ROR DE COISAS #5

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Edição especial


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Ficha Técnica Direcção: INDIEROR Redação: Diogo Martins Martins, Marta da Costa, Rúben Sevivas, Tiago Ribeiro Colaboradores (Residentes): Manuela Rainho, Paulo Coimbra, Tânia Santos, Wilson Pinto, David Sarmento Colaboradores (Convidados): Clara de Sousa, Fernando Alves, Pedro Pinheiro, Alexandre Parafita, António Sampaio da Nóvoa, Manuela Tender, Vicente Alves do Ó, João Rodrigues, Tiago Pereira, Joana Sousa Design: INDIEROR Grafismo: Tiago Ribeiro, Diogo Martins Martins Revisão: Marta da Costa Impressão: Gráfica Sinal Rua Doutor António de Carvalho e Sousa 5400 - 570 Chaves Tiragem: 50 5ª Edição | 2015

A ROR DE COISAS é propriedade da INDIEROR. O conteúdo apresentado é da inteira responsabilidade dos seus autores. É proibida a reprodução total ou parcial de textos, fotografias ou ilustrações da revista ROR DE COISAS para quaisquer fins, incluido comerciais, sem autorização expressa da Direção.


Índice 365 dias

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Agosto de 1968

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Para além da Curva da Estrada

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Na Rádio, um País

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A Etnografia do Outono em Trás-os-Montes

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O Universal é o Local sem as Paredes

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A Mulher entre os Homens

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Filmar o Horizonte

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Miasmas

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A Astronomia ao Longo dos Tempos

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Viagens na minha Terra A Linha do Corgo

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O Dia em que a Cultura Morrer É um Dia que não Existe

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Agenda Cultural

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fadameco| s.m. substantivo masculino farrapo


365 Dias

É difícil resumir um ror de coisas e escrevinhar algo numa pequena folha pautada. É ainda mais difícil condensar as várias fases desta nossa batalha num único ano. A INDIEROR comemora um ano de existência em novembro de 2015 e sentimos que estava na hora de dar a palavra a quem, à nossa semelhança, não tem receio de expor a sua herança transmontana. Corremos o país. Não receámos respostas negativas. Os transmontanos têm fama de serem solidários e bastante calorosos e as ligações que estabelecemos comprovaram isso mesmo. O legado transmontano ultrapassa qualquer herança genética e prolonga-se até ao campo da afinidade e do contacto direto com outros transmontanos.

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Juntámos a família, partimos o pão, servimos o vinho e tivemos o privilégio de receber as mais belas recordações de quem se orgulha das suas raízes, de quem partilha parte do sangue transmontano, ou de quem, por simples contacto com esta zona do país, se deixou seduzir pelos encantos das gentes e dos lugares escondidos entre os montes. Festejámos à mesa, rodeados de amigos e ao som de calorosas gargalhadas. Bem ao estilo transmontano. Bem ao estilo de como nos orgulhamos ser.



Agosto de Por Clara de Sousa 1968

Clara de Sousa é um dos rostos mais conhecidos da televisão portuguesa. A ligação a Trás-Os-Montes é-lhe dada pelo seu pai - natural de Filhagosa, concelho de Vila Pouca de Aguiar. A convite da INDIEROR ilustra um retrato transmontano com algumas memórias da sua infância.


Fotografia | Clara de Sousa

Era uma bebé de colo, levada pelos meus pais, na minha primeira viagem “à terra”. Os jovens Antero e Eugénia, casados ainda nem dois anos antes, iriam assim dar a conhecer a sua primogénita a toda a família. A de Angeja primeiro, porque era a primeira paragem após a saída de Lisboa, e a de Filhagosa, a que demorava mais a alcançar, mas que se podia abraçar após um longo e extenuante dia de viagem. Outros tempos, de um país com lentas ligações rodoviárias e ferroviárias. A terra do meu pai é uma pequena aldeia

no coração da serra da Padrela. Concelho de Vila Pouca de Aguiar. Distrito de Vila Real. Uma aldeia que mudou com os anos, sobretudo com as casas construídas pelos que emigraram e que entretanto regressaram. De raiz, as tradicionais casas da aldeia eram feitas de xisto, com paredes grossas, verdadeiras fortalezas aquecidas pelas vacas que eram guardadas na loja, sob os nossos pés. É assim, ainda hoje, a casa da minha tia Alice, irmã mais velha do meu pai.

Transmontana, rija. Conserva um sorriso de gaiata, apesar dos seus 93 anos. A sua casa de pedra foi a que, tantas vezes, nos deu a cama, a mesa e os bons momentos em família. Não tenho, como é natural, recordações dessa minha primeira viagem à Filhagosa, mas tenho de outros anos, na infância e adolescência. Lembro-me muito bem de não haver electricidade. As noites de convívio eram feitas sob a luz difusa de um

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candeeiro a petróleo e, anos mais tarde, de um candeeiro a gás, potentíssimo, que iluminava todos os recantos. Lembro-me bem que havia um único telefone na aldeia, que ficava, precisamente, na casa da minha tia Alice. Era o telefone comunitário a que todos recorriam e a que todos eram chamados. Lembro-me muito bem da cozinha da minha tia Alice. Era a primeira divisão à esquerda, logo ao cimo das escadas, também elas feitas de pedra. Na zona do lume, sobre o chão de pedra,

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colocavam-se os tarolos de madeira, que ardiam sob as panelas de ferro de três pés, onde se cozinhava a sopa mais deliciosa de sempre, com umas batatas, ainda com o cheiro da terra, umas folhas de couve, um enchido caseiro e, ingrediente fundamental, a água que íamos buscar à fonte, e que corria directamente da nascente, de uma frescura e pureza inigualáveis. Um sabor que hoje é difícil de alcançar. De sabores simples se fazem as minhas memórias de conforto, dos tempos passados na Filhagosa.

Fosse directamente da panela, ou directamente das árvores, com as deliciosas cerejas, vermelhas, gordas, doces. Ou os cachos de uva morangueira, de um frutado intenso. Tudo tinha outro sabor. Não esqueço também as experiências, mais ou menos aventureiras, por terrenos baldios e pela serra verdejante, onde me banhava, com os meus primos, em riachos de água gelada, que nos refrescavam do calor tórrido dos verões transmontanos de então.


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Fotografia | Clara de Sousa

Foi uma infância saudável. Com estas boas memórias, mas também a memória, marcante, do último adeus à minha avó “Marquinhas”, a única pessoa de família, nascida no século XIX, que ainda conheci em vida. Lembro-me da sua doçura e carinho enorme com os netos, tantos, filhos dos seus 9 filhos. Ou da devoção que tinha por Nossa Senhora da Conceição. Coincidência ou destino marcado, acabaria por partir, dormindo, na noite de 7 para 8 de Dezembro, descendo o seu corpo à terra no dia da “sua” santa.

