Apoio:
Volume 1 • Número 2
Setembro 2017 ISSN 2525-4294
Em breve Licenciatura em Artes Visuais e Tecnologia em RH
- PEDAGOGIA - ADMINISTRAÇÃO - TECNOLOGIA EM LOGÍSTICA - TECNOLOGIA EM RECURSOS HUMANOS (RH) - TECNOLOGIA EM MARKETING - TECNOLOGIA EM GESTÃO FINANCEIRA - TECNOLOGIA EM COMÉRCIO EXTERIOR - TECNOLOGIA EM REDES DE COMPUTADORES - TECNOLOGIA EM SISTEMAS PARA INTERNET
Setembro 2017 ISSN 2525-4294
Volume 1 • Número 2
Educação Integral: Reflexões sobre educação na perspectiva da integralidade humana INEQ / FAEP Volume 1 – Número 2 ( Setembro de 2017) Apoio:
Periodicidade: Trimestral
CARTA AO LEITOR Ao longo dos últimos anos, o INEQ – Instituto Nacional de Educação e Qualificação Profissional – vem consolidando-se como uma instituição precursora do incentivo à educação no Brasil. Não somente na área da edu-
Os conceitos contidos nesta revista são de inteira reponsabilidade dos autores. É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem prévia autorização dos autores.
cação, mas agora atuante em áreas como tecnologia, saúde e no setor corporativo, o INEQ mostra sua capacidade de levar conhecimento a diversos públicos interessados no aprendizado como um todo. Comemoramos 10 anos de existência como muito louvor, orgulho e perspectivas de crescimento e inovação. Com parcerias com diversas outras instituições de
CONSELHO EDITORIAL Profº Dr. Claudinei Aparecido da Costa; Profº Ms. Clemente Ramos dos Santos;
ensino superior, levamos cursos de Pós-graduação e se-
Profº Dra. Vania Aparecida da Costa
gunda licenciatura a diversos polos na grande São Paulo.
Profª Ms. Ana Maria Gentil.
Mas para mostrar nossa dedicação com o saber, podemos apresentar os resultados da FAEP – Faculdade de Educação Paulistana – com o curso de licenciatura em Pedagogia e com o curso de licenciatura em Artes Visuais aprovado pelo MEC – Ministério da Educação – aguardando apenas publicação no Diário Oficial da União (D.O.U.).
EDITOR CHEFE Profº Dr. Claudinei Aparecido da Costa; REVISÃO E NORMATIZAÇÃO DE TEXTOS
Além disso, temos também a FACITEP – Faculda-
Anderson Silva Costa
de de Ciências e Tecnologia Paulistana – com os cursos de
Marina Pereira Borges
Administração e Tecnologia em Logística já com turmas em andamento, e com o curso de Tecnologia em Recursos Humanos também aguardando apenas publicação no D.O.U. Recentemente, juntando-se ao grupo, a Faculdade de Tecnologia Alpha Channel chega para agregar conheci-
Dayane Tavares Galego de Oliveira CAPA E PROJETO GRÁFICO Francisco de Assis Vasconcelos Miranda
mento e versatilidade aos nossos alunos na diversificação por cursos que abrangem a área tecnológica com graduação em Design Gráfico, Técnico em Computação Gráfica, além de outros cursos de Pós-graduação e cursos específicos e direcionados ao mercado de trabalho. Esta edição da revista Educação Integral mostra
Fotografia: Natália Rodrigues INSTITUTO NACIONAL DE EDUCAÇÃO e QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL – INEQ
nossa força na publicação de artigos acadêmicos e na va-
Rua Santa Ângela, 252, Vila Palmeiras,
lorização de nosso corpo docente e discente na elabora-
Freguesia do Ó, São Paulo – SP - Cep: 02727-000
ção de estudos e pesquisas educacionais. Agradecemos
Tel.: (11) 3218-0088
a participação de todos os envolvidos nessa nova publicação e temos certeza de que muitas outras virão para enriquecer a educação em São Paulo e no Brasil.
e-mail: educacaointegral@ineq.com.br ISSN 2525-4294
Prof. Dr. Claudinei Aparecido da Costa Diretor-geral INEQ - Educação integral
3
APRESENTAÇÃO
EDUCAÇÃO INTEGRAL
Em muitas escolas, colégios e universidades, perdeu-se a dedicação pelo estudo pedagógico e pelo aperfeiçoamento profissional e acadêmico dos assuntos realmente discutidos em sala de aula. É nesse sentido que o grupo INEQ – Instituto Nacional de Educação e Qualificação Profissional – busca resgatar esses conceitos e ideais, na fomentação pelo conhecimento e pela pesquisa. A banalização dos assuntos corriqueiros e cotidianos sobrepõem-se a respeito dos assuntos educacionais, que outrora eram mais conceituais no meio acadêmico. O tempo é um fator crucial na divisão das tarefas institucionais, mas com tantas informações e tarefas, a simples discussão pedagógica secundariza-se diante de assuntos administrativos e até mesmo pessoais. Nesse sentido, pretendemos resgatar essa discussão com os artigos publicados nesta edição da revista Educação Integral, para que um artigo acadêmico não fique apenas no papel ou fazendo volume em uma pasta de arquivo no computador ou smartphone. Uma discussão no âmbito educacional não pode ficar restrita a apenas uma publicação ou a ideias de professores e acadêmicos. As publicação brasileiras em
4
INEQ - Educação integral
revistas científicas ainda estão longe das menções feitas em países europeus, por exemplo. Somente redefinindo essa cultura que conseguiremos fazer com que a nação brasileira possa sobressair-se e destacar-se na educação, melhorando, consequentemente, nosso índice na UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – que, infelizmente, está entre os mais baixos no mundo. Não basta apenas a leitura de livros ou publicações afins. Para que a Educação possa progredir e avançar, é preciso uma discussão ampla e racional dos temas abordados nas instituições de ensino superior em geral. O próprio conceito de “universidade”, remete-se às antigas menções gregas que significavam “espaço para debates”. O registro é apenas uma mera formalidade daquilo que se discute em sala de aula e se aplica, na prática, nas realizações pedagógicas e educacionais como um todo. O apreço dos artigos aqui publicados vão além de sua simples leitura. A reflexão e a discussão pedagógica é que, de fato, enriquecerão os temas abordados. O grupo INEQ apoia essas iniciativas e incentiva, não somente por intermédio da revista Educação Integral, mas também pelos conteúdos apresentados nas salas de aula dos diversos cursos que proporcionamos, fazendo com que nossos alunos sejam críticos, observadores e reflexivos quanto aos diferentes temas que surgem na Educação ao longo do tempo. Conselho Editorial
SUMÁRIO
06 14
A DISLEXIA NA ESCOLA: PROMOVENDO UMA APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA – Cíntia Aparecida da Dalto Souza
AS CONTRIBUIÇÕES DE VYGOTSKY ACERCA DO DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM DAS CRIANÇAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL – Cristina Antunes Tavares Ferreira
26
EDUCAÇÃO INCLUSIVA: DIFÍCIL, MAS POSSÍVEL!
