Neuropsicologia

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Neuropsicologia

Organizadores: Hosana Alves Gonçalves, Régis Nepomuceno e Stéphani de Pol. INCLUSÃOEFICIENTE 2023

SupervisãoEditorial

RégisNepomucenoeStéphanidePol

DiagramaçãoeEditoração

FrancineTuczynski

Revisão

AlineZanotto,StéphanidePoleJéssicaRodriguezLara

Primeira Edição: 2023

Reservado todos os direitos de publicação por: Inclusão Eficiente Assessoria e Consultoria em Reabilitação e Inclusão LTDA.

Rua Brigadeiro Franco, 3323 - Rebouças, Curitiba/PR, 80220-100

contato@institutoinclusaoeficiente.com.br

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NEUROPSICOLOGIA InstitutoInclusãoEficiente 2023 3

Dedicatória

Dedicamos esse livro a todos os alunos participantes dos Programas de Pós-Graduação em Neuropsicologia da Nossa Inclusão Eficiente, a todos nossos colaboradores que de maneira direta e indireta dedicaram tempo e energia na construção de sonhos de outros profissionais.

A rigor, acreditamos em relações construídas entre pessoas e em um trabalho intrinsicamente ligado. Nessa perspectiva, ampliamos nos agradecimentos a todos os pacientes que inspiraram esses profissionais na busca por novos conhecimentos.

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“Tente mover o mundo – o primeiro passo será mover a si mesmo”
Platão

Sumário

Capítulo 1

RESERVA COGNITIVA: um mecanismo ativo de experiências ao longo da vida

Capítulo 2

Benefícios da Intervenção Precoce para o desenvolvimento na primeiríssima infância...............................................................................................................................................31

Capítulo 3

PROCESSAMENTO DAS FUNÇÕES EXECUTIVAS EM CRIANÇAS NO PERÍODO DE ALFABETIZAÇÃO: desenvolvimento típico ou atípico do primeiro ao terceiro ano do ensino fundamental..........................................................................................................61

Capítulo 4

Equoterapia e funções executivas em crianças e adolescentes com transtorno do espectro autista e transtorno do déficit de atenção com hiperatividade............................................................................................................................................................78

Capítulo 5

O uso de jogos para a estimulação e avaliação neuropsicológica de funções executivas em pré-escolares..........................................................................................94

Capítulo 6

IDOSOS E PROCESSOS DEMENCIAIS: um estudo sobre fatores que podem contribuir para uma reabilitação neuropsicológica mais efetiva.....................111

Capítulo 7

ASPECTOS NEUROPSICOLÓGICOS NO ENVELHECIMENTO: investigação e estimulação.....................................................................................................................................................132

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Apresentação

O Instituto Inclusão Eficiente nasceu do sonho de um mundo diferente, onde todos podem ter e receber oportunidades com equidade, sem preconceito com suas diferenças, um mundo onde a diversidade é contemplada e no qual todos podem usufruir dos seus direitos plenamente.

Há 10 anos, em Chapecó/SC, nascemos como empresa, com a proposta de levar essa experiência de sucesso a outros locais. Hoje, estamos presentes nas regiões Nordeste, Sudeste, Centro Oeste e Sul do Brasil, com pólos em Recife/PE, São Paulo/SP e Goiânia/GO. Também, contamos com núcleos espalhados por todo Brasil, em parcerias com profissionais que compartilham dos mesmos ideais.

Primamos diariamente pela busca de processos inovadores e de máxima qualidade nas áreas de inclusão e reabilitação de pessoas com dificuldades ou deficiências, com temáticas permeadas pelas áreas da saúde e da educação.

Nosso motivo maior é oferecer cursos com profissionais renomados, tanto nacionais quanto internacionais, e levar o conhecimento para onde ele de fato precisa chegar: aos profissionais e familiares que são agentes diários de transformação. Os quais, através das mudanças de paradigmas e suporte oferecido, poderão ampliar a participação social de todos. Muito mais do que isso, poderão incentivar o protagonismo de todos nós, a partir das nossas histórias de vida.

Este livro é parte da nossa história, mas a tônica maior é poder fazer parte da história de cada profissional que esteve com a gente nos Cursos de Especialização Lato Sensu, em parceria com a Faculdade Santa Rita de Chapecó. Esta edição faz parte dos cursos de Pós-graduação Lato Sensu em Neuropsicologia, coordenado pela Psicóloga Doutora Hosana Alves

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Gonçalves.

Os leitores poderão encontrar, em cada capítulo, mais do que os trabalhos de conclusão de curso de cada aluno, um pouco da história de formação de cada um. E assim, coletivamente caminhamos na direção da construção de uma clínica ampliada, na qual o fazer de cada um impacta a todos, na perspectiva da construção social da nossa missão inicial na qual a representatividade deva ser conquistada e a participação social seja uma garantia de direitos humanos.

Esperamos que a temática, tão valorizada pela equipe da Inclusão Eficiente e pelos alunos do curso de Especialização em Neuropsicologia, possa lhe ser útil, trazendo reflexões e novos aprendizados.

Em tempo, ressaltamos nosso agradecimento a todos os colaboradores desta obra rica e cheia de significados.

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Prefácio

A Neuropsicologia surgiu no final do século XIX e início do século XX, com oobjetivo de atender a uma demanda emergente que era a avaliação das lesões cerebrais e consequentemente das alterações comportamentais, de raciocínio, memória, linguagem e outras, dos soldados que foram feridos durante a guerra. O termo Neuropsicologia foi usado pela primeira vez pelo neurologista Sir William Osler, em 1913, numa exposição no Johns Hopkins Hospital, nos Estados Unidos.

A Neuropsicologia é uma área da Psicologia que surgiu da interface entre a Neurologia e a Psicologia, e se ocupa do estudo da relação entre o cérebro e o comportamento humano, ou seja, da relação entre a sua base biológica e as funções cognitivas (RODRIGUES, 1993). É definida também como um ciência que estuda os aspectos comportamentais, emocionais e sociais das disfunções cerebrais (LEZAK et al., 2004), os déficits nas funções superiores que foram causados pelas alterações cerebrais (BARBIZET; DUIZABO, 1985), e as inter-relações entre o cérebro e o comportamento, bem como, entre o cérebro e as funções cognitivas (LURIA, 1966).

Quando falamos em funções cognitivas, nos referimos desde as funções mais básicas, como a linguagem e a atenção, até as funções cognitivas mais complexas que são chamadas de funções executivas, sendo a memória de trabalho, o controle inibitório e a flexibilidade cognitiva.

No campo da neuropsicologia há a neuroplasticidade, também conhecida como plasticidade cerebral, que exerce um papel imprescindível no processo de habilitação e reabilitação de funções cognitivas, por meio da intervenção clínica. A neuroplasticidade é a mudança adaptativa na função e estrutura neural, que ocorre em qualquer fase da vida, em de-

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corrência da interação com o ambiente externo e interno, tendo como intenção estabelecer capacidades adaptativas. De forma resumida, é graças a neuroplasticidade que ocorre, desencadeada pelo sistema nervoso central, a recuperação das funções cerebrais que foram prejudicadas por lesões cerebrais, onde comprometimentos cognitivos podem ser compensados mesmo que em outras regiões cerebrais, tendo assim, seu funcionamento adaptado.

A intervenção neuropsicológica engloba a avaliação e a reabilitação neuropsicológica. A avaliação neuropsicológica é um processo que incluiu várias ferramentas, como entrevistas (anamnese), uso de escalas e testes cognitivos padronizados, uso de tarefas ecológicas, bem como a observação clínica, visando analisar as alterações comportamentais e as funções cognitivas preservadas e deficitárias do paciente. A avaliação neuropsicológica resulta em um relatório, parecer ou laudo psicológico que além de apresentar a descrição quantitativa e qualitativa, também apresenta sugestões de acompanhamento e encaminhamentos podendo estes serem multidisciplinares ou transdisciplinares.

A reabilitação neuropsicológica tem como objetivo que a família e o paciente trabalhem em conjunto com os profissionais para recuperar uma função cognitiva que foi prejudicada ou perdida, ou mesmo adaptar à nova rotina do paciente para que ele tenha os seus déficits compensados ou minimizados, resultando assim, no mais alto nível de adaptação (WILSON, 1989).

Sabe-se que a infância é o ciclo mais importante da vida, onde tudo o que acontece neste ciclo, tem resquícios e impacta todos os demais ciclos da vida, sendo estes, a adolescência, a adultez e a velhice. Assim, proteger essa fase do desenvolvimento humano e rastrear os possíveis riscos desenvolvimentais é muito importante e é um papel que deve ser exercido por todos, inclusive por nós profissionais. De encontro a isso, há inúme-

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ros órgãos governamentais nacionais e internacionais que estudam e têm como premissa a defesa de uma infância saudável, alguns deles são: a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), a declaração de Salamanca e a Organização das Nações Unidas (ONU).

Você encontrará neste ebook, ao longo dos oito capítulos, sobre as avaliações e intervenções neuropsicólogicas nas diferentes etapas desenvolvimentais, indo desde a importância da intervenção precoce até o estudo dos aspectos cognitivos no envelhecimento humano, encontrará também sobre alguns transtornos, como o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e o Transtorno do Espectro Autista (TEA), assim como sobre as Funções Executivas, a neuroplasticidade e a reserva cognitiva.

Este ebook, que foi criado com muito carinho e com a contribuição de várias pessoas, sobretudo de nossos alunos que participaram do curso de Pós-Graduação Lato sensu em Neuropsicologia, é mais uma obra do Instituto Inclusão Eficiente que mais uma vez reafirma sua responsabilidade em fazer com que a ciência chegue em todos os lugares.

Esperamos que você possa, com a leitura dessa obra, se aprofundar ainda mais no entendimento dos processos cognitivos, nos transtornos do neurodesenvolvimento e compreendendo como a Neuropsicologia pode ser uma forte aliada no processo terapêutico dos nossos pacientes.

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Aurea Renata Demarchi

RESERVA COGNITIVA: um mecanismo ativo de experiências ao longo da vida

Flávia Sanagiotto

Sabrina Trevisan Rachi

Renata Kochhann

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RESERVA COGNITIVA: um mecanismo ativo de experiências ao longo da vida

Introdução

A população mundial está envelhecendo e diversas alterações acompanham essa fase da vida, dentre elas, as cognitivas. Atualmente, as pesquisas sobre envelhecimento têm apontado associação com características genéticas, experiências e interações no decorrer da vida e, consequentemente, com a Reserva Cognitiva (RC) (MONTINE et al., 2019; PETTIGREW; SOLDAN, 2019).

A RC pode ser entendida como a capacidade do cérebro de lidar com os danos cerebrais por meio de processos cognitivos existentes ou compensatórios, que foram desenvolvidos a partir de um certo nível de atividade mental ao longo da vida, o que pode retardar a manifestação clínica dos sintomas de declínio cognitivo e de doenças neurodegenerativas, como demências (STERN, 2022).

Ainda para Stern (2002, p. 451) uma definição proposta de reserva cognitiva é:

A capacidade de otimizar ou maximizar o desempenho através do recrutamento diferencial de redes cerebrais, que talvez reflita o uso de estratégias cognitivas alternativas. Como as mudanças no recrutamento do cérebro associadas à reserva são uma resposta normal ao aumento da demanda de tarefas, essa definição sugere que a reserva cognitiva está presente em indivíduos saudáveis e com dano cerebral, e se reflete na modulação das mesmas redes cerebrais. Em essência, um indivíduo que utiliza uma rede cerebral de maneira mais eficiente ou é mais capaz de acessar redes cerebrais alternativas ou estratégias cognitivas em resposta ao aumento da demanda pode ter uma reserva cognitiva. A definição abrange duas possibilidades: diferenças no recrutamento da mesma rede e capacidade diferenciada de recrutar redes alternativas.

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Para Assis (2018, p. 1016), o desenvolvimento do ser humano na infância e na adolescência se conecta de forma permanente ao processo de envelhecimento, no que se refere aos processos cognitivos e manutenção das atividades cerebrais, mas ao mesmo tempo, com o declínio de algumas funções, demandando cuidado e apoio social para preservação da qualidade de vida e saúde. De acordo com a autora, “a inteligência e a aquisição de habilidade verbal no início da vida, a informação cognitiva e educacional, relacionam-se a problemas de saúde física e mental menos frequentes e a menor mortalidade na velhice quando comparada às pessoas que não exercem tais atividades”.

Estudos apontam que aspectos comportamentais, dificuldades para dormir, empobrecimento de relações sociais e estilos de vida não saudáveis, também podem contribuir para o declínio da qualidade de vida dos idosos. O indivíduo com maior RC consegue lidar com um quadro demencial de maneira a postergar os prejuízos nas atividades de vida diária (ASSIS, 2018).

Neste contexto, o presente estudo teve como objetivo descrever os principais constructos teóricos que envolvem a RC e o seu papel na proteção do declínio da memória em idosos. A relevância da temática se mostra na crescente necessidade de compreender os fenômenos que possibilitam adquirir elevada RC e, assim, ampliar a qualidade de vida das pessoas idosas. Deste modo, essa investigação trata-se de uma revisão bibliográfica narrativa, constituindo-se de uma avaliação crítica dos materiais publicados.

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Reserva Cognitiva

De acordo com Sobral, Pestana e Paúl (2014), as demências neurodegenerativas e o declínio das funções cognitivas e funcionais associadas ao envelhecimento, manifestam-se de modo distinto em cada sujeito e não seguem um padrão fixo. O construto RC é ponderado como a habilidade do cérebro de minimizar uma lesão cerebral, como no caso de demências e psicopatologias.

Álvarez e Rodríguez (2004) acrescentam que a RC é a melhor maneira de tolerar as consequências de doenças neurodegenerativas, e que pode ser o resultado de habilidades inatas ou efeitos das experiências vivenciadas ao longo da vida, podendo ser considerada um mecanismo ativo baseado na aplicação dos recursos adquiridos para um envelhecimento saudável.

Fontes (2010) destaca que a capacidade de RC, inclui fatores e recursos biológicos e aspectos predominantemente cognitivos, referindo à inteligência, às aptidões na vida diária, conhecimentos especializados, autoconhecimento e resolução de problemas sociais. Continua que as perdas na capacidade da RC podem ser compensadas com ganhos na resiliência psicológica, sendo possível alocar RC para evitar desfechos negativos ou patológicos causados pelo envelhecimento.

Sobral e Paúl (2015) também afirmam, que a RC é concebida como uma construção dinâmica e seu estado engloba um conjunto de variáveis como genética, escolaridade, tipo de atividade laboral, prática de atividade física, estilo de vida e nível socioeconômico. As atividades cognitivas são os melhores preditores para uma adequada RC, ratificando que essa capacidade não fixa e sim, contínua, evoluindo ao longo da vida. Além dis-

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Os resultados dos estudos encontrados apontam que a coordenação motora é primordial para que crianças possam realizar diversas atividades do seu cotidiano na escola, em casa, no brincar e demais ambientes onde esta criança está inserida. Quando a criança apresenta Transtorno do Desenvolvimento da Coordenação (TDC), o desempenho dela em tais atividades pode ficar prejudicado e torna-se importante criar recursos para intervir no problema (SOARES et al., 2019).

Nota-se que existem diferentes abordagens de tratamento de TDC são elas as abordagens de processo: que tem como exemplo a Terapia de Integração Sensorial, o Tratamento Orientado para o Processo, o Treino Percepto-Motor e combinações entre estas e as abordagens de produto: que são a Motora Cognitiva e a Intervenção específica (ARAUJO; MAGALHÃES; CARDOSO, 2011).

A intervenção da Terapia Ocupacional em crianças com TDC baseia-se na abordagem de integração sensorial, reorganização do cotidiano, treino das habilidades de vida diária, adaptação de materiais escolares, observação/avaliação do ambiente e indicação de possíveis modificações conforme as necessidades de cada criança (MAZER; BARBA, 2010). Deste modo, ela torna-se uma profissão de grande valia com este público, pois além de contribuir na intervenção com a criança, ela apresenta estratégias de orientações tanto aos pais quanto aos educadores.

No estudo de Mazer e Barba (2010) foi utilizado um protocolo de avaliação, realizado com dez crianças, sendo três identificadas com sinais do transtorno. A primeira parte é composta por 30 itens e consiste de um questionário destinado aos educadores, e foi baseado em referenciais teóricos de dois estudos, são eles: Avaliação da Coordenação e Destreza Motora (ACOORDEM) e Enabling occupation through facilitating the diagosis of Developmental Cordination Disorder¹. O questionário foi formulado por perguntas de “sim” ou “não” referentes às atividades que as crianças rea-

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lizam na escola, no lazer e em suas atividades de vida diária.

Na segunda parte do protocolo de avaliação é averiguado o desempenho do desenvolvimento motor da criança a partir da aplicação de atividades e brincadeiras para crianças. Foi possível identificar a relevância de detectar os sinais do TDC principalmente em crianças em fase pré-escolar, com a finalidade de aperfeiçoar a qualidade de vida e minimizar as consequências do transtorno (MAZER; BARBA, 2010).

Deste modo, ressaltam a importância de uma intervenção precoce no processo de ensino-aprendizagem, para impossibilitar dificuldades futuras em atividades escolares e baixa autoestima devido à possível exclusão que essas crianças possam sofrer, além da construção e validação de instrumentos de identificação do transtorno do desenvolvimento da coordenação, pois ainda tem sido um grande desafio para a atuação da Terapia Ocupacional.

Um recurso que vem sendo muito utilizado na prática clínica é o uso de jogos de videogame como forma de ferramenta para alcançar objetivos propostos na terapia. O uso da realidade virtual possui um alto grau de validade ecológica, pois foi projetada para simular diversas situações da vida real, sendo assim o sistema capaz de oferecer particularidades à tarefa realizada, melhorando então a aprendizagem de competências e a retenção da atividade (MACHADO, 2014).

A pesquisa de Soares et al. (2019) usou o jogo Microsoft Kinect, como forma de melhorar o desempenho da mesma em esportes coletivos (futebol e basquete), para isso deveriam se trabalhados componentes como agilidade, mira, tempo de bola, ajustes posturais rápidos, apoio unipodal e condicionamento físico. Foram realizadas 12 de sessões de 50 minutos cada durante um mês, totalizando 3 sessões por semana, após estas intervenções foi possível notar aumento nos scores das avaliações utilizadas como forma de mensurar os resultados: a criança apresentou melho-

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ra significativa nas habilidades motoras e também melhora gradativa na pontuação dos jogos. Os pais e a criança também se mostraram satisfeitos com o desempenho no futebol, porém com o basquete houve aumento na satisfação, mas não no desempenho.

Apesar de a pesquisa mensurar resultados positivos ao uso do Microsoft Kinect, usando escalas validadas para basear os scores e ter satisfação da família e do paciente, a amostra do estudo foi somente uma criança, o que gera um viés, pois tal resultado pode ter variação de criança para criança, ou de diferentes contextos sociais e ambientes. Logo, se torna importante a realização de pesquisas maiores, com amostragem maior e em diferentes contextos para que haja uma comprovação do uso do Microsoft Kinect e melhora do desempenho em atividades cotidianas com crianças com TDC.

No estudo de Araujo, Malgalhães e Cardoso (2011) foi utilizada uma abordagem motora cognitiva, o programa Cognitive Orientation to Daily Occupational Perfomance (CO-OP). Ele foi criado por terapeutas ocupacionais e é centrado na criança, tendo como objetivos: a aprendizagem de atividades de interesse da criança, o uso de estratégias cognitivas, generalização e transferência de aprendizado. No Brasil ainda há poucas evidências sobre essa abordagem utilizada por terapeutas ocupacionais, mas alguns estudos apontam que o CO-OP melhora o desempenho funcional dos participantes, a aprendizagem e aplicação das estratégias cognitivas, além de algumas evidências de generalização e transferência do aprendizado e manutenção dos ganhos a médio prazo (ARAUJO; MAGALHÃES; CARDOSO, 2011).

Este foi o primeiro trabalho brasileiro de aplicação do CO-OP e inicialmente foi realizado um estudo piloto em uma criança de 9 anos seguindo o protocolo de intervenção do CO-OP. Com base nos resultados deste estudo, foi verificada a necessidade de providenciar mais material informativo

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para os pais e um acréscimo de mais uma sessão na metade do programa de tratamento. Posteriormente a pesquisa foi conduzida com as outras duas crianças, os resultados apontaram que elas perceberam melhora e se mostraram mais satisfeitas com o próprio desempenho em todas as tarefas, houve melhora nas habilidades motoras, com exceção de uma criança no item que testa destreza manual. Além disso, em relação à utilização das estratégias globais e aprendizagem das estratégias específicas, observaram-se sinais de generalização para outros ambientes e tarefas.

Nota-se que os resultados apontados são satisfatórios em relação ao uso do CO-OP, mas ainda é um estudo que apresentou um número baixo de participantes e estava em fase de adaptação, uma vez que foi necessário realizar adaptações do protocolo original. Deste modo, é necessário que haja maiores pesquisas com um número maior de crianças sobre o uso desse programa no Brasil, para que se possa generalizar os resultados que são apresentados.

[...] as atividades de educação, ocupação e lazer, com um aspecto social e mentalmente estimulante, suprem a reserva cognitiva e oferecem um efeito protetor contra o risco de demência. No entanto, outros indicadores também podem suprir a reserva, mas faltam pesquisas com relação à criação de um modelo completo de reserva cognitiva e à determinação do efeito geral que isso tem sobre a função cognitiva e a demência. Também são necessárias pesquisas adicionais para esclarecer como os diferentes indicadores podem suprir a reserva cognitiva e oferecer um efeito protetor contra a demência, atrasar o início da demência ou influenciar a progressão da demência e dos sintomas cognitivos. Determinar a importância e a relevância da reserva cognitiva e os indicadores que suprem a reserva (por exemplo, indicadores modificáveis, como o envolvimento com atividades de lazer) podem levar a novas estratégias de intervenção para reduzir o risco de comprometimento cognitivo e demência.

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Pires, Simões e Firmino (2010) descrevem que a teoria sobre a RC aponta práticas de vida saudáveis e altos níveis educacionais como fatores protetores de demência, sendo assim a doença pode progredir, mas a severidade será influenciada pela capacidade de RC. Deste modo, considera-se que um cérebro mais velho está preservado quando possui um desempenho semelhante ao de um mais jovem, assim quanto menos o cérebro mudar com a idade (estruturalmente, quimicamente e funcionalmente) maior será a capacidade cognitiva. Portanto, preservar a constituição cerebral, ao longo dos anos, é uma característica do envelhecimento cognitivo bem-sucedido, além de englobar modificações compensatórias no processamento cognitivo em resposta às alterações cerebrais disfuncionais (NILSSON; LÖVDÉN, 2018). Sendo assim, as intervenções realizadas em idosos podem continuar estimulando a RC e reduzir os prejuízos causados por doenças demenciais.

Tucker e Stern (2011, p.1) afirmam que a RC pode permitir o uso mais flexível da estratégia e de habilidades para execução de tarefas, além de permitir aos indivíduos maior eficiência e capacidade neural. Isso justifica o fato de indivíduos com alto Quociente de Inteligência (QI) apresentarem alterações clínicas ou cognitivas menos graves na presença de doenças relacionadas à idade.