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Mas deixem-me voltar a Agosto de 1968. Tinha eu 9 meses. Na minha primeira viagem, no primeiro Verão fora de casa, dificilmente os meus pais poderiam imaginar que seria na Filhagosa que eu começaria a andar. Ficou a foto para memória futura. Ficou, sobretudo, o registo, a preto e branco, da alegria de uma bebé, que bate palminhas, na excitação dos primeiros passos. Com os pés na terra. Firme. De Trás-os-Montes.

Fotografia | Clara de Sousa

Eram dias felizes e despreocupados.


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Fernando Alves é uma das vozes inconfundíveis da rádio portuguesa e já apelidado de “poeta da rádio”. Jornalista há 40 anos e intimamente ligado à fundação da TSF, mantém há mais de vinte anos uma crónica diária chamada Sinais. Vem nos falar da sua experiência pelo interior de Portugal e como foi percorrer a Nacional nº 2.

Para além da Curva da Estrada

Por Fernando Alves

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Fotografia | Joaquim Pedro Rocha

Fotografia | Fernando Ribeiro

Quando começámos a desmontar a “tenda de campanha” da rádio, no fim da emissão nocturna da TSF, na Casa da Ponte, sobre o Tâmega, comecei a sentir saudades do ror de amigos e das coisas tácteis com que eles haviam saciado a minha fome de histórias, bem como da formidável resposta que haviam dado à indagação dos viajantes salteadores que, durante duas horas, lhes haviam apontado microfones e porquês. Comecei a sentir saudades do Diogo Martins Martins, do Rui Morais, da Sílvia Alves, do Fernando Ribeiro (que, entretanto, pendurara a alma de um rio na parede da Adega

Faustino mas mantinha sobre a mesa a máquina do olhar andarilho, para o que desse e viesse), da Ana Melo, da Otília Fernandes, da Marta da Costa, do Floripo Salvador, da anfitriã Isabel, do tocador de gaita e de todos quantos partilharam a sua condição com a indefinida tertúlia, num fio de éter mais difuso que a linha do asfalto a perder de vista. A propagação da luz é, como sabemos, rectilínea. Também a mítica EN 2, nos primeiros quilómetros. Seguindo para sul, essa longa recta que corta a cidade de Chaves enrosca-se como uma serpente

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Fotografia | Joaquim Pedro Rocha

na possibilidade de mundo que o mapa não desvenda. É essa uma das tentações da viagem. Nessas curvas nos perdemos como os lobos se perdiam no fojo. Samardã é logo adiante, mas iremos ao seu encontro como se o nosso destino fosse Samarcanda e a nossa viagem durasse mil e uma noites. Para sabermos o que nos aguarda nesse mundo em aberto, nenhum livro basta, é preciso desatar o coração de amarras identitárias e zarpar. Disso falámos, é claro, na Casa da Ponte, e de quantos rumaram a um incerto alhures e de quantos aqui permanecem, contrariando os ventos, os trasgos e o

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despovoamento das estatísticas. Nessa noite, enquanto desmontávamos a tenda, lembro-me de ter olhado o espelho de água estagnada que o luar iluminava sob a ponte de Trajano e de ter povoado o pensamento com os primeiros versos de um dos “Poemas Inconjuntos” do Alberto Caeiro: “ Para além da curva da estrada, / talvez haja um poço, e talvez um castelo, / e talvez apenas a continuação da estrada. Não sei nem pergunto (…)”. Nessa noite, ficámos a saber o essencial: por que é que os nossos anfitriões ainda não estavam “prontos para morrer”. Eles têm um ror de coisas para fazer. Assim

a rádio andarilha possa fazer o caminho de regresso e chegar além da curva da estrada. Ao lugar onde eles permanecem e respondem com uma firmeza poética que parece resgatar um dos versos seguintes do já citado poema do Caeiro (“Importemonos apenas com o lugar onde estamos. / Há beleza bastante em estar aqui e não noutra parte qualquer”).



Na Rádio, Por Pedro Pinheiro um País

46 anos, natural de Vila do Conde e jornalista há 25 anos. Pedro Pinhereiro passou pela Rádio Nova, pela revista Focus e é actualmente subdirector da TSF. Foi um dos três aventureiros que percorreram a estrada nacional nº 2 em tempo de eleições e questionaram todos os que encontravam neste interior do nosso país. Pedro Pinheiro é uma das mais emblemáticas vozes da rádio da actualidade, e conta-nos o que foi para ele percorrer esta estrada.

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Partimos com a Rádio ao encontro de um Interior esquecido. E com ela, um desafio em tempo de campanha eleitoral. Mostrar que esse território tem rosto, tem rostos... Mostrar o que lá se faz, todos os dias, e por muito que julguemos que não.

Fotografia | Joaquim Pedro Rocha

Fotografia | Joaquim Pedro Rocha

Foi uma viagem pelo país que não sai da boca dos políticos. Sempre nas palavras, não tantas vezes nas acções...

Sem pré-conceitos, levamos connosco duas perguntas: O que vos prende à terra onde vivem? O que faz com que não percam o sentido de pertença?

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Fotografia | Joaquim Pedro Rocha

Desmontada a tenda, haverá três conclusões essenciais. Primeira. A recusa de um discurso miserabilista. “Nós não somos os coitadinhos”, disseram-nos. Nesse país, não se reclama um tratamento diferenciado. Exige-se, tão só, uma relação de igualdade.

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Segunda. É verdade que, por lá, morre-se mais do que se nasce. Mas há jovens. Muitos. Empenhados. Dinâmicos. E que não querem partir. Mesmo, confessaram alguns, quando se sentem empurrados para tal.

Terceira. A paisagem muda, os sotaques são outros, as tradições também. Há todavia um padrão quando se percorre a estrada nacional 2. Nesse eixo que rasga o país ao meio, são muitas as identidades.


Fotografia | Fernando Ribeiro

Afinal: - O que distingue o trabalho que se faz na “INDIEROR”, em Chaves, daquele que se desenvolve a “I Create”, em Vila Nova de Poiares? Ou o da Palha Abrantes? - E que se faz no Conservatório de Música e Artes no Dão? É assim tão diferente daquele que se materializa na Escola de Música da Orquestra Ligeira de Ponte de Sor? Ou na centenária filarmónica de Magueija?