32
UMA REFLEXÃO SOBRE O PERCURSO PARA A RESSIGNIFICAÇÃO: O CURRÍCULO ESCOLAR BRASILEIRO
35
A IMPORTÂNCIA DE TRABALHAR AS QUESTÕES ÉTNICO-RACIAIS NA EDUCAÇÃO INFANTIL
43
A PERCEPÇÃO DA PRÁTICA AVALIATIVA NO PROCESSO DE ESCOLARIZAÇÃO
48
ARTE E MATEMÁTICA NO ENSINO FUNDAMENTAL: UMA INTER-RELAÇÃO POSSÍVEL E NECESSÁRIA
59
– Izabel Cristina Ferreira dos Santos Alves
– Katia Regina Vinhas de Morais
– Marlene Anastácio Sales
– Professor: Vagnum Dias da Silva
– Esther Maria Freixedelo Martins
1º FESTIVAL DE TEATRO DO COLUNI/UFF: EXPERIÊNCIAS PEDAGÓGICAS AO ENCONTRO DA CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO INTEGRAL. – NASCIMENTO, Caio Cesar Silva
INEQ - Educação integral
5
A dislexia na escola: promovendo uma aprendizagem significativa
Cíntia Aparecida da Dalto Souza 1
RESUMO
cial aspects that involve the notion of failure and
school success in society current.
A presente pesquisa discorre sobre a ques-
tão da dislexia, que é conhecida por se tratar de
The main objective of this work is the contribu-
um problema na linguagem, de ordem orgânica e
tion that school attributes the dyslexia once this
que predispõe dificuldades na vivência social, no
process causes consequences that they reflect in
comportamento e nas emoções, interferindo no
the marginalization of the dyslexic pupil. However,
fracasso e sucesso escolar..
the pedagogical strategies that are made for the
O principal objetivo deste trabalho é discutir o peso
accompaniment of the dyslexic one in school need
e a interferência da dislexia em âmbito escolar,
to be improved, not only aiming at the shelter of
uma vez que esse processo acarreta consequên-
the dyslexic one for school, but mainly its cogniti-
cias que refletem na marginalização do aluno dis-
ve and partner-affective development.
léxico. Entretanto, as estratégias pedagógicas que são utilizadas para o acompanhamento do aluno
WORD-KEY: Dyslexia. Development. Professor.
disléxico na escola precisam ser aprimoradas, vi-
School.
sando não só o acolhimento do mesmo pela escola, mas, principalmente, seu desenvolvimento
1. INTRODUÇÃO
cognitivo e socioafetivo.
Como identificar os alunos que apresen-
tam dislexia nas séries iniciais do Ensino FundaPALAVRAS-CHAVE: Dislexia. Desenvolvimento.
mental? Esta foi a pergunta que a pesquisa procu-
Professor. Escola
rou responder. Questão esta que teve sua origem no se deparar com um aluno que demora em co-
6
ABSTRACT
piar as palavras da lousa, troca as letras na hora de
The present research discourses on the
escrever, não memoriza informações que acabou
question of the dyslexia. The Dyslexia is one bewil-
de ouvir e, nas redações apresenta um vocabulário
ders of language with organic basis, being able to
pobre, normalmente se distrai com facilidade, seu
preset to the carrier diverse problems of social,
desempenho nas avaliações é sempre abaixo do
behavioural and emotional order, in view of the so-
esperado, seus cadernos e trabalhos estão sem-
1 - Graduada em Pedagogia pelo Centro Universitário Sant’ Anna, pós-graduada em Letramento e Gestão Escolar pela Faculdade Campos Elísios. Diretora de escola na Prefeitura Municipal de São Paulo. Email: cintia_dalto@hotmail.com
INEQ - Educação integral
pre desorganizados. Para qualquer Professor este
fazer um encaminhamento clínico da criança e
aluno seria estigmatizado como desinteressado
uma vez feito o diagnóstico do quadro, é necessá-
ou preguiçoso, no entanto nada tem a ver com pre-
rio dedicação total ao aluno em sala de aula e no
guiça ou relaxo, mas sim, como é rotina, este dis-
decorrer do tratamento, o qual envolve em partes
cente apresenta alguns sintomas característicos
iguais a escola, a família e profissionais da saúde.
de dislexia.
Quanto antes a criança disléxica for devidamente
Já na pré-escola, a criança começa de-
alfabetizada e acompanhada (médica e pedagogi-
monstrar suas dificuldades. Para a criança disléxi-
camente), mais cedo aprenderá a lidar com suas
ca é muito difícil decorar músicas infantis, realizar
“limitações” e, assim, terá sucesso em seus estu-
a amarração dos cadarços, tirar e colocar sapatos,
dos e, por conseguinte, em sua vida.
vestir roupa e abotoá-las, algo simples tornar-se
uma tarefa muito complexa.
diagnóstico e tratamento precoces podem trans-
Também são demonstrados alguns proble-
formar um disléxico num profissional brilhante na
mas de memória. Outro problema agravante é a
fase adulta. Afinal, a dislexia é uma dificuldade que
dimensão temporal, pois o disléxico confunde fre-
pode ser vencida com tratamento. O diagnóstico
quentemente o hoje e oamanhã; o mesmo se ob-
de dislexia não é simples de ser realizado, exige
serva em relação à lateralidade porque esquerda,
competência médica e pedagógica, dedicação ,
direita, para cima e para baixo também são obje-
estudo e paciência.
A intenção deste trabalho foi mostrar que
tos de confusão. Também apresenta dificuldades com situações sequenciais, pois parece nunca
2. DEFININDO A DISLEXIA
saber em qual dia, mês ou ano está. Além disso,
ao falar é hesitante, muitas vezes se perde no
ma, a definição do mesmo para que se possa fazer
discurso, enrola-se e não consegue se expressar
uma abordagem de maneira mais profunda. Assim,
claramente. Desta forma, o trabalho se justifica ao
a resolução tornar-se-á mais fácil. Segue abaixo as
buscar em renomados pesquisadores, uma forma
definições mais aceitavam e que se comprovam
de explicitar tais comportamentos, bem como in-
com a práxis. Entretanto, antes das definições é
tervir de maneira adequada no cotidiano escolar.
interessante conhecer a etimologia da palavra dis-
Saber reconhecer que um aluno(a) apre-
lexia: DIS = distúrbio ou dificuldade; LEXIA = do la-
senta este distúrbio, facilita o trabalho do Profes-
tim “leitura” e/ou do grego “linguagem”. Assim, DIS-
sor, podendo este ajudá-lo de forma adequada e,
LEXIA = distúrbio de linguagem (LANHEZ e NICO,
assim, integrá-lo ao grupo de aprendizagem. Desta
2002).
forma, o objetivo que a pesquisa buscou alcançar
foi o de compreender quais as dificuldades que
do distúrbio feito aqui é somente para facilitar a
uma criança com dislexia apresenta. Este trabalho
identificação do mesmoafim de que o auxílio aos
também dará importância no diagnóstico da disle-
disléxicos possa ocorrer de maneira mais adequa-
xia em sala de aula,visando integrar o discente ao
da possível. Também é importante enfatizar que
restante da turma, pois a criança com esse distúr-
existe dois tipos de dislexia: a de evolução e a ad-
bio tende a sentir-se inferior aos outros e com isso
quirida; a primeira, congênita e hereditária; segun-
procurar o isolamento.
da, advém como consequência de traumatismo
craniano, acidente vascular, derrame etc.
