisso do Instituto Inclusão Eficiente em fazer com que a ciência chegue a todos os lugares, de maneira acessível, sempre em busca de disseminar fontes seguras que respeitam à academia e os saberes científicos.
Esperamos que a leitura dessa obra traga uma nova perspectiva em relação aos impactos que o ambiente pode provocar ao desenvolvimento do sujeito e, ainda, que os resultados apresentados aqui possibilitem uma revisão da sua prática profissional.
Mestra Ariane Hidalgo
Pedagoga do Departamento Educacional Instituto Inclusão Eficiente
1.
MECANISMOS QUE AFETAM A
NEUROPLASTICIDADE NA INFÂNCIA: UMA ABORDAGEM NEUROBIOLÓGICA
A PARTIR DO CONTEXTO SOCIAL
Ana Clara Pereira Valentim
Fernanda Alves da Silva
Myllena Sabino dos Santos
Karla Poliana Guedes Aciole
Tamires Barbosa da Silva
Victor Matheus Lopes Martinez
INTRODUÇÃO
Através do desenvolvimento cerebral que se dará a aprendizagem ao longo da vida, processo que se inicia na gestação e é fundamental durante a primeira infância. O cérebro infantil por sua vez é extremamente maleável, o que faz com que seja vulnerável a interveniências externas (KANDEL et al., 2014).
Essa maleabilidade é definida na literatura como neuroplasticidade, isto é, a capacidade de adaptação e de respostas a estímulos. O cérebro é uma estrutura adaptável, passível de sofrer mudanças e transformações, sofre impactos diretos do contexto social ao qual a criança está inserida (BONFIM et al., 2019; BRONFENBRENNER; MORRIS, 2006).
Existem diversos tipos de contextos sociais que a criança pode estar inserida como: microssistema, mesossistema, exossistema, macrossistema em um cronossistema (BRONFENBRENNER; MORRIS, 2006). Sistemas esses que poderão impactar diretamente nas experiências sociais com o indivíduo promovendo processos sinápticos de aprendizagem e ampliando os processos de neuroplasticidade (KANDEL et al., 2014).
Importante a compreensão ainda de que, os mecanismos de formação neural são advindos da genética, mas sua construção de fato dar-se-á em função da interação com o meio, ou seja, a interação gene-ambiente (YANG et al., 2013). Esta relação da predisposição genética com fatores externos sofre interferência da epigenética, mecanismo responsável pela ativação ou desativação de genes, e determinadas funções que desempenham
um papel predominante no neurodesenvolvimento (PAPALIA; MARTORELL, 2022).
Tendo em vista que o contexto social é de grande importância nesse neurodesenvolvimento, propiciar um ambiente enriquecedor com estímulos benéficos, parece afetar positivamente o desenvolvimento, fortalecimento e manutenção de sinapses neste período crítico, bem como atenuar ou até evitar transtornos do neurodesenvolvimento por meio de mecanismos de neuroplasticidade (KANDEL et al., 2014; OBENG et al., 2021).
Nesta perspectiva, neste capítulo buscou-se identificar como os mecanismos neurobiológicos, a partir do contexto social, afetam a neuroplasticidade na infância.
NEUROBIOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO
À medida que as semanas de gestação vão avançando, o sistema nervoso vai se desenvolvendo pela proliferação dos neurônios, processo conhecido como neurogênese. As células continuam a se multiplicar e o cérebro aumentando de tamanho, consequentemente dando origem ao rombencéfalo, mesencéfalo e prosencéfalo, que em seguida transformam-se em mielencéfalo, metencéfalo, mesencéfalo, diencéfalo e telencéfalo (PINHEIRO, 2007).
Nesse sentido, a região do cérebro que se forma mais tardiamente é o córtex cerebral, por volta da oitava semana gestacional, a partir do prosencéfalo, sua maturação ocorre de forma gradativa e segue por vários anos após o nascimento (OEA, 2010). Tem áreas que são denominadas por lobos que constituem os dois
hemisférios cerebrais. Os lobos frontais são os primeiros a surgirem, mas os últimos a serem completamente maturados, estão relacionados ao controle das emoções, resolução de problemas, raciocínio e planejamento, coordenando o que conhecemos como funções executivas.
Funções executivas são o conjunto de processos mentais que, de forma integrada, permite o indivíduo direcionar comportamentos a metas, avaliar a eficiência e a adequação desses comportamentos, abandonar estratégias ineficazes em prol de outras mais eficazes e, assim, resolver problemas imediatos, de médio e de longo prazo. Orientam comportamentos fundamentais a situações de aprendizagem e funcionamento cotidiano; permitem o monitoramento e a regulação destes comportamentos. São pertinentes não apenas à cognição, mas habilidades fundamentais ao desempenho nos domínios comportamental e sócio emocional. As funções executivas dividem-se em três categorias: controle inibitório, memória de trabalho e flexibilidade cognitiva (DIAMOND, 2013).
O controle inibitório é o controle atencional, comportamental cognitivo e emocional, ele inibe tendências prévias e predisposições cognitivas e, sobretudo emocionais impulsivas, sendo fundamental para escolher reagir ou não (DIAMOND, 2013).
A Memória de Trabalho (MT) é responsável em manter a informação na mente e operar funcionalmente com ela, sendo fundamental para dar sentido às coisas ao passar do tempo. O sistema pré-frontal parietal que suporta a MT, permite selecionar e manter foco nas informações mantidas em mente. A literatura
ainda traz que um bom desenvolvimento da MT pode desencadear melhorias em outras habilidades como na atenção seletiva, com a qual as pessoas são mais ágeis em perceber e responder estímulos que estão armazenados na MT (DIAMOND, 2013).
A flexibilidade cognitiva é a capacidade do sujeito de se adaptar ao conhecimento adquirido para conseguir fornecer resposta alternativa a uma situação não vivenciada, sendo capaz de mudar as perspectivas espacial ou interpessoal. Está relacionada à mudança na forma de pensar sobre algo; envolve ser flexível a ponto de admitir que estava errado, de aproveitar oportunidades repentinas e inesperadas (DIAMOND, 2013).
Ainda no córtex, temos os lobos parietais, responsáveis pelas informações sensoriais como tato, dor, gustação, pressão, temperatura, enquanto que os lobos temporais correspondem pela audição, compreensão da linguagem, memória e aprendizagem. Por fim, os lobos occipitais são responsáveis pelas informações visuais, lobo da ínsula que está conectado ao sistema límbico, paladar e coordenação dos processos emocionais (CRESPI et al., 2020).
O cérebro é composto por neurônios que são divididos em dendritos (receptor da informação) e axônio (transmissor dos sinais químicos para outras células nervosas) (PINHEIRO, 2007).
É por meio dessas estruturas que ocorre a sinapse, conexão de um neurônio com outra célula nervosa para transmissão das informações. Entre os últimos meses de gestação até os dois anos de vida, se inicia um processo denominado de sinaptogênese (formação de sinapses) em que o número de sinapses aumenta e quanto
mais utilizadas mais se fortalecem e transmitem a informação de forma mais eficaz. A mielina é uma estrutura composta por proteína e gordura, que recobre os axônios atuando principalmente como isolante elétrico, que favorecerá a condução do impulso elétrico, processo conhecido como mielinização que acontece essencialmente após o nascimento (NCPI, 2014).
O conjunto desses processos, nos primeiros anos de vida, permite novas capacidades perceptivas, cognitivas e motoras como falar, sentar, engatinhar e caminhar (NCPI, 2014). Até os dois ou três primeiros anos após o nascimento têm-se, em média, a formação de 600 a 800 sinapses por segundo. No caso dos adultos, as sinapses já existem, estão interagindo entre si, tendo sua formação atenuada, mesmo que ainda exista, mas em pequena quantidade (KANDEL et al., 2014).
Temos ainda a apoptose, a qual caracteriza-se pela morte programada da célula, por exemplo o neurônio. Durante a formação da estrutura cerebral necessita-se a participação de milhares de neurônios, porém, ao longo da vida muitos deles não serão mais necessários ou não serão utilizados (KANDEL et al., 2014). Esse desuso neuronal acarreta em morte, isto é, um cérebro pouco estimulado tem maior quantidade de morte de suas células. Esse fenômeno denomina-se de poda e se aplica tanto para as sinapses quanto aos neurônios. Uma grande poda ocorre no primeiro ano de vida. Para que ela seja menos intensa é necessário que as sinapses e os neurônios sejam utilizados com frequência (KANDEL et al., 2014; OBENG, 2021).
A formação do cérebro depende da interação entre a predisposição genética e as interações ambientais em que o indivíduo é exposto (KANDEL et al., 2014; PEREIRA et al., 2016). A influência da experiência ocorre desde a fase intrauterina (KANDEL et al., 2014). No quinto mês de gestação, o bebê é capaz de ouvir e, logo mais, pode discernir entre doce e ácido, quando sua mãe ingere algum alimento. Então, é muito importante que, ainda durante a gestação, mãe e pai conversem com o bebê, cantem música para que ele comece a ser estimulado, para que essas sinapses comecem a funcionar ativamente (ARYA et al., 2012). Tamanha importância que estudos demonstram que a exposição da mãe à música pode influenciar a neurogênese e a plasticidade cerebral do feto por meio de mecanismos mediados por esteroides e pelo eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, beneficiando o comportamento neonatal (ZIMMER et al., 1982; ARYA et al., 2012).
A GENÉTICA DOS TRANSTORNOS DO NEURODESENVOLVIMENTO
O neurodesenvolvimento é um processo com muitas variáveis de vulnerabilidade, por isso, pode ser afetado tanto por questões ambientais, como por herdabilidade genética. A genética, portanto, tem grande influência no desenvolvimento uma vez que, os transtornos do neurodesenvolvimento têm, conhecidas e desconhecidas, características inerentes à genética individual. Entretanto, é na interação com os fatores ambientais que essas predisposições são fortalecidas ou enfraquecidas (LAVOR et al., 2021; SANTOS; MELO, 2018; FREITAS-SILVA; ORTEGA,
2016). Dentre os principais transtornos discutidos, destacam-se o Transtorno do Espectro Autista (TEA) e os distúrbios de aprendizagem, sendo o Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) o mais proeminente. Esses transtornos surgem nos primeiros anos de vida e geram um grau de comprometimento cognitivo, acarretando dificuldades que podem durar por toda vida, se não houver intervenção (RODRIGUES; REISDORFER, 2021).
O TEA é um transtorno do neurodesenvolvimento caracterizado por uma série de sintomas, de início precoce, que pode se apresentar de maneira diferente em cada indivíduo. As suas principais características são: comprometimento nas habilidades sociais, comportamentos estereotipados e alterações sensoriais (GRIESI-OLIVEIRA; SERTIÉ, 2017). Esse transtorno ainda não possui etiologia definida, mas estudos apontam (LAVOR et al., 2021; SANTOS; MELO, 2018; GRIESI-OLIVEIRA; SERTIÉ, 2017) que está ligada a fatores de origem genética hereditária, sendo considerada uma doença heterogênea e complexa, pois apresenta padrões de heranças e variantes genéticas casuais (GRIESI-OLIVEIRA; SERTIÉ, 2017). Anomalias cromossômicas já foram associadas ao autismo, mas os avanços permitiram detectar a existência de bases complexas e heterogêneas que resultam em fenótipos diferentes (SANTOS; MELO, 2018).
Apesar da causa ser fortemente ligada ao fator hereditário, Santos e Melo (2018) afirmam que a transmissão genética não se adequa às Leis Mendelianas, sendo assim, provavelmente não é um transtorno ligado ao cromossomo X de caráter dominante ou recessivo. Assim, presume-se que envolve diferentes genes em diferentes cromossomos, modificando-os de maneira moderada.
Além do TEA, destacam-se os distúrbios de aprendizagem, caracterizados como condições que podem afetar a aquisição, organização, retenção, compreensão ou aplicação de informações verbais e/ou não verbais. Dentre os principais distúrbios de aprendizagem, temos dislexia, discalculia, disgrafia e TDAH (DOMINGUEZ; CARUGNO, 2022).
O TDAH, por sua vez, é um transtorno do neurodesenvolvimento que pode ser caracterizado por déficits na manutenção da atenção, no manejo dos impulsos e no nível de atividade cerebral. O indivíduo com TDAH apresenta dificuldades em manter a atenção por ser muito agitado e inquieto (GRAEFF; VAZ, 2008).
De acordo com Cupertino (2019) pessoas com TDAH podem apresentar sintomas em diferentes graus que podem gerar prejuízos em diversos contextos de vida, como na família, na escola, no trabalho e no lazer. Os indivíduos geralmente apresentam prejuízos em múltiplos domínios sendo os principais: funções cognitivas e funções executivas.
Assim como o TEA, o TDAH não possui etiologia definida e, por isso, é considerado um transtorno de origem multifatorial, fortemente influenciado por fatores genéticos e apontado como um dos transtornos com maior grau de herdabilidade. Apesar disso, por sua causa ser heterogênea e de caráter poligênico com múltiplas variantes genéticas, poucos genes envolvidos foram identificados até então (CUPERTINO, 2019). Nesse sentido, o estudo realizado por Circunvis et al. (2017) evidenciou que alguns genes podem estar associados ao TDAH, mas os resultados foram divergentes e inconclusivos.
Portanto, embora muito se fale sobre a origem genética como causa para os transtornos do neurodesenvolvimento, como no caso do TEA e TDAH, não se pode desconsiderar os fatores ambientais, ou seja, o meio em que o indivíduo está inserido, como parte da causa multifatorial (SANTOS; MELO, 2018). Quando o indivíduo traz consigo a carga genética hereditária, o fator ambiental se torna algo determinante para o desenvolvimento ou não de transtornos. Logo, quanto mais “pobre” em estímulos é o ambiente, maiores são as chances de desenvolvimento de algum transtorno, assim como, o inverso também parece ocorrer, ambientes mais saudáveis e “ricos” em estímulos positivos promovem um melhor desenvolvimento.
INFLUÊNCIA DO CONTEXTO SOCIAL
NO DESENVOLVIMENTO: IMPACTOS NA
NEUROPLASTICIDADE
O ambiente no qual o indivíduo se insere interfere diretamente nos parâmetros do desenvolvimento físico, mental e social. Inclusive, é na interação com o meio que se promove o desenvolvimento das funções cognitivas. Noções e conceitos como neuroplasticidade permeiam a literatura acerca das influências que o meio pode ter no processo de desenvolvimento neural típico e atípico (MCEWEN; MCEWEN, 2017).
A neuroplasticidade é a capacidade de adaptação e respostas a estímulos, ou seja, o cérebro é uma estrutura adaptável, passível de sofrer mudanças e transformações. A plasticidade neuronal
se refere às alterações celulares, envolvendo os neurônios e suas sinapses, o que indica reorganizações de funções e estruturas do cérebro (BONFIM et al., 2019).
Os circuitos neurais são modelados de acordo com as demandas e experiências na formação de circuitos na vida embrionária e fetal e ocorre a partir de programações genéticas e estímulos bioquímicos. Essas programações ocorrem tanto no meio interno como com estímulos externos durante os últimos meses da gestação. A partir disso, ocorrem as sinapses de todas as funções cerebrais (KANDEL et al., 2014; BONFIM et al., 2019).
As funções da neuroplasticidade, ainda não estarão rígidas no processo de desenvolvimento das crianças, sejam elas com ou sem atraso do neurodesenvolvimento, com isso, elas terão a capacidade de aceitar positivamente as intervenções e interações com o meio e, consequentemente, esses estímulos ajudarão em seu processo de desenvolvimento, promovendo mudanças neurais (DE MARCO et al., 2021).
Nesse sentido, o contexto social de inserção das crianças é essencial para a promoção de neuroplasticidade, principalmente, se esta conecta-se com processos proximais promovendo ampliações em seu desenvolvimento (BONFIM et al., 2019; DE MARCO, 2021).
Convergindo a essa ideia de processo proximal em sistemas ambientais, o modelo bioecológico (BRONFENBRENNER; MORRIS, 2006) elucida que o desenvolvimento humano ocorre a partir da interação de sistemas sociais, sendo eles: microssistema, processos proximais face a face, como relações em casa, escola,
vizinhança e amigos; mesossistema, ambiente no qual ocorrem as relações entre dois ou mais ambientes em que o indivíduo coexiste (ex.: indivíduo convive com mesma pessoa na escola e na vizinhança); exossistema é o sistema em que dois ou mais ambientes, nos quais a criança não frequenta, mas que afetam ela (ex.: trabalho dos pais); macrossistema, é o maior sistema, o qual abrange a cultura e as crenças de uma população, interferindo diretamente nos demais sistemas, assim como, sofre interferência de todos eles.
Além disso, há o cronossistema, a dimensão temporal no contexto de vida da criança. Com isso, a dimensão temporal é a passagem do tempo que irá modificar e configurar mudanças nos diversos sistemas, sofrendo interferências e influências a partir dessas mudanças (DE MARCO et al., 2021; BRONFENBRENNER; MORRIS, 2006).
Sendo o contexto, com suas relações de bidirecionalidade tão influente nesse processo, ao privar o indivíduo em desenvolvimento desses estímulos externos, especialmente, quanto ao convívio social, o aprendizado se torna restrito e com isso poderá prejudicar as modificações sinápticas em prol dos ganhos no desenvolvimento (DE MARCO et al., 2021).
Almeida et al. (2021), ainda nos trazem acerca disso, que o isolamento social pode afetar áreas estruturais e conexões cerebrais que certamente impactam no desenvolvimento típico. Situações, como o isolamento social causado pela COVID-19, parecem ser extremamente maléficas para o desenvolvimento psicossocial, cognitivo e de mecanismos psicofisiológicos de enfrentamento ao estresse.
Sendo assim, o contexto social e a interação do indivíduo com o meio são fatores essenciais para a plasticidade, todavia, outros estímulos também tem a capacidade de afetá-la, como o uso de substâncias psicoativas, hormônios que influenciam no excesso de estresse (influência negativa), má alimentação, fatores genéticos, doenças mentais e lesões cerebrais, sendo todos esses capazes de resultar em perdas cognitivas. Esses fatores podem afetar a neuroplasticidade negativamente, porém outros fatores podem afetar positivamente, como o treinamento cognitivo e os mecanismos do estilo de vida saudável, especialmente o sono reparador, o exercício físico e a dieta saudável, que podem resultar em mudanças neuronais significativas. Isto é, tanto estímulos negativos como positivos têm grande influência nas modificações neuronais e processos de plasticidade neural, uma vez que o cérebro da criança é extremamente sensível a estímulos ambientais de qualquer valência (HÖTTING; RÖDER, 2013; BONFIM et al., 2019; KANDEL et al., 2014; PICKERSGILL et al., 2022).
Assim, podemos compreender que o contexto social e as experiências com o meio são de fundamental importância no processo de desenvolvimento e que contribuem na neuroplasticidade, visto que as disfunções quando não tratadas, podem resultar em deficiências nos processos de aprendizagem.
A INTERAÇÃO GENE-AMBIENTE EM
TRANSTORNOS DO NEURODESENVOLVIMENTO
Apesar das predisposições genéticas, designar variados aspectos da formação e desenvolvimento de um organismo, não é determinante para o surgimento e agravo de um transtorno do neurodesenvolvimento. Isso significa dizer que, “embora certos distúrbios físicos sejam praticamente 100% herdados, os fenótipos para a maioria dos traços normais, como aqueles relacionados à inteligência e a personalidade, estão sujeitos a um complexo conjunto de forças hereditárias e ambientais” (PAPALIA; MARTORELL, 2022, p. 61).
Diante disso, é importante pensar em como essa interação ocorre e como elas podem ou não implicar no desencadeamento de transtornos sejam eles adquiridos ou não geneticamente.
A epigenética consiste num mecanismo regulador, com a função de ativar e desativar genes pelo corpo, quando necessários ou acionados pelo ambiente (PAPALIA; MARTORELL, 2022).
Nesta perspectiva, Yang et al. (2013) investigaram as variantes de DNA comuns e raras associadas ao TDAH, e constataram que muitos dos transtornos surgem a partir da interação de fatores ambientais, sendo eles antes ou após o nascimento, e predisposição herdada.
Com isso, reforça-se a função da epigenética como moléculas químicas ou marcadores ligados a um gene que alteram a maneira como a célula “lê” o seu DNA (PAPALIA; MARTORELL, 2022). Essa ativação celular ocorre a partir dos diversos fatores
ambientais que acionam o gene referido. Por exemplo, o estresse pré-natal está associado à prematuridade, assim como, o nascimento com baixo peso (DONAHUE et al., 2006).
Diversos estudos vêm buscando identificar os efeitos das interações ambientais nos organismos. Estudos com macacos apresentam que a privação materna de contato social perturba a relação mãe-bebê, levando a importantes distúrbios emocionais e sociais e anormalidades comportamentais no bebê (SUOMI et al., 1976), bem como a privação do convívio com a mãe, no início da vida, causa alterações epigenéticas que deixam o animal mais vulnerável e com menor capacidade cognitiva (PROVENÇAL et al., 2012).
Aspectos envolvendo os primeiros anos de vida interferem no funcionamento da criança, acarretando consequências até a vida adulta. “Incidências de associações entre desenvolvimento infantil e fatores ambientais têm sido reportadas, muitas vezes mais fortemente que a própria vulnerabilidade biológica da criança, sugerindo que o ambiente é capaz de modular os riscos, os quais as crianças estão expostas” (PEREIRA, 2016, p. 60).
Diante desses fatores, é evidente a necessidade de investir em ambientes com reforçadores positivos, onde sejam criados mecanismos de enriquecimento do desenvolvimento e da aprendizagem. Sendo assim, identificar as predisposições genéticas é importante, no entanto, o fator essencial e de maior relevância é a promoção de ambientes saudáveis que protejam a dignidade e os aspectos essenciais ao desenvolvimento humano, tais como locais que oportunizem o lazer, com interações humanas saudáveis
entre os pares.
O ENRIQUECIMENTO AMBIENTAL COMO ALTERNATIVA PARA A NEUROPLASTICIDADE
Na busca de compreender mais sobre o funcionamento dos neurônios percebemos no sistema cognitivo mudanças estruturais e químicas que a partir de estímulos recebidos desafiam o cérebro a “aprender”, remodelando suas estruturas (BONFIM et al., 2019).
Avanços no campo da neurociência do desenvolvimento levaram a novos métodos para detecção precoce e tratamentos mais eficazes de TEA, proporcionando a detecção de bebês em risco para esse transtorno e a implementação de tratamentos precoces para alterar o curso de alterações comportamentais e cerebrais (DAWSON, 2008).
Estudos de intervenção comportamental intensiva precoce demonstram que uma intervenção iniciada na idade pré-escolar e mantida por 2 a 3 anos resulta em melhorias substanciais para um grande subconjunto de crianças com transtornos do neurodesenvolvimento, especialmente com TEA (COHEN et al., 2006; DAWSON, 2008). Ganhos são encontrados em Quociente de inteligência (QI), linguagem e colocação educacional. Intervenções comportamentais intensivas precoces bem-sucedidas são: (a) um currículo escolar abrangente com foco na imitação, linguagem, brincadeiras, interação social, comportamento motor e adaptativo; sensibilidade à sequência de desenvolvimento; (c) estratégias
de ensino e de suporte validadas empiricamente (análise do comportamento aplicada); (d) estratégias para reduzir comportamentos interferentes; (e) envolvimento dos pais; (f) transição gradual para ambientes mais naturalistas; (g) equipe transdisciplinar treinada; (h) mecanismos de supervisão e revisão; (i) entrega intensiva de tratamento (25h/ semana por pelo menos 2 anos); e (j) iniciação em 2–4 anos. Quando esses recursos estão presentes, os resultados são notáveis para até 50% das crianças (GREEN et al., 2002; DAWSON, 2008). Um modelo que apresenta intervenções ambientais no neurodesenvolvimento do autismo pode ser visto na figura 1 (adaptado de DAWSON, 2008).
Figura 1 – Modelo de desenvolvimento de fatores de risco, processos de risco e resultado no autismo.
Fonte: adaptado de Dawson (2008).
Esses recursos disponíveis no contexto, ao qual a criança se desenvolve, denominados na literatura como affordances (possibilidades de ação apresentadas pelo ambiente) (DAVIS et al., 2016), é que propiciam e estimulam o adequado desenvolvimento motor, cognitivo e socioemocional, culminando em alterações positivas na plasticidade neuronal (DAVIS et al., 2016; GONÇALVES, 2019).
Esse fator enriquecedor do ambiente demonstra ainda ter grande relevância nos aspectos de estilo de vida saudável do indivíduo. Estudos demonstram que ambientes que estimulam sono reparador, dieta saudável e prática regular de exercícios físicos tendem a gerar maiores níveis de neuroplasticidade no indivíduo (figura 2), o que acentua o adequado desenvolvimento típico, assim como, atenua quadros clínicos de transtornos do neurodesenvolvimento (HOTTINGK.; RODER, 2013; PICERKSGILL et al., 2022).
Figura 2 – Diagrama representando as influências individuais e combinadas de exercício, dieta e sono na neuroplasticidade.
Fonte: Pickersgill et al. (2022).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Compreende-se que o desenvolvimento do cérebro humano é um dos processos mais complexos que existem. Esse desenvolvimento também é carregado por alto fator de vulnerabilidade aos estímulos ambientais, os quais podem ser benéficos ou maléficos e, ambos afetam o neurodesenvolvimento, tendo em vista que esse processo ocorre em conjunto, ou seja, o cérebro tem seu desenvolvimento como fruto da interação entre a carga genética basal e as interações com o meio em que cada indivíduo está inserido.
Nesse sentido, mecanismos sociais são de grande valia para evitar diversos transtornos do neurodesenvolvimento, por meio do enriquecimento ambiental parece promover a neuroplasticidade, o que resguardará as sinapses e neurônios usuais, bem como melhor desenvolverá o cérebro, atenuando ou evitando diversos transtornos neuropsicológicos.
Diante disso, faz-se necessário a investigação continuada de como as variáveis sociais podem intervir nos mecanismos de neuroplasticidade, promovendo o refinamento de intervenções bem-sucedidas em diversos casos clínicos, melhorando a funcionalidade do cérebro e o processo de desenvolvimento de uma forma geral.
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2.
INFLUÊNCIA DOS FATORES
AMBIENTAIS NO DESENVOLVIMENTO
MOTOR INFANTIL
Ericka Montana da Silva
Martina Caroline Rodrigues Souza
Priscilla Christina Gomes dos Santos
Taíse de Almeida Moura Albuquerque Cavalcante
Jéssica Rodriguez Lara
INTRODUÇÃO
O desenvolvimento motor infantil compõe um processo sequencial de aquisição de habilidades de movimentos simples, organizados e complexos como resultado da interação entre os fatores biológicos e ambientais durante toda a infância. Durante esse período, ocorrem expressivos avanços nas habilidades motoras com rápido progresso, as quais possibilitarão o desenvolvimento da locomoção (ARAÚJO; RIBEIRO; ESPÍNDULA, 2015; ROSA et al., 2019; DUARTE et al., 2021; FERREIRA et al., 2020).
A primeira infância, também conhecida como os primeiros 1.000 dias, compreende desde a concepção até o fim do segundo ano de vida e é considerada o período de maior maturação cerebral, fundamental para o desenvolvimento cognitivo, socioemocional e motor, visto que os circuitos neurais são formados ou fortalecidos por meio das interações com o ambiente (KNYCHALA et al., 2018; DEFILIPO et al., 2021; TEIXEIRA et al., 2017; FERREIRA et al., 2021a).
A avaliação, no primeiro ano de vida, deve incluir não somente os aspectos biológicos, mas também a análise e o acompanhamento de determinantes ambientais. As características do ambiente onde a criança está inserida, bem como a qualidade da interação com ambiente, outras crianças e adultos tem impacto direto nos indicadores de desenvolvimento infantil. Em específico, o ambiente domiciliar proporciona oportunidades e estímulos que potencializam o processo de aprendizagem e aquisição de habilidades.
Assim sendo, a qualidade do ambiente pode reduzir riscos sociais e biológicos, trazendo benefícios ao longo de toda a vida (ARAÚJO; RIBEIRO; ESPÍNDULA, 2015; DUARTE et al., 2021; KNYCHALA et al., 2018; DEFILIPO et al., 2021; TEIXEIRA et al., 2017). Nesta perspectiva, neste capítulo são abordados fatores de risco para atraso no desenvolvimento motor infantil e fatores protetivos que envolvem o ambiente domiciliar.
FATORES AMBIENTAIS
O primeiro ano de vida é o período de aprendizagem das habilidades de arrastar, engatinhar, escalar e caminhar. E o ambiente tem papel importante no desenvolvimento motor, de tal forma que ambientes mais adequados proporcionam melhor desempenho motor, pelas oportunidades de vivências e experimentações na infância (KNYCHALA et al., 2018; DEFILIPO et al., 2021).
A interação entre ambiente e indivíduo é abordada na Teoria Ecológica que salienta a relação entre percepção e ação. Nesta teoria, está proposto o conceito de affordances, termo usado para descrever as oportunidades oferecidas pelo ambiente a um agente particular, as quais podem ser brinquedos, materiais, aparelhos, disponibilidade de espaço e estimulação, fornecidas pelos pais e familiares. Oportunidades do ambiente domiciliar são tão importantes quanto os fatores biológicos e podem gerar impacto positivo, imediato e a longo prazo, no comportamento motor e cognitivo das crianças. Assim sendo, é fundamental a identificação precoce de crianças expostas a fatores de risco e a avaliação
de seu desenvolvimento, a fim de minimizar prejuízos futuros (FERREIRA et al., 2021b; DELGADO et al., 2021).
Estudos demonstraram que dentre os fatores ambientais que podem influenciar o desenvolvimento motor, destacam-se as características do domicílio, como espaço físico e disponibilidade de brinquedos, bem como o perfil familiar, que envolve as condições econômicas, nível de escolaridade, idade dos pais, dinâmica familiar, as relações familiares e a variabilidade de estimulação oferecida pelos pais/cuidadores. Nesse período, a família é a principal responsável por promover os cuidados com a criança, qualidade do ambiente e forte contribuinte para o desenvolvimento motor adequado. Em conjunto, esses fatores proporcionam aprendizado e trazem benefícios para o desenvolvimento infantil (KNYCHALA et al., 2018; DEFILIPO et al., 2021; FERREIRA, et al., 2021a).
O impacto de fatores ambientais sobre o desenvolvimento infantil tem sido estudado em crianças com desenvolvimento típico e atípico. Crianças que apresentam algum comprometimento motor e vivem em ambientes enriquecidos, com estimulação cognitiva e sociocomportamental, apresentam melhores prognósticos quando comparadas àquelas que crescem em condições adversas (CORREA; MINETTO; CREPALDI, 2018; TEIXEIRA et al., 2017). Assim sendo, compreender o desenvolvimento a partir de suas relações, permite ofertar à criança o cuidado centrado na família, em suas potencialidades e investir em fatores protetivos.
O AMBIENTE
No primeiro ano de vida, a configuração estrutural do ambiente doméstico deve ser elemento de atenção para promover o desenvolvimento motor adequado. Um ambiente familiar favorável oferece às crianças meios para desenvolver comportamentos motores adaptativos, a partir da exploração do ambiente onde vivem, principalmente com a ação efetiva de um mediador (CORREA; MINETTO; CREPALDI, 2018; DUARTE et al., 2021; DELGADO et al., 2020).
Paula e colaboradores (2019) afirmam que o vínculo com a mãe exerce importante papel para a aquisição de habilidades motoras, em conjunto com o crescimento e amadurecimento cerebral que acompanham o desenvolvimento infantil. Defendem ainda que, apesar de se tratar de um processo complexo amparado na dimensão biológica e psicoafetiva, este depende estritamente do ambiente para seu florescimento.
O questionário Affordances in the home environment for motor development – Infant Scale (AHEMD-IS) é uma avaliação das oportunidades no ambiente domiciliar. Com versão validada para a população brasileira e direcionado aos pais, para que respondam pensando no que realmente existe ou acontece no seu ambiente familiar que incentiva a movimentação ativa e o brincar do bebê. Esse questionário foi construído com intuito de ajudar os pais a aprenderem, de uma maneira simples, novas formas de estimular o desenvolvimento infantil. É composto de 35 itens distribuídos em uma parte inicial com questões sobre o bebê e a família, seguida de três outras partes: espaço físico, atividades
diárias e brinquedos existentes na residência (MELO et al., 2019; KNYCHALA et al., 2018; CAÇOLA et al., 2015; SILVA; BRAGA, 2021).
Na dimensão espaço físico na residência, considera-se os espaços internos e externos, espaço livre para o brincar e locomoção, diferença entre pisos para recepção de estímulos táteis diferentes, bem como a existência de barreiras e/ou facilitadores arquitetônicos que proporcionem à criança novas experiências de exploração, por exemplo, rampas, escadas, mobílias, dentre outros (CAÇOLA, 2015).
Na dimensão atividades diárias, as perguntas são relacionadas ao brincar livre e direcionado, com crianças e outros adultos, porém referentes somente ao tempo em que está em casa, não considerando o tempo em que a criança está na creche ou escola. Nessa parte, podemos observar inferências à inclusão de estímulos na própria rotina de cuidados com a criança, envolvendo brincadeiras simples durante as atividades com intuito de promover o reconhecimento corporal e a imitação motora (CAÇOLA, 2015).
Sobre os brinquedos existentes na residência, refere-se aqueles que estimulam a coordenação motora grossa e fina, separadamente, relacionando-os pela quantidade existente, de acordo com a faixa etária da criança. No instrumento, existem figuras ilustrativas para facilitar a compreensão dos pais sobre a diferença de cada categoria, sendo consideradas as diversas texturas, cores, formas e tamanhos desses brinquedos (CAÇOLA, 2015).
Ao utilizar o questionário AHEMD-IS com 83 famílias e seus lactentes com HIV, Ferreira e colaboradores (2021a) descreveram
que as oportunidades do ambiente domiciliar foram promotoras do desenvolvimento motor infantil, em diferentes culturas, a exemplo do Japão, Líbano, Estados Unidos, Portugal e Brasil, países em que foram feitas tradução, validação e adaptação transcultural do instrumento (FERREIRA et al., 2021b).
VARIEDADE DE ESTÍMULOS
As disfunções motoras são os primeiros marcadores observáveis de alterações no desenvolvimento, principalmente, em idades mais precoces. Portanto, para otimizar os ganhos motores é imprescindível que as crianças recebam estímulos positivos, desde o nascimento, visto que os primeiros anos de vida constituem o período de maior plasticidade neural. Destacando-se que a variedade na oferta dos estímulos no ambiente tem papel importante para minimizar possíveis atrasos do desenvolvimento (PAULA et al., 2019; KNYCHALA et al., 2018).
Defilipo e colaboradores realizaram um estudo em Minas Gerais, no ano de 2021, com 37 lactentes típicos e verificaram que as oportunidades presentes no domicílio dos participantes foram consideradas insuficientes para o desenvolvimento motor, de acordo com o questionário AHEMD-IS, mostrando predomínio de inadequadas estruturas arquitetônicas nas residências e inexistência de materiais apropriados para estimular o desenvolvimento da motricidade grossa e fina dessas crianças.
Analisando cada dimensão separadamente, observou-se que no espaço físico, as oportunidades mostraram-se insatisfatórias
aos 3 e 6 meses de idade, ou seja, período de maior dependência dos bebês, que maioria da vezes, permanecem restritos ao colo do adulto, uso de cadeirinhas, carrinhos e/ou no próprio berço. Na dimensão variedade de estimulação, as oportunidades foram insatisfatórias aos 9 e 12 meses. Nessa faixa etária, as crianças apresentam maior mobilidade, necessitando também de maior supervisão do adulto, que provavelmente diminui a oferta de brincadeiras diárias por sobrecarga do cuidador principal, geralmente as próprias mães (DEFILIPO et al., 2021).
Na dimensão brinquedos de motricidade grossa, observou-se oportunidades insatisfatórias aos 3 e 9 meses. E por fim, na dimensão brinquedos de motricidade fina, as oportunidades de estimulação do ambiente foram consideradas insatisfatórias aos 3, 6 e 12 meses de idade (DEFILIPO et al., 2021). Possivelmente, isso aconteceu pelo não conhecimento dos pais sobre a indicação e a diferença entre essas categorias de brinquedos, ou ainda por não acreditarem na necessidade de ofertar determinados brinquedos nas faixas etárias mais novas. Aos 12 meses, a maioria das crianças conseguem se deslocar de forma independente, seja por meio da marcha ou através do engatinhar, não sendo mais necessário a oferta de brinquedos por parte do adulto, a própria criança vai ao encontro do seu objeto de interesse, brincando até com outros objetos do ambiente.
As rotinas com brincadeiras e atividades, assim como, a oferta de brinquedos e livros parecem favorecer um ambiente apropriadamente estimulante. Acrescenta-se ainda que a presença do companheiro da mãe ou pai interfere positivamente na qualidade da estimulação disponível no ambiente familiar, ao proporcionar
maior segurança no desempenho da função materna (SANTOS et al., 2021). Fato defendido também por Zago e colaboradores (2017) que afirmam existir uma relação positiva, no ambiente domiciliar, no que diz respeito à receptividade dos pais.
Defilipo et al. (2021) também afirmam que ambientes domiciliares que favorecem o acesso a equipamentos estimulantes, ou seja, que possuem brinquedos disponíveis, podem oferecer estímulos mais adequados para o desenvolvimento motor, pois o uso de brinquedos apropriados pode estimular novas e variadas ações motoras, auxiliar a coordenação olho e mão e favorecer o desenvolvimento de habilidades manipulativas. Achados que divergem dos encontrados por Zago e colaboradores (2017), que não identificaram a oferta de brinquedos como fator preditivo para desenvolvimento neuropsicomotor típico das crianças.
Já Knychala e colaboradores, em 2018, ressaltaram a importância de produzir e ofertar recursos educativos e terapêuticos para potencializar ações presentes nos serviços de acompanhamento de saúde, especialmente, com ações de orientação aos pais. Corroborando com Silva e Braga (2021) que concluíram ser necessário fornecer orientações às famílias quanto a alternativa para que os domicílios sejam ambientes mais favoráveis ao desenvolvimento de lactentes e crianças. Sugere-se que estimulação domiciliar apoiada pelo treinamento prévio dos pais e suporte informacional resulte em melhor desempenho motor infantil e se mantenha em níveis adequados (ARAÚJO; RIBEIRO; ESPÍNDULA, 2015).
CARACTERÍSTICAS FAMILIARES
RENDA FAMILIAR
Além do ambiente familiar, a adequação da estrutura familiar à renda mensal, incluindo o número de filhos, também representa a viabilidade dos recursos básicos para o pleno desenvolvimento de seus membros (PAULA et al., 2019; FERREIRA et al., 2021b).
Sugere-se que o nível socioeconômico da família está associado ao maior acesso à informação sobre as vantagens nas variedades dos brinquedos e seus recursos (DEFILIPO et al., 2021).
As famílias que possuem maior renda podem oferecer residências com melhor espaço físico e apresentam melhores condições financeiras para a aquisição de brinquedos, experiências em lazer, além de maior acesso à informação e conhecimento sobre fatores que podem influenciar o desenvolvimento motor, sendo capazes de fornecer melhores estímulos para os filhos e melhores condições gerais para toda a família (DEFILIPO et al., 2021; DELGADO et al., 2020; KNYCHALA et al;, 2018).
Segundo Paula e colaboradores (2019), os núcleos familiares representados por mães que vivem sozinhas com seus filhos são ambientes familiares mais vulneráveis tanto do ponto de vista econômico como dos cuidados relativos à criança. Ao estudar as relações entre ambiente, nível socioeconômico e desempenho motor, utilizando o instrumento Home Observation for Measurement of the Environment (HOME), Zago e colaboradores (2017) constataram que o nível socioeconômico e as affordances domiciliares
explicam um percentual muito baixo do desempenho motor infantil, sugerindo que os brinquedos das crianças estudadas poderiam não ser os mais adequados para faixa etária.
Nos estudos realizados com o instrumento AHEMD-IS, foi evidenciada a influência do nível socioeconômico na disponibilidade de brinquedos e materiais de jogos. As crianças de famílias com maior renda apresentaram melhor desempenho nas habilidades motoras finas e grossas em comparação às de famílias com menor renda, o que pode ser explicado pela maior oferta de brinquedos adequados. As famílias que possuem melhor classificação socioeconômica, normalmente, conseguem atingir um nível adequado para essa escala (KNYCHALA et al., 2018 e DEFILIPO et al., 2021).
No estudo de Silva e Braga (2021) os domicílios do grupo de lactentes apresentaram melhores oportunidades para o desenvolvimento motor que o domicílio de crianças maiores. A idade cronológica e a classe econômica se relacionaram com melhores affordances disponibilizadas nos ambientes domiciliares, provavelmente, pelo fato desses lactentes realizarem acompanhamento ambulatorial e seus pais receberem constantemente orientações quanto à oferta de estimulação adequada para facilitar o desenvolvimento infantil, principalmente no primeiro ano de vida.
Ao realizar uma revisão bibliográfica com intuito de analisar os resultados de estudos que utilizaram o instrumento AHEMD-IS, no ambiente domiciliar, para o desenvolvimento motor, Ferreira e colaboradores (2021b) concluíram que condições socioeconômicas melhores e a maior escolaridade dos pais tiveram correlação
significativamente positiva para o desenvolvimento das crianças participantes.
ESCOLARIDADE DOS PAIS
Duarte e colaboradores (2021) afirmam que outro fator associado a baixa estimulação domiciliar é a educação dos pais. Sugerem que para muitas famílias, renda e educação são as principais restrições ambientais que podem impactar os estímulos presentes no ambiente doméstico, incluindo a disponibilidade de brinquedos. A melhor educação parental, especialmente, a educação materna, pode desempenhar um papel importante no desenvolvimento infantil (DUARTE et al., 2021; DEFILIPO et al., 2021; FERREIRA et al., 2021b).
A baixa escolaridade parental é apontada como possível fator de influência negativa na qualidade da estimulação que a criança recebe no ambiente familiar, seja pela dificuldade de organização do ambiente doméstico para favorecer a estimulação motora dos filhos e/ou limitação na compreensão das orientações feitas pelos profissionais de saúde. O desenvolvimento infantil ocorre com melhor qualidade quando se orientam os pais a estimularem as crianças de maneira correta no ambiente domiciliar e de forma precoce (DEFILIPO et al., 2021; TEIXEIRA et al., 2017; DUARTE et al., 2021; KNYCHALA et al., 2018).