- E o guardador de memórias Floripo Salvador? Ou o Ti Chico Calhar? Ou o Mário Fagulha? Ou o Macarinho? Ou o mestre José Ameixinha? Não será possível traçar um paralelo entre eles, unindo Vidago a Mora? De lá a Tondela? Depois ao Torrão e a Almodôvar? - E aquilo que apaixonou o norteamericano John McAdam quando conheceu a serra de Montemuro? Será assim tão distinto daquilo que encantou a holandesa Evelyn Sakkers quando chegou

a São Brás de Alportel? - E entre a taberna do João das Cabeças, em Castro Verde? A livraria TragaMundos, em Vila Real? Ou a garagem onde ensaiam “As Escouralenses”? No que lá se faz? Não haverá partilha de um mesmo desígnio? Na tenda da Rádio, esse País terá dito que sim.

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A Etnografia do Outono Por Alexandre Parafita em Trás-os-Montes

Natural de Sabrosa, é Doutorado em Cultura Portuguesa (na área do Património Cultural Imaterial) e Mestrado em Ciências da Comunicação (especialidade de Antropologia da Comunicação). É docente do ensino superior, escritor jornalista e investigador nas áreas da mitologia e do património imaterial. É autor de várias dezenas de livros, em domínios multidisciplinares. Grande parte da sua obra faz parte do Plano Nacional de Leitura (PNL).

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Fotografia |Chaves Intemporal

O outono não é só esta paleta de cores que enobrece a paisagem, servida pelo bailado de folhas e restos de flores ao sabor do vento. O outono é um tempo de libertação ritual, um tempo em que a Natureza se despoja do que não é necessário e entra em recolhimento e introspeção para enfrentar o duro inverno e preparar a renovação («The Universe cannot pour fresh new energy into your “cup” if it’s constantly full of old stuff», assim escreve Clear Englebert em Feng Shui Demystified). Mas é também um tempo que projeta nos povos a consciência de que se está perante um ciclo natural de reflexão e de preparação para o inevitável inverno da vida. As festas e celebrações de outono são disso o testemunho, como sucede com as festividades do dia de Todos os

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Santos e do dia de Fiéis e Defuntos (a 1 e 2 de novembro, respetivamente), celebrações que anunciam a iminente proximidade do inverno, numa época em que a terra (símbolo feminino) aparece estéril após as colheitas do verão, e se prepara, no seu inevitável repouso, para, recebendo a semente (símbolo masculino), voltar a frutificar e assegurar a continuidade da vida. Não admira, pois, que, neste tempo de introspeção, o culto dos mortos traga consigo uma grande energia simbólica. Muitas tradições do dia de Fiéis e Defuntos perderam-se já, como sucedeu com as antigas “Procissões dos Ossos”. Os criminosos, sentenciados a morrer nas forcas, ali ficavam a apodrecer e ninguém

recolhia os seus corpos. Sem amigos e, tantas vezes, rejeitados pela família, aqueles míseros esqueletos aguardavam dias, semanas e meses por uma oração ou por um gesto de compaixão que não havia. Era então neste dia que os irmãos das Misericórdias se deslocavam às forcas, em procissão, cobertos de negros balandraus, e recolhiam os ossos em esquifes, transportando-os para os seus locais sagrados de enterramento, num cerimonial de apelo profundo à compaixão divina para com a alma daqueles infelizes, que sempre terminava com uma missa. Sabe-se que, mesmo quando não havia ossos a recolher, a procissão se realizava à mesma, num tempo em que os rituais tinham um sentido inabalável.


Fotografia |Chaves Intemporal

As refeições dos defuntos É tradição em algumas aldeias transmontanas a festa do “pau das almas”. Os rapazes, na manhã do feriado de 1 de novembro, vão ao monte cortar e apanhar um carro de lenha, para à tarde ser leiloada no adro da igreja, sendo a receita aplicada no dia seguinte (dia de Fiéis e Defuntos) na celebração de missas e ofícios em memória das almas do Purgatório. Um pouco por toda a região, resiste ainda a tradição de ofertar, através de representações simbólicas, uma refeição dos defuntos.

Exemplo disso é a distribuição do “pão das almas” aos pobres, à porta dos cemitérios no dia de Fiéis e Defuntos (hoje traduzido numa esmola em dinheiro) como retribuição pelas suas orações em sufrágio das almasque penam no Purgatório. Pela mesma razão, existe o chamado “pão do defunto”, oferecido a todos os que acompanharam o enterro, como forma de agradecimento pelas preces de cada um.

e deixavam-se as que sobravam para refeição das almas durante a noite. E o mesmo faziam as famílias nas suas próprias casas com os magustos dessa noite, deixando ficar os “bilhós” sobrantes na lareira para alimento das almas. E no dia seguinte, ninguém os comia, pois acreditava-se que haviam sido lambidos pelos defuntos da casa.

Outrora, no dia 1 de novembro, comiamse castanhas assadas (descascadas designam-se “bilhós”) nos cemitérios

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Fotografia |Chaves Intemporal

As alegorias meteorológicas Mas o outono é também um tempo em que se impõem as alegorias meteorológicas do povo transmontano. Sendo uma época em que a região entra num longo período agreste, ventoso e chuvoso, a requerer respostas empíricas prontas, é a hora da sabedoria popular vir ao de cima. E sentencia-se: “Outono sem chuva, vento e trovão, prepara-te para um ano de barriga em vão”, que o mesmo é dizer: “Se o outono vem sereno, ri-se o diabo no inverno”. Por isso, o povo sossega quando tudo bate certo, quando os tempos não andam trocados. Se as intempéries vêm em tempos certos, tudo nos meios rurais se acomoda, ao invés das grandes cidades, onde continuamos a assistir aos dramas das inundações e enxurradas. O povo

das aldeias, na medida em que continua a orientar-se por saberes antigos, está geralmente prevenido: “Se a aurora está ruiva, ou traz vento ou traz chuva” e “Céu pedrento, muita chuva e muito vento”. Ou então: “Amigos de ocasião são como o bom tempo, mudam com o vento” até porque, diz-se também, “O vento tanto junta a palha como a espalha”, ou “Vento de todo o lado é mandado p’lo diabo”. Preocupações reforçadas, em termos de economia doméstica, são também próprias do outono rural. Quando se dependia de colheitas próprias (longe dos tempos de hoje em que se demanda tudo nos supermercados…), entrava-se agora num tempo de pesadelo: as arcas iam

ficando vazias e os celeiros também. Cresciam as preocupações com o equilíbrio e a sobrevivência dos lares, os gastos caseiros, o sustento e rendimento dos animais. Era então que os mais velhos contavam aos mais novos a história da Cigarra e da Formiga. E no fim, tudo ia de novo dar a um provérbio, essa fórmula mágica que tanta sabedoria acumulada transmite: «Do cerejo ao castanho bem me amanho, do castanho ao cerejo é que me vejo», que equivale a dizer: “Dias de muito, vésperas de nada”, “Poupa enquanto há, que não havendo poupado está”, “Antes côdea de pão com amor que galinha com dor” ou “Antes o penhor na arca que o fiador na praça”.