Neste sentido, para construir uma boa RC é essencial um cérebro bem desenvolvido e nutrido com abundância de sinapses e neurônios saudáveis, lembrando que nem todas as formas de RC são iguais e dependem da quantidade e qualidade de estímulos cerebrais e neuroplasticidade. Assim, perante a necessidade de compensação, a RC intermediará a resposta cerebral de forma adequada (ESIRI; CHANCE, 2012).

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Estimulação da reserva cognitiva ao longo da vida

Rebolo (2015) descreve que o funcionamento cerebral é influenciado pelas experiências vivenciadas por cada sujeito no decorrer do seu desenvolvimento, de acordo com as demandas cognitivas as ligações sinápticas vão se reforçando ou sendo eliminadas. Além disso, o autor destaca que a RC é um modelo “ativo”, dinâmico e moldável. E que o próprio indivíduo pode ser agente ativo e participativo antes e durante o percurso de envelhecimento.

Nesta perspectiva, a incidência de casos de demência com sujeitos relativamente jovens é associada a baixo nível educacional e em consequência de baixa RC. As medidas para mensuração da RC são escolaridade, nível socioeconômico, ocupação, atividades de lazer e QI. Sendo assim, a RC é vinculada à execução de atividades intelectuais, recreativas e cognitivas, as quais exigem resposta mental como leitura, atividades culturais e de lazer, exercícios físicos regulares, jardinagem, atividades recreativas, as quais contribuem para retardar ou atenuar os sintomas relacionados ao dano cerebral (NITRINI et al., 2009; PARENTE et al., 2009; SOBRAL; PAÚL, 2015; ANAYA et al., 2016; NEVES, 2018).

Como já mencionado, a ocupação profissional também interfere nos quadros demenciais, portanto sujeitos com profissões que não sejam monótonas e necessitem de atenção constante, como, agricultores, caixas de supermercado, caminhoneiros, operadores de máquinas, babás e tantas outras, tendem a aumentar a reserva cognitiva (SOBRAL e PAÚL, 2015). Outro aspecto a ser destacado, é o de que 60% dos casos de demência ocorrem em países de baixo e médio nível de desenvolvimento, representando

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grande desafio do ponto de vista do planejamento dos serviços de atenção à saúde em virtude do impacto econômico e social (DIAS, et al., 2015).

O bilinguismo também contribui para a RC, o mesmo vem apresentando efeitos protetores contra um declínio cognitivo. O bilinguismo promove um aumento do volume de substância branca, isto é, melhora a conectividade cerebral, que permite maior plasticidade neural (COSTUMERO; MARIN; CALABRIA et al., 2020; BIER, 2016).

É notável a importância de continuar os cuidados sobre o desenvolvimento do ser humano em todo o seu ciclo vital (MINAYO; ASSIS, 2017). Sobral, Pestana e Paúl (2014) acrescentam que sendo a escolaridade e a ocupação são preditoras dos níveis de RC, consideram importante que o poder público invista na melhoria do nível de escolaridade e na implementação de mudanças nos estilos de vida da população, em todas as faixa etárias, incluindo a manutenção de uma vida ativa. Visto que, em países em desenvolvimento como o Brasil, a qualidade da educação pode variar conforme a localização demográfica e o tipo de escola (pública ou privada) (PARENTE et al., 2009). Entretanto, alguns resultados são enviesados em relação ao nível educacional e a RC, por isso, os autores sugerem de maneira emergencial a necessidade de investigação detalhada sobre a associação entre esses fatores. Os dados divergentes sobre o efeito da escolaridade em populações clínicas reforçam a demanda de um melhor entendimento da relação e da possível interferência simultânea de diferentes variáveis no processo de escolarização de um indivíduo, no qual o fator cultural tem expressivo impacto

Vernaglia (2019) afirma que os primeiros estudos utilizaram “medidas de conveniência” de índices sociocomportamentais, que contribuíram no desenvolvimento de importante RC. Destacando a atividade física, como protetora do cérebro e promotora da neuroplasticidade, a escolaridade, que têm sido associada à menor prevalência de demência, capacidade

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linguística e o bilinguismo aparecem como protagonistas de maior RC. No entanto, são relatadas limitações em estudar a escolaridade como um fator único, mas não de avaliar a leitura, escrita e cálculo de maneira associada. Assim, a escolaridade não necessariamente traduz a capacidade de um indivíduo conseguir ler um livro, escrever uma carta ou fazer contas de cabeça, mas essas habilidades possivelmente favorecem a RC (VERNAGLIA, 2019).

Além da escolaridade formal, deve-se considerar o aprendizado informal e cotidiano, tais como: usar um computador, caixa eletrônico, dirigir, andar de bicicleta ou tocar um instrumento musical. As atividades consideradas não acadêmicas, potencialmente, também podem interferir na construção do mecanismo de RC. Mas, a educação formal pode ser associada a hábitos, habilidades e recursos que possibilitem um estilo de vida mais saudável e prosperidade socioeconômica (VERNAGLIA, 2019).

Cancino, Rehbein-Felmer e Ortiz (2018) em pesquisa realizada com 206 idosos chilenos com idade de 66 anos, investigaram o papel da RC no envelhecimento, o efeito do suporte social e os riscos da presença de depressão. Segundo os autores, a depressão está diretamente associada com o funcionamento cognitivo, mostrando que a presença de depressão em idosos é um fator de risco para o declínio cognitivo. Por isso, torna-se essencial que os idosos recebam assistência preventiva para investigar a presença dos primeiros sintomas de depressão, com o objetivo de detectar precocemente o risco de interferência no funcionamento cognitivo ideal.

Em relação ao suporte social, os autores supracitados também evidenciaram que indivíduos com altos níveis de RC e alto suporte social percebido experimentaram menos depressão. O apoio social favorece o estado de saúde e a percepção de segurança dos idosos, reduzindo os sentimentos de solidão que os acompanham, principalmente, naqueles que ficaram viúvos e cujos laços sociais são diminuídos pela morte e a distância da fa-

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mília e amigos (CANCINO; REHBEIN-FELMER; ORTIZ, 2018).

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Considerações Finais

O presente estudo teve como objetivo descrever os principais constructos teóricos que envolvem o tema da (RC) e como esta possibilita a proteção do declínio cognitivo. Com base nos artigos analisados, discorreu-se sobre a constituição da RC ao longo da vida. Diversos autores abordaram a importância de manter uma boa RC por meio de tarefas e atividades diferentes desenvolvidas durante todas as fases da vida, a fim de postergar um declínio cognitivo no envelhecimento. Além disso, concluíram que a RC não é fixa e continua evoluindo no decorrer da vida, ainda, pondera-se a necessidade de mudança do estilo de vida para oportunizar o aumento da RC, com vivências de estimulação cognitiva e manutenção de uma vida ativa cognitiva e fisicamente.

A RC é caracterizada como uma construção dinâmica e seu estado se deve a um conjunto de variáveis, tais como: nível de escolaridade, tipo de trabalho desempenhado, prática de atividades de lazer e nível socioeconômico. Neste aspecto, ressalta-se que as experiências elaboradas a partir de atividades como estudar, trabalhar, exercício físico, jogos e interação social ampliam a RC, possibilitando manter por mais tempo a memória ativa, melhor qualidade de vida e um envelhecimento saudável. Também, a RC pode permitir o uso mais flexível de habilidades para executar tarefas, permitir aos indivíduos maior eficiência e capacidade neural, identificando alterações cognitivas menos graves na presença de doenças presentes no envelhecimento e detectando mais precocemente alterações cognitivas.

Por fim, salienta-se a importância de políticas públicas que enfatizem a promoção e participação de atividades de lazer como: leitura, jogos, atividades físicas, passeios, aumento de rede social, entre outras. Porém, pen-

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sando não somente na vida adulta, mas na construção de hábitos mais saudáveis e ativos durante todas as fases de desenvolvimento dos indivíduos.

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Referências

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ANAYA, C.; TORRENT, C.; CABALLERO, F. F.; VIETA, E.; BONNIN, C. M.; AYUSO-MATEOS, J.L.; CIBERSAM. Functional Remediation Group. Cognitive reserve in bipolar disorder: Relation to cognition, psychosocial functioning and quality of life. Acta Psychiatrica Scandinavica, [S.l], v. 133, n. 5, p. 386–398, maio. 2016.

ASSIS, S. G. De. Infância e longevidade: vulnerabilidades, continuidades e descontinuidades. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 23, n.4, p. 1016-1016, abr. 2018. Disponível em: https://www.scielosp. org/article/csc/2018.v23n4/1016-1016/. Acesso em: 06 mar. 2020.

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2. Benefícios da Intervenção Precoce para o desenvolvimento na primeiríssima infância

Marcélli Daiana Giongo Schmitz

Raquel Cristina Dalcero

Janice R. Pureza

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Introdução

A temática do desenvolvimento infantil vem sendo foco de muitas pesquisas científicas. De modo geral, há um consenso na literatura especializada de que o desenvolvimento da criança não depende apenas da maturação do sistema nervoso central (SNC), mas também de vários outros fatores: biológicos, relacionais, afetivos, simbólicos, contextuais e ambientais. Essa pluralidade de fatores e dimensões envolvidas no desenvolvimento infantil se expressa nas vivências e nos comportamentos dos bebês e das crianças, nos modos como agem, reagem e interagem com objetos, pessoas, situações e ambientes.

Pode-se dizer que a aquisição dos marcos de desenvolvimento da criança depende do funcionamento do sistema nervoso central (SNC) e de outras dimensões do funcionamento orgânico, bem como da carga e da qualidade dos estímulos e das relações que a criança vivencia. Naturalmente, fatores endógenos e exógenos que perturbem o desenvolvimento podem provocar, com maior ou menor intensidade, transtornos nesse processo. (CYPEL, 2011).

O período de vida compreendido do nascimento até os três anos de idade, chamado de primeiríssima infância, constitui um período sensível para o desenvolvimento de diversas habilidades. Nesta fase, há elevada plasticidade cerebral (neuroplasticidade), o que significa maior capacidade de transformação do cérebro devido aos estímulos e experiências vivenciados. A neuroplasticidade é definida como a capacidade do cérebro alterar sua estrutura ou função de acordo com as influências ambientais vivenciadas pela criança. (RIBEIRO; FREITAS, 2019). As habilidades adquiridas, neste período, serão fundamentais para o desenvolvimento de capa-

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Benefícios da Intervenção Precoce para o desenvolvimento na primeiríssima infância

cidades mais complexas em fases posteriores da vida. (COSTA et al., 2016).

O processo de neuroplasticidade é importante para o desenvolvimento de habilidades motoras, de linguagem, socioafetivas e cognitivas, pois permite que com os estímulos recebidos nas experiências vivenciadas, o bebê desenvolva capacidades motoras, como o controle cefálico, a capacidade de gatinhar e de andar. É importante para a evolução da linguagem e para a capacidade de comunicar-se com o seu meio, assim como estabelecer vínculos afetivos com seus pais e cuidadores. (PAPALIA, 2006).

Em relação às funções cognitivas, desde o nascimento, o bebê vai desenvolver, progressivamente, habilidades importantes como identificar sons e pessoas conhecidas (atenção e memória), antecipar situações de rotina (orientação temporal), desenvolver a permanência de objeto, até a evolução das funções executivas, as quais são processos cognitivos responsáveis pelo controle do comportamento, cognição e emoção. (PAPALIA, 2006;

GARCIA-MOLINA et al., 2009; DIAS, SEABRA, 2013).

Entre as possíveis abordagens para incrementar o processo de neuroplasticidade destaca-se a estimulação das potencialidades da criança. A estimulação está relacionada a fatores como estimulação ambiental formal (vivências nas creches e nas escolas de educação infantil e ensino fundamental) e informal (brincadeiras em casa, leituras de histórias, conversas com o bebê). Também, os fatores ambientais impactam no desenvolvimento cognitivo (PAPALIA, 2006).

De acordo com Costa et al. (2016), o ambiente tem que ser propício para que as crianças pratiquem as habilidades em desenvolvimento. O estabelecimento de vínculos positivos com os adultos cuidadores na família ou na escola, potencializa o desenvolvimento saudável da criança. Interações sociais adequadas para formação de um bom funcionamento cognitivo devem incluir também incentivo e orientação do processo de autonomia.

Dentre as abordagens para estimular o desenvolvimento infantil como

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Benefícios da Intervenção Precoce para o desenvolvimento na primeiríssima infância

um todo, a intervenção precoce destaca-se como uma abordagem de caráter sistemático e sequencial, que utiliza técnicas e recursos capazes de estimular todos os domínios que interferem na maturação da criança, de forma a favorecer o desenvolvimento motor, cognitivo, sensorial, linguístico, afetivo e social, prevenindo ou amenizando eventuais prejuízos ou, simplesmente, pelo fato de buscar extrair em cada marco do desenvolvimento o potencial máximo de cada indivíduo (HALLAL; MARQUES; BRACHIALLI, 2008; BRASIL, 2016). Desse modo, este estudo teve como objetivo proporcionar uma reflexão sobre os benefícios que a intervenção precoce pode promover para o desenvolvimento da criança na primeiríssima infância.

A temática do desenvolvimento infantil vem sendo foco de muitas pesquisas científicas. De modo geral, há um consenso na literatura especializada de que o desenvolvimento da criança não depende apenas da maturação do sistema nervoso central (SNC), mas também de vários outros fatores: biológicos, relacionais, afetivos, simbólicos, contextuais e ambientais. Essa pluralidade de fatores e dimensões envolvidas no desenvolvimento infantil se expressa nas vivências e nos comportamentos dos bebês e das crianças, nos modos como agem, reagem e interagem com objetos, pessoas, situações e ambientes.

Pode-se dizer que a aquisição dos marcos de desenvolvimento da criança depende do funcionamento do sistema nervoso central (SNC) e de outras dimensões do funcionamento orgânico, bem como da carga e da qualidade dos estímulos e das relações que a criança vivencia. Naturalmente, fatores endógenos e exógenos que perturbem o desenvolvimento podem provocar, com maior ou menor intensidade, transtornos nesse processo. (CYPEL, 2011).

O período de vida compreendido do nascimento até os três anos de idade, chamado de primeiríssima infância, constitui um período sensível para o desenvolvimento de diversas habilidades. Nesta fase, há elevada

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plasticidade cerebral (neuroplasticidade), o que significa maior capacidade de transformação do cérebro devido aos estímulos e experiências vivenciados. A neuroplasticidade é definida como a capacidade do cérebro alterar sua estrutura ou função de acordo com as influências ambientais vivenciadas pela criança. (RIBEIRO; FREITAS, 2019). As habilidades adquiridas, neste período, serão fundamentais para o desenvolvimento de capacidades mais complexas em fases posteriores da vida. (COSTA et al., 2016).

O processo de neuroplasticidade é importante para o desenvolvimento de habilidades motoras, de linguagem, socioafetivas e cognitivas, pois permite que com os estímulos recebidos nas experiências vivenciadas, o bebê desenvolva capacidades motoras, como o controle cefálico, a capacidade de gatinhar e de andar. É importante para a evolução da linguagem e para a capacidade de comunicar-se com o seu meio, assim como estabelecer vínculos afetivos com seus pais e cuidadores. (PAPALIA, 2006).

Em relação às funções cognitivas, desde o nascimento, o bebê vai desenvolver, progressivamente, habilidades importantes como identificar sons e pessoas conhecidas (atenção e memória), antecipar situações de rotina (orientação temporal), desenvolver a permanência de objeto, até a evolução das funções executivas, as quais são processos cognitivos responsáveis pelo controle do comportamento, cognição e emoção. (PAPALIA, 2006; GARCIA-MOLINA et al., 2009; DIAS; SEABRA, 2013).

Entre as possíveis abordagens para incrementar o processo de neuroplasticidade destaca-se a estimulação das potencialidades da criança. A estimulação está relacionada a fatores como estimulação ambiental formal (vivências nas creches e nas escolas de educação infantil e ensino fundamental) e informal (brincadeiras em casa, leituras de histórias, conversas com o bebê). Também, os fatores ambientais impactam no desenvolvimento cognitivo (PAPALIA, 2006).

De acordo com Costa et al. (2016), o ambiente tem que ser propício para

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Benefícios da Intervenção Precoce para o desenvolvimento na primeiríssima infância

que as crianças pratiquem as habilidades em desenvolvimento. O estabelecimento de vínculos positivos com os adultos cuidadores na família ou na escola, potencializa o desenvolvimento saudável da criança. Interações sociais adequadas para formação de um bom funcionamento cognitivo devem incluir também incentivo e orientação do processo de autonomia.

Dentre as abordagens para estimular o desenvolvimento infantil como um todo, a intervenção precoce destaca-se como uma abordagem de caráter sistemático e sequencial, que utiliza técnicas e recursos capazes de estimular todos os domínios que interferem na maturação da criança, de forma a favorecer o desenvolvimento motor, cognitivo, sensorial, linguístico, afetivo e social, prevenindo ou amenizando eventuais prejuízos ou, simplesmente, pelo fato de buscar extrair em cada marco do desenvolvimento o potencial máximo de cada indivíduo (HALLAL; MARQUES; BRACHIALLI, 2008; BRASIL, 2016). Desse modo, este estudo teve como objetivo proporcionar uma reflexão sobre os benefícios que a intervenção precoce pode promover para o desenvolvimento da criança na primeiríssima infância.

A temática do desenvolvimento infantil vem sendo foco de muitas pesquisas científicas. De modo geral, há um consenso na literatura especializada de que o desenvolvimento da criança não depende apenas da maturação do sistema nervoso central (SNC), mas também de vários outros fatores: biológicos, relacionais, afetivos, simbólicos, contextuais e ambientais. Essa pluralidade de fatores e dimensões envolvidas no desenvolvimento infantil se expressa nas vivências e nos comportamentos dos bebês e das crianças, nos modos como agem, reagem e interagem com objetos, pessoas, situações e ambientes.

Pode-se dizer que a aquisição dos marcos de desenvolvimento da criança depende do funcionamento do sistema nervoso central (SNC) e de outras dimensões do funcionamento orgânico, bem como da carga e da qualidade dos estímulos e das relações que a criança vivencia. Natural-

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mente, fatores endógenos e exógenos que perturbem o desenvolvimento podem provocar, com maior ou menor intensidade, transtornos nesse processo (CYPEL, 2011).

O período de vida compreendido do nascimento até os três anos de idade, chamado de primeiríssima infância, constitui um período sensível para o desenvolvimento de diversas habilidades. Nesta fase, há elevada plasticidade cerebral (neuroplasticidade), o que significa maior capacidade de transformação do cérebro devido aos estímulos e experiências vivenciados. A neuroplasticidade é definida como a capacidade do cérebro alterar sua estrutura ou função de acordo com as influências ambientais vivenciadas pela criança (RIBEIRO; FREITAS, 2019). As habilidades adquiridas, neste período, serão fundamentais para o desenvolvimento de capacidades mais complexas em fases posteriores da vida. (COSTA et al., 2016).

O processo de neuroplasticidade é importante para o desenvolvimento de habilidades motoras, de linguagem, socioafetivas e cognitivas, pois permite que com os estímulos recebidos nas experiências vivenciadas, o bebê desenvolva capacidades motoras, como o controle cefálico, a capacidade de gatinhar e de andar. É importante para a evolução da linguagem e para a capacidade de comunicar-se com o seu meio, assim como estabelecer vínculos afetivos com seus pais e cuidadores (PAPALIA, 2006).

Em relação às funções cognitivas, desde o nascimento, o bebê vai desenvolver, progressivamente, habilidades importantes como identificar sons e pessoas conhecidas (atenção e memória), antecipar situações de rotina (orientação temporal), desenvolver a permanência de objeto, até a evolução das funções executivas, as quais são processos cognitivos responsáveis pelo controle do comportamento, cognição e emoção (PAPALIA, 2006;

GARCIA-MOLINA et al., 2009; DIAS, SEABRA, 2013).

Entre as possíveis abordagens para incrementar o processo de neuroplasticidade destaca-se a estimulação das potencialidades da criança. A

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estimulação está relacionada a fatores como estimulação ambiental formal (vivências nas creches e nas escolas de educação infantil e ensino fundamental) e informal (brincadeiras em casa, leituras de histórias, conversas com o bebê). Também, os fatores ambientais impactam no desenvolvimento cognitivo (PAPALIA, 2006).

De acordo com Costa et al. (2016), o ambiente tem que ser propício para que as crianças pratiquem as habilidades em desenvolvimento. O estabelecimento de vínculos positivos com os adultos cuidadores na família ou na escola, potencializa o desenvolvimento saudável da criança. Interações sociais adequadas para formação de um bom funcionamento cognitivo devem incluir também incentivo e orientação do processo de autonomia.

Dentre as abordagens para estimular o desenvolvimento infantil como um todo, a intervenção precoce destaca-se como uma abordagem de caráter sistemático e sequencial, que utiliza técnicas e recursos capazes de estimular todos os domínios que interferem na maturação da criança, de forma a favorecer o desenvolvimento motor, cognitivo, sensorial, linguístico, afetivo e social, prevenindo ou amenizando eventuais prejuízos ou, simplesmente, pelo fato de buscar extrair em cada marco do desenvolvimento o potencial máximo de cada indivíduo (HALLAL; MARQUES; BRACHIALLI, 2008; BRASIL, 2016). Desse modo, este estudo teve como objetivo proporcionar uma reflexão sobre os benefícios que a intervenção precoce pode promover para o desenvolvimento da criança na primeiríssima infância.

A temática do desenvolvimento infantil vem sendo foco de muitas pesquisas científicas. De modo geral, há um consenso na literatura especializada de que o desenvolvimento da criança não depende apenas da maturação do sistema nervoso central (SNC), mas também de vários outros fatores: biológicos, relacionais, afetivos, simbólicos, contextuais e ambientais. Essa pluralidade de fatores e dimensões envolvidas no desenvolvimento infantil se expressa nas vivências e nos comportamentos dos bebês

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e das crianças, nos modos como agem, reagem e interagem com objetos, pessoas, situações e ambientes.

Pode-se dizer que a aquisição dos marcos de desenvolvimento da criança depende do funcionamento do sistema nervoso central (SNC) e de outras dimensões do funcionamento orgânico, bem como da carga e da qualidade dos estímulos e das relações que a criança vivencia. Naturalmente, fatores endógenos e exógenos que perturbem o desenvolvimento podem provocar, com maior ou menor intensidade, transtornos nesse processo (CYPEL, 2011).

O período de vida compreendido do nascimento até os três anos de idade, chamado de primeiríssima infância, constitui um período sensível para o desenvolvimento de diversas habilidades. Nesta fase, há elevada plasticidade cerebral (neuroplasticidade), o que significa maior capacidade de transformação do cérebro devido aos estímulos e experiências vivenciados. A neuroplasticidade é definida como a capacidade do cérebro alterar sua estrutura ou função de acordo com as influências ambientais vivenciadas pela criança (RIBEIRO; FREITAS, 2019). As habilidades adquiridas, neste período, serão fundamentais para o desenvolvimento de capacidades mais complexas em fases posteriores da vida (COSTA et al., 2016).