IDADE
Com relação a idade dos pais, sobretudo a idade materna, existe contradição na literatura, estudos mostram que a idade materna avançada pode ter relação negativa com a variedade de estímulos ofertados, ou seja, quanto maior a idade materna menor a diversidade dos estímulos e, consequentemente, menor desempenho motor. Tal condição pode ser evidenciada por diferentes fatores, dentre eles, destacam-se as demandas de tarefas domésticas e os cuidados com as crianças, principalmente com as mais novas (lactentes) (KNYCHALA et al., 2018; FERREIRA et al., 2021a).
Por outro lado, a menor idade materna também pode ser considerada fator de risco para o atraso motor em crianças, pois muitas mães declaram não incentivar seus filhos por falta de conhecimento ou por não acharem necessário nas idades mais precoces. Deixando essas crianças restritas de envolver-se socialmente e culturalmente ou limitadas em seus berços, cadeirinhas, colo e/ ou andador infantil (KNYCHALA et al., 2018; FERREIRA et al., 2021a).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O ambiente no qual a criança está inserida apresenta grande influência no desenvolvimento infantil em diversos domínios, incluindo o motor. As orientações oferecidas às famílias parecem favorecer o entendimento sobre o desenvolvimento infantil,
podendo ser uma estratégia promissora para minimizar possíveis fatores de risco para atraso do desenvolvimento e/ou proporcionar o enriquecimento ambiental, como forma de estimular o desenvolvimento típico. Alguns ajustes no ambiente físico e/ou na rotina diária das famílias podem promover o estímulo adequado, através do brincar, destacando a importância das relações pessoais e afetivas.
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3.
INFLUÊNCIA DO AMBIENTE
DOMICILIAR NO DESENVOLVIMENTO
INFANTIL NOS PRIMEIROS ANOS DE VIDA
Valeria Ferreira Pereira Souza
Yara Ticiana de Sousa Ribeiro Campelo
Katiúscia Marques de Paulo Maranho
Willeilane Rolim Sousa Lima
Paulo José Bezerra Lima
Natalia Trindade de Souza
INTRODUÇÃO
O desenvolvimento humano é caracterizado como um processo de mudanças, contínuo e dinâmico, que se inicia na concepção e continua por toda a vida (BRASIL, 2012; PAPALIA; FELDMAN, 2013; FIGUEIRAS et al., 2015). Os 2 primeiros anos de vida é um período de grandes oportunidades para o desenvolvimento, mas também de vulnerabilidade quando o indivíduo está exposto a fatores de risco (CLARK et al., 2020). As primeiras experiências vividas na infância estabelecem a base do desenvolvimento e seus efeitos são mais intensos neste período (KOLB; MYCHASIUK; GIBB, 2014; ISMAIL; FATEMI; JOHNSTON, 2016; CIONI et al., 2016).
O desenvolvimento infantil não depende apenas do sistema nervoso central, mas emerge da interação de vários fatores, tais como, biológicos, relacionais, afetivos, simbólicos, contextuais e ambientais (ISMAIL, FATEMI; JOHNSTON, 2016; CIONI et al., 2016). O ambiente domiciliar é o principal contexto, no qual a criança está inserida nos primeiros anos de vida, desta forma, quando empobrecido, diminui as possibilidades de exploração e, consequentemente de aprendizagem, podendo resultar em déficits motores, cognitivos e na linguagem (BRASIL, 2012).
Nesta perspectiva, este capítulo visa contribuir para o conhecimento mais aprofundado sobre a relação do ambiente domiciliar e o desenvolvimento infantil, além dos efeitos e das consequências da ausência de um ambiente enriquecido para o desenvolvimento das crianças.
DESENVOLVIMENTO INFANTIL E AVALIAÇÃO
DO AMBIENTE
DESENVOLVIMENTO INFANTIL
O desenvolvimento infantil é um processo vital que engloba crescimento, maturação e aprendizagem, com modificações quantitativas e qualitativas no funcionamento do indivíduo (SIGAUD; VERÍSSIMO, 1996). E este processo emerge da interação de fatores biológicos, ambientais e sociais (HALPERN et al., 2000; BISCEGLI et al., 2007), como gravidez saudável, boa nutrição e sono de qualidade (CLARK, 2020).
Condição socioeconômica desfavorável, baixo nível de escolaridade dos pais e a ausência de oportunidades disponibilizadas à criança (estímulos psicossociais insuficientes) têm sido relatados como fatores de risco para desenvolvimento infantil (NEVES et al., 2016).
Bronfenbrenner (1996) descreve a partir de uma perspectiva ecológica, o contexto dividido em 3 elementos: o microssistema, como a família e a escola, nos quais a criança está diretamente envolvida; ecossistemas como, por exemplo, o trabalho dos pais e macrossistemas como a cultura ética e a sociedade em que a família está inserida. Nesta perspectiva, compreende-se que o desenvolvimento infantil, vai além da própria criança e dos padrões desenvolvimentais intrínsecos que possam existir. Desde o nascimento, o cérebro está em constante evolução por meio de sua inter-relação com o ambiente. A criança percebe o mundo pelos
sentidos, age sobre ele, e esta interação se modifica ao longo de seu desenvolvimento (SOUZA et al., 2008). Segundo Shonkoff; Boyce e Mcewen (2009), nos primeiros anos de vida da criança, os circuitos neurais do cérebro são formados e fortalecidos por meio de estímulos, relações de vínculo e estabelecem as bases para o desenvolvimento ao longo da vida. A saúde física e emocional, as habilidades sociais e as capacidades cognitivo-linguísticas emergentes, nessa fase, são pré-requisitos importantes para o sucesso na escola, no ambiente de trabalho e na comunidade.
Estima-se que 250 milhões de crianças menores de 5 anos em países de baixa e média renda correm o risco de não atingirem o seu potencial no desenvolvimento. Para que as crianças apresentem um desenvolvimento saudável, necessitam de carinho e cuidados quanto à saúde, nutrição, segurança e oportunidades de aprendizagem (WHO, 2018). Assim, os profissionais da saúde devem ter uma visão a longo prazo e a compreensão da importância de atuar sobre fatores de risco biológicos, ambientais e psicossociais, além da identificação e intervenção precoce em casos de atraso do desenvolvimento.
INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO INFANTIL E DO AMBIENTE
A mensuração da quantidade e qualidade das oportunidades no ambiente domiciliar e sua influência no desenvolvimento infantil com instrumentos validados é imprescindível para identificar fatores de risco ambiental.
“AFFORDANCES IN THE HOME ENVIRONMENT FOR MOTOR DEVELOPMENT” (AHEMD)
O projeto “Affordances in The Home Environment for Motor Development”(AHEMD) foi desenvolvido pela colaboração entre o Instituto Politécnico de Viana do Castelo, em Portugal, e o Laboratório de Desenvolvimento Motor da Texas A & M University. O AHEMD trata-se de um instrumento de autorrelato aplicado aos cuidadores para avaliar a quantidade e a qualidade do ambiente doméstico. E apresenta duas versões de acordo com a faixa etária da criança (CAÇOLA et al., 2015).
Rodrigues (2005) desenvolveu, inicialmente, o “Affordances in The Home Environment for Motor Development - Self-Report” (AHEMD-SR) validado para crianças, entre 18 e 42 meses, no qual a parte inicial é destinada à identificação das características da criança e da família, seguida de 67 perguntas sobre o ambiente. A parte de avaliação do ambiente domiciliar é subdivida em espaço exterior, espaço interior, variedade de estimulação, materiais de motricidade fina e materiais de motricidade grossa. Este instrumento foi traduzido para o português e validado para a população brasileira por Caçola et al. (2011).
Ao identificar a necessidade de avaliar os fatores no ambiente doméstico que potencialmente afetam o desenvolvimento motor infantil foi formulada a “Affordances in The Home Environment for Motor Development - Infant Scale” (AHEMD-IS) para lactantes de 3 a 18 meses (CAÇOLA et al., 2015). Esta versão conta com a parte inicial destinada à identificação das características da criança e da família, seguida de 32 perguntas sobre o ambiente
para crianças de 3 a 11 meses e 41 perguntas para crianças com mais de 12 meses (CAÇOLA et al., 2015).
“HOME OBSERVATION FOR MEASUREMENT OF THE ENVIRONMENT” (HOME)
O Inventário “Home Observation for Measurement of the Environment” (HOME) é um instrumento de avaliação baseado em entrevista e observação direta do ambiente familiar (MARTURANO, 2006). O instrumento é subdividido em 4 versões, de acordo com a faixa etária, o “Infant Toddler” (IT-HOME) para crianças menores de 3 anos; o “Early Childhood” (EC-HOME) para 3 a 5 anos; “Middle Childhood” (MC-HOME), 6 a 9 anos e “Early Adolescent” (EA-HOME) para crianças de 10 a 14 anos (MACEDO et al., 2010).
Macedo et al. (2010) aponta que o inventário HOME (em suas versões) é vastamente utilizado para avaliar o ambiente domiciliar, tanto em pesquisas como em intervenções na Europa, América do Norte, América do Sul, Ásia, África e Austrália.
A versão IT-HOME do instrumento apresenta 45 itens, subdivididos em 6 subescalas (MACEDO et al., 2010) e de acordo com Totsika e Silva (2004) o EC-HOME é composto por 55 itens que são agrupados em 8 diferentes subescalas. Não foram encontradas, na literatura, pesquisas nas quais as subescalas são avaliadas nas versões MC-HOME e EA-HOME.
INVENTÁRIO DE RECURSOS DO AMBIENTE FAMILIARRAF
O Inventário de Recursos do Ambiente Familiar (RAF) é um instrumento de entrevista semiestruturada com perguntas abertas e itens de múltipla escolha,validado para a população brasileira (DOURADO; CARVALHO; LEMOS 2015; MARTURANO, 2006). Esse inventário foi elaborado para avaliar os recursos do ambiente familiar que podem contribuir para o aprendizado acadêmico nos anos do ensino fundamental (GUIMARÃES et al., 2013). É constituído por dez partes, as quais avaliam atividades que a criança realiza (no domicílio, passeios), brinquedos, recursos (livros, jornais, revistas), rotina e interação com os pais (MARTURANO, 2006).
Marturano (2006) cita 3 limitações importantes deste instrumento que são: não relata recursos familiares favorecedores do progresso acadêmico; discrimina melhor ambientes pouco estimuladores, o que pode se dar ao fato do instrumento ter sido construído com foco em crianças com queixas escolares e o fator socioeconômico, nos resultados, não são adequadamente dimensionados.
A INFLUÊNCIA DO AMBIENTE NOS DIFERENTES
DOMÍNIOS DO DESENVOLVIMENTO INFANTIL
DESENVOLVIMENTO MOTOR
Desenvolvimento motor é definido como um processo permanente de alteração no nível de funcionamento de um indivíduo. Ele abrange as necessidades biológicas, ambientais e ocupacionais, além das habilidades motoras. A aquisição de alguma habilidade irá depender da exigência da tarefa, resultando da interação entre o indivíduo (fatores biológicos, hereditariedade) e o ambiente (fatores de experiência e aprendizagem). Esses fatores podem ser transformados um pelo outro (HENDERSON; SUGDEN; BARNETT, 2007; GALLAHUE; OZMUN, 2005).
Nos anos iniciais de desenvolvimento, o ambiente domiciliar compõe um dos primeiros meios de experiência motora, pois é quando a criança passa a maior parte do seu tempo e, por isso, a disponibilidade de estímulos como brinquedos, livros e jogos são indicadores de qualidade global do ambiente (SILVA et al., 2017).
A maioria das crianças não aprendem os movimentos fundamentais automaticamente. O aprendizado envolve fatores, tais como, oportunidades práticas, encorajamento, instruções e condições ambientais para realizar a tarefa (GALLAHUE; OZMUN, 2005). Investigações sobre o desenvolvimento infantil sugerem que um ótimo nível de desenvolvimento acontece em ambientes favoráveis. Nesse sentido, a habitação familiar constitui agente primordial para a aprendizagem e as oportunidades oferecidas
à criança potencializam o desenvolvimento das habilidades (GABBARD; CAÇOLA; RODRIGUES, 2008; RODRIGUES 2005).
DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM E COMUNICAÇÃO
No desenvolvimento da linguagem, há diferenças individuais, tanto no processo de aquisição quanto na velocidade e qualidade, sendo complexo e dependente de diversos fatores, que compreendem desde maturação neuropsicológica, afetividade, desenvolvimento cognitivo até contextos nos quais a criança está inserida (LIMONGI, 2003). Os 3 primeiros anos de vida são considerados os mais importantes para o desenvolvimento das habilidades linguísticas, pois esse é o período crítico de maturação do sistema nervoso (CARABOLANTE; FERRIANNI, 2003).
A linguagem é um importante elemento para o desenvolvimento e aprendizagem e está relacionada às atividades praticadas de acordo com o contexto cultural em que o indivíduo se desenvolve. Consequentemente, a história da sociedade na qual a criança se desenvolve e a história pessoal dessa criança são fatores cruciais que vão determinar sua forma de pensar. Neste processo de desenvolvimento cognitivo, a linguagem tem papel fundamental na determinação de como a criança vai aprender a pensar, uma vez que formas avançadas de pensamento são transmitidas à criança por meio de palavras (VYGOTSKY, 1989).
A escrita é considerada um sistema de representação da linguagem, cuja aprendizagem significa a apropriação de um novo objeto de conhecimento. A percepção dos sons, durante a produção
da linguagem oral, influencia diretamente o desenvolvimento da leitura e da escrita (CAPELLINI; OLIVEIRA, 2003). As crianças que apresentam dificuldades em processar os estímulos sonoros da fala poderão se deparar com obstáculos na segmentação e manipulação da estrutura fonológica da linguagem e, consequentemente, estarão sujeitas a apresentar dificuldades de leitura e escrita (CHERRY; RUBINSTEIN, 2006; DOUGHTERTY et al., 1998).
No caso de crianças menores que 3 anos, as dificuldades de linguagem podem decorrer de alterações no processo de desenvolvimento da expressão e recepção verbal. Por isso, a identificação precoce dessas alterações no curso do desenvolvimento evita posteriores consequências educacionais e sociais desfavoráveis (PRATES; MARTINS, 2011). A perda auditiva, nos 3 primeiros anos de vida, compromete não apenas a aquisição da linguagem, nesse período crucial, mas também o futuro aprendizado escolar da criança (LIMA-GREGIO; CALAIS; FENIMAN, 2010).
Neste contexto, merece destaque o desenvolvimento infantil na perspectiva da rede de significações que contempla a abordagem do desenvolvimento humano tendo como referência a análise da situação e a interação estabelecidas entre as pessoas. Assim, entende-se o desenvolvimento humano como um processo que envolve a construção das interações que as pessoas estabelecem em cenários específicos (BARROS; CRUZ, 2013). E cabe à família prover um ambiente favorável, estímulos adequados e material de aprendizagem (CARABOLANTE; FERRIANNI, 2003).
DESENVOLVIMENTO COGNITIVO E DAS FUNÇÕES
EXECUTIVAS
O desenvolvimento cognitivo está relacionado a habilidades cerebrais/mentais (como pensamento, raciocínio, abstração, memória, etc.) necessárias para adquirir o conhecimento sobre o mundo (SANTOS, 2016). As funções executivas englobam um conjunto dessas habilidades cognitivas complexas, sendo definidas como habilidades mentais importantes para aprendizagem, pensamento e reflexão, foco do pensamento, controle das interferências do ambiente, permitindo a interação com o mundo de forma mais adaptativa (TOMAZ; LÉON, 2021; DIAMOND, 2013).
O desenvolvimento das capacidades cognitivas ocorre progressivamente, conforme o amadurecimento infantil e interação com o ambiente (PEREIRA et al., 2021).
Durante a infância e o período pré-escolar, os componentes das funções executivas se desenvolvem, constituindo base crítica para o desenvolvimento de processos cognitivos superiores até a idade adulta (GARON; BRYSON; SMITH, 2008). A família ao fornecer suporte parental, experiências variadas e de qualidade e ao proporcionar a interação com adultos e crianças será estimuladora e protetora desse processo (MARTURANO, 2006).
A qualidade da interação e dos cuidados parentais, durante os primeiros anos de vida, influenciam o desenvolvimento e o funcionamento cerebral da criança. Bradley e Corwyn (2002) afirmam que a escolaridade materna tem impacto sobre o desenvolvimento cognitivo de crianças por meio de fatores como organização do ambiente, expectativas e práticas parentais, experiências
com materiais para estimulação cognitiva e variação da estimulação diária.
Pereira et al. (2021) em um estudo transversal analítico, foram avaliadas 103 famílias, das quais, resultaram avaliação de 104 crianças de idades entre 24 a 42 meses. Essas famílias foram subdivididas em diferentes níveis econômicos, de acordo com o Critério Econômico do Brasil. Assim, 7 crianças pertenciam a família na categoria A; 24 na categoria B; 21 na categoria C1; 27 na categoria C2; e 24 na categoria D-E. Neste estudo, foi utilizada a escala Bayley III para avaliação do desenvolvimento infantil e o Inventário de Recursos do Ambiente Familiar para avaliar a qualidade do ambiente da criança. De acordo com os resultados do estudo, os níveis econômicos mais baixos (C2, D e E), tipo de creche pública, menor escolaridade materna e paterna foram associadas ao desenvolvimento cognitivo abaixo da média das crianças avaliadas.
Além disso, os passeios e viagens realizados pela criança, assim como a maior disponibilidade de brinquedos e materiais (recursos do ambiente familiar) foram relacionados a melhores escores no teste de desenvolvimento cognitivo. As variáveis recursos do ambiente familiar e nível econômico foram consideradas preditoras significativas para distinção entre crianças com desenvolvimento cognitivo abaixo e acima da média. As crianças com mais recursos disponíveis no seu domicílio apresentaram 39,8 vezes mais chance de terem um melhor escore no teste de desenvolvimento cognitivo, assim como, crianças de famílias classificadas nos níveis A, B e C1 apresentaram 2,96 vezes mais chance de terem melhores resultados no teste cognitivo (PEREIRA et al., 2021).
Souza et al. (2021), em uma revisão sistemática encontrou uma relação significativa entre práticas parentais e desenvolvimento das funções executivas durante a infância. Achado que corrobora aos da revisão realizada por Doellinger et al. (2017), na qual conclui que um estilo parental imprevisível e desorganizado limita o desenvolvimento da capacidade de autorregulação e autonomia da criança, fundamentais para as funções executivas. Diante do exposto, fatores ambientais, tais como, escolaridade dos pais, menor espaço físico, brinquedos e tempo de interação com as crianças, podem ser associados ao desenvolvimento cognitivo e das funções executivas.
ENRIQUECIMENTO AMBIENTAL
O ambiente em que a criança está inserida afeta diretamente a sinaptogênese e permite a plasticidade neural positiva ou negativa. A neurociência mostrou a estreita relação entre o grau de enriquecimento ambiental e processos neurobiológicos, referindo que o enriquecimento ambiental é primordial para o desenvolvimento infantil (LIPKIN; MACIAS, 2020).
Para Haywood e Getchell (2004), o desenvolvimento do indivíduo depende da inserção em contextos apropriados como o contexto de ensino, ambientes que promovam motivação, desenvolvimento neurológico, bem como condições sociais e culturais. A interação dinâmica entre os atributos pessoais e o contexto em que o desenvolvimento se dá, ao longo do tempo, está inserida na teoria bioecológica de Bronfenbrenner (BRONFENBRENNER, 2005).
No estudo de Mancini et al. (2004), o ambiente domiciliar foi apontado como o fator extrínseco que mais influencia o desenvolvimento infantil. Segundo Rodrigues Gabbard (2007) as características da casa, primeiro ambiente vivenciado pelo lactente no início da vida, a interação com os pais, a variabilidade de estimulação e a disponibilidade de brinquedos são indicadores críticos para a qualidade do ambiente domiciliar.
Pesquisas apontam que quanto maior a escolaridade da mãe, melhor a qualidade e organização do ambiente físico e a variedade na estimulação diária, com disponibilidade de materiais e jogos apropriados para a criança e possibilidade de maior envolvimento emocional e verbal da mãe com a criança (ANDRADE et al., 2005; MARTINS et al., 2004). Os pais e mães com níveis educacionais mais altos podem ter oportunidades de melhores empregos e, assim, fornecer uma melhor qualidade do ambiente familiar geral, com maior oferta de materiais e brinquedos que incentivem o aprendizado, proporcionando maior enriquecimento e variedade de experiências para a criança (MORAES; CARVALHO; MAGALHÃES, 2016).
As brincadeiras dentro do ambiente familiar devem ser rotineiras para as crianças, brincar de várias maneiras reflete a exploração e a descoberta de suas possibilidades. Isso pode aumentar as oportunidades para o desenvolvimento da criatividade, imaginação e desenvolvimento de habilidades. O tipo de brinquedo pode melhorar o desenvolvimento das sensações, movimentos finos e potencializar a capacidade cognitiva da criança, como também, pode ser uma forma de treinamento para sua capacidade de pensar, raciocinar, ponderar riscos, de modo que possa enfrentar
mais facilmente um ambiente com mudanças. Ressalta-se a necessidade de compreender quais os tipos de recursos ou brinquedos potencializam o desenvolvimento cognitivo infantil, a fim de ofertá-los às crianças em suas rotinas diárias para estimulá-las ou evitar possíveis atrasos (CHANG; YEH, 2015).
Assim sendo, um ambiente enriquecido, com suporte familiar adequado, rotinas, materiais e brinquedos tem importante impacto no desenvolvimento infantil inicial. Apesar de não existir consenso na literatura sobre a definição de ambiente enriquecido, no contexto infantil, a privação ambiental pode ocasionar atrasos no desenvolvimento.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O ambiente domiciliar é o local onde a criança aprende as habilidades emocionais, cognitivas, motoras, sociais e desenvolve sua capacidade intelectual, aptidões e competências. Por isso, é fundamental que cresça em um ambiente estimulante e acolhedor, com cuidado, afeto, carinho e interações frequentes. A falta de atenção integral que inclui acesso à saúde, nutrição adequada, estímulos, amor e proteção prejudicam o desenvolvimento infantil.
Segundo Clark (2020) os investimentos na saúde, educação e desenvolvimento das crianças têm benefícios que se acumulam ao longo da vida, para seus futuros filhos e para a sociedade como um todo. Assim como, é necessário uma boa saúde e nutrição no período pré-natal e nos primeiros anos de vida, o aprendizado
e as habilidades sociais adquiridas em idade jovem fornecem a base para o desenvolvimento posterior e sustentam uma política e economia nacionais fortes.
Em suma, o conhecimento acerca dos fatores de risco que podem levar ao atraso do desenvolvimento nas crianças é imprescindível para implementar recursos que visem diminuir sua incidência ou minimizar seus efeitos sobre a criança e a família.
Desta forma, são essenciais políticas públicas, programas e ações que orientem a estruturação de um ambiente enriquecido e estimulante para as crianças, tendo em vista que é fundamental para um adequado desenvolvimento infantil.
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VYGOTSKY, L. S. Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes; 1989. 392 p.
IMPACTOS DO ISOLAMENTO
SOCIAL NO DESENVOLVIMENTO
NEUROPSICOMOTOR: REFLEXOS DA PANDEMIA DE COVID-19
Aline Maria Dantas Bechara
Beatriz Strazzer de Novais Costa
Milene Elias Dalfolo
Tatiana Manchim Contato
Victor Matheus Lopes Martinez
INTRODUÇÃO
O neurodesenvolvimento tem início no período gestacional, quando o cérebro começa a se organizar, sendo essa estruturação cerebral a base para as fases subsequentes da vida. O desenvolvimento humano está intrinsecamente relacionado a fatores biológicos e ambientais, e, especialmente nos três primeiros anos de vida, a maturação cerebral é crucial (CRESPI; NORO; NÓBILE, 2020). O amadurecimento das habilidades motoras, físicas, cognitivas e psicossociais é dinâmico e progressivo, influenciado pelas experiências, relações interpessoais e contexto em que a criança está inserida. Logo após o nascimento, o bebê é capaz de internalizar experiências, positivas ou negativas, do meio em que está inserido, e essas podem impactar significativamente em seu neurodesenvolvimento (BEE; BOYD, 2011).
Concomitantemente, questões sociais e ambientais exercem influência direta nesse desenvolvimento. No entanto, o contexto, quando analisado isoladamente, embora tenha sua influência, não é determinante para o desenvolvimento. É importante que ocorra interação mútua entre contexto e indivíduo, estabelecendo uma relação bidirecional. Além disso, dois componentes adicionais são fundamentais para o desenvolvimento: o processo, composto pelas atividades do cotidiano resultantes da interação entre a pessoa, objetos e ambiente; e o tempo, no qual esses processos devem ocorrer regularmente para serem efetivos e menos complexos (BRONFENBRENNER; MORRIS, 2006).
Essa interação é evidenciada quando crianças passam por isolamento social, privadas do convívio com seus pares, o que pode
afetar seu neurodesenvolvimento, resultando em impactos motores, sociais, cognitivos e psicofisiológicos. A exposição e vivência da criança em confinamento podem ter repercussões, inclusive, nas gerações futuras (ALMEIDA et al., 2021).
Diante do exposto, fica claro que o isolamento social tem um impacto direto no desenvolvimento neuropsicomotor, sendo seus componentes essenciais desde a gestação até os primeiros anos de vida. Assim, o objetivo primário deste capítulo consistiu em analisar os impactos do isolamento social no desenvolvimento neuropsicomotor. Com o anseio de que a abordagem aqui apresentada não só ampliará o entendimento da literatura pertinente a esse tema, mas também desempenhará um papel crucial ao impulsionar a concepção de intervenções mais eficazes.
O DESENVOLVIMENTO NEUROPSICOMOTOR
NA INFÂNCIA
O desenvolvimento humano é influenciado por duas variáveis: biológicas (genética) e ambientais (relações no contexto sociocultural). É a complexa interação desses fatores e suas subcategorias que culmina no fenótipo maturacional. Este processo é dinâmico, vinculado a marcos de idade e à progressiva maturação de habilidades motoras, cognitivas, físicas e psicossociais (CRESPI; NORO; NÓBILE, 2020).
No âmbito do desenvolvimento cognitivo, Piaget é uma referência central. Conforme sua teoria, a criança é uma participante ativa na construção do conhecimento, responsável por edificar
sua própria compreensão (PIAGET, 1975). Desde o nascimento, os bebês possuem esquemas sensoriais e motores básicos, evoluindo para esquemas mentais mais complexos ao longo da vida (BEE; BOYD, 2011).
Piaget (1975) propõe quatro estágios de desenvolvimento, relacionando-os às diferentes formas como as crianças influenciam os contextos em que estão inseridas (BEE; BOYD, 2011).
O estágio sensório-motor abrange do nascimento até os 24 meses, marcado pelo uso de esquemas sensoriais e motores para interagir com o mundo. O estágio pré-operacional, dos 24 meses aos 6 anos, envolve a aquisição de esquemas simbólicos (como linguagem e fantasia) para pensar e se comunicar. O estágio de operações concretas, de 6 a 12 anos, introduz o pensamento lógico, enquanto o estágio de operações formais, na adolescência, permite o raciocínio em situações hipotéticas (PIAGET, 1975).
O neurodesenvolvimento começa no período gestacional e a arquitetura cerebral que servirá de base para todas as etapas da vida é organizada nos primeiros anos de vida, embora mudanças no cérebro e no sistema nervoso continuem ao longo de toda vida (BEE; BOYD, 2011). Com o passar do tempo, diferentes áreas cerebrais são desenvolvidas, possibilitando assim o desenvolvimento de habilidades cada vez mais especializadas.
O Sistema Nervoso Central (SNC), essencial para a percepção de sensações e estímulos, bem como na realização de atividades diárias, é composto por uma ampla gama de regiões e sub-regiões que estão contidas na medula espinhal e no encéfalo. A medula espinhal (espinal), composta por duas substâncias, uma branca e
outra cinza, tem como principal função conduzir estímulos do encéfalo para a periferia e trazer sensações periféricas ao domínio neural. No encéfalo, as principais estruturas são o telencéfalo (o cérebro em si, córtex e regiões subcorticais), o cerebelo e o tronco encefálico (mesencéfalo, ponte e bulbo), tendo estas diversas funções, como controle comportamental motor, perceptual e emocional (KANDEL et al., 2014).
No nascimento, as principais estruturas que estão desenvolvidas do SNC são o mesencéfalo (encéfalo) e a medula, sendo elas responsáveis pela regulação das funções vitais como frequência cardíaca, respiração, atenção, sono, vigília, movimento da cabeça e pescoço. Segundo Kandel et al. (2014), a medula espinhal recebe e processa informações sensoriais captadas pela pele, articulações e músculos e controla seus movimentos, enquanto o tronco encefálico está relacionado a audição, paladar, equilíbrio, entre outros.
Ainda no tronco encefálico temos o córtex cerebral, responsável pelo movimento corporal, sensações, linguagem e pensamento é uma estrutura menos desenvolvida ao nascer, amadurecendo principalmente no período pós-natal (BEE; BOYD, 2011).
O cérebro desempenha um papel crucial ao coordenar as funções internas e servir como o elo de comunicação entre nosso organismo e o mundo circundante (COSENZA; GUERRA, 2011).
Estruturalmente, o cérebro é composto pelos hemisférios direito e esquerdo, interconectados pelo corpo caloso, constituído por fibras nervosas que facilitam a comunicação e interpretação de estímulos sensoriais entre os dois hemisférios cerebrais (KANDEL et al., 2014).
Desde as primeiras semanas de vida uterina, observa-se a migração de neurônios para várias áreas do córtex cerebral, acompanhada pela diferenciação dessas células nervosas. Nos últimos dois meses de gestação e nos primeiros seis meses a dois anos de vida, ocorre a proliferação dessas células nervosas e o estabelecimento de conexões sinápticas. Esse processo cria a possibilidade do surgimento de novas capacidades perceptivas, cognitivas e motoras (PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2006).
Conforme destacado por Crespi, Noro e Nóbile (2020), a maturação cerebral, ocorrendo nos três primeiros anos de vida pós-parto, é um processo progressivo influenciado pelas interações da criança com o ambiente, suas experiências e relações interpessoais. Nas primeiras semanas de vida, os bebês começam a associar estímulos como positivos ou negativos devido à estimulação ambiental repetitiva. Isso evidencia como a qualidade do ambiente no qual a criança está inserida impacta seu desenvolvimento e vida (BEE; BOYD, 2011). Desde o nascimento, os bebês têm a capacidade de internalizar marcadores somáticos, sejam eles negativos ou positivos, baseando-se nas experiências vivenciadas no meio que os envolve. Além disso, é observado que contextos de vulnerabilidade social podem desencadear transtornos no neurodesenvolvimento (DAMÁSIO, 2012; CRESPI; NORO; NÓBILE, 2020).
Nesse sentido, a estrutura social, os relacionamentos e as interações influenciam diretamente os processos biológicos.
Condições sociais e experiências adversas que geram estresse tóxico comprometem o desenvolvimento cerebral e corporal na primeira infância (BOYCE et al. 2012 apud MCEWEN; MCEWEN,
2017). O estresse tóxico, por sua vez, pode ser interpretado como um dos mecanismos de transmissão intergeracional da desigualdade social. Em outras palavras, os impactos do estresse social vivenciado pela mãe, como o desamparo na gravidez e a exclusão social, têm o potencial de desencadear alterações biológicas no desenvolvimento da criança (MCEWEN; MCEWEN, 2017).
Ainda no processo maturacional cronobiológico, até o primeiro ano de vida, a criança vivencia o aparecimento da linguagem, que está relacionada com a interação entre a cultura, as experiências vivenciadas, as estimulações e os circuitos neurais relacionados com esta habilidade. Já no segundo ano de vida espera-se o surgimento de outras aptidões, como a compreensão plena e expressão da linguagem, a socialização e a capacidade de compreender o outro em suas emoções (CRESPI; NORO; NOBILE, 2020).
Nos dois primeiros anos de vida, portanto, a aprendizagem complexa acontece através da intensificação da atividade cerebral e aumento de sinapses, que são zonas especializadas de comunicação entre um neurônio e outro (KANDEL et al., 2014). Até os três anos, as células nervosas criam redes que se fortalecem conforme são requisitadas, isto é, esse processo sináptico é fortalecido pela repetição do estímulo. A mielina é a principal responsável pelo aperfeiçoamento dessas redes neurais, uma vez que melhora a rapidez e comunicação entre as células nervosas (KANDEL et al., 2014). O cérebro está em funcionamento contínuo, de forma que a criança apresenta o cérebro todo em funcionamento no terceiro ano de vida (LIMA, 2016 apud CRESPI; NORO; NOBILE, 2020). Em vista disso, as sinapses são intensificadas, e isso nos mostra que os cérebros infantis, das crianças em torno de três anos, são
duas vezes mais ativos que dos adultos e continuam desta forma no percurso da primeira década de vida (SHORE, 2000 apud CRESPI; NORO; NOBILE, 2020). No entanto, já no primeiro ano de vida ocorre grande poda sináptica, ou seja, muitas sinapses que não estão sendo usadas são eliminadas, para que se fortaleçam as mais utilizadas e surjam novas (KANDEL et al., 2014).
Dessa forma, o desenvolvimento contínuo do sistema nervoso concede à criança maior controle muscular, promovendo a progressão das áreas sensório-motoras do córtex. Isso cria sinergismo entre o que a criança deseja fazer e suas habilidades, permitindo avanços no desenvolvimento motor. Nesse processo, o contexto social emerge como fator determinante, conforme apontado por KANDEL et al. (2014), BRONFENBRENNER e MORRIS (2006), ALMEIDA et al. (2021), e CRESPI, NORO e NOBILE (2020).
O CONTEXTO E O NEURODESENVOLVIMENTO
O neurodesenvolvimento emerge da interação complexa entre o processo maturacional genético-evolutivo e as influências do ambiente ao longo do percurso individual. Nessa perspectiva, destacam-se teorias como a de Bronfenbrenner, formulada em 1979, que concebe o desenvolvimento humano como um fenômeno bioecológico. Essa teoria aborda o desenvolvimento como uma dinâmica, um processo que oscila entre estabilidade e mudança nas características biopsicológicas dos seres humanos, manifestando-se ao longo de toda a vida e permeando também as gerações subsequentes (BRONFENBRENNER; MORRIS, 2006).
Na teoria bioecológica do desenvolvimento humano, o contexto
no qual o ser humano está inserido exerce influência, mas não é determinante isoladamente para o seu desenvolvimento. Há uma interdependência entre o contexto e o sujeito, em que o desenvolvimento se desenrola por meio de uma relação bidirecional entre o indivíduo e seu ambiente. Essa interação é mutuamente influenciada em ambas as direções, evidenciando que a pessoa em desenvolvimento molda, transforma e recria o meio em que está inserida, ao passo que o ambiente também responde e impacta no indivíduo (BRONFENBRENNER; MORRIS, 2006).
Além da influência significativa que a relação bidirecional do sujeito tem com o contexto, há características pessoais ao indivíduo que norteiam o curso em rumo ao desenvolvimento, como: sua disposição, que coloca o processo em ação e sustenta a operação; seus recursos, habilidades, experiências e conhecimento; suas características genéticas e biológicas; e, por fim, as características da demanda que podem incentivar ou desencorajam reações de seu desenvolvimento (BRONFENBRENNER; MORRIS, 2006).
Ademais, não somente indivíduo e contexto estão envolvidos nesse complexo processo de desenvolvimento. Bronfenbrenner e Ceci (1994) trazem que a evolução bioecológica do ser humano pode ser vista através de um modelo, intitulado Processo-PessoaContexto-Tempo (PPCT), o qual abrangeria maior gama de fatores que afetam e interferem nesse mecanismo.
No que diz respeito ao processo, este se refere às formas específicas de interação bidirecional entre o ambiente imediato e o organismo. Essas interações são constituídas pelas atividades cotidianas nas quais as pessoas se envolvem. Os processos
de desenvolvimento, manifestando-se em diversos contextos, são influenciados pela pessoa e, reciprocamente, também a afetam. Esses processos podem ser categorizados em sistemas com base em proximidades relacionais, compreendendo o Microssistema, Mesossistema, Exossistema, Macrossistema e Cronossistema (BRONFENBRENNER; MORRIS, 2006; YUNES; JULIANO, 2010).
Os processos proximais, que podem produzir desenvolvimento, são entendidos como processo de interação mútua com a pessoa, com objetos e com símbolos presentes no seu ambiente imediato. Nesse sentido, o Microssistema é o ambiente em que o indivíduo pode estabelecer interações presencialmente, como família e escola. O Mesossistema é a inter-relação entre os contextos nos quais o indivíduo participa ativamente, como escola, igreja e família. O Exossistema é aquele em que um ou mais ambientes, mesmo que não envolvam a pessoa em desenvolvimento como participante ativo, influenciam diretamente na pessoa; enquanto que no Macrossistema todos os sistemas citados previamente se unem, é o nível no qual ocorrem as manifestações ideológicas e políticas que interferem na qualidade de vida e bem-estar de todos (BRONFENBRENNER; MORRIS, 2006; BRUNIERA, 2016).
Figura 1 – Modelo biológico do desenvolvimento humano.
Fonte: Bronfenbrenner (1996) adaptado por Halpern e Figueiras (2004).
O conceito de Cronossistema refere-se a um modelo de estudo que possibilita examinar todas as influências no desenvolvimento da pessoa e as mudanças (e continuidades) ao longo do tempo no ambiente no qual ela vive (PRATI et al., 2008). Em outras palavras, o tempo (Cronossistema) pode ser entendido como um sistema integrado, que interage com todos os demais sistemas, possuindo três esferas: microtempo, mesotempo e macrotempo. O microtempo refere-se à continuidade e descontinuidade dentro dos episódios contínuos do processo proximal; o mesotempo reporta-se à periodicidade dos episódios do processo proximal considerando os intervalos como dias e semanas. Por fim, o macrotempo focaliza as expectativas e ventos em constantes mudanças
no âmbito da sociedade, através de gerações e como afetam e são afetados pelos processos.
Para além desses sistemas, atualmente, na literatura tem se considerado a interferência das mídias digitais nesse mecanismo social. Navarro e Tudge (2022) discorrem sobre a teoria Neoecológica, que considera a tecnologia digital, por meio da internet, como fator de impacto para as relações sociais em todos os âmbitos. Considera-se ainda que as relações e trocas realizadas com a tecnologia não são individuais e nem unidirecionais, mas complexas, bidirecionais e dinâmicas em situações de estudo, aprendizado e lazer. Plataformas são consideradas mecanismos tecnológicos que conectam pessoas e informações. Elas facilitam não somente a comunicação, mas o compartilhamento de informações e interações sociais.
Assim, esta ferramenta enfatiza o quanto o físico, espacial e temporal sofrem impacto e proporcionam desenvolvimento (o virtual muda o tempo, o processo e o espaço). Em outras palavras, no contexto, o meio virtual influencia no Microssistema, uma vez que cria a categoria física ou virtual, sendo os encontros no formato online ou presencial proximal/ “face a face”, mesmo que equidistantes a nível de sistema físico. Um bom exemplo disso são as aulas remotas, momentos nos quais as interações professor-aluno e aluno-aluno ocorrem (Microssistema), mesmo que os indivíduos envolvidos estejam fisicamente longes, em outros Microssistemas (ex.: seus lares). Sendo assim, o meio digital permite que as pessoas participem de interações com mais de um Microssistema ao mesmo tempo (NAVARRO; TUDGE, 2022).
Ainda na teoria Neo-ecológica, o tempo também é descrito pela sua importância para o desenvolvimento do indivíduo e sofre alterações com o uso da tecnologia online, uma vez que no microtempo a tecnologia permite a multitarefa, ou seja, uso de mais de uma plataforma digital simultaneamente. O mesmo se repete no mesotempo, que se define-se como a alta repetição e mudança das informações em semanas ou meses. A internet tem acelerado a mudança de cultura, no que se refere ao macrotempo, devido à facilidade e velocidade de compartilhamento de informações em âmbito mundial (NAVARRO; TUDGE, 2022).
Nesse sentido, as consequências evolutivas são compreendidas como resultantes dos processos da pessoa em desenvolvimento. No decorrer da vida do indivíduo, o desenvolvimento humano passa por processos progressivos, complexos e de interações recíprocas entre ação, objetos e símbolos com o indivíduo. Assim, para ocorrer o desenvolvimento, a pessoa deve engajar em atividades e, para que estas tenham efetividade, a ação deve ser regular e por um significativo período de tempo, até que se torne menos complexo (BRONFENBRENNER; MORRIS, 2006; KANDEL et al., 2014).
Por fim, podemos perceber que, não somente os quatro componentes do modelo PPCT, mas o design das interdependências sinergéticas entre estes componentes impacta e constitui o sistema dinâmico teórico do desenvolvimento bioecológico (BRONFENBRENNER; MORRIS, 2006). Sendo assim, o indivíduo ao mesmo tempo é um ser ativo e passivo nas mudanças no contexto ao seu entorno. Isto é, o contexto pode ser alterado pelo indivíduo, mas também o afeta diretamente, podendo em
ambientes vulneráveis, como situações de maus tratos e isolamento social ter influência negativa muito forte no desenvolvimento humano.
ISOLAMENTO SOCIAL E DESENVOLVIMENTO NEUROPSICOMOTOR: INFLUÊNCIAS DA
COVID-19
Em dezembro de 2019, na China, identificou-se um novo coronavírus conhecido como Severe Acute Respiratory Syndrome
Coronavirus 2 (SARS-CoV-2), causador da síndrome respiratória aguda grave 2. Para conter a pandemia, a medida não farmacológica adotada foi o distanciamento e isolamento social (BRASIL, 2020). Apesar de essencial para prevenir a propagação e salvaguardar a saúde pública, essa medida pode acarretar efeitos adversos nos desfechos de saúde mental, incluindo ansiedade, medo, depressão e pânico. No âmbito do desenvolvimento humano, considerando a natureza profundamente social, do ser humano, a privação desse contato pode resultar em significativas desregulações nesse processo (SOUZA; DIAS, 2008; AMMAR et al., 2020; GOETSCHIUS et al., 2021; ALMEIDA et al., 2021).
Logo, as adversidades na primeira infância resultantes de condições/estruturas sociais e relacionamentos interpessoais afetam os sistemas corporais e o desenvolvimento cerebral das crianças com o estresse recorrente (ARAÚJO et al., 2021; MCEWEN; MCEWEN, 2017). Além disso, sabe-se também que grandes epidemias podem causar experiências adversas na infância e gerar
o que se chama na literatura de estresse tóxico (ARAÚJO et al., 2021).