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Fotografia |Chaves Intemporal

Concluindo. A etnografia é o modo de olhar um povo e de o entender e valorizar na sua cultura identitária. É a capacidade de reinterpretar as suas vivências, seja as do passado, seja as do presente, uma reinterpretação que, mais do que o reconhecimento da dimensão estética e ética do povo, será sempre uma forma lúcida de projetar o futuro, na convicção de que as suas raízes culturais são um elemento básico e estruturador imprescindível. Tal foi o princípio e a motivação para estas breves notas que redigi sobre algumas das pequenas franjas do vastíssimo universo intangível transmontano.

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O Universal é o Local Sem as Paredes

Por António Sampaio da Nóvoa

Nascido em Valença, António Sampaio da Nóvoa é uma das figuras efervescentes do panorama político nacional. Fez do teatro, da bola e dos cafés de Coimbra um ensaio à intervenção. As leituras, as tertúlias, um debate constante pelo futuro de Portugal. É Reitor honorário da Universidade de Lisboa e dedicou grande parte da sua vida à educação e à ciência. Exímio orador, foi agraciado com a grã-cruz da Ordem da Instrução Pública e é Comendador da Ordem de Rio Branco do Brasil. É actualmente candidato à presidência da república.

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Fotografia | António Sampaio da Nóvoa

A cultura é enraizamento e abertura. Quando o local se fecha dentro de si, perde-se a abertura, a possibilidade de criação. Miguel Torga disse-o numa única frase: O universal é o local sem as paredes. A cultura não se define por um universalismo sem raízes, mas pela capacidade de nos projectarmos, a partir de nós, para além dos muros. Dito de outra maneira: cada ser humano é um singular universal. Exemplifiquemos com a arte. Na singularidade de um

quadro de Nadir Afonso ou de Graça Morais está contida toda a história da pintura, a sua universalidade. Nada contra o conhecimento enciclopédico, generalizado no tempo da wikipédia. Mas é preciso sentir também a profundidade da geometria de Nadir e da fantasia de Graça. A cultura é sempre procura, descoberta, viagem. Imóveis, não chegamos a nenhum lado. Por isso, é tão importante este vosso projecto, que junta imaginações, textos,

obras e pensamentos. A matemática é um prolongamento da música, e a música da palavra, e a palavra do desenho, e o desenho da ideia, e a ideia do silêncio. Que o vosso ROR DE COISAS nunca separe o inseparável. O mais importante está sempre nas fronteiras. O artista conhecerá melhor o mundo, e até a sua arte, se souber matemática e física e biologia e química. O cientista compreenderá melhor as coisas, e também a sua ciência, se se abrir à música, à pintura, à arte.

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Fotografia | António Sampaio da Nóvoa

Do silêncio à palavra, e vice-versa, opera-se uma transformação mágica. Se for um intervalo, é nele que quero viver. “A filosofia não é um meio de descobrir a verdade. Mas é, como a arte, um processo de a criar”, disse Vergílio Ferreira. Se tivéssemos feito sempre tudo certo, de acordo com as certezas de cada época, teríamos ficado fechados no espaço e no tempo.

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Que este vosso ROR DE COISAS seja a maneira de cada de um se escrever e, assim, inscrever Trás-os-Montes para lá dos montes. Também eu, minhoto, tenho família em Canelas, no Peso da Régua, e até uma rua “Dr. António Nóvoa”, mas o nome não é meu, pertence a um antepassado, médico da aldeia. Diga-se do “reino maravilhoso”, o que João Guimarães Rosa escreveu sobre o

“Sertão”: é onde o pensamento da gente se forma mais forte do que o poder do lugar. Só com um ror de cultura a vida se torna mais forte do que o lugar. A criação enraíza e liberta Talvez seja mesmo verdade. A cultura não serve para nada, a não ser para tudo o que é verdadeiramente importante.


A Mulher entre Por Manuela Tender

Homens

Manuela Tender nasceu em Barreiros (Valpaços). Em 2011 foi a única mulher a ser eleita pelo círculo de Vila Real. O cenário repetiu-se em 2015. Atualmente é deputada à Assembleia da República. A convite da INDIEROR, escreve sobre o seu interesse pela política e sobre as eventuais alterações de um paradigma dominante em Trás-os-Montes.

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Fotografia | Manuela Tender

Nasci em Barreiros, uma pequena aldeia do concelho de Valpaços. Cresci e fui educada neste contexto rural transmontano, longe dos “centros de decisão”. Foi aqui que moldei o meu carácter e a minha forma de estar e ver o mundo. Foi aqui que adquiri os valores que ainda hoje orientam a minha vida, que interiorizei uma matriz axiológica cristã e humanista. E, curiosamente, foi aqui que nasceu o meu interesse pela política. O meu pai foi Presidente de Junta de Freguesia durante mais de duas décadas. Apreciava a proximidade, a solicitude, a forma abnegada como o meu pai exercia o seu

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mandato, a determinação que colocava na defesa do desenvolvimento do concelho e da qualidade de vida da população. Eram essencialmente homens no exercício dos cargos políticos, o que traduzia de alguma forma esse preconceito de que os homens é que se deviam dedicar à vida pública, sendo reservada às mulheres a vida doméstica, a educação e acompanhamento dos filhos, a gestão e lida da casa. E nesse meio ainda não se questionava esta prática, na minha infância e adolescência. Recordo-me de participar nas campanhas eleitorais, nas caravanas que na altura se


Fotografia | Manuela Tender

faziam no encerramento das campanhas, mas, além disso, pouca margem de participação era dada às mulheres e, em maioridade, foi aos meus irmãos (homens!) que o meu pai incentivou a participar. Nas conversas sobre política não se envolviam as mulheres e eu era olhada com estranheza quando me intrometia, ainda jovem, nas conversas dos adultos sobre questões políticas. A verdade é que gostava de participar nessas (muitas) reuniões de amigos que o meu pai organizava em casa, sempre à volta da mesa como é tradição em Trás-os-Montes. Muitas vezes ficava apenas discretamente

a assistir às conversas, absorvendo com interesse tudo quanto se dizia. Isto em finais da década de 80… A política era e permanecia, desta forma, um mundo de homens neste rincão transmontano. E assim se manteve até há muito pouco tempo, salvo raras exceções, até que a lei da paridade veio impor a representação de ambos os sexos nas listas, assegurando a representação mínima de 33,3% a cada um dos sexos. Naturalmente, as tradições e a educação tiveram a sua influência. Neste caso, muitas mulheres aprenderam na infância

que, como rezam os ditos populares da nossa região, “enquanto há homens não se confessam mulheres” ou “do homem a praça, da mulher a casa”, pelo que se coibiram de participar ativamente na política. Por certo já não seria assim nos grandes centros urbanos onde as mulheres foram progressivamente quebrando essas restrições e exigindo a oportunidade de participar, mas em Trásos-Montes, e particularmente no meio rural, era esta a mentalidade dominante na minha juventude e a política era “coisa de homens”. Naturalmente também, tendemos a aprender com o exemplo,