O processo de neuroplasticidade é importante para o desenvolvimento de habilidades motoras, de linguagem, socioafetivas e cognitivas, pois permite que com os estímulos recebidos nas experiências vivenciadas, o bebê desenvolva capacidades motoras, como o controle cefálico, a capacidade de gatinhar e de andar. É importante para a evolução da linguagem e para a capacidade de comunicar-se com o seu meio, assim como estabelecer vínculos afetivos com seus pais e cuidadores (PAPALIA, 2006).

Em relação às funções cognitivas, desde o nascimento, o bebê vai desenvolver, progressivamente, habilidades importantes como identificar sons e pessoas conhecidas (atenção e memória), antecipar situações de rotina

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Benefícios da Intervenção Precoce para o desenvolvimento na primeiríssima infância

(orientação temporal), desenvolver a permanência de objeto, até a evolução das funções executivas, as quais são processos cognitivos responsáveis pelo controle do comportamento, cognição e emoção (PAPALIA, 2006; GARCIA-MOLINA et al., 2009; DIAS, SEABRA, 2013).

Entre as possíveis abordagens para incrementar o processo de neuroplasticidade destaca-se a estimulação das potencialidades da criança. A estimulação está relacionada a fatores como estimulação ambiental formal (vivências nas creches e nas escolas de educação infantil e ensino fundamental) e informal (brincadeiras em casa, leituras de histórias, conversas com o bebê). Também, os fatores ambientais impactam no desenvolvimento cognitivo (PAPALIA, 2006).

De acordo com Costa et al. (2016), o ambiente tem que ser propício para que as crianças pratiquem as habilidades em desenvolvimento. O estabelecimento de vínculos positivos com os adultos cuidadores na família ou na escola, potencializa o desenvolvimento saudável da criança. Interações sociais adequadas para formação de um bom funcionamento cognitivo devem incluir também incentivo e orientação do processo de autonomia.

Dentre as abordagens para estimular o desenvolvimento infantil como um todo, a intervenção precoce destaca-se como uma abordagem de caráter sistemático e sequencial, que utiliza técnicas e recursos capazes de estimular todos os domínios que interferem na maturação da criança, de forma a favorecer o desenvolvimento motor, cognitivo, sensorial, linguístico, afetivo e social, prevenindo ou amenizando eventuais prejuízos ou, simplesmente, pelo fato de buscar extrair em cada marco do desenvolvimento opotencial máximo de cada indivíduo (HALLAL; MARQUES; BRACHIALLI, 2008; BRASIL, 2016). Desse modo, este estudo teve como objetivo proporcionar uma reflexão sobre os benefícios que a intervenção precoce pode promover para o desenvolvimento da criança na primeiríssima infância.

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Desenvolvimento nos primeiros anos de vida e Neuroplasticidade

Os primeiros anos de vida têm sido considerados críticos para o desenvolvimento das habilidades motoras, cognitivas, sensoriais e socioafetivas. É neste período, que ocorre o processo de maturação do sistema nervoso central, sendo considerada a fase ótima de neuroplasticidade, que é o processo de formação de novas conexões neuronais e tanto a neuroplasticidade quanto a maturação dependem de estímulos (BRASIL, 2016). A neuroplasticidade é a capacidade de constante remodelação, não só da função cerebral, mas da sua estrutura, influenciada pela experiência e que se estende ao longo da vida (SANTOS et al., 2014).

A primeira infância compreende a fase de zero aos três anos e é um período crucial, no qual ocorre o desenvolvimento das estruturas e circuitos cerebrais, bem como a aquisição de capacidades fundamentais que permitirão o aprimoramento de habilidades futuras mais complexas (HALLAL; MARQUES; BRACCIALLI, 2008). O desenvolvimento cerebral se inicia na gestação e tem especial relevância na primeiríssima infância. No período intrauterino, o cérebro começa a se desenvolver entre a segunda e terceira semana após a concepção, seguindo da formação das primeiras células cerebrais, os neurônios e conexões entre eles, denominadas sinapses.

Por meio de um processo chamado “sinaptogênese” o número de sinapses (conexões) entre os neurônios se multiplica a cada segundo. As sinapses mais utilizadas se fortalecem e carregam informações de forma mais eficiente, enquanto as que não são utilizadas, aos poucos enfraque-

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cem e desaparecem, processo esse conhecido como poda sináptica. Além disso, acontece o fenômeno chamado de “mielinização”. A mielina é uma substância composta por proteína e gordura que envolve o prolongamento dos neurônios, facilitando a condução do impulso elétrico e melhorando a comunicação neuronal (SANTOS et al., 2014).

O somatório desses processos ao longo dos primeiros anos de vida modifica a estrutura do cérebro sob influência das experiências vividas, resultando no desenvolvimento neurológico que permitirá à criança adquirir habilidades como emitir os primeiros sons, engatinhar, sentar e assim por diante (SANTOS et al., 2014). Diferentes regiões do cérebro passam por estes fenômenos em tempos distintos, o processo de desenvolvimento dos circuitos neuronais ocorre aos poucos sobre os já estabelecidos, derivando a importância da formação dos circuitos fundamentais, nos primeiros anos de vida, para o desenvolvimento futuro (CYPEL, 2011).

Após o desenvolvimento inicial, o cérebro ainda pode se modificar e o faz constantemente em resposta aos estímulos aos quais está exposto. O processo de neuroplasticidade é muito intenso nos anos iniciais de vida, pois é neste período que ocorrem o incremento de circuitos cerebrais específicos determinantes para muitas habilidades, como sentar, andar, falar, brincar, entre outras (BRASIL, 2016).

No que se refere às funções cognitivas, estudos científicos demonstram que habilidades cognitivas mais especializadas, como atenção, memória e funções executivas, começam a se desenvolver na primeira infância. Os circuitos cerebrais responsáveis por tais funções evoluem progressivamente até a adolescência e início da vida adulta. Segundo Santos et al. (2014), a construção dos circuitos cerebrais é altamente influenciada pelas experiências no início da vida, diretamente ligadas/mediadas pela qualidade das relações sócio afetivas e dos estímulos fornecidos à criança pelos seus cuidadores. O desenvolvimento de todo bebê é estimulado a partir

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da interação com as pessoas mais próximas. Estimular o desenvolvimento da criança é papel natural da família e estudos comprovam que o contato próximo com os pais tem influência significativa no desenvolvimento cerebral (SEIDEL et al., 2011; WEAVER et al., 2006; BRASIL, 2016). A interação positiva pais/ criança se relaciona com ganhos neurológicos e comportamentais da criança (FENOGLIO; CHEN; BARAM, 2006; BRASIL, 2016).

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Benefícios da Intervenção Precoce para o desenvolvimento na primeiríssima infância

Marcos do neurodesenvolvimento

Sobre o neurodesenvolvimento serão abordadas quatro áreas significativas na evolução das crianças de zero a três anos de idade e seus marcos no desenvolvimento. São eles: o desenvolvimento da área motora, da linguagem, socioafetiva e senso-percepto cognitiva, e serão feitas referências às condições desenvolvimentais.

DESENVOLVIMENTO DA ÁREA MOTORA:

Segundo Hallal; Marques; Braccialli (2008) o desenvolvimento motor segue uma ordem cronológica evolutiva com etapas distintas e previsíveis, caracterizadas por mudanças nas habilidades e nos padrões de movimento que ocorrem durante a vida. O comportamento motor é influenciado pelo sistema nervoso, fatores psicológicos e ambientais. As habilidades motoras são fundamentais para a aquisição de outras funções mais complexas como a linguagem e o aprendizado escolar. Desse modo, quanto mais estimulados forem os bebês, maiores serão as ligações cerebrais e com maior facilidade aprenderão funções mais complexas no futuro.

No desenvolvimento da área motora, deve-se considerar algumas aquisições que correspondem às condições de maturidade neurológica, nos primeiros meses de vida até um ano, como, revirar-se, pegar um chocalho, sentar sem apoio, ficar de pé com apoio e agarrar com polegar e indicador (CYPEL, 2011). Já a partir de um ano de idade considera-se ficar de pé de modo seguro, caminhar bem, construir torre de dois cubos, subir degraus, pular no mesmo lugar e copiar um círculo (PAPALIA, 2006). Essas aquisições motoras no decorrer do desenvolvimento são importantes para

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que a criança consiga explorar e interagir com o seu ambiente.

DESENVOLVIMENTO DA ÁREA DA LINGUAGEM:

Nos três primeiros anos de vida da criança ocorrem grandes avanços, assim como a aquisição e domínio da linguagem, que são essenciais para o desenvolvimento global e a aprendizagem. A aquisição da linguagem desenvolve-se em várias etapas, conforme a criança é exposta a um mundo sonoro de comunicação por meio dos familiares e do ambiente que a cerca já desde antes do seu nascimento.

Antes de poderem utilizar as palavras, os bebês expressam suas necessidades e sentimentos através de sons que evoluem do chorar para arrulhos e balbucios, depois para a imitação acidental e, consequentemente, para a imitação deliberada. Segundo Papalia (2006) o desenvolvimento da linguagem ilustra a interação de todos os aspectos do desenvolvimento.

No desenvolvimento da área da linguagem, as etapas típicas são do nascimento até um ano, a criança é capaz de perceber a fala e dar respostas ao som, brincar com sons da fala, começar a armazenar padrões sonoros na memória e a ligar sons ao significado, reconhecer os sons básicos da própria língua e começar a conhecer suas regras. A partir de um ano, imita sons, utiliza gestos sociais convencionais, diz a primeira palavra, palavras isoladas, compreende a função simbólica da denominação e ao passar dos meses, há melhora nas aquisições, como aprender mais palavras, dizer a primeira frase, utilizar menos gestos e nomear mais as coisas, ocorrendo assim um salto na compreensão (PAPALIA, 2006).

Neste aspecto, é muito importante que os pais tenham conhecimento de que o bebê se comunica e busca essa comunicação. Segundo Carniel et al., (2017) os fatores de risco biológico, assim como outros (ambientais e socioeconômicos), exercem importante influência sobre o desenvolvimento da criança podendo prejudicar habilidades cognitivas e o desenvolvi-

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Benefícios da Intervenção Precoce para o desenvolvimento na primeiríssima infância

mento normal da linguagem.

DESENVOLVIMENTO DA ÁREA SÓCIO AFETIVA:

Os primeiros anos de vida da criança são fundamentais para estabelecer os alicerces das suas aquisições futuras. Um ambiente estimulador e potencializador oferecerá oportunidade para que as crianças adquiram e desenvolvam melhor suas potencialidades. A valorização dos vínculos afetivos familiares, do início da vida, expressa a relevância da preocupação em construir e preservar a condição humana da pessoa (CYPEL, 2011).

Bowlby (1990) reforça a teoria do apego, destacando os laços afetivos entre bebê e cuidadores, no qual o bebê tem necessidade de segurança e proteção (base segura). Esse apego se desenvolve por meio do contato visual, do sorrir e do chorar, entre outros. Os sinais inatos do bebê atraem e envolvem os pais, estimulando o desenvolvimento dos vínculos afetivos. As primeiras relações de apego, estabelecidas na infância, afetam a qualidade dos laços afetivos do indivíduo ao longo de sua vida

Brazelton (1988), fala sobre o papel ativo do bebê nas primeiras interações (vínculos afetivos), estabelecendo uma comunicação gratificante com seus pais. Este autor reafirma a teoria do apego, sendo que as primeiras experiências exercem influência na cognição, no comportamento, na regulação emocional e no desenvolvimento neuromotor. Quando a criança consegue lidar com as dificuldades que vão aparecendo em cada fase do seu desenvolvimento, acolhida e amparada por sensibilidade, afeto e compreensão dos pais, adquire segurança em seus próprios recursos psíquicos e emocionais. Passa a confiar nos vínculos que irão sustentar a construção de sua estabilidade emocional, independência e autoestima (CYPEL, 2011).

Sendo assim, é importante salientar que, embora o “instinto natural” dos pais e o amor seja um guia imprescindível para a criação do filho, não

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são suficientes, muitas vezes, para levar a criança ao desenvolvimento saudável de suas reais potencialidades. Será fundamental que sejam somados, dentro do possível, os conhecimentos e a compreensão sobre o desenvolvimento emocional do bebê e o funcionamento de sua mente. Essas atitudes aprofundam o vínculo afetivo entre pais e filhos (BRAZELTON, 1988; BOWLBY, 1990; CYPEL, 2011).

DESENVOLVIMENTO DA ÁREA SENSO PERCEPTO-COGNITIVA:

Papalia (2006) descreve sobre a teoria de Piaget, ao observar o modo como se desenvolvia o pensamento das crianças durante a infância e a adolescência propondo assim uma sequência universal do desenvolvimento cognitivo, separando estes em quatro estágios. O estágio sensório-motor é o primeiro do desenvolvimento cognitivo, durante o qual os bebês (do nascimento até aproximadamente os dois anos) aprendem por meio do desenvolvimento de seus sentidos e da atividade motora. Este estágio, por sua vez, é composto por seis subestágios que fluem de um para outro à medida que se tornam mais complexos.

Durante os cinco primeiros estágios, os bebês aprendem a coordenar as informações dos sentidos e a organizar suas atividades em relação ao ambiente. Durante o sexto e último estágio, eles progridem da aprendizagem por tentativa e erro para a utilização de símbolos e conceitos para

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Inclusão Eficiente

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resolver problemas simples. (PAPALIA, 2006, p.197). A seguir, a tabela 1 descreve os seis subestágios:

Tabela 1 - Descrição das etapas do estágio sensório-motor segundo a teoria de Piaget.

SUBESTÁGIO DESCRIÇÃO

Subestágio 1: (Nascimento até um mês) uso do reflexo

Subestágio 2: (Um a quatro meses) Reações circulares primárias

Os bebês exercitam seus reflexos inatos e ganham algum controle sobre ele, não pegam objetos e não coordenam informações dos sentidos.

Repetem comportamentos agradáveis que, primeiramente, ocorrem por acaso (como sugar o polegar). As atividades focalizam-se no corpo do bebê, fazem as primeiras adaptações adquiridas, isto é, sugam objetos diferentes de maneiras diferentes. Eles começam a coordenar informações sensórias e a agarrar objetos.

Subestágio 3: (Quatro a oito meses) Reações circulares secundárias

Subestágio 4: (Oito a doze meses) Coordenação dos esquemas secundários

Subestágio 5: (doze a dezoito meses) Reações circulares terciárias

Os bebês interessam-se mais pelo ambiente e repetem ações que trazem resultados interessantes (como sacudir um chocalho). As ações são intencionais e repetidas.

O comportamento é mais deliberado e proposital à medida que os bebês coordenam esquemas e comportamentos, previamente, aprendidos e os utilizam para atingir seus objetivos.

Os bebês começam a experimentar novos comportamentos. Exploram ativamente seu mundo para saber em que aspecto, um objeto, um acontecimento ou uma situação são novos. Usam o método tentativa e erro para resolver problemas.

Subestágio 6: (dezoito a vinte e quatro meses)

Fonte: Papalia, 2006.

São capazes de utilizar símbolos, como gestos e palavras, e sabem fazer de conta. A capacidade de manipular símbolos liberta as crianças da experiência imediata.

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O segundo estágio do desenvolvimento cognitivo, de acordo com a teoria de Piaget, é o pré-operatório (aparecimento das operações mentais e egocentrismo, uso de símbolos, palavras, números para representar aspectos do mundo). O terceiro é o operatório concreto (capacidade de relacionar e classificar a partir de objetos e situações concretas) e quarto estágio é o operatório formal (capacidade de pensar logicamente, formular hipóteses e buscar soluções sem depender só da observação da realidade).

A evolução dos processos cognitivos, no período de zero a três anos, acontece de forma rápida e complexa. Em idades precoces, já é possível observar na criança, condutas que sugerem que algumas das capacidades cognitivas, como, as funções executivas estão em desenvolvimento. Nessa idade prematura, o controle executivo ainda é muito frágil e precário, é alcançada uma capacidade executiva similar a observada no adulto nos primórdios da adolescência (DIAS; SEABRA, 2013).

Nos primeiros seis meses de vida, o bebê pode recordar representações simples, por exemplo, se está brincando com um objeto e este é coberto com uma toalha, para ele o brinquedo deixa de existir. Este estímulo dado ao bebê é uma forma de incitar a denominada memória de trabalho. Entende-se por memória de trabalho a capacidade de manipular mentalmente informações simultâneas. Por volta dos oito meses, os bebês já são capazes de buscar objetos e recuperá-los, esse comportamento remete a uma forma “embrionária” de funções executivas, o bebê pode manter “on-line” informações que não estão presentes como a representação do brinquedo e sua localização espacial (GARCIA-MOLINA et al., 2009).

Entre 12 e 18 meses, também inicia a habilidade de suprimir respostas dominantes e a capacidade do bebê para deixar de fazer uma atividade agradável, por exemplo, brincar com um bichinho de pelúcia, diante da demanda de um cuidador é uma primeira forma de inibição (GARCIA-MO-

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LINA et al., 2009). A inibição é o ato de inibir uma reação inicial e de agir de modo mais ponderado (DIAS; SEABRA, 2013).

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Intervenção precoce e o desenvolvimento nos primeiros anos

Entende-se por intervenção precoce¹ o conjunto de intervenções dirigidas à população infantil de zero a três anos de idade, à família e ao contexto, tendo por objetivo responder às necessidades transitórias ou permanentes de crianças com risco ou com transtornos em seu desenvolvimento. Neste sentido, a intervenção precoce passa a ser considerada como um conjunto de serviços, apoios, recursos que são necessários para responder tanto às necessidades de cada criança quanto às demandas de suas famílias, sempre visando a promoção do desenvolvimento infantil (SOEJIMA; BOLSANELLO, 2012).

Segundo Navajas e Caniato (2003), a intervenção precoce é um conjunto de processos preventivos/e ou terapêuticos para assegurar à criança um melhor desenvolvimento com o meio em que vive durante a primeira infância. Estimulação é o que todo bebê ou criança recém-nascida necessita para desenvolver as suas capacidades.

De modo geral, as abordagens de intervenção precoce na, primeira infância, caracterizam-se por conjunto de práticas interdisciplinares que buscam promover o desenvolvimento em quatro áreas específicas: motora, linguagem, senso-percepto cognitiva e socioafetiva. Esse trabalho, nas diversas áreas, tem por objetivo estimular o melhor desenvolvimento para bebês e crianças pequenas que demonstrem defasagem, nas suas etapas evolutivas, ou que apresentem quadros clínicos que impactam no neurodesenvolvimento com repercussões na evolução motora, socioafetiva, de

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¹Intervenção precoce é a mesma denominação antigamente utilizada para a modalidade chamada estimulação precoce. Dessa forma utilizaremos, nesta revisão, o termo intervenção precoce.

Benefícios da Intervenção Precoce para o desenvolvimento na primeiríssima infância

linguagem e da cognição (MATTOS; BELLANI, 2010; BRASIL, 2016).

Navajas e Caniato (2003) afirmam que a intervenção precoce, quando utilizada de forma preventiva, pode minimizar possíveis déficits psicomotores, além de estimular a integração efetiva entre o bebê e sua família. A partir da vertente preventiva, o objetivo é fazer com que as crianças que apresentem transtornos em seu desenvolvimento ou possuem risco de apresentá-los, recebam as intervenções necessárias para promover e potencializar o seu desenvolvimento, possibilitando sua integração no ambiente familiar, escolar e social, assim como, autonomia pessoal (SOEJIMA; BOLSANELLO, 2012). A prevenção de qualquer forma será efetiva quando se fundamentar em teorias sólidas, incluir a criança, sua família e escola e ser conduzida por pessoas capacitadas para seguir programas e procedimentos de intervenção. Além disso, a prevenção deve ser adequada à cultura e a idade das crianças (SOEJIMA; BOLSANELLO, 2012).

Atualmente, no contexto da intervenção precoce, existem vários programas com objetivo de promover o desenvolvimento da criança; consolidar as competências da família; estimular a inclusão social, tanto da criança quanto da família. Esses programas podem incluir diversos serviços especializados, dentre eles, médico, social e psicológico. Podem acontecer em diversos locais como clínicas de saúde, hospitais, centros de reabilitação ou intervenção precoce, centros comunitários, casas ou escolas. Ademais, é apontada a importância do trabalho multidisciplinar (psicólogos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, entre outros), nas equipes profissionais, para atender às peculiaridades inerentes a cada indivíduo (NASCIMENTO et al., 2018).

A neuroplasticidade é o pressuposto básico do processo de intervenção precoce para bebês que apresentam risco potencial de atrasos no desenvolvimento neuropsicomotor, pois no período de zero a três anos é mais suscetível à transformações provocadas pelo ambiente externo (BRA-

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SIL, 2016). A intervenção precoce tem como meta aproveitar este período propício de neurodesenvolvimento para auxiliar a criança a habilitar e/ou ampliar suas competências, considerando os marcos do desenvolvimento típico e reduzindo, desta forma, os efeitos negativos de uma história de riscos (PAINEIRAS, 2005; BRASIL, 2016).

Neste sentido, estudos científicos demonstram que um programa de intervenção precoce pode produzir efeitos positivos e reduzir possíveis déficits nas áreas de desenvolvimento infantil ocasionados por quadros clínicos, como prematuridade, epilepsias, dentre outros (MALLIK; SPIKER, 2017). E Mattos e Bellani (2010) afirmam que:

A importância da estimulação precoce em bebês portadores da Síndrome de Down, auxilia nas aquisições de suas habilidades e proporciona maior independência, dentro de suas limitações, bem como melhor desempenho social, comprovando, desta forma, os ganhos motores que podem ser compreendidos pelo mecanismo da plasticidade cerebral.

O tratamento precoce é indicado como uma forma de aumentar a interação do organismo com o ambiente, obtendo respostas motoras próximas ao padrão esperado para a fase e prevenindo a aprendizagem de padrões atípicos de movimento e postura (MATTOS; BELLANI, 2010). Alguns estudos descrevem a importância e o impacto da intervenção precoce em bebês com quadro de Síndrome de Down e microcefalia. Nesses casos, a intervenção interdisciplinar com protocolos de avaliação e planejamento de estratégias de intervenção específicas, desde cedo, pode impactar no processo de neurodesenvolvimento com ganhos importantes no desenvolvimento motor, da linguagem, da cognição e de habilidades socioafetivas (MATTOS; BELLANI, 2010; BRASIL, 2016).

Um processo de intervenção precoce baseia-se em exercícios que visam o desenvolvimento de habilidades da criança de acordo com a fase

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Benefícios da Intervenção Precoce para o desenvolvimento na primeiríssima infância

evolutiva em que ela se encontra. Assim, implementa-se um conjunto de atividades para proporcionar, nos primeiros anos de vida, o alcance do pleno desenvolvimento (BRASIL, 2016). De acordo com Anauate e Amiralian (2007) “propiciar meios para que esse bebê se desenvolva plenamente, respeitando as suas iniciativas espontâneas e originais, seu modo de se expressar”. O estímulo que pode ser potencializado para cada criança depende dos recursos emocionais dos pais, dos limites de suas circunstâncias e contextos socioeconômicos. Todavia, é importante mencionar que esse processo de estimulação envolve seres humanos individuais, com um potencial que pode ser gradualmente incentivado (CYPEL, 2011).