O estresse tóxico causa sobrecarga na capacidade do corpo de manter a homeostase (estado de equilíbrio dos mecanismos corporais) e cria um estado fisiológico desequilibrado, ou seja, culmina em uma cascata de pré-ativação (associado ao retorno tardio ou inexistente à homeostase) do mecanismo estressor, o que se denomina carga/sobrecarga alostática. Essa sobrecarga afeta aspectos cruciais do desenvolvimento cerebral na infância e afeta outros sistemas do corpo, muitas vezes de maneiras que duram a vida toda, com implicações para o desempenho cognitivo, a autorregulação e a saúde física e mental (MCEWEN; MCEWEN, 2017).
Quando o cérebro em desenvolvimento experimenta o estresse tóxico, os processos de autorregulação e adaptação às adversidades ficam dificultados. A autorregulação inclui as funções executivas que são memória de trabalho, flexibilidade cognitiva e, principalmente, controle inibitório, processos atencionais, de persistência, memória de curto prazo e a capacidade de mobilizar informações para resolver problemas e atingir metas. Habilidades que estão relacionadas com o controle de impulsos e emoções, além de envolver a prontidão e o desempenho escolar (MCEWEN; MCEWEN, 2017). Dessa forma, a autorregulação tem papel importante para as habilidades sociais.
O isolamento social trouxe grande impacto para a saúde física e mental das crianças e adolescentes. Além de contribuir para a crescente incidência de ansiedade e depressão nessa faixa etária, o que se associa a um aumento nos problemas psíquicos,
como ideação suicida, há também elevação nos níveis de cortisol, hormônio responsivo a situações de estresse, cujo excesso pode resultar em estresse tóxico. Paralelamente, observa-se deterioração no desenvolvimento cognitivo desses jovens (ALMEIDA et al., 2021).
Isso pode resultar em sofrimento, queda no desempenho escolar, evasão e impactos negativos na alimentação, atividade física, com possíveis repercussões significativas na saúde, como obesidade, hipertensão, hipercolesterolemia e diabetes na vida adulta. Esses problemas de saúde decorrem do estilo de vida prejudicial estabelecido durante a fase infantojuvenil (ALMEIDA et al., 2021).
Vale ressaltar que a prática da atividade física, especialmente nos primeiros anos da infância, está intrinsecamente ligada ao convívio social com pares. Assim, ao privar os indivíduos desse ambiente compartilhado durante o isolamento social, cria-se um cenário propício ao aumento do sedentarismo. Esse comportamento, por sua vez, prejudica o desenvolvimento funcional, abrangendo os aspectos cognitivo, corporal e mental, com impactos a médio e longo prazo (ALMEIDA et al., 2021).
Além disso, a prática de atividade física está intrinsecamente ligada ao desenvolvimento motor na infância, o qual pode ter sido impactado durante o período de isolamento social. O desenvolvimento motor refere-se às alterações progressivas e sequenciais que ocorrem desde o nascimento até a senilidade, ao longo do tempo, dentro de um contexto ambiental, cultural e social. Nesse sentido, tanto os fatores intrínsecos ao bebê, como a massa
corporal, motivação e atenção, quanto os fatores ambientais, incluindo a lei da gravidade, a superfície de apoio e o suporte proporcionado pelos familiares, desempenham papéis fundamentais no aprimoramento de suas habilidades motoras. Em contextos nos quais há escassez de oportunidades para vivências motoras, especialmente com outros bebês, o desenvolvimento motor típico esperado pode ser prejudicado (GONÇALVES, 2019).
Gonçalves (2019) alerta que o aprendizado do bebê sobre o mundo ao seu redor e suas capacidades de interagir com este ambiente tem base tanto no sistema perceptual quanto no sistema motor. Sendo a intencionalidade a base para todas as ações, desde o momento em que elas emergem e são iniciadas pela motivação do bebê, com um objetivo e guiadas pelas oportunidades oferecidas no ambiente.
Diante do cenário desafiador marcado pela escassez de oportunidades para o desenvolvimento típico, destaca-se o conceito de affordances, que refere-se às possibilidades de ação proporcionadas pelo ambiente e relacionadas à competência de ação do indivíduo. Essas affordances englobam ciclos de percepção e ação, gerando aprendizado por meio da acessibilidade a recursos ambientais que estimulem o desenvolvimento (DAVIS; ARAÚJO; BRYMER, 2016; GONÇALVES, 2019; SANTOS; TAMPLAIN, 2021). Essas percepções são intrinsecamente ligadas às informações disponíveis no ambiente e ao estágio de desenvolvimento do sistema de ação da criança (GONÇALVES, 2019; SANTOS; TAMPLAIN, 2021).
Estudos evidenciam que diferenças culturais e práticas na
rotina da criança desempenham um papel significativo nas aquisições de novas habilidades, as quais proporcionam experiências capazes de modificar as oportunidades de aprendizado (GONÇALVES, 2019; SANTOS; TAMPLAIN, 2021). Em um contexto de isolamento social, esse ambiente propício é vigorosamente comprometido, uma vez que as oportunidades para vivências e, consequentemente, para o aprendizado, encontram-se restritas (ALMEIDA et al., 2021).
Dessa forma, no contexto da pandemia de COVID-19, marcado pelo isolamento social e pelo fechamento das escolas, é plausível conjecturar que o desenvolvimento infantil foi impactado de maneira negativa, sendo que grande parte desse impacto só poderá ser mensurado em sua magnitude a longo prazo. Isso ocorre porque a socialização desempenha um papel crucial na criação e fortalecimento das conexões sinápticas, e os ambientes sociais exercem uma influência fundamental na formação da criança e na transformação de suas características biológicas (ARAÚJO et al., 2021; MCEWEN; MCEWEN, 2017).
Tendo em vista, portanto, que o contexto do isolamento social interfere diretamente no desenvolvimento cognitivo, a privação do convívio escolar em crianças pode dificultar o surgimento de novas habilidades na fala, escrita e leitura, refletindo em baixa formação de vínculos, socialização e aprendizados com os pares, o que acarreta em ciclo negativo de retroalimentação (ALMEIDA et al., 2021). Dessa forma, quanto mais experiências adversas, como a falta de estímulos sociais na infância, maior o risco de atrasos no desenvolvimento e, a longo prazo, complicações de saúde na vida adulta (ARAÚJO et al., 2021). Um esboço desses desfechos
baseados na literatura pode ser observado no modelo proposto na Figura 2.
Figura 2 – Modelo proposto de impactos do isolamento social no desenvolvimento neural.
Fonte: Elaborado pelos autores, 2022.
Adicionalmente, o isolamento social e a ausência do convívio escolar contribuem para aumento do estresse tanto entre os pais quanto entre os filhos, acarretando riscos adicionais para o desenvolvimento infantil (ARAÚJO et al., 2021). Ao longo da pandemia, observou-se significativo aumento no uso de telas, acompanhado da demanda crescente dos pais que necessitaram oferecer suporte às atividades escolares de seus filhos, fomentando uma proximidade inesperada durante esse período. Por outro lado, o fechamento das escolas introduziu riscos consideráveis para o desenvolvimento, uma vez que as instituições educacionais também desempenhavam o papel de assegurar cuidados básicos (ARAÚJO et al., 2021).
Trabalhos temporários, mudanças nos horários de trabalho, isolamento social, casa superlotada e recursos materiais escassos são fatores que podem interferir na qualidade do tempo e interações de pais e filhos, podendo causar sofrimento psicológico, ansiedade, frustração e exaustão produzidas pelas circunstâncias (MCEWEN, 2007; MCEWEN; MCEWEN, 2017). Ou seja, a diminuição do bem-estar parental e o aumento do estresse resultante do período de isolamento social parecem explicar a maior parte do aumento das emoções negativas e problemas comportamentais das crianças.
Frente a isso, estruturas sociais e relacionamentos interpessoais podem tanto ser as fontes causadoras de ambientes estressores, como também podem ajudar a amortecer o impacto do estresse ou mesmo reverter seus efeitos (ALMEIDA et al., 2021; MCEWEN; MCEWEN, 2017). Fatores como gravidez saudável, nutrição equilibrada, imunidade, sono reparador e ambiente enriquecido com estímulos positivos, podem prevenir, moderar ou ajudar a superar o estresse tóxico e seus efeitos, garantindo o desenvolvimento de conexões neurais no cérebro da criança, favorecendo o desenvolvimento infantil (ARAÚJO et al., 2021).
Partindo desses pressupostos, é plausível considerar que o estresse proveniente de ambientes confinados, como aqueles enfrentados durante a pandemia, pode ter ocasionado prejuízos significativos no desenvolvimento das habilidades cognitivas e sociais, especialmente no que concerne ao desempenho e à prontidão escolar de crianças e adolescentes. No entanto, tais impactos podem ser evitados ou atenuados por meio de estímulos adequados em um ambiente enriquecedor, proporcionando
oportunidades e reforços sociais positivos aos indivíduos em fase de desenvolvimento.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O desenvolvimento neuropsicomotor revela-se como um processo complexo, profundo e dinâmico, intrinsecamente ligado a marcos e faixas etárias específicas. O cérebro e o sistema nervoso, protagonistas na comunicação do organismo com o mundo, passam por transformações ao longo da vida. O embrião desse processo se inicia no período gestacional, progressivamente moldado pelas experiências e relações interpessoais da criança com seu entorno, evidenciando a influência direta da qualidade do ambiente em seu desenvolvimento e vida.
O neurodesenvolvimento emerge da interação mútua entre o indivíduo, seu ambiente, o fator tempo e o processo, todos atuando como variáveis interdependentes. Esses componentes, longe de agirem isoladamente, estabelecem relações complexas que impactam os processos de desenvolvimento ao longo da vida e de gerações.
Considerando a importância crucial do convívio social para o desenvolvimento, a adoção do isolamento social como medida protetiva durante a pandemia pode ter gerado estresse tóxico, acarretando prejuízos nas habilidades cognitivas e sociais de crianças e adolescentes, especialmente relacionadas ao contexto escolar. Além disso, os impactos estendem-se à saúde física e mental,
influenciando o desenvolvimento global, cujas consequências só poderão ser plenamente compreendidas a longo prazo.
Diante desse cenário, sugere-se mudança de abordagem por parte dos profissionais ao lidar com crianças e adolescentes afetados pelo isolamento social, especialmente em contextos de vulnerabilidade. Trocar o paradigma do modelo médico de atenção pela prática centrada na família é fundamental, uma vez que, como evidenciado neste capítulo, o ambiente familiar e as interações com pares exercem influência significativa no desenvolvimento neuropsicomotor. Além disso, investigações futuras sobre os impactos do isolamento social certamente contribuirão para embasar intervenções mais eficazes.
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USO DE TELAS NA PANDEMIA E O
IMPACTO NO DESENVOLVIMENTO
INFANTIL
Ade Jhoni Vieira Da Silva
Aurea Renata Demarchi
Flávia Gasparini Silvano
Giovana Raksa Vieira
Sheyla Carina Ferreira Bueno
Aline Perboni Zanotto
INTRODUÇÃO
Com o cenário instalado mundialmente devido à pandemia de COVID-19 (Coronavírus Disease 2019), as formas de interação e comunicação sofreram alterações. Isto causou impacto em todos os segmentos da vida das pessoas. Este momento pandêmico trouxe fragilidade mundial e alterou o cotidiano familiar e social, bem como a forma do cuidado à saúde e a rotina, sendo o uso da tecnologia a ponte de acesso para a educação, comunicação social, interação e participação social e o lazer na vida das crianças e adultos que se encontravam privados dos seus espaços de convívio social (AMMAR et al., 2020). Atividades como ir à escola, parques, trabalhar, interagir de forma geral foram ressignificadas.
Devido ao uso massivo da tecnologia para a realização das mais diversas atividades cotidianas, o tempo de exposição às telas dos dispositivos aumentou significativamente, tanto para adultos quanto para crianças (AMMAR et al., 2020).
A respeito do uso de telas na primeira infância, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) alerta para possíveis prejuízos no desenvolvimento (SBP, 2019). Diante disso, o presente capítulo discute o uso de telas durante a pandemia de COVID-19, abordando os benefícios associados à tecnologia, bem como os ônus de seu uso para o desenvolvimento infantil, especialmente na primeira infância.
PANDEMIA E MEDIDAS DE COMBATE À
COVID-19
Conhecidos como coronavírus, essa família de vírus causa infecções respiratórias em humanos há décadas, sendo a segunda principal causa do resfriado comum. No entanto, nunca preocuparam o mundo tanto quanto nos últimos anos. Em dezembro de 2019, em Wuhan, na China, foram identificados 27 casos de trabalhadores de um mercado de frutos do mar apresentando problemas respiratórios de etiologia desconhecida (MAGNO et al., 2020).
Em janeiro de 2020, o agente causal das complicações dos trabalhadores foi reconhecido e nomeado como SARS-CoV-2 pela Organização Mundial da Saúde (OMS), causador da doença COVID-19. Rapidamente, a doença que tem como características alta taxa de transmissibilidade em uma escala de tempo muito curta e, predominantemente, através de gotículas respiratórias ou secreções, se espalhou pelo mundo, sendo decretado pela OMS em março de 2020, estado de pandemia (MAGNO et al., 2020).
O primeiro caso de COVID-19, no Brasil, foi registrado em 26 de fevereiro de 2020 e, até o final de maio de 2020, haviam sido registrados 514.849 casos confirmados e 29.314 óbitos associados ao vírus. No mundo, até o dia 31 de maio de 2020, foram confirmados 5.934.936 casos de COVID-19 e 367.166 mortes associadas (BRASIL, 2020; MAGNO et al., 2020).
Muitos países implementaram ações para reduzir a transmissão do vírus e frear a rápida evolução da pandemia. Dentre as
medidas, podemos citar o isolamento de contaminados, o incentivo à higienização das mãos, o uso de máscaras faciais, distanciamento social, fechamento de escolas e universidades, a proibição de eventos e aglomerações, a restrição de viagens e transportes públicos, a conscientização da população para que permanecesse em casa (KUPFERSCHMIDT, COHEN, 2020). O lockdown (bloqueio total) foi uma das medidas mais rigorosas, pois além do fechamento de comércios e proibição de eventos sociais, restringia a população em suas casas, permitindo a circulação em meios públicos apenas em situações essenciais como compra de alimentos ou medicamentos (SZWARCWALD et al., 2020).
Diante desse cenário, instituições e famílias tiveram que reinventar a maneira de exercer atividades que realizavam antes.
A área de educação passou a adotar o ensino remoto, comércios passaram a vender produtos apenas em meios digitais, reuniões familiares e de amigos passaram a ser realizadas por redes sociais. Diversos profissionais tiveram que se readequar para trabalhos remotos e outros perderam postos de trabalho por não haver esta possibilidade ou serem trabalhadores informais (CAETANO et al., 2020; MAGNO et al., 2020; SZWARCWALD et al., 2020).
Ba et al. (2020) revisou os efeitos adversos de longo prazo do confinamento domiciliar após o fechamento das escolas. Destacou vários efeitos adversos no bem-estar físico e mental das crianças, como uso excessivo de aparelhos eletrônicos, padrão de sono perturbado, dietas pouco saudáveis resultando em obesidade e baixa resistência muscular. A falta de interação entre pares, o fechamento das escolas e o confinamento ampliado trouxe consigo danos no desenvolvimento global dos bebês, psicossociais e mentais.
SAÚDE MENTAL E PANDEMIA
A saúde mental teve sua importância reconhecida pela OMS, e está representada na definição de saúde geral (WHO, 2001).
Para a OMS, a saúde é entendida como “um estado de completo bem-estar físico, psíquico e social, e não apenas a ausência de doença ou enfermidade” (OMS, 1946).
O isolamento social foi primordial para diminuir a transmissão da COVID-19, contudo, o mesmo também provocou impactos na saúde mental das crianças e consequentemente de suas famílias, como o aumento do uso de telas e a falta de possibilidades de lazer fora de casa (BILAR et al., 2022).
Sabe-se que as crianças têm menos chances de se contaminarem com o vírus do COVID-19 e caso sejam contaminadas a gravidade é menor, quando comparado aos demais grupos, porém, em questões de desenvolvimento psicológico são o grupo mais prejudicado (ZIMMERMANN, CURTIS, 2020).
A saúde psicológica das crianças que vivenciaram a pandemia deve ser um ponto de atenção. Estudo realizado na China com crianças da pré-escola, escola primária e secundária, apontou impactos psicológicos do isolamento social em crianças pela exposição a estressores, como a falta de contato social, falta de interação com o seu grupo de pares, frustração, tédio, falta de rotina e perda financeira familiar (WANG et al., 2020).
Um estudo realizado no Reino Unido descreveu as implicações em crianças com deficiências, os cuidadores relataram aumento do estresse e da preocupação com a manutenção das habilidades
dessas crianças (ASBURY et al., 2021). Também, se preocupavam com o futuro delas, tanto em questão de aprendizagem escolar, como em quem exerceria os cuidados com a criança em caso de falecimento dos cuidadores por COVID-19 (ASBURY et al., 2021).
DESENVOLVIMENTO INFANTIL E O TEMPO DE TELAS
Nos primeiros anos de vida, a criança registra um ritmo de crescimento e desenvolvimento incomparáveis, com uma procura ativa de experiências, comunicação e relação, imprescindíveis à sua maturação cognitiva, psicoafetiva e social. Neste processo do desenvolvimento infantil, também consideramos a inter-relação das perspectivas genéticas e o meio em que a criança vive, considerando a família e a cultura, visto que em ambientes com condições adversas o desenvolvimento infantil pode ser prejudicado (TORQUARO et al., 2022).
Durante a pandemia, as famílias se depararam com um novo contexto. A permanência constante em casa, o isolamento social, o trabalho home office, a rotina escolar dos filhos, a dinâmica familiar entre a rotina de organização de casa, comida, afazeres de trabalho e escola (RIBEIRO; ANTUNES, 2021; LEMOS, BARBOSA, MONZATO, 2020). Também o lazer e o brincar, este como papel principal da primeira infância, foram características marcantes deste período.
O brincar envolve uma ação livre, espontânea e lúdica a qual não necessita de um objetivo ou resultado específico, que reflete as características culturais, considerando as explorações sociais e físicas como a participação em outros ambientes, como a casa dos avós e a escola (LUCISANO, PFEIFER, STAGNITTI, 2022).
A qualidade do desenvolvimento infantil, por estar diretamente ligada a qualidade da rotina e aprendizado em esferas fora do contexto familiar, em contextos como da pandemia, tende a ser prejudicada. Silva (2022) relata as circunstâncias relacionadas ao desenvolvimento infantil, considerando “desde o contexto individual (prematuridade, baixo peso, doenças) até o social (pobreza, desnutrição, fome, violência, dificuldade de acesso à saúde e à educação) e/ou familiar (famílias desajustadas, problemas conjugais entre os pais)”.
Delgado et al. (2020) observou que houve um aumento da sobrecarga familiar devido às circunstâncias. Os filhos, que anteriormente à pandemia tinham o ambiente escolar e a rede de suporte para intercalar as interações e responsabilidades, permaneceram muito mais tempo somente com a família (DELGADO et al., 2020).
Diante destas complexidades de mudanças na rotina, observa-se que as atividades essenciais ao desenvolvimento infantil ficaram prejudicadas, devido às restrições impostas pelo cenário da pandemia. Nesta perspectiva, o uso das telas foi adotado como recurso facilitador (LINHARES, 2015).
A tendência ao uso de telas pode ser observada nas crianças nascidas a partir de 2010, sendo que estas já nasceram inseridas
no mundo tecnológico e digital da internet, apresentando mais facilidades em se adaptar em novas tendências das mídias sociais (FRANCO, 2013; PRENSKY, 2001). Além disso, os nativos digitais não precisam ter habilidades pedagógicas como a leitura e a escrita para manusear e utilizar os dispositivos móveis com conexão à internet, como, smartphones e tablets (KÄMPF, 2011).
Sabe-se que apesar dos nativos digitais terem nascido em um contexto tecnológico, a SBP, não recomenda o uso de telas antes dos 1000 dias da criança, uma vez que o uso de telas antes desse marco do desenvolvimento pode dificultar processos de desenvolvimento, como atraso na fala e linguagem, atrasos cognitivos e sociais, a diminuição de interações sociais e habilidades sociais básicas (SBP, 2019).
Diante deste cenário de distanciamento social, muitas crianças encontraram distrações e formas de se conectar ao mundo através de telas. E por se tratar de um meio mais seguro de passar o tempo, em função do contágio do coronavírus, acabou sendo o mais utilizado por várias horas diárias (PONTE; NEVES, 2020).
Em uma investigação realizada por Silva (2022) sobre a relação da qualidade do consumo alimentar e o uso de telas entre crianças e adolescentes de 7 a 18 anos, verificou-se que o tempo de tela durante o distanciamento social, na pandemia de COVID-19, mostrou-se elevado em ambos os grupos, sendo maior que 2 horas, prevalente em 71,8% da amostra avaliada.
Faria et al. (2021) constatou que, em crianças de 0 a 12 anos, o aumento do uso de telas foi de 85% durante a pandemia e
permaneceu igual para apenas 12,9%. Em 2020, a SBP atualizou as recomendações quanto ao tempo de uso de telas, o qual estabelece que seja proporcional às idades e às etapas do desenvolvimento cerebral-mental-cognitivo-psicossocial das crianças e adolescentes. Neste documento, a orientação é que crianças menores de 2 anos não sejam expostas às telas. Para aquelas com idade entre 2 e 5 anos, o uso de dispositivos eletrônicos deve ser limitado em até 1 hora por dia, para a faixa etária entre 6 e 10 anos o limite de uso desses dispositivos recomendado é de 1-2 horas e para os adolescentes a orientação é que o uso seja limitado a 3 horas por dia (SBP, 2020).
Há evidências de que o uso parcimonioso de mídias interativas possa contribuir positivamente para o desenvolvimento cognitivo, linguístico e motor fino (NOBRE et al., 2021). As Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC) são indispensáveis no mundo em que vivemos, assim, devemos sempre avaliar a cada situação como o uso de telas pode contribuir para processos de ensino e aprendizagem e também desenvolvimento de crianças com e sem deficiência.
Um exemplo da TIC aliada à atividade física é o uso dos exergames, que são jogos virtuais ativos que captam e convertem os movimentos reais em movimentos virtuais dentro do próprio jogo, sendo portanto, um combinado de exercícios físicos com videogame (MEDEIROS et al., 2017). Há também inúmeros jogos que foram elaborados com o objetivo de utilizar a realidade aumentada para treinar e desenvolver as habilidades de comunicação, de hiperfoco, interpessoais e outras (MATOS; GOMES; SASAKI, 2010).
O aspecto lúdico dos jogos proporciona mais engajamento nas atividades, tendo como resultado maior estímulo da atividade cerebral, aperfeiçoando as capacidades físicas (MATOS, GOMES, SASAKI, 2010). É orientado aos cuidadores que haja a regulação do padrão de sono e do tempo que cada criança faz o uso de telas, além da prática de atividades físicas e de incentivar a busca por atividades que possam diminuir o tempo de tela (BILAR et al., 2022).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da pandemia da COVID-19, constatou-se um aumento significativo do uso de telas por parte das crianças. Se por um lado, os dispositivos tecnológicos podem beneficiar alguns aspectos relacionados ao desenvolvimento, por outro, é um fator preocupante, considerando os impactos negativos associados.
Os recursos tecnológicos, além de servirem como entretenimento e lazer para as crianças, podem propiciar o desenvolvimento da criatividade e da comunicação (NEVES et al., 2015). Por outro lado, o uso demasiado de telas acaba substituindo atividades lúdicas e de imaginação que são fundamentais na fase infantil, reduzindo também interações com outras pessoas, limitando assim as interações face a face e os estímulos nos quais a criança é exposta (NEVES et al., 2015). Atenta-se para a recomendação da SBP sobre a restrição das telas em idade precoce, sob a justificativa de interferência no desenvolvimento.
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A IMPORTÂNCIA DO BRINCAR
NO CONTEXTO FAMILIAR PARA O
DESENVOLVIMENTO INFANTIL
Alice Nina Barros Laranja
Angélica Souza da Silva Ávila
Keila Marcia de Matos Alves Pinheiro
Cíntia Wélia Moraes Costa
Anne Milene da Silva Souza
Marcela P. C. de Andrade Oliveira
INTRODUÇÃO
O desenvolvimento infantil se inicia desde o momento da concepção. É um processo contínuo, interdependente no qual cada nova habilidade ou conhecimento depende de estruturas constituídas anteriormente e que vão se transformando a partir de novas experiências e conexões, em comportamentos cada vez mais complexos. Deve ser entendido como o produto da contínua interação entre o montante de experiências (o ambiente), da genética e do desenvolvimento biológico (NAVARRO, 2016).
Neste contexto, Williams (2021) afirma que uma importante base para a evolução da criança é a família, que é o primeiro contato social que o indivíduo possui assim que nasce, e exerce o papel de socializar e estimular a interação que é essencial para a continuidade do desenvolvimento infantil. Do mesmo modo, Pereira et al. (2021) apontam que a família pode atuar como estimuladora e protetora desse processo ao fornecer suporte parental, experiências variadas e de qualidade e ao proporcionar a interação com adultos e crianças por meio de rotinas e reuniões regulares que sinalizam algum grau de estabilidade.
Também, a brincadeira é atividade fundamental para o desenvolvimento da criança. Sendo não apenas entretenimento, mas um meio de experimentação, interação e descoberta de coisas novas, além de desenvolver habilidades, estimular a criatividade, imaginação e cognição (BRITES, 2020). As brincadeiras devem ser rotineiras para as crianças, especialmente, quando realizadas com os familiares. Brincar com brinquedos de várias maneiras reflete a exploração e a descoberta de suas possibilidades
(PEREIRA et al., 2021). Nesta perspectiva, no presente capítulo exploramos a importância do brincar no contexto familiar para o desenvolvimento das habilidades relacionadas aos sistemas motor, linguístico e cognitivo, em crianças de 0 a 3 anos (pré-escolar).
DESENVOLVIMENTO MOTOR
As habilidades motoras grossas e finas são aspectos essenciais do desenvolvimento global de uma criança para poder explorar o ambiente, brincar, demonstrar afeto e independência, impactando no aprendizado perceptivo, cognitivo e social. Assim, por meio das habilidades motoras a criança pode dominar as habilidades do brincar, do cotidiano e da mobilidade (WEISS; OAKLAND; AYLWARD, 2017).
A aprendizagem motora envolve o conjunto de processos neurais associados com o treino e repetição de ações, gerando interferências na capacidade dos indivíduos em executar determinada tarefa. Nesse sentido, as crianças aprendem ao tentar realizar movimentos, com as consequências de suas ações e os resultados funcionais estimulam o desenvolvimento das habilidades motoras (PEREIRA, 2011; WEISS; OAKLAND; AYLWARD, 2017).
Aprender novos padrões de movimentação é uma interação completa que envolve múltiplos fatores, tais como a interação dos sistemas sensorial, perceptivo e biomecânico. É importante pontuar que o desenvolvimento das habilidades motoras é influenciado pelo contexto social e presença de elementos no ambiente
físico, incluindo os brinquedos disponibilizados à criança (WEISS; OAKLAND; AYLWARD, 2017).
O brincar tem impacto em todas as áreas de desenvolvimento. E por meio dele, as crianças estimulam seus sentidos, usam seus músculos, direcionam sua visão e movimentos, ganham controle sobre seus corpos, tomam decisões e adquirem novas habilidades (GONÇALVES, 2016).
Segundo Brites (2020), o amadurecimento do cérebro parte de uma base, em que serão colocadas habilidades, das mais simples às mais complexas. Nesse processo, o brincar não serve apenas para entreter, as crianças experimentam o mundo, testam habilidades físicas, motoras e cognitivas, aprendem regras e treinam relações sociais. Diante disso, a autora sugere diferentes formas de estimular o desenvolvimento motor no dia a dia, tanto por meio de brincadeiras em si, como por outras atividades lúdicas, sempre respeitando a idade e a individualidade de cada criança.
DESENVOLVIMENTO LINGUÍSTICO
O desenvolvimento da linguagem é gradual, seguindo etapas de maturação, influenciado e estruturado pelas relações com o meio em que a criança está inserida. Essas etapas, embora não possam ser tomadas como regra no desenvolvimento de todas as crianças, podem servir como indícios e parâmetros da evolução da comunicação durante a infância (WILLIAMS, 2021).
No desenvolvimento da linguagem, 2 fases distintas podem ser reconhecidas: a pré-linguística, em que são vocalizados apenas
fonemas (sem palavras), a qual persiste até aos 11-12 meses; e a fase linguística, quando a criança começa a falar palavras isoladas com compreensão. Posteriormente, progredindo na escala da complexidade da expressão. E, para que este desenvolvimento ocorra é necessário que a família compreenda que o brincar, o afeto e o tempo de qualidade são as melhores formas de acessar a criança e conduzi-la de forma respeitosa e segura nesse processo complexo (CARVALHO; LEMOS; GOULART; 2016; WILLIAMS, 2021).
Bragança, Alves e Lemos (2014), também ratificam a importância da família e do ambiente estimulante no desenvolvimento infantil, neste caso, mais especificamente, nas áreas comunicativas. O amadurecimento biológico para a aquisição fonológica acontece em constantes trocas com o meio ou contexto em que a criança vive. Ambientes pouco construtivos e estimulantes podem interferir negativamente no desenvolvimento da fala.
Carvalho, Lemos e Goulart (2016) investigaram o desenvolvimento da linguagem e sua relação com comportamento social, ambientes familiar e escolar e identificaram a influência positiva da qualidade (e não da quantidade) do estímulo gerado na interação pais e filhos na aquisição do vocabulário.
Estudiosos reconhecem que há uma janela crítica de formação cerebral para o aperfeiçoamento da linguagem, entre os 2 e 4 anos, quando os circuitos cerebrais associados à linguagem são mais flexíveis. Estímulos adequados determinarão, positivamente, muitos aspectos do desenvolvimento da criança e vão impactar a sua aprendizagem e o seu comportamento, incluindo a linguagem (BRITES, 2020).
A principal forma de estimular o desenvolvimento da linguagem é por meio do brincar. Ao brincar, as crianças têm a chance de simular situações e conflitos e, assim, compreender e organizar as próprias emoções. E o falar também se aprende brincando. A maioria dos pais estimula o desenvolvimento da linguagem, dessa forma, sem saber, ao brincar de falar com o bebê no telefone, ao incentivar a imitar os sons dos animais ou recitar cantigas de roda e parlendas (BRITES, 2020; SOUZA; ASSENÇO, 2021).
DESENVOLVIMENTO COGNITIVO
Desde muito cedo, os bebês aprimoram suas funções cognitivas, através de experiências vividas, constroem diversas capacidades que vão servir de base o desenvolvimento, que está ligado ao processo de crescimento o qual se dá por meio de mudanças em toda sua formação intelectual - pensamento, raciocínio e compreensão (SERRANO, 2018).
Serrano (2018) afirma que as capacidades motoras, perceptivas, socioemocionais e a linguagem são construídas como bases para o desenvolvimento cognitivo. É durante os primeiros anos de vida que existe a formação desse desenvolvimento e que está intimamente ligada às experiências vividas em seu dia a dia e que progridem de forma considerável durante esse período. O desenvolvimento cognitivo está relacionado ao processo de aprendizagem e a inteligência, podendo sofrer alterações de acordo com os estímulos que recebem do meio cultural e familiar.
Para Brites (2020), a cognição é o que nos faz conhecer e interagir com o mundo à nossa volta. São os processos mentais que comandam nossos pensamentos e comportamentos. São através das nossas habilidades que controlamos e regulamos pensamentos, emoções e sensações, tornando-se fundamentais para nossa saúde mental e vida funcional, o que a criança vivencia dentro dos primeiros anos de vida, tem um impacto em sua aprendizagem e seus comportamentos.
Dentro de todo processo do desenvolvimento cognitivo de um bebê, durante os 36 meses, existem habilidades/competências a serem estimuladas e alcançadas que servirão como base para outras competências que virão no decorrer dos anos. Nesse período, elas observam ações e as repetem (imitação), já conseguem compreender os efeitos que suas ações causam (causa e efeito), conseguem prever sem experimentar, como determinado objeto cabe e se move no espaço (relações espaciais), resolvem determinados problemas sem precisar experimentar fisicamente algumas soluções, pedindo ajuda se achar necessário (resolução de problemas) (SERRANO, 2018).
A criança segue conquistando competências, conseguindo lembrar de características do ambiente ou pessoa de um determinado lugar (memória), assim como, a atenção, compreensão das rotinas dos cuidados sociais, a classificação e o jogo simbólico que também são marcantes nessa fase (SERRANO, 2018).
É brincando que a criança vai explorar e estimular todos os seus sentidos, experimentando o mundo à sua volta. Jogos e brincadeiras possibilitam um bom desenvolvimento psicomotor, social
e cognitivo. É importante destacar que a família tem um papel importante na mediação desse brincar e pode potencializar as experiências na infância, permitindo que a criança alcance o seu pleno desenvolvimento cognitivo e emocional (BRITES, 2020).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O brincar é parte fundamental no processo de desenvolvimento infantil. Por meio da brincadeira a família pode estimular as habilidades motoras, linguísticas, cognitivas e emocionais. Sendo assim, é importante que a família compreenda bem o impacto do brincar para o desenvolvimento infantil, se empodere desse saber e estimule a criança a fim de que alcance seu pleno desenvolvimento.
REFERÊNCIAS
BRAGANÇA, L. L. C.; ALVES, C. R. L.; LEMOS, S. M. A.
Estudo do perfil comunicativo de crianças de 4 a 6 anos na educação infantil. Revista CEFAC, [S.L.], v. 16, p. 12731282, 2014.
BRITES, L. Brincar é fundamental: como entender o neurodesenvolvimento e resgatar a importância do brincar durante a primeira infância. São Paulo: Editora Gente, 2020. 215 p.
CARVALHO, Amanda de Jesus; LEMOS, Stela Maris
Aguiar; GOULART, Lúcia Maria Horta de Figueiredo.
Desenvolvimento da linguagem e sua relação com comportamento social, ambientes familiar e escolar: revisão sistemática. CoDAS, [S.L.], v. 28, n. 4, p. 470-479, ago. 2016
GONÇALVES, Josiane Peres. Ciclo vital: início, desenvolvimento e fim da vida humana possíveis contribuições para educadores. Revista Contexto & Educação, [S.L.], v. 31, n. 98, p. 79-110, 2016.
NAVARRO, A. A. Estimulação Precoce Inteligência
Emocional e Cognitiva: de 0 a 6 anos. São Paulo: Grupo Cultural, 2016. 184 p.
PEREIRA, L. et al. Recursos ambientais, tipos de brinquedos e práticas familiares que potencializam o desenvolvimento cognitivo infantil. CoDAS, [S.L.], v. 33, n. 2, p. e20190128, 2021.
SERRANO, P. O Desenvolvimento da Autonomia dos 0 aos 3 Anos: Etapas, Atividades e Sinais de Alerta: desenvolvimento sensorial, motor, perceptivo, cognitivo, socioemocional, linguístico e o brincar. 1. ed. Lisboa: Papa Letras, 2018. 200 p.
SOUZA, M. S. L.; ASSENÇO, A. M. C. O vocabulário e as habilidades narrativas se correlacionam em pré-escolares com desenvolvimento típico de linguagem?, [S.L.], CoDAS, v. 33, n. 6, p. e20200169, 2021.
WEISS, L. G.; OAKLAND, T.; AYLWARD, G. P. BayleyIII: uso clínico e interpretação. São Paulo: Pearson Clinical Brasil, 2017. 208 p.
WILLIAMS, E. M. O.; DENUCCI, M. A. M. (org.). Marcos do desenvolvimento da linguagem de 0 a 6 anos nos aspectos: fonológico, semântico, morfossintático e pragmático. 1. ed. Campos dos Goytacazes: Encontrografia Editora, 2021, v. 1. 109 p.
A VULNERABILIDADE SOCIAL NO DESENVOLVIMENTO INFANTIL:
IMPACTOS DO ESTRESSE PRECOCE
Daniela Zela Cordeiro
Francielle Ferreira Palitowski
Patrícia Cristielly Bessegato Fernandes
Thatiane Cristina da Silva Alves
Victor Matheus Lopes Martinez
INTRODUÇÃO
A infância é um período marcado por inúmeras alterações biológicas, tais como a sinaptogênese e a neuroplasticidade, as quais desempenham um grande papel na aquisição de habilidades motoras, cognitivas e sociais. Segundo Costa (2018), durante os primeiros 1.000 dias (desde a concepção até o segundo ano de vida) as alterações biológicas ocorrem com maior intensidade. Durante o desenvolvimento humano existem picos ou janelas de oportunidades para a aquisição de conjuntos de habilidades, existindo, portanto, períodos sensíveis para a aprendizagem de acordo com a faixa etária (KANDEL et al., 2014).
Sabe-se que a infância é uma etapa afetada diretamente por influências do meio em que a criança está inserida. Conforme colocado pelo Modelo Bioecológico do desenvolvimento humano proposto por Bronfenbrenner (1979), os diferentes sistemas sociais interferem-se mutuamente entre si promovendo alterações no indivíduo, assim como, este altera o meio em concomitância.
Tendo o meio enorme importância nesse processo de desenvolvimento humano, os aspectos sociais, especialmente na primeira infância com pares e familiares, podem impactar o desenvolvimento de maneiras positivas ou negativas (PAPALIA; FELDMAN, 2013). Nesse sentido, situações de isolamento social, maus tratos e abandono parental podem ser extremamente prejudiciais nesse processo (OLIVEIRA, 1995; CABRAL et al., 2021). Essas experiências negativas deixam o indivíduo em formação mais vulnerável ao desenvolvimento cognitivo, social e motor (NELSON; FOX; ZEANAH, 2013).
Essa vulnerabilidade social, entendida como baixa renda, dificuldade de acesso aos serviços públicos, fragilização de vínculos afetivos e do pertencimento social (BRASIL, 2004), especialmente na infância, pode causar eventos precoces de estresse tóxico, os quais se repetidos e em cargas demasiadamente elevadas parecem proporcionar alterações estruturais nos mecanismos neurobiológicos responsáveis pela reatividade a esses eventos (MCEWEN; MCEWEN, 2017).
Sendo assim, neste capítulo, refletimos sobre os impactos da vulnerabilidade social no desenvolvimento infantil. Acreditamos com isso que, ao evidenciar melhor os malefícios da vulnerabilidade no desenvolvimento infantil, possamos cooperar para o arcabouço teórico que enfatiza a temática, na busca de propostas futuras de intervenções por intermédio do ambiente para atenuar esses índices elevados de vulnerabilidade infantil.
DESENVOLVIMENTO INFANTIL
Os estudos na área do desenvolvimento humano se baseiam em 3 principais domínios: físico, cognitivo e psicossocial, de forma que estão interligados entre si, afetando uns aos outros à medida que o desenvolvimento acontece. A literatura traz os períodos da infância divididos por faixas etárias, além do período pré-natal, sendo eles: primeira infância (do nascimento aos 3 anos), segunda infância (3 a 6 anos) e terceira infância (6 a 11 anos) (PAPALIA; FELDMAN, 2013).
Para cada uma dessas fases existem marcos do desenvolvimento, que são habilidades pertencentes a maior parte das crianças em uma determinada faixa etária (CDCP, 2022). Na primeira infância os aspectos motores dizem respeito ao acelerado crescimento e aquisição de habilidades, sendo elas: (1) habilidades motoras gerais, que abrangem músculos maiores (2) habilidades motoras finas, que por sua vez envolvem músculos menores e proporcionam um controle mais eficaz do ambiente. Quanto ao aspecto cognitivo, a compreensão e o uso da linguagem se desenvolvem de forma rápida nesta fase. Por fim, relacionado ao desenvolvimento psicossocial, há a aquisição de vínculos afetivos, autonomia e interesse pelos pares (PAPALIA; FELDMAN, 2013).
Na segunda infância são aprimoradas as habilidades motoras finas, memória e linguagem, independência, autonomia e autocontrole. Além disso, o brincar se torna mais elaborado e imaginativo, contando com a presença dos pares (PAPALIA; FELDMAN, 2013).
Já na terceira infância, quanto ao desenvolvimento motor, o crescimento é mais lento, ao passo que a força física aumenta. Em relação à cognição, as habilidades de memória e linguagem seguem evoluindo, assim como, o controle emocional e a compreensão. Sobre o desenvolvimento psicossocial, a convivência com pares aumenta, de modo que nessa faixa etária as crianças formam grupos a partir de suas características em comum (PAPALIA; FELDMAN, 2013).
De acordo com esse processo de desenvolvimento, pode-se compreender melhor o desenvolvimento neurológico, período em
que ocorrem grandes modificações, sendo adquiridas habilidades simples e complexas (NSCDC, 2007). Corroborando a isso, Costa (2018), afirma que durante o período dos 1.000 dias, esses processos ocorrem com maior intensidade.
Nesse âmbito, a sinaptogênese ocorre a partir da 28º semana de gestação e aumenta gradativamente até a quantidade dobrar no período entre 2 e 4 meses após o nascimento, atingindo o pico de novas sinapses no 8º mês de vida, aproximadamente (HUTTENLOCHER, 1990). Da mesma maneira que a formação de sinapses se fortalece à medida que o desenvolvimento ocorre e estas são repetidamente utilizadas, também há o processo chamado de “poda sináptica”, no qual, a partir do 12º mês de vida, as sinapses utilizadas em menor grau enfraquecem, deixando de existir (CCNCI, 2014; TAU; PETERSON, 2010; KANDEL et al., 2014).
Além da relação entre a quantidade de novas sinapses e o tempo de vida, ocorrem diferenças nesse ritmo conforme a região do cérebro. Nesse sentido, Lent (2019) coloca que o desenvolvimento humano acontece em formato de U invertido e não de forma linear, visto que existem picos para a aprendizagem de conjuntos de habilidades. Tais picos ou janelas de oportunidades são também denominados de períodos sensíveis ou períodos críticos (HOHL, 2020).
Por exemplo, as capacidades sensório-motoras, originadas no córtex sensorial, são anteriormente desenvolvidas (aproximadamente dos 3 meses até o 2º ano de vida) comparado às funções cognitivas superiores, estabelecidas entre 2 e 3,5 anos, advindas do
Quanto ao desenvolvimento do córtex associativo que envolve, entre outras, a área da linguagem, acontece entre o 6º e 8º mês e se estende até o 8º ano de vida. Por fim, a aquisição das funções executivas, originadas no córtex pré-frontal, inicia-se entre 1 e 4 anos de vida, se estendendo até o período da adolescência e vida adulta, o que certamente impactará no comportamento racional-lógico (NSCDC, 2007; ARAIN et al., 2013).