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Enquanto estudante universitária no Porto, a participação política não foi a minha prioridade. Tinha deixado um ambiente familiar e estava determinada a regressar à minha região pelo que tinha a noção de que seria uma estadia efémera e, sendo a mais velha de cinco irmãos e oriunda de uma família modesta, a minha prioridade foram os estudos pois tinha a consciência de que os meus pais tinham mais quatro filhos para educar, pelo que tinha de fazer o meu melhor para terminar no tempo previsto e com boa média para poder efetivar o mais rapidamente possível e assim libertar os meus pais dos pesados encargos que um filho a estudar longe de casa comporta. Ainda assim, não descurei

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a participação cívica e religiosa, integrando o grupo coral e o grupo de jovens da Igreja da Areosa, onde fui também catequista e onde participei em diversas iniciativas de âmbito social e solidário, para além do religioso. E consegui cumprir o objetivo traçado: acabei o curso de Línguas e Literaturas Modernas – Estudos Portugueses e Franceses na Faculdade de Letras da Universidade do Porto com a melhor média final, o que me valeu a distinção com o Prémio Fundação Eng.º António de Almeida e encheu de orgulho os meus pais e demais familiares e amigos e professores. Isto ensinou-me uma importante lição: um Transmontano pode chegar onde chegam os outros desde que se dedique e se esforce por isso. Claro que exige um esforço acrescido (o tempo das deslocações e os custos das mesmas, a

Fotografia | Manuela Tender

Fotografia | Manuela Tender

como foi o meu caso, embora só muito mais tarde tenha tido consciência disso.

distância do meio familiar, os custos com alojamento, entre outros aspetos), mas a nossa determinação e capacidade de trabalho permitem superar tudo. Costumo dizer que em Trás-os-Montes se aprende muito cedo a lutar contra as adversidades: os extremos climatéricos e os caprichos do relevo exigem que desenvolvamos uma robustez física e psíquica particular. Durante séculos, os cuidados de saúde eram tão escassos e tão distantes, com acessos tão rudimentares, que qualquer fragilidade matava. Por outro lado, os Transmontanos tinham de conquistar terreno para sobreviver: os nossos olivais e vinhas em socalcos quase inacessíveis, em espaços muitas vezes conquistados às rochas graníticas, demonstram o que acabo de dizer.


Fotografia | Manuela Tender Fotografia | Manuela Tender

Desenvolvemos, assim, desde a infância, um espírito de sobrevivência e uma resiliência que justificam o sucesso de tantos daqueles que tentaram a sorte noutros países ou noutros locais e de muitos residentes neste território. Creio que o apego à terra natal é outra das características dos Transmontanos. E é este apego que nos motiva para regressar, quando tal é possível. Foi o que fiz no fim do curso superior: concorri para Chaves e Valpaços. Regressada ao meu contexto natural, a minha predisposição para a participação cívica e política impôsse. Diria que começou no contexto escolar e se alargou progressivamente à comunidade envolvente. A consciência de que cada cidadão pode desempenhar um importante papel no desenvolvimento da sua região, na defesa da qualidade da educação, da saúde, na promoção de hábitos de estudo, de estilos de vida saudáveis, na identificação e resolução dos problemas de cada contexto, na motivação para a participação cívica e política, na defesa da dignidade e dos direitos humanos, tornou-me mais interventiva e socialmente comprometida. Interagi com os meus concidadãos e com diversas instituições do concelho e da região, colaborando, servindo, e foi assim que

começou a minha atividade política. Fizme militante do Partido Social Democrata e aceitei o desafio de integrar a lista de candidatos à Assembleia Municipal de Chaves em 2009 e à Assembleia da República em 2011. Certamente a lei da paridade foi responsável pela entrada de mais mulheres na vida política, por imposição das quotas mínimas. É certo que nalgumas situações já não se fica pelas quotas mínimas, mas ainda estamos longe da igualdade. Na política, uma mulher tem de trabalhar muito mais do que um homem para ter o reconhecimento. Obviamente tem havido uma alteração de paradigma em Trás-os-Montes! Mas estas mudanças levam o seu tempo e vão a par com as mudanças de mentalidades de homens e mulheres, na região e no país. Senão vejamos: na história da nossa democracia de cerca de 40 anos, quantas mulheres ocuparam lugares preponderantes na vida política nacional e concelhia? E quantas foram primeira escolha? Curiosamente nunca esteve uma mulher na Presidência da República e só na última legislatura tivemos uma mulher como segunda figura do Estado, presidindo à Assembleia da República, e não foi primeira escolha. Hoje, os caminhos para as mulheres na política estão mais abertos mas ainda são mais difíceis de trilhar do que para

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Fotografia | Manuela Tender

os homens. A proteção da lei, o impacto dos meios de comunicação social, o aumento assinalável das qualificações ou habilitações literárias, a liberdade e livre-arbítrio de que as mulheres hoje não abdicam abrem mais caminhos mas não fomos ainda, na minha opinião, capazes de assegurar a igualdade de oportunidades e de aferição do mérito. Apesar disso, temos de reconhecer que as conquistas a este nível têm sido muito grandes e absolutamente irreversíveis. O mundo da minha infância em que os homens assumiam o monopólio e as mulheres eram excluídas ou se autoexcluíam da política não voltará, porque

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as mulheres jamais o permitirão. E é esta uma das mensagens que quero deixar a quem nos ler. A política não pode continuar a ser um palco da luta dos sexos pelo protagonismo! Homens e mulheres trazem diferentes sensibilidades, diferentes olhares e formas de estar na política, não necessariamente incompatíveis mas complementares. E esta complementaridade exige tolerância e respeito mútuo, igualdade de oportunidades de mostrar do que se é capaz e liberdade para fazer diferente. É preciso ultrapassar estas dicotomias sem sentido e perceber que mais importante do que o sexo do político é a sua índole, a

sua capacidade de entrega à causa pública, a sua competência e probidade e o respeito que os seus concidadãos lhe merecem. Mas só conseguimos atingir este patamar se olharmos e avaliarmos de igual forma, sem preconceitos, homens e mulheres por aquilo que, efetivamente, fazem ou não fazem. Por fim, o apelo a todos os Transmontanos de que a distância dos centros de decisão não seja motivo para os afastar da política mas antes estímulo para lá chegar e para defender e servir a região e o país. Porque a política é serviço, é disponibilidade constante e humildade, na certeza de que, por muito que se faça, muito haverá sempre para fazer.