Os professores que se mantêm atentos e
espreitando os sintomas, desde o início podem
Primeiro, é necessário conhecer o proble-
É importante destacar que a conceituação
Para dislexia encontram-se várias definições, poINEQ - Educação integral
7
rém a mais usada na atualidade é a da
Atualmente, as dificuldades de aprendiza-
Internacional Dyslexia Association – IDA, que diz:
gem encaminham à acepção de “crianças com
Dislexia é um dos muitos distúrbios de
deficiência”. Neste grupo estão inseridas crian-
aprendizagem. É trata-se especificamente
ças com distúrbio mental e/ou físico, bem como
da linguagem, de ordem legítima, formaliza-
crianças com dislexia. Em relação, a dislexia, a de-
do pela dificuldade de decodificação das
ficiência está centrada na educação, embora não
palavras basilares. Detecta um déficit no de-
se possam descartar as questões emocionais de-
senvolvimento fonológico. Estes obstáculos
correntes de um transtorno que permeie a vida so-
de decifrar palavras simples não são atin-
ciocultural do portador de dislexia, antes ou após
gidas em similitude a idade. Ainda que for
seu ingresso na vida escolar.
subjugado ao estudo tradicional, apropriada a cognição, ensejo sociocultural e não con-
3. PROGNÓSTICOS DA DISLEXIA.
ceber distúrbios de aprendizagem e sensoriais elementares, a criança fracassa no
Como em qualquer outro distúrbio, há na
desenvolvimento da linguagem. A dislexia é
dislexia uma combinação de sintomas, os quais
caracterizada por uma gama de dificuldade
podem variar de pessoa para pessoa, consideran-
com as distintas formas de linguagem, in-
do o ambiente e a idade nos quais a pessoa se
cluídas, com frequência, nos problemas de
encontra. É essencial respeitar o ritmo de apren-
leitura, e na habilidade para escrever e sole-
dizagem de cada um, principalmente porque se
trar. (BORBA e BRAGGIO, 2016, p.1).
tratando do discente disléxico, este pode se tornar um pouco tardio.
8
No final do século XIX, na perspectiva da
O disléxico possui uma grande dificuldade
medicina, foram relatados os primeiros casos de
para associar a letra e o som. Em geral, tudo o
dislexia (FAGUNDES, 2002). Alguns profissionais
que se relaciona com a leitura é um sensível e mais
começaram a refletir o motivo de certas pessoas
difícil ao portador de dislexia. As letras podem ser
terem habilidades em diferentes atividades, com
escritas de maneira invertida, semelhante ao efeito
inteligência normal ou mesmo superiores e com
espelho. A supressão de algumas letras, a troca de
evolução gradativa em situações do seu cotidiano,
outras, de maneira confusa também são comuns.
não obtinham desenvolvimento normal quando
Acarretando vocabulário pobre e conhecimentos
iniciavam o processo de alfabetização.
prévios escassos para a idade/série no qual o es-
tudante se encontra.
É importante a compreensão de que as
crianças com dislexia acabam retardando a escri-
ta, a leitura, a lateralidade e do processo de apren-
ficuldades de aprendizagem como sintomas ou
dizagem. Seu empenho deve ser maior que dos
“fraturas” na metodologia de aprendizagem, ao
seus colegas para alcançar os mesmos resulta-
qual necessariamente estão em questão quatro
dos. É comum que a criança com dislexia demore
níveis: o organismo, o corpo, a inteligência e o de-
mais que a maioria das outras crianças para termi-
sejo. Para a autora, a gênese das dificuldades ou
nar sua lição. Uma tarefa simples como procurar
distúrbios de aprendizagem não está relacionado
um número na agenda de telefones, pode se tornar
somente a condição individual da criança, mas
complexa para uma criança ou adulto com disle-
também à estrutura familiar cuja a criança está in-
xia.
serida. As dificuldades de aprendizagem estariam
INEQ - Educação integral
Fernández (1991) também concebe as di-
relacionadas às seguintes causas:
aprendizagem, visando às necessidades individu-
1. Causas externas à estrutura familiar e indi-
ais e sociais de seus educandos. Desta forma, não
vidual: originariam o problema de aprendiza-
cabe ao Professor/Escola dispor todo o peso do
gem reativo, o qual afeta o aprender, mas não
fracasso escolar sobre os ombros dos chamados
aprisiona a inteligência e, geralmente, surge
alunos-‘problema’.
do confronto entre o aluno e a instituição;
2. Causas internas à estrutura familiar e in-
derando a organização do seu trabalho pedagógi-
dividual: originariam o problema considerado
co, ainda está longe de propiciar sucesso escolar
como sintoma e inibição, afetando a dinâmi-
e atingir os fins educacionais assegurados pela
ca de articulações necessárias entre organis-
Constituição Nacional, Lei de Diretrizes e Bases
mo, corpo, inteligência e desejo, causando o
(LDB) o Estatuto da Criança e do Adolescente
desejo inconsciente de não conhecer e, por-
(ECA), os quais apontam o direito à educação com
tanto, de não aprender;
igualdade e de qualidade para todos os alunos da
3. Modalidades de pensamento derivadas de
rede escolar, independente de suas capacidades
uma estrutura psicótica, as quais ocorrem
para a aprendizagem. Assim sendo, temos que:
Não obstante, a escola brasileira, consi-
em menor número de casos;
A escola não tem conseguido garantir a
4. Fatores de deficiência orgânica: em casos
apropriação significativa, crítica, criativa e
mais raros. (FERNÁNDEZ, 1991 p.67)
duradoura, por parte dos educandos, do conhecimento fundamental acumulado pela
Há de se notar que um diagnóstico com-
humanidade de tal forma que se pudesse
pleto da dislexia não envolve apenas a dificuldade
servir como instrumento de construção da
escolar, é necessário considerar fatores genéticos,
cidadania e de transformação da realidade
psicológicos e hereditários. Como também orgâni-
(VASCONCELLOS, 2000, p.11).
cos e ambientais. Uma boa estrutura familiar também colabora e muito para o bom desenvolvimen-
Ademais, há alguns grupos de estudantes
to do educando disléxico.
que são classificados como alunos ‘problema’, que segundo Elvira Souza Lima (2002, p. 158), “são
4. O PAPEL DA ESCOLA
aqueles que não se adaptam às regras e modelos infringidos pela educação formalizada, não conse-
A escola é um dos espaços mais multicul-
guem compreender seus paradigmas e transfor-
turais que existe. Nele as pessoas possuem fun-
má-los em novos conhecimentos”, sendo impeli-
ções e características distintas. Segundo La Rosa
dos a uma sucessão de fracassos que os afastam
(1998) o meio escolar deve promover oportuni-
do conhecimento. A grande maioria destes alunos
dades definidas para facilitar o desenvolvimento,
pertence ao contingente da população escolar
sem danos na convivência com o meio social ex-
mais desfavorecida economicamente, até então
trínseco. O maior objetivo da escola é a transmis-
“comprometidos” com o descaso e acomodação
são do saber,sendo que a aprendizagem deve ser
governamental em relação à falta de solução a es-
ativa e estimulante ( p. 32).
sas pendências do ensino (fracasso escolar, inclu-
Além disso, o êxito ou fracasso desta meto-
são efetiva dos alunos disléxicos etc.), resultando
dologia educativa dependerá da complementação
em índices alarmantes de repetências e evasão
do objetivo principal do educador, que é propiciar a
em nossas escolas.