De modo geral, uma abordagem de intervenção possui um caráter remediativo, ou seja, remediar, reabilitar etapas defasadas ou não atingidas. No entanto, é possível que esse tipo de intervenção apresente caráter preventivo, sendo assim, prevenir ou minimizar possíveis dificuldades que possam surgir no processo evolutivo típico do bebê e da criança pequena. Essa abordagem deve fazer parte de um processo integral para o desenvolvimento harmônico de crianças integradas aos contextos em que vivem (CYPEL, 2011).

A consciência de que a base da formação bio-psico-social do indivíduo está na família e, nos primeiros anos de vida, faz com que se planeje a concentração de investimentos e esforços nessa direção. Segundo Cypel (2011, p.14), “busca-se, assim, oferecer nesse período as condições mais favoráveis possíveis para que o ambiente familiar possa ajudar a construir um ser humano integral e integrado”.

Nessa perspectiva, torna-se essencial resgatar a família como responsável pelo desenvolvimento do bebê até torná-lo sujeito de si mesmo, baseado nos conceitos da Neurociências e Psicanálise, sobre o processo de vincularidade. Desta forma, seria possível para as famílias envolverem-se no processo de conscientização e apresentação de estratégias para que

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estas desenvolvam com seus filhos (CYPEL, 2011).

Outro aspecto ressaltado são as relações afetivas entre mãe e filho, da gestação até os três anos, importantes para definir a saúde física e emocional de ambos e para ajudar a criança a alcançar sua futura realização pessoal e profissional. Embora o bebê, por fatores hereditários, tenha tendência a desenvolver determinados comportamentos, eles passarão a ser modulados pela intervenção dos primeiros cuidados (pai e mãe) desde os momentos mais precoces da vida (epigenética) (CYPEL, 2011).

Brazelton (1988) e Bowlby (1990) ressaltaram a importância do desenvolvimento de um apego seguro, como um fator crucial para o desenvolvimento afetivo, cognitivo, motor e da linguagem. Uma abordagem de intervenção precoce pode contribuir com pais e bebês para o desenvolvimento deste apego, auxiliando nos casos em que há dificuldades na interação pais/bebês ou em casos clínicos que podem interferir nos vínculos afetivos.

Conforme CYPEL (2011, p. 15):

O modo como esses vínculos forem se estabelecendo determinará a formação neurobiológica cerebral com a consequente organização das redes circuitarias neuronais. E servirão como alicerces seguros para o desenvolvimento integral do indivíduo e, mais especialmente, para a sua progressiva maturidade emocional.

Desse modo, uma abordagem de intervenção precoce, no âmbito das habilidades motoras, de linguagem, cognitivas e socioafetivas, funciona como um instrumento adicional que previne ou atenua possíveis atrasos ou defasagens na evolução da criança, especialmente, nos três primeiros anos de vida. A estimulação destas competências envolve variados facilitadores, desde a equipe multiprofissional até a família da criança, cujo papel é central em seu desenvolvimento.

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Considerações finais

Existe o consenso de que bebês e crianças pequenas com sinais de anormalidade e/ou desvios identificados, precocemente, quando submetidos a procedimentos de estimulação, podem demonstrar melhoria na condição de respostas e rearranjos na plasticidade cerebral, capazes de minimizar impactos no desenvolvimento estrutural e funcional, proporcionando melhor qualidade de vida. Neste período, o diagnóstico precoce associado a procedimentos de intervenção interdisciplinar, é fundamental para a melhoria do desenvolvimento físico, cognitivo, percepto-sensorial e afetivo da criança de risco.

Ressalta-se que o desenvolvimento das crianças de zero a três anos é marcado pela herança genética, a educação, o meio ambiente e a qualidade das relações humanas, como os vínculos e os estímulos, aos quais estão sendo expostas. E são determinantes para o processo de desenvolvimento integral, físico-motor, psicoemocional, social, cognitivo, linguístico, criativo e moral. É importante que educadores, pais e cuidadores direcionem suas atenções à singularidade de cada criança para conhecer suas necessidades, interesses e potenciais para incrementar a oferta de estímulos.

Por fim, observa-se que as práticas e os modelos de intervenção precoce se desenvolvem aliados ao setor da saúde, com forte prevalência de condutas voltadas à estimulação de habilidades, estruturadas a partir de um modelo reabilitativo de cuidado e com enfoque centrado na criança. No entanto, a notável escassez de literatura atualizada sobre a temática, demonstram a necessidade de estudos que divulguem dados e informações sobre essa abordagem interventiva tão importante e necessária para

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o desenvolvimento global infantil. Espera-se que este capítulo contribua para a reflexão sobre a importância da intervenção precoce no desenvolvimento humano, oportunizando aquisições nas áreas cruciais do desenvolvimento infantil como a motora, de linguagem, cognitiva e socioafetiva.

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3.

PROCESSAMENTO DAS FUNÇÕES

EXECUTIVAS EM

CRIANÇAS NO PERÍODO

DE ALFABETIZAÇÃO: desenvolvimento típico ou atípico do primeiro ao terceiro ano do ensino

Marina Lorenceti

Naiane Molon

Vanessa Maghry

Hosana Gonçalves

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Processamento das Funções Executivas em crianças no período de Alfabetização:

Introdução

As Funções Executivas (FE) são um conjunto de processos cognitivos que permitem ao indivíduo agir, pensar, tomar decisões, manter ou alterar estratégias, manter informações necessárias para atingir um objetivo, resolvendo problemas imediatos, a curto, médio e longo prazo. Essas habilidades tornam o indivíduo apto a enfrentar diversas situações, mas quando comprometidas, o funcionamento em atividades complexas seja acadêmico, profissionais, sociais, entre outras, poderá ser amplamente prejudicado (MALLOY-DINIZ et al., 2010; FUENTES et al., 2014; SALLES; HAASE; MALLOY-DINIZ et al., 2016).

O desenvolvimento das FE tem seu início na infância, a partir do primeiro ano de vida, continua na adolescência até a fase adulta e sofre sutil declínio por volta dos 50 anos. Seu desenvolvimento apresenta um curso não linear, com pico mais intenso próximo dos 2 anos de idade, após, observar-se novo aumento de habilidades executivas entre 6 e 9 anos e no final da adolescência (FUENTES et al., 2014; SALLES; HAASE; MALLOY-DINIZ, 2016). O desempenho das FE abaixo do esperado, na fase de alfabetização e letramento, bem como do desenvolvimento da aritmética, acarreta prejuízos a curto e longo prazo em esferas ampliadas do dia a dia.

Utilizou-se no presente estudo os componentes básicos das FE, memória de trabalho, controle inibitório e flexibilidade cognitiva (RAMOS; SEGUNDO, 2018). Sendo os três primeiros, intimamente ligados ao desenvolvimento de autocontrole, atenção seletiva e sustentada, manipulação de ideias, mudanças de perspectiva e adaptações à novas demandas do meio, habilidade importantes no processo de aprendizagem, raciocínio e foco em um ambiente com distratores, como o escolar (LEÓN, 2013).

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Por sua vez, o período de primeiro, segundo e terceiro ano do ensino fundamental é uma etapa de transição de habilidades e exigências mais básicas na educação infantil para as habilidades e exigências mais complexas dos anos seguintes da vida escolar. Este é um período no qual as crianças aprendem habilidades específicas de leitura, escrita e aritmética, as quais são fundamentais para aprendizagens futuras mais abstratas e complexas das áreas em questão. Para tanto, o envolvimento das FE é primordial para o sucesso no desenvolvimento dessas habilidades acadêmicas.

Nesta perspectiva, este capítulo tem como objetivo apresentar, a partir de uma revisão da literatura, qual a influência dessas habilidades na aprendizagem da leitura, da escrita e da aritmética em crianças do primeiro ao terceiro ano do ensino fundamental. Além disso, caracteriza a memória de trabalho, controle inibitório, flexibilidade cognitiva e realizar comparativo das FE no desenvolvimento típico e atípico na aprendizagem escolar.

Ressalta-se, a importância do conhecimento dos profissionais de educação acerca das FE e suas disfunções, ampliando a identificação das dificuldades acadêmicas de seus alunos por meio de uma perspectiva teórica, de modo a atuar com o manejo e encaminhamento adequados e adaptações necessárias para promover o desenvolvimento do aluno no maior nível possível.

Esta investigação teve caráter qualitativo, com foco em aspectos dialéticos, nos significados e impactos dos estudos que tiveram como amostra, crianças do primeiro, segundo e terceiro anos do ensino fundamental, com idade entre 6 e 9 anos, fase de desenvolvimento de habilidades de leitura, escrita e aritmética, consideradas bases para aprendizagens mais complexas.

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Processamento das Funções Executivas em crianças no período de Alfabetização:

Alfabetização: Leitura, Escrita e Aritmética

Durante o período do primeiro, segundo e terceiro ano do ensino fundamental, crianças com idade entre 6 e 9 anos, em um desenvolvimento escolar neurotípico, desenvolvem habilidades específicas de leitura, escrita e aritmética, consideradas bases para aprendizagens futuras mais abstratas e complexas das áreas em questão (BRASIL, 2018). Nessa faixa etária, realizam a transição progressiva de sistematização, das experiências da educação infantil caracterizadas por metodologias mais lúdicas, amplas e flexíveis para aprendizagens que fazem parte do contexto de vida, para experiências de ensino fundamental, consideradas complexas e abstratas, não tão presentes diariamente em outros ambientes sociais, no formato que são apresentadas na escola. Portanto, passam a utilizar da consciência que desenvolvem, nessa etapa da vida escolar, em relação ao uso de sua memória de forma que este conhecimento proporciona planejamento e uso de estratégias que auxiliam na evocação das habilidades já adquiridas (PAPALIA; FELDMAN, 2013).

O embasamento teórico das habilidades acadêmicas de leitura, escrita e aritmética da faixa etária será a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), documento diretriz de objetivos de aprendizagem e desenvolvimento da educação brasileira, com sua última versão oficial lançada em abril de 2018 (BRASIL, 2018). Na Educação Infantil, de acordo com a BNCC, os campos de experiência “oralidade e escrita” e “espaços, tempos, quantidades, relações e transformações” contemplam as aprendizagens, desta faixa etária, de leitura, escrita e aritmética, aproximando-se da realidade do próximo nível de ensino, gradativamente, sendo na pré-escola (crian-

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ças de 4 anos a 5 anos e 11 meses) o foco mais específico nessas áreas. A partir do primeiro ano do ensino fundamental, essas aprendizagens fazem parte das áreas de “linguagens” e “matemática” (BRASIL, 2018).

A área de conhecimento “linguagens” que possui como uma das suas disciplinas principais a Língua Portuguesa é organizada em cinco eixos: oralidade, leitura, escrita, conhecimentos linguísticos e gramaticais e educação literária. A FIGURA 1 descreve de forma adaptada os eixos relacionados às habilidades acadêmicas previamente selecionadas. As aprendizagens acadêmicas do ensino básico regular ocorrem de forma gradativa, baseada em teorias de desenvolvimento construtivistas e demandam da criança o desenvolvimento de habilidades cognitivas específicas, confor-

LEITURA

Identificação de gêneros textuais

Decodificação

Desenvolvimento de fluência

Compreensão e interpretação

Enriquecimento de vocabulário

Produção textual verbal e verbo-visual, coerênte e coeso

Codificação

Variedade linguistica

Entonação e caracterização regional

Processo de alfabetização

FONTE: As autoras (2020) adaptado da BNCC (2018).

Quantificação

Argumentar a partir de quantidades em situações problemas

Leitura, escrita e ordenação de números

Resolução de problemas com números naturais e racionais

Resolução de problemas com operações

PORTUGUÊS MATEMÁTICA ESCRITA CONHECIMENTOS LÍNGUISTICOS E GRAMATICAIS NÚMEROS
FIGURA 1 – Eixos de aprendizagem
Instituto Inclusão Eficiente 65

Processamento das Funções Executivas em crianças no período de Alfabetização:

Funções Executivas

As FE correspondem a um conjunto de processos cognitivos que, de forma integrada, permitem ao indivíduo direcionar comportamentos e metas, avaliar a eficiência e a adequação desses comportamentos, abandonar estratégias ineficazes em prol de outras mais eficientes e, deste modo, resolver problemas imediatos, de médio e de longo prazo. O desenvolvimento destas funções se inicia no primeiro ano de vida (MALLOY-DINIZ et al., 2014).

Durante o desenvolvimento, crianças se tornam, gradualmente, mais hábeis para controlar seus pensamentos e ações. Essa mudança tem sido associada ao desenvolvimento das FE, isso porque elas são especialmente importantes em situações novas, como no processo de aprendizagem, sendo, portanto, consideradas cruciais na idade pré-escolar (TREVISAN, 2010). De acordo com Cosenza e Guerra (2014), as FE possibilitam a interação com o mundo frente às mais diversas situações que encontramos. E, então, é organizado o pensamento, levando em conta as experiências em relação ao futuro, sempre respeitando os valores e propósitos individuais, possibilitando estabelecer estratégias comportamentais e dirigir ações de forma objetiva e flexível para chegar ao objetivo almejado.

Desta forma, as FE são consideradas fundamentais na idade pré-escolar, pois são bases para o sucesso na aquisição de habilidades acadêmicas, principalmente, em tentativas de superar dificuldades de aprendizagem (MAHONE et al., 2005). Elas seguem se desenvolvendo com intensidade entre 6 a 8 anos de idade, e esse desenvolvimento continua até o final da adolescência e início da vida adulta (MALLOY-DINIZ et al., 2014). Os modelos teóricos mais atuais de FE defendem que há três componentes principais, os quais serão abordados a seguir: controle inibitório, flexibilidade cogniti-

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va e memória de trabalho (RAMOS; SEGUNDO, 2018).

CONTROLE INIBITÓRIO

O controle inibitório pode ser conceitualizado em três processos inter-relacionados: o primeiro refere-se à capacidade de impedir uma resposta preponderante (automática) inicial para um evento; o segundo diz respeito à inibição de uma resposta contínua ou modelada, possibilitando um atraso na decisão de responder ou continuar a responder e o último processo refere-se à proteção a respostas automáticas de possíveis eventos perturbadores (TREVISAN, 2010). Consiste na capacidade de inibir respostas prepotentes para as quais o indivíduo apresenta uma forte tendência ou reações a estímulos distratores que interrompam o curso eficaz de uma ação, bem como interromper respostas que estejam em curso (MALLOY-DINIZ et al., 2014).

A habilidade de inibir uma ação para iniciar outra mais condizente às demandas internas e externas é fundamental para o processo de adaptação comportamental e envolve vários aspectos dos processos atencionais, dentre eles, o processo inibitório (LEMES; ROSSINI, 2014). As habilidades de atenção seletiva e controle inibitório, assim como outros processos relacionados às FE desenvolvem-se ao longo da infância e, em alguns casos, até o final da adolescência. A capacidade de controlar os pensamentos e ações das crianças aumenta durante seu desenvolvimento e essa mudança tem sido associada ao desenvolvimento das FE (MILLER; COHEN, 2001).

De acordo com Lemes e Rossini (2014), há diferenças significativas na velocidade de processamento entre crianças de seis a oito anos de idade. Em uma análise da frequência de erros cometidos, em função do fator idade, também sugere que mudanças cognitivas importantes ocorrem nesta fase da vida. Ainda, apontam que a tarefa go/no go delineada foi capaz de evidenciar aspectos distintos do desenvolvimento atencional (atenção/ desatenção e capacidade inibitório/impulsividade), ao longo de uma faixa

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Processamento das Funções Executivas em crianças no período de Alfabetização:

etária restrita do desenvolvimento (6 a 8 anos de idade). E dificuldades associadas ao controle inibitório são geralmente associadas à impulsividade (MALLOY-DINIZ et al., 2014).

MEMÓRIA DE TRABALHO E FLEXIBILIDADE COGNITIVA

A memória de trabalho, também nomeada como memória operacional, é responsável pela retenção temporária de informações, permitindo seu monitoramento e manejo desses dados, que também são disponibilizadas para outros processos cognitivos. Além disso, sua atuação envolve o controle atencional e inibir a interferência de distratores e outras informações irrelevantes, mantendo o foco e coordenando as atividades necessárias simultaneamente (MALLOY-DINIZ et al., 2010). De acordo com Fuentes et al. (2014), no modelo de Baddeley & Hitch (1994) apud Salles, Haase e Malloy-Diniz (2016):

A memória de trabalho era considerada um sistema composto por três componentes: o executivo central, que atuaria como controlador atencional e regulador dos processos cognitivos e dois subsistemas auxiliares, especializados no processamento e na manipulação de quantidades limitadas de informações específicas – a alça fonológica e o esboço visuoespacial.

Em 2000, o modelo de Baddeley foi ampliado, adicionando o que foi chamado de retentor episódico, responsável por integrar as informações que ficam temporariamente mantidas na memória de trabalho juntamente àquelas oriundas da memória de longo prazo (BADDELEY & HITCH, 1994 apud SALLES; HAASE; MALLOY-DINIZ, 2016).

A flexibilidade cognitiva é uma habilidade das FE relacionada a um controle cognitivo capaz de alterar ações e pensamentos de acordo com o meio para alcançar um objetivo. Seu funcionamento ocorre quando se

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faz necessário alterar uma estratégia frente a novas demandas e prioridades, alterando o foco atencional, criando hipóteses e diferentes significados para a situação, seja essa básica ou complexa (FUENTES et al., 2014; MALLOY-DINIZ et al., 2010; LEÓN et al., 2013).

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Processamento das Funções Executivas em crianças no período de Alfabetização:

Prejuízos nas Funções Executivas e Aprendizagem

Conforme já mencionado, as FE exercem funções em diversas áreas da vida do indivíduo, potencializando de forma geral a execução de cada mínima atividade, sendo assim, a dificuldade no planejamento da execução das tarefas é uma das principais características de uma criança que apresenta desenvolvimento atípico. Por este motivo é essencial que ao pensar no processo de execução de uma tarefa, todas as funções sejam consideradas de forma integrada.

Inicialmente, as FE são encarregadas de filtrar os estímulos recebidos pela criança em desenvolvimento, favorecendo a aprendizagem. De acordo com Papalia e Feldman (2013) crianças em idade escolar podem concentrar-se por mais tempo do que crianças mais novas e podem focalizar-se na informação que necessitam e desejam enquanto filtram informações irrelevantes. Sendo assim, o desempenho acadêmico do aluno necessitará do bom processamento das FE, considerando o ambiente escolar com inúmeros estímulos que são recepcionados por cada aluno em diferentes intensidades.

Ademais, Papalia e Feldman (2013) afirmam que no decorrer dos anos escolares, as crianças têm progresso nas capacidades de regular e manter a atenção, processar e reter informação, planejar e monitorar seus comportamentos. Portanto, além da fácil dispersão, outro comportamento disfuncional consequência do prejuízo nas FE, é a impulsividade, a qual resulta em comportamentos como: interromper os outros, responder antes de processar as informações adequadamente, utilizar mais de sua memória global e lexical para leitura do que fonológica, leitura corrente sem realizar

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as pausas conforme pontuação já conhecida, dentre outras, como se agisse “sem pensar”. A dificuldade na flexibilização é identificada por meio da inadaptabilidade, tanto no cotidiano, quanto na generalização das aprendizagens, não conseguindo transferir conceitos e habilidades para diferentes situações com facilidade.

No processo de alfabetização, a flexibilidade cognitiva faz parte do processo da compreensão oral ou textual, no levantamento de hipóteses, coordenação de sequência de informações e pontos de vista, além de considerar mais que um significado possível para uma palavra, expressão ou frase (ROZA; KRAUSPENHAR; ENETÉRIO, 2018). O processamento não adequado desta função executiva, nesta fase, pode acarretar leitura ou fala desconexa, bem como compreensão de leitura de frase (ou apenas palavras), mas não dá moral da história, decodificação e compreensão leitora. Além disso, os significados dados podem ser limitados, sem perspectiva de produzir mais de uma interpretação.

Frente ao baixo desempenho da memória de trabalho, é possível que o aluno apresente dificuldades em armazenar informações recentes enquanto executa uma tarefa. Alguns comportamentos comuns são: não conseguir executar com eficiência um comando; esquecer-se de dados iniciais para a resolução de problemas ou interpretações textuais, por exemplo, em um ditado, quando a professora termina de verbalizar a palavra e o aluno já não recorda da palavra ou de se forma a primeira sílaba. Ou seja, no início do processo de aprendizagem de leitura, ao chegar no final da palavra, esquece das sílabas iniciais. O QUADRO 1 associa as habilidades das FE fundamentadas, neste estudo, que são estimuladas em conjunto com as habilidades acadêmicas de leitura, escrita e aritmética do primeiro ao terceiro ano, de acordo com a BNCC (BRASIL, 2018), nas áreas de leitura, escrita e aritmética, associando diretamente as habilidades de controle inibitório, memória de trabalho e flexibilidade cognitiva.

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Processamento das Funções Executivas em crianças no período de Alfabetização:

QUADRO

1 - Uso das funções executivas na aprendizagem acadêmica

ÁREA DO CONHECIMENTO

HABILIDADES ACADÊMICAS DE PRIMEIRO AO TERCEIRO ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL DE ACORDO COM A BNCC

LEITURA Decodificação de símbolos; Associação de grafema/fonema;

Relação de sons de fonemas, sílabas e partes de palavras com a escrita;

Leitura de diferentes tipos de textos;

Leitura em diferentes ferramentas e plataformas de texto;

Compreender as diferentes funções dos diferentes tipos de textos;

Localizar informações explícitas em textos;

Uso das informações de pesquisas; Interpretação e compreensão dos textos;

Conhecer, relacionar e diferenciar os tipos de letras.

ESCRITA Codificação dos símbolos; Compreender e utilizar adequadamente o sistema de escrita: direita para esquerda, cima para baixo, palavras separadas por espaços, parágrafos;

Uso de grafia correta e sinais de pontuação compreendendo as funções conforme domínio da faixa etária;

Planejar e elaborar, individualmente e coletivamente, diferentes tipos de textos;

Reproduzir individualmente e coletivamente, diferentes tipos de textos;

Realizar cópias;

Escrever utilizando os diferentes tipos de letra;

Utilizar os textos de acordo com suas funções sociais;

Realizar produções textuais com narrativas e personagens, alternando adequadamente;

Reler e realizar correções em seus textos e de outras pessoas;

Editar e criar novas versões de finais para histórias;

Utilizar diferentes plataformas para produção textual;

Criar novas palavras a partir de retiradas e substituições de sílabas;

Escrever palavras com correspondências adequadas de fonemas, entonação e concordâncias.

ARITMÉTICA

Quantificação em diferentes ordens e situações;

Leitura, escrita e comparação de números naturais (0 a 99999) no seu cotidiano;

Quantificação de elementos,

CONTROLE INIBITÓRIO

Respeitar pontuações; Em leitura coletiva, respeitar o ritmo coletivo e sua vez.

FUNÇÕES EXECUTIVAS

MEMÓRIA DE TRABALHO FLEXIBILIDADE COGNITIVA

Memorização de informações referente aos textos para compreensão e interpretação deles;

Memorização das sílabas ou palavras já lidas, para continuidade da leitura; Uso de informações já conhecidas para leitura global.