Filmar Por Vicente Alves do Ó o Horizonte

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Vicente Alves do Ó assinou o primeiro argumento em 2000, “Monsanto”, um telefilme da SicFilmes realizado pelo moçambicano Ruy Guerra. Este projecto abriu-lhe as portas da televisão e do cinema. Como realizador de longas metragens, estreou-se em 2011 com “Quinze Pontos na Alma” e em 2012 estreou “Florbela”, filme inspirado na vida e obra da poetisa Florbela Espanca. Prepara a sua próxima longa-metragem, lançou o segundo romance “Florbela, Apeles e Eu” e dá aulas de práticas de plateau na Escola de Actores – ACT. É um dos fundadores dos prémios Sophia.


Florbela (2012)

Trás-os-Montes (1976)

É raro acontecer, mas volta e meia, o cinema sai de Lisboa e avança para o Portugal de planícies, serras, florestas ou prados. Para o país onde o tempo demora e a vida tem outra leitura: é a vida muito mais intensa na sua composição que na vertigem das cidades. Tive oportunidade de filmar no Alentejo com o projecto “Florbela”. Duas semanas de rodagem em Vila Viçosa, terra natal de Florbela Espanca. Tinha oportunidade de sair da complexa arquitectura de Lisboa, cheia de cantos, de esquinas, duma urbanidade

que fecha o filme num gesto quase claustrofóbico, como se o cinema fosse um olho inquisidor sobre a humanidade que corre dum lado para o outro, procurando um sentido que apenas se encontra nos sinais de trânsito ou nos afazeres do dia de trabalho. Mas ali, na paisagem, nada disso existia. A câmara tinha a vastidão diante de si, tão despojada quanto intensa. Tão livre como assustadora. Tudo o que coubesse no quadro tinha uma razão ou, se não tinha, adquiria um peso tão grande que ganhava qualquer possibilidade de

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Florbela (2012)

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Florbela (2012)

ser filme – era o mundo que ganhava vantagem em relação ao cinema. Filmar o horizonte é difícil. É preciso imaginar toda uma construção narrativa que lhe dê a função – mais do que apenas paisagem. É preciso que dentro da narrativa ou do comportamento, é preciso que dentro da ideia ou escondido algures, exista uma voz nessa paisagem filmada, nesse campo imenso que é Portugal. Nunca tive oportunidade de filmar no Norte do País. Espero pela oportunidade.

É certamente uma outra forma de pensar e de estar, onde a história tem que viver colada ao que se apresenta: seja a serra, o planalto, a solidão ou a neve. Seja o relevo, o escuro do casario, seja o silêncio que nos serve de metáfora para um país desertificado e abandonado. Porque quando pensamos o horizonte português vem sempre essa ideia sublime de perdição e utopia. De melancolia que nos define tão bem e que nunca nos abandona. Resta saber como podemos filmar esse estado físico e emocional. Como podemos

nós através do cinema ser fiéis a nós próprios e à paisagem que no fundo diz tanto de nós – sem que seja apenas paisagem. António Reis filmou Trás-os-Montes na sua plenitude de condição. Falta agora voltar lá e filmar este tempo – tempo permanece, que mudou, que fugiu? Falta isso. Ou antes – faltam realizadores que filmem o país na sua verdade.

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Miasmas Por Joana Sousa Natural de Oliveira de AzemĂŠis, estudante de arquitectura na Universidade da Beira Interior

https://www.facebook.com/Joana-Sousa-233950966696120 https://www.behance.net/blackhead

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Os olhos cozinham a envolvente. O ruído, o cheiro, o movimento, a informação é enviada e o dedo do clique faz acontecer.

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Num primeiro plano ĂŠ prazer, um segundo plano ĂŠ uma histĂłria.

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A Astronomia ao longo dos Tempos

Por João Rodrigues

Nasceu a 1993 em Chaves, Vila Real. Licenciado em Bioquímica pela FCUP é actualmente estudante do mestrado em Biologia Celular e Molecular da FCUP realizando a sua tese de mestrado no IBMC:INEB Associate Laboratories, no departamento de Bioengineering and Synthetic Microbiology. Faz parte da equipa do FCiências para o qual é responsável pelas rubricas ‘Vídeo em Destaque’, ‘Molécula da Semana’ e ‘Laboratório Online’.

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Em tempos passados, a astronomia consistia apenas na observação e previsão do movimento dos objectos celestes visíveis a olho nu. Algumas culturas ancestrais construíram artefactos de grandes dimensões que se pensam estarem associados à astronomia. Além de serem usados para usos cerimoniais, estes observatórios poderiam ser igualmente usados para determinar o decorrer das Estações do ano, factores cruciais às colheitas, etc. À medida que as civilizações foram crescendo, na Mesopotâmia, Grécia, Índia,

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China, Egito e América central começaram a ser construídos observatórios astronómicos e, com estes, foram surgindo novas teorias acerca da natureza do Universo. No início, a astronomia consistia basicamente no mapeamento da posição das estrelas e dos planetas (uma ciência agora referida como astrometria). Mas foram a partir dessas observações que começaram a ser discutidas as primeiras ideias acerca do movimento dos planetas, da natureza do Sol, da Lua e da Terra. Pensava-se que a Terra fosse o centro do Universo e que o Sol, a Lua e as estrelas giravam em torno dela. Formou-se assim


o modelo geocêntrico do Universo, o sistema Ptolemaico. A introdução da matemática e da ciência na astronomia pelos Babilónios constituiu um momento particularmente importante para o seu desenvolvimento. Foram os Babilónios que descobriram que os eclipses lunares ocorrem de forma cíclica, ficando estes ciclos conhecidos por saros. Estes contribuíram grandemente na inclusão da astronomia nas tradições das grandes civilizações da Era Clássica. Seguindo os passos dos babilónios, os cidadãos da Grécia Antiga também se

voltaram para a astronomia e contribuíram para o crescimento desta ciência. A astronomia grega é caracterizada pelo começo da procura de explicações físicas e racionais dos fenómenos celestes. No século III AC, Aristarcos de Samos estimou o tamanho da Lua e do Sol, bem como quanto estes astros distam da Terra, sendo o primeiro a propor um modelo heliocêntrico do Sistema Solar. No século II AC, Hiparcos descobriu a precessão, calculou o tamanho e a distância da Lua e inventou o astrolábio, o instrumento astronómico mais antigo que conhecemos. Da Civilização Grega provieram a maioria

das constelações do hemisfério norte, e, recentemente, descobriu-se um sistema análogo a um computador - o mecanismo de Antikythera - desenhado para calcular a localização do Sol, da Lua e dos planetas para uma determinada data, tratandose de um sistema cuja complexidade tecnológica só voltou a aparecer no século XIV, com o aparecimento dos relógios astronómicos, na Europa. Na Idade Média, a astronomia, tal como várias outras áreas do conhecimento, estagnou na Europa, pelo menos até ao século XIII. No entanto, a astronomia floresceu no mundo Islâmico e em outras