INEQ - Educação integral
9
Atualmente a escola, tanto pública quanto
A sociedade desprezou tanto o trabalho do-
privada, encontra-se com elevada taxa de fracasso
cente, que infelizmente muitos passaram a
de aprendizagens, dispondo, muitas vezes, apenas
acreditar nisto e por consequência acabam
o estudante como único culpado de tal situação.
discriminado seus alunos-problema na mes-
Situação esta, principalmente, fruto de uma pro-
ma proporção e violência em que se sentem
posta de ensino/aprendizagem baseada exclusi-
discriminados
vamente na transmissão de conhecimentos, não
2000, p. 65)
socialmente.
(CAPOVILLA,
existindo preocupação com a verdadeira aprendizagem global da criança/adolescente e quase
sempre descolada da realidade existencial (social,
ser esclarecido pela maneira como os conteúdos
cultural e econômica) do discente.
e metodologias de ensino estão sendo aplicadas
no interior da sala de aula. São metodologias para
A cerca do fracasso escolar, segue as pala-
vras abaixo:
se aplicar conteúdos, que privilegia os métodos
Um país em que a distribuição do conheci-
receptivos e de transmissão do conhecimento
mento como fonte de poder social é feita
por meio do emprego de técnicas do ensino e que
privilegiando alguns e discriminando outros.
valorizam somente atividades de memorização e
Precisamos buscar soluções para que a es-
repetição. Tal processo deixa de lado situações
cola seja eficaz no sentido de promover o
específicas, como é o caso das crianças com dis-
conhecimento e, assim, vencer problemas
lexia, que precisam de atenção diferenciada, prin-
cruciais e crônicos de nosso sistema educa-
cipalmente quando tais casos (estudante com
cional: evasão escolar, aumento crescente
necessidades especiais) não possuem condição
de alunos com problemas de aprendizagem,
financeira satisfatória para buscar apoio de uma
formação precaríssima dos que conseguem
aprendizagem específica e de qualidade extraes-
concluir o ensino fundamental, desinteresse
colar. Estas características induzem ao fracasso
geral pelo trabalho escolar. (BOSSA, 2001, p.
escolar com consecutivas repetências e evasão
19).
escolar.
Esse fracasso escolar repercute no pro-
Urge a formação de docentes que pos-
cesso etéreo, pois se consolida na exclusão, na
suam conhecimento sobre como se determina a
desigualdade e na desqualificação do saber que o
aquisição da leitura e escrita na criança com ne-
educando traz para a classe. Supõe-se, então, um
cessidades diferenciadas, como é o caso dos dis-
indivíduo marginalizado, destituído de possibilida-
léxicos. Que para Vitor da Fonseca é quando:
des materiais e culturais confrontados pelo conhe-
A criança percebe que, ao mudar a posição
cimento escolar.
de cada letra ou pares de letras, consegue
Desta forma, nas escolas brasileiras o lap-
significados diferentes, ela apreende o princí-
so na aprendizagem acarreta certa ruína na for-
pio da combinatória, uma das aquisições que
mação teórica e prática dos docentes, na neces-
caracteriza o período das operações formais.
sidade de base emocional para se trabalhar com
Trata- se da relação entre o todo e as partes
os alunos e nas condições salariais que remetem
que o constituem: função de cada elemen-
ao sentimento de desvalorização do trabalho do
to gráfico determina o significado. ( 1995, p.
Pprofessor, fazendo pouco para transformar este
171)
contexto. Sendo que:
10
Este papel seletivo da escola também pode
INEQ - Educação integral
Dessa forma, dá-se ênfase que a Dislexia
É importante conscientizar a criança de
ocasiona um problema de linguagem e não uma
que a fala e a escrita são expressões diferentes da
deficiência cognitiva, costumando apresentar-
linguagem. A principal indicação atual para o tra-
-se em pessoas de nível intelectual normal e ser
tamento de crianças com dificuldades de lingua-
mais frequente em indivíduos de nível intelectual
gem escrita é intervir diretamente nas habilidades
superior, acarretando um problema de nível social
de leitura, associada a atividades relacionadas
como já referido.
ao processamento fonológico da linguagem. No
No entanto, a escola e os educadores
passado, as metodologias buscavam o estímulo
da classe devem estar preparados quanto à sua
de habilidades consideradas pré-requisitos para
importantíssima incumbência na educação e al-
aprender a ler, como percepção visual e de espaço,
fabetização do disléxico, bem como de outros
além de habilidades psicomotoras (PAIN, 1994).
educandos, tendo sempre uma práxis reflexiva de
ensino-aprendizagem para que não seja corres-
ção com crianças que não assimilam o conteúdo
ponsável pelos resultados obtidos na avaliação
dentro do tempo considerado suficiente para que
escolar deste educando.
as informações sejam organizadas de maneira
É fundamental a realização de avaliações
correta? As dificuldades encontradas na dislexia
diagnóstica, sempre que possível, para melhor
são muitas vezes imprevisiveis, em especial quan-
conhecer os discentes e suas dificuldades/capa-
do se considera a categoria de outras capacidades
cidades. A consequência desta avaliação deve-
de aprendizagem e a existência de um ensino ade-
rá ser sempre de verificação dos conhecimentos,
quado.
propiciando não só a troca de ideias e a constru-
ção de novos saberes entre educador e educando
um aspecto crítico para a compreensão do cará-
(FRANK, 2003); como também o modo do ajuste e
ter das dificuldades de leitura observadas. Muitas
o relacionar deste aluno com o ambiente escolar,
crianças correm o risco de fracassar na leitura de
pois este poderá desenvolver distúrbios de com-
acordo com as desvantagens ao nível da educa-
portamento como timidez, rebeldia, sentimento de
ção na primeira infância e das experiências na pré-
inferioridade e altamente destrutivo, já que é sem-
-escola. Assim, passam frequentar a escola sem a
pre responsabilizado por não conseguir aprender
aquisição de muitas capacidades linguísticas e de
como os demais da classe.
“pré-leitura” basilares, fundamentais para um de-
E de que forma podemos fazer a interven-
O relato de ensinamento do educando é
senvolvimento normal da leitura. Se o ensino não 5. PROMOVENDO UMA APRENDIZAGEM SIGNI-
for ajustado às competências que a criança não
FICATIVA
domina, ocorrerá falha na leitura.