Flexibilizar a organização textual e aplicabilidade de acordo com o tipo de texto ao qual está sendo exposto;

Flexibilizar o uso da habilidade de leitura de acordo com a plataforma disponível;

Flexibilizar os diferentes fonemas de um mesmo grafema;

A mesma informação pode ser expressa de diversas formas (gráfica ou variados tipos de textos);

Mais de um significado para uma mesma palavra;

Diferentes representações de um grafema.

Respeitar o sistema de escrita já dominados pela etáriafaixa(final da linha, espaço entre linhas, parágrafos, lateralidade e sinais de pontuações).

Memorização temporária das informações: idealizadas para produções textuais para manter o maior número possível de informações na memória em atividades de cópia.

Flexibilizar o uso de um grafema para representar diferentes fonemas;

Uso de diferentes tipos de letras para representar o mesmo grafema e criação de novos finais para as histórias;

A partir da demanda, buscar diferentes hipóteses para produções textuais;

Buscar diferentes tipos de textos para atender a demanda;

Flexibilizar a modificação de palavras com trocas e retiradas de sílabas;

Flexibilizar para realizar concordâncias.

Ao quantificar, saber o momento de parar de contar.

Memorizar os comandos diante da situação, identificar o tipo de contagem que deve realizar, a qual

Adaptar a contagem de acordo com a situação, ordem e sequência proposta;

Compreender as diferentes situações em que se pode utilizar a

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ARITMÉTICA

Reler e realizar correções em seus textos e de outras pessoas; Editar e criar novas versões de finais para histórias;

Utilizar diferentes plataformas para produção textual;

Criar novas palavras a partir de retiradas e substituições de sílabas;

Escrever palavras com correspondências adequadas de fonemas, entonação e concordâncias.

Quantificação em diferentes ordens e situações;

Leitura, escrita e comparação de números naturais (0 a 99999) no seu cotidiano;

Quantificação de elementos, pareamento e agrupamentos;

Construção de fatos básicos de adição, subtração, multiplicação (até 10) e divisão (até 10, com resto igual ou diferente de zero);

Problemas envolvendo significados de dobro, metade, triplo e terça parte;

Problemas envolvendo as quatro operações básicas;

Composição e decomposição de números naturais;

Significados de metade, terça parte, quarta parte, quinta parte e décima parte;

Procedimentos de cálculos escritos mentais.

FONTE: As autoras (2020).

Ao quantificar, saber o momento de parar de contar.

Memorizar os comandos diante da situação, identificar o tipo de contagem que deve realizar, a qual categoria os elementos a serem agrupados fazem parte;

Memorização temporária dos dados do problema; das hipóteses testadas; do processo desenvolvido;

Memorização das hipóteses já testadas;

Memorização do significado e valor que os algarismos representam nas diferentes localizações.

Adaptar a contagem de acordo com a situação, ordem e sequência proposta;

Compreender as diferentes situações em que se pode utilizar a habilidade de quantificar; Busca por hipóteses de resolução a cada etapa; Para ir trocando as composições e decomposições até a correta;

Flexibilização da localização dos algarismos;

Utilização de diferentes possibilidades de representação numérica: arábica, romana.

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Instituto Inclusão Eficiente

Processamento das Funções Executivas em crianças no período de Alfabetização:

Conclusão

Nesta revisão, foi possível comparar a aquisição das habilidades acadêmicas das áreas do conhecimento de leitura, escrita e aritmética em alunos de 6 a 9 anos, com o desenvolvimento das FE composta pelas habilidades de controle inibitório, memória de trabalho e flexibilidade cognitiva, identificando possíveis comportamentos que podem ser apresentados em sala de aula. Além disso, conclui-se que os estudos sobre FE têm possibilitado novas concepções dos processos de aprendizagem, promovendo novas estratégias de intervenção no que se refere a aprendizagens escolares.

Assim, identificou-se a importância das FE, visto sua influência direta nas aprendizagens escolares. E o trabalho direcionado aos objetivos de aprendizagens com conteúdos didáticos como objeto, exercícios direcionados ao desenvolvimento das FE em sala de aula, de forma que essa intervenção tende a aprimorar e efetivar o processo de ensino aprendizagem dos alunos do primeiro ao terceiro ano do ensino fundamental.

Destaca-se que as aprendizagens de leitura, escrita e aritmética, dessa faixa etária, são bases fundamentais para as aprendizagens mais abstratas e complexas da terceira infância. Para realizar o trabalho em paralelo de aprendizagens acadêmicas e desenvolvimento das FE, sugere-se o uso de instrumentos validados, elaborados por profissionais especializados na temática: Programa de Intervenção em Autorregulação e FE (PIAFEX) (DIAS; SEABRA, 2013); Programa De Capacitação De Educadores Sobre Neuropsicologia da Aprendizagem com Ênfase em Funções Executivas e Atenção (CENA) (PUREZA; FONSECA, 2016) e Programa de estimulação neuropsicológica (PENCE) (CARDOSO; FONSECA, 2016).

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MAHONE, E. M; PILLION, J, P; HOFFMAN, J; HIEMENZ, J, R;

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Processamento das Funções Executivas em crianças no período de Alfabetização:

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SALLES, J, F; HAASE, V, G; MALLOY-DINIZ, L, F. (org.).

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TREVISAN, B, T. Atenção e controle inibitório em pré-escolares e correlação com desatenção e hiperatividade. São Paulo. 2010. 168 p. (Dissertação em Distúrbios do Desenvolvimento)

- Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2010.

Instituto Inclusão
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Eficiente

Equoterapia e funções executivas em crianças e adolescentes com transtorno do espectro autista e transtorno do déficit de atenção com hiperatividade

Cinthia Regina Seibt

Charlise Maria da Silva

Karine Lunkes

Renata de Sousa Zamo

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4.
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Introdução

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) caracteriza-se por déficits na comunicação e interação social, além de padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades. Esses sintomas estão presentes, precocemente, no período de desenvolvimento, e causam prejuízos no funcionamento social, profissional (no caso de adultos) ou em alguma outra área considerada importante na vida do indivíduo (APA, 2013).

Já o Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) está relacionado a características com padrões persistentes de desatenção e/ ou hiperatividade-impulsividade que interferem de forma no desenvolvimento ou comportamento do indivíduo. A desatenção aparece como manifestação comportamental no TDAH, relacionada a divagação em tarefas, dificuldade em manter o foco, falta de persistência e desorganização. A hiperatividade está relacionada à atividade motora excessiva. A impulsividade, por sua vez, corresponde a ações precipitadas em momentos sem premeditação e com potencial de dano à pessoa. O início dos sintomas é na infância e precisam estar presentes antes dos 12 anos de idade (APA, 2013).

O número de pessoas com diagnósticos de TEA e TDAH vem crescendo significativamente nos últimos anos, segundo o DSM-5 (KIELING; CORDIOLI, 2014). A prevalência de TDAH entre as crianças é de 5% e o TEA afeta cerca de 1% da população mundial (APA, 2013). Sendo assim, as terapias de reabilitação se destacam para minimizar prejuízos e melhorar a saúde geral desses indivíduos.

A reabilitação neuropsicológica pode ser definida como um conjunto de técnicas e estratégias terapêuticas aplicadas em casos de déficits cogniti-

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Equoterapia e funções executivas

vos associados aos TEA, TDAH ou lesões cerebrais, o que inclui a aplicação de estratégias compensatórias, treino cognitivo, visão holística, a participação de uma equipe multidisciplinar, além de avaliações e reavaliações no intuito de mensurar a eficácia do processo de intervenção (ANDERSON; WINOCUR; PALMER, 2010).

As Funções Executivas (FE) envolvem a capacidade de organização e regulação do comportamento e todas as demais habilidades mentais utilizadas para responder às demandas ambientais (CARDOSO; FONSECA; SEABRA, 2017). Sendo assim, envolvem três componentes principais: flexibilidade cognitiva, inibição e memória de trabalho, das quais derivam habilidades mais complexas, como planejamento, raciocínio e resolução de problemas (DIAMOND, 2013). Desta forma, as FE possibilita tomada de decisões, planejamento e sequenciamento de ações. Em crianças, essas habilidades são necessárias para regular o comportamento em situações sociais ou acadêmicas, engajar-se em trabalhos em grupo, controlar comportamentos impulsivos e seguir as instruções dos pais ou professores.

De acordo com Cardoso et al., (2016) o desenvolvimento das FE ocorre gradativamente, nem todas se desenvolvem ao mesmo tempo, com início precoce, na primeira infância e consideradas maduras somente na adolescência. Sendo assim, destaca-se a importância do funcionamento executivo para as diferentes áreas da vida dos sujeitos e a equoterapia aparece como um possível método de intervenção neuropsicológica para o desenvolvimento dessas habilidades.

A equoterapia no Brasil foi oficializada, em 1989, com a fundação da Associação Nacional de Equoterapia (ANDE-BRASIL), a qual é registrada como serviço de educação; de caráter desportivo, recreativo, social e cultural, sem finalidade lucrativa; caráter filantrópico, comunitário e beneficente. Assim, o termo “equoterapia” foi criado e registrado sob uma abordagem interdisciplinar para abranger as práticas que fazem uso do cavalo

Instituto Inclusão Eficiente 80

Equoterapia e funções executivas

com técnicas de equitação e atividades equestres para a reabilitação e a educação de pessoas com deficiência ou com necessidades especiais buscando seu desenvolvimento biopsicossocial (ANDE-BRASIL, 2020).

Além da ANDE-Brasil, destaca-se o trabalho da Associação Brasileira de Reabilitação Equestre (ABRE), que contribui para a consolidação das bases e fundamentos das terapias e atividades assistidas com equinos. De acordo com a ABRE (2020), países como Alemanha, EUA, Itália, Suíça, Inglaterra, Japão e Canadá serviram de inspiração no que se refere à formação e pesquisa. Sendo assim, a ABRE utiliza o termo Atividades e Terapias Assistidas com Equinos - ATAE (Equine Assisted Activities and Therapy - EAA/T), que engloba as atividades e terapias que fazem uso do cavalo, é reconhecido, utilizado mundialmente e contempla maior gama de possibilidades de atuação como o método do Equine Assisted Growth and Learning Association (EAGALA). Comparativamente, o método EAGALA é realizado sem montaria e a equoterapia pode ser com e sem a montaria no cavalo (EAGALA, 2015 apud MOTA, 2020).

Nessa perspectiva, o presente estudo teve como objetivo explorar, por meio de um compilado teórico, a aplicação da equoterapia na reabilitação neuropsicológica das FE, em crianças com TEA e com TDAH. Para tanto, são apresentados os principais achados de pesquisas sobre equoterapia e neuropsicologia desses transtornos. A literatura aponta que intervenções de reabilitação neuropsicológica são importantes para diversos transtornos mentais como TEA e TDAH.

A presente investigação trata-se de uma revisão integrativa de estudos publicados sobre equoterapia, FE de crianças TEA e TDAH. As buscas foram realizadas com a ferramenta BVS Psi e nos periódicos CAPES com as seguintes palavras-chave: equoterapia e TEA; equoterapia e TDAH; funções executivas e TEA; funções executivas e TDAH; Equine assisted therapy “and” ASD; Equine assisted therapy “and” ADHD; executive functions “and” ASD;

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executive functions “and” ADHD; terapia mediada por cavalo; reabilitação equestre; educação mediada pelo cavalo; aprendizagem mediada pelo cavalo. Além disso, foram realizadas buscas manuais em livros, trabalhos de conclusão de curso, anais de eventos, nos idiomas português, espanhol e inglês. Foram incluídos artigos teóricos, de revisão e empíricos publicados em português, espanhol e inglês; artigos com tema equoterapia, FE, TEA e TDAH; amostra de crianças e adolescentes.

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Instituto Inclusão Eficiente

Equoterapia e a reabilitação neuropsicológica

Os estudos em equoterapia envolvem atenção, memória e linguagem, sendo as FE estimuladas não somente pelo movimento do cavalo, mas pelo seu manejo diário, contato e linguagem não verbal apresentadas na relação com o animal. Além disso, no que tange às questões psicológicas evidenciaram redução dos problemas de ansiedade e melhora do relacionamento social (ZAMO; TRENTINI, 2016). Sobre estes aspectos, Santos e Zamo (2017) também apontam benefícios, em crianças e adolescentes, destacando o aprimoramento nas habilidades sociais, processamento sensorial, habilidades comportamentais, cognição e humor.

Martin et al. (2017) exploraram quatro áreas: conectividade, movimento, adaptação e sucesso na execução de tarefas em casa e no contexto equestre em crianças e adolescentes (5 a 18 anos) com paralisia cerebral, TEA, epilepsia e com outros transtornos físicos metabólicos. Estas tarefas se relacionam diretamente com as FE, visto que, propõe atividades pelas quais a criança pode alcançar ganho no senso de maestria, com importante papel para o aprendizado em ser bem sucedido. Pode-se considerar que este senso de realização seja desenvolvido pela capacidade de monitoramento, de avaliação e criação de novas estratégias desempenhadas pelas FE. Essas são subjacentes ao processo de alcançar sucesso em algo, pois envolvem a capacidade de planejar e executar. Ainda de acordo com o estudo acima citado, os cuidadores das crianças relataram que na equoterapia, as mesmas tiveram oportunidade de experienciar o sucesso em realizar as tarefas, serem auto determinadas, aptas a guiar a tarefa e tomarem decisões.

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Equoterapia e funções executivas

Em estudo comparativo, de crianças e adolescentes (9 a 15 anos) entre um grupo de 11 sujeitos com TEA e 19 do grupo controle, Czermainski et al., 2014 apontam que são evidentes os prejuízos das FE, com destaque nas habilidades de planejamento, flexibilidade cognitiva, inibição, além do componente visuoespacial da memória de trabalho. Por outro lado, Czermainski, Bosa e Salles (2013) apontam, em estudo de revisão sistemática, a existência de componentes executivos preservados em alguns casos de TEA, indicando evolução desenvolvimental típica e atípica das FE.

Sônego et al. (2018), em estudo qualitativo, com 16 famílias, descreveram que são visíveis os ganhos no controle de impulsos, agitação psicomotora, organização e concentração nas atividades de vida diária associados à equoterapia. Malcolm, Ecks e Pickersgill (2018) entrevistaram e analisaram o discurso de 9 profissionais de um centro de equoterapia e apontam que os cavalos possibilitam, por meio da experiência sensorial, dos movimentos, ritmos específicos e da “personalidade”, aberturas para interações antes não observadas nos praticantes com TEA. Atribui-se à intervenção com esses animais o surgimento de comportamentos sociais, como contato visual e fala dirigida, inicialmente, aos animais e, posteriormente, à equipe. No mesmo sentido, Anderson e Meints (2016) apontam entre os 15 praticantes com TEA avaliados (5 a 16 anos), melhora na empatia e diminuição de comportamentos externalizantes, aumento de controle inibitório na auto e hetero agressão. Tais achados indicam melhora no funcionamento social e redução dos traços de TEA desadaptativos como resultados da equoterapia.

Gabriels et al., (2015) investigaram os efeitos da equoterapia em 116 crianças e adolescentes com TEA, de 6 a 16 anos, e compararam grupo intervenção com grupo controle. Os resultados demonstraram diminuição dos sinais de irritabilidade e hiperatividade, melhora da cognição e comunicação social por meio do Social Responsiveness Scale (SRS) e aumento de vocabulário após 10 sessões de equoterapia. Harris e Williams (2017),

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Equoterapia

e funções executivas

também em estudo comparativo (10 TEA e 14 controles) avaliaram os efeitos da intervenção em equoterapia. Foi constatada redução na intensidade dos sintomas de agitação psicomotora, o que sugere maior controle de impulsos após a equoterapia e os resultados indicam melhora em aspectos do funcionamento social de crianças com TEA bastante comprometidas.

Da mesma forma, Borgi et al., (2015) avaliaram 27 crianças (6 a 12 anos) com TEA, divididas em dois grupos, um intervenção (n=14) e um controle (n=13). Após 25 sessões foi verificada melhora no funcionamento social e habilidades motoras, por meio da aplicação da escala Vineland Adaptive Behavior Scale (VABS). No funcionamento executivo, houve mudança positiva no tempo de planejamento da tarefa Torre de Londres, sendo assim, o grupo que frequentou a equoterapia apresentou menor impulsividade.

Além dos benefícios evidenciados em pessoas com TEA, a literatura aponta efeitos da equoterapia em indivíduos com TDAH. Escobar (2008) descreve que crianças com comportamento hiperativo apresentaram desempenho superior em escrita, aritmética e leitura no Teste de Desempenho Escolar, além de melhora em atenção concentrada de acordo com o teste de atenção concentrada D2 (menor oscilação de ritmo de trabalho e melhora da constância do rendimento), após intervenção de três meses, com duas sessões semanais, apesar do estudo ter sido realizado somente com três indivíduos. Tais resultados corroboram com a investigação de Gonçalves et al., (2017), na qual evidenciaram que fatores subjacentes a essas habilidades como as FE podem exercer papel fundamental na aquisição de linguagem escrita e aritmética. Escobar (2008) também descreve que a equoterapia proporcionou redução dos sintomas de TDAH, melhora no comportamento antissocial, diminuição de hiperatividade, impulsividade e problemas de aprendizagem.

O déficit inibitório pode ser uma das causas das dificuldades atencio85

nais e executivas de crianças com TDAH, as quais podem influenciar negativamente em situações novas que exigem as habilidades para tomada de decisão. Deste modo, a intervenção com a mediação do cavalo poderia auxiliar no desenvolvimento dessas habilidades ao ativar áreas corticais de controle inibitório e de modelagem de comportamentos a partir das informações oriundas do cavalo e do terapeuta (Gonçalves et al., 2013).

Tal relação entre controle inibitório e tomada de decisão em pacientes com TDAH submetidos à equoterapia foi investigada por Oh et al. (2018) que compararam o efeito da farmacoterapia (n=15) e da intervenção com equoterapia (n=17) e ambos os grupos apresentaram melhora dos sintomas, especialmente, em problemas de pensamento de acordo com o Child Behavior Checklist (CBCL). E, no follow-up, o grupo equoterapia demonstrou diferença estatisticamente significativa quando comparado à farmacoterapia.

Mota (2020) ao avaliar crianças do 3º ano do ensino fundamental para verificar a eficácia do Programa de Atendimento Equoterápico de Distúrbios de Aprendizagem (PAEDA) evidenciou melhora significativa na consciência fonológica, em prova de ditado e em atenção concentrada no teste de cancelamento. Por outro lado, não observou diferença estatisticamente significativa em aritmética após as intervenções. Ainda, a autora cita outros programas com equoterapia, como o EAGALA utilizado nos Estados Unidos da América, e dividido em dois, a Psicoterapia assistida com Equinos (PAE) que introduz o animal na terapia a fim de proporcionar resultados terapêuticos, de aprendizagem e de crescimento emocional e a Aprendizagem assistida com Equinos (AAE), com foco na aprendizagem.

Na investigação de Gilboa e Helmer (2020) com crianças e adolescentes de 6 a 14 anos (n= 25) com TDAH, foi verificada a eficácia do programa de intervenção de equoterapia delineado para o desenvolvimento de funções executivas. Os principais resultados são inspiradores no que tange às

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funções executivas, pois utiliza um inventário como a Behavior Rating Inventory of Executive Function (BRIEF) e aponta melhora nos sintomas, exceto, controle emocional, ao ponto dos participantes saírem da classificação de disfunção executiva após 12 sessões de equoterapia.

Capelatto et al., (2014), observaram em crianças com TDAH piores resultados em atenção, FE, crenças referentes a erros, sentimento de culpa e autoestima. Menezes et al., (2015) igualmente indicou ganhos da intervenção neuropsicológica em medidas de atenção/inibição e memória de trabalho auditiva. Porém, os achados não foram conclusivos referentes às habilidades de flexibilidade cognitiva, avaliadas no estudo pelo Program for Self-regulation and Executive Functions (PIAFEx) em crianças e adolescentes com TDAH.

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Equoterapia e funções executivas

Considerações Finais

A reabilitação neuropsicológica pode ser mediada por cavalos com objetivo de potencializar a estimulação das FE em TEA e em TDAH. A explicação desse efeito terapêutico pode ser atribuída aos estímulos diferenciados, os quais proporcionam experiências sensoriais diversificadas ao gerar novos inputs aferentes ao córtex cerebral. Sendo assim, altera o sistema cortical preparando-o para respostas adequadas perante demandas do ambiente.

Podemos citar como limitação, desta área de estudo, e consequentemente da presente revisão, o número escasso de estudos que avaliaram as FE em TEA e TDAH após intervenção equoterapêutica. Além disso, a maioria das investigações analisadas utilizaram o método observacional e com raros instrumentos de maior confiabilidade e validade científica. Deste modo, há necessidade de pesquisas em equoterapia, com protocolos específicos de intervenção e avaliação para mensurar qualitativamente os efeitos sobre as FE em TEA e TDAH possibilitando extrapolar os resultados.

Ademais, identificou-se maior número de estudos de equoterapia em TEA comparado aos com TDAH. E destaca-se o desenvolvimento do instrumento brasileiro para rastreio de funções neuropsicológicas (orientação, linguagem, memória, atenção, FE e praxias) em equoterapia e a Bateria Infantil de Avaliação Neuropsicológica para atividades Equestres (BIANEQ) de Zamo e Trentini (2016), os quais podem ser utilizados pelas equipes multiprofissionais para a execução de atividades direcionadas às necessidades específicas do praticante.

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O uso de jogos para a estimulação e avaliação neuropsicológica de funções executivas em préescolares

Josieli Piovesan

Sabrina Koch

Vanessa Balen Felin

Hosana Alves Gonçalves

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O uso de jogos para a estimulação e avaliação neuropsicológica de funções executivas em pré-escolares

Introdução

No desenvolvimento infantil, desde muito cedo são demandadas ações a fim de controlar comportamentos, pensamentos e emoções, sendo dependentes de habilidades como planejamento, organização, memorização e inibição de comportamentos inadequados. Estas são imprescindíveis para que as crianças possam ter um desenvolvimento cognitivo, físico e emocional pleno, também estabelecem um papel importante no desenvolvimento da aprendizagem e das relações sociais. Essas habilidades cognitivas são denominadas na neuropsicologia como Funções Executivas (FE) (DIAS; MALLOY-DINIZ, 2020) .

O período pré-escolar, compreendido entre os três e os seis anos de idade, constitui-se em um período sensível ao amadurecimento de muitas funções cognitivas, dentre elas as FE (MUSZKAT; RIZZUTTI, 2018). O desenvolvimento das FE, embora não tenha uma trajetória linear, se inicia na infância e atinge maturidade funcional na vida adulta, resultado da mielinização do córtex pré-frontal (UEHARA et al., 2016).

Na infância, o desenvolvimento dessas habilidades é fundamental para o processo da aprendizagem acadêmica e de competências sociais, uma vez que a falta de estimulação dessas funções tende a gerar prejuízos no desenvolvimento geral do indivíduo, podendo resultar em dificuldades na realização de tarefas diárias, assim como comprometimento no processo de aprendizagem e controle executivo, prejudicando habilidades sociais e inteligência (CARREIRO et al., 2016; DENHAM et al., 2012; MUSZKAT; RIZZUTTI, 2018; UEHARA et al., 2016; DIAS; MALLOY-DINIZ, 2020) .