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partes do mundo. Isto levou à emergência dos primeiros observatórios astronómicos do mundo muçulmano, no início do século IX. Durante este período, muitos nomes árabes foram introduzidos na astronomia, nomeadamente nomes de estrelas. No final da Idade Média, a Igreja Católica Romana passou a suportar mais o estudo da astronomia, tanto social como financeiramente, do que qualquer outra instituição. Este patrocínio teve como objectivo a recuperação de informação que fora censurada até então, contribuindo para o surgimento do Iluminismo na Europa. Durante a Era do Renascimento, Nicolau Copérnico propôs um modelo heliocêntrico do Sistema Solar. O seu trabalho foi posteriormente defendido, aprofundado e corrigido por Galileu

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Galilei e por Johannes Kepler. Kepler fora o primeiro a desenvolver um sistema que escrevesse corretamente os detalhes do movimento dos planetas, com o Sol no centro. No entanto, Kepler não conseguiu formular uma teoria que sustentasse as leis que escrevera. Foi com dinâmica celeste e as leis da gravitação de Newton que se passou a poder explicar o movimento dos planetas. Foi nesta época que os astrónomos passaram a possuir um instrumento que revolucionou grandemente a sua ciência - o telescópio. Os primeiros telescópios a serem usados foram os refractores, nos Países Baixos, em 1608. Um ano mais tarde, Galileu começou a desenvolver o seu próprio telescópio, tendo contribuído para o melhoramento deste instrumento. Mais tarde, Newton também participou na

evolução do telescópio, com a invenção do telescópio refletor. A partir daí, os avanços da Astronomia acompanharam paralelamente a evolução do telescópio. Lacaille contribui com catálogos de estrelas mais extensivos. William Herschel fez um catálogo mais detalhado de nebulosas e aglomerados de estrelas e, em 1781, descobriu o planeta Urano. Durante os séculos XVIII e XIX, a atenção de Euler, Clairaut e D’Alembert, voltada para o problema dos três corpos, levou a previsões mais detalhadas acerca do movimento da Lua e dos planetas. Este trabalho foi posteriormente refinado por Lagrange e Laplace, passando a ser possível estimar-se a massa dos planetas e das luas a partir das suas perturbações. A astronomia sofreu avanços significativos com a introdução de novas tecnologias,


como a espetroscopia e a fotografia. A existência da galáxia onde se localiza a Terra, a Via Láctea, como um grupo separado de estrelas, só foi provada no século XX, juntamente com a existência de galáxias “externas”. Pouco tempo depois foi provada a expansão do Universo. A Astronomia moderna levou à descoberta de muitos corpos celestes exóticos, como quasares, pulsares, blazares e rádio galáxias, bem como teorias que vieram a descrever outros corpos celestes, como os buracos negros e as estrelas de neutrões. A Cosmologia física permitiu o surgimento de grandes avanços científicos, também no século XX, nomeadamente o modelo do Big Bang, fortemente suportado por evidências fornecidas pela Astronomia e pela Física, como a radiação cósmica de fundo de microondas e a lei de Hubble.

Ainda no século XX, a invenção de telescópios que permitem observar para além do visível pelo olho humano radiotelescópios, telescópios de raios-X, telescópios de raios-Gama, telescópios de infravermelhos, etc. - levou ao desenvolvimento de diversas variantes da Astronomia, cada uma especializada para uma determinada região do espetro eletromagnético. Os telescópios espaciais reforçaram esta expansão da Astronomia, pois agora podemos fazer medições de radiações que são bloqueadas ou sofrem interferências pela atmosfera da Terra.

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Rua de Santo António, 37 5400-069 Chaves Tel. 276 318 460 | Fax. 276 318 461 email: opticaliachaves@gmail.com

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Viagens na Minha Terra Por David Sarmento A linha do Corgo

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Há quase vinte e seis anos que a via-férrea que fazia a ligação Chaves – Vila Real deixou de funcionar e o troço Vila Real – Peso da Régua há seis. A linha do Corgo era então, uma importante via de comunicação entre o Alto Tâmega e o Alto Douro Vinhateiro, hoje classificado como património da humanidade pela UNESCO. Para as novas gerações como a minha, esta ligação ferroviária é uma história antiga e distante e foi neste sentido, com a promessa de uma pequena aventura, que peguei na bicicleta e me embrenhei por essa linha tantas vezes lembrada e que foi outrora dos nossos pais e avós. Vou procurar não perder-me em descrições até porque prefiro deixar-vos com água na boca, no entanto, há certos pontos ao longo do caminho que merecem ser destacados, pela sua beleza, capacidade de reinvenção e ainda por aspectos menos bons da acção do tempo e do homem. Comecei a viagem em Curalha, mais propriamente na ponte de pedra que liga as margens do Tâmega com um só arco. Se é bonito é para parar, é esta a regra que adoptei nas minhas viagens e esta nem tinha começado e já estava a sair da bicicleta. Partilhei este momento com uma mulher que

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vasculhava o chão à procura dos primeiros tortulhos entre os carvalhos. De Curalha até Pedras Salgadas o caminho foi o que já temia, sem manutenção e interrompido ocasionalmente por estradas e apropriação indevida do terreno mas nada com expressão no todo e, na verdade, foi bastante fácil encontrar o fio à meada. Ao entrar no concelho de Vila Pouca de Aguiar a história foi outra, uma boa surpresa. O caminho transformou-se numa ciclovia que foi bem recebida, a julgar pela afluência de pessoas a passear a pé, ciclistas matutinos e até rebanhos e seus respectivos pastores. É nos montes circundantes que nasce o rio Corgo que

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deu nome à antiga linha ferroviária transmontana. São quarenta e quatro quilómetros de extensão até encontrar o Douro e sítios bonitos não faltaram para o contemplar. Dali em diante, fui acompanhado pelo rio, pelo parque natural do Alvão à direita e pela serra da Falperra à minha esquerda. A cidade de Vila Real apresentou-se pouco depois e percebi desde logo que a ferrovia, tal como em Chaves, foi engolida pelo meio urbano. Assim, fui forçado a atravessar a cidade até à velha estação para retomar o desafio. Pouco depois de deixar a cidade para trás, a paisagem alterou-se gradualmente dando lugar aos montes esculpidos do douro vinhateiro e o espaço cultivado tornou-se maior que o

espaço baldio. A descida suave até à Régua teve assim o seu início na companhia de um Corgo belo e sinuoso. Para além da beleza indiscutível da paisagem, tenho que salientar também a opinião da gente com quem troquei meia dúzia de palavras durante as minhas pausas aleatórias. Em suma, falouse de saudade e necessidade e todos sublinharam o bonito que era atravessar aquelas terras de comboio. Numa visão mais pessoal, senti que o potencial deste trajecto está pouco explorado e que provavelmente podia ser feito mais contando com a cooperação das várias partes responsáveis pela linha do Corgo.