A partir do momento que o professor se
São princípios básicos do trabalho em
depara com o diagnóstico de dislexia, o primeiro
linguagem e escrita com a criança: estimular a
passo é preparar aulas motivadoras e flexíveis. Al-
descoberta e a utilização da lógica para construir
guns métodos encontrados na obra de LANHEZ e
palavras e textos e representar fonemas; oferecer
NICO (2002) foram observados e depois selecio-
oportunidades para a escrita e leitura espontâne-
nados especialmente para este trabalho. É sobre
as; explorar constantemente as diversas funções
eles que passaremos a discorrer agora:
da escrita e explicitar as diferenças entre língua fa-
Conversa particular – é essencial que o Pprofes-
lada e língua escrita.
sor, no primeiro dia de aula, demonstre ao aluno
INEQ - Educação integral
11
especial sua vontade de manter contato individu-
fundir os sinais matemáticos, o aluno com dislexia
al com ele (o discente), proporcionando, assim,
não consegue resolver problemas. A repetição é
maior aproximação e interação entre Professor
essencial neste caso.
e aluno, deixando o mesmo mais à vontade para
Utilize avaliações orais: Estas avaliações presti-
participar das aulas
giam as melhores habilidades do disléxico, uma
Plano de aula – Preparar uma aula que predispo-
vez que muitos apresentam dificuldades em sole-
nha o aluno a se organizar mentalmente e fornecer
trar e escrever.
uma estratégia que introduz e finaliza a atividade,
Valorizar o erro: isso fará com que ela (a criança
sempre retomando e enfocando os pontos-chave.
com dislexia) se sinta mais livre para se expressar
Diversidade de recursos em sala de aula – como
e mantenha interesse na correção do erro. Evite
a dificuldade se baseia em ler e interpretar textos,
comentar a falha do discente disléxico, pois todo
os conteúdos serão mais bem aprendidos se apre-
deslize excessivamente apontado faz com que a
sentados de forma a estimular os sentidos de tato,
autoconfiança de qualquer pessoa diminua. Ao
paladar, visão e sensação. Portanto, além dos li-
contrário, use o erro de forma construtiva ajudan-
vros, é essencial trabalhar também com apresen-
do no processo de aprendizagem.
tação de slides, filmes educativos e outros re-
Estender prazos: já que a criança disléxica tem fa-
cursos multimídia.
Não espere que uma criança
lhas na memória sequencial, é compreensível que
com dificuldades de leitura obtenha toda informa-
ela tenha dificuldade em organizar seu tempo. Por
ção por meio de textos.
isso, dê um prazo para que ela possa trabalhar no
Lançar mão de recursos como ditados: mesmo
seu próprio ritmo e conforme seus interesses e ha-
que as crianças se lembrem das palavras oralmen-
bilidades.
te, provavelmente as esquecerá em curto espaço
Evitar leitura em voz alta para a turma: este re-
de tempo e terá muita dificuldade em escrevê-las.
curso só deve ser utilizado se houver o consenti-
Portanto, é importante praticar a escrita.
mento do aluno, pois ele possui uma dificuldade
Afastar o uso de explicações orais e escritas si-
frequente em pronunciar algumas palavras.
multaneamente: este método de informar/ expli-
Evite os termos, preguiçoso ou desleixado: a
car o conteúdo pode confundir a cabeça do aluno.
criança disléxica realmente apresenta dificuldades
Ele ficará segmentado entre a escuta e a cópia.
em organizar-se. Entretanto, e esta conduta por
Estimular a análise das palavras: permitir que a
ser fruto de fracasso que a mesma já tenha vi-
criança observe detalhadamente cada letra que
vido. É fundamental observar tal comportamento.
forma uma palavra, mas utilizar poucas letras de
12
cada vez. Uma dica é a utilização do jogo da me-
mória, quando possível, para estimular a observa-
problemas da criança com dislexia e atuecom os
ção cuidadosa e a lembrança precisa.
demais colegas são fatores essenciais para uma
Ofertar revisão: normalmente o aluno disléxico se
criança com tal disfunção. Não podemos esque-
intimida diante dos colegas e não tem coragem de
cer que o Professor não atua só, assim o mesmo
dizer que não entendeu a matéria. Assim, prepare
deve recorrer a ajuda de profissionais da área, para
aulas que façam retomadas do que já foi visto em
que receba as devidas orientações. .
sala para que esse aluno possa tirar suas dúvidas.
Estimular a utilização da tabuada e calculadoras
processo de ensino/aprendizagem, principalmen-
simples: por não memorizarem a tabuada e con-
te para estudantes com dislexia, por isso é ponto
INEQ - Educação integral
Ter um Professor que compreenda os
Todo avanço é importante ao longo do
central que o professor considere os pequenos
quer natureza.
avanços que o aluno demonstrar, estabelecendo e
firmando a autoconfiança do discente.
por intermédio de um plano integrado entre a ges-
Em suma, incluir em suas aulas atividades
tão e as intervenções da orientação pedagógica e
que envolvam jogos e brincadeiras são artifícios
educacional oportuniza desdobramentos que fa-
que estimulam e motivam as crianças na fase de
vorecem a escola como um todo e contribui para a
alfabetização.
melhoria da qualidade do trabalho pedagógico. De-
O acompanhamento dos alunos disléxicos
vemos nos preocupar em dar oportunidades para CONSIDERAÇÕES FINAIS
os disléxicos externarem seus dons, resultando em benefícios para todos. Há muito para aprender
A dislexia não é apenas um problema cog-
e fazer. Nossas certezas são temporárias. Cada
nitivo, e sim de ordem que envolve as competên-
aluno disléxico é único e cada experiência traz
cias leitoras e escritoras. Para além da criação de
nova demanda.
um programa de reabilitação, com vista a minimi-
zar as dificuldades do aluno na escola, para que
extenso caminho a ser atingido em relação à cons-
este obtenha o sucesso escolar, é necessário tam-
tatação de estudos sobre a dislexia, mas precisa-
bém e, sobretudo, cultivar a sua autoestima. Para
mos nos conscientizar que a observação sempre é
um disléxico é importante saber que sua mente
o melhor caminho, dar atenção, parar para escutar,
funciona de modo completamente normal, apesar
às vezes faz toda a diferença em nossas vidas e
da dislexia.
principalmente nas vidas de nossos pequenos, se-
jam eles disléxicos ou não.
Na perspectiva das instituições de ensinos,
É primordial reconhecer que há ainda um
narrações de professores, entre outros, ocorrem registros de situações em que crianças, aparentemente brilhantes e muito inteligentes, não podem ler, escrever e nem tem boa ortografia para a idade. Nos exames vestibulares, as comissões executivas descrevem casos extravagantes em que candidatos apresentam baixo nível de compreensão leitora ou onde a ortografia ainda é fonética e inconstante.
A crítica e a reflexão em prol das meto-
dologias significativas devem levar o Professor a mudar o cotidiano da escola como um todo, gerando mudanças vantajosas para todos os alunos. Com o estudo e o conhecimento, toda a comunidade educativa sai vencedora, pois aprendemos a refletir sobre a dislexia, tentando compreender suas dificuldades, posicionando- nos em relação a mesma e garantindo-lhe direitos e espaço, isto deve ser um exercício de cidadania para beneficiar todos os alunos sem ou com dificuldades de qual-
REFERÊNCIAS
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13
As contribuições de Vygotsky acerca do desenvolvimento da linguagem das crianças na educação infantil Cristina Antunes Tavares Ferreira1
RESUMO
view on language development, especially in autis-
O presente trabalho teve como intenção
tic children, highlighting the importance of school
ampliar a visão sobre o desenvolvimento da lin-
education in the development of such individuals.
guagem, especialmente em crianças autistas,
Therefore, we as a theoretical reference to histori-
destacando a importância do ensino escolar no
cal-cultural approach that has as one of its main
desenvolvimento de tais indivíduos. Para tanto,
representatives Lev Semenovich Vygotsky, russian
tomamos como referência teórica a abordagem
author, who broke new ground with its theoretical
histórico-cultural que tem como um dos seus prin-
propositions the relationship between thought and
cipais representantes Lev Semenovich Vygotsky,
language, the nature of the child’s development
autor russo, que inovou com suas proposições
and the role of learning in development. The pro-
teóricas a relação entre pensamento e linguagem,
posal to address different views and theories is to
a natureza do processo de desenvolvimento da
bring out responsibilities and commitments in rela-
criança e o papel da aprendizagem no desenvolvi-
tion to mediation, which will provide children con-
mento.
ditions and opportunities to learn and develop their A proposta de abordar diferentes visões
language in a clear, correct and understandable,
e teorias é a de trazer à tona responsabilidades e
and provide mediators clarity their role and impor-
comprometimentos em relação à mediação, que
tance in this development.
proporcionará às crianças condições e oportunida-
Key words: Vygotsky, Oral Language, Child Develo-
des para aprender e desenvolver sua linguagem de
pment, Learning.
forma clara, correta e compreensível, bem como fornecer aos mediadores a clareza de seu papel e
INTRODUÇÃO
importância nesse desenvolvimento.