No que se refere à aquisição de novas habilidades, destaca-se o conceito de neuroplasticidade ou plasticidade cerebral, que é caracterizado como a capacidade de adaptação do cérebro aos estímulos advindos da interação entre o sujeito e o ambiente, de forma temporária ou permanente (CRESPI; NORO; NÓBILE, 2020). Nesse sentido, Kaufman et al. (2000) afirmam que o cérebro das crianças apresenta maior plasticidade, porém se torna mais vulnerável a fatores negativos, pois ele tem alta adaptabilidade às demandas que ocorrem no contexto.
Desta forma, fatores como condições intra-uterinas durante a gestação e a qualidade dos estímulos ofertados após o nascimento são decisivos para o desenvolvimento (ISO; SIMODA; MATSUYAMA, 2007). O desenvolvimento dos mecanismos cerebrais depende das interações, relações e condições sociais apresentadas aos indivíduos, e não somente dos processos biológicos iniciais. Logo, as adversidades vivenciadas na primeira infância, principalmente no que diz respeito à relações e estruturas sociais, impactam no desenvolvimento cerebral (MCEWEN; MCEWEN,
2017). Além disso, pode-se relacionar com o conceito de epigenética, no qual através de alterações ambientais, por exemplo, pode-se modificar a expressão dos genes sem que haja mudanças na sequência do DNA, ou seja, os fatores ambientais podem interferir direta e indiretamente no comportamento, nas preferências, nas habilidades e nos possíveis transtornos mentais manifestadas pelo indivíduo (COSTA, 2018).
Nesse sentido, Lipkin e Macias (2020) citam os determinantes sociais da saúde e experiências adversas na infância como fatores de risco para a ocorrência de problemas no desenvolvimento. Por isso, salienta-se a importância da triagem e vigilância do desenvolvimento, visando aprimorar a detecção prévia de riscos e iniciar intervenção precoce quando necessário, pois o contexto social em que se está inserido afeta diretamente esse processo de desenvolvimento, gerando consequências que podem perdurar ao longo da vida (NELSON et al., 2013; ALMEIDA et al., 2021).
A SOCIALIZAÇÃO NO DESENVOLVIMENTO
O primeiro ano de vida é a fase na qual ocorre a construção do sujeito. A criança começa a demonstrar sinais de reconhecimento dos familiares e a relacionar-se em torno do terceiro e quinto mês, expressando maior interesse aos estímulos ao seu redor. É a partir do segundo ano de vida que o bebê irá aumentar o processo de explorar o ambiente pelos aspectos sensório-motores, como olhar, pegar e andar (FRIEDMANN et al., 2013).
Nesse sentido, o processo de socialização se inicia na primeira infância, e se desenvolve a partir da influência dos papéis culturais e crenças desempenhados pelos pais. Para Nascimento (2020) a inserção da criança no mundo cultural ocorre antes mesmo do nascimento, pois a posição social dos pais definirá sua estrutura social na infância.
Gonzaga e Oliveira (2022) complementam que a socialização primária da criança ocorre em casa, no seu ambiente familiar e em meio às relações afetivas, hierárquicas e suas particularidades. Durante a primeira infância, as crianças aprendem sobre os papéis que esperam que elas desempenhem. Entretanto, só a partir das próprias experiências em suas interações é que se desenvolve uma percepção mais explícita de si, de suas habilidades e de como agir e se impor de acordo com as regras do meio em que vivem, momento em que se estabelecem os contratos sociais com os pares em brincadeiras e interações sociais em geral (COLE; COLE, 2003; PAPALIA; FELDMAN, 2013).
Outro aspecto do desenvolvimento social é a formação da personalidade, fase em que as crianças desenvolvem seus próprios padrões singulares de sentimento, pensamento e comportamento. A partir disso, passam a desenvolver o autoconceito, isto é, a autopercepção de si mesmo, das características próprias e diferenças de si para com os outros e o mundo (COLE; COLE, 2003).
Tamanha a importância da socialização para o desenvolvimento infantil que a literatura nos apresenta, através do modelo bioecológico do desenvolvimento humano (BRONFENBRENNER, 1979), que a criança se desenvolve conforme sua relação com o
contexto, transformando e sendo transformada nessa interação com outros indivíduos em formação. Esses diferentes contextos, denominados no modelo como sistemas, são: o sistema individual, o microssistema, o mesossistema, o exossistema, o macrossistema e o cronossistema.
O sistema individual refere-se aos fatores biológicos e genéticos do ser humano em desenvolvimento. 3 tipos distintos de características da pessoa influenciam o curso do desenvolvimento humano. A primeira característica individual diz respeito às disposições que podem colocar os processos proximais em movimento. A segunda são os recursos biológicos de habilidade, experiência e conhecimento para que os processos proximais sejam efetivos em determinada fase de desenvolvimento. E, por último, as características de demanda que convidam ou desencorajam reações do ambiente social que podem fomentar ou interromper a operação de processos proximais (BRONFENBRENNER; MORRIS, 2006).
Fora o sistema individual, temos ainda outro sistemas, como é o caso do microssistema, o qual refere-se ao ambiente em que o indivíduo em desenvolvimento está inserido e na sua interação com objetos e pessoas as quais interage face a face, como por exemplo família, creche, escola, trabalho, bairro, vizinhos e demais ambientes próximos. A construção evolutiva da realidade pela pessoa só pode ser inferida de padrões de atividade, papéis e relações (BRONFENBRENNER, 1979; BRONFENBRENNER; MORRIS, 2006).
O mesossistema, por sua vez, é definido como o conjunto de microssistemas, isto é, as relações existentes entre 2 ou
mais ambientes em que o indivíduo está inserido (por exemplo, a inter-relação entre família, escola e vizinhança). Ele é estabelecido quando a pessoa em desenvolvimento entra pela primeira vez em um novo ambiente e torna-se participante ativo (BRONFENBRENNER, 1979).
O exossistema compreende 1 ou mais ambientes (microssistemas) em interação em que não envolvem a criança como participante ativo e por interações face a face, mas que influenciam e são influenciados pela pessoa, como, o local de trabalho dos pais e a comunidade social da família (BRONFENBRENNER, 1979).
Acerca do macrossistema, consiste na união de todos os níveis anteriormente citados, micro, meso e exo em um sistema no nível da subcultura ou da cultura como um todo. A política pública é uma parte do macrossistema que orienta o curso do comportamento e do desenvolvimento. É o sistema mais distante do indivíduo, sendo composto por valores sociais, institucionais e governamentais. Em suma, é um sistema que cuida do componente ideológico, o qual é afetado, mas sobretudo afeta todos os demais sistemas (BRONFENBRENNER, 1979).
Além disso, temos o cronossistema, a relação do tempo em função dos sistemas e do indivíduo, o qual é classificado em microtempo, mesotempo e macrotempo. O microtempo se refere ao tempo imediato em que os processos proximais se estabelecem. O mesotempo se refere à frequência e extensão de tempo que se relaciona aos processos proximais. E o macrotempo corresponde aos acontecimentos históricos, que impactam não apenas o indivíduo como também pequenos e grandes grupos (BRONFENBRENNER; MORRIS, 2006).
As interações duradouras que ocorrem entre o organismo e o ambiente são chamadas de processos proximais e pressupõe-se que sejam os principais mecanismos de produção do desenvolvimento humano. Alguns exemplos desse processo são encontrados durante o alimentar, o confortar e o brincar com o bebê. É através da interação progressivamente mais complexa com seus pais/ cuidadores que a criança desenvolve habilidades e torna-se cada vez mais agente de seu próprio desenvolvimento (BRONFENBRENNER, 1979; BRONFENBRENNER; MORRIS, 2006).
A relação parental com a criança apresenta-se com grande importância nesse desenvolvimento, como sugere uma pesquisa realizada com crianças italianas e seus pais durante o uso do Ensino à Distância (EAD) na pandemia de COVID- 19. Identificaram respostas negativas em relação aos aspectos comportamentais e emocionais de ambos. Esse resultado aponta para a ideia de que os altos níveis de estresse dos pais em função do isolamento possam ter afetado negativamente o bem-estar psicológico das crianças, pois os sintomas parentais estão relacionados aos sintomas psicológicos dos filhos (MAGGIO et al., 2021).
Indo ao encontro desta ideia, Gonzaga e Oliveira (2022), apontaram que os locais sociais que frequentam crianças de nível de ensino fundamental influenciam em seus comportamentos, para a construção de suas identidades e visões de mundo. Ademais, a criança, ao ocupar um espaço público, tem a oportunidade de conviver com diferentes relações sociais, culturais e com a diversidade de pessoas e faixas etárias, fazendo com que se sinta parte desse contexto.
Em conformidade a isso, crianças privadas desse convívio social com pares nos primeiros anos demonstram ter atrasos no desenvolvimento como um todo (SOUZA; DIAS, 2008; NELSON; FOX; ZEANAH, 2013). Souza e Dias (2008) em um estudo de caso com crianças mantidas em um cativeiro com suínos, relatam que mesmo após o processo de ressocialização e readaptação os efeitos da privação lhes causaram danos irreversíveis no desenvolvimento motor, social e cognitivo, por exemplo, não conseguiram aprender a língua materna e muitas normas socioculturais.
Além disso, no estudo de Nelson, Fox e Zeanah. (2013), a importância do cuidado parental na primeira infância é reforçada. Os autores investigaram 3 grupos de crianças: abandonadas em instituições nos primeiros meses de vida; abandonadas, mas que foram designadas para uma intervenção de acolhimento familiar; crianças que nunca haviam sido institucionalizadas e que moravam com suas famílias. Os dados demonstraram que as crianças que receberam um lar adotivo tiveram maior formação de vínculos, similar ao grupo que foi criado por sua família biológica.
Enquanto que o grupo abandonado e institucionalizado no início da vida teve menores índices (18%) de formação de vínculos seguros. Cabe ressaltar ainda que, a maior parte dos indivíduos que mesmo institucionalizados conseguiram formar laços afetivos seguros foram deixados em abrigos antes dos primeiros 24 meses de vida (NELSON; FOX; ZEANAH, 2013), o que ressalta a ideia de que, antes disso, o processo socializador talvez não seja tão preponderante em função da não formação do cérebro social da criança (PIAGET, 1974).
Nesse sentido, a importância do ambiente é significativa para o desenvolvimento, uma vez que, situações de privação social e vulnerabilidade, especialmente no período da infância, podem causar impactos negativos no processo de desenvolvimento.
VULNERABILIDADE SOCIAL
A vulnerabilidade social está associada com a baixa renda, mas também com dificuldade de acesso aos serviços públicos, fragilização de vínculos afetivos e do pertencimento social como discriminações (PNAS, 2004). Quando ocorre a diminuição das relações sociais, pode-se aumentar a exclusão social, tornando o indivíduo mais suscetível ao sofrimento por danos psicológicos, físicos e emocionais (LEIGH-HUNT et al., 2017). Oliveira (1995) relata várias vulnerabilidades, sendo elas invalidez, deficiência, maternidade, morte, ser criança, violência, doença, ausência de referências ou parentesco, entre outras.
No Brasil, as crianças mais vulneráveis à violência são as expostas a conflitos domésticos devido ao confinamento prolongado; que vivem em situação de rua; migrantes; redução de renda e escassez de recursos dos povos do campo e floresta (CABRAL et al., 2021). Em 2020, por exemplo, houve redução de 18% nas denúncias de violência contra crianças e adolescentes pelo Disque 100, do Disque Direitos Humanos (BRASIL, 2020). Isso pode ser devido às dificuldades de acesso às redes de cuidado, proteção, assistência à saúde e social e aos canais de denúncia, em decorrência
da pandemia de COVID-19 e o fechamento das escolas (CABRAL et al., 2021).
De acordo com o Atlas da Violência (IPEA, 2021) houve aumento de 35,2% nas mortes violentas sem indicação de causa; 21,6% do aumento da taxa de mortalidade de indígenas; aumento de 1,6% de homicídio de negros (corresponde a 77% das vítimas de homicídio no Brasil); aumento de 9,8% dos casos de violência contra a população LGBTQI+, em relação a 2018, e aumento de 6,1% da taxa de homicídios de mulheres nas residências.
Outro fator em grupos mais vulneráveis como indígenas, ribeirinhos e quilombolas é a desnutrição. Segundo o Ministério da Saúde (2018), a desnutrição crônica em crianças indígenas com menos de 5 anos era de 28,6%, sendo destes 79,3% composto por crianças ianomâmis. De acordo com dados da UNICEF (2019), 2 em cada 3 crianças não recebem a diversidade alimentar mínima recomendada para um crescimento e um desenvolvimento saudáveis e, 1 para cada 5 (idade de 6 a 23 meses) das que residem em áreas rurais mais pobres.
A má nutrição pode gerar baixo crescimento, baixo desenvolvimento cognitivo, imunidade fraca e até mesmo a morte. Em alguns casos, a não absorção de nutrientes também está relacionada com a falta de acesso a serviços de saúde, saneamento básico e água potável (UNICEF, 2019).
Quando uma criança não tem suas necessidades atendidas repetidas vezes, como por exemplo a fome, ou ainda sofrer abusos (de qualquer natureza, emocional/psicológico ou físico) ela passa por um período chamado de estresse tóxico (JOHNSON et
al., 2013; UNICEF, 2021). Durante um período longo convivendo com os hormônios do estresse (causados por essa vulnerabilidade social), geram-se quadros de irritabilidade, apatia, perda de peso, perda de sinapses cerebrais e o processo de ramificação de contato entre as diferentes áreas do córtex cerebral é prejudicado (UNICEF, 2021). Portanto, esse estresse precoce parece ser extremamente maléfico para o processo de desenvolvimento.
IMPACTOS DO ESTRESSE PRECOCE NO
DESENVOLVIMENTO INFANTIL
Segundo Silva, Goulart e Guido (2018) o estresse, pela visão biológica, é definido como uma reação defensiva fisiológica do organismo em resposta a qualquer estímulo, podendo ser dividida em 3 fases: reação de alarme, de resistência e de exaustão. As reações orgânicas e psíquicas são capazes de provocar desequilíbrio no organismo se forem em grande intensidade e duração. A fase de alarme é considerada a fase de preparação para enfrentar uma situação. Se o estressor não for eliminado, passa para a segunda fase, a de resistência, na qual a pessoa tenta se adaptar, mas gasta muita energia para lidar com o estímulo estressor. E a última fase, a de exaustão, é na qual há possibilidade de surgirem patologias, já que houve muito desgaste do organismo. Independente de qual fase for, sempre existirá algum sintoma, como aumento de pressão arterial, irritabilidade excessiva, mudança extrema de apetite, úlcera, cansaço excessivo, tontura, dentre outros (PACÍFICO; FACCHIN; CORRÊA SANTOS, 2017).
Isso acontece devido a ativação do sistema nervoso autônomo, que mediante eventos estressores libera a produção de adrenalina e cortisol, através da ativação do eixo hipotálamo-glândula pituitária-glândula adrenal (HPA), para preparar o organismo a enfrentar esses estímulos. Quando esses eventos são crônicos podem causar mudanças na estrutura e funcionamento do cérebro, gerando risco para o desenvolvimento de dificuldades cognitivas (MCEWEN; MCEWEN, 2017).
De acordo com Shonkoff (2012) o estresse pode ser classificado como: estresse positivo, tolerável e tóxico. O estresse positivo consiste em um estado psicológico de intensidade e duração de leve a moderada. O segundo tipo (tolerável), em contraste com o estresse positivo, está associado à exposição de experiências com maior grau de ameaça ao indivíduo, como morte de membros da família e doenças graves. Por fim, a última e mais perigosa forma de estresse, o estresse tóxico, é caracterizado por uma forte reatividade do organismo e de prolongada ativação do corpo ao sistema de resposta ao estímulo estressor.
O estresse tóxico, durante períodos sensíveis do desenvolvimento humano, pode acabar provocando disrupturas no circuito cerebral, em órgãos e sistemas metabólicos, causando prejuízos no desenvolvimento e aprendizagem da criança, além de problemas de saúde física e mental (SHONKOFF et al., 2012).
Do ponto de vista comportamental, esse estresse precoce provoca hipervigilância para ameaças e desconfianças nas atitudes de terceiros, tornando difícil o estabelecimento de vínculos duradouros e empobrecendo as relações interpessoais. Ou seja,
o estresse precoce afeta os processos autorregulatórios e leva a comportamentos não saudáveis e de risco, também podendo dificultar o desenvolvimento biológico e psicológico, alterando a estrutura e funcionalidade cerebral (BRANCO; LINHARES, 2018).
Crianças em desvantagens socioeconômicas, com riscos psicossociais e riscos genéticos estão potencialmente vulneráveis aos eventos estressores e são consideradas em risco para dificuldades ou atrasos de desenvolvimento (SAPIENZA;
PEDROMÔNICO,
2005). Apesar disso, Haggery et al. (2000) discorrem que até mesmo crianças em situações de extremo risco podem encontrar maneiras de enfrentar as adversidades, e que a resiliência pode ser um fator de proteção para a adaptação do indivíduo nos desafios cotidianos. De acordo com Sapienza e Pedromônico (2005, p. 214), “crianças resilientes são aquelas que superam situações capazes de arruinar a maioria das crianças”, por exemplo, aquelas que foram negligenciadas e agredidas na infância, mas conseguem se tornar bons pais e mães. Papalia e Olds (2000) ainda acreditam que existem alguns fatores de proteção que podem contribuir para a resiliência, os quais estão relacionados à personalidade da criança, à família, às experiências de aprendizagem e experiências proporcionadas por um ambiente escolar favorável.
Indo ao encontro dessas afirmações, foi realizada, em 2019, uma pesquisa com 2 grupos de crianças: o grupo 1 formado por crianças vítimas de violência doméstica (ex.: física, psicológica ou sexual), no grupo 2 não houve relatos de situações de violência vivenciados pelas crianças. Como resultado, foi observado que os 2 grupos apresentaram alta capacidade de resiliência, independente da violência sofrida. Porém, a escola e os professores foram
identificados como importantes fontes de proteção para os sujeitos do estudo, sendo a escola constituindo-se como uma importante fonte de apoio, principalmente para as crianças em situação de vulnerabilidade. Por isso, o distanciamento da relação aluno-professor pode ser considerado um fator de risco (HIDELBRAND et al., 2019).
Segundo Murata (2013), o ambiente é um fator essencial para o desenvolvimento da resiliência, principalmente as relações vivenciadas em ambiente familiar (ex.: boa comunicação entre pais e filhos, o cuidado e afeto entre familiares). Essas relações familiares, se prejudicadas, como em situações de abuso infantil, negligência, abuso de substâncias pelos pais e depressão materna, impactam negativamente no desenvolvimento infantil por serem fatores de risco ao estresse precoce.
Segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP, 2017), todas as crianças estarão expostas a algum tipo de estresse na vida, mas precisa ser proporcional a sua habilidade de lidar com ele, a sua maturidade e ao estágio de desenvolvimento. Por isso, crianças expostas desproporcionalmente a eventos estressores e adversidades, serão incapazes de construir estratégias de enfrentamento, assim como, crianças muito poupadas e protegidas não conseguirão lidar com situações conflitantes ao longo da vida.
Nesse sentido, o desenvolvimento da primeira infância pode ser impactado pelo estresse tóxico, causando alterações na estrutura e funcionamento cerebral e dificultando o desenvolvimento biológico e psicológico (BRANCO; LINHARES, 2018). Shonkoff (2010) afirma que esse desajuste cerebral provoca lesões que
podem se expandir para a vida adulta, influenciando aspectos como aprendizado, comportamento e expectativa de vida. Além disso, pode provocar surgimento de doenças na vida adulta, pois essas adversidades sofridas na infância podem ser transformadas em comportamentos de risco no futuro, como abuso de substâncias ilegais, paternidade/maternidade na adolescência e comportamentos antissociais e violentos (BRANCO; LINHARES, 2018).
McEwen e McEwen (2017) desenvolveram um modelo para explicar as causas e consequências do estresse tóxico para a criança. É possível observar que quando não existe apoio social positivo, as circunstâncias sociais desfavoráveis interferem nos níveis de adversidade, podendo gerar o estresse tóxico, resultando em uma carga alostática (hiper-reatividade ao estresse e existência de um nível estresse basal recorrente nos mecanismos biológicos).
O estresse tóxico e a carga alostática resultante afetam, portanto, o desenvolvimento do cérebro e do corpo, em parte por meio de alterações epigenéticas e em parte pelo sistema neuroendócrino (MCEWEN; MCEWEN, 2017). Esses efeitos do estresse no desenvolvimento do cérebro e do corpo reduzem a capacidade de autorregulação e desempenho cognitivo, aumentando a vulnerabilidade a doenças físicas e mentais. O subdesenvolvimento ocasionado pelo estresse tóxico precoce, pode resultar em níveis reduzidos de prontidão escolar, prejudicando o desempenho acadêmico e o sucesso ocupacional. Entretanto, muitos desses efeitos podem ser reduzidos por intervenções no contexto social, como indicado na Figura 1, logo abaixo, (MCEWEN; MCEWE, 2017), considerando a plasticidade do cérebro (MCEWEEN; MCEWEEN, 2017; DAWSON, 2008).
Figura 1 - Estrutura social, suportes sociais, adversidade, estresse tóxico e desenvolvimento cérebro/corpo na primeira infância.
Fonte: Adaptado de McEwen e McEwen (2017)
Esses efeitos, apontados na Figura 1 (MCEWEN; MCEWEN, 2017), demonstram as reações em cadeia que fatores como posição social estrutural da família e outras adversidades na primeira infância culminam em estressores tóxicos, o que pode sobrecarregar os mecanismos psicofisiológicos de estresse, impactando no desenvolvimento físico e neural, afetando as capacidades cognitivas, o que resulta em menores chances de sucesso acadêmico, profissional e de qualidade de vida nas fases posteriores da vida da criança.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O período pré e pós natal correspondem a um período em que o cérebro está em constante desenvolvimento e absorção de aprendizados, o que o torna mais suscetível às intercorrências do contexto, sejam elas boas ou ruins.
Sendo o ambiente em que se convive de suma importância, fatores como privação de convívio social, estado ruim de saúde dos cuidadores, baixa renda, dificuldade de acesso aos serviços públicos de saúde e educação, fome, violência e maus tratos ou abandono parental podem gerar efeitos negativos (como o estresse tóxico) que acompanharão o indivíduo para o resto de sua vida. O cérebro pode apresentar alterações em suas estruturas e funções, podendo causar danos físicos, psicológicos, emocionais, sociais e de desempenho ocupacional durante o processo de desenvolvimento.
Desta forma, é imprescindível as considerações acerca dos impactos do contexto e situações de vulnerabilidade social em que a criança está inserida, de modo a possibilitar detecção prévia de risco e início da intervenção precoce quando necessário, alterando os estímulos provenientes do ambiente, para que haja um melhor desenvolvimento.
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O IMPACTO DO RACISMO NO
DESENVOLVIMENTO INFANTIL: REFLEXÕES SOBRE PROCESSOS DE AVALIAÇÃO
Sofia Martins
Izabela Alves
Beatriz Farão Sheer
Plinia Manuella de Santana Maciel
INTRODUÇÃO
A primeira infância é definida como o período entre a gestação e os 6 anos (BRASIL, 2018). E reconhecer possíveis alterações e fatores que influenciam o desenvolvimento infantil é essencial para um processo de intervenção bem sucedido. Neste sentido, este capítulo convida à reflexão sobre a repercussão do racismo na infância e os possíveis impactos deste fenômeno na vida de crianças negras e em seu desenvolvimento.
Um argumento que corrobora para a relevância desta reflexão é apresentado por Shonkoff, Slopen e Williams (2021) ao definirem que as situações vivenciadas por crianças negras de racismo institucional/estrutural, cultural e discriminação interpessoal causam perturbações fisiológicas de estresse tóxico. Essas perturbações impactam tanto no sistema fisiológico quanto no cérebro em desenvolvimento dessas crianças. Os autores apontam ainda que esse quadro poderá influenciar na base do desenvolvimento ideal e saudável da primeira infância (SHONKOFF; SLOPEN; WILLIAMS, 2021).
A dimensão do racismo, como um possível fator de risco e/ ou estressor tóxico ainda é pouco investigada, o que demonstra um limite na compreensão de como essa ideologia pode causar efeitos no desenvolvimento de crianças entre 0 e 6 anos e no trabalho de empoderamento de famílias com filhos negros. Dessa forma, a urgência de considerar o racismo como uma variável substancial e que traz repercussões na infância é subsidiada pelo documento “Racismo, Educação Infantil e Desenvolvimento na Primeira Infância” (DIAS et al., 2021) ao apresentar os impactos
do racismo em distintas dimensões do desenvolvimento infantil das crianças negras, da faixa etária mencionada.
Nesse documento são mencionados os impactos do racismo no desenvolvimento infantil, como na autopercepção, na autoconfiança, no aprendizado, no acesso a direitos, na construção da identidade, nas relações parentais, nas oportunidades para adquirir habilidades e conhecimentos e na saúde física e mental. E ainda, os efeitos do racismo na infância podem ocasionar a rejeição da própria imagem e o impacto na autoestima, a dificuldade de confiar em si mesmo, a construção de uma identidade racial desvalorizada, restrições para realizar sua capacidade intelectual, problemas de socialização e inibição comportamental, propensão ao desenvolvimento de doenças crônicas na vida adulta, violência doméstica, ansiedade, fobia, depressão e estresse tóxico (DIAS et al., 2021).
No Brasil, os atrasos e/ou prejuízos no desenvolvimento infantil são identificados por meio de processos avaliativos que utilizam de métodos diversificados para geração de informações. O processo de avaliação inicia-se na escolha do método de coleta das informações. Mancini, Pfeifer e Brandão (2020) abordam que terapeutas ocupacionais, durante o processo avaliativo de crianças, utilizam de métodos como entrevistas, observações e testes padronizados. De modo geral, a entrevista é utilizada para conhecer a história da família e da criança; as observações envolvem um olhar atento aos fenômenos que estão sendo investigados; e os testes padronizados são ferramentas utilizadas para comparar o desempenho da criança em determinado aspecto a pontuações de um grupo normativo (MANCINI; PFEIFER; BRANDÃO, 2020).
Madaschi e Paula (2011) apresentam como resultado de pesquisa as principais medidas de avaliação do desenvolvimento infantil, usadas em pesquisas e na prática clínica. Neste resultado, os testes padronizados encontrados foram: Teste de Denver, Peabody Developmental Motor Scale (Escala PDMS II), Medida de Função Motora Grossa (GMFM), Test of Infant Motor Performance (TIMP) e Escala Motora Infantil de Alberta (AIMS). Sobre esses testes, destaca-se que apenas 2 estão validados para a população brasileira - Denver II e a Escala Motora Infantil de Alberta (AIMS) (MADASCHI; PAULA, 2011). Pontua-se que, neste estudo, testes que avaliam outras dimensões do desenvolvimento não receberam enfoque.
É possível analisar que esse conjunto de medidas produz dados, majoritariamente, referente à mensuração de habilidades e funções corporais diversas. No entanto, destaca-se que as principais medidas avaliativas do desenvolvimento infantil não subsidiam dados que apontem especificamente às experiências de racismo pelas quais as crianças crianças negras estejam expostas.
Assim, o tema deste capítulo, Reflexões sobre processos de avaliação do impacto do racismo no desenvolvimento infantil, parte da inquietação de ter acesso a dados que identifiquem os trágicos e cruéis impactos do racismo no desenvolvimento infantil das crianças negras e a incipiência da realização deste debate quando se trata dos cenários da prática clínica, do ensino e da pesquisa em desenvolvimento infantil, especialmente norteadas pela área da saúde.
PANORAMA DAS INVESTIGAÇÕES
SOBRE
INFÂNCIA
Na literatura, os entendimentos sobre a infância têm sido desenvolvidos e avançados por áreas como pediatria, psicologia e pedagogia. Acentua-se que, nesse campo de conhecimento, a terapia ocupacional também tem contribuído com trabalhos que tem como finalidade o desenvolvimento, a autonomia e a participação social das crianças (GOMES; OLIVER, 2010).
Ainda sobre o campo de estudos sobre a infância, os temas pesquisados são diversificados - desordens neuromotoras; atrasos no desenvolvimento; adoecimento e hospitalização; sofrimento psíquico; transtornos (emocional, do processamento sensorial, mental, do desenvolvimento da coordenação); deficiências (intelectual, visual, física); crianças em situação de risco social; prática centrada na família; recursos terapêuticos; e importância da inclusão escolar, da tecnologia assistiva e do brincar (GOMES; OLIVER, 2010; PFEIFER; SANT’ANNA, 2020).
Assim, considera-se importante destacar que, sobre essas temáticas, nesses estudos, o viés racial ocorre de forma raríssima, senão inexistente. E, embora no campo da terapia ocupacional existam estudos/considerações importantes acerca do racismo (AMBROSIO et al., 2021; AMORIM et al., 2020; BEAGAN, 2020; BEAGAN; ETOWA, 2009; FARIAS; LEITE JUNIOR; AMORIM, 2020; MARTINS, 2021; MARTINS; FARIAS, 2020), salienta-se que não tratam, especificamente, dos processos avaliativos do desenvolvimento infantil de crianças negras.
Considera-se ainda relevante enfatizar que os estudos sobre a infância têm sido revistos e analisados por uma perspectiva plural. Em outras palavras, os modelos universais e hegemônicos, pautados em uma infância única, têm sido questionados. Essa reflexão epistêmica do conhecimento sobre a infância tem trazido questões sobre a diversidade e a pluralidade, considerando-a em seus contextos reais, adversos e com variações territoriais (PASTORE; JURDI; SILVA, 2021). Dessa forma, esse entendimento plural da infância tem trazido à tona as diferenças vividas pelas crianças em seus distintos contextos, como por exemplo, os macrossociais, dentre eles o pandêmico (PASTORE, 2021) e o contexto racista (CRUZ; BARRADAS; SAMPAIO, 2021).
Colocando em tela os contextos e as experiências consideradas como fatores de risco que impactam no desenvolvimento infantil, no documento “Política de Atenção Integral à Saúde da Criança: orientação para a implementação”, são mencionados os fatores ambientais, os biológicos e os psicossociais (BRASIL, 2018). E, novamente, é possível constatar que o racismo não aparece como uma categoria específica que desencadeia gravíssimos prejuízos à infância negra:
[...] à exposição a fatores de riscos ambientais (em especial a pobreza), biológicos e psicossociais, como desnutrição crônica, deficiências de ferro e iodo, estimulação cognitiva e socioemocional inadequadas, maus-tratos, depressão materna, baixa escolaridade materna, família/comunidade em situação de violência, contaminação ambiental (chumbo
e arsênio) e algumas doenças infecciosas (malária e HIV) (BRASIL, 2018, p. 60).
A partir disso, é possível observar que há divergência entre os dados apresentados e os princípios, objetivos, diretrizes e estratégias presentes no documento “Política Nacional de Saúde Integral da População Negra” (PNSIPN). Isso porque, essa Política é marcada pelo reconhecimento do racismo como um determinante social das condições de saúde (BRASIL, 2017).
Nesse sentido, destaca-se duas estratégias de gestão que compõe essa Política e corroboram para a argumentação desta discordância: a primeira diz respeito a necessidade de fortalecimento da atenção à saúde mental das crianças e adolescentes, a fim de acompanhar o crescimento, o desenvolvimento, o envelhecimento e a prevenção dos agravos decorrentes da discriminação racial e exclusão social; e a outra, refere-se à necessidade de fomentar a realização de estudos e pesquisas sobre racismo e população negra (BRASIL, 2017).
A partir deste conjunto de argumentos, compreende-se que os processos de avaliação e os instrumentos de geração de dados utilizados para avaliação e vigilância do desenvolvimento infantil (MADASCHI; PAULA, 2011; MANCINI; PFEIFER; BRANDÃO, 2020) podem não estar sendo sensíveis à identificação da presença de alterações no desenvolvimento oriundas das experiências sofridas de racismo.
Dessa forma, reitera-se a importância desta discussão que reside na urgência de oportunizar a visibilidade dos impactos
danosos e históricos do racismo na janela de oportunidades da infância entre os 0 e 6 anos, conforme informado por documentos que tratam da primeira infância (BRASÍLIA, 2010; DIAS et al., 2021).
FATORES ESTRESSORES DO DESENVOLVIMENTO
INFANTIL
O desenvolvimento infantil é um processo de interação contínua e interativa, iniciado na concepção, envolvendo o crescimento físico, a maturação neurológica e as aquisições de habilidades da criança (motoras, cognitivas, afetivas e sociais). O desenvolvimento infantil é impactado pelos fatores individuais, como as predisposições genéticas, e os fatores ambientais, nos quais por meio dessa interação ocorre o desenvolvimento pré e pós-natal, que podem levar a amplos resultados positivos ou negativos (SHONKOFF; SLOPEN; WILLIAMS, 2021).
Alguns fatores são apontados como de impacto negativo no desenvolvimento infantil. Dentre eles, destaca-se o abuso infantil, os casos de negligência, abuso de substância pelos pais e depressão materna, condição de pobreza, doenças, baixa escolaridade materna, entre outras (BRASIL, 2018).
Referente, especificamente, ao estresse tóxico, compreende-se que seja o resultado de uma forte, frequente ou prolongada resposta a uma situação de estresse, sem a proteção de uma rede de apoio (SHONKOFF; SLOPEN; WILLIAMS, 2021). Nesse sentido, Shonkoff, Slopen e Williams (2021) descrevem que o estresse
tóxico impacta no desenvolvimento, podendo ocasionar problemas de aprendizagem, comportamento e saúde física e mental.
Os efeitos do estresse tóxico na estrutura e função do cérebro já é conhecido. Há extensas evidências de que o estresse tóxico em idade de desenvolvimento causa impacto no cérebro e, quando associadas a um estilo de vida estressante na vida adulta, chega a ser mais resistente a tratamentos (SHONKOFF; SLOPEN; WILLIAMS, 2021).
O RACISMO COMO UM ESTRESSOR DO DESENVOLVIMENTO INFANTIL
O Guia de Enfrentamento do Racismo Institucional (GELEDÉS, 2013) define o racismo como a convicção da existência de uma relação entre características físicas hereditárias (fenotípicas como cor de pele, textura de cabelo, formato do nariz e lábios) com traços de caráter, de inteligência e de manifestações culturais. O racismo como fenômeno estruturante da sociedade subentende e/ou afirma a existência de raças puras, consideradas superiores às demais, autorizando uma hegemonia política e histórica. A crença na existência de uma hierarquia de raças superiores e inferiores subsidiou as justificativas de escravização de determinados povos por outros (GELEDÉS, 2013).
O racismo é estruturante da organização política e econômica da sociedade (ALMEIDA, 2019). Silvio Almeida (2019) explica ainda que o racismo,
[...] é a manifestação normal de uma sociedade, e não um fenômeno patológico ou que expressa algum tipo de anormalidade. O racismo fornece o sentido, a lógica e a tecnologia para a reprodução das formas de desigualdade e violência que moldam a vida social contemporânea (ALMEIDA, 2019, p. 15).
O documento “Retrato das Desigualdades” apresenta indicadores que mostram as situações de perspectiva de vida, educação e pobreza, por gênero e raça, de mulheres e homens brancos e negros no contexto brasileiro. O documento consta que numericamente a população negra é maior que a branca. No entanto, referente aos aspectos relacionados à perspectiva de vida, educação e pobreza, a população negra apresenta desvantagem em todos os âmbitos (PINHEIRO et al., 2008).
Dessa forma, compreende-se que a escassez de recursos financeiros e sociais faz com que todo o entorno desta população seja defasado, culminando em um grande potencial gerador de doenças e desgaste físico e emocional. Isso porque, o cotidiano da população negra é repleto de micro agressões e de violências raciais (KILOMBA, 2019). Esse fato torna imprescindível relacionar o racismo como um fator estressor que impacta a saúde.
Nesse sentido, Shonkoff, Slopen e Williams (2021) alertam que é comprovado o esforço que pessoas negras precisam exercer para lidar com as desigualdades estruturais moldadas pelo racismo e outras influências de nível macro sobre a sua saúde física e mental.
PROCESSOS DE AVALIAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO
INFANTIL
A avaliação é um processo norteador do trabalho de profissionais que atuam como facilitadores do desenvolvimento infantil. Pode ser definida como uma maneira sistematizada de obter informações, favorecendo a compreensão do desempenho da criança. A avaliação contribui para maior aproximação da sua história e contextos de vida, da rotina, dos costumes e dos valores de sua família, favorecendo a identificação de facilitadores e barreiras de seu desempenho e participação (CECH; MARTIN, 2012).
O conhecimento dos marcos do desenvolvimento da infância também é fundamental para reconhecer possíveis atrasos transitórios e/ou deficiências permanentes que impactam no desenvolvimento da criança. Na vigilância do desenvolvimento infantil, profissionais atuantes neste campo desenvolvem a prática de intervenção guiados pelas avaliações realizadas com a criança e família. Assim, na avaliação inicial, os profissionais devem oferecer uma escuta qualificada às demandas apresentadas pelos membros familiares. Posteriormente, medidas de avaliação (instrumentos de registro estruturados e sistematizados) são selecionadas com o intuito de registrar e acompanhar o progresso da criança e das metas elaboradas com a família (MCWILLIAM; CASEY; SIMS, 2009; CECH; MARTIN, 2012).
O primeiro passo de uma avaliação tem por objetivo selecionar o método (histórico, entrevista, observações clínicas, instrumentos clínicos padronizados) mais adequado para obter as informações do problema funcional da criança, de sua participação
durante as tarefas cotidianas, das preocupações da família, de seu diagnóstico, da idade e dos fatores relacionados. Nesse passo está prevista a utilização de uma variedade de métodos avaliativos para recolher as informações, pois o uso pode aumentar a validade e confiabilidade do que está sendo observado.
Assim, sugere-se a inclusão do item quesito de cor/raça em todos os instrumentos de geração dos dados sobre o estresse durante o desenvolvimento infantil, conforme recomendado para os sistemas de informação em saúde pela Portaria nº 344, de 1º de fevereiro de 2017 (BRASIL, 2017) e que são insatisfatoriamente registrados (BATISTA et al., 2016; BORRET et al., 2020; OLIVEIRA et al., 2020).
O segundo passo tem como proposta identificar os aspectos que afetam o desempenho funcional da criança. Nesse momento, os pontos fortes e os pontos fracos são colocados em destaque, visando identificar a presença de algum atraso no desenvolvimento, dimensionar se o atraso é significativo, em qual área e como afeta o desempenho funcional e a participação da criança. Identificando, ainda, em qual contexto eles acontecem.
Nesse segundo passo, sugere-se averiguar se a criança e a família negra trazem em sua narrativa alguma expressão introjetada ou comportamento que poderia ser atrelado aos impactos do racismo nas áreas do desenvolvimento infantil como: rejeição da própria imagem, baixa autoestima, dificuldade de confiar em si mesmo, construção de uma identidade racial desvalorizada, problemas de socialização, inibição comportamental, ansiedade, depressão, estresse tóxico, privação de acesso a direitos e nas
oportunidades para adquirir habilidades e conhecimentos (DIAS et al., 2021). Sugere-se ainda, que os instrumentos avaliativos sejam elaborados visando obter informações acerca da moradia, possibilitando a identificação de acesso a lazer, serviços de saúde e educação. E ouvir os relatos das mães, apoiando-se nos estudos recentes que apontam que a discriminação sofrida por elas, apresentam impactos significativos na saúde socioemocional e mental das crianças (ALMEIDA, 2019; GELEDÉS, 2013; SHONKOFF; SLOPEN; WILLIAMS, 2021).
O terceiro passo objetiva, a partir dos resultados obtidos nos instrumentos avaliativos, definir as estratégias de intervenção, metas e objetivos. Nessa etapa, é importante que as metas e os objetivos desenvolvidos sejam baseados em evidências científicas, nos interesses da criança e nas prioridades da família.
Nesse passo, considera-se a relevância de consumir leituras com viés racial que considera comportamentos da branquitude (SCHUCMAN, 2012) e da negritude (SOUSA, 1983), baseados no racismo estruturante da sociedade, de forma a combater violências raciais, promovendo experiências equitativas e pautadas na perspectiva da garantia de direitos sociais.
A discussão sobre o impacto do racismo vem se fazendo presente no âmbito da saúde, porém, ainda com limitados recursos e estratégias de avaliação de crianças negras. Martins e Farias (2020), na discussão do caso de uma menina negra encaminhada e acompanhada em clínica, propõem a escuta sensível da narrativa como um caminho para perceber os impactos das relações socioculturais e de marcadores sociais da diferença como
ocasionadores de sofrimento. Isso pode significar que a avaliação inicial por meio de uma escuta qualificada possa ser um momento importante para especialistas do desenvolvimento infantil atentarem-se a possíveis efeitos e impactos do racismo que crianças e famílias negras estejam experimentando.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste capítulo, buscamos mapear estudos que abordam as dimensões dos impactos do racismo no desenvolvimento infantil, por meio de um levantamento bibliográfico, para relacionar os elementos presentes nessas dimensões a reflexões de processos avaliativos. Embora não tenham sido encontrados estudos (de acordo com nossa busca na literatura) sobre o tema “processos de avaliação do impacto do racismo no desenvolvimento infantil”, existem documentos brasileiros que demonstram as áreas, os impactos e os efeitos do racismo na vida de crianças e famílias negras.
Nossa intenção com este estudo foi de apresentar a reflexão por meio da proposição de um caminho avaliativo, ainda que preliminar, que buscasse dimensionar e visibilizar comportamentos e emoções que possam estar condicionados pela experiência do racismo institucional, cultural ou interpessoal.
Acreditamos que o compromisso dos profissionais especialistas no desenvolvimento infantil configura-se na condução de um raciocínio profissional centrado na família, considerando possíveis particularidades da criança e família negra. Outro compromisso
reside na busca pela implementação e fiscalização de agendas e políticas públicas existentes pautadas no antirracismo, garantindo a criação de ambientes saudáveis para todas as infâncias.
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SOUSA, N. S. Tornar-se negro: as vicissitudes da identidade do negro brasileiro em ascensão social. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1983.
9.