A capacidade de lidar com diferentes estímulos, internalizá-los, seguir regras, recordar e prestar atenção às informações enquanto realizam outras atividades são basilares para aprendizagem escolar (BLAIR; RAVER,

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2015; GARON; MOORE, 2007). Ademais, estudos têm indicado que a estimulação de habilidades executivas, em pré-escolares, associa-se positivamente ao sucesso em fases posteriores da vida (HAHN et al., 2016). Em contraponto, alterações de FE na infância associam-se à presença de déficits comportamentais, sociais e escolares (DIAS et al., 2018; DIAS; MALLOY-DINIZ, 2020).

Um dos modelos sobre FE evidenciados na literatura é o de Adele Diamond (2013), que propõe que os elementos centrais ou nucleares que constituem a base das FE são: a) memória de trabalho; b) controle inibitório e; c) flexibilidade cognitiva. O desenvolvimento adequado destes componentes executivos irá permitir a emergência de funções complexas (ou superiores) como inteligência fluida, raciocínio, planejamento e resolução de problemas (CARDOSO et al., 2016; DIAS; MALLOY-DINIZ, 2020).

Analisando os elementos principais, a memória de trabalho, tem como função reter e manipular de forma temporária informações. O controle inibitório caracteriza-se como a habilidade de inibir expressões comportamentais de diferentes processos ou resistir a impulsos, também está relacionado com o controle de interferências de pensamentos, memórias ou outros distratores. Ainda, a habilidade inibitória pode ser considerada parte integrante da capacidade de autorregulação, pois controla e regula os níveis de funcionamento emocional, motivacional e cognitivo. Por fim, o componente de flexibilidade cognitiva é considerado a habilidade de mudar concepções, ideias, propor alternativas, elencar prioridades e adaptar-se às mudanças do ambiente; tal flexibilidade possibilita aos sujeitos lidar com essas mudanças de forma mais adaptativa e saudável (CARDOSO et al., 2016; FONSECA et al., 2013).

Os diferentes processos cognitivos envolvidos nas habilidades executivas não se consolidam de forma homogênea. Garon, Bryson e Smith (2008) citados por Uehara e colaboradores (2016) sugerem que a memó-

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O uso de jogos para a estimulação e avaliação neuropsicológica de funções executivas em pré-escolares

ria de trabalho se estabelece primeiro, em seguida o controle inibitório e a associação desses dois componentes possibilitaria o desenvolvimento da flexibilidade cognitiva. Na primeira e segunda infância, ocorre rápida maturação neuronal, especialmente pela mielinização do córtex pré-frontal. No primeiro ano de vida dos bebês já se observam formas rudimentares de habilidades executivas, com os primeiros sinais de desenvolvimento de memória de trabalho e controle inibitório entre os 6 e 8 meses. Estas habilidades são basilares para o desenvolvimento das demais FE. (MUSZKAT; RIZZUTTI, 2018; UEHARA et al., 2016).

Segundo Rothbartm et al. (2011) apud Muszkat e Rizzutti (2018) a capacidade para inibir respostas motoras é observada em crianças de dois anos, habilidade que se tornará mais estável por volta dos cinco anos. Hongwanishkul et al. (2005) referenciados por Uehara e colaboradores (2016) assinalam que por volta dos três e quatro anos são notados importantes avanços no controle inibitório, na memória de trabalho, na capacidade de postergar a gratificação e na atenção sustentada. Em consonância, para Muskat e Rizzutti (2018), as habilidades de inibição, alternância, abstração e flexibilidade cognitiva se desenvolvem de forma rápida e estável entre os três e sete anos de idade. O desenvolvimento destas potencialidades se assenta na integridade do sistema neurológico ou do aparato neurológico e na oferta de experiências de aprendizagens mediatizadas (BLAIR; RAVER, 2015; GARON; MOORE, 2007; MUSKAT; RIZZUTTI, 2018; UEHARA et al., 2016).

Ao considerar a importância da estimulação e da avaliação das FE, como essenciais ao desenvolvimento infantil, buscou-se neste estudo realizar o levantamento dos jogos utilizados em ambiente doméstico, clínico e escolar, que possam ser úteis para a avaliação e estimulação dos três principais componentes de FE. No que se refere aos processos de avaliação neuropsicológica, o uso de jogos, enquanto tarefas ecológicas, tem grande importância no atendimento de pré-escolares, devido à escassez de ferramentas padronizadas para avaliação desta faixa etária.

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Zimmermann e colaboradores (2014) discutem em uma revisão não sistemática, que tarefas ecológicas são métodos abrangentes, que simulam situações diárias de demanda cognitiva. As autoras concluem que instrumentos formais de avaliação podem não ser capazes de avaliar adequadamente a FE, enquanto tarefas ecológicas podem ser. Ainda, discutem sobre escassas pesquisas realizadas, nesta área, e que podem ser consideradas um foco para inovação tecnológica na prática neuropsicológica.

Alterações no desenvolvimento neurológico ocorrem em, aproximadamente, 5% a 15% das crianças pré-escolares. A identificação precoce do perfil neuropsicológico e das dificuldades da criança possibilita que intervenções sejam ofertadas, reduzindo os impactos ao longo da vida (MUSZKAT; RIZZUTTI, 2018). Apesar da importância em reconhecer possíveis déficits, ainda em idade precoce, há carência de testes que contemplem pré-escolares. Reppold e colaboradores (2017) ao analisarem os instrumentos, aprovados pelo Conselho Federal de Psicologia, destinados à crianças e adolescentes, verificaram que a maior escassez está em testes que avaliam crianças de zero a cinco anos de idade. De tal maneira brinquedos e jogos se constituem como excelentes ferramentas para avaliação, devido ao uso cotidiano das crianças e pela insuficiência de tarefas padronizadas para este público.

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O uso de jogos para a estimulação e avaliação neuropsicológica de funções executivas em pré-escolares

Nesta investigação, optou-se pela escolha de jogos utilizados por crianças pré-escolares que possam avaliar FE, a partir da padronização por faixa etária descrita nas instruções (manuais e caixas) dos próprios brinquedos e analisados somente os jogos em que memória de trabalho, controle inibitório e flexibilidade cognitiva fossem consideradas demandas primárias para àquela brincadeira. Cabe ressaltar que não foram elencados jogos eletrônicos, visto que os mesmos trazem demandas atencionais que podem ser primárias aos componentes executivos.

Os jogos foram selecionados a partir dos materiais utilizados pelas autoras em suas práticas clínicas em neuropsicologia, além de serem jogos conhecidos popularmente. Foram considerados jogos que estivessem nas seguintes classificações: a) a partir de 3 anos; b) a partir de 4 anos; c) a partir de 5 anos e; d) entre 3-6 anos.

A partir deste levantamento, três juízes independentes (três neuropsicólogas), em julgamento duplo-cego, avaliaram 18 jogos em relação ao que cada jogo avalia no que se refere aos componentes básicos das FE (controle inibitório, flexibilidade cognitiva e memória de trabalho). Após as análises iniciais, as avaliadoras reuniram-se para realizar o processo final de concordância; aqueles casos nos quais não houve concordância entre os três juízes foram analisados por um quarto juiz especialista (neuropsicóloga).

Seleção dos jogos, análise de juízes e concordâncias entre os avaliadores quanto às funções avaliadas nos jogos
99

Analisaram-se as frequências de concordâncias quanto à classificação dos componentes básicos e centrais das FE em cada jogo. Para tanto, foram aplicados como critério de decisão sobre a aceitação e pertinência do componente executivo em cada jogo, o nível de concordância de 80%, sugerido por Pasquali (2010). Os domínios que não tiveram consenso suficiente entre os quatro juízes, foram excluídos da análise de concordância e podem ser utilizados qualitativamente como uma função secundária a ser avaliada/observada no jogo. O percentual de concordância entre os juízes apontou um índice adequado de validade de conteúdo para avaliação de FE com jogos, conforme resultados apresentados abaixo:

Tabela 1 - Análise de juízes e concordância dos componentes executivos nos jogos JOGO (FAIXA ETÁRIA) OPERACIONALIZAÇÃO DO JOGO

Torre em Colapso/ Jenga® (+ 3 anos)

Dois ou mais jogadores precisam retirar blocos de madeira de uma pilha que formam uma torre, regulando os próprios movimentos para evitar que ela desmorone.

Memória® (+ 3 anos)Dois ou mais jogadores precisam encontrar imagens iguais e formar pares.

Torre de Londres® (+ 3 anos)

O jogo envolve a transposição de três esferas de cores diferentes (vermelha, azul e verde), a partir de uma posição fixa e o jogador deverá atingir a posição alvo (problema) dada, no menor número de ações ou movimento

Tangram® (+ 3 anos)Consiste na formação de figuras por meio de 7 peças de madeira.

Dominó® (+ 4 anos)Dois ou mais jogadores precisam colocar suas peças junto àquelas que tiverem a mesma quantidade de pontos desenhados.

Pula Macaco® (+ 4 anos)

Cada jogador deverá arremessar seu macaco até a árvore, a fim de conquistar bananas.

Resta 1® (+ 5 anos)O jogo consiste em movimentar peças por cima das outras até restar apenas 1 no tabuleiro.

COMPONENTES CONCORDÂNCIAS ENTRE JUÍZAS (*100%)

Controle Inibitório Flexibilidade Cognitiva

Controle Inibitório Flexibilidade Cognitiva Memória de Trabalho

Flexibilidade Cognitiva

Flexibilidade Cognitiva

Flexibilidade Cognitiva

Controle Inibitório Flexibilidade Cognitiva

Cognitiva Instituto Inclusão Eficiente 100
Flexibilidade

Pula Macaco® (+ 4 anos)

Cada jogador deverá arremessar seu macaco até a árvore, a fim de conquistar bananas.

Resta 1® (+ 5 anos)O jogo consiste em movimentar peças por cima das outras até restar apenas 1 no tabuleiro.

Pula Pirata® (+ 5 anos)Cada jogador deve espetar sua espada no barril com o intuito do pirata não pular.

Tapa Certo® (+ 5 anos)Os jogadores devem procurar as imagens sorteadas e tentar pegá-las com a “mãozinha” do jogo.

Cai não Cai® (+ 5 anos)Dois ou mais jogadores devem retirar varetas do cilindro tentando evitar que as bolinhas caiam.

Lince® (+ 5 anos) Os jogadores devem procurar três imagens no tabuleiro e colocar suas pecinhas para ganhar do adversário

Dobble® (+ 6 anos)Cada jogador deve identificar qual o símbolo em comum com a carta disposta na mesa.

Cara a Cara® (+ 6 anos)Cada jogador deverá fazer perguntas ao outro para tentar descobrir qual é a cara (figura) do adversário. As perguntas deverão ser sobre as características do personagem.

Eu sou?® (+ 6 anos)

Pega Varetas® (+ 6 anos)

Dama® (+ 6 anos)

Cada jogador deverá descobrir qual é a imagem da sua carta fazendo perguntas para os outros jogadores.

Um dos jogadores deve soltar as varetas para que se espalhem de uma só vez. Cada jogador deve tentar retirar uma vareta sem que as outras se movam.

Cada jogador (2 jogadores) deve movimentar suas peças na diagonal até chegar no território vizinho e formar damas. O jogo termina quando todas as peças de um jogador forem capturadas ou quando este não puder mais fazer nenhum lance válido.

Controle Inibitório

Flexibilidade Cognitiva

Flexibilidade Cognitiva

Flexibilidade Cognitiva

Controle Inibitório Memória de Trabalho

Controle Inibitório

Controle Inibitório Memória de Trabalho

Flexibilidade Cognitiva

Controle Inibitório Flexibilidade Cognitiva Memória de Trabalho

Controle Inibitório Flexibilidade Cognitiva Memória de Trabalho

Controle Inibitório Flexibilidade Cognitiva

Flexibilidade Cognitiva Memória de Trabalho

Trilha® (+ 6 anos)

Quebra-cabeças® (+ 6 anos)

Cada jogador (2 jogadores) coloca uma peça de cada vez alternando entre jogadores, caso um dos jogadores forme uma linha horizontal ou vertical com três peças, ele terá o direito de remover uma peça de seu adversário do tabuleiro.

O jogador deverá escolher e analisar as peças semelhantes com o desenho, forma ou cor, a fim de completar a figura proposta.

Nota: * Concordância de 100% entre as juízas

Fonte: Elaboração própria, 2020.

Flexibilidade Cognitiva Memória de Trabalho

Flexibilidade Cognitiva

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O uso de jogos para a estimulação e avaliação neuropsicológica de funções executivas em pré-escolares

A avaliação neuropsicológica com jogos

A partir dos 18 jogos analisados, foi possível evidenciar a presença de, no mínimo, um dos componentes de FE em cada um deles, conforme concordância de juízes apresentada na seção de resultados. Três jogos (Memória, Cara a Cara e Eu sou?) tiveram concordância de todas as juízas sobre o envolvimento dos três componentes executivos. Sete jogos com concordância de dois componentes, sendo três deles (Jenga/torre em colapso, Pula Macaco e Pega Varetas) em controle inibitório e flexibilidade cognitiva, dois (Tapa Certo e Lince) em controle inibitório e memória de trabalho e dois (Dama e Trilha) em flexibilidade cognitiva e memória de trabalho. Em oito jogos houve concordância total em um componente, sendo sete (Dominó, Torre de Londres, Tangram, Resta 1, Pula Pirata, Dobble e Quebra-cabeça) em flexibilidade cognitiva e um (Cai não Cai) quanto ao controle inibitório.

Devido ao alto nível de concordância (100%) apresentado nos resultados, pode se considerar que o uso de jogos como ferramentas no processo de avaliação neuropsicológica, é de extrema relevância. Uma das funções cognitivas mais recrutadas no desenvolvimento de habilidades nos jogos analisados, é o controle inibitório (demandado como função primária em 55,5% dos jogos analisados neste trabalho).

As habilidades de inibição relacionam-se à capacidade de controlar interferências cognitivas e inibir respostas comportamentais. A primeira se caracteriza pelo uso da atenção voluntária dirigida a uma meta, pela capacidade de inibir pensamentos e lembranças durante a realização de uma atividade e pela capacidade para suprimir estímulos distratores. A segunda alude a expressão comportamental e se relaciona a habilidade

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para deliberar sobre um comportamento e não reagir de forma impulsiva a ele, incluindo a persistência e a tolerância em postergar uma gratificação (ZIMMERMANN et al., 2016).

Ao considerar as habilidades básicas incluídas no componente de controle inibitório e a sua relação com as demandas presentes em jogos - como aguardar a sua vez, seguir regras, manter o foco atencional, inibir respostas automáticas - fica evidente que em todos eles, primária ou secundariamente, estão implicadas habilidades inibitórias. De tal forma, entende-se que num processo de estimulação e avaliação neuropsicológica, a capacidade de inibição poderá ser observada qualitativamente, como um componente secundário, em todos os jogos propostos neste estudo.

Todavia, no presente estudo, buscou-se analisar somente os jogos em que essas demandas fossem consideradas primárias. Sendo assim, dentre os 18 jogos analisados, houve concordância do envolvimento do controle inibitório em 10, são eles: Jenga/Torre de Colapso, Pula Macaco, Memória, Tapa Certo, Cai não Cai, Lince, Dobble, Cara a Cara, Eu sou? e Pega Varetas. No que se refere aos demais jogos analisados, destaca-se que, além dos 10 em que houve concordância de 100%, em um jogo (Pula Pirata) teve concordância de 66,6%.

Em relação ao segundo componente avaliado no estudo, flexibilidade cognitiva, a mesma caracteriza-se por uma habilidade de pensar a partir de diferentes perspectivas. Permite raciocinar de diferentes maneiras com vistas a resolver uma situação ou problema. Implica na capacidade de alterar o foco atencional, pensar em diferentes possibilidades dependendo da necessidade apresentada (CAPOVILLA; ASSEF; COZZA, 2007; ZIMMERMANN et al., 2016).

Ao ponderar acerca da flexibilidade cognitiva e a sua associação com os jogos analisados, na presente pesquisa, foi possível verificar que, do total, 15 jogos (Dominó, Jenga/Torre de Colapso, Pula Macaco, Torre de Lon-

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dres, Tangram, Memória, Resta 1, Pula Pirata, Dobble, Cara a Cara, Eu sou?, Pega Varetas, Dama, Trilha e Quebra-cabeças) estimulam/avaliam a flexibilidade cognitiva. A necessidade de pensar de forma criativa, alterar a perspectiva e o foco atencional, adaptar-se às novas demandas, são aspectos presentes na maior parte destes jogos.

Ao avaliar o último componente da tríade de FE centrais, a memória de trabalho (também conhecida como memória operacional), pode-se analisá-la como um componente bastante complexo, em função de acionarmos o uso de tal mecanismo em qualquer tarefa que exija o controle intencional de informações, para manipulá-las ou atualizá-las mentalmente. A memória de trabalho funciona como um sistema de gerenciamento, que busca operar de maneira efetiva (controle executivo) e sem a influência de distratores (controle atencional). Tal sistema é definido como a base da coerência do pensamento e habilidade essencial para a aprendizagem (BADDELEY; HITCH, 1974 apud MECCA; DIAS; ABREU, 2019; GAZZANIGA; HEATHERTON; HALPERN, 2018).

Deste modo, é possível avaliar o componente memória de trabalho como capacidade primária para resolução da tarefa em 07 dos jogos analisados: Memória, Tapa Certo, Cara a Cara, Eu Sou?, Dama, Trilha e Lince. Ainda, destaca-se que teve concordância de duas juízas (66,6%) nos jogos de Quebra-cabeças, Dominó e Torre de Londres, indicando que não há um consenso fidedigno no envolvimento da memória de trabalho nesses três jogos. É importante ressaltar que tal função cognitiva, pode ser analisada como basilar para a aprendizagem de todos os jogos, visto que a utilizamos para guardar as informações sobre regras do jogo, planejar a jogada e a estratégia a ser utilizada, manter em mente as estratégias já utilizadas para não as repetir caso não tenham sido efetivas, compreender/manter o diálogo com o avaliador e executar a tarefa.

Também foram observados outros processos cognitivos envolvidos ao

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utilizar jogos como tarefa ecológica de avaliação neuropsicológica, como atenção concentrada, atenção dividida, atenção sustentada, uso de estratégias, raciocínio lógico, memória e criatividade. De maneira que o estudo em questão buscou encontrar as funções executivas que podem ser avaliadas através de jogos. Além disso, algumas funções complexas (ou superiores) podem ser avaliadas qualitativamente nos jogos, como: Tomada de decisão em 12 jogos (Dominó, Jenga/Torre de Colapso, Pula Macaco, Torre de Londres, Resta 1, Pula Pirata, Pega Varetas, Dama, Trilha e Quebra-cabeças); e Resolução de Problemas em 13 jogos (Dominó, Jenga/Torre de Colapso, Torre de Londres, Tangram, Memória, Resta 1, Cai não Cai, Cara a Cara, Eu sou?, Pega Varetas, Dama, Trilha e Quebra-cabeças).

No processo de análise constatou-se que FE complexas (ou superiores) também estão implicadas em alguns jogos, podendo ser avaliadas de forma qualitativa. O componente de tomada de decisão pode ser observada em 12 jogos (Dominó, Jenga/Torre de Colapso, Pula Macaco, Torre de Londres, Resta 1, Pula Pirata, Pega Varetas, Dama, Trilha e Quebra-cabeças); a habilidade de Resolução de Problemas em 13 jogos (Dominó, Jenga/Torre de Colapso, Torre de Londres, Tangram, Memória, Resta 1, Cai não Cai, Cara a Cara, Eu sou?, Pega Varetas, Dama, Trilha e Quebra-cabeças). A capacidade de autorregulação foi evidenciada em 04 jogos (Jenga/Torre de Colapso, Pula Macaco, Pula Pirata e Cai não Cai) e; Planejamento em 08 jogos, sendo que este componente teve 100% de concordância entre as juízas (Jenga/Torre de Colapso, Torre de Londres, Tangram, Resta 1, Cara a Cara, Pega Varetas, Dama e Quebra-cabeças). Além destes componentes, salienta-se que, outros processos cognitivos (atenção concentrada, atenção dividida, atenção sustentada, uso de estratégias, raciocínio lógico, memória e criatividade, entre outros) são demandados durante os jogos.

Por fim, sugere-se que o clínico que não tenha à sua disposição os jogos apresentados no presente estudo, busque adaptar aqueles que têm disponíveis para torná-los aptos a avaliar e/ou estimular o processamento

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cognitivo e executivo. Além da utilização na clínica, tais adaptações podem ser sugeridas para os professores e para os pais das crianças juntamente com a explicação de quais domínios cognitivos podem ser estimulados com cada jogo e da importância disso para o desenvolvimento infantil. Conforme abordado acima, alguns dos jogos analisados não obtiveram os níveis de concordância necessários para que se pudesse defender o envolvimento dos componentes executivos em questão. O fato de algumas das juízas terem identificado algum componente executivo enquanto outras não, pode indicar que tal construto não esteja tão explicitamente envolvido no jogo. Assim, sugere-se que tais jogos sejam adaptados para, então, demandar FE durante sua realização.

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Considerações Finais

Os resultados obtidos indicam a pertinência da utilização de jogos para estimulação e avaliação das FE em pré-escolares. Dos 18 jogos analisados verificou-se a presença de, no mínimo, um domínio executivo em cada um deles. Apesar de os componentes de FE terem sido analisados separadamente, eles estão implicados em várias atividades e processos de modo integrado.

Embora as habilidades executivas ainda estejam em fase inicial de evolução nesta faixa etária, compreende-se que a estimulação e avaliação de FE são fundamentais, em especial por considerar o impacto que estas habilidades têm no desenvolvimento acadêmico, social e na saúde mental. Avaliar tais funções possibilita a identificação precoce de possíveis prejuízos e a proposição de medidas interventivas.

A avaliação neuropsicológica se assenta na utilização de diferentes recursos/ estratégias. Para a faixa etária de crianças pré-escolares os instrumentos padronizados são mais limitados, não havendo um grande escopo. Assim, o uso de jogos naturais ao ambiente das crianças se torna uma opção e podem ser incluídos como ferramentas avaliativas e serem utilizados nos contextos de tarefas ecológicas, que simulam situações do cotidiano do paciente. Nesta perspectiva, sugere-se a importância dos profissionais realizarem esse tipo de análise dos jogos antes de os oferecer aos pacientes, para que tal uso tenha um objetivo na avaliação para além do lúdico e da criação de vínculo, objetivos geralmente defendidos por clínicos que trabalham com crianças. Por fim, o estudo indica a necessidade de desenvolver protocolos de observação sistematizados para os jogos analisados de modo a contribuir com a ampliação de ferramentas disponíveis para avaliar as habilidades executivas em pré-escolares.

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IDOSOS E PROCESSOS

DEMENCIAIS: um estudo sobre fatores que podem contribuir para uma reabilitação neuropsicológica mais efetiva

Aurea Renata Demarchi

Ébrissa Paola Breda

Maila Rossato Holz

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Introdução

A qualidade de vida da população idosa está intrinsecamente ligada não somente a inúmeros fatores de saúde, mas também a sociais e comportamentais e por isso vem ganhando destaque com o aumento da expectativa de vida (GINDRI et al., 2012). As evidências científicas demonstram que a manutenção de hábitos de vida saudável, ao longo da vida, é essencial para uma boa qualidade de vida na fase idosa. Assim, a quantidade e a qualidade dos estímulos durante o desenvolvimento do indivíduo desde a infância, na adolescência e fase adulta são primordiais para a aquisição da reserva cognitiva e plasticidade cerebral por serem fundamentais para retardar os declínios cognitivos e proporcionar independência ao sujeito por mais tempo (GINDRI et al., 2012).