Palavras-chave: Vygotsky, Linguagem Oral, De-
um importante marco no desenvolvimento infantil.
senvolvimento Infantil, Aprendizagem.
Com a apropriação da linguagem oral, a criança
A aquisição da linguagem se constitui em
pode ampliar sua capacidade comunicativa, pois
14
ABSTRACT
passa a utilizar esse instrumento para mediar as
The aim of the present study was to expand the
relações com os seus pares.
1 - Ms. Profª. CRISTINA ANTUNES TAVARES FERREIRA. Docente Universitária / Coordenadora Pedagógica PMSP. Mestre em Educação/ Psicanalista Clínica e Didata / Pedagoga / Especialista em Educação Especial-Deficiência. Auditiva / Psicomotricista / Especialista em Docência no Ensino Superior.
INEQ - Educação integral
Antes de abordar a aquisição da linguagem,
nais e sociais (FELD, 2008).
é preciso definir o que se entende por linguagem.
Os aspectos sociais, que permeiam as rela-
Para tanto, utiliza-se as contribuições de Viana
ções entre os indivíduos, exercem papel fundamen-
(2000), que sugere que a concepção de linguagem
tal no desenvolvimento da linguagem. Na relação
hoje adotada nos meios acadêmicos e científicos
com seus pares, a primeira forma de linguagem
compreende o fator linguístico, o cognitivo e o in-
que a criança utiliza é a corporal, inicialmente com
teracional.
a finalidade de manifestar suas necessidades bio-
O fator linguístico se refere à organização
lógicas. Em um processo intensamente comuni-
do discurso, às regras e esse aspecto possibilita
cativo, o bebê emite sinais corporais, que são in-
que o código seja compartilhado. O fator cognitivo
terpretados e significados por seu cuidador (FELD,
se refere ao conhecimento e é proveniente das ex-
2008).
periências e vivências, que definem os modelos de
cada falante. E o fator interacional se refere à ma-
tras manifestações do bebê, se dá um processo
neira individual de interpretar e se relacionar com
que envolve além da satisfação de necessidades
mundo (VIANA, 2000, p. 35).
biológicas, mas também aspectos afetivos e co-
As linguagens humanas possuem produti-
municativos. Com isso, se o desenvolvimento
vidade infinita e regras para utilização. O que quer
estiver transcorrendo dentro do esperado, no ter-
dizer que, independente das linguagens possuírem
ceiro mês de vida, a criança já poderá ser capaz
uma quantia finita de palavras, estas podem se
de discriminar algumas palavras (ROTTA, 2006).
combinar, constituindo uma infinidade de discur-
O cuidador reage aos sinais emitidos pelo bebê e,
sos significativos. Brunner (1983), ao analisar a
por sua vez, esses sinais são transformados em
aquisição da linguagem não se deteve na análise
outros códigos. Sendo assim, o choro, meio de
da emissão de sons pela criança, mas exaltou a
comunicação mais utilizado no início da vida do
predisposição humana para estabelecer relações
bebê, abre espaço para outros recursos vocálicos
sociais e comunicativas. Esse autor defende a
e gestuais, que são a base da comunicação prelin-
ideia de que as capacidades cognitivas pré linguís-
guística.
ticas se manifestam precocemente na criança e
servem de suporte para que esta possa adquirir a
sobre a infância considerava-se as crianças como
linguagem.
seres incompletos, incompetentes, em posição
Para Brunner (1983), quando se fala que
passiva de aprendizagem. Essa incompletude fica-
uma criança adquiriu a linguagem, significa que
va ainda mais evidente em se tratando de bebês,
passou por um processo complexo, que compre-
que não eram reconhecidos em suas habilidades
ende três aspectos principais: essa criança é ca-
e competências sociais e comunicativas (CARVA-
paz de produzir enunciações, o que se refere ao
LHO; BERALDO, 1989).
aspecto léxico; consegue significar a linguagem,
que se trata do aspecto semântico, e possui uma
de desenvolvimento e ainda tenham um longo ca-
intenção comunicativa, que se refere à pragmáti-
minho a trilhar para que desenvolvam habilidades
ca da linguagem. Para que uma criança aprenda a
que lhe permitirão autonomia e maior interação
falar, precisa percorrer um caminho árduo, lento e
com o mundo ao seu redor, considerar apenas as
gradual e esse processo envolve o desenvolvimen-
carências, os colocava em uma posição de sub-
to de mecanismos anatômicos-estruturais, funcio-
missão e inferioridade.
Quando o cuidador atende o choro ou ou-
Durante décadas a maioria das pesquisas
Embora os bebês estejam em fase inicial
INEQ - Educação integral
15
Atualmente a ciência reconhece as crian-
gem sob a perspectiva da interação do sujeito com
ças pequenas como sujeitos sociais, capazes de
o meio. E, com isso, destaca-se a importância do
realizar interações desde o nascimento e que pos-
aspecto social nos processos psíquicos e questio-
suem uma história prévia, que inicia no momento
na-se as concepções naturalistas e mecanicistas
da concepção. Sob essa perspectiva, as relações
relacionados com esta aquisição.
se dão de maneira ativa, histórica e social, permea-
das por processos comunicativos que antecedem
histórico-social e o papel da linguagem no desen-
a aquisição da linguagem oral (PESSÔA;SEIDL-DE-
volvimento do indivíduo, enfatiza que existe uma
-MOURA; OLIVEIRA, 2008).
questão central, que é a aquisição de conhecimen-
Os avanços da medicina e da neurociência
tos pela interação do sujeito com o meio. Para
apontam a fascinante evolução que a mente hu-
Vygotsky (1998) a linguagem influencia a história
mana percorre nos primeiros anos de vida e des-
social, a organização de estruturas mentais mais
tacam a plasticidade cerebral como a base para o
complexas e a formação das características psico-
desenvolvimento dessa primeira etapa (GAT, 2000;
lógicas humanas. Nesse sentido, sem linguagem
FELD, 2008).
não há função psicológica superior e, portanto,
Fazendo parte deste processo de desenvol-
não há humanidade. A partir do contato entre os
vimento, está a aquisição da linguagem, enquanto
sujeitos e destes com os objetos, o indivíduo ad-
instrumento para a comunicação, articulação de
quire conhecimentos e estabelece relações. Essa
ideias e transmissão cultural. Essas característi-
perspectiva é pautada em uma concepção de ser
cas comunicativas possibilitam que a criança pos-
humano ativo, que transforma na mesma medida
sa estreitar ainda mais a sua interação social, e por
em que é transformado pelo meio (VYGOTSKY, LU-
sua importância, a aquisição da linguagem tem
RIA e LEONTIEV: 1988, p. 25).