A INTERVENÇÃO PRECOCE NO MODELO CENTRADO NA FAMÍLIA
Amanda Silverio Parro
Arachane Noronha
Brenda de Oliveira Freitas Lacerda
Guilherme Fernando Bilancieri Marciano
Lissandra Regina Bueno
Patrícia Janke
Aline Perboni Zanotto
INTRODUÇÃO
A intervenção precoce (IP) é uma prática de atendimento multiprofissional voltada para crianças que apresentam risco elevado de alterações do desenvolvimento (MACHADO, 2019). Após os anos 1990, pesquisas científicas começaram a explorar a participação familiar nos processos terapêuticos da IP, alterando a visão centrada apenas no indivíduo para incluir os familiares, considerando que estes desempenham um papel primário no progresso da criança. Esta abordagem é conhecida como modelo centrado na família (MARINI; DELLA BARBA, 2021).
No Brasil, embora seja encontrada quantidade razoável de publicações acerca da temática da IP, ainda são escassas as publicações que a relacionam com um modelo que exclua a visão reabilitativa e inclua um modelo centrado na família. Nesse contexto, o presente capítulo discorre sobre o conceito da IP e o modelo centrada na família. Em seguida, apresenta um levantamento dos princípios e protocolos que subsidiam sua aplicação com crianças com atraso do desenvolvimento ou em programas de IP.
INTERVENÇÃO PRECOCE
A IP é compreendida como a intervenção realizada em indivíduos do nascimento até os 6 anos de idade. Estas intervenções visam melhorar a qualidade de vida e as interações destes indivíduos com o meio que habitam, por meio de profissionais, oportunidades do ambiente e familiares engajados no processo
(MACHADO, 2019). Crianças que ao longo da primeira infância apresentam ou são expostas a fatores de riscos, têm recomendação de IP, sendo necessário um trabalho individualizado (MARINI; DELLA BARBA, 2021).
Os fatores de risco identificados na literatura podem ser classificados como fatores biológicos e ambientais. Os fatores biológicos são aqueles considerados como pré- concepcionais, pré-natais, perinatais, neonatais e pós-natais. O período pré-concepcional está relacionado aos eventos antes da concepção, os pré-natais do momento da gestação até o nascimento do indivíduo, os perinatais entre as 22 semanas de gestação e os 7 dias completos após o parto, neonatais contemplam o nascimento até 28 dias de idade cronológica, e os pós-natais iniciam após a finalização do período neonatal (ZAGO et al., 2017).
Os fatores ambientais estão relacionados aos fatores externos à criança, associados ao ambiente ao qual ela está exposta, como a dinâmica familiar e os recursos existentes no ambiente de vivência deste indivíduo Tanto os fatores biológicos, como os ambientais, são decisivos no desenvolvimento infantil (ZAGO et al., 2017).
A identificação de fatores de risco é considerada fundamental, de acordo com Franco (2021), a partir do reconhecimento destes fatores, é possível realizar o encaminhamento para uma intervenção adequada. Sendo assim, a construção destes conhecimentos e a implementação de programas de IP é fator preventivo de alto impacto na sociedade. Machado (2019) afirma que os impactos dessa intervenção serão sentidos ao longo de toda vida adulta,
pois é na primeira infância que ocorre a base do desenvolvimento cognitivo, físico e social.
Barbosa, Balieiro e Pettengill (2012) trazem à tona outro aspecto relacionado ao processo de IP, no que diz respeito ao contexto familiar. As famílias, que muitas vezes encontram-se em desestruturação e fragilidade, inseridas em um sistema de saúde com o olhar voltado unicamente aos cuidados desta criança, não recebem o devido acolhimento e orientação para que haja envolvimento parental. O envolvimento da família é peça fundamental para o desenvolvimento infantil (FRANCO, 2016). Valverde e Jurdi (2020) ressaltam que a organização dos serviços de saúde é uma rede de apoio formal para a família, sendo que a desarticulação desta rede foi citada pelos familiares da pesquisa como uma barreira para a inserção em uma IP.
Franco (2021) apresenta que inicialmente a IP foi estruturada sob um olhar de visão terapêutica, reduzida a intervenções clínicas baseadas nos problemas identificados na criança, sendo os especialistas, provedores dos estímulos centrais, com visão restrita para o modelo médico. Porém este conceito de IP tem evoluído durante os anos, sendo que os Estados Unidos da América foram preconizadores na utilização da IP baseada em um modelo centrado em práticas familiares, visto que a evolução destas crianças durante as intervenções depende diretamente da continuidade dos cuidados inseridos no ambiente familiar (MARINI; DELLA BARBA, 2021).
Atualmente, no Brasil, as principais diretrizes que conduzem a IP estão descritas em um documento emergencial criado,
em 2016, para o enfrentamento da microcefalia. Este documento destacou a discussão da importância da IP, movimentou publicações acerca do tema, bem como discussões importantes. Porém, como diretriz, ainda baseia seus fundamentos nos termos reabilitativos, desconsiderando seu contexto na participação familiar (DELLA BARBA, 2018).
MODELO CENTRADO NA FAMÍLIA
Historicamente, os atendimentos prestados às crianças na intervenção precoce se baseavam no modelo médico, no qual o profissional tomava as decisões referentes ao tratamento. Este modelo concentra-se na patologia ou déficits apresentados pela criança, ou seja, não eram considerados seu contexto de vida ou os potenciais da família, o foco era a reabilitação das funções (PEREIRA, 2009; DALMAU et al., 2017).
A partir da década de 1960 os sistemas familiares começam a ser pensados, com o desenvolvimento de programas e serviços de apoio à família, mas é somente nos anos 1990 em que a implementação do modelo centrada na família aparece, com boas evidências científicas, gerando uma nova perspectiva sobre o desenvolvimento da criança, embasado em teorias do desenvolvimento ecológico e sistemas familiares (PEREIRA, 2009; DALMAU et al., 2017).
Desta forma, as práticas profissionais vêm sendo modificadas de um modelo clínico e reabilitador para um mais educativo, reconhecendo que a família precisa estar no centro da intervenção
(DALMAU et al., 2017). Logo, o modelo centrado na família é, segundo Dalmau et al. (2017, p. 642) “uma filosofia, crenças e valores a partir dos quais os profissionais pretendem apoiar o desenvolvimento e as capacidades das famílias”. Pesquisas mostram que quando a família é incluída e comprometida com o processo terapêutico, há impacto positivo no tratamento, gerando melhores resultados não somente para a criança, mas para toda a família (DALMAU et al., 2017).
O modelo centrado na família compreende o desenvolvimento infantil de forma mais holística, no qual os ambientes naturais da criança são vistos como potencializadores do seu desenvolvimento, dentre eles a família, escola e comunidade, ademais, as intervenções passam a considerar o bem-estar de toda a família (PEREIRA, 2009; DALMAU et al., 2017).
O profissional irá capacitar as famílias “para funcionarem efetivamente em seus contextos sociais’’ (DALMAU et al., 2017, p. 643). A família é o contexto principal, no qual a criança mantém sua interação, portanto, o profissional deverá acreditar que são competentes, respeitar suas decisões frente ao tratamento, fortalecer as habilidades da família e fornecer acesso às informações credíveis, gerando autoconfiança e eficácia (DALMAU et al., 2017; ARAÚJO, 2021).
Ainda, cabe ao profissional proporcionar à família a oportunidade de se envolver ativamente no processo de intervenção e “minimizar o estresse, manter ou melhorar os relacionamentos entre os familiares e permitir que a família siga, quando possível, o estilo de vida” (ARAÚJO, 2021, p. 29). Além disso, é possível
identificar que a implementação do modelo tem grande impacto positivo sobre a família, especificamente, a nível de suas crenças e sentimento de autoeficácia (PEREIRA, 2009; ARAÚJO, 2021).
Nas intervenções baseadas no modelo centrado na família, o principal foco é a aprendizagem da criança, a qual se desenvolverá e irá aprimorar suas habilidades em seu contexto natural, onde já desempenha suas ocupações. Assim, a criança é encorajada a explorar o ambiente, com base em seus interesses, possibilitando que “experiencie uma sensação de domínio e autoconfiança sobre as suas capacidades” (ARAÚJO, 2021, p.24), facilitando seu processo de aprendizagem, adaptação e inclusão (DALMAU et al., 2017; ARAÚJO, 2021).
IMPLEMENTAÇÃO DO MODELO CENTRADO NA FAMÍLIA NA INTERVENÇÃO PRECOCE
A implementação da IP na perspectiva do modelo centrado na família é um processo que requer mudança da atuação profissional, pois deixará de trabalhar no método tradicional e passará a incluir a família e a comunidade, assim como, necessitará de formações adequadas para a implementação do modelo e educação continuada ao longo do seu percurso profissional (PEREIRA, 2009).
No Quadro 1, estão listadas práticas fundamentais que refletem a abordagem centrada na família, nomeadamente:
Quadro 1 - Lista de princípios que sustentam a prática centrada na família.
As famílias e os membros das famílias são, em todas as circunstâncias, tratados com dignidade e com respeito.
Os profissionais são sensíveis e responsivos à diversidade cultural, étnica e socioeconômica das famílias.
As escolhas familiares e os seus processos de tomada de decisão ocorrem em todos os níveis do envolvimento da família no processo de intervenção.
A informação, necessária às famílias para poderem fazer escolhas adequadas, é partilhada de uma maneira completa e não distorcida.
O foco das práticas de intervenção assenta nos desejos, nas prioridades e nas necessidades identificadas da família.
Os apoios, os recursos e os serviços são oferecidos de um modo flexível, responsivo e individualizado.
Utiliza-se um grande leque de apoios e recursos formais, informais e comunitários, para se conseguir atingir os objetivos identificados para as famílias.
Os pontos fortes e as capacidades das famílias e dos seus membros individuais são utilizados enquanto recursos, com a finalidade de satisfazer as necessidades identificadas pela família, e enquanto competências para localizar recursos exteriores à família.
As relações profissional-família caracterizam-se por parcerias e por uma atitude de colaboração, com base na confiança e no respeito mútuos.
Os profissionais empregam estilos de prestação de ajuda que promovem a melhoria das competências e da corresponsabilização das famílias, que estimulam um funcionamento mais eficaz do sistema familiar e que têm influência no fortalecimento das famílias.
Fonte: ARAÚJO, 2021, p. 32 apud; DUSTIN, 1997.
Araújo (2021, p. 35) afirma que o diferencial deste modelo centrado na família com relação às outras intervenções é a “utilização simultânea das práticas relacionais e participativas”. O mesmo considera 2 componentes essenciais para que ocorra a verdadeira intervenção centrada na família.
O primeiro componente relacional inclui boa competência técnica do profissional, este deve realizar escuta ativa, ter empatia e respeito, ter atitudes e crenças positivas em relação a família, facilitando desta forma o estabelecimento de vínculo e confiança (ARAÚJO 2021). O segundo refere-se ao componente participativo, no qual o autor define como “práticas flexíveis e individualizadas, responsivas às necessidades da família e partilhavam informação principalmente sobre estratégias para lidar/ensinar as crianças”, também oportunizar que as famílias participem ativamente no processo terapêutico, respeitando suas escolhas e decisões (ARAÚJO, 2021, p. 71).
Dalmau et al. (2017) em estudo com famílias de crianças com deficiência intelectual e profissionais dos Centros de Desenvolvimento Infantil e Intervenção Precoce de caráter multidisciplinar, que abrange o território da Espanha, sistematizaram as etapas para implementação do modelo centrado na família, guiando desta forma, profissionais na implementação do modelo na sua prática.
Os autores ressaltam que o protocolo foi elaborado visando “fornecer aos profissionais dos centros de IP um modelo de trabalho e organização, que inclui diferentes procedimentos e instrumentos para implementar o modelo centrado na família em seus centros’’ (DALMAU et al., 2017, p. 641).
Assim o protocolo segue as seguintes etapas:
1. Avaliar o contexto familiar e infantil
Nesta etapa, a família é informada sobre os objetivos do tratamento, são coletadas informações em 4 aspectos: a participação da criança na rotina, sua autonomia, sua comunicação e suas habilidades sociais, além disso, são considerados aspectos pessoais.
2. Anotar os objetivos funcionais
Já na fase 2 são elencadas as metas de intervenção junto a família, o “profissional, com base em seu conhecimento, aponta a estratégia a ser utilizada para alcançá-lo”. Assim, é elaborado o Plano Individualizado de Atendimento Familiar (DALMAU et al., 2017, p. 645).
3. Desenvolvimento do Plano Individualizado de Atendimento Familiar
Nesta fase, o profissional desenvolve o plano, com base na avaliação da criança e coleta de informações com a família, estabelecendo assim os objetivos terapêuticos, respeitando as crenças, necessidades e escolhas da família.
O profissional também irá auxiliar na elaboração de estratégias para alcançar os objetivos elencados. Dalmau et al. (2017, p. 645), afirma que o plano é a “bússola em todo o processo, com o objetivo de empoderar as famílias para que, por meio de suas forças, apoios e rotinas, possam atender às suas necessidades”.
4. Acompanhamento do Plano Individualizado de Atendimento Familiar
Realiza-se o “acompanhamento das ações da família para aplicar as estratégias de forma colaborativa a fim de promover o desenvolvimento de metas acordadas e priorizadas no Plano Individualizado de Atendimento Familiar” (DALMAU et al., 2017, p. 646).
5. Cuidados Domiciliares
Nesta etapa, o profissional intervém no contexto domiciliar com os recursos disponíveis no espaço natural da criança, realiza orientações de como os pais podem aproveitar a rotina para potencializar o desenvolvimento da criança (DALMAU et al., 2017, p. 647).
6. Avaliação e modificação do Plano Individualizado de Atendimento
Familiar
No último passo, é compartilhado com a família os objetivos que foram ou não alcançados e questionado se os objetivos foram: “Bem planejados? Realistas? Ajustados ao momento evolutivo da criança? Foi realmente funcional? Foi possível realizar as estratégias acordadas?” entre outros (DALMAU et al., 2017, p. 648). Também é reforçado o papel essencial da família, neste processo, motivando-a a “adesão ao programa e, por fim, contribuindo para o processo de empoderamento da família” (DALMAU et al., 2017, p. 648).
Por fim, Dalmau et al. (2017) apontam que os profissionais têm embasamento científico e ferramentas para implementação do modelo conforme o passo a passo descrito. O autor ressalta ainda que o artigo “representa mais um passo à frente das propostas feitas por outros investigadores de outros países com tradições e culturas diferentes no campo da intervenção precoce” (DALMAU et al., 2017, p. 641).
CONTRIBUIÇÕES DO MODELO CENTRADO NA
FAMÍLIA
Cossio, Pereira e Rodriguez (2018) ressaltam que o apoio na IP deve ser centrado na família, ecológico e transdisciplinar para que as famílias tenham resultados qualificados incentivando-os a participar de modo mais eficaz e colaborativo.
Uma meta-análise realizada por Dunst, Trivette e Hamby, em 2007, mostrou 47 estudos em que o modelo centrado na família teve impactos positivos no comportamento e funcionamento da família, dos pais e da criança com deficiência. Os pais desempenham um papel fundamental na promoção do desenvolvimento precoce dos seus filhos e a responsividade parental é considerada uma das principais qualidades para a promoção da aprendizagem e desenvolvimento da criança, representando uma influência decisiva no seu desenvolvimento e bem-estar socioemocional (MAHONEY; PERALES, 2013).
Outro estudo feito com 102 crianças e suas famílias apoiadas por equipes de IP na região do Alentejo, Portugal, constatou que quase 80% das famílias consideram que o apoio recebido as ajudou muito ou muitíssimo com as dificuldades de desenvolvimento da criança ou da própria família. Estes resultados mostram um indicador favorável, tanto da boa aceitação da intervenção e da forma como os pais sentem que ela tem sido eficaz na situação que vivem, quanto no que diz respeito ao desenvolvimento, aprendizagem e capacidades das crianças, bem como, sobre os apoios terapêuticos existentes (FRANCO; APOLÓNIO, 2008).
Quando o profissional entende o quanto a família é importante no processo de desenvolvimento da criança, e segue esse modelo, altera-se a visão de que é ele quem determina e reconhece o foco da terapia (BAMM; ROSENBAUM, 2008).
Profissionais de saúde que praticam cuidados centrados na família exercem papel vital para a garantia de melhores condições de saúde e bem-estar para as crianças e seus familiares, por
meio de um modelo que foca em desenvolver o melhor raciocínio clínico e estratégias para adesão ao plano de intervenção, conseguindo proporcionar autonomia para as decisões considerando o perfil de cada família (BARBOSA; BALIEIRO; PETTENGILL, 2012).
Ao lançarem mão do modelo centrado na família, os profissionais trazem a família para o centro das intervenções terapêuticas, de forma a empoderá-la na tomada de decisões, para que seja um suporte no desenvolvimento da criança (BRICHI; OLIVEIRA, 2013).
Em suma, o modelo centrado na família engloba uma filosofia, crenças e valores a partir dos quais os profissionais pretendem apoiar o desenvolvimento e as capacidades das famílias para promover o progresso. De fato, a literatura aponta que, quando os profissionais, juntamente com os pais se comprometem com os cuidados, melhores resultados são alcançados, não apenas para os indivíduos, mas para toda a família, mostrando assim os benefícios deste modelo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerando que as famílias apresentam diversas demandas, torna-se evidente a necessidade do apoio de profissionais que trabalhem de maneira humanizada junto à criança com atraso no desenvolvimento. Nesse contexto, o profissional deve abandonar o papel tradicional de único detentor do conhecimento e das decisões ao longo do processo de tratamento. Em vez disso, deve ver
os pais como parceiros ativos, reconhecendo e valorizando seu conhecimento e experiência para auxiliar no processo terapêutico (FIAMENGHI JÚNIOR; MESSA, 2007).
Por meio do modelo centrado na família passou-se a valorizar a presença dos familiares, respeitar seu olhar para o processo terapêutico e suas escolhas. Ao compreender a família como unidade de suporte, reforça-se ainda mais o estabelecimento de vínculos, respeitando suas crenças, gerando um sentimento positivo nas famílias, de autoeficácia e competência.
O modelo centrado na família ainda passa por um processo de reestruturação na nossa realidade clínica. Muito se tem estudado, tentado colocar em prática e como a própria literatura científica nos revela, esse modelo pode muito colaborar e beneficiar a evolução clínica das crianças com atraso no desenvolvimento. No entanto, é necessário que o conhecimento teórico-prático seja melhor difundido dentro dos ambientes de saúde para que possa ser plenamente implementado e eficaz.
No Brasil, a aplicação deste modelo ocorre através de programas como a Estratégia de Saúde da Família e diretrizes como a da microcefalia, porém ainda faltam aplicações práticas e uma mudança no sistema atual para possibilitar a colocação do modelo centrado na família como forma principal de cuidado.
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O FORTALECIMENTO DA FAMÍLIA NA
INTERVENÇÃO PRECOCE: REFLEXÕES SOBRE A PRÁTICA CENTRADA
NA FAMÍLIA
Carolina Akemi Maeda
Patrícia Dutra Gundim Balera
Juliana Martins Santos
Rubiane Trevisan Nogueira Sigrist
Adriana Brito Rezende
Juliana Balestro
INTRODUÇÃO
A Intervenção Precoce (IP) é um termo amplo, que engloba um conjunto de ações que atuam de forma articulada, com o objetivo de assegurar e promover o desenvolvimento infantil, considerando todos os seus contextos (CARVALHO et al., 2018; NASCIMENTO et al., 2018). Desde o início de sua estruturação, os programas de IP sofreram transformações conceituais e operacionais como resultados das evoluções científicas acerca do desenvolvimento infantil.
As práticas iniciais seguiam um modelo médico, em que o profissional era considerado o detentor do conhecimento, das necessidades das crianças e a família possuía um papel passivo na intervenção, o foco era a redução dos agravamentos relacionados à deficiência (MARINI; LOURENÇO; BARBA, 2017; CARVALHO et al., 2018). Nesta visão tradicional, as famílias acabam sendo destituídas de seu papel principal de cuidadora e passam a ser espectadoras, enquanto o profissional é quem determina e implementa as intervenções de acordo as necessidades que observa na criança e considerando a sua especialidade profissional. Mantendo-se limitada à estimulação de habilidades, essa abordagem acaba não considerando os diferentes contextos que fazem parte do desenvolvimento da criança.
Como uma crítica ao modo tradicional de pensamento acerca do desenvolvimento humano, Bronfenbrenner e Morris (1998, 2006) trouxeram as propostas teóricas ecológica e bioecológica, a necessidade de mudança das abordagens centradas na criança para uma abordagem sistêmica, com ampliação do olhar para a
família e comunidade, reconhecendo-os como determinantes no processo de desenvolvimento da criança. Um conjunto de estruturas de sistemas (micro-, meso-, exo- e macrossistema) e diversas dimensões (pessoa, processo, contexto e tempo) encontram-se relacionados e influenciam o desenvolvimento humano. Na teoria bioecológica, compreende-se o desenvolvimento humano como resultado das interações recíprocas entre pessoas, objetos e símbolos dos ambientes em que o indivíduo participa direta ou indiretamente, como, casa, escola, bairro e comunidade (MARTINS; SZYMANSKI, 2004; DALMAU et al., 2017).
Com as atualizações, na literatura, sobre o desenvolvimento infantil e o processo de expansão dos programas de IP, as práticas profissionais têm evoluído para maior reconhecimento do papel da família no processo de cuidado da criança (ROSENBAUM et al., 1998; DUNST; ESPE-SHRWINDT, 2016). O modelo reabilitativo de habilidades passa para um modelo mais educacional, com a família sendo considerada parceira do processo de intervenção. O profissional passa a dar suporte para potencializar as capacidades da família, com o objetivo de efetivar o protagonismo familiar para o cuidado da criança, tendo em vista sua inclusão social e seu desenvolvimento (DALMAU et al., 2017; MARINI; LOURENÇO; BARBA, 2017).
A Prática Centrada na Família (PCF) é uma filosofia construída com o objetivo de guiar práticas profissionais a partir de um conjunto de princípios que reconhece a centralidade da família e busca promover, construir e desenvolver as suas forças e capacidades (ROSENBAUM et al., 1998; DUNST; ESPE-SHRWINDT, 2016; CARVALHO et al., 2018), sendo um modelo de atuação mais
recomendado na IP (DEC, 2014; MCCARTHY; GUERIN; 2021). Neste modelo, assume-se que a família tem um papel de protagonista na tomada de decisões do processo terapêutico. Os profissionais de IP devem atuar em parceria com as famílias, fortalecendo suas competências e considerando todos os contextos envolvidos no desenvolvimento da criança (MARINI; LOURENÇO; BARBA, 2017; CARVALHO et al., 2018).
Tendo como base uma compreensão holística do desenvolvimento infantil e considerando os contextos naturais da criança, a PCF busca promover ações que assegurem e favoreçam o desenvolvimento da criança, promovam sua inclusão social e fortaleçam as competências da família (CARVALHO et al., 2018). São objetivos gerais da PCF a consideração dos contextos familiares, educação para crianças, famílias e profissionais de saúde, procedimentos e políticas precisas e colaboração entre os membros das famílias e os profissionais de saúde (KOKORELIAS et al., 2019).
A PCF reconhece a família como uma constante na vida da criança. Segundo a proposta conceitual de estrutura da PCF descrita por Rosenbaum et al. (1998), os profissionais de saúde atuam tendo em vista as seguintes premissas: os pais são quem melhor conhecem seus filhos e desejam o melhor para eles, cada família é diferente e única, o funcionamento ideal da criança ocorre com suporte da família e no contexto comunitário.
Considerando os princípios base dessa filosofia, o protagonismo dos pais se mostra como um elemento fundamental nos cuidados da criança. O contexto familiar é capaz de proporcionar diferentes experiências e oportunidades de aprendizagem em seu
ambiente natural, com repercussões importantes no desenvolvimento da criança. Ao longo dos anos, as pesquisas têm demonstrado melhores resultados para a criança e para a família quando os pais estão comprometidos no processo de cuidado (DUNST; ESPE-SHRWINDT, 2016; DALMAU et al., 2017).
Práticas que auxiliam na compreensão da influência da interação dos pais no desenvolvimento de seus filhos e que contribuem para o fortalecimento de capacidades e promoção de aquisição de novas competências são formas de dar suporte e fortalecer o sentimento de confiança e autoeficácia dos pais (DUNST; ESPESHRWINDT, 2016; DALMAU et al., 2017; CARVALHO et al., 2018). Quanto mais centrada na família for a abordagem de intervenção, mais oportunidades a família tem para construir suas competências (DALMAU et al., 2017).
Diante do reconhecimento do papel fundamental de protagonismo da família na PCF, este capítulo tem como objetivo refletir sobre os elementos envolvidos no fortalecimento familiar na PCF na IP.
O DESENVOLVIMENTO INFANTIL E O CONTEXTO FAMILIAR
Bronfenbrenner e Morris fizeram a sua primeira divulgação científica de teoria sobre o desenvolvimento humano na década de 1970, como uma oposição às teorias que existiam sobre o assunto. De forma crítica, a denominada Teoria Ecológica levava em consideração as múltiplas influências que o indivíduo pode
sofrer ao longo do seu crescimento, deixando de lado a ideia de apenas considerar um ambiente único e estático. No entanto, esse modelo deixava a pessoa em desenvolvimento num segundo plano, dando ênfase somente aos contextos de desenvolvimento (MARTINS; SZYMANSKI, 2004).
Considerando-se esse ponto, Bronfenbrenner e Morris, em 1998, reformularam essa primeira teoria e passaram a considerar a influência do próprio indivíduo no ambiente em que ele está inserido. Dessa forma, passou-se a denominar como Teoria Bioecológica, para assim enfatizar que aspectos psicológicos influenciam o meio, tanto como, o meio influencia o indivíduo. Para os autores, o desenvolvimento humano é um processo de continuidade e mudanças nas características biopsicológicas, na forma com que o indivíduo percebe e lida com o seu ambiente (MARTINS; SZYMANSKI, 2004; BRONFENBRENNER; MORRIS, 2006).
O desenvolvimento é um processo dinâmico e complexo de inter-relação entre os diferentes sistemas apresentados. A criança não é um ser passivo, sendo que a relação nos diferentes meios ocorre de forma interativa, dependendo também das características individuais (fatores biológicos, genéticos e comportamentais) no processo de desenvolvimento. Além das relações diretas em um ambiente, o contexto em que a criança está inserida irá influenciar na forma como a família atua no seu cuidado, englobando, por exemplo, o nível de conhecimento acerca do desenvolvimento, a cultura e estrutura política em que vivem, situações da vida familiar, como, a entrada na escola, condições de emprego dos pais, o nascimento de um irmão.
O ambiente familiar é o contexto mais próximo em que a criança está inserida, onde ocorrem vivências por períodos prolongados e regulares de interações recíprocas, que são progressivamente mais complexas, entre diferentes pessoas, objetos e símbolos. As atividades de rotina de cuidados com a criança pequena são capazes de promover o desenvolvimento de acordo com os diferentes elementos de interação. A efetividade do aprendizado se dá pelo engajamento da criança na interação com o meio, pela exploração do ambiente e pela interação recíproca direta com outras pessoas. A partir disso, assume-se que práticas educativas da família são capazes de aprimorar elementos que favoreçam o aprendizado (MARTINS; SZYMANSKI, 2004).
Sendo a família uma constante na vida da criança, o ambiente familiar mostra-se rico em proporcionar experiências e oportunidades de aprendizado na sua rotina (CARVALHO et al., 2018). Esse ambiente natural da criança contribui para a promoção de experiências e oportunidades de aprendizagem, construção de estruturas para a socialização e criação de vínculos afetivos que servirão de base para o desenvolvimento integral e que auxiliarão na aquisição e aprimoramento de suas habilidades (MARTINS; SZYMANSKI, 2004; CARVALHO et al., 2018; KOKORELIAS et al., 2019). A qualidade da interação promovida nas atividades da rotina familiar, como, em atividades de alimentação, brincar, ouvir histórias, o aprendizado de novas habilidades, pode resultar em práticas que favoreçam o desenvolvimento da criança (MARTINS; SZYMANSKI, 2004). As experiências são expandidas para outros contextos à medida que passam a fazer parte da rotina da criança, como na creche e comunidades.
Os primeiros anos de vida são determinantes na formação da criança. É na primeira infância que há uma maior plasticidade neural, o sistema nervoso é mais sensível a modificações estruturais e funcionais de acordo com as experiências vivenciadas no ambiente. A consolidação do desenvolvimento de circuitos e estruturas cerebrais e o desenvolvimento de capacidades fundamentais darão base para a aquisição e aprimoramento de habilidades futuras mais complexas (CARVALHO et al., 2018; MARINI; LOURENÇO; BARBA, 2017).
O ambiente familiar constitui um contexto fundamental de promoção de experiências que irão favorecer o desenvolvimento neste período crucial da primeira infância. O estabelecimento de vínculo afetivo com os pais, que se inicia desde a vida intrauterina, desenvolverá na criança um sentimento de confiança e sensação de bem-estar. Um ambiente seguro e saudável e relacionamento positivo da criança com seus cuidadores é capaz de formar alicerces importantes na formação de habilidades cognitivas e sociais, com influência positiva para o desenvolvimento das diversas áreas de formação do indivíduo (ABUCHAIM et al., 2016; CARVALHO et al., 2018).
A exposição a fatores de risco pode levar a transtornos do desenvolvimento infantil e consequente alteração e necessidade de adaptação do funcionamento familiar. A exposição a fatores biológicos, psicossociais e ambientais (ex.: a prematuridade, nutrição inadequada, ausência de estímulo domiciliar) antes, durante e após o parto estão relacionadas a desvios no desenvolvimento, que podem estar associadas a alterações neuropsicomotoras ou afetar o potencial de desenvolvimento da criança (FERREIRA et
al., 2020). O Brasil é um dos 10 países com maior número de nascimentos prematuros (SADOVSKY et al., 2018). A prematuridade mostra-se, muitas vezes, associada aos fatores de risco sociais, como baixa renda, etnia e escolaridade (SADOVSKY et al., 2018; FERREIRA et al., 2020).
Diante da possibilidade de descoberta de um diagnóstico associado às alterações do desenvolvimento neuropsicomotor, a família pode passar por um período de maior estresse e dificuldade de enfrentamento às necessidades de adaptações, aprendizado e alinhamento de expectativas diante de uma nova situação com o nascimento do filho. A detecção e início precoce de intervenção pode prevenir e minimizar os efeitos dos riscos sociais e biológicos, visando promover a saúde e bem-estar da criança, auxiliar e dar suporte para a família para elaborar e fortalecer suas capacidades em busca de otimizar o desenvolvimento da criança no período crucial de sua formação.
INTERVENÇÃO PRECOCE E A PRÁTICA CENTRADA NA FAMÍLIA
A partir do reconhecimento da importância do contexto familiar no desenvolvimento da criança, as práticas de IP estão evoluindo para uma adequação no olhar dos cuidados da criança e ampliação da participação da família nesse processo. A IP consiste em um conjunto de intervenções dirigidas às crianças, famílias e contextos, tendo como objetivo responder às necessidades transitórias ou permanentes que estas apresentam, sendo assim,
uma medida de apoio integral, centrada na criança e na família mediante ações de natureza preventiva e habilitativa, direcionadas às crianças que estão em iminência de risco, risco ou que vivenciam impasses desenvolvimentistas (FRANCO, 2015).
A IP deve ocorrer o mais cedo possível como visto e apontado pelos estudos das neurociências e da plasticidade cerebral e, deve se atentar a três princípios: I) globalidade, o qual vê a criança em sua totalidade e complexidade; II) contextualidade, reconhecendo que a criança está inserida num contexto múltiplo e diversificado; e III) oportunidade, ofertando um programa estruturado e coordenado de atuação, seguindo aquilo que a criança necessita num determinado momento de seu desenvolvimento (FRANCO, 2015).
Ao assegurar as condições facilitadoras do desenvolvimento e ao potencializar as interações familiares reforçando as suas competências, a IP deve ser norteada por boas práticas, relações e competências. Os recursos utilizados para a promoção do desenvolvimento da criança devem considerar suas características, as pessoas envolvidas em seus cuidados e os contextos em que ela vive, visando potencializar as boas relações e interações em todas as direções entre a criança, seus cuidadores e toda a rede de apoio (FRANCO, 2015).
Contribuindo com uma estrutura teórica de princípios e valores de atuação, a PCF tem se estabelecido como a prática mais recomendada na IP (DEC, 2014; DALMAU et al., 2017; MCCARTHY; GUERIN, 2021). A partir do trabalho com as famílias é possível dar maior suporte no contexto natural e aos
principais responsáveis pelos cuidados da criança. A PCF está associada a melhoras no comportamento e funcionamento da família, melhora na qualidade de vida dos pais (DALMAU et al., 2017), maior sensação da confiança e de capacidade quanto aos cuidados e desenvolvimento da criança, uso de redes de apoio (MARTÍNEZ-RICO et al., 2022) e no desenvolvimento da criança, principalmente em habilidades cognitivas (FERREIRA et al., 2020).
A PCF é um modelo de atuação que pode ser adotada por qualquer profissional que trabalhe com IP, de forma isolada ou em um trabalho em equipe, tendo em vista que é uma prática que considera os elementos e processos envolvidos no desenvolvimento infantil e condutas e procedimentos necessários a partir disso. Um trabalho multidisciplinar coordenado, integrado e em conjunto com as famílias é capaz de otimizar os desfechos da intervenção.
FORTALECIMENTO FAMILIAR
No livro “Práticas recomendadas em intervenção precoce: um guia para profissionais”, os autores Carvalho et al. (2018, p. 82) defendem que “nenhuma intervenção poderá promover eficazmente a aprendizagem e o desenvolvimento das crianças pequenas a menos que envolva os seus pais.” O trabalho com as famílias na IP deve ter como um dos principais objetivos dar suporte e fortalecer as capacidades dos pais para proporcionar um ambiente com máximo potencial para promoção do desenvolvimento
infantil e das capacidades da criança, de acordo com suas características individuais e contextos específicos (CARVALHO et al., 2018). Reconhecendo a importância desse trabalho colaborativo, este capítulo propôs como título o uso do termo “fortalecimento familiar”, para trazer o sentido literal às práticas de desenvolvimento de competências da família nos cuidados com a criança.
Outra terminologia comumente utilizada na literatura é o termo “empoderamento”. Derivado da palavra em inglês “empowerment”, a tradução livre pode levar a interpretações equivocadas ao se assumir que o empoderamento seria dar poder a alguém (CARVALHO et al., 2018). Conforme identificado na base de dados BIREME pelos descritores DeCS/MeSH, o termo empoderamento tem como conceito o “Processo de aumento da capacidade de indivíduos ou grupos em fazer escolhas e de transformar estas escolhas em ações desejadas como projetadas por indivíduos ou grupos”. Quando aplicado ao contexto familiar na IP, trata-se de uma ação de construção dos pontos fortes da família - o acesso à informação, recursos e promoção de competências auxiliam no desenvolvimento da sensação de autoeficácia, no funcionamento familiar e possibilita que a família assuma o controle de suas escolhas para o cuidado da criança (THOMPSON et al., 1997; CARVALHO et al., 2018; OLIVEIRA et al., 2020; MARTINEZRICO et al., 2022).
Fortalecer as famílias possibilita retirar os principais cuidadores da criança da posição passiva, em que comumente são colocados em um modelo de atuação biomédica (THOMPSON et al., 1997; MARINI; LOURENÇO; BARBA, 2017). Os pais, ao se depararem com a situação de necessidade de IP para seu filho, podem
passar por diversas situações capazes de afetar o funcionamento do meio familiar, por exemplo, a necessidade de enfrentamento do diagnóstico, falta de uma rede de apoio, estresse financeiro, burocracias de acesso à assistência, falta de coordenação dos serviços ofertados, excesso de informações técnicas com vocabulários de difícil compreensão e poucas possibilidades ou incentivos de participação na tomada de decisão (VALERO et al., 2020; MARTÍNEZ-RICO et al., 2022). Tais situações podem contribuir para destituir os pais de seu papel ativo do cuidado e afetar também sua sensação de confiança de atuação.
O pobre funcionamento das competências ocorre como resultado de estruturas sociais que não proporcionaram oportunidades e experiências para o desenvolvimento das habilidades da família, levando a maiores dificuldades no enfrentamento das situações adversas (VALERO et al., 2020). O conceito de “empoderar” assume que muitas competências são próprias da família ou são possíveis de serem aprendidas quando oportunizadas. Assim, para trabalhar com as famílias se faz necessário compreender os possíveis fatores que influenciam o seu fortalecimento.
O estudo desenvolvido por Thompson et al. (1997) propôs analisar como ocorre o impacto na percepção de fortalecimento das famílias por meio de um programa de prestação e coordenação de serviços de IP para as famílias de crianças com deficiência. O programa “Part H” da IDEA (Individuals with Disabilities Educaction Act) realizado no estado de Michigan, nos Estados Unidos, teve como base o modelo da PCF, com treinamento profissional para a prestação de serviço, em parceria com as famílias e que fosse responsivo às suas prioridades, além do acesso a um
coordenador de serviços para auxiliar as famílias a desenvolverem habilidades para lidarem com as complexidades do sistema de serviços.
A partir do levantamento de dados de entrevistas com 270 famílias que faziam parte do programa foram descritas 2 possíveis vias de relação com o fortalecimento da família, sendo uma delas os próprios princípios do modelo de PCF adotado – as características da intervenção que se mostravam centradas na família e que foram apontadas pelos questionários utilizados apresentaram correlação positiva com a percepção de fortalecimento das famílias. A segunda via esteve relacionada ao grau de suporte recebido, assumindo que o engajamento promovido pelo programa auxiliou a família a engajar outras redes de suporte (THOMPSON et al. 1997).
Ao assumir que a percepção de fortalecimento pela família pode ocorrer por 2 caminhos, os autores levantaram a hipótese de um fluxo de atuação do serviço centrado na família no nível de fortalecimento. Além disso, demonstraram que o programa, com base na PCF, tem ação direta no fortalecimento de todo o contexto relacionado ao cuidado da criança, afetando a família, o serviço e a comunidade. Também o programa favoreceu o uso e engajamento das redes de suporte, tanto formal (profissionais de saúde e educadores) quanto informal (outros membros da família e comunidade), o que contribuiu para menor estresse percebido e dando mais possibilidades de enfrentamento dos desafios relacionados ao cuidado e, em consequência, atuando de forma indireta no fortalecimento.
O estudo de Martínez-Rico et al. (2022) traz pontos semelhantes quanto à percepção de fortalecimento da família e as redes de suporte. Foram levantados dados de 44 famílias que utilizavam um serviço de IP centrado na família (programa Plena Inclusion, na Espanha) há pelo menos um ano. A partir dos resultados, foram observados altos níveis de percepção de fortalecimento dos principais cuidadores da criança. Embora o estudo não tenha conseguido demonstrar que seja um efeito causal, as famílias que participaram do programa de PCF apresentaram um impacto positivo no fortalecimento. A principal rede de suporte utilizada foi o suporte formal, seguido do suporte informal e, por último, o suporte intermediário (como associações e membros da igreja).
A qualidade das redes de suporte está relacionada a menores níveis de estresse, favorecendo o bem-estar da família (THOMPSON et al., 1997; VALERO et al., 2020; MARTÍNEZRICO et al., 2022). A PCF deve ter como foco também o engajamento de outros suportes, transformando o fortalecimento em ações de mudanças do seu meio social. A formação de iniciativas capazes de favorecer o desenvolvimento de competências da família e de sua capacidade no uso e engajamento de diferentes redes de suporte e serviços, possibilita o uso de recursos externos no enfrentamento de situações de estresse durante o processo de IP. Em uma investigação sobre as variáveis preditoras do empoderamento familiar, Valero et al. (2020) realizaram a coleta de dados com 431 famílias de crianças de 0-6 anos que recebiam um tratamento de IP há pelo menos 6 meses, na Espanha. Além de corroborar com os estudos anteriores, quanto à influência das redes de suporte e a intervenção centrada na família, o estudo
observou diferenças significativas dos níveis de fortalecimento das famílias com relação aos tipos de diagnósticos. Foram identificados níveis mais altos de fortalecimento em famílias que tinham crianças com diagnósticos de transtornos motores e de disfunções sensoriais. Os níveis mais baixos estavam associados aos diagnósticos de síndromes genéticas (não especificadas) e transtorno do espectro autista. A partir desses resultados, os autores levantam a hipótese de que as doenças com manifestações mais visíveis desde idade precoce estavam associadas às famílias com maior nível de fortalecimento, enquanto a presença de condições funcionais e estruturais menos perceptíveis e o desconhecimento pode influenciar negativamente para o nível de fortalecimento.
Ainda, a investigação realizada por Valero et al. (2020) demonstrou não haver relações dos dados socioeconômicos da família com nível de percepção de fortalecimento e nem com o nível de suporte recebido, ou seja, famílias com maior poder aquisitivo não apresentaram maior nível de fortalecimento e maior número de suporte, independente do diagnóstico da criança. Este resultado deve ser interpretado com cautela quando aplicado ao contexto brasileiro pois, além das diferenças culturais, a desigualdade socioeconômica está associada a condições de saúde de vários grupos populacionais. Condições de desvantagem socioeconômica podem afetar a saúde materna, resultar em fatores de risco para o desenvolvimento da criança e dificuldades de acesso aos serviços de saúde (ABUCHAIM et al., 2016; SADOVSKY et al., 2018), consequentemente pode haver maiores situações de enfrentamento para a família. Há ainda poucos dados na literatura nacional com foco na família na IP (MARINI; LOURENÇO;
BARBA, 2017), sendo necessárias investigações sobre as influências dos componentes familiares na IP no contexto brasileiro.
PRÁTICAS DE FORTALECIMENTO FAMILIAR
Em alinhamento com os princípios da PCF e a partir dos estudos levantados, foram identificadas as seguintes condutas profissionais que auxiliam no processo de fortalecimento da família na IP: I) desenvolver trabalho colaborativo com as famílias, II) propiciar um ambiente acolhedor, de empatia e acolhimento, III) respeitar os valores e escolhas da família, IV) auxiliar no desenvolvimento do sentimento de autoeficácia e encorajar a participação da família, V) reconhecer e trabalhar nos pontos fortes e capacidades da família, VI) reconhecer que a família é uma constante na vida da criança, VII) compartilhar informações de forma clara e imparcial (ROSENBAUM et al., 1998; DALMAU et al., 2017; CARVALHO et al., 2018).