Quando se fala em envelhecimento, logo se pensa em incapacidades que resultam na necessidade de intervenção terapêutica. No entanto, isso ocorre quando o processo de envelhecimento é patológico. No envelhecimento saudável é esperado que as funções cognitivas sofram declínios, mas o sujeito permanece ativo e independente em suas atividades pessoais e profissionais. Por outro lado, no envelhecimento patológico destacam-se o desenvolvimento de processos demenciais, nos quais há declínio mais acentuado das funções cognitivas, ou seja, esses prejuízos podem ocasionar, ao longo do tempo, dependência total nas Atividades de Vida Diária (AVDs) (NORDON et al., 2009).

Diante disso, a reabilitação neuropsicológica em adultos idosos com patologias segue as mesmas premissas da reabilitação em outras populações clínicas. Mas, ao reabilitar idosos com processos demenciais deve-se entender que é uma condição degenerativa e, portanto, há declínios em funções cognitivas que não podem ser restauradas e sim, compensadas ou apenas retardar a evolução das perdas (NORDON et al., 2009).

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Nesse sentido, os profissionais que atuam com a reabilitação neuropsicológica devem elaborar o plano terapêutico, considerando os interesses do indivíduo, as necessidades da família e da equipe do ponto de vista clínico. Para isso, é crucial uma comunicação efetiva entre as partes envolvidas, no intuito de atingir os objetivos propostos (GINDRI et al., 2012).

Ademais, a rede de apoio como os familiares e os cuidadores desempenha papel central no tratamento do paciente. Visto que são os responsáveis por engajar e auxiliar o sujeito no processo de reabilitação neuropsicológica mesmo que, muitas vezes, esse engajamento ocorra de forma indireta, principalmente, quando se trata da rede de apoio, prestando suporte emocional ou financeiro (GINDRI et al., 2012).

Diante disso, este trabalho teve como objetivo evidenciar os fatores que contribuem para evitar ou retardar o declínio cognitivo em idosos e quais contribuem para um processo de reabilitação neuropsicológica mais efetiva. Espera-se conscientizar e psicoeducar os profissionais da saúde e a sociedade sobre o processo de envelhecimento, quais são as medidas de proteção de um envelhecimento patológico e os efeitos do tratamento de reabilitação neuropsicológica em pacientes com doenças em desenvolvimento.

Os dados apresentados no decorrer desta investigação serão elencados e referem-se aos aspectos ambientais, sociais, psicossociais, pré-disposição genética, em alguns casos, que impactam o processo de envelhecimento, seja ele saudável ou patológico. O trabalho trata-se de um estudo de revisão bibliográfica de literatura do tipo integrativa. Foram realizadas buscas em bases de dados como Scielo, PubMed e Google acadêmico utilizando os seguintes descritores: ‘neuropsicologia’, “demências”, “idosos”, “processos demenciais” e “reabilitação neuropsicológica”.

Os critérios de inclusão foram artigos que abordaram envelhecimento, processos demenciais e reabilitação neuropsicológica, sem restrição de

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apenas um tipo de público, contexto social, questões socioeconômicas, níveis de escolaridade, sintomas degenerativos ou institucionalização dos idosos com demência. Foram incluídas publicações na língua portuguesa, espanhola e/ou inglesa, de 2005 até 2020. Identificaram-se 1060 artigos, dos quais 70 foram analisados os resumos, e após leitura na íntegra foram incluídos 18 artigos que atenderam os critérios de inclusão.

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De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a faixa etária de adultos idosos inicia-se aos 65 anos nos países desenvolvidos e aos 60 nos países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil (WHO, 1997). Estima-se que até 2025 essa população aumentará 15 vezes mais quando comparada ao restante da população (ZANINI, 2010). Isso deve-se a melhora na qualidade de vida da população, tecnologias disponíveis, mudanças de hábitos e avanços da indústria farmacêutica que têm proporcionado cada vez mais longevidade à população. Por outro lado, o sedentarismo, a hipertensão, a obesidade, a diabetes, além da baixa escolaridade e do isolamento social estão entre os principais fatores de risco para o desenvolvimento de doenças ao longo do tempo (LIVINGSTON et al., 2017). Esses fatores interferem na aquisição e manutenção da reserva cognitiva, plasticidade cerebral e, consequentemente, no envelhecimento saudável.

Para Moraes, Santos e Marino (2010), o processo de envelhecimento saudável é definido pela funcionalidade de quatro domínios: a cognição que engloba a memória, as funções executivas, a linguagem, as praxias, a gnosia e a função visoespacial; o humor; a mobilidade; e por fim, a comunicação. As perdas funcionais, nessas áreas, podem resultar em instabilidade postural, déficits cognitivos, de mobilidade e na capacidade de

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Envelhecimento saudável e envelhecimento patológico: fatores atenuantes, neuropsiquiátricos e de critérios para patologias

comunicação (BEZERRA et al., 2016). Alterações nesses quatro domínios reduzem a expectativa de vida do idoso e/ou diminuem a independência funcional nas AVDs (ALVES; LEITE; MACHADO, 2008).

Assim, no processo de envelhecimento saudável são inúmeras as mudanças no sujeito, sejam elas de ordem fisiológica, sociais, culturais, bioquímicas, neuropsicológicas ou psiquiátricas. Há um declínio esperado nas funções cognitivas, sendo que algumas funções são acometidas com o passar da idade, por exemplo: aquisição de novos conhecimentos, capacidade de nomeação, compreender o abstrato e recordar eventos recentes (JACOB FILHO, 2009). Já em outras funções o processo de deterioração é mais lento como memória sobre informações pessoais/história de vida, vocabulário, funções motoras, habilidade de leitura e escrita, processamento de inferências, resultando em prejuízos menores para autonomia e qualidade de vida (JACOB FILHO, 2009).

Sabe-se que os principais prejuízos durante o envelhecimento são alterações clínicas na visão, audição e cognição (ex.: memórias de curto prazo) havendo preocupação sobre a possibilidade do desenvolvimento de quadros demenciais (ZANINI, 2010). Por sua vez, quando o quadro demencial é uma hipótese diagnóstica há comprometimento grave na autonomia do sujeito tornando-o dependente de familiares e cuidadores para as AVDs. Assim, concomitante ao estado de dependência, algumas comorbidades podem surgir como a baixa autoestima, a perda das habilidades físicas e cognitivas, podendo levar a um quadro com sintomatologia depressiva. Isso também pode ser agravado com a percepção das mudanças e perdas indesejadas na rotina, na rede de apoio e cotidiano pessoal e profissional (ZANINI, 2010).

De acordo com Jacob Filho (2009), as principais mudanças advindas do envelhecimento associam-se à redução funcional que tange a aquisição de novas habilidades e ao aperfeiçoamento daquelas já adquiridas.

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Vale ressaltar que o processo de envelhecimento, por si só, não causa prejuízos importantes nas AVDs e na autonomia, mas quando isso ocorre, é possível que o sujeito esteja em transição para um processo demencial.

A literatura aponta fatores desencadeantes de perdas cognitivas como a encefalopatía metabólica; estado confusional agudo; traumatismo cranioencefálico; infecções; acidente vascular encefálico; hipertireoidismo; câncer; uso de medicamentos como ansiolíticos, anticonvulsivantes e antipsicóticos e as demências (NORDON et al., 2009). E quando a rotina do indivíduo requer maior esforço intelectual e maiores habilidades funcionais as perdas são notáveis, no entanto, alguns declínios podem passar despercebidos, postergando a busca por uma avaliação clínica e dificultando o diagnóstico e reabilitação neuropsicológica precoces (NORDON et al., 2009).

Segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Saúde Mental (DSM-5), o Transtorno Neurocognitivo Leve, também conhecido como Comprometimento Cognitivo Leve, ocorre quando há pequeno declínio cognitivo em um ou mais domínios cognitivos como função executiva, linguagem, memória, aprendizagem, atenção complexa, perceptomotor ou cognição social. Nesse quadro, os déficits apresentados não interferem na independência do sujeito em relação a realização de suas AVDs. Já o Transtorno Neurocognitivo Maior, conhecido popularmente como demência, é definido por uma redução importante da capacidade cognitiva em um ou mais domínios cognitivos, sendo que esses déficits interferem nas AVDs (complexas e básicas) e, consequentemente, na independência do sujeito (APA, 2014).

Nesta perspectiva, o processo demencial é dividido entre as síndromes neurodegenerativas baseadas na localização ou disfunção causada pela lesão, predominantes em áreas corticais como a Doença de Alzheimer e subcortical como na Doença de Huntington. Contudo, ainda existem as demências não-degenerativas que são decorrentes de processos infeccio-

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sos, deficiências nutricionais, tumores, acidentes vasculares, as quais são reversíveis se tratadas adequadamente e em tempo hábil (APA, 2014).

A demência por doença de Alzheimer é a principal doença neurodegenerativa, associada a mais de 70% dos quadros demenciais (BIGUETI, LELLIS, DIAS, 2018). Suas principais características são o início incerto, levando meses ou anos desde o primeiro sintoma até uma disfunção significativa com piora cognitiva e funcional gradual (FROTA et al., 2011). Os déficits cognitivos podem iniciar nas funções amnésticas, quando a memória é afetada ou com apresentação não-amnéstica quando um ou mais domínios cognitivos, que não a memória, são afetados (FROTA et al., 2011). Além disso, podem dividir-se em único domínio ou múltiplos domínios de acordo com os sistemas cognitivos (NORDON et al., 2009).

A demência causada por doença vascular é considerada a segunda principal causa de quadros demenciais, visto sua ampla abrangência por considerar todos os quadros provenientes de alterações cerebrovasculares (NORDON et al., 2009). Está associada aos efeitos de múltiplos infartos ou lesões em locais específicos (como tálamo e núcleo caudado) acarretando lesões extensas da substância branca e/ou acidentes vasculares cerebrais hemorrágicos (BEZERRA et al., 2016).

Já a demência por Corpos de Lewy caracteriza-se por instabilidade dos déficits cognitivos em curtos períodos, alucinações recorrentes e sintomas parkinsonianos, podendo, inicialmente, ocorrer delírios e distúrbios de percepção e com o aumento da gravidade déficit de memória (BEZERRA et al., 2016). Sendo assim, o declínio cognitivo é progressivo e afetará o desempenho profissional e social do sujeito mais rapidamente (NORDON et al., 2009).

As demências um pouco menos comuns são as causadas pela doença frontotemporal (DFT), também de caráter progressivo, abrange alterações precoces de funcionamento executivo, comportamento e personalidade.

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Também, pode comprometer a linguagem, no entanto, as memórias e as habilidades visuoespaciais mantêm-se preservadas nas fases iniciais (BEZERRA et al., 2016) e é dividida nas variantes comportamental e linguística, de acordo com o DSM-5. A comportamental é caracterizada por diferentes graus de disfunção executiva associada à apatia ou desinibição, podendo demonstrar um interesse diminuído no autocuidado, na socialização e responsabilidades ou apresentar comportamentos inadequados. Os principais sintomas neurocognitivos percebidos no início da patologia são dificuldades de organização/planejamento, julgamento insatisfatório e distratibilidade, sendo o declínio cognitivo gradual (APA, 2014). Já a variante linguística caracteriza-se pela apresentação de afasia progressiva primária com surgimento de forma gradual. E pode se manifestar de três formas, a semântica, a agramatical/não fluente e a logopênica e cada uma dessas agrupa-se com diferentes características e neuropatologias equivalentes (APA, 2014).

Nesse cenário, as demências extrapolam a vida do paciente e impactam a família e a sociedade. Impactos esses tratados como questão de saúde pública, visto que são a causa principal de dependência na fase idosa (CALDAS, 2002). Sendo assim, é fundamental atentar-se para o processo de metacognição do sujeito e da capacidade de sua rede de apoio, pois quando o declínio cognitivo é percebido de forma abrupta e errônea a compreensão e aceitação do próprio sujeito e de seus familiares podem ser difíceis, confundindo-se com quadros neuropsiquiátricos, como a depressão, um dos principais mascaradores do processo demencial.

Ressalta-se que a depressão é prevalente na população idosa, uma vez que durante o processo de envelhecimento o indivíduo percebe suas perdas funcionais, em alguns casos, afastamento da sua rede de apoio e a falta de oportunidades no mercado de trabalho, situações que acabam por afetar sua saúde mental (ZANINI, 2010). Contudo, deve-se entender que os quadros depressivos são reversíveis, diferentemente dos demenciais.

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As redes de apoio são definidas como um grupo de pessoas e sistemas significativos para auxiliar o sujeito em seu meio familiar, social e profissional (BRITO; KOLLER, 1999). De acordo com Fonseca et al. (2005), essas redes são um suporte ao sujeito, pois asseguram a manutenção de boa saúde mental e qualidade de vida. É constituída em sua maioria por familiares, amigos, vizinhos (cuidadores informais) e em alguns casos, por redes formais de auxílio que são os serviços de apoio social, transdisciplinares que o sujeito tem acesso, sendo esses acessados, geralmente, em última instância (MAIA et al., 2016). O afeto é um aspecto de grande importância na rede de apoio, pois auxilia na proteção, enfrentamento e superação de momentos de crise (BRITO; KOLLER, 1999; TAYLOR, 2002).

É imprescindível que na psicoeducação dos familiares e na conscientização da rede de apoio se trabalhe a importância da divisão das tarefas dos cuidados do idoso podendo evitar, assim, a sobrecarga em um único indivíduo e adoecimento dele (BORGHI et al., 2011; BORGHI et al., 2013). O papel do cuidador será o de auxiliar o sujeito a encontrar novas alternativas para realização das suas tarefas, compensando as perdas funcionais causadas pelo processo neuropatológico e fazendo que ele atinja assim, independência nas AVDs novamente.

Entretanto, quando o processo de cuidado é realizado pela família pode ocorrer interferências emocionais no processo. Ou seja, a família é influenciada por eventos ocorridos no passado e presente com a evolução da

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A estimulação neuropsicológica no envelhecimento: fatores de reserva cognitiva, intervenção e rede de apoio nas demências

doença e negligenciar alguns cuidados que o paciente necessite (BAUAB; EMMEL, 2014). A rotina do paciente se torna mais facilitada se os familiares e cuidadores aprendem a lidar de forma mais efetiva com as limitações e auxiliam no estímulo das potencialidades do indivíduo.

Considerando que o tratamento precoce apresenta resultados mais efetivos é importante o rastreio de grupo de risco para demências (SBNp, 2020). O principal objetivo da identificação é a avaliação precoce e, posteriormente, intervenção preventiva para prorrogar a autonomia do sujeito, no sentido de evitar e/ou retardar os declínios cognitivos em alguns pacientes (TRINDADE et al., 2013). E há fatores importantes e decisivos na evolução desses quadros neuropatológicos, como a reserva cognitiva e a plasticidade cerebral.

Aponta-se que quanto mais o cérebro é estimulado com atividades intelectuais ao longo da vida, maior a possibilidade de criação de reserva cognitiva pelo aumento da plasticidade cerebral (NORDON et al., 2009). A plasticidade cerebral é definida como a habilidade que o sistema nervoso central tem em se adaptar às mudanças imprevisíveis como as ambientais, comportamentais ou oriundas de um comprometimento cerebral persistente (GINDRI et al., 2012). Assim, diante de uma doença neurológica, a plasticidade cerebral contribui para a reorganização fisiológica e funcional possibilitando o aumento de reserva cognitiva (VANCE et al., 2010).

Gindri et al. (2012) descrevem que a reserva cognitiva é o agrupamento de processos cognitivos e redes neurais atrelados ao desempenho das tarefas que possibilitam ao indivíduo com lesão/disfunção cerebral manejar as limitações decorrentes do dano ou alteração neurológica. Há diversos fatores que colaboram para o aumento da reserva cognitiva, como a prática regular de atividade física regular a qual, de acordo com Jacob Filho (2009), é fator primordial para o desenvolvimento da proteção do cérebro. Além disso, a execução cotidiana de tarefas de estimulação cognitiva

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como leitura e escrita e a alimentação com base em dietas mediterrâneas se mostram efetivas para proteção da cognição (VALLS-PEDRET et al., 2015).

Por outro lado, há fatores de risco que podem agravar o declínio cognitivo, como o sedentarismo, doenças cardiovasculares, neuropsiquiátricas, sobrepeso e uso de substâncias lícitas e ilícitas. Por exemplo, o uso de bebidas alcóolicas, por mais de quatro vezes na semana, aumenta o risco de declínio cognitivo (SABIA et al., 2018).

Quando se fala em reserva cognitiva deve-se também, atentar-se ao conceito de manutenção cerebral que se refere a como a reserva cognitiva é mantida. É válido retomar o conceito de reserva cerebral sobre a estrutura cerebral e a quantidade de conexões neuronais desenvolvidas por meio da reserva cognitiva (SBNp, 2020). Vinculado aos conceitos de reserva cognitiva e neuroplasticidade há o fenômeno chamado de transferência, caracterizado pela evolução secundária de uma função cognitiva/habilidade ou tarefa que não foi estimulada primariamente. A partir do treino de outra função há melhora potencial de forma secundária, sendo esse processo também conhecido como generalização (GINDRI et al., 2012).

Sendo assim, é crucial a construção de um plano terapêutico compartilhado entre os profissionais, com acompanhamentos especializados, que considere os acometimentos, necessidades, sintomas primários e secundários que impactam a vida do sujeito (JACOB FILHO, 2009). Quando o processo de envelhecimento vem acompanhado de doenças, cabe à equipe atentar-se aos sinais precoces de demências e intervir para detectar as perdas cognitivas e, então, elaborar o tratamento (BEZERRA et al., 2016).

A avaliação neuropsicológica destaca-se para o direcionamento efetivo do tratamento, o que inclui a psicoeducação, voltado aos déficits e compreensão da rede de apoio. No início do processo demencial, a reabilitação neuropsicológica é um dos principais tratamentos indicados para retardar os declínios cognitivos (CALDAS, 2002). Para Wilson (1996), a re-

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abilitação neuropsicológica deve ser realizada de forma multidisciplinar para tratar além dos déficits cognitivos, também as alterações emocionais e comportamentais de forma holística. Uma vez que estão interligados o funcionamento psicossocial do indivíduo, a sua cognição e as suas emoções (WILSON, 2008). Para McLellan (1991), a reabilitação neuropsicológica é um trabalho bidirecional e interativo em que o paciente busca junto com uma equipe transdisciplinar uma melhora em sua funcionalidade e maior qualidade de vida.

Já para Gindri et al. (2012), a reabilitação neuropsicológica pode ser entendida como um método ativo de educar e de capacitar a partir do manejo das alterações cognitivas que o paciente adquiriu. Assim, o objetivo da reabilitação neuropsicológica é possibilitar que o paciente tenha o melhor potencial, seja no âmbito físico, mental ou social para permanecer inserido no meio social.

No processo de reabilitação neuropsicológica, o raciocínio clínico é primordial e deve ser feito em cada etapa da reabilitação. O objetivo clínico deve estar claro para o profissional, ao traçar as metas deve responder há três perguntas principais: Como o paciente poderá realizar isto em seu cotidiano? Para que isto servirá? Haverá generalização para outras áreas ou tarefas cotidianas? O foco é na manutenção das funções preservadas, seja de forma total ou parcial utilizando-as no processo de aprendizagem de estratégias compensatórias, aquisição de habilidades e adaptação das perdas permanentes (GINDRI et al., 2012). Para Wilson (2008), o estabelecimento de metas deve ser construído juntamente ao paciente e a família, sendo traçados objetivos de curto, médio e longo prazo em que serão enfatizadas as principais limitações do paciente, sendo revistas semanal ou quinzenalmente.

Secundariamente, a psicoeducação traz informações claras e simplificadas sobre o processo patológico e sobre o progresso da reabilitação

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neuropsicológica para o paciente e os cuidadores/familiares. Na psicoeducação, consideram-se as dificuldades cognitivas, comportamentais e emocionais do paciente com o intuito de diminuir as incertezas, os sentimentos de incompreensão, os medos e aumentar o engajamento de ambos no processo (GINDRI et al., 2012).

Wilson (2008) apresenta o modelo SMART que enfatiza a importância das metas serem planejadas, específicas, mensuráveis, alcançáveis, relevantes e com tempo determinado. A efetividade desse modelo auxilia no delineamento de programas de reabilitação neuropsicológica. As metas serão realizadas de acordo com os principais domínios defasados, necessidades e estilo de vida do paciente ou ainda focando nas potencialidades para remediar as dificuldades. As principais etapas que devem estar presentes na reabilitação neuropsicológica são a psicoeducação, a estimulação da função cognitiva, a resolução de problemas e o planejamento de estratégias compensatórias. Ou seja, para cada etapa deve-se trabalhar em cima da compensação, substituição e reeducação direta (ZANGWILL, 1947).

Existem alguns métodos que podem ser utilizados dentro da reabilitação neuropsicológica ou de forma isolada, dentre eles, o treino cognitivo é realizado para aprimoramento do desempenho de alguma habilidade já adquirida (WILSON, 2008). Para isso, utilizam-se as habilidades preservadas do paciente para lhe ensinar formas de utilizar estratégias para minimizar suas dificuldades. Ainda de acordo com Wilson (2008), um treino deve ser realizado, considerando conhecimentos específicos que tenham utilidade direta na vida cotidiana do sujeito, pois eles são menos propensos a generalização. Um exemplo de treino cognitivo é o realizado com jogos de tabuleiros, ou cartas, como o jogo do Stop onde se deveria escolher uma letra específica e preencher o mais rápido possível todas as categorias elencadas (frutas, animais, cidades) para ganhar o jogo. Estimulando a memória semântica por incluir o uso de fonologia, linguagem e escrita,

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além da memória de trabalho, por precisar organizar as informações, dentro da mesma brincadeira (SBNp, 2020).

Assim, na reabilitação deve-se hipotetizar que, quando não há a possibilidade de restaurar uma função, busca-se estratégias compensatórias para alcançar os objetivos que dependiam anteriormente da função defasada (WILSON, 2000). Para isso, podem ser utilizados recursos externos como aparelhos eletrônicos, post-its, agendas, listas, alarmes, lembretes, gravadores, quadro de tarefas entre outros, possibilitando a organização de sua rotina e retomando tanto quanto possível suas responsabilidades diárias e independência. Com o avanço das tecnologias, cada vez mais estão sendo criados recursos específicos para este propósito que poderão auxiliar no aumento da autonomia e da qualidade de vida do paciente. O uso de assistente doméstica e/ou realidade virtual desempenha um papel importante, pois serão aliadas fundamentais na simulação de situações da vida real (WILSON, 2008).