sido objeto de estudo de pesquisadores (VIANA,
2000; ZORZI, 2003; SICURO, 2017; SCARPA, 2001).
entre os sujeitos e permite que os significados se-
Saber qual o caminho trilhado para que
jam compartilhados. E, dessa forma, permeia um
uma criança se torne usuária de sua língua ma-
processo cognitivo complexo, que se dá a partir da
terna é uma inquietação que vem despertando a
percepção até a interpretação da mediação com
atenção do homem ao longo do tempo e tem sido
objetos e acontecimentos. Para que uma criança
objeto de estudo dos profissionais das diferentes
desenvolva a linguagem, dois elementos são es-
áreas, sejam médicos, psicólogos, pedagogos, an-
senciais: o aparato biológico em pleno funciona-
tropólogos, entre outros. Cada qual, com seu mé-
mento e o contato com o ambiente cultural, que
todo e olhar apurado para determinado aspecto,
favoreça os estímulos necessários para que a
mas todos fascinados pelo potencial comunicati-
criança desenvolva as suas potencialidades (VY-
vo propiciado pela linguagem.
GOSTSKY; LURIA; LEONTIEV, 1988).
Vygotsky, em sua teoria sobre o processo
A linguagem possibilita a comunicação
Para apoiar as discussões acerca do de-
senvolvimento da linguagem, o presente estudo
1. ORIGENS DO PENSAMENTO E DA LÍNGUA DE
se fundamenta em Vygotsky (1998), uma vez que
ACORDO COM VYGOTSKY
prioriza a infância e enfatiza a linguagem como
A comunicação por meio de movimentos ex-
elemento simbólico essencial para o desenvolvi-
pressivos, observada principalmente entre
mento humano. Analisa-se a aquisição da lingua-
animais, é mais uma efusão afetiva do que comunicação. (Lev Vygotsky2)
16
2 - No livro “A Construção do Pensamento e da Linguagem”.
INEQ - Educação integral
O homem ganha o status de animal racio-
De acordo com Vygotsky, todas as ativi-
nal quando passa a dominar a linguagem. Animais
dades cognitivas básicas do indivíduo ocorrem
se expressam por meio de gestos e sons, o que,
de acordo com sua história social e acabam se
para Vygotsky, não é exatamente comunicação,
constituindo no produto do desenvolvimento his-
já que não existe a intenção explícita de se comu-
tórico-social de sua comunidade (LURIA, 1976).
nicar. A linguagem surge pela necessidade do ser
Portanto, as habilidades cognitivas e as formas de
humano de se comunicar com o outro para forta-
estruturar o pensamento do indivíduo não são de-
lecer o grupo e organizar o trabalho.
terminadas por fatores congênitos. São, isto sim,
Um dos grandes saltos evolutivos do
resultado das atividades praticadas de acordo
homem em relação aos outros animais se deu
com os hábitos sociais da cultura em que o indiví-
quando ele adquiriu a linguagem, ou seja, quando
duo se desenvolve.
aprendeu a verbalizar seus pensamentos. É por
meio das palavras que o ser humano pensa. A ge-
de na qual a criança se desenvolve e a história pes-
neralização e a abstração só se dão pela lingua-
soal desta criança, são fatores cruciais, que vão
gem e, com base nelas, melhor compreendemos e
determinar sua forma de pensar. Neste processo
organizamos o mundo à nossa volta.
de desenvolvimento cognitivo, a linguagem tem
Assim como no reino animal, para o ser hu-
papel crucial na determinação de como a criança
mano, pensamento e linguagem têm origens dife-
vai aprender a pensar, uma vez que formas avan-
rentes. Inicialmente o pensamento não é verbal e a
çadas de pensamento são transmitidas à criança
linguagem não é intelectual. Suas trajetórias de de-
através de palavras.
senvolvimento, entretanto, não são paralelas; elas
cruzam-se. Em dado momento, há cerca de dois
relações entre pensamento e língua é necessário
anos de idade, as curvas de desenvolvimento do
para que se entenda o processo de desenvolvi-
pensamento e da linguagem, até então separadas,
mento intelectual. Linguagem não é apenas uma
encontram-se para, a partir daí, dar início a uma
expressão do conhecimento adquirido pela crian-
nova forma de comportamento. É a partir deste
ça. Existe uma inter-relação fundamental entre
ponto que o pensamento começa a se tornar ver-
pensamento e linguagem, um proporcionando re-
bal e a linguagem racional.
cursos ao outro. Desta forma a linguagem tem um
papel essencial na formação do pensamento e do
Inicialmente a criança aparenta usar lin-
Consequentemente, a história da socieda-
Para Vygotsky, um claro entendimento das
guagem apenas para interação superficial em seu
caráter do indivíduo.
convívio, mas, a partir de certo ponto, esta lingua-
gem penetra no subconsciente, para se constituir
compreender as relações entre o pensamento e a
na estrutura do pensamento da criança. A partir
linguagem e esse foi um dos maiores acertos de
do momento que a criança descobre que tudo tem
seu trabalho. Até então, os estudos sobre o tema
um nome, cada novo objeto que surge, representa
buscavam dissecar os dois conceitos isoladamen-
um problema, que a criança resolve atribuindo-lhe
te. Vygotsky reconhecia a independência dos ele-
um nome. Quando lhe falta a palavra para nomear
mentos, mas afirmava que o caminho era compre-
este novo objeto, a criança recorre ao adulto. Esses
ender como um se comporta em relação ao outro,
significados básicos de palavras assim adquiridos,
como eles interagem em suas fases iniciais.
funcionarão como embriões, para a formação de
novos e mais complexos conceitos.
sky buscou analisar o desenvolvimento da crian-
Vygotsky dedicou anos de estudo para
Para compreender essas relações, Vygot-
INEQ - Educação integral
17
18
ça. De acordo com ele, mesmo antes de dominar
divíduos, ao processo de internalização e ao papel
a linguagem, ela demonstra capacidade de resol-
da escola na transmissão de conhecimento, que
ver problemas práticos, de utilizar instrumentos e
é de natureza diferente daqueles aprendidos na
meios para atingir objetivos. É o que o pesquisador
vida cotidiana. Propõe uma visão de formação das
chamou de fase pré-verbal do pensamento. Ela é
funções psíquicas superiores como internalização
capaz, por exemplo, de dar a volta no sofá para pe-
mediada pela cultura.
gar um brinquedo que caiu atrás dele e que não
está à vista. Esse conhecimento prático indepen-
organiza o pensamento. Ele atribui importância a
de da linguagem e é considerado uma inteligência
linguagem pois, além da função comunicativa, ela
primária, também encontrada em primatas como
é essencial no processo de transição do interpes-
o macaco-prego, que usa varetas para cutucar ár-
soal em intramental; na formação do pensamento
vores à procura de mel e larvas de insetos.
e da consciência; na organização e planejamento
Embora não domine a linguagem como
da ação; na regulação do comportamento e, em
um sistema simbólico, os pequenos também utili-
todas as demais funções psíquicas superiores do
zam manifestações verbais. O choro e o riso têm a
sujeito, como vontade, memória e atenção. A inte-
função de alívio emocional, mas também servem
ração e a linguagem têm um importante destaque
como meio de contato social e de comunicação.
no pensamento de Vygotsky, uma vez que contri-
É o que Vygotsky chamou de fase pré intelectual
buirão no desenvolvimento dos processos psico-
da linguagem. É a fase na qual a criança depende
lógicos, através da ação. Para ele, o pensamento e
de sentidos como a visão para atuar no mundo e
a linguagem são processos diferentes e se tornam
se manifesta exclusivamente por meio de sons e
interdependentes em expressão do meio.
gestos, ligados à inteligência prática.