Dunst e Espe-Sherwindt (2016) propõem uma divisão de 2 tipos de práticas de envolvimento dos pais: I) práticas de construção de relacionamentos, baseadas no desenvolvimento de um relacionamento de confiança e respeito mútuo, que inclui práticas profissionais como empatia, escuta ativa, habilidade de comunicação efetiva, reconhecimento das capacidades da família e sensibilidade aos valores culturais e pessoais da família; II) práticas de participação ativa ou “capacity-building” (desenvolvimento de competências), que incluem o comportamento do profissional para construção de pontos fortes e novas habilidades, envolvimento
na tomada de decisões, suporte e promoção de oportunidades de aprendizado para a criança, uso de atividades de rotina como oportunidade de aprendizado, como intervenções em casa, considerando o contexto natural da criança e atividades do dia a dia.
A fim de se obter informações mais estruturadas, fidedignas e que permitam um acompanhamento da intervenção, alguns instrumentos avaliativos podem facilitar o processo de tomada de decisões, a mensuração e verificação da necessidade de ajustes da intervenção em conjunto com as famílias (MCWILLIAM, 2012). Algumas ferramentas específicas, embora ainda não validadas para a população brasileira, auxiliam na construção das competências e apoio às famílias, sendo um processo flexível, em que a equipe e as famílias analisam de forma contínua os seus resultados e definem juntos mudanças necessárias para as preocupações e prioridades.
A Entrevista Baseada nas Rotinas (EBR) desenvolvida por Robin McWilliam e com parte da estrutura traduzida para a língua portuguesa, é uma ferramenta que consiste em uma entrevista semi-estruturada para avaliar o envolvimento da criança e da família e pode ser definida como um passo essencial para construção de um plano de intervenção funcional centrado na família, baseado nas rotinas do dia a dia, respondendo às preocupações, prioridades e desejo de mudança da estrutura da família. Umas das premissas nessa entrevista é avaliar o envolvimento, independência e relações sociais da criança em seus contextos naturais e a satisfação da família com relação às rotinas. A partir da EBR é possível obter planos de intervenção robustos, resultados funcionais e baseados na participação da família, de acordo com
o que é significativo para ela, reforçando o papel dos pais como especialistas e participantes ativos do cuidado (MCWILLIAM, 2012).
O Inventário Portage Operacionalizado (IPO) é um instrumento desenvolvido por Bluma et al. (AIELLO; WILLIAMS, 2021), com tradução para o português. Embora ainda não validado para a população brasileira, o instrumento tem sido utilizado na literatura para avaliação e acompanhamento do desenvolvimento de crianças de até 6 anos (AIELLO; WILLIAMS, 2021).
O instrumento permite o acompanhamento em diferentes áreas do desenvolvimento de acordo com as faixas etárias da criança, englobando áreas de linguagem, socialização, motora, cognição e autocuidado. Tendo o diferencial de fácil aplicação e passível de ser utilizado pelos pais e profissionais. Esse instrumento traz também as habilidades esperadas em cada área de desenvolvimento, considerando o contexto natural e rotina da criança, sendo uma ferramenta útil de acompanhamento, além de fornecer possibilidades de treinamento dos pais visando proporcionar maiores ganhos no desenvolvimento global da criança (AIELLO; WILLIAMS, 2021).
Outra ferramenta útil no processo de acompanhamento com as famílias são os Ecomapas. Desenvolvido por Ann Hartman, em 1975, (MCWILLIAM, 2012), os ecomapas são formados por uma representação gráfica quanto às redes de suporte da família, formais e informais, bem como, a força de relação entre eles. Ao fornecer uma via visual de informação, a representação gráfica a partir do ecomapa pode facilitar a forma de comunicação com a família e servir para o delineamento da intervenção a partir dos
recursos apontados por ela (MCWILLIAM, 2012; CARVALHO et al., 2018).
Embora as ferramentas de avaliação sejam facilitadores importantes na avaliação e construção do plano de intervenção com as famílias, é necessário ter como base o papel fundamental da escuta ativa em todo o processo de intervenção. O profissional deve exercer sua escuta sem fazer julgamentos, trazendo questões que auxiliem na identificação de dúvidas e preocupações da família e utilizar uma comunicação clara e que minimize qualquer dificuldade na compreensão (CARVALHO et al., 2018). Seja por meio de entrevistas estruturadas ou em situações mais informais é possível obter informações importantes quanto ao funcionamento familiar, auxiliar no estabelecimento de vínculo com o profissional e na construção de um ambiente de segurança para que a família se sinta confortável na comunicação e capaz de participar do processo de cuidado.
Os pais são os principais detentores de conhecimento sobre seus filhos (THOMPSON et al., 1997; ROSENBAUM et al., 1998; BYINGTON; WHITBY, 2011; CARVALHO et al., 2018). As intervenções devem ser baseadas de acordo com sua responsividade para as necessidades e prioridades da família (ESPESHERWINDT, 2008; BYINGTON; WHITBY, 2011). O trabalho de fortalecimento com a família consiste em dar suporte e apoio para que os principais cuidadores da criança se sintam capazes de influenciar o desenvolvimento infantil e de responder de acordo com seus interesses e funcionamento familiar (THOMPSON et al., 1997).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As atualizações da literatura acerca do desenvolvimento infantil, a expansão dos programas de IP e o surgimento das teorias da abordagem centrada na família têm contribuído cada vez mais para a uma ampliação do olhar do profissional com relação aos cuidados da criança e dos contextos em que ela está inserida. Ao longo dos anos, as pesquisas têm demonstrado melhores resultados para a criança e para a família quando os pais estão comprometidos no processo de cuidado. A partir disso, assume-se que práticas educativas da família são capazes de aprimorar elementos que favoreçam o aprendizado.
Partindo dos princípios da PCF, o profissional deve adotar condutas que sejam responsivas para cada família. A adoção de práticas que favoreçam a dinâmica familiar é capaz de ampliar as potencialidades de atuação da família no desenvolvimento da criança. A utilização de uma abordagem que possibilite o desenvolvimento da relação de confiança e a promoção das competências atua na promoção da sensação de autoeficácia, segurança para uma participação mais ativa, aprimora e desenvolve competências e fortalece o funcionamento familiar.
Assim, o fortalecimento familiar se mostra um ponto chave no trabalho com crianças pequenas visando a promoção máxima de desenvolvimento dentro de suas capacidades.
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A IMPORTÂNCIA DA PRÁTICA
CENTRADA NA FAMÍLIA PARA O
DESENVOLVIMENTO INFANTIL: RECOMENDAÇÕES E POLÍTICAS DE SAÚDE
Livia Uzai
Mariana Cabrioli
Renata Maria Ramos Nandi
Jéssica Rodriguez Lara
INTRODUÇÃO
Fundada pela Organização das Nações Unidas, em 1946, a United Nations International Children’s Emergency Fund (UNICEF) promove os direitos e o bem-estar de crianças e adolescentes em 190 países e está presente no Brasil desde 1950. Em suas diretrizes, é apontado que o pleno desenvolvimento da criança só pode ser alcançado com a oferta do cuidado integral, com intervenções integradas que abrangem a saúde e a nutrição da criança, além do cuidado responsivo, segurança e oportunidades de aprendizado (UNICEF, 2022).
Para isso, pais/ cuidadores devem exercer a parentalidade positiva, ou seja, apoiar e assegurar as bases para o desenvolvimento pleno das crianças por meio do conjunto de interações de afeto, cuidados, proteção contra violências, brincadeiras e atenção. Para que cumpra bem o seu papel, a família precisa ser apoiada e fortalecida. Por isso, os profissionais das redes de saúde, educação e assistência social devem garantir um atendimento qualificado e intersetorial para atender as crianças e suas famílias nessa estruturação das bases para o desenvolvimento pleno (UNICEF, 2022).
A prática centrada na família, ao contrário da prática centrada no cliente/ paciente, considera a família como agente essencial no desenvolvimento da criança, bem como, detentora do maior conhecimento sobre ela. O profissional acolhe, escuta, valida os desejos e constrói junto à família e ao paciente, quais são os objetivos funcionais mais importantes (MACHADO, 2019).
Segundo Brichi e Oliveira (2014) a prática centrada na família é uma tendência crescente que implica em mudanças positivas na assistência infantil, todavia, quebrar paradigmas de intervenção envolve um processo lento. A intervenção precoce com crianças em risco ou com problemas de desenvolvimento é uma prática definida por três características fundamentais: ser centrada na família, ser baseada na comunidade e no contexto de vida da criança, sendo conduzida por uma equipe com a prática transdisciplinar (FRANCO; SANTOS; AMARAL, 2017).
No Brasil, estratégias como a Saúde da Família (ESF) têm a família como objeto de atenção e são modelos que devem ser incentivados e fortalecidos, considerando que as equipes de saúde podem manter contato com as famílias, desde a concepção até às demais fases da vida do indivíduo, o que pode contribuir para o desenvolvimento das crianças e para a melhoria das práticas parentais positivas (FUNDAÇÃO MARIA CECÍLIA SOUTO VIDIGAL, 2018).
Diante deste cenário, neste capítulo, compilamos recomendações e políticas de saúde internacionais, bem como documentos nacionais, com o objetivo de analisar e comparar dados relativos ao acompanhamento do desenvolvimento infantil nos primeiros anos de vida. Essa análise buscou compreender se tais diretrizes estão orientadas para uma abordagem centrada na criança ou centrada na família.
A IMPORTÂNCIA DOS PRIMEIROS ANOS DE VIDA E A PRÁTICA CENTRADA NA FAMÍLIA
Há evidências que indicam que as experiências vividas, desde a concepção até os dois anos de idade, podem influenciar significativamente todo o futuro da criança. Durante esse período, ocorre importante maturação cerebral, que tem impacto direto no desenvolvimento socioemocional, cognitivo e físico. As experiências iniciais desempenham papel decisivo na formação da estrutura cerebral e nas habilidades do indivíduo na fase adulta (CORDEIRO; TEIXEIRA, 2020).
Nos primeiros anos de vida a criança também desenvolve as funções executivas, que são um conjunto de habilidades que ajudam o ser humano a armazenar temporariamente informações importantes, filtrar distrações, solucionar problemas inesperados, rever seus pensamentos e reconsiderar opiniões (PERES; BAUER, 2018).
Segundo Esteves (2018), esse sistema exerce uma influência significativa e tem um impacto substancial no desenvolvimento saudável da criança. Além disso, a família é fundamental na formação do indivíduo, pois transmite valores, crenças e contribui para a modelagem da personalidade.
De acordo com a Teoria Bioecológica do Desenvolvimento Humano de Bronfenbrenner, que se fundamenta nos conceitos de processo, pessoa, contexto e tempo (BRONFENBRENNER; MORRIS, 2006), e que também serve como base para o modelo centrado na família, o desenvolvimento ocorre por meio da
interação entre a pessoa e os vários contextos que a cercam. Essa interação promove o desenvolvimento desde os contextos mais próximos até os mais distantes. Assim, o desenvolvimento humano ocorre de maneira interativa e ativa, onde o indivíduo depende das pessoas com quem convive e interage, absorvendo modelos e referências, enquanto também exerce influência sobre o comportamento e o desenvolvimento de outros sujeitos nos diferentes contextos ao seu redor (BENETTI et al., 2013).
As pessoas têm diferentes concepções e definições de família, influenciadas pelas diversas práticas sociais. O conceito de família, compreendido de forma mais abrangente, engloba o afeto, cuidado e aspectos jurídicos. A família representa a estrutura inicial de relacionamento social pela qual a criança tem contato, o que destaca a importância da educação e do empoderamento familiar. Por meio desses processos, os cuidadores podem adquirir habilidades e controle para promover o desenvolvimento da criança, entendendo suas necessidades, ampliando as oportunidades e tendo recursos adequados para lidar com as dificuldades (DIDONET, 2010).
A abordagem centrada na família preconiza o empoderamento, respeito e dignidade, oferecendo apoio educacional e psicossocial aos cuidadores, a oportunidade de escolha e tomada de decisões por meio do suporte e parceria entre os profissionais envolvidos.
Nobre et al. (2009) destacam a importância crucial de acompanhar o desenvolvimento nos primeiros anos de vida, adotando uma abordagem centrada na família, devido à alta plasticidade cerebral nessa fase.
RECOMENDAÇÕES E POLÍTICAS DE SAÚDE
Na busca por recomendações internacionais quanto à promoção do desenvolvimento infantil, constatou-se que em 2018 a Organização Mundial de Saúde (WHO, 2020a) realizou um inquérito com o objetivo de acompanhar as políticas nacionais sobre saúde sexual, reprodutiva, materna, neonatal, da criança e do adolescente em nível global. O relatório aponta que 93% dos países apresentam políticas e diretrizes nacionais de saúde e desenvolvimento da criança (WHO, 2020a). No entanto, o documento não detalha quais são essas políticas e como são implementadas, uma vez que a pesquisa não aborda questões diretamente relacionadas a esses aspectos.
Até o ano de 2020, WHO não havia emitido recomendações específicas relacionadas a intervenções no desenvolvimento na primeira infância, embora diversas diretrizes estivessem voltadas para os cuidados com a saúde materna, neonatal e infantil. Assim, em 2020, a WHO publicou a diretriz intitulada Improving Early Childhood Development: WHO Guideline (WHO, 2020b), a qual apresenta as principais abordagens de intervenção centradas no desenvolvimento infantil.
A diretriz apresenta cinco componentes essenciais no cuidado da criança: boa condição de saúde, nutrição adequada, cuidado responsivo, proteção e segurança e oportunidades de aprendizagem precoce. Entretanto, a organização não considera intervenções centradas na criança em suas recomendações e preza por modelos mais abrangentes que envolvem os cuidadores e a interação entre cuidador-criança.
Apesar disso, o cuidado responsivo é um exemplo de como incentivar a presença ativa da família, que é fundamental no cuidado, estabelecimento de vínculos e comunicação com a criança. Essa abordagem proporciona aos cuidadores habilidades de resolução de problemas e capacidade de escuta para atender às necessidades da criança (WHO, 2020b).
Constata-se, portanto, que todas as recomendações se baseiam em algum tipo de educação parental, em que a WHO reconhece a família como peça-chave no processo de promoção do desenvolvimento infantil (WHO, 2020b). Além disso, a organização preconiza que o suporte aos cuidadores deve ser integrado à intervenção no desenvolvimento infantil, fornecendo estratégias para a implementação dos cinco componentes essenciais do cuidado (WHO, 2020b).
No Brasil, o Ministério da Saúde dispõe de uma variedade de materiais e serviços destinados ao desenvolvimento na primeira infância. Após análise de diversos programas e documentos, três iniciativas se destacaram por abordarem de forma direta e detalhada o acompanhamento e a promoção do desenvolvimento infantil. A primeira delas, iniciada em 2007, é denominada Estratégia Brasileirinhos e Brasileirinhas Saudáveis (BRASIL, 2010), que posteriormente contribuiu para a elaboração da segunda: a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (BRASIL, 2018a), considerada a principal política pública voltada para promover e acompanhar o crescimento e desenvolvimento integral das crianças brasileiras. Além disso, a utilização da caderneta de saúde da criança, consultas na atenção básica à saúde, os comitês do Sistema Único de Saúde (SUS) e o apoio
à implementação do Plano Nacional pela Primeira Infância (BRASIL, 2018b) são medidas adotadas para contribuir com o crescimento e desenvolvimento infantil no país.
A terceira ação destacada refere-se ao Programa Criança Feliz (PCF) de visitas domiciliares, cujo decreto foi publicado em 2016, com objetivos que incluem colaborar no exercício da parentalidade, fortalecendo os vínculos familiares e o papel dos cuidadores, além de auxiliar na proteção e educação de crianças até seis anos de idade. O programa também visa promover o desenvolvimento integral na primeira infância, oferecer apoio às famílias, gestantes e fortalecer o papel dos pais no cuidado infantil (BRASIL, 2017). Essa iniciativa tem suas raízes em projetos como o Primeira Infância Melhor - PIM (PIM SAÚDE, 2021), São Paulo Carinhosa (HADDAD, 2016) e Cresça com Seu Filho (PREFEITURA DE FORTALEZA, 2022), todos eles reconhecendo a família como o principal agente no processo de desenvolvimento (BRASIL, 2017).
O material derivado da iniciativa São Paulo Carinhosa cita como um dos princípios base a Teoria Ecológica de Urie Bronfenbrenner (HADDAD, 2016), e o PCF apresenta em seu documento os seguintes trechos de fundamentação teórica:
[...] tendo em vista promover o desenvolvimento integral das crianças na primeira infância, considerando sua família e seu contexto de vida. [...] Pesquisas nas neurociências vêm aprofundando o entendimento sobre a importância dos vínculos afetivos e dos cuidados nessa fase da vida, reforçando teorias sobre o desenvolvimento humano de diversos
autores – Bowlby, Winnicott, Vygotsky, Spitz, Pikler. Esses estudos já apontavam a importância dos vínculos, da família, dos cuidados, do brincar e de se oportunizar a criança, em seus primeiros anos de vida, a possibilidade de se desenvolver em um ambiente familiar com segurança, vínculos e proteção. […] Nesse período, a família é a principal mediadora da relação da criança com o mundo e a principal facilitadora dos processos de desenvolvimento (BRASIL, 2017, p. 7, 8, 10).
Além disso, as abas do site do Ministério da Saúde destinadas à Saúde da Criança e ao Programa Criança Feliz contam com orientações e estratégias de estimulação do desenvolvimento infantil abrangendo todas as áreas: psicossocial, emocional, cognitiva, linguagem e motora, incluindo os marcos esperados e atividades em cada faixa etária (BRASIL, 2017).
As recomendações nacionais também determinam orientações aos pais e o envolvimento da família. Existem várias orientações focadas em cuidados gerais (banho, amamentação, etc.), de saúde física e emocional (incentivos para gerar vínculo, apego, interação, linguagem, cognição e motricidade, por exemplo), bem como os primeiros cuidados ao nascimento, auxiliando na identificação dos sinais de alerta para o desenvolvimento. E ainda, os materiais e programas oferecem estratégias, dicas e atividades para estimular o desenvolvimento integral na infância.
Infelizmente, as publicações dos documentos de recomendações, políticas de saúde e materiais de estimulação voltados ao desenvolvimento infantil não são suficientes para garantir que
a prática aconteça na mesma qualidade em que são orientadas. Além disso, durante as buscas foram encontradas dificuldades importantes na localização dos documentos, tornando os materiais pouco acessíveis para profissionais e principalmente para as famílias.
Considerando as recomendações e políticas brasileiras, vale destacar que a maior parte dos projetos de promoção do desenvolvimento infantil já implementados ainda não alcançam toda a população, destinando seus serviços à participação voluntária ou para famílias em vulnerabilidade social e financeira. Outra questão importante que deve ser levada em conta é o uso dos serviços privados de saúde e como eles abordam famílias com crianças em desenvolvimento, já que uma parcela considerável da população opta por não usufruir do sistema público de saúde.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesta análise das recomendações e políticas de saúde destinadas ao acompanhamento e suporte nos primeiros anos de vida da criança e sua família, foi possível identificar uma variedade de materiais e serviços disponíveis nos meios de comunicação do governo federal e em outras fontes nacionais e internacionais. No entanto, torna-se evidente a existência de limitações na disseminação desses documentos e programas, com a maioria da população não tendo fácil acesso ou até mesmo conhecimento sobre a disponibilidade desses serviços na prática clínica. Embora não haja dados conclusivos que respaldem essa constatação, destaca-se
uma lacuna a ser preenchida por meio de futuros estudos.
Diante disso, é imperativo continuar avançando nas discussões globais e nacionais sobre a promoção, acompanhamento e cuidado de famílias e suas crianças durante esse período crucial de desenvolvimento. Isso envolve garantir que as recomendações sejam efetivamente implementadas por meio de políticas públicas e programas de apoio, os quais podem ser promovidos por meio de campanhas nacionais e internacionais utilizando diversos meios de comunicação, como rádio, televisão e redes sociais.
É essencial que toda a população tenha acesso a esses serviços desde antes da gestação, e especialmente durante e após ela, independentemente do setor de saúde escolhido pela família, seja público ou privado. Além disso, as ações de saúde voltadas para o desenvolvimento infantil centradas na família devem ser continuamente atualizadas por meio da capacitação dos profissionais e do estímulo à educação continuada, além de serem avaliadas periodicamente para garantir uma implementação eficaz.
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CUIDADO CENTRADO NA FAMÍLIA NA
REABILITAÇÃO DE CRIANÇAS COM
PARALISIA CEREBRAL
Camila de Oliveira Dominici
Fabiana Silva Dutra
Suhelen Freire Chagas
Natalia Trindade de Souza
INTRODUÇÃO
A Paralisia Cerebral (PC) caracteriza-se primariamente como uma desordem motora não progressiva devido a lesão no cérebro em desenvolvimento. É a principal causa de incapacidade física em crianças e pode cursar com restrições na realização de atividades de vida diária e limitações na funcionalidade (ROSENBAUM, 2007; BRASIL, 2013; EUNSON, 2016; NOVAK, 2020).
As modalidades terapêuticas para crianças com PC vem apresentando significativa expansão, com novas opções mais seguras e eficazes. No entanto, compreender e respeitar a individualidade das crianças e de suas famílias é um desafio para os profissionais de saúde (NOVAK, 2020; BARBOSA et al., 2012; MILBRATH et al., 2008; FRANCK; CALLERY, 2004).
Neste contexto, a abordagem de Cuidado Centrado na Família (CFF) reconhece que cada família é única e permite identificar as principais habilidades e necessidades da criança. Os efeitos benéficos do CFF são observados no desenvolvimento da criança e na melhor condição psicológica da criança e dos pais (SHEVELL et al., 2018; BARBOSA et al., 2012; LAW et al., 2003)
Assim sendo, o presente capítulo tem como objetivo abordar o modelo centrado na família no contexto da reabilitação de crianças com PC, compreender seu impacto sobre o tratamento e a Qualidade de Vida (QV) da criança e da família.
PARALISIA CEREBRAL
DEFINIÇÃO, ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA
A PC é definida como um grupo de desordens permanentes do desenvolvimento, do movimento e da postura, as quais causam limitações de atividades, que são atribuídas a distúrbios não progressivos que ocorreram no cérebro em desenvolvimento. As alterações motoras na PC podem ser acompanhadas de distúrbios de sensação, percepção, cognição, comunicação e comportamento, além de epilepsia e problemas musculoesqueléticos secundários (ROSENBAUM, 2007).
A incidência da PC varia de 1,5 a 2,7 casos a cada 1000 crianças nascidas no mundo. No Brasil, os dados são escassos, mas estima-se que a incidência seja de 7 a cada 1000 nascidos vivos, associada às piores condições pré e perinatais (EUNSON, 2016; BRASIL, 2014)
Diversos fatores de risco estão associados a essa condição, mas normalmente a etiologia é multifatorial (EUNSON, 2016; JONES; MORGAN et al., 2007). No quadro 1 são apresentados os períodos, definição e exemplos dos fatores de risco citados na literatura científica.
A baixa condição socioeconômica é um fator relacionado ao comprometimento do desenvolvimento de crianças, pois aumenta a vulnerabilidade biológica do indivíduo e, isso se torna ainda mais evidente em crianças com PC (GRANTHAM-MCGREGOR et al., 2007; LIMA et al., 2004).
Quadro 1. Principais Fatores de Risco associados à PC
Período
Definição Fatores de Risco
Pré-concepcionais Antes da concepção
Histórico de 3 ou mais abortos espontâneos;
Idade materna superior a 40 anos;
Diagnóstico materno prévio de convulsão, deficiência intelectual ou distúrbios da tireoide.
(BRASIL, 2008; JONES; MORGAN et al., 2007)
Pré-natais Durante a gestação até o nascimento
Anormalidades placentárias;
Hipertensão arterial materna gestacional e pré-eclâmpsia; Malformações congênitas;
(MACLENNAN et al., 2015; FALCÃO et al., 2016; BRASIL, 2008)
Período Definição Fatores de Risco
Perinatais Entre 22 semanas completas de gestação e 7 dias completos após o parto
Asfixia ao nascimento; Duração anormal do parto e apresentação fetal; Recém-nascido grande para a idade gestacional; Prematuridade; Baixo peso ao nascer; Crescimento intrauterino restrito; Circular de cordão umbilical.
(MICHAEL-ASALU et al., 2019; EUNSON, 2016; MACLENNAN et al., 2015; BERKER, 2008)
Neonatais Do nascimento até 28 dias de idade cronológica
Pós-natais
Inicia após o período neonatal, ainda no cérebro imaturo, mas sem consenso quanto ao limite superior
Icterícia grave; Convulsões; Síndrome do desconforto respiratório; Hipoglicemia.
(BERKER, 2008)
Afogamento; Meningite; Trauma. (NOVAK,2014; FALCÃO et al., 2016; JONES; MORGAN et al., 2007)
Fonte: Elaborado pelas autoras, 2022.
Atualmente, é possível realizar o diagnóstico precoce da PC, a partir das 12 semanas de idade, por meio da identificação de crianças com fatores de risco e avaliações padronizadas. Os instrumentos para predição do risco de PC, antes dos 5 meses de idade corrigida são a ressonância magnética a termo (sensibilidade de 86% - 89%), a Avaliação Qualitativa de Movimentos Gerais de Prechtl (sensibilidade de 98%) e o Exame Neurológico Infantil de Hammersmith (90% de sensibilidade). Após 5 meses de idade corrigida, a ressonância magnética quando segura e viável (86% - 89% de sensibilidade), o Hammersmith Infant Neurological Examination (90% de sensibilidade) e a Developmental Assessment of Young Crianças (índice C de 83%). A topografia e a gravidade da PC são mais difíceis de definir na infância, por isso, a ressonância magnética e o Hammersmith Infant Neurological Examination podem auxiliar nas decisões clínicas (NOVAK et al., 2014; NOVAK et al., 2017).
CLASSIFICAÇÃO E PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS
A PC se divide nos subtipos neurológico e topográfico, espástica (unilateral ou bilateral), discinética (distônica ou coreoatetose), atáxica e mista. Os diferentes tipos de PC possuem fatores causais predominantes, de acordo com a área encefálica específica lesionada e apresentam sintomas característicos (CAMARGOS et al., 2019).
A PC espástica é o subtipo neurológico mais comum de PC (70% a 90% dos casos) resultante de lesão no Sistema Nervoso Central
(SNC), especificamente, no neurônio motor superior no cérebro. As manifestações clínicas típicas da PC espástica englobam fraqueza muscular, aumento de tônus muscular (hipertonia), espasticidade e diminuição do limiar de ativação dos reflexos de estiramento. A PC discinética corresponde de 10% a 15% dos casos de PC. Nesse subtipo, a lesão ocorre nos núcleos da base do cérebro e a criança apresenta manifestações clínicas, como deficiência na regulação do tônus muscular e movimentos involuntários.
Na PC atáxica, a lesão ocorre no cerebelo e manifesta-se com déficits no equilíbrio em várias posturas, incoordenação motora e dismetria, fraqueza e hipotonia muscular. Se ocorrem lesões em diferentes áreas do encéfalo, a criança pode apresentar sinais e sintomas de diferentes subtipos de PC. Nesses casos, a criança é classificada de acordo com as características predominantes junto ao componente associado, por exemplo, PC espástica bilateral com componente atáxico (CAMARGOS et al., 2019).
Nos últimos anos, houve crescente necessidade de documentação e classificação da funcionalidade de crianças com PC, com perspectiva em desfechos relevantes para essa população, como mobilidade, habilidade manual e comunicação. O Sistema de Classificação da Função Motora Grossa (Gross Motor Function Classification System – GMFCS), representa a classificação mais importante das crianças com PC e tem sido amplamente utilizado pelos profissionais de saúde para o prognóstico de mobilidade e locomoção, planejamento terapêutico, prescrição de tecnologia assistiva e dispositivos de auxílio para mobilidade, bem como para facilitar a comunicação entre profissionais e familiares.
O GMFCS classifica o desempenho de auto locomoção da criança e do adolescente e considera as limitações de mobilidade e a necessidade de dispositivos manuais para locomoção, como andadores, muletas, bengalas ou mobilidade sobre rodas. O GMFCS contém 5 níveis, em escala ordinal, e apresenta distinções por faixa etária, antes dos 2 anos, entre 2 e 4 anos, entre 4 e 6 anos, entre 6 e 12 anos e entre 12 e 18 anos de idade (PALISANO et al., 2008; CAMARGOS et al., 2019).
Outras ferramentas também auxiliam na classificação funcional como a Escala de Mobilidade Funcional (Functional Mobility Scale – FMS), Sistema de Classificação da Habilidade Manual (Manual Ability Classification System – MACS), (ELIASSON et al., 2006) e Sistema de Classificação da Função de Comunicação (Communication Function Classification System – CFCS) (ELIASSON et al., 2006; HIDECKER et al., 2011).
IMPACTO NA QUALIDADE DE VIDA DAS CRIANÇAS COM
PARALISIA CEREBRAL, DE SEUS CUIDADORES E NAS RELAÇÕES FAMILIARES
A QV envolve como cada pessoa enxerga seu lugar na sociedade e cuidar de uma criança com PC pode se tornar um aspecto central na vida do cuidador, o que impacta diretamente toda a família. O papel de cuidador principal da criança com PC, na maioria das vezes, é assumido pela mãe e pode ter impacto negativo em sua QV, devido às demandas de cuidado. Além disso, os prejuízos na QV podem estar associados ao isolamento social, esgotamento físico e mental, insônia, fadiga, dores musculares,
Após o diagnóstico da criança, os cuidadores passam a enfrentar dificuldades no manejo da criança, na alimentação, no banho, no vestir, a questão financeira da família também é afetada, visto que a criança necessita de gastos fixos com a saúde. A preocupação do cuidador em relação à aceitação da sociedade e com o preconceito também são motivos que provocam desgaste físico e emocional. Alguns cuidadores, após o diagnóstico encontram apoio e incentivo de familiares e terceiros para buscar atendimentos qualificados, mas outras famílias revelam rejeição (GERMANO et al., 2021).
Para Chulliyil et al. (2014) quanto maior o comprometimento motor mais a independência da criança é afetada e, consequentemente, maior o impacto na QV de seus cuidadores, dada as restrições em envolver-se em tarefas sociais.
Os diversos acometimentos que envolvem a PC impactam na QV da criança, dentre eles, os distúrbios sensoriais, cognitivos, de comunicação, de comportamento, motor e a presença de crises convulsivas. Além disso, há fatores de acesso à reabilitação, transporte, educação, lazer e assistência médica (BAX et al., 2005; MSALL; PARK, 2008).
De acordo com Makris; Dorstyn e Crettenden (2021), em uma revisão sistemática com metanálise, encontraram maior impacto na QV relacionada ao domínio físico quando comparadas crianças e adolescentes com PC e controles, mas os resultados quanto aos domínios psicológico e social foram inconsistentes. Além disso, os
250 ansiedade, estresse, hipertensão, entre outros fatores (KLUTSE, et al., 2018; SANTOS et al., 2010; DANTAS, 2010).
pais de crianças com PC apresentaram uma tendência a avaliar a QV de seus filhos com escores menores do que eles mesmos.
Junto ao nascimento de um filho muitas mudanças acontecem na vida de um casal, mais ainda se essa criança apresenta o diagnóstico de PC, tais mudanças são um desafio. Os pais passam por um período de luto pelo filho idealizado na gestação, tal diagnóstico afeta o contexto familiar o que gera conflitos, medo, incerteza e dúvidas. Todo o círculo familiar sofre alterações em suas dinâmicas relacionais e sua estrutura de organização, tendo em vista que, a criança com PC necessita de auxílio em muitas funções, bem como ser acompanhada de perto em tratamentos de reabilitação, ajuda para alimentação, cuidados com a higiene pessoal, dentre outras coisas (MILBRATH et al., 2008; BARBOSA et al., 2012; CARVALHO et al. 2010).
Incluir a família no processo terapêutico de forma colaborativa e reconhecer suas necessidades e expertise no cuidado pode ter impacto positivo sobre a reabilitação e QV da criança com PC e de seus cuidadores.
O CUIDADO CENTRADO NA FAMÍLIA
DEFINIÇÃO E PRINCIPAIS ASPECTOS DO CUIDADO
CENTRADO NA FAMÍLIA
O cuidado centrado na família é composto de um conjunto de valores, atitudes e abordagens dos serviços para crianças com deficiência e suas famílias. O serviço centrado na
família reconhece que cada família é única; que a família é a constante na vida da criança; e que eles são os especialistas nas habilidades e necessidades da criança (LAW et al., 2003).
Trata-se de uma perspectiva que destaca e reconhece a relevância da família e garante a sua participação no planejamento das ações, definição dos problemas e nas soluções (BARBOSA et al., 2012).
Esse modelo vem sendo cada vez mais aceito e utilizado em vários serviços de assistência à saúde e aplicado em todas as faixas etárias. Os efeitos positivos do CCF incluem melhoria na QV, saúde física e psicológica e no desenvolvimento de habilidades para a manutenção da saúde e autocuidado, além de aumentar o conhecimento, confiança e satisfação das famílias tornando-as mais capacitadas para o cuidado (FRANCK; O’BRIEN, 2019; PARK et al., 2018; SMITH, 2018; KING et al., 2017).
De acordo com Park et al. (2018), os efeitos positivos desta abordagem também são vistos nos profissionais da saúde, aumentando a satisfação no trabalho, melhoria no cuidado e redução de casos de burnout.
O CCF é descrito e avaliado considerando três aspectos: contexto, processos e resultados. O contexto se refere às características da criança, família, sistema de saúde e cultura que influenciam, direta ou indiretamente, no processo e na percepção dos cuidados. Os processos de prestação de serviços referem-se a como os serviços podem ser prestados de forma centrada na família, incluindo aspectos relacionais e participativos. O componente
relacional inclui comportamentos tais como escuta ativa, respeito e empatia que são importantes para estabelecer e manter uma relação positiva e baseada na confiança com as famílias. O componente participativo inclui a prestação de serviços que atendem às necessidades e prioridades individuais das famílias e o envolvimento entre várias menções. Finalmente, os resultados referem-se ao efeito da provisão desse modelo de cuidado sobre as partes interessadas, principalmente, crianças, famílias e sistema de saúde, incluindo o estabelecimento de metas individualizadas (SCHREIBER, 2011; ARANGO, 2011; DUNST, 2002).
INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO
O questionário de Medidas de Processos de Cuidados (MPOC56) trata-se de um auto relatório de 56 itens que permite aos pais avaliarem se os serviços prestados na reabilitação infantil são centrados na família. Esse instrumento inclui 5 escalas, sendo elas, habilitação e parceria; fornecimento de informações gerais; fornecimento de informações específicas sobre a criança; cuidados coordenados e abrangentes; cuidados respeitosos e solidários. As respostas são obtidas usando escala de 7 pontos, nas quais as opções variam de 1 (nunca) a 7 (em grande parte) (KING et al., 1996; KING et al., 2004). De acordo com Cunnigham e Rosenbaum (2014), a MPOC foi traduzida e validada em cerca de 14 idiomas. E levou ao desenvolvimento de um conjunto de questionários auto-administrados que medem aspectos complementares da FCP (SHEVELL et al., 2018; ANTUNES et al., 2020).
O MPOC-20 é uma versão curta de 20 perguntas, do instrumento original, usando abordagens conceituais e empíricas para melhorar a utilidade e a capacidade discriminatória do MPOC-56. O MPOC-20 mostra boas propriedades psicométricas em termos de consistência interna, confiabilidade de teste, reteste e validação de construção. Divididas em cinco domínios correspondentes aos principais aspectos do CCF: capacitação e parceria; fornecimento de informações gerais; fornecimento de informações específicas sobre a criança; cuidados coordenados e abrangentes para a criança e a família; cuidados respeitosos e solidários. As pontuações dos itens são calculadas para compor a pontuação final de cada domínio, sendo que, as pontuações com domínios altos indicam a percepção de comportamentos frequentes centrados na família, as respostas são avaliadas em uma escala de 0 a 7 pontos (KING et al., 2004; ANTUNES et al., 2020).
Measure of Processes of Care for Service Providers (MPOC-SP) é um questionário auto administrado que avalia aspectos centrais da CCF do ponto de vista dos profissionais de reabilitação, incluindo 27 perguntas que são divididas em 4 domínios: mostrar sensibilidade interpessoal, tratar as pessoas com respeito, comunicar informações específicas sobre a criança e fornecer informações gerais. Cada domínio tem sua própria pontuação média, as pontuações mais altas representam maior foco do serviço no paciente e na família, as opções de respostas são iguais às do MPOC-20. O MPOC-SP é o único instrumento disponível para investigar crenças e práticas de todos os membros da equipe de reabilitação (ANTUNES et al., 2020).
Antunes et al. (2020) traduziram para o português e fizeram a adaptação transcultural para a população brasileira do MPOC20 e do MPOC-SP, além de avaliarem a confiabilidade e consistência interna. O estudo entrevistou pais e profissionais de centros de reabilitação em 4 capitais do Brasil. A utilização desses instrumentos pode ajudar a melhorar e eficiência dos serviços de reabilitação prestados às crianças e famílias na perspectiva do CCF (ANTUNES et al., 2020).
CUIDADO CENTRADO NA FAMÍLIA NO CONTEXTO DA PARALISIA CEREBRAL
O olhar individualizado dos profissionais de saúde e gestores, para proporcionar atenção humanizada aos cuidadores, que passam por fases críticas, desde o nascimento da criança com PC, é fundamental no processo de reabilitação. As formas de enfrentamento se diferenciam de um cuidador para outro, mas todos precisam de apoio dos profissionais de saúde para orientações e tratamento em relação ao cuidado adequado da criança e o autocuidado (GERMANO et al., 2021).
O envolvimento dos pais no modelo de intervenção precoce, aumentou dentro de uma estrutura de CCF, em contraposição aos modelos de intervenção precoce com foco na criança. Na abordagem de CCF há maior engajamento dos pais, os quais têm mais oportunidades de interação com seus bebês, tornando-os menos dependentes de serviços eventuais e permitindo que as famílias sejam ativas no processo terapêutico (HARNIESS et al., 2022).
A PC por comprometer o desenvolvimento das capacidades funcionais, o que inclui limitações para a realização de atividades como alimentação, higiene, vestuário e locomoção, afeta a rotina das crianças e de seus familiares e, consequentemente, a qualidade de vida desses indivíduos (ROSENBAUM, 2003; CHARLES et al., 2006).
Os serviços de reabilitação que atuam com foco nos objetivos da criança e da família são considerados com melhores práticas e retratam a base de evidências da área de psicologia sobre a aprendizagem motivacional fundamentada em objetivos. Portanto, a prática intensiva de tarefas significativas é considerada necessária pela criança e família tornando as tarefas mais prazerosas e eficazes do ponto de vista da neuroplasticidade (NOVAK et al., 2014).
O profissional de saúde deve sanar as dúvidas da família em relação ao desenvolvimento do filho, reconhecendo que a família tem o direito a explicações apropriadas sobre o diagnóstico, de maneira completa e em linguagem acessível. A compreensão pelos profissionais de saúde, da importância da família como a unidade na qual a criança cresce e se desenvolve é fundamental no processo terapêutico. Apesar disso, estudos relatam a ausência de orientação sobre como cuidar da criança com PC e de suas necessidades específicas, além de indicarem que o distanciamento do profissional de saúde faz a família sentir-se excluída do processo de cuidar. Isso propõe que o modelo de atenção à família avance no sentido de incluir a família como agente participante do cuidado, tornando-se fortalecida e capaz de cuidar dos próprios problemas e tomadas de decisões (BARBOSA et al., 2012).
Shevell et al. (2018), realizaram um estudo transversal com 282 famílias de crianças com PC, oriundas do estudo Canadense Registro de Paralisia Cerebral (CCPR). As crianças apresentavam idade média de 2 anos e 8 meses, 99% tiveram acesso a serviço de reabilitação nos 6 meses precedentes ao estudo, 88% tinham 1 subtipo de PC espástica, 70% apresentavam marcha com ou sem assistência (GMFCS nível I-III) e 61% tinham 1 ou mais comorbidades.
As características de maior nível educacional paterno e renda familiar elevada apresentaram associação com pontuação mediana mais baixa, respectivamente, na categoria de Fornecendo Informações Gerais e Fornecendo Informações Específicas sobre as crianças do MPOC-56. Os pais que possuem melhor condição socioeconômica podem ter maiores expectativas sobre informações de saúde, sendo necessário considerar as características da família e realizar uma adaptação do conteúdo de informação e fontes (Shevell et al., 2018).
O subtipo de PC, a gravidade motora grossa (nível GMFCS), a presença e o número de comorbidades não tiveram associação significativa com nenhuma pontuação mediana nas subescalas do MPOC-56. Os resultados do estudo demonstraram que os centros de reabilitação canadense adotam o CCF e as famílias envolvidas estão afirmando positivamente a aplicação desse modelo de serviço.
Darrah et al. (2010), realizaram um estudo com objetivo de determinar se o CCF, metas de terapia funcional e coordenação entre programas são conceitos importantes de serviços de reabilitação
para crianças com PC. Contaram com a participação de 47 gerentes de programas, 54 terapeutas (fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais) e 37 famílias. Somente 26 serviços apresentavam clara referência aos CCF, como compartilhamento de informações e participação familiar. Além disso, dos serviços avaliados somente 11 tinham a presença de pais no conselho consultivo. Os programas formais e padronizados garantem oportunidades iguais para todas as famílias participarem das tomadas de decisões na reabilitação de seus filhos, dentro de um programa fornecendo ponto de partida para garantir a participação igualitária e avaliar os efeitos dos processos sobre os resultados familiares. Tanto os terapeutas quanto as famílias identificaram desafios no acesso às informações gerais sobre os apoios e serviços baseados na comunidade. Além disso, evidenciaram que a transição de criança entre programas e serviços é dificultada pela escassez de processos formais.
O estabelecimento de objetivos funcionais e o processo de estabelecimento de metas são fundamentais nos CCF. A formulação de metas SMART (Específicas, Mensuráveis, Atingíveis, Relevantes e Temporais) permite o planejamento individualizado para crianças com PC. Os objetivos das famílias de crianças com PC abordam preocupações sobre participação em contexto sociais, objetivos educacionais e que seus filhos alcançassem o maior nível de independência possível (DARRAH et al., 2010).