Embora existam diversos recursos e estratégias de intervenção direta com o paciente, a efetividade e durabilidade dos efeitos de uma reabilitação neuropsicológica, também dependem dos familiares e cuidadores, visto que aprendem sobre as estratégias compensatórias para impactar na generalização da doença. Diante disso, é necessário o engajamento, além do indivíduo, da família, do cuidador, dos profissionais e redes de apoio. Dessa forma, infere-se que o processo de reabilitação neuropsicológica é holístico, ou seja, com uma intervenção associada a análise integral do sujeito que considere os aspectos cognitivos e funcionais (WILSON, 2008).

Os profissionais clínicos devem dialogar entre si, durante o processo de reabilitação neuropsicológica para o delineamento e a execução de um plano terapêutico unificado. Assim, todos os profissionais vão trabalhar, mesmo que separados, unidos em prol da evolução do paciente, com os mesmos objetivos terapêuticos a fim de otimizar o processo de reabilita-

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ção neuropsicológica. O engajamento daqueles que estão no meio do paciente (clubes, associações, instituições) auxiliam o paciente no processo terapêutico e na ludicidade das compensações. Isso porque é importante que o paciente mantenha interações sociais estimulantes com outras pessoas e continue adquirindo conhecimentos de acordo com a sua capacidade cognitiva. Com essas interações sociais, o sujeito permanecerá motivado em seu processo de reabilitação, o que poderá auxiliar no atraso do declínio cognitivo.

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Considerações Finais

A partir desse estudo fica evidente que os processos demenciais envolvem a deterioração não apenas da cognição, mas também do comportamento e da funcionalidade do sujeito em sua rotina pessoal e profissional. Assim, a análise da reserva cognitiva dentro da avaliação neuropsicológica pode contribuir para a criação do programa de estimulação neuropsicológica com atividades cognitivamente estimulantes, instrução sobre manejo e estilo de vida para um envelhecimento saudável postergando os déficits oriundos da idade avançada. No entanto, quando uma doença neurodegenerativa, como as demências, já está em desenvolvimento, a reserva cognitiva é percebida não apenas como um aspecto preventivo, mas principalmente como um fator importante no desenvolvimento de novas habilidades que compensam as funções deficitárias (estratégias compensatórias).

Portanto, o processo de reabilitação neuropsicológica deve ser realizado com uma equipe de múltiplos profissionais, familiares/cuidadores e criação de estratégias compensatórias com a utilização de objetos e contextos cotidianos como ferramentas auxiliares para as funções cognitivas.

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ASPECTOS

NEUROPSICOLÓGICOS

NO ENVELHECIMENTO: investigação e estimulação

Gisele Mozer

Simone Trentin

Taciane Oesterreich

Renata Kochhann

Instituto Inclusão Eficiente 7.
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Aspectos neuropsicológicos no envelhecimento

Introdução

No processo de senescência podem ocorrer mudanças neuropsicológicas, como alterações da memória, atenção, velocidade de processamento de informações, alterações nas tarefas complexas realizadas nas atividades de vida diária e distúrbios psicológicos, como transtornos de humor. Os défices físicos, cognitivos e comportamentais observados no envelhecimento resultam de um conjunto de alterações biológicas que desencadeiam eventos moleculares e celulares no indivíduo (SANTOS et al., 2010).

Assim, surgem as queixas cognitivas, podendo ser consideradas um dos principais motivos pelo acompanhamento psicológico e estarem relacionadas às condições neurológicas de base. A demência é uma condição clínica, na qual ocorre perda da função cerebral, associada a um conjunto de sintomas que acarretam declínio da capacidade cognitiva, como prejuízo do raciocínio, linguagem, memória, atenção, além de alterações comportamentais. Algumas funções são resistentes ao longo do tempo, como as habilidades práticas e motoras, profissionais, informações autobiográficas e conhecimento semântico, enquanto informações não familiares são afetadas mais rapidamente (ZANINI, 2010).

Essas mudanças impactam a funcionalidade e a qualidade de vida dos pacientes, visto que interferem nas atividades desempenhadas pelas pessoas, e a avaliação neuropsicológica desempenha um papel fundamental para a reabilitação, pois oferece informações sobre o desempenho cognitivo global, graduam a intensidade do déficit e identificam domínios cognitivos comprometidos e preservados (DINIZ et al., 2010).

A procura por novas formas de tratamento que visam melhorar funções cognitivas e retardar o progresso da doença, se dá pelo crescente desenvolvimento de instrumentos que permitem a avaliação cuidadosa de

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diferentes sistemas cognitivos, emocionais e motivacionais (GINDRI et al., 2012). Intervenções como a estimulação e reabilitação neuropsicológica, buscam melhorar as capacidades cognitivas dos pacientes, e enfatizam aspectos emocionais, comportamentais, psicossociais e físicos, melhoram a estruturação do ambiente e fornecem informações aos familiares (GINDRI et al., 2012).

Projeções estatísticas apontam que o número de idosos aumentará ao longo dos próximos anos, e as alterações relacionadas ao envelhecimento podem afetar a qualidade de vida dos idosos, nesse sentido, profissionais da área da saúde devem atentar-se sobre esses aspectos no processo de tratamento de seus pacientes (SANTOS et al., 2010, p.4).

O presente trabalho teve como objetivo realizar uma revisão da literatura acerca de aspectos, avaliação e estimulação neuropsicológica de idosos com demência, propondo procedimentos úteis no atendimento dessa população.

A revisão da literatura foi feita em bases de dados como BVS, Scielo, Pubmed e Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da USP (1994–2016), usando a combinação entre as palavras: envelhecimento, neuropsicologia, demência, avaliação, reabilitação, estimulação cognitiva, memória, sintomas e idosos, além de livros e teses. Após obtenção das referências, avaliou-se a relevância e especificidade dos estudos.

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Aspectos neuropsicológicos no envelhecimento

Dados Epidemiológicos

Denomina-se idoso o indivíduo com idade igual ou superior a 60 anos (OMS, 2015). Na população brasileira, 13% estão nessa faixa etária e de acordo e dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2018) a tendência é desse número duplicar ao longo dos anos. Diante disso, há crescente preocupação dos profissionais da área da saúde com a qualidade de vida da população idosa (ZANINI, 2010).

Para que os idosos tenham acesso à saúde e, assim, boa qualidade de vida, é necessário garantir os direitos de assistência social: educação, habitação, saúde, trabalho e cultura. No Brasil, os direitos dos idosos estão regulamentados pela Política Nacional do Idoso e o Estatuto do Idoso, sancionados em 1994 e em 2003, respectivamente.

Segundo a demógrafa do IBGE, Izabel Marri:

[...] a partir de 2047 a população deverá parar de crescer, contribuindo para o processo de envelhecimento populacional – quando os grupos mais velhos ficam em uma proporção maior comparados aos grupos mais jovens da população. A relação entre a porcentagem de idosos e de jovens é chamada de “índice de envelhecimento”, que deve aumentar de 43,19%, em 2018, para 173,47%, em 2060 (IBGE, 2019).

Com o aumento da população idosa brasileira, doenças relacionadas à demência tornaram-se as enfermidades de maior prevalência entre os idosos, demandando cuidados com a pessoa doente (BURLA et al., 2012). Medidas de saúde pública são primordiais para o atendimento da comunidade, visto que a demência progrediu com maior prevalência em mulheres com idade mais avançada e predisposição em analfabetos (BURLA et al., 2012).

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Reserva cognitiva e envelhecimento

Reserva Cognitiva é definida como a capacidade de manter o processo cognitivo intacto, mesmo em circunstâncias de sobrecarga para o encéfalo (STERN, 2013). Os experimentos e desafios intelectuais ocorridos ao longo da vida do indivíduo contribuem para o acúmulo desta reserva, minimizando as manifestações de processos neurológicos degenerativos e fator de proteção para o declínio cognitivo (SOBRAL, 2014).

Um indivíduo jovem, no momento em que é submetido ao mesmo nível de estresse que um idoso, pode manter-se independente, por estar no topo de sua reserva cognitiva. Já o sujeito idoso está mais vulnerável pela progressiva perda de sua reserva com o processo de senescência, e assim, reduzida capacidade adaptativa à sobrecarga (FARFEL, 2008). Pessoas com elevada reserva cognitiva conseguem se manter ativas e funcionais por mais tempo. Ocupação e escolaridade possuem papel fundamental no seu estabelecimento e a reserva começa a ser realmente utilizada para moderar os resultados clínicos de processos demenciais (SOBRAL et al., 2014).

Esse conceito tem sido utilizado para elucidar a manifestação de doenças associadas ao envelhecimento (FARFEL, 2008). Como a respeito da capacidade de pacientes com doença de Alzheimer “assintomática” enfrentarem melhor eventos causadores de danos cerebrais (DA SILVA, 2013).

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2015), o envelhecimento saudável, vai muito além da ausência de doenças, e sim uma preocupação com a manutenção das habilidades funcionais e o bem-estar. Neste caso, o alto nível de escolaridade, leitura e aprendizagem de

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Aspectos neuropsicológicos no envelhecimento

idiomas apresentam-se como valiosos recursos aliados a reserva cognitiva. Sendo que essa engloba os fatores, os quais podem amenizar o declínio cognitivo inerente ao envelhecimento (JERÔNIMO, 2018).

No decorrer do processo natural de envelhecimento, o indivíduo, quando submetido a um evento estressante, tende a perder a capacidade de manter a funcionalidade natural adequada ou o estado de homeostase. Esta capacidade de adaptar-se ao estresse, sem dano funcional, é então nomeada como reserva funcional (FARFEL, 2008).

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Demência é o termo utilizado para caracterizar os sintomas de um grupo de doenças que causam declínio gradativo no desempenho de alguns indivíduos, isso ocorre devido a doenças cerebrais adquiridas, de natureza crônica e progressiva, não atribuídas ao envelhecimento normal e associadas ao declínio no funcionamento cognitivo, afetando funções corticais superiores. Cabe à equipe profissional retardar ao máximo possível a perda das habilidades cognitivas e prolongar a qualidade de vida dos pacientes (GINDRI et al., 2012).

A síndrome demencial é decorrente de doença cerebral difusa, crônica e geralmente progressiva. O nível de consciência dos pacientes apresenta-se normal, ficando despertos, vígeis, suas sensações são claras, mas podem surgir sintomas psiquiátricos associados (DALGALARRONDO, 2008). Nessa síndrome ocorre um empobrecimento dos processos cognitivos, psíquicos e afetivos, a capacidade de organização do pensamento diminui acompanhada de perda das habilidades funcionais (BLEULER, 1985; DALGALARRONDO, 2008).

As manifestações clínicas mais relevantes são perda da memória, linguagem, de raciocínio complexo, orientação de direita/esquerda, habilidades aritméticas, da compreensão do problema e de novas situações ambientais. Além de agnosias, apraxias, alterações da personalidade, controle emocional com atitudes grosseiras e inadequadas, como perda dos hábitos sociais, descuidos com a higiene, alimentação e desinibição da personalidade. Há evidências de alterações difusas no tecido cerebral, especialmente, no córtex dos hemisférios cerebrais, substância branca subcortical e a gânglia (DALGALARRONDO, 2008).

A maioria das demências possuem origem insidiosa, evolução lenta e

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Demências

Aspectos neuropsicológicos no envelhecimento

divididas em categorias: degenerativas e não degenerativas, corticais e subcorticais, com início precoce (ou pré-senil, antes dos 65 anos) e tardio (a partir dos 65 anos), reversíveis ou irreversíveis, e rapidamente ou lentamente progressivas (PARMERA; NITRINI, 2015). As mais diversas causas de apresentação se fazem possíveis, por isso uma avaliação diagnóstica elaborada é indispensável (DALGALARRONDO, 2008).

O principal fator de risco para demência é o envelhecimento, o diagnóstico é clínico e necessita de relato detalhado sobre a história de vida do paciente, devem ser considerados aspectos de vida, interações sociais, estímulos intelectuais, práticas saudáveis, exames clínicos, dentre outros. Durante a entrevista também é importante observar possíveis alterações de linguagem, como a fluência ao falar, a presença de pausas, assim como, aspectos da memória como dificuldade de lembrar onde deixou objetos e repetição da mesma história (PARMERA; NITRINI, 2015).

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Avaliação Neuropsicológica na pessoa idosa

A senescência vem acompanhada de mudanças, que podem afetar a audição, visão, desempenho motor e funcionamento cognitivo. O encéfalo de um indivíduo idoso, em média, é menor e menos denso comparado ao de um jovem, com redução do número de neurônios e sinapses. Dentre essas alterações morfológicas, também, são identificados giros mais finos e separados por sulcos mais profundos e abertos, tornando as regiões corticais menos espessas. E mudanças psicológicas e físicas podem se manifestar como menor velocidade de raciocínio, lapsos de memória, confusão mental, tremor e insônia (ZANINI, 2010).

Nesse sentido, é essencial a investigação diagnóstica precoce e intervenção, medicamentosa e/ou neuropsicológica com foco na reabilitação cognitiva e restauro funcional para minimizar, estabilizar ou postergar o avanço do processo degenerativo. A recuperação de funções cognitivas depende tanto da plasticidade neural, ou seja, habilidade do cérebro em recuperar uma função através de proliferação neuronal, migração e interações sinápticas, quanto de plasticidade funcional, por meio da recuperação de função cerebral (SANTOS et al., 2010).

Compreender a complexidade do funcionamento cerebral é necessário para o tratamento do paciente. A neuropsicologia preocupa-se com a organização e relação com a cognição e o comportamento, tanto no desenvolvimento normal quanto patológico. Dentre os objetivos da avaliação neuropsicológica estão o de auxiliar no diagnóstico diferencial, identificar a presença ou não de disfunção cognitiva, nível de funcionamento cerebral e identificação de alterações sutis e detecção de disfunções ainda em estágios iniciais (MADER, 1996).

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Aspectos neuropsicológicos no envelhecimento

A avaliação neuropsicológica busca analisar alterações de comportamento, baseada na disfunção relativa à atividade cerebral normal, que pode ser causada por lesões, estados emocionais, doenças, uso de substâncias químicas ou mudanças que podem ocorrer no envelhecimento. E avalia as principais funções cognitivas afetadas nas demências que são memória, atenção, funções executivas, linguagem, habilidades visuoespaciais e funcionalidades (ZANINI, 2010).

Outro importante fator que deve ser considerado na avaliação neuropsicológica é a interferência de variáveis no critério diagnóstico, tais como gênero, idade do paciente e a escolaridade, sendo que o nível educacional elevado é fator preventivo no embotamento do estado mental durante o envelhecimento normal. Além disso, há outros fatores que devem ser considerados no maior ou menor risco de desenvolvimento de demências como os genéticos, histórico de traumatismo craniano e doenças vasculares (DINIZ et al., 2010).

Podem ser aplicados instrumentos de rastreio cognitivo para casos suspeitos de demência, tais como: Mini-Exame do Estado Mental (MEEM) que inclui itens que possibilitam examinar orientação espaçotemporal, memória, atenção, cálculo, linguagem, auxiliando na identificação de pacientes que necessitam ser submetidos à avaliação mais detalhada. Teste do Desenho do Relógio, descrito na avaliação da disfunção do lobo parietal, ao avaliar de forma simples, as funções viso-espaciais, linguagem, capacidade de planejamento, praxia, memória, habilidade visuoconstrucional e função executiva servindo como rastreio para doença de Alzheimer. Teste de Fluência Verbal: permite verificar a existência de prejuízo de memória semântica e nas estratégias de busca, relacionadas à função executiva.

Questionário de atividades funcionais (Pfeffer): instrumento que visa detectar comprometimento nas atividades de vida diária. Em associação, é possível a utilização de outros testes, como o subteste Span de Dígitos da Escala de Inteligência de Adultos de Wechsler (WAIS), teste da reprodução

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visual de figuras da escala de memória. A aplicação da bateria WAIS–III é indicada, com a finalidade primordial da avaliação da memória e da inteligência de pessoas com doença de Alzheimer, medindo o grau de deterioração em relação a uma linha de base de capacidade cognitiva pré-mórbida (ZANINI, 2010).

Um diagnóstico diferencial e o tratamento de demências exigem avaliação clínica cuidadosa incluindo anamnese, testagem neuropsicológica, avaliação psiquiátrica, exames físicos e neurológicos, associados a determinações bioquímicas e de neuroimagem, propiciando, desta forma, diferenciação confiável entre o envelhecimento normal, possível demência ou outras afecções (DINIZ et al., 2010).

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Aspectos neuropsicológicos no envelhecimento

Reabilitação Neuropsicológica

A reabilitação neuropsicológica objetiva restabelecer a qualidade de vida de pacientes e seus familiares potencializando o aproveitamento das funções cerebrais totais ou parcialmente preservadas por meio do ensino de novas habilidades, adaptações e estratégias compensatórias, representados pelo aprendizado de novos padrões que permitam ao paciente lidar com as disfunções persistentes, objetivando o restauro funcional, isto é, a consolidação de padrões de comportamento cognitivo aprendido (SANTOS et al., 2010).

Geralmente, o foco é nas funções cognitivas deficitárias visando à melhora da condição do paciente e/ou estabilizar/ diminuir o progresso de uma doença (ZANINI, 2010). Estudos demonstram que sua aplicação pode melhorar, principalmente, a memória, a atenção, o humor e o bem-estar psíquico, mas o impacto na vida diária e a duração desses efeitos ainda são desconhecidos (DA SILVA, 2011).

Através do processo de reabilitação o paciente conscientiza-se de suas capacidades remanescentes, proporcionando mudanças na auto-observação e, possivelmente, aceitação das novas condições da realidade, para cada paciente é traçado um plano terapêutico de reabilitação cognitiva elaborado pela equipe interdisciplinar com foco na independência funcional, melhora das capacidades físicas e socioemocionais (SANTOS et al., 2010).

Os objetivos estabelecidos no plano de tratamento do paciente devem estar relacionados às dificuldades do seu dia a dia, o processo de reabilitação neuropsicológica individual busca ser personalizado, pois é focado nos objetivos que o paciente e os familiares estabelecem. Metas claras favorecem o entendimento e adesão, a exemplo disso, se um paciente gosta

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de praticar exercícios, como o futebol, as tarefas de reabilitação podem incluir essa temática, trazendo benefícios motivacionais para o tratamento (GINDRI et al).

De acordo com Costa e Diniz (2016), a estimulação cognitiva abrange atividades de treinos que auxiliam na manutenção e melhora dos processos básicos que compreendem os domínios cognitivos (memória, funções executivas, atenção, linguagem, percepção). O profissional de reabilitação pode propor atividades que estimulem esses processos e elaborar treinos com esquemas para serem realizados. O objetivo dessas atividades pode ser definido juntamente com o paciente após a avaliação neuropsicológica. Os autores também ressaltam que a estimulação cognitiva aliada à atividade física e psicoeducação são benéficas aos idosos, principalmente, na área cognitiva.

Além de reabilitar os déficits cognitivos, alterações de comportamento e emocionais também devem ser trabalhadas, o sucesso da reabilitação depende da consciência do paciente, motivação pelo processo e confiança no terapeuta (SANTOS et al., 2010). É primordial que o programa de reabilitação neuropsicológica esteja bem estruturado e focado nas áreas de maior deficiência identificadas para cada paciente. Considerando as teorias de aprendizagem, de funcionamento cognitivo e conhecimentos de suporte psicoterápico e emocional (NERY-BARBOSA; BARBOSA, 2016).

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Aspectos neuropsicológicos no envelhecimento

Considerações Finais

O presente trabalho realizou revisão da literatura referente ao envelhecimento com foco nos aspectos neuropsicológicos do idoso, avaliação neuropsicológica, estimulação e reabilitação neuropsicológica.

A população idosa cresce gradativamente e, juntamente ao aumento da expectativa de vida, há aumento das doenças associadas ao processo de envelhecimento. Diante de tais evidências, é crucial a preparação dos profissionais da saúde para atender as demandas oriundas desse cenário, buscando estratégias e técnicas para ofertar a melhor assistência à saúde para essa população.

Nesta perspectiva, a reabilitação neuropsicológica, na fase idosa, intervém na saúde física e mental, colaborando para tornar o processo de envelhecimento digno, mesmo com a presença de alguma doença demencial.

Por fim, vale ressaltar que a literatura aponta como fator primordial para o envelhecimento saudável o hábito da leitura e manter-se cognitivamente ativo, através de estudos (ex.: aprendizagem de novas línguas), relacionamento social entre outras formas de estímulos.

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GINDRI, G. et al. Métodos em reabilitação neuropsicológica. Rio de Janeiro. 2012.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE.

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ZANINI, R. S. Demência no idoso: aspectos neuropsicológicos, Revista Neurociências, [S.l.], v. 18, n. 2, p. 220-226, jun. 2010.

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Autores

Instituto Inclusão Eficiente
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Aurea Renata Demarchi - Psicóloga, aluna do curso de Pós-graduação em Neuropsicologia.

Charlise Maria da Silva - Psicóloga, aluna do curso de Pós-graduação em Neuropsicologia.

Cinthia Regina Seibt - Psicóloga, aluna do curso de Pós-graduação em Neuropsicologia.

Ébrissa Paola Breda - Psicóloga, aluna do curso de Pós-graduação em Neuropsicologia.

Flávia Sanagiotto - Psicóloga, aluna do curso de Pós-graduação em Neuropsicologia.

Gisele Mozer - Psicóloga, aluna do curso de Pós-graduação em Neuropsicologia.

Hosana Alves Gonçalves - Psicóloga, professora, orientadora e coordenadora pedagógica do curso de Pós-graduação em Neuropsicologia.

Janice R. Pureza - Psicóloga, professora e orientadora do curso de Pós-graduação em Neuropsicologia.

Josieli Piovesan - Psicóloga, aluna do curso de Pós-graduação em Neuropsicologia.

Karine Lunkes - Psicóloga, aluna do curso de Pós-graduação em Neuropsicologia.

Maila Rossato Holz - Psicóloga, professora e orientadora do curso de Pós-graduação em Neuropsicologia.

Marcélli Daiana Giongo Schmitz - Psicóloga, aluna do curso de Pós-graduação em Neuropsicologia.

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Marina Lorenceti - Psicóloga, aluna do curso de Pós-graduação em Neuropsicologia.

Naiane Molon - Psicóloga, aluna do curso de Pós-graduação em Neuropsicologia.

Natalie Pereira - Fonoaudióloga, professora e orientadora do curso de Pós-graduação em Neuropsicologia.

Raquel Cristina Dalcero - Psicóloga, aluna do curso de Pós-graduação em Neuropsicologia.

Régis Nepomuceno Peixoto - Organizador da obra.

Renata de Sousa Zamo - Psicóloga, professora e orientadora do curso de Pós-graduação em Neuropsicologia.

Renata Kochhann - Psicóloga, professora e orientadora do curso de Pós-graduação em Neuropsicologia.

Sabrina Koch - Psicóloga, aluna do curso de Pós-graduação em Neuropsicologia.

Sabrina Trevisan Rachi - Psicóloga, aluna do curso de Pós-graduação em Neuropsicologia.

Simone Trentin - Psicóloga, aluna do curso de Pós-graduação em Neuropsicologia.

Stéphani de Pol - Revisora e organizadora da obra.

Taciane Oesterreich - Psicóloga, aluna do curso de Pós-graduação em Neuropsicologia.

Vanessa Balen Felin - Psicóloga, aluna do curso de Pós-graduação em Neuropsicologia.

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Vanessa Maghry - Psicóloga, aluna do curso de Pós-graduação em Neuropsicologia.

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