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Premiado realizador português, fundador de projetos como a “A Musica Portuguesa a Gostar Dela Própria”, “O Povo que ainda canta” (RTP2 e Antena 2) e membro da dupla “Sampladélicos”. É um dos mais insaciáveis captadores do nosso património imaterial e o seu trabalho permite manter viva a memória de um país e daqueles que o fazem.

O Dia em que a Cultura Morrer Por Tiago Pereira É um Dia que não Existe 61


O dia em que a cultura morrer é um dia que não existe. Isso nunca acontecerá. É um mito ou um tema para literatura de ficção científica. Nascemos e logo em pequenos já nos cantam para nos adormecer ou ligam a rádio ou a televisão. Dão-nos de comer e cozinham receitas que já aprenderam com os pais que aprenderam com os avós. Falam connosco e nós apanhamos características de linguagem daquela região, sotaques, formas de falar, termos únicos. Não há como escapar. A cultura está em todo o lado, não se pensa nela e ela existe. Não pode acabar. Todas estas coisas sim transformam-se, acompanham os tempos e mudam, alteram-se mas nunca morrem. Enquanto as pessoas comunicarem e estiverem juntas nunca a cultura morrerá. E todos somos ministros dela.

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Agenda Cultural

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Cineclube de Chaves 1 e 15 de Dezembro | 21h Cine Teatro Bento Martins Chaves

Apresentação e exposição projeção, debate e convívio. Apareça e inscreva-se. Org.: Cineclube de Chaves

do

filme,

Hunger Games A Esperança

Pára-me de repente o pensamento

4 e 6 de Dezembro Cine Teatro Bento Martins Chaves

8 de Dezembro | 15h30 Cine Teatro Bento Martins Chaves

Katniss Everdeen continua a sua luta com a Capital, que ficou inconformada com o facto dela ter sobrevivido duas vezes aos jogos vorazes. A heroína está disposta a lutar em nome da sua causa, pelos seus amigos e familiares. sexta às 21h30 // domingo às 15h30, 17h30 e 21h30 Org.: Teatr0 Experimental Flaviense

Exibição do filme realizado por Jorge Pelicano no âmbito do lema “Dignidade em Saúde Mental“, preconizado pela OMS para 2015. Seguir-se-á um debate, moderado por Miguel Viseu, Psiquiatra e Diretor do Serviço de Psiquiatria. Org.:Comissão de Formação do Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental do Centro Hospitalar de Trásos-Montes e Alto Douro e Teatro Experimental Flaviense

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O Leão da Estrela 11 e 13 de Dezembro Cine Teatro Bento Martins Chaves

Remake da popular comédia de 1947, com António Silva, Milú, Maria Eugénia e Laura Alves. Anastácio, um alucinado e fanático adepto do Sporting, vai ao Porto assistir a um desafio decisivo. Instala-se com a família em casa dos Barata, que conheceram nas Caldas da Rainha e cujo filho Eduardo namorisca a bela Jujú, a filha de Anastácio. Este, um compulsivo farsante e imaginativo mentiroso, fazse passar por um abastado homem de negócios e as coisas correm da melhor forma no Porto. Mas quando Barata anuncia uma visita a Lisboa com a família, Anastácio fica em pânico. Porém, não se deixa abater e monta uma engenhosa farsa de aparências e mentiras, que vai terminar numa monumental confusão… Org.: Teatro Experimental Flaviense

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Musical “Um Outro Natal” 15 de Dezembro | 21h Auditorio do Centro Cultural Chaves

Musical de Natal realizado pelos alunos do Agrupamento de Escolas Dr. Júlio Martins. Entrada livre. Org.: Agrupamento de Escolas Dr. Júlio Martins Apoio: Chaves Viva e Município de Chaves

Concerto de Natal Orquestra Infantil da AAC 16 de Dezembro | 19h30 Auditório do Centro Cultural Chaves

A Orquestra Infantil da AAC, sob a Direção do Professor Tiago Soares, apresenta-se em concerto com um programa dedicado à época natalícia. Os mais jovens alunos de sopro e percussão mostram mais uma vez o trabalho realizado durante o primeiro período. Venham celebrar o espírito natalício! Org.: Academia de Artes de Chaves | Apoio: Ass. Chaves Viva e Município de Chaves


O Principezinho 18 e 20 de Dezembro | 21h Cine Teatro Bento Martins Chaves

Concerto “Glòria”

Orquestra de Cordas do Curso Profissional da AAC 19 de Dezembro | 21h30 Igreja Matriz Chaves

Teatro no Natal 22 de Dezembro | 21h Auditorio do Centro Cultural Chaves

Venha Celebrar o Natal com as turmas de teatro da AAC. Professora Teatro/Encenadora Cristina Nunes AO POLO NORTE! Uma “pinguina” está farta de receber peixe como prenda de Natal e resolve ir ao Polo Norte informar o Pai Natal! Quem encontrará na sua viajem?

Uma menina acabou de se mudar com a mãe, uma controladora obsessiva que deseja definir antecipadamente todos os passos da filha para que ela seja aceite numa escola conceituada. A hélice de um avião abre um enorme buraco na sua casa, curiosa, decide investigar. Conhece então o seu novo vizinho, um senhor que lhe conta a história de um pequeno príncipe que vive num asteroide… Org.: Teatro Experimental Flaviense

A Orquestra de Cordas da AAC, sob a direção do Maestro Carlos Pereira, vai celebrar o Natal com um concerto na majestosa Igreja Matriz de Chaves. Desta vez, com a colaboração dos Coros do Curso Profissional sob a direção do Professor Vasco Sousa, tendo como peça central a “Glória” de Vivaldi. Org.: Academia de Artes de Chaves Apoio: Ass. Chaves Viva e Município de Chaves

PERSPETIVAS DE NATAL Tanta coisa acontece no Natal: as preparações, as prendas, a comida…e muito mais! Venham ver as perspetivas desses acontecimentos pelos olhos de algumas amigas. O MUSICAL DO NATAL Na escola estão a preparar o musical do Natal – uma natividade, mas nas preparações nada parece estar a correr como se espera…Será que no fim tudo se resolve?

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