Cunha, Costa e Morais (2022) realizaram um estudo de caso com 5 crianças (3 com PC, 1 com atraso no desenvolvimento e 1 com risco biológico) para avaliar os resultados de um programa de intervenção domiciliar baseado no CCF por 7 semanas. Nas
avaliações pré e pós-intervenção das crianças foi avaliado o desenvolvimento motor por meio da Avaliação da Função Motora Grossa (GMFM) para as crianças com PC e a Escala Motora Infantil Alberta (AIMS) para as demais. O estudo demonstrou que a implementação de estratégias terapêuticas baseadas no CCF são possíveis e podem gerar ganhos clínicos significativos, constatados pela melhora nos escores dos instrumentos utilizados.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O CCF se baseia em um modelo que reconhece a importância da família e garante a sua participação em todo o planejamento de cuidados, que vão desde a definição dos problemas, até a sua resolução. Contudo, a implementação do CCF na prática clínica enfrenta empecilhos, mesmo diante dos resultados práticos positivos, pois a cultura do modelo biomédico ainda é fortemente vivenciada pela maioria das famílias de crianças com PC. Diante disso, a implementação do CCF tem sido um desafio, devido a fatores como liderança, treinamento, atitudes e falta de recursos físicos e financeiros (GOODING et al., 2011; KUO et al., 2012; BARBOSA et al., 2012).
No contexto de famílias com crianças com PC, o CCF não é um conceito recente e já existem evidências de sua aplicabilidade na prática clínica. Apesar do avanço nos conhecimentos, com mais informações e acesso às tecnologias, algumas famílias ainda se sentem despreparadas para o cuidado dessas crianças. Nesse sentido, o empoderamento familiar se faz mais que necessário, e
isso deve ser um propósito da equipe de saúde que está mais próxima da família. O CCF permite traçar metas compartilhadas e implementação de práticas intensivas com o apoio familiar, tratando-se de um modelo de cuidado eficaz e com bons resultados. Contudo, são necessários mais estudos e pesquisas envolvendo a temática abordada, em especial, no campo de empoderamento das famílias.
Conclui-se que a prática do CCF deve ser componente principal de programas de reabilitação de crianças com PC. No entanto, o CCF não pode ser apenas adicionado aos modelos previamente estabelecidos, deve ocorrer mudança nos paradigmas e reestruturação dos serviços de saúde. Neste modelo, a família precisa ser protagonista e ocupar lugar central, tornando-se cada vez mais capaz de tomar decisões efetivas e participar da resolução de problemas no cuidado da criança.
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13.
TRANSTORNO DO PROCESSAMENTO SENSORIAL
Annyelle Santos Franca Autor
Débora Alinne Alencar Lins
Lays França de Queiroga Dutra
Silvana Cely Ribeiro da Silva
INTRODUÇÃO
As Atividades de Vida Diária (AVDs) são ações humanas realizadas no dia a dia que geram impactos positivos na rotina e que tem relação direta entre a sobrevivência e a automanutenção dos indivíduos, tais como: tomar banho, controlar esfíncteres, vestir-se, alimentar-se, realizar higiene íntima, ter mobilidade funcional, brincar e dormir (AOTA, 2020).
O processamento sensorial está relacionado à maneira como o sistema nervoso faz o gerenciamento das informações obtidas pelos estímulos sensoriais da visão, audição, tato, olfato, propriocepção, gustação e vestibular. O processo compreende a recepção, organização, discriminação, integração e as respostas que são adaptadas a esses estímulos (LAI et al., 2011). O Transtorno de Processamento Sensorial (TPS) é uma falha no processo neurológico que dificulta o uso das informações sensoriais para regularizar as respostas motoras, de atenção e fisiológicas que interferem nas AVDs (BART et al., 2011; ROBLES et al., 2012; MILLER et al., 2009).
As AVDs são essenciais para o desenvolvimento biopsicossocial, pois são as formas iniciais de exploração do ambiente. Ao atingir altos níveis de desenvolvimento cognitivo, motor e psicológico, a criança, consequentemente, consegue interagir de forma mais abrangente com o local que está inserida, tornando-se cada vez mais independente (AOTA, 2008).
Considerando o papel fundamental da informação sensorial e seu processamento no cotidiano das crianças, a ausência de
intervenção profissional diante de prejuízos evidentes pode afetar amplamente o desempenho funcional. Isso dificulta a realização de atividades cotidianas e compromete a independência à medida que crescem (BAIR et al., 2011). Assim, neste capítulo discutimos as repercussões do processamento sensorial no desempenho ocupacional das crianças e o papel do terapeuta ocupacional na intervenção.
PROCESSAMENTO SENSORIAL - TEORIA DE INTEGRAÇÃO SENSORIAL E AS IMPLICAÇÕES
NO DESEMPENHO DAS AVDS
Jean Ayres foi a primeira terapeuta ocupacional a investigar o funcionamento do sistema nervoso em relação ao comportamento humano, destacando a influência dos aspectos motores e perceptivos. Seu objetivo era identificar como as sensações corporais se relacionam com o cérebro e o processo de aprendizagem, buscando adquirir um conhecimento significativo nesse campo (MOMO; SILVESTRE, 2011).
Ayres afirma que esse sistema de aprendizagem é amplamente compreendido, abrangendo o desenvolvimento cognitivo e várias dimensões do comportamento adaptativo e cotidiano, que operam conforme o processamento sensorial (FONSECA, 2008). Com base nisso, a terapeuta pioneira propôs, em 1970, uma abordagem terapêutica ocupacional voltada para avaliação e intervenção, denominada Terapia de Integração Sensorial (CAMINHA, 2008; FONSECA, 2008; MOMO; SILVESTRE, 2011).
Trata-se de uma abordagem sistemática que orienta o raciocínio clínico utilizando metodologia focada em resultados relacionados à ocupação. Fornece um formato necessário para descrever o processo de raciocínio, incluindo justificativa baseada em dados para as decisões de tratamento (CAMINHA, 2008). Além disso, é fundamental para o desenvolvimento de competências importantes à realização de atividades diárias e sociais.
Alguns autores confirmam a teoria de Ayres (1972), destacando que o processamento sensorial é capaz de captar informações do ambiente e do próprio corpo, respondendo de maneira apropriada para regular e manter a atenção, o afeto e o estado de alerta. É função do sistema nervoso central organizar respostas adequadas às informações recebidas pelos sentidos humanos (RIZZUTTI et al., 2008; JAEGERMANN; KLEIN, 2010).
Para reconhecer, organizar, integrar e devolver essas informações vindas do meio externo, de forma adequada, os sistemas sensoriais desempenham um papel importante (MILLER, 2009). As informações são captadas a todo momento pelos sentidos, o corpo humano por sua vez reage e processa tais informações, usando-as de maneira a favorecer respostas adequadas. Sendo assim, a integração sensorial é necessária diariamente, uma vez que o aprendizado motor e acadêmico depende da capacidade das crianças de perceber e processar esses estímulos (MILLER, 2009).
Ao executar o processamento eficiente desses estímulos e à medida que a criança desenvolve a sua independência, vai se tornando mais autônoma nas AVDs, como por exemplo, comer sozinha utilizando talheres, escolher a roupa que vai usar, vestir-se
ou despir-se. Proporcionar essas atividades às crianças, é reforçar positivamente que são capazes de explorar novos contatos e situações, aprendendo a tomar decisões e a fazer escolhas sozinhas (GODINHO, 2016).
ATUAÇÃO DO TERAPEUTA OCUPACIONAL NO
TRANSTORNO DO PROCESSAMENTO SENSORIAL
O Transtorno de Processamento Sensorial (TPS) é a falta de habilidade do sistema nervoso central em gerenciar, modular, organizar coordenar e discriminar as sensações do corpo e do ambiente, dando-lhes respostas adaptativas incompletas ou insuficientes (SOUZA e NUNES, 2019).
O TPS pode trazer consideráveis implicações e é dividido em três grandes categorias: transtornos motores de base sensorial; transtornos de discriminação sensorial e transtornos de modulação sensorial. Os transtornos de base sensorial se caracterizam pela inabilidade em usar o corpo de forma adequada em relação a postura e planejamento motor. Os transtornos de discriminação sensorial estabelecem a dificuldade em interpretar a qualidade dos estímulos sensoriais que provocam imprecisão de discriminação, já o transtorno de modelação sensorial, está atrelado a dificuldade em que o sistema nervoso organiza e regula a intensidade, a frequência e o período da resposta aos estímulos sensoriais (SOUZA; NUNES, 2019). No Quadro 1, estão descritas as categorias e classificações do TPS.
Para Miller et al. (2007) todas essas categorias impactam diretamente nas AVD’s, então, são usadas para realizar análises aprofundadas dos comportamentos dos indivíduos com a intenção de propor intervenções que facilitem a modulação dos estímulos e melhora da qualidade de execução das ocupações.
Souza e Nunes (2019) afirmam que a maioria dos padrões sensoriais não são mencionados na literatura, devido a baixa prevalência. Porém, o transtorno de modulação sensorial se destaca por existir mais estudos direcionados, atualmente, em crianças com o transtorno do espectro autista.
Bar-Shalita et al. (2008) buscou mostrar a participação, em AVD’s, de crianças com e sem TPS, e identificou que aquelas com o transtorno pontuaram de forma insatisfatória nas ocupações da infância. O estudo mostrou que existem implicações importantes do TPS em todas as áreas ocupacionais infantis, incluindo: hábitos e rotinas, brincar, lazer e funções acadêmicas.
Segundo Shimizu e Miranda (2012), o TPS prejudica o desenvolvimento das crianças e gera sintomas que refletem nos comportamentos, nas habilidades sociais, na coordenação motora e no controle, ou seja, afeta de forma direta a maturidade da vida diária. Essas alterações também contribuem para que a aprendizagem não tenha o desenvolvimento adequado, pois existem fontes de sensações sobrecarregadas que refletem na dificuldade de focar e abstrair informações.
Jorquera-Cabrera et al. (2017) afirma que nas AVD’s existem cinco comprometimentos funcionais associados ao TPS, na coordenação motora global e fina, diminuição da participação social
e do engajamento ocupacional, prejuízo da autoconfiança e/ou da autoestima, atraso no desenvolvimento das habilidades sensório-motoras, frequência ou complexidade das respostas adaptativas a um desafio ambiental, dificuldades nas habilidades da vida diária e no relacionamento familiar.
Alguns autores descrevem estes prejuízos exemplificando que a imprecisão da discriminação tátil, por exemplo, tende a interferir na capacidade de reconhecer objetos pelo tato, o que impossibilita encontrar uma moeda dentro de uma bolsa, sem o auxílio da visão. A discriminação visual, por sua vez, interfere na capacidade de diferenciar letras parecidas, como “d”, “b”, “p” e “q” (LANE et al., 2010; CAMINHA, 2008).
Ainda sobre as implicações do TPS na rotina, Ayres (2005) menciona que uma criança com alterações no sistema tátil pode ter comprometimentos no brincar e na socialização, evitando ou desejando muito alguns tipos de objetos. Já em relação ao processamento auditivo, crianças com comprometimento, nesta área, tendem a apresentar dificuldades em envolver-se em determinados ambientes como a sala de aula. O barulho dos colegas, do recreio ou sons em geral pode interferir na capacidade de perceber as instruções dadas pela professora, afetando assim suas habilidades acadêmicas (AYRES, 2005).
Cermak et al. (2015) disserta sobre as dificuldades no processamento sensorial oral, relacionando problemas com a higiene oral e idas ao dentista com a dificuldade em sentir o cheiro e sabor dos produtos utilizados para desempenhar essas tarefas.
Caso o processo de integração sensorial não ocorra, poderá
haver prejuízos à criança e ao seu desenvolvimento, o que também poderá impactar significativamente em suas atividades corriqueiras, por exemplo: isolamento, insegurança, timidez, desorganização, imaturidade ao brincar, desregulação do sono, dificuldades na alimentação, no desempenho do autocuidado, emocional, integração social e na aprendizagem (MOMO et al., 2011; SHIMIZU; MIRANDA, 2012).
O terapeuta ocupacional é o profissional que pode auxiliar, junto às crianças e suas famílias, no desenvolvimento e melhora das AVD’s. O terapeuta deve organizar a oferta sensorial adequada a cada criança e gerenciar um equilíbrio entre a demanda sensorial, a necessidade individual e a liberdade de escolha, para promover resposta adaptativa e alcançar os objetivos terapêuticos de desempenho funcional, habilidades motoras e capacidade de autorregulação (STEFFEN et al., 2019).
Quadro 1- Categorias e classificação do TPS.
TRANSTORNO DE MODULAÇÃO SENSORIAL
É a dificuldade na capacidade para regular e organizar a intensidade e a natureza de resposta aos estímulos sensoriais de forma gradual e adaptativa.
TRANSTORNO DE DISCRIMINAÇÃO SENSORIAL
É a dificuldade na capacidade de interpretar as características temporais dos estímulos recebidos, ou seja, perceber as diferenças ou semelhanças.
TRANSTORNOS MOTORES COM BASE SENSORIAL
É a dificuldade na capacidade de integração das informações dos sentidos. Este transtorno está associado ao distúrbio da perda de equilíbrio, ou seja, no sequenciamento da execução de ações. O sujeito apresenta dificuldades em executar novas tarefas de coordenação motora.
Esse transtorno apresenta três subtipos:
1. Hiperresposividade sensorial: este subtipo pode acometer um ou múltiplos sistemas sensoriais. Tem elevada resposta aversiva aos estímulos com intolerância ao toque, som, cheiro, luz e etc.;
2. Hiporesponsividade sensorial: este subtipo tem a ausência de resposta à dor e temperaturas extremas, ou seja, baixa reação aos estímulos;
3. Busca Sensorial ou Procura
Sensorial: este subtipo age com impulsividade, o sujeito busca sentir o ambiente através de estímulos intensos.
Neste transtorno a criança pode apresentar algumas habilidades minimizadas para discriminar toque, força, movimentos, espaço e posição. Pode ocorrer no sistema auditivo, tátil, vestibular, olfativo, gustativo e visual.
Este transtorno apresenta dois subtipos:
1. Desordem postural: Está ligado à dificuldade de estabilizar o corpo durante o movimento ou em repouso para atender a demanda do ambiente ou de uma dada tarefa motora;
2. Dispraxia: este subtipo é a incapacidade de compreender, planejar, sequenciar e executar ações.
Fonte: elaborado pelas autoras, adaptado de MILLER et al. (2007).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na literatura científica há concordância sobre a temática do processamento sensorial. A falha desse processamento resulta em uma condição de transtorno que afeta, de forma direta, as AVD’s. Para o desenvolvimento adequado da capacidade de discriminação, interpretação, impressões sensoriais e modulação é essencial que o cérebro seja abastecido, constantemente, por uma variedade de estímulos sensoriais, que são proporcionados nas terapias de integração sensorial, com a ajuda clínica dos terapeutas ocupacionais devidamente habilitados para aplicar os métodos.
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INSTRUMENTOS UTILIZADOS NA PRÁTICA DA TERAPIA OCUPACIONAL PARA AVALIAÇÃO DE CRIANÇAS
Isadora Albuquerque Tavares
Jéssica Cavalcante Matos Carnaúba
Marília Lopes Fonsêca
Mayelle Tayana Marinho
Alice Wilken de Pinho
INTRODUÇÃO
O desenvolvimento infantil se inicia na fase intrauterina, perpassando pelo crescimento de habilidades físicas, cognitivas, socioemocionais e comportamentais, para responder às necessidades individuais e do meio (Tancredi et al., 2022) e pelas heranças genéticas e influências ambientais, primordiais para o desenvolvimento humano (Sousa; Veríssimo, 2015). No processo do desenvolvimento infantil, a primeira infância é a fase compreendida entre 0 e 6 anos, nesse período há o desenvolvimento de estruturas e circuitos cerebrais que são pré-requisitos para aquisição de habilidades futuras (Comitê Científico do Núcleo Ciência pela Infância, 2014).
Dentro das perspectivas do desenvolvimento infantil, destaca-se a Terapia Ocupacional, uma profissão que se dedica ao atendimento do público infantil por meio do desenvolvimento de habilidades motoras, cognitivas, sensoriais e afetivas. Essas habilidades são essenciais para o desenvolvimento ocupacional e visam promover a participação social, impactando positivamente na saúde e no bem-estar das crianças. Na Terapia Ocupacional, as ocupações infantis são entendidas como as atividades realizadas pela criança ao longo do seu desenvolvimento (Grigolatto et al., 2010; Folha; Barba, 2020).
Na prática clínica e na pesquisa em Terapia Ocupacional, as avaliações constituem etapa fundamental da intervenção. Auxiliam na identificação de problemas de desempenho e fornecem a base para a estruturação do processo terapêutico (Chaves, 2012; Almohalha, 2020). Nesse sentido, o capítulo foi direcionado
pela pergunta: atualmente, quais são as avaliações utilizadas por terapeutas ocupacionais na área infantil, no território brasileiro, junto à primeira infância? Na produção, foi realizado um levantamento da literatura tratando sobre a temática da Terapia Ocupacional, desenvolvimento infantil e avaliação, para compreensão sobre os instrumentos de avaliação validados e utilizados por terapeutas ocupacionais em território nacional, com foco no desempenho ocupacional. Para isso, foram selecionados artigos e capítulos de livros publicados, nos últimos dez anos, com menção à temática.
DESENVOLVIMENTO INFANTIL: COGNITIVO, MOTOR, SENSORIAL, EMOCIONAL E SOCIAL
Para a implementação de práticas adequadas de cuidado infantil, é essencial compreender os aspectos fundamentais do crescimento e desenvolvimento da criança. A Organização Mundial da Saúde (OMS) enfatiza que, durante esta fase, é estabelecida a base de todas as experiências emocionais e afetivas, sendo de vital importância para o desenvolvimento do indivíduo. Além disso, é crucial reconhecer que o desenvolvimento infantil inclui as oportunidades de estimulação a que as crianças são submetidas durante este período (Rodrigues et al., 2013; OMS, 2018).
De acordo com Piaget (1973, p. 76), “o desenvolvimento da criança implica numa série de estruturas construídas progressivamente através da contínua”. Esse processo de construção e compreensão do conhecimento para o desenvolvimento infantil se
baseia em 4 fatores principais: a maturação do Sistema Nervoso Central (SNC), oportunidades de estimulação no ambiente físico, aprendizagem e equilíbrio. Nesse contexto, é igualmente relevante entender o desenvolvimento cognitivo, que se inicia no nascimento, passa pelo crescimento, maturação da criança e evolui até a vida adulta, proporcionando conhecimentos indispensáveis para o indivíduo.
O desenvolvimento motor é o processo de mudanças no comportamento relacionado à idade, abrangendo tanto a postura quanto o movimento da criança. Esse processo envolve alterações complexas e interligadas que englobam todos os aspectos de crescimento e maturação dos sistemas e aparelhos do organismo. É crucial monitorar o desenvolvimento motor da criança, especialmente nos primeiros anos de vida, para possibilitar o diagnóstico precoce de doenças motoras, o que pode facilitar e acelerar o tratamento. Um bom desenvolvimento motor impacta positivamente a vida futura da criança, influenciando os aspectos sociais, intelectuais e culturais (Gallahue; Ozmun, 2005; Xavier, 2018).
Baum, Stevenson e Wallace (2015) descrevem que o processamento sensorial envolve a recepção e interpretação de informações sensoriais pelo Sistema Nervoso Central (SNC), formando blocos de funções cognitivas que estão intrinsecamente ligados a outras áreas do desenvolvimento humano. A integração dos diferentes sentidos é fundamental para a criação de representações perceptivas saudáveis. Em contrapartida, déficits na integração sensório-motora podem acarretar danos às funções superiores. O processamento sensorial é a maneira como o SNC gerencia as informações recebidas através de estímulos visuais, gustativos,
auditivos, táteis, olfativos, interoceptivos, vestibulares ou proprioceptivos. As respostas comportamentais adaptativas resultam da regulação, recepção, integração, organização e discriminação desses estímulos (Lai et al., 2011).
Deste modo, ao atingir os marcos de desenvolvimento mencionados anteriormente, bem como as capacidades intrínsecas e promovidas pelo ambiente, é possível que o indivíduo progrida nas habilidades necessárias para um desempenho ocupacional independente e funcional, levando em conta também os fatores pessoais e de saúde de cada cliente. No entanto, déficits nos marcos e habilidades mencionados podem resultar em atrasos no desenvolvimento infantil, causando problemas ocupacionais futuros e dificultando o engajamento e a participação em atividades diárias e na rotina. Esses déficits podem se tornar barreiras para um desempenho ocupacional satisfatório (AOTA, 2015; Silva; Paiva; Albuquerque, 2022).
O acompanhamento do desenvolvimento infantil é essencial, e a avaliação, que envolve testes padronizados, vai além da simples coleta de dados. Auxilia na definição de metas e ajuste do plano clínico, permitindo verificar as mudanças observadas na população atendida (Chaves, 2010).
TERAPIA OCUPACIONAL E OS
INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO
A Terapia Ocupacional é definida como a aplicação terapêutica das atividades diárias de indivíduos, grupos ou comunidades, visando fortalecer ou facilitar a participação. Os profissionais dessa área utilizam seu conhecimento sobre o envolvimento do cliente em atividades significativas e contextualizadas para desenvolver planos de intervenção centrados na ocupação. Nesse contexto, a análise abrange diversos domínios, como áreas de ocupação, características individuais, habilidades de desempenho, padrões de funcionamento, contexto e ambiente, visando promover autonomia e independência. Isso é feito ao considerar tanto as potencialidades quanto às necessidades específicas de cada cliente (Gomes; Teixeira; Ribeiro, 2021).
O raciocínio clínico inclui as etapas de avaliação e intervenção com objetivos voltados à facilitação do envolvimento em ocupações, a partir das informações colhidas em anamneses e entrevistas com os clientes, focando nas ocupações para atingir bem-estar físico, mental e social (Gomes; Teixeira; Ribeiro, 2021; Pfeifer, 2020).
O processo avaliativo na Terapia Ocupacional começa no primeiro contato com a família para a coleta de dados, seguido pela aplicação de protocolos com o indivíduo e uso do olhar clínico. Essas etapas são fundamentais para compreensão adequada dos objetivos a serem trabalhados e para a elaboração do plano
Os terapeutas ocupacionais utilizam avaliações padronizadas, em seu processo de trabalho, para identificar componentes e ocupações que estão em defasagem e precisam de priorização, além de monitorar o progresso das intervenções. Na prática terapêutica ocupacional, a avaliação é o primeiro passo para verificar o desempenho ocupacional do indivíduo e criar um plano terapêutico personalizado. Isso ajuda a compreender o desempenho da criança e as demandas da família. Os dados obtidos durante a avaliação são cruciais para orientar medidas que visam minimizar complicações e incapacidades, adaptadas à situação de cada criança (Santos et al., 2017; Silva; Paiva; Albuquerque, 2022).
Os processos avaliativos envolvem duas etapas. A primeira é a construção do perfil ocupacional, no qual busca-se junto aos pais e cuidadores, informações acerca da história ocupacional e experiências prévias dos padrões de vida diária, interesses, valores e necessidades individuais. Em seguida, com a criança são criadas oportunidades para descoberta do que ela quer fazer, buscando compreender questões atuais que impactam em suas ocupações. A segunda etapa é caracterizada pela realização da análise do desempenho ocupacional e que tem por finalidade observar e avaliar o desempenho da criança durante a realização
290 terapêutico. Além disso, a avaliação é um processo contínuo, ao longo da intervenção, servindo como base para alcançar ganhos mensuráveis e tangíveis, além de envolver a família mais de perto, incentivando sua participação na construção do processo terapêutico. As avaliações permitem analisar as potencialidades, habilidades e áreas a serem desenvolvidas (Silva; Paiva; Albuquerque, 2022; Tedesco, 2000).
das atividades relevantes às ocupações desejadas e verificar a eficácia das habilidades e padrões de desempenho (Marques; Gradim, 2020; Pfeifer, 2020).
Destaca-se a importância de avaliar a participação ocupacional das crianças, independentemente da área de atuação profissional (saúde mental, física, sensorial, cognitiva, dentre outros), pois está intrínseca no contexto, facilitando a intervenção com as famílias e outros agentes de cuidado, possibilitando estabelecer objetivos funcionais. Dentre os tipos de coleta de dados temos: a anamnese inicial, checklist, observação clínica e avaliações padronizadas. Sendo assim, o acompanhamento do desenvolvimento infantil reúne diversificadas modalidades de avaliação, as quais são destinadas para pais, professores, médicos e os demais profissionais que compõem a equipe multiprofissional, entre estes, o terapeuta ocupacional (Mazak, 2022; Tancredi et al., 2022).
INSTRUMENTOS PADRONIZADOS UTILIZADOS
NA PRÁTICA DA TERAPIA OCUPACIONAL
Os instrumentos padronizados de avaliação desempenham um papel fundamental na construção do processo terapêutico ocupacional, ajudando na identificação, planejamento, definição de objetivos, raciocínio profissional e reavaliação. Também contribuem para a produção de novos conhecimentos na pesquisa, gerando evidências profissionais sólidas (Cruz; Rodrigues; Wertheimer, 2021). Apesar da confiança nas observações clínicas para a tomada de decisões na intervenção, os terapeutas ocupacionais
também devem utilizar testes e avaliações padronizadas, bem como seguir as etapas de desenvolvimento, para acompanhar e observar desvios nos padrões de desenvolvimento esperados para a idade (Almohalha, 2020).
É importante destacar que poucos são os instrumentos utilizados com especificidade dentro da prática dos terapeutas ocupacionais no território brasileiro. A maioria foi confeccionada em países da América do Norte e Europa (Cruz; Rodrigues; Wertheimer, 2021). Diante desse cenário, foram selecionados instrumentos validados e adaptados para utilização no Brasil destinados à infância, com enfoque no desempenho ocupacional e habilidades necessárias para autonomia e independência nas atividades cotidianas. Tais instrumentos não se limitam ao uso exclusivo de terapeutas ocupacionais, porém, funcionam enquanto auxílio na coleta de informações do paciente e na produção do raciocínio clínico.
O Perfil Sensorial 2 (Sensory Profile 2) foi elaborado por Winnie Dunn, em 2014, nos Estados Unidos. Traduzido e adaptado transculturalmente, em 2015, para o Brasil pela terapeuta ocupacional Jecí Matto (Mattos, 2015). E é constituído por 5 questionários: Infantil Sensory Profile 2; Toddler Sensory Profile 2; Child Sensory Profile 2; Short Sensory Profile 2; School Companion Sensory Profile 2. Pode ser aplicado por profissionais de saúde e educação, sendo esses: terapeutas ocupacionais, psicólogos, fonoaudiólogos, professores, pedagogos, médicos, cuidadores de creche ou orfanatos (Mattos, 2015).
Este instrumento, em formato de questionário, é aplicado para avaliar e mensurar o processamento sensorial e obter informações relacionadas a facilidade ou dificuldades no desempenho funcional nas tarefas cotidianas (Mattos; D’antino; Cysneiros, 2015; Mancini; Pfeifer; Brandão, 2020). Os dados são coletados por meio de respostas dos cuidadores ou por professores sobre os comportamentos vivenciados no cotidiano pela criança/ adolescentes foco da investigação. A análise dos dados é realizada exclusivamente pelos terapeutas ocupacionais. (Mattos; D’antino; Cysneiros, 2015).
O Inventário de Avaliação Pediátrica de Incapacidade (Pediatric Evaluation of Disability Inventory-PEDI) foi desenvolvido por Dr. Haley e Dr. Coster em 1993. É um instrumento de avaliação infantil sobre o desempenho funcional (autocuidado, mobilidade e funções sociais) de crianças entre 6 meses e 7 anos e 6 meses, auxiliando na identificação de possíveis déficits funcionais e observação do progresso do indivíduo ou grupo no processo reabilitativo (Mancini, 2005; Mancini; Pfeifer; Brandão, 2020). Pode ser aplicado por profissionais da reabilitação que trabalham com desfechos funcionais.
No ano de 2012, Stephen M. Haley, Wendy J. Coster, Helene Dumas, Maria Fragala- Pinkham e Richard Moed criaram a nova versão do Inventário de Avaliação Pediátrica de Incapacidade, denominado como Evaluation of Disability Inventory Computer Adaptive Test (PEDI-CAT), ampliando a faixa etária para até os 21 anos. Em 2017, foi publicada a versão traduzida e adaptada para português (Mancini et al., 2016). O PEDI-CAT mensura 3 domínios: atividades diárias, mobilidade e social/ cognitivo,
definindo o ponto em que a criança e o cuidador assumem responsabilidades na participação em atividades de vida diária e complexas (HALEY, 2012).
O Guia Portage de Educação Pré-escolar foi desenvolvido por Bluma, Shearer, Frohman e Hilliard, em 1978, nos Estados Unidos. Tal guia, de uso multiprofissional, consiste numa listagem de 580 itens que citam comportamentos de crianças de 0 a 6 anos nas áreas de Desenvolvimento Motor, Linguagem, Cognição, Socialização, Autocuidado e uma área específica para bebês de 0-4 meses denominada de Estimulação Infantil (Williams; Aiello, 2018).
O Manual do Inventário Portage Operacionalizado (IPO) publicado, em 2018, com autoria de Williams e Aiello, diferente do guia, o qual tinha seu objetivo voltado unicamente para educação pré-escolar, tem a proposta de identificar a etapa do desenvolvimento em que o avaliado se encontra, para então planejar devidas intervenções. Para isso, as autoras acrescentaram para cada um dos 580 itens avaliados, 4 componentes: a definição do comportamento esperado; as condições que o avaliador deve propor (ex: que instruções dar); o material necessário (ex.: brinquedos) (Quintão, 2020).
O IPO pode ser utilizado em diferentes contextos (residência, clínicas, escolas, instituições ou centros universitários) é considerado um instrumento útil e eficaz por avaliar várias áreas de desenvolvimento e faixas etárias, permitindo acompanhar o desenvolvimento da criança ao longo do tempo (0 a 6 anos). Mais especificamente, ele oferece dados importantes para a descrição,
planejamento, monitoramento, intervenção e avaliação do desenvolvimento infantil. O inventário também é citado como 1 de 5 instrumentos que avalia “hábitos funcionais diários e de autossuficiência em crianças”, utilizado por terapeutas ocupacionais em atividades de vida diária (Aiello; Williams, 2021; Silva; Martinez, 2002).
A escala Affordances in the Home Environment for Motor Development (AHEMD) foi elaborada em projeto com participação dos Laboratórios de Desenvolvimento Motor do Instituto Politécnico Viana do Castelo (Portugal) e da Texas A&M University (EUA). Com o objetivo de disponibilizar aos cuidadores, educadores e profissionais de saúde, uma ferramenta que permite a avaliação do ambiente em que a criança está inserida, focando na qualidade e quantidade das oportunidades de desenvolvimento motor, levando em consideração a teoria ecológica de Affordances. Tal teoria indica que no ambiente domiciliar, as oportunidades proporcionam estimulações motoras positivas, levando em consideração que o desenvolvimento motor é um fator crítico para o desenvolvimento integral da criança (Rodrigues, 2005; Rodrigues, Saraiva; Gabbard, 2005).
Foram elaboradas 2 versões, sendo elas de 3 a 18 meses e 18 a 42 meses. A validação da versão 18 a 42 meses, já foi inicialmente testada por Luís Rodrigues; Linda Saraiva; e Priscila Caçola. Contudo, a versão de 3 a 18 meses, ainda se encontra em processo de validação. As 2 versões são de fácil acesso e não é necessário investimento financeiro para obtê-las; no entanto, a versão de 3 a 18 meses só pode ser utilizada como um guia prático, devido a não conclusão da validação (Rodrigues, 2005; Rodrigues; Saraiva; Gabbard, 2005).
A escala inicia com a caracterização familiar, seguida pela descrição do espaço físico, das atividades diárias, dos brinquedos e materiais presentes no ambiente. Este instrumento compreende 67 questões objetivas e permite que o escore seja realizado através do site da AHEMD, disponibilizado pelo Instituto Politécnico de Viana do Castelo. Além disso, um calculador está disponível para download (Rodrigues, 2005; Rodrigues; Saraiva; Gabbard, 2005).
O Perfil Psicoeducacional Revisado (PEP-R) desenvolvido por Eric Schopler, em 1979, é um instrumento de avaliação utilizado por equipes multidisciplinares para avaliar o desenvolvimento de crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e outros transtornos que afetam a comunicação. Permite formular planos psicoeducacionais com base nos dados coletados, seguindo os princípios do método TEACCH, originalmente construído com base no desenvolvimento típico de crianças americanas. A versão revisada do PEP-R foi lançada uma década após a original e é destinada a crianças de 1 a 12 anos, enfatizando a importância do diagnóstico precoce e do acesso às intervenções adequadas (Leon, 2002).
A escala avalia as seguintes dimensões: coordenação motora ampla, coordenação motora fina, coordenação viso-motora, percepção, imitação, performance cognitiva e cognição verbal. Essas dimensões formam a escala de desenvolvimento. As áreas de relacionamento e afeto, brincar e interesse por materiais, respostas sensoriais e de linguagem constituem a escala de comportamento (Leon, 2002).
A Medida Canadense de Desempenho Ocupacional (COPM) foi projetada pela Associação Canadense de Terapeutas Ocupacionais, em colaboração com o Departamento Nacional de Saúde e BemEstar do Canadá. A medida individualizada foi criada para utilização de terapeutas ocupacionais, com a finalidade da modificação na autopercepção ao longo do tempo do cliente, para mensuração das demandas e resultados da intervenção por eles apresentados no autocuidado, produtividade e lazer (Law, 2009).
O COPM foi inicialmente traduzido em 1999 por Silvia Gonçalves, em Lisboa, Portugal. No entanto, a primeira publicação ocorreu apenas em 2009, pelas terapeutas ocupacionais brasileiras Lívia de Castro Magalhães, Lilian Vieira Magalhães e Ana Amélia Cardoso. As autoras destacam as dificuldades inerentes à tradução de instrumentos, embora eles sejam frequentemente utilizados devido à falta de estudos produzidos no Brasil (Misuta; Rodrigues; Sant’anna, 2011). A aplicação do inventário é exclusiva para terapeutas ocupacionais.
Avaliação do Comportamento Lúdico da Criança (ACL) faz parte do modelo lúdico criado pela terapeuta ocupacional Francine Ferland, em 1994, e traduzido para o Brasil no ano de 2008 por Maria Madalena Moraes Sant’Anna, Silvana Maria BlascoviAssis e Lívia C. Magalhães (Ferland apud Sant’anna et al., 2008).
A ACL é um instrumento de avaliação multiprofissional voltado principalmente para crianças com deficiência física. Considera aspectos qualitativos e individualizados do comportamento lúdico, sendo subdividido em 4 dimensões: 1) interesse geral da criança; 2) interesses e capacidades lúdicas básicas; 3) ação e 4)
A aplicação da ACL é feita de forma espontânea, com as informações sendo coletadas através da observação do brincar. O desempenho da criança é influenciado pela sua relação com o avaliador; quando há um contato prévio entre ambos, as brincadeiras tendem a ocorrer de maneira mais natural, independentemente da gravidade do comprometimento motor (Sant’anna et al., 2008).
A Bayley Scales of Infant Development (Escala Bayley de Desenvolvimento Infantil) é um instrumento de avaliação crucial para crianças pequenas com atrasos no desenvolvimento, auxiliando os profissionais no planejamento de intervenções. Reconhecida como o padrão ouro, a escala possui propriedades psicométricas que garantem resultados confiáveis, válidos e precisos sobre o desenvolvimento infantil, não sendo adequada para triagens preliminares. É amplamente utilizada em contextos clínicos e de pesquisa (CURSOS BAYLEY BRASIL, 2022).
A versão original foi desenvolvida, em 1969, por Nancy Bayley, para aplicação com crianças de 2 a 30 meses na detecção de atraso no desenvolvimento. Em seguida, foram publicadas 2 novas versões traduzidas e adaptadas para o Brasil. A Bayley III teve sua publicação em 2006 e a faixa etária foi expandida para 16 dias a 42 meses. Em 2012, foi traduzida para a população brasileira (Madaschi, 2012) e se estrutura em 5 escalas padronizadas: escala cognitiva, de linguagem, motora, socioemocional e comportamento adaptativo (Barbosa, 2004; Madaschi, 2012).
298 características da atitude lúdica. Cada subtópico é avaliado com uma pontuação específica, com legendas que variam conforme o aspecto investigado (Sant’anna et al., 2008).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste capítulo, foram apresentados instrumentos de avaliação utilizados por terapeutas ocupacionais para auxiliar no raciocínio clínico e na observação específica do desempenho ocupacional de crianças na prática clínica no Brasil. Ressaltamos a importância de fortalecer estudos voltados à elaboração e adaptação de instrumentos relacionados ao desenvolvimento infantil e ao desempenho ocupacional, considerando a escassez de publicações sobre o tema.
É crucial o embasamento científico sólido na prática de avaliações da terapia ocupacional. E a falta de evidências sobre a eficácia de diferentes formas de intervenção reforça a urgência de mais pesquisas. Portanto, é imprescindível incentivar estudos que abordem instrumentos de avaliação destinados à prática terapêutica ocupacional voltada para a população infantil. A expansão da produção científica sobre esse tema não apenas enriquece o processo de avaliação ocupacional, mas também promove maior visibilidade e valorização da profissão.
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15.
DIFICULDADES ALIMENTARES:
UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA DAS
ESCALAS DE COMPORTAMENTO
ALIMENTAR INFANTIL
Janaynna Mayara Póvoas Guimarães
Marília de Jesus M. Rodrigues Lima
Susy Katelyn L. Mendes Santos
Yasmin Quartin Caravellas Silveira Santos
Marcela P. C. de Andrade Oliveira
INTRODUÇÃO
Comer é uma atividade fundamental para o crescimento e desenvolvimento humano. A alimentação é um processo complexo que envolve fatores multissensoriais, mecanismos orofaríngeos, trato gastrointestinal, sistema cardiopulmonar, sistema nervoso central e periférico, além de influenciar domínios nutricionais, psicossociais e sensório-motor (BEAUDRY et al., 2021).
O transtorno alimentar pediátrico é caracterizado por perturbação na ingestão oral de alimentos, podendo afetar a saúde de forma global por envolver aspectos nutricionais, oromotores, sensoriais, comportamentais e psicossociais, embora não haja um consenso definitivo sobre sua definição (BEAUDRY; RAMOSPOLO et al., 2010).
Estudos mostram que mais de 50% das mães afirmam que pelo menos um de seus filhos têm dificuldades alimentares. Essas dificuldades variam de dificuldades leves, conhecidos como “pick eaters”, a casos mais graves, como os encontrados em crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA) (KERZNER et al., 2015), nas quais a incidência de transtornos alimentares pediátricos é ainda maior, destacando a necessidade de desenvolver instrumentos de avaliação específicos para essa população (BANDINI et al., 2010).
A compreensão e avaliação das causas e fatores que contribuem para as dificuldades alimentares na infância, como a neofobia, seletividade alimentar e transtornos alimentares, são essenciais para garantir tratamento e intervenção adequados,
A avaliação padronizada desempenha papel fundamental no processo terapêutico, pois permite a coleta e mensuração precisa de dados. Isso possibilita a identificação dos pontos fortes e dos desafios, a escolha da teoria apropriada, o estabelecimento de metas, a orientação da intervenção, além de avaliar o desenvolvimento (BEAUDRY et al., 2021).
Neste contexto, o capítulo destaca escalas validadas para a avaliação de dificuldades alimentares em crianças, as quais foram selecionadas por meio de revisão da literatura científica.
DIFICULDADES ALIMENTARES NA INFÂNCIA
A alimentação é um processo rico em aspectos multissensoriais, proporcionando às crianças e seus cuidadores oportunidades valiosas de interação e comunicação. Além dos aspectos biológicos, o ato de alimentar-se é profundamente emocional e envolve aprendizado contínuo, moldado por experiências agradáveis, confortáveis e seguras (LÁZARO; CARON; PONDÉ, 2018).
Comer é uma atividade fisicamente complexa. Por exemplo, a deglutição requer a coordenação de 26 músculos e 6 pares de nervos cranianos. É também a única atividade que as crianças realizam, envolvendo a coordenação simultânea de todos os sistemas sensoriais. A capacidade de gerenciar essa coordenação física começa de forma instintiva nos primeiros meses de vida. Dos primeiros meses até aproximadamente o final do 5º ou 6º
310 especialmente com uma abordagem multidisciplinar (KERZNER et al., 2015).
mês, os reflexos motores primitivos (ex.: busca, sucção, deglutição) desempenham papel fundamental. Com o passar do tempo, o bebê desenvolve caminhos cerebrais para o controle motor e sensorial voluntário durante a alimentação, transformando-a em um comportamento aprendido e influenciado por experiências (TOOMEY, 2002).
“Problema alimentar” pode ser definido como qualquer deficiência na ingestão de nutrientes que leve à subnutrição, crescimento inadequado ou gere estresse durante as refeições tanto para a criança quanto para a família (BLEICHEFELD; MONTGOMERY, 2002).
Os dificuldades alimentares enquadram-se frequentemente em 3 categorias: 1) seletividade alimentar com base no cheiro, cor, sabor, temperatura, tipo ou textura alimentar; 2) recusa alimentar e 3) comportamentos disruptivos durante a refeição (choro ou agressividade perante alimentos não preferenciais), com consequente impacto no consumo alimentar, preferindo certos alimentos em detrimento de outros (MARI- BAUSET et al., 2014).
Outros autores incluem ainda a resistência ao consumo de novos alimentos (neofobia alimentar), exigência repetitiva de certos utensílios, locais de refeição e apresentações alimentares, como um complemento à definição de dificuldades alimentares. Estas dificuldades destacam-se não só pelo seu impacto biológico, mas também social. O estresse que os pais enfrentam diariamente pode afetar a interação pai-filho, a qualidade de vida e o funcionamento familiar (MARTA, 2020).
A FAMÍLIA E AS DIFICULDADES ALIMENTARES
EM CRIANÇAS
Em casos de dificuldades alimentares, é essencial considerar o histórico médico da criança, avaliar seu comportamento e observar a interação entre pais/cuidadores e a criança durante as refeições. O relato dos pais/cuidadores sobre os comportamentos alimentares problemáticos fornece informações valiosas e é uma maneira eficaz de avaliar as dificuldades alimentares (DINIZ; BARCELOS, 2019; TOOMEY, 2002).
Os cuidadores são os principais observadores dos comportamentos alimentares da criança durante as refeições, proporcionando uma perspectiva mais ampla sobre esses comportamentos. Por isso, a observação de apenas uma refeição em um ambiente não familiar, que pode ser percebido como ameaçador ou pouco acolhedor pela criança, não é tão eficaz (SANCHES et al., 2015).
É mais provável que os cuidadores, que estão presentes diariamente e participam ativamente da rotina alimentar da criança, possam relatar com mais precisão a frequência e variedade de comportamentos alimentares (DINIZ; BARCELOS, 2019).
É fundamental que durante a avaliação e tratamento de transtornos alimentares pediátricos, seja feita coleta abrangente de informações sobre a criança, como, consumo de texturas alimentares distintas, habilidades cognitivas e de resolução de problemas, postura, controle motor, habilidades motoras orais e perfil sensorial relacionado às refeições. Esses dados são essenciais para desenvolver estratégias de tratamento eficazes e recomendações
familiares que auxiliem a criança a adquirir habilidades de alimentação funcional e adaptativa. O tratamento é realizado por uma equipe interdisciplinar, composta por profissionais especializados no assunto (TOOMEY, 2002).
A IMPORTÂNCIA DAS ESCALAS DE AVALIAÇÃO
NA INVESTIGAÇÃO DE DIFICULDADES
ALIMENTARES
A investigação das particularidades dos comportamentos alimentares das crianças pode ser mais bem sucedida com a utilização de instrumentos de avaliação estruturados, que podem ser preenchidos pelos pais e cuidadores, com o objetivo de coletar informações sobre o comportamento alimentar e outras variáveis que possam influenciar na alimentação (LÁZARO; CARON; PONDÉ, 2018). A seguir são apresentados alguns destes instrumentos.
Em 1994, Crist e Napier-Phillips criaram a Behavior Pediatrics Feeding Assessment Scale (BPFAS), traduzida como “Escala de Avaliação do Comportamento Alimentar Infantil”, com o propósito de investigar se crianças com dificuldades alimentares apresentavam comportamentos significativamente diferentes ou
semelhantes, porém mais frequentes do que crianças sem dificuldades alimentares (MELLER, 2019).
Essa escala é composta por perguntas dirigidas aos pais, com o objetivo de avaliar as dificuldades alimentares durante as refeições. Inclui 35 itens, sendo os primeiros 25 focados no comportamento infantil. Por exemplo, se a criança gosta de comer ou tem dificuldades para mastigar o alimento. Os últimos 10 itens abordam os sentimentos dos pais e as estratégias para lidar com as dificuldades alimentares durante as refeições, como, se os pais ficam frustrados e ansiosos ao alimentar seu filho ou se têm certeza de que seu filho come o suficiente (MELLER, 2019).
A pontuação da escala segue o formato Likert, variando de 1 (“nunca”) a 5 (“sempre”), indicando a frequência do comportamento da criança, sendo que pontuações mais altas refletem níveis mais elevados de dificuldades comportamentais durante as refeições (LÁZARO; CARON; PONDÉ, 2018). A escala é dividida da seguinte forma: Comportamento Infantil - Frequência (25 itens, pontuação de 25 a 125 pontos); Comportamento Infantil - Dificuldades (25 itens, soma das respostas positivas, pontuação de 0 a 25); Sentimentos ou Estratégias dos pais - Frequência (10 itens, pontuação de 10 a 50); e Sentimentos ou Estratégias dos pais - Dificuldades (10 itens, soma das respostas positivas, pontuação de 0 a 10). Dessa forma, as pontuações de frequência refletem a frequência dos comportamentos das crianças e dos pais, enquanto os escores de dificuldades indicam quantos comportamentos os pais e cuidadores consideram como dificuldades na hora da alimentação (MELLER, 2019).
A BPFAS foi validada em 4 países (Canadá, Austrália, Reino Unido e Estados Unidos) para uso na população pediátrica. Ressalta-se que, até o momento da elaboração desta revisão, a escala não foi submetida a estudos transculturais de validação para a população brasileira (MELLER, 2019). Apesar disso, é vastamente utilizada em estudos a mais de 25 anos, em populações diversas, como crianças com fibrose cística, diabetes, Transtorno do Espectro Autista (TEA), grupo normativo, sobrepeso/obesidade e até mesmo crianças com alimentação enteral. Embora tenha sido desenvolvida para avaliar dificuldades alimentares, em crianças de 1 a 8 anos de idade, a BPFAS não considerou características específicas do TEA, como questões sensoriais e distúrbios gastrointestinais (LÁZARO; CARON; PONDÉ, 2018).
Atualmente, a maioria dos instrumentos validados na língua portuguesa e usados em estudos sobre comportamento alimentar infantil se concentra exclusivamente nas crianças, sem considerar as estratégias e percepções dos pais e cuidadores diante das dificuldades na alimentação. A principal vantagem da BPFAS é sua abordagem abrangente, que não se limita apenas às crianças e seus hábitos alimentares, mas também inclui uma análise dos sentimentos e percepções dos pais e cuidadores em relação ao comportamento alimentar das crianças (MELLER, 2019).
A escala BAMBI foi criada, em 2008, por Lukens e Linscheid, sendo a primeira com o objetivo de avaliar os comportamentos
alimentares de crianças com TEA. Inicialmente, a escala era composta por 20 itens que se subdividem nas seguintes categorias: comportamento disruptivo, recusa alimentar, comportamentos ritualísticos e estereotipados, preferências alimentares restritas, variedade limitada de alimentos (LÁZARO; CARON; PONDÉ, 2018).
Atualmente, segundo Lázaro, Caron e Pondé (2018), a escala conta com 18 itens que se dividem nos seguintes domínios: variedade limitada, recusa alimentar e características do TEA. O BAMBI é pontuado em escala Likert com pontuação de 1 (nunca) a 5 (“comportamento que se repete com frequência”). A pontuações mais altas traduzem comportamentos mais problemáticos, apenas com inversão em 4 itens (3, 9, 10 e 15), nos quais a pontuação mais alta se refere a comportamentos positivos. Apesar de ter sido o primeiro instrumento desenvolvido especificamente para indivíduos com TEA, não foram encontrados estudos que informem sobre a validação transcultural no Brasil (até o momento).
O BAMBI é tem ênfase nos aspectos comportamentais da alimentação de crianças com TEA, porém, deixa de contemplar aspectos sensoriais e gastrointestinais que também podem influenciar no comportamento alimentar (LÁZARO; SIQUARA; PONDÉ, 2020).
Escala LABIRINTO de avaliação do comportamento alimentar no TEA
As pesquisas investigativas sobre as dificuldades alimentares em pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) apontam para uma variedade de desafios enfrentados por essa população, incluindo dificuldades motoras orais relacionadas à mastigação e deglutição, problemas gastrointestinais e disfunção sensorial (LÁZARO; SIQUARA; PONDÉ, 2019). Para abordar essas questões, escalas foram desenvolvidas para serem preenchidas por pais ou cuidadores, visando investigar o comportamento alimentar dos indivíduos com TEA (LÁZARO; SIQUARA; PONDÉ, 2020).
Além disso, Pondé, Siquara e Wanderley (2022) realizaram estudo abrangente que considerou múltiplas dimensões para identificar o comportamento alimentar de pessoas com TEA. Com isso, 6 dimensões foram estabelecidas: 1ª) Motricidade na mastigação; 2ª) Seletividade alimentar; 3ª) Aspectos comportamentais; 4ª) Sintomas Gastrointestinais; 5ª) Sensibilidade sensorial; 6ª) Habilidades nas refeições.
A partir disso, os autores elaboraram a Escala de Avaliação do Comportamento Alimentar, com o propósito de identificação das dimensões do comportamento alimentar que estão alteradas, para que seja possível um direcionamento específico em relação à terapêutica, bem como ser um instrumento de mensuração de evolução do tratamento (LÁZARO; SIQUARA; PONDÉ, 2020).
A Escala possui 26 itens considerados válidos, distribuindo-se agora em 7 dimensões: 1ª) Motricidade na mastigação; 2ª) Seletividade alimentar; 3ª) Habilidades nas refeições; 4ª) Comportamento inadequado relacionado às refeições; 5ª) Comportamento rígido relacionado às refeições; 6ª) Comportamento opositor relacionado à alimentação; 7ª) Alergias e intolerância alimentar. (PONDÉ; SIQUARA; WANDERLEY, 2022).
Para interpretar a Escala de Avaliação do Comportamento Alimentar no TEA, é necessário analisar as pontuações de cada item, que variam de 0 (para a criança que nunca apresentou o comportamento descrito) a 4 pontos (para a criança que sempre apresenta o comportamento citado). Ao final, as pontuações de cada fator são somadas para determinar quais estão influenciando na má alimentação da criança (LÁZARO; SIQUARA; PONDÉ, 2020).
Essa escala apresentou índices psicométricos adequados para o estudo de validação, representando avanço significativo por se tratar da primeira escala de avaliação validada do comportamento alimentar especificamente para crianças com TEA em língua portuguesa. É relevante destacar que a escala está disponível gratuitamente em plataformas digitais, facilitando sua aplicação e estudo (LÁZARO; SIQUARA; PONDÉ, 2020). No entanto, vale ressaltar que é resultado de estudo recente, e há poucas investigações disponíveis que discorrem sobre o instrumento.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A principal limitação, desta revisão, está na escassez de estudos publicados para serem analisados. Instrumentos padronizados são cruciais para orientar intervenções e mensurar o progresso da criança, identificando os fatores que interferem diretamente no tratamento. As escalas BPFAS, BAMBI e LABIRINTO podem contribuir para avaliar as dificuldades alimentares de forma abrangente. No entanto, os instrumentos validados em língua portuguesa são recentes e focam principalmente nas crianças, sendo importante considerar a percepção dos pais e cuidadores.
Há falta de estudos que avaliem o ambiente familiar e compreendam melhor os impactos das dificuldades alimentares na rotina e dinâmica da criança e da família. Apenas a Escala BPFAS adota uma abordagem mais ampla, considerando não apenas as crianças e seus hábitos alimentares, mas também os sentimentos e percepções dos pais e cuidadores sobre o comportamento alimentar. Como as dificuldades alimentares causam impacto biológico e social, afetando a qualidade de vida não apenas da criança, mas de toda a família, sugere-se a realização de mais estudos sobre o tema para ampliar a visão dos profissionais e despertar o interesse da comunidade científica na estruturação de avaliações abrangentes nessa área.
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A RELAÇÃO ENTRE O
DESENVOLVIMENTO MOTOR E AS
HABILIDADES SOCIAIS DE CRIANÇAS PRÉ-ESCOLARES COM TRANSTORNO
DO ESPECTRO AUTISTA
Camila Bahls Teodoro
Letícia Augusta Silva
Thaysse Hayane Ferreira Testa
Vítor Vergara da Silva
Jéssica Rodriguez Lara
INTRODUÇÃO
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é definido na 5ª edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5) como um transtorno do neurodesenvolvimento, que tem como principais características os déficits na comunicação social e interação social, além dos comportamentos e interesses restritos e repetitivos (APA, 2014).
Aspectos do desenvolvimento motor de indivíduos com TEA ainda são pouco compreendidos e não considerados nos critérios de diagnóstico do transtorno e, por isso, características associadas podem subsidiá-lo (CATELLI; D’ANTINO; BLASCOVI-ASSIS, 2016).
Segundo a American Psychiatric Association (APA, 2014), os indivíduos com TEA podem não ter interesse em participar de tarefas que exijam habilidades complexas de coordenação, como esportes com bola, o que poderá afetar o desempenho e a função em testes de avaliação. Além disso, Lloyd, Macdonald e Lord (2013) ressaltam que dificuldades nas habilidades motoras globais e finas podem impactar no engajamento das habilidades sociais e, por isso, deve-se atentar à intervenção precocemente.
As habilidades sociais são compreendidas por uma série de competências que concernem a relação do “eu” com o outro, compondo o comportamento social. Os déficits em habilidades sociais são características centrais nos indivíduos com TEA, descritas como dificuldade nas interações sociais, comunicação verbal e comportamento (VINIC; VELLOSO, 2011).
Estudo realizado com 80 crianças, com idade entre 18 meses e 6 anos, divididas em 2 grupos, TEA (n=40) e desenvolvimento típico (controle, n=40) identificou função motora grossa abaixo da média em 20% das crianças com TEA (PUSPONEGORO et al., 2016). Assim, tanto o comprometimento das habilidades sociais como motoras se tornam mais evidentes quando a criança com TEA se depara com demandas sociais e motoras nos primeiros anos escolares (WHITE; KEONIG; SCAHILL, 2007).
TEA
O “espectro” se refere às diferentes formas de manifestação do transtorno, bem como, das habilidades e potencialidades que cada sujeito possui, influenciando no funcionamento e no nível de suporte individual (APA, 2014).
De acordo com a International Classification of Diseases (WHO, 2022), os especificadores permitem a identificação de limitações concomitantes nas habilidades de linguagem intelectual e funcional. Sendo assim, são fatores importantes para planejamento do tratamento e intervenção de forma adequada. No quadro 1, estão descritos os códigos de diagnóstico e os níveis de suporte individuais para pessoas com TEA (ICD-11, 2022).
Quadro 1 - Níveis de suporte individuais para pessoas com TEA e os códigos de diagnóstico de TEA.
Com leve ou nenhum comprometimento da linguagem funcional
Com linguagem funcional prejudicada
Com ausência completa ou quase completa de linguagem funcional
Sem Transtorno do Desenvolvimento
Intelectual
Com Transtorno do Desenvolvimento
Intelectual
Fonte: WHO (2022).
De acordo com dados do Centers for Disease Control and Prevention (CDC, 2012), a prevalência do autismo nos Estados Unidos da América foi de 1 em 150 pessoas, no ano de 2002, para 1 em 68 em 2010 e 2012 (SPEAKS, 2017). Em 2018, estimou-se que 1 em cada 44 crianças apresentavam TEA (MAENNER, 2021). Ribeiro et al. (2017) concluíram que, no cenário brasileiro, os pais parecem perceber os primeiros sinais de TEA em uma idade semelhante à relatada mundialmente, mas o diagnóstico de TEA tende a ser tardio. Além do mais, até o presente momento, ainda não foram publicados estudos a respeito da idade de diagnóstico de TEA no país, não havendo dados consistentes sobre a prevalência de autismo no Brasil (RIBEIRO et al., 2017; DINIZ et al., 2022).
Os fatores de risco de TEA, interagem com a predisposição genética e fatores ambientais. Nesta perspectiva, fatores de risco genéticos, aumentam o risco da criança, caso os progenitores carreguem 1 ou mais genes, mesmo que não tenham autismo. Contudo, salienta-se que as alterações genéticas não causam TEA por si mesmas, apenas aumentam o risco para o transtorno (SPEAKS, 2017; BRUMBAUGH et al., 2020). Já os fatores de risco ambientais, também têm influência e o nascimento prematuro, em si, é um fator de risco para o TEA, bem como, fatores de risco inespecíficos, como idade parental avançada, baixo peso ao nascer ou exposição fetal a ácido valpróico, podem contribuir para o risco aumentado (BRUMBAUGH et al., 2020; APA, 2014).
Ainda, de acordo com a American Psychiatric Association (APA, 2014), as dificuldades na comunicação e interação social tendem a iniciar tipicamente nos anos pré-escolares. Entretanto, mesmo que os sinais de alerta comecem a ser evidenciados, para concluir o diagnóstico de TEA, precocemente, ainda leva um tempo. Gomes et al. (2015) enfatizam que no Brasil, o diagnóstico precoce é raro nessa fase.
Contudo, a criança que faz acompanhamento através da intervenção precoce, apresenta prognóstico com maior qualidade de vida (ROGERS; DAWSON; VISMARA, 2015). A partir disso, a conscientização, diagnóstico e busca para tratamento de indivíduos com TEA tem sido cada vez mais retratado e discutido por famílias, terapeutas e pesquisadores, bem como, a iniciação de tratamentos mais intensivos (ELSABBAGH et al., 2012).
DESENVOLVIMENTO MOTOR DA CRIANÇA
PRÉ-ESCOLAR
DESENVOLVIMENTO MOTOR
Gallahue, John e Jackie (2013) conceituam o desenvolvimento motor como a mudança contínua do comportamento motor ao longo do ciclo de vida, relacionada à idade cronológica, provocada pela interação entre as exigências da tarefa motora, a biologia do indivíduo e as condições do ambiente.
Na infância, especificamente, no início do processo de escolarização, ocorre incremento das habilidades motoras, que proporciona à criança um amplo domínio do seu corpo em diferentes atividades, como: saltar, correr, rastejar, chutar uma bola, arremessar um arco, equilibrar-se num pé só, escrever, entre outras.
Além disso, a aquisição de habilidades motoras está vinculada ao desenvolvimento da percepção do corpo, espaço e tempo. E essas habilidades constituem componentes de domínio básico tanto para a aprendizagem motora quanto para as atividades de formação escolar.
Ao longo do primeiro ano de vida, temos funções reflexas que aparecem e desaparecem, de acordo com a evolução do Sistema Nervoso Central e conforme acontece a maturação, progride para movimentos mais complexos e voluntários. Neste processo de maturação cerebral, as experiências sensório-motoras da criança contribuem para o desenvolvimento das habilidades motoras,
através do estabelecimento e reorganização de sinapses e formação de novas redes neurais (BRASIL, 2016).
Pode-se observar os marcos do desenvolvimento motor, no Quadro 2, no qual estão descritas as idades em que 90% das crianças conseguem realizar determinadas atividades de acordo com o Manual de Treinamento de Denver II (1992).
Quadro 2 - Marcos do desenvolvimento motor
meses
Pegar um chocalho 3,9 meses
Sentar-se sem apoio 6,8 meses
Ficar em pé apoiando-se em algo 8,5 meses
Pegar com o polegar e o indicador 10,2 meses
Ficar em pé sozinho com firmeza 13,7 meses
Andar bem 14,9 meses
Montar uma torre com dois cubos 20,6 meses
Subir escadas 21,6 meses
Pular no mesmo lugar 2,4 anos
Copiar um círculo 4,0 anos
Fonte: Frankenburg et al. (1992).
Moreira (2011) descreve a infância como etapa inicial da vida compreendida entre o nascimento e os 12 anos de idade. As experiências vividas, nesse período, são cientificamente reconhecidas por afetar profundamente o desenvolvimento físico, mental, social e emocional dos indivíduos. O início da infância representa o momento ideal para a criança se desenvolver, refinar a variedade de tarefas de movimento, que vão desde os movimentos fundamentais até as habilidades esportivas ou especializadas (GALLAHUE; JOHN; JACKIE, 2013). Gallahue, John e Jackie (2013) descrevem que este período é marcado por aumentos regulares de altura, peso e massa muscular. Papalia e Martorell (2021) relatam que o desenvolvimento típico ocorre em algumas fases, sendo elas: período pré-natal (da concepção ao nascimento); primeira infância (do nascimento aos 3 anos); segunda infância (3 a 6 anos) e terceira infância (6 a 11 anos). Além do mais, cabe salientar que alguns autores dividem a infância em período inicial (dos 2 aos 6 anos de idade) e período final (dos 6 anos aos 10 anos, aproximadamente). Neste capítulo, vamos nos direcionar à segunda infância.
SEGUNDA INFÂNCIA E O DESENVOLVIMENTO MOTOR
Na segunda infância, as crianças emagrecem e crescem rapidamente. Crianças em idade escolar fazem grandes avanços nas habilidades físicas que envolvem os grandes músculos (Quadro 3), tais como correr, saltar, pular e jogar bola. Engajam em novas
experiências pela pura diversão de sentir e descobrir o que são capazes de fazer. Também, tornam-se melhores para dar laços em calçados, desenhar com lápis de cor e transferir alimentos de um recipiente a outro, além de demonstrar uma preferência por usar uma das mãos, sendo evidente por volta dos 3 anos de idade. Nesse período, a lateralidade nem sempre é bem definida, pois a preferência pode ocorrer de acordo com a tarefa (GALLAHUE; JOHN; JACKIE, 2013; PAPALIA; MARTORELL, 2021).
A aquisição da motricidade fina como abotoar a camisa e desenhar imagens, envolvem as habilidades físicas dos pequenos músculos e a coordenação olhos-mãos, sendo uma aquisição importante dessas habilidades nesse período, pois permite maior autonomia nos seus cuidados cotidianos e pessoais.
O desenvolvimento artístico em crianças de 3 anos aparece no desenho das formas - círculos, quadrados, triângulos, cruzes e Xs. Em seguida, combinam as formas em desenhos mais complexos. O estágio pictográfico tipicamente se inicia entre 4 e 5 anos de idade. A mudança de formas e desenhos abstratos para representar objetos reais marca uma alteração no propósito do desenho feito pelas crianças, refletindo o desenvolvimento cognitivo da capacidade representacional.
Quadro 3 - Habilidades motoras na segunda infância.
Habilidades motoras na segunda infância
3 anos 4 anos 5 anos
Não sabe girar ou parar de repente ou rapidamente.
Pode saltar uma distância de 38 a 60 centímetros.
Pode subir uma escadaria sem ajuda, alternando os pés.
Pode saltitar usando amplamente uma série de saltos irregulares, com a adição de algumas variações.
Tem um controle mais eficiente do ato de parar, arrancar e girar.
Pode saltar uma distância de 60 a 84 centímetros.
Pode descer uma escadaria alternando os pés se estiver apoiada.
Pode saltitar de 4 a 6 passos com um único pé.
Pode arrancar, girar e parar efetivamente em jogos.
Pode correr e dar um salto à distância de 71 a 91 centímetros.
Pode descer uma longa escadaria sem ajuda, alternando os pés.
Pode saltitar facilmente uma distância de 5 metros.
Fonte: Corbin (1980).
DESENVOLVIMENTO MOTOR NO TEA
O desenvolvimento motor é um aspecto importante da vida de todas as crianças, incluindo aquelas com TEA (GREENSPAN; WIEDER, 2006). Os autores ressaltam que há uma gama de sintomas dos atrasos, considerando os aspectos motores e sensoriais. Os sintomas do TEA podem variar bastante entre as crianças,
mas alguns dos desafios motores comuns incluem atrasos no desenvolvimento da coordenação motora fina (como escrever, desenhar e cortar) e dificuldades com a coordenação motora grossa (como correr, pular e escalar) (PROVOST et al., 2007).
Posar e Visconti (2017) citam que crianças com TEA também podem ter problemas sensoriais que afetam seu desenvolvimento motor, como sensibilidade ao toque, ao som ou à luz, o que pode tornar atividades motoras desafiadoras para elas. Ainda, os autores ressaltam que muitas vezes tais sintomas são difíceis de serem identificados devido à dificuldade de comunicação.
Para ajudar no desenvolvimento motor de uma criança com TEA, é importante trabalhar com profissionais de saúde especializados em desenvolvimento infantil, como, terapeutas ocupacionais e fisioterapeutas que podem criar um plano de intervenção personalizado e adaptado às necessidades da criança (SANTOS et. al. 2022).
HABILIDADES SOCIAIS
ASPECTOS DA COGNIÇÃO SOCIAL
A conceituação de cognição social partiu do conhecimento que, desde recém-nascido, o bebê já começa a emitir comportamento social, o contato visual, dando origem ao desenvolvimento da cognição social necessária para a vida em comunidade (VINIC; VELLOSO, 2011). Segundo Freud (1895), desde o nascimento, o bebê percebe a necessidade do outro para a sua sobrevivência
diante da sua inabilidade de existir (alimentação e cuidados), a relação com o outro faz parte da sua construção subjetiva e cognitiva. Desta forma, exalta a importância do desenvolvimento de habilidades sociais na vida do indivíduo tanto para conviver em sociedade como para a manutenção da vida.
A cognição social é a capacidade do indivíduo em fazer uma leitura social do outro e do ambiente e ter respostas adequadas diante disso. Ou seja, é a capacidade que o bebê possui de distinguir objetos de pessoas e compreender os signos sociais do outro, como a expressão facial (AQUINO; SALOMÃO, 2009).
Atualmente, a cognição social contempla as seguintes habilidades: empatia, atenção compartilhada, o reconhecimento de expressões faciais, inferências, antecipação, o faz de conta, a falsa crença e a autopercepção (VINIC; VELLOSO, 2011).
Segundo os autores Vinic e Velloso (2011), os seres humanos possuem a capacidade de processamento social, que se refere a sua leitura do mundo externo em comparação a leitura do “eu” interno e o processamento dessas informações constrói um “eu” social. Ou seja, a construção cognitiva do indivíduo perpassa suas experiências com o mundo externo e molda a forma de se comportar como um ser social, capaz de perceber a si e ao outro. Ressalta-se que, neste capítulo, também será utilizado o termo “cognição social” referente ao desenvolvimento cognitivo dos aspectos sociais.
HABILIDADES SOCIAIS NA SEGUNDA INFÂNCIA
As habilidades sociais envolvem um grupo de comportamentos sociais do repertório de um indivíduo, ou seja, comportamentos que estão relacionados a outra pessoa, respaldando a relação de troca com o outro. Para isso, os autores descrevem, que é necessário que o indivíduo adeque seu comportamento a diferentes contextos sociais, relacionando com suas emoções, função e objetivo desse comportamento. Assim, quando atingido o objetivo, os comportamentos sociais acarretam em consequências reforçadoras para o indivíduo (DEL PRETTE; DEL PRETTE, 2017).
As crianças possuem cada vez mais exigência de desenvolver habilidades sociais para responder às demandas do ambiente. Deter um repertório amplo de habilidades sociais permite que o indivíduo se relacione melhor com o outro, tenha melhor qualidade de vida e bom desempenho nas competências de comportamento adaptativo, acadêmico, independência e cooperação (DEL PRETTE; DEL PRETTE, 2017).
Os estudos sobre efeito negativo das baixas competências sociais mostram que elas podem construir: a) sintomas de transtornos psicológicos; b) parte dos efeitos de vários outros transtornos; c) principais alertas para eventuais problemas com os ciclos de posteriores desenvolvimentos (DEL PRETTE; DEL PRETTE, 2017).
Sendo assim, o déficit nas habilidades sociais influenciará o desempenho do indivíduo nas demais competências, podendo
trazer prejuízo na sua qualidade de vida.
Segundo Del Prette e Del Prette (2017) existem 3 formas de desempenho social:
a. Reações não habilidosas passivas: são comportamentos que interferem negativamente no desempenho social do indivíduo, em que acontece respostas introspectivas de forma emocional, ansiedade e fuga, disfuncionais para a situação e ambiente;
b. Reações habilidosas: em que acontece comportamentos adequados a demanda social, o indivíduo consegue equilibrar sua resposta emocional com a resposta social;
c. Reações habilidosas ativas: respostas de comportamento social que comprometem negativamente seu desempenho, expressando comportamentos agressivos e disfuncionais frente à situação e ambiente.
A reação que a criança tende a recorrer, não necessariamente é uma característica estável, sendo possível intervenções para aprendizagem de reação mais adequada ao contexto. Pode-se assinalar que as crianças com TEA apresentam, com maior frequência, as reações “a)” e “c)”, sendo comportamentos que comprometem seu desempenho social.
HABILIDADES SOCIAIS NO TEA
Santos (2012) elenca os déficits de habilidades sociais do TEA, como, dificuldades em compreender estímulos sociais, de iniciar e responder a interações sociais; dificuldade de interpretação
verbal e não-verbal; uso inadequado de contato visual, durante uma conversação e respostas e sinais sociais e emocionais inadequados; além de indiferença afetiva e falta de empatia com as outras pessoas.
Aqueles que verbalizam, apresentam tendência em realizar conversas baseadas apenas em assuntos de seu interesse, podem vir a fazer comentários inadequados, dificuldade para responder às solicitações verbais, em compreender e participar de brincadeiras típicas da idade, desenvolver e manter amizades com pares de mesma idade, falta de compreensão do que se constitui um amigo e certa incapacidade de negociação e cumprimento de compromissos (SANTOS, 2012).
Também são alguns dos déficits de habilidades sociais do TEA a falha em reconhecer o espaço pessoal, dificuldade em identificar conteúdo emocional nas expressões faciais e vocais das outras pessoas, dificuldade para compartilhar experiências afetivas e para apresentar atenção compartilhada, assim como, comportamento simbólico, imitação motora, compreensão de linguagem e uso convencional de gestos (SANTOS, 2012).
Dependendo do nível de suporte, comprometimento cognitivo e de linguagem, os déficits nas habilidades sociais podem ser mais ou menos acentuados e dificultar as intervenções para desenvolver essas habilidades (SANTOS, 2012). Lord et al. (2018) apontam que as intervenções psicossociais em crianças podem melhorar comportamentos específicos, como a atenção conjunta, linguagem e engajamento social, as quais podem afetar o desenvolvimento e reduzir a gravidade de sintomas.
Na idade pré-escolar, as crianças com TEA já apresentam
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dificuldade em desenvolver habilidades sociais que as diferenciam das crianças típicas (SANTOS, 2012).
ASSOCIAÇÃO ENTRE AS HABILIDADES
MOTORAS E HABILIDADES SOCIAIS NO TEA
O ensino de habilidades motoras funcionais para crianças com TEA auxilia no desempenho e, consequentemente, no engajamento em ambientes sociais. As habilidades motoras satisfatórias auxiliam e aumentam a probabilidade de oportunidades para a prática de habilidades sociais (MACDONALD; LORD; ULRICH, 2013). Kim et al. (2016) destacam que a aquisição de habilidades motoras permite que a criança interaja com objetos e pessoas, ampliando o seu repertório social.
MacDonald, Lord e Ulrich (2013) relata que existe relação entre habilidades motoras e habilidades comunicativas sociais e conclui que crianças com dificuldades motoras apresentam maior gravidade em comportamentos sociais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As habilidades motoras impactam nas habilidades sociais do indivíduo, principalmente, no que diz respeito à criança com TEA, já que além da sua dificuldade intrínseca de socialização, a mesma pode não se sentir incluída no meio, devido ao seu baixo repertório motor, perdendo oportunidades importantes de trocas sociais.
Por outro lado, a dificuldade nas habilidades sociais podem contribuir para um afastamento e recusa no brincar com seus pares, influenciando na diminuição de estimulação do desenvolvimento motor por meio de brincadeiras, em decorrência da criança privar-se da realização de novas ações motoras e desafios intrínsecos por não estar participando ativamente do meio social.
Com isso, é de suma importância que a estimulação das habilidades motoras e de habilidades sociais sejam trabalhadas, concomitantemente, nos programas de intervenção precoce, a fim de potencializar atividades com ações motoras e sociais da criança com pares e terapeutas.
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AUTORES
Ade Jhoni Vieira Da Silva - Fisioterapeuta, aluno do curso de Pós-graduação em Desenvolvimento Infantil e Intervenção Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.
Adriana Brito Rezende - Fisioterapeuta, aluna do curso de Pósgraduação em Desenvolvimento Infantil e Intervenção Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.
Alice Nina Barros Laranja - Fonoaudióloga, aluna do curso de Pós-graduação em Desenvolvimento Infantil e Intervenção Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.
Alice Wilken de Pinho - Terapeuta Ocupacional, Mestra em Terapia Ocupacional, orientadora do curso de Pós-graduação em Desenvolvimento Infantil e Intervenção Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.
Aline Maria Dantas Bechara - Terapeuta Ocupacional, aluna do curso de Pós-graduação em Desenvolvimento Infantil e Intervenção
Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.
Aline Perboni Zanotto - Terapeuta Ocupacional, orientadora do curso de Pós-graduação em Desenvolvimento Infantil e Intervenção
Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.
Amanda Silverio Parro - Terapeuta Ocupacional, aluna do curso de Pós-graduação em Desenvolvimento Infantil e Intervenção
Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.
Ana Clara Pereira Valentim - Fonoaudióloga, aluna do curso de Pós-graduação em Desenvolvimento Infantil e Intervenção Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.
Anne Milene da Silva Souza - Terapeuta Ocupacional, aluna do curso de Pós-graduação em Desenvolvimento Infantil e Intervenção
Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.
Annyelle Santos Franca - Terapeuta Ocupacional, aluna do curso de Pós-graduação em Desenvolvimento Infantil e Intervenção Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.
Angélica Souza da Silva Ávila - Terapeuta Ocupacional, aluna do curso de Pós-graduação em Desenvolvimento Infantil e Intervenção Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.
Arachane Noronha - Fonoaudióloga, aluna do curso de Pósgraduação em Desenvolvimento Infantil e Intervenção Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.
Ariane Hidalgo - Pedagoga, Mestra, organizadora e prefaciadora da obra.
Aurea Renata Demarchi - Psicóloga, aluna do curso de Pósgraduação em Desenvolvimento Infantil e Intervenção Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.
Beatriz Farão Sheer - Terapeuta ocupacional, aluna do curso de Pós-graduação em Desenvolvimento Infantil e Intervenção Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.
Beatriz Strazzer de Novais Costa - Fisioterapeuta, aluna do curso de Pós-graduação em Desenvolvimento Infantil e Intervenção Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.
Brenda de Oliveira Freitas Lacerda - Fonoaudióloga, aluna do curso de Pós-graduação em Desenvolvimento Infantil e Intervenção Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.
Camila Bahls Teodoro - Terapeuta ocupacional, aluna do curso de Pós-graduação em Desenvolvimento Infantil e Intervenção
Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.
Camila de Oliveira Dominici - Fisioterapeuta, aluna do curso de Pós-graduação em Desenvolvimento Infantil e Intervenção Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.
Carolina Akemi Maeda - Fisioterapeuta, aluna do curso de Pósgraduação em Desenvolvimento Infantil e Intervenção Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.
Cíntia Wélia Moraes Costa - Terapeuta Ocupacional, aluna do curso de Pós-graduação em Desenvolvimento Infantil e Intervenção
Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.
Daniela Zela Cordeiro - Terapeuta ocupacional, aluna do curso de Pós-graduação em Desenvolvimento Infantil e Intervenção
Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.
Débora Alinne Alencar Lins - Terapeuta ocupacional, aluna do curso de Pós-graduação em Desenvolvimento Infantil e Intervenção
Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.
Ericka Montana da Silva - Terapeuta ocupacional, aluna do curso de Pós-graduação em Desenvolvimento Infantil e Intervenção
Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.
Fabiana Silva Dutra - Fisioterapeuta, aluna do curso de Pósgraduação em Desenvolvimento Infantil e Intervenção Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.
Fernanda Alves da Silva - Fonoaudióloga, aluna do curso de Pós-graduação em Desenvolvimento Infantil e Intervenção Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.
Flávia Gasparini Silvano - Terapeuta ocupacional, aluna do curso de Pós-graduação em Desenvolvimento Infantil e Intervenção Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.
Francielle Ferreira Palitowski - Terapeuta ocupacional, aluna do curso de Pós-graduação em Desenvolvimento Infantil e Intervenção Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.
Giovana Raksa Vieira - Terapeuta ocupacional, aluna do curso de Pós-graduação em Desenvolvimento Infantil e Intervenção Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.
Guilherme Fernando Bilancieri Marciano - Fisioterapeuta, aluno do curso de Pós-graduação em Desenvolvimento Infantil e Intervenção Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.
Isadora Albuquerque Tavares - Terapeuta ocupacional, aluna do curso de Pós-graduação em Desenvolvimento Infantil e Intervenção Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.
Izabela Alves - Terapeuta ocupacional, aluna do curso de Pósgraduação em Desenvolvimento Infantil e Intervenção Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.
Janaynna Mayara Póvoas Guimarães - Terapeuta ocupacional, aluna do curso de Pós-graduação em Desenvolvimento Infantil e Intervenção Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.
Jéssica Cavalcante Matos Carnaúba - Terapeuta ocupacional, aluna do curso de Pós-graduação em Desenvolvimento Infantil e Intervenção Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.
Jéssica Rodriguez Lara - Graduada em Educação Física, especialista em Reabilitação e Mestra em Ciências, orientadora do curso de Pós-graduação em Desenvolvimento Infantil e Intervenção Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.
Juliana Martins Santos - Psicóloga, aluna do curso de Pósgraduação em Desenvolvimento Infantil e Intervenção Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.
Juliana Balestro - Fonoaudióloga, Doutora em Comunicação, orientadora do curso de Pós-graduação em Desenvolvimento Infantil e Intervenção Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.
Karla Poliana Guedes Aciole - Terapeuta ocupacional, aluna do curso de Pós-graduação em Desenvolvimento Infantil e Intervenção Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.
Katiúscia Marques de Paulo Maranho - Terapeuta ocupacional, aluna do curso de Pós-graduação em Desenvolvimento Infantil e Intervenção Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.
Keila Marcia de Matos Alves Pinheiro - Terapeuta Ocupacional, aluna do curso de Pós-graduação em Desenvolvimento Infantil e Intervenção Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.
Lays França de Queiroga Dutra - Terapeuta ocupacional, aluna do curso de Pós-graduação em Desenvolvimento Infantil e Intervenção Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.
Letícia Augusta Silva - Psicóloga, aluna do curso de Pósgraduação em Desenvolvimento Infantil e Intervenção Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.
Lissandra Regina Bueno - Fisioterapeuta, aluna do curso de Pós-graduação em Desenvolvimento Infantil e Intervenção Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.
Livia Uzai - Fonoaudióloga, aluna do curso de Pós-graduação em Desenvolvimento Infantil e Intervenção Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.
Marcela P. C. de Andrade Oliveira - Terapeuta ocupacional, Doutora em Saúde da Criança e do Adolescente, orientadora do curso de Pós-graduação em Desenvolvimento Infantil e Intervenção Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.
Mariana Cabrioli - Terapeuta Ocupacional, aluna do curso de Pós-graduação em Desenvolvimento Infantil e Intervenção Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.
Marília de Jesus M. Rodrigues Lima - Terapeuta Ocupacional, aluna do curso de Pós-graduação em Desenvolvimento Infantil e Intervenção Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.
Marília Lopes Fonsêca - Terapeuta ocupacional, aluna do curso de Pós-graduação em Desenvolvimento Infantil e Intervenção Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.
Martina Caroline Rodrigues Souza - Terapeuta Ocupacional, aluna do curso de Pós-graduação em Desenvolvimento Infantil e Intervenção Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.
Mayelle Tayana Marinho - Terapeuta ocupacional, aluna do curso de Pós-graduação em Desenvolvimento Infantil e Intervenção Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.
Milene Elias Dalfolo - Terapeuta Ocupacional, aluna do curso de Pós-graduação em Desenvolvimento Infantil e Intervenção Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.
Myllena Sabino dos Santos - Fonoaudióloga, aluna do curso de Pós-graduação em Desenvolvimento Infantil e Intervenção Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.
Natalia Trindade de Souza - Fisioterapeuta, Mestra em Saúde Coletiva, orientadora do curso de Pós-graduação em
Desenvolvimento Infantil e Intervenção Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.
Patrícia Cristielly Bessegato Fernandes - Terapeuta ocupacional, aluna do curso de Pós-graduação em Desenvolvimento Infantil e Intervenção Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.
Patrícia Dutra Gundim Balera - Psicóloga, aluna do curso de Pós-graduação em Desenvolvimento Infantil e Intervenção Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.
Patrícia Janke - Terapeuta ocupacional, aluna do curso de Pósgraduação em Desenvolvimento Infantil e Intervenção Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.
Paulo José Bezerra Lima - Fonoaudiólogo, aluno do curso de Pós-graduação em Desenvolvimento Infantil e Intervenção Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.
Plínia Manuella de Santana Maciel - Terapeuta Ocupacional, orientadora do curso de Pós-graduação em Desenvolvimento Infantil e Intervenção Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.
Priscilla Christina Gomes dos Santos - Terapeuta ocupacional, aluna do curso de Pós-graduação em Desenvolvimento Infantil e Intervenção Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.
Régis Nepomuceno Peixoto - Terapeuta Ocupacional, Mestre, organizador da obra.
Renata Maria Ramos Nandi -Terapeuta Ocupacional, aluna do curso de Pós-graduação em Desenvolvimento Infantil e Intervenção
Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.
Rubiane Trevisan Nogueira Sigrist - Terapeuta ocupacional, aluna do curso de Pós-graduação em Desenvolvimento Infantil e Intervenção Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.
Sheyla Carina Ferreira Bueno - Fonoaudióloga, aluna do curso de Pós-graduação em Desenvolvimento Infantil e Intervenção
Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.
Silvana Cely Ribeiro da Silva - Terapeuta ocupacional, aluna do curso de Pós-graduação em Desenvolvimento Infantil e Intervenção
Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.
Sofia Martins - Terapeuta ocupacional, aluna do curso de Pósgraduação em Desenvolvimento Infantil e Intervenção Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.
Silvana Cely Ribeiro da Silva - Terapeuta ocupacional, aluna do curso de Pós-graduação em Desenvolvimento Infantil e Intervenção Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.
Stéphani de Pol - Fisioterapeuta, Mestra, organizadora da obra.
Suhelen Freire Chagas - Fisioterapeuta, aluna do curso de Pósgraduação em Desenvolvimento Infantil e Intervenção Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.
Susy Katelyn L. Mendes Santos - Terapeuta ocupacional, aluna do curso de Pós-graduação em Desenvolvimento Infantil e Intervenção Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.
Taíse de Almeida Moura Albuquerque Cavalcante - Fisioterapeuta, aluna do curso de Pós-graduação em
Desenvolvimento Infantil e Intervenção Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.
Tatiana Manchim Contato - Fisioterapeuta, aluna do curso de Pós-graduação em Desenvolvimento Infantil e Intervenção Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.
Thatiane Cristina da Silva Alves - Terapeuta ocupacional, aluna do curso de Pós-graduação em Desenvolvimento Infantil e Intervenção Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.
Thaysse Hayane Ferreira Testa - Terapeuta ocupacional, aluna do curso de Pós-graduação em Desenvolvimento Infantil e Intervenção Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.
Tamires Barbosa da Silva - Psicóloga, aluna do curso de Pósgraduação em Desenvolvimento Infantil e Intervenção Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.
Valéria Ferreira Pereira Souza - Terapeuta ocupacional, aluna do curso de Pós-graduação em Desenvolvimento Infantil e Intervenção Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.
Victor Matheus Lopes Martinez - Graduado em Educação Física, especialista em Neurociências e Comportamento e Mestre em Psicologia, orientador do curso de Pós-graduação em Desenvolvimento Infantil e Intervenção Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.
Vítor Vergara da Silva - Terapeuta ocupacional, aluno do curso de Pós-graduação em Desenvolvimento Infantil e Intervenção Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.
Willeilane Rolim Sousa Lima - Fisioterapeuta, aluna do curso de Pós-graduação em Desenvolvimento Infantil e Intervenção
Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.
Yara Ticiana de Sousa Ribeiro Campelo - Terapeuta ocupacional, aluna do curso de Pós-graduação em Desenvolvimento
Infantil e Intervenção Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.
Yasmin Quartin Caravellas Silveira Santos - Terapeuta ocupacional, aluna do curso de Pós-graduação em Desenvolvimento
Infantil e Intervenção Precoce: com ênfase no modelo centrado na família.