Por volta dos dois anos de idade, o percurso
creve desde os seus primeiros dias num sistema
do pensamento encontra-se com o da linguagem e
de comportamento social em que suas atividades
o cérebro começa a funcionar de uma nova forma.
adquirem significado. Sua relação com o ambien-
A fala torna-se intelectual, com função simbólica,
te se dá por meio da relação com outras pessoas,
generalizante, e o pensamento torna-se verbal, me-
situação em que é oferecido a ela um conjunto de
diado por conceitos relacionados à linguagem.
acepções, já culturalmente enraizado no grupo em
Para Vygotsky a aquisição da linguagem
que ela foi inserida. Os significados, por sua vez,
pela criança modifica suas funções mentais supe-
são interiorizados ao longo de seu processo de de-
riores: ela dá uma forma definida ao pensamento,
senvolvimento, culminando com o aparecimento
possibilita o aparecimento da imaginação, o uso
do pensamento verbal.
da memória e o planejamento da ação. Neste sen-
tido, a linguagem sistematiza a experiência direta
tese entre a atividade prática e a fala, é uma for-
dos sujeitos e, por isso, adquire uma função cen-
ma de comportamento que se circunscreve num
tral no desenvolvimento cognitivo, reorganizando
processo histórico-cultural e suas características
os processos que nele estão em andamento. As
e propriedades não podem ser vislumbradas nas
concepções de Vygotsky sobre o processo de for-
formas naturais da fala e do pensamento.
mação de conceitos remetem às relações entre
pensamento e linguagem, à questão cultural no
criança não se separa da percepção. Com o avanço
processo de construção de significados pelos in-
na percepção, a ação motora da criança torna-se
INEQ - Educação integral
Segundo Vygotsky, a linguagem é quem
Portanto, para Vygotsky, a criança se ins-
Assim, o pensamento verbal, que é a sín-
Ainda para Vygotsky, a ação motora da
mais intencional, ou mais controlável. Percebe-se
neamente e conjuntamente com o processo
então, o caráter fundamental do signo mediador
de maturação orgânica e posto que seu por-
no progresso das ações infantis, ampliando-lhe o
tador é o organismo infantil em transforma-
poder de escolha, ou seja, o controle do comporta-
ção em vias de crescimento e maturação. O
mento, mediado pela fala, dá origem ao comporta-
desenvolvimento da linguagem infantil pode
mento de escolha da criança. Em consequência de
servir de exemplo afortunado dessa fusão
tais avanços, também com auxílio da fala, a crian-
dos dois planos do desenvolvimento: o natu-
ça aperfeiçoa a atenção e torna-se capaz de orga-
ral e o cultural. (VYGOTSKY, 2000, p. 36)
nizar e criar mentalmente um campo temporal que lhe permite controlar os fatos passados, presentes
Dessa forma, nada substitui o desenvolvi-
e as intenções futuras.
mento denominado por Vygotsky como desenvolvimento cultural, que é exatamente a fusão entre a
1.1 Desenvolvimento e aparição da linguagem na
maturidade infantil (orgânico) e desenvolvimento
vida da criança
adquirido em seu meio (cultura). Essa junção proporcionará o aparecimento e o desenvolvimento
Nos primeiros meses de vida a criança já
da linguagem infantil, através do desenvolvimento
utiliza algumas formas de comunicação, porém
psicológico e fisiológico.
suas primeiras palavras surgem aproximadamen-
te ao término do primeiro ano de vida, que não é a
cialmente a história da formação de uma ou mais
reprodução da fala dos pais, mas uma sequência
funções do comportamento cultural da criança,
de sons que servem para nomear objetos e pes-
que está na base do acúmulo de experiências cul-
soas ao seu redor. Aos poucos, a criança vai ad-
turais, onde
O desenvolvimento da linguagem é essen-
quirindo novas palavras e, por volta do décimo oi-
[…] as primeiras fases do desenvolvimento da
tavo mês, sua fala ainda é bastante limitada, mas
linguagem são realizadas exatamente como
apesar dessa limitação, a criança já consegue dar
indicado pela teoria dos reflexos condiciona-
sinais de compreensão da fala do adulto, deixan-
dos, que se referem ao desenvolvimento de
do evidente que seu domínio vocabular é maior do
um novo tipo de comportamento. (VYGOT-
que sua produção verbal.
SKY, 1931 p.167)
Entre o décimo oitavo e vigésimo mês é
que ocorre uma revolução na fala da criança, mas
Em primeiro lugar, a língua da criança é
somente com o passar dos anos é que a conso-
baseada na reação inata de reflexão hereditária,
lidação das habilidades linguísticas ocorrerá de
chamada reflexo incondicionado, o qual é funda-
modo regular e gradual, e a cada etapa a criança
do sobre o desenvolvimento de todas as reações
mostrará progressos, que demonstram que ela é
condicionadas, que servem como base para os fu-
construtora da sua própria fala; sendo assim, a
turos vínculos condicionados. A reflexão do grito
criança é ativa no desenvolvimento de sua própria
e a reação vocal da criança é um reflexo incondi-
linguagem (SABINI, 1993).
cionado, bem como a base hereditária em que a
Ao mesmo tempo, o desenvolvimento cultu-
língua é construída em adultos. Já no recém-nas-
ral adquire um caráter muito peculiar que não
cido, o estado atual do conhecimento dos reflexos
pode se comparar com nenhum outro tipo de
condicionados é de difícil determinação, o número
desenvolvimento, já que se produz simulta-
de reações inatas que compõem o choro provoca INEQ - Educação integral
19
dúvidas de que em suas reações vocais não há re-
cado do sinal.
flexo incondicionado apenas, mas talvez uma série
deles, intimamente ligados (VYGOTSKY, 1931).
provável que uma criança de um ano e meio ou
Existe uma singularidade do papel de re-
dois, descubra algo que exija tamanha tensão inte-
ação vocal nos seis primeiros meses de vida da
lectual ou possua uma experiência psicológica tão
criança. Fisiologistas e psicólogos concordam que
complexa que a permita compreender a relação
funções que têm uma clara base fisiológica es-
entre o signo e significado. Surge daí a posição
tão atribuídas à reação vocal do bebê. Uma delas
de Stern, que diz que a criança “inventa” algo. No
é considerada reação incondicionada instintiva,
entanto, Vygotsky diz que é improvável que isso
que são os movimentos ou estados externos do
ocorra, pois, todos os experimentos realizados
corpo emocional, ou seja, quando a criança sente
com crianças sobre memorização de suas primei-
dor, obtém um reflexo de gritar, quando é infeliz, as
ras expressões de linguagem mostraram o quanto
reações não são as mesmas. Ao longo do primei-
é impossível confiar nessa descoberta tão cedo.
ro ano de vida, o idioma da criança baseia-se in-
teiramente no sistema de reação incondicionada,
gotsky (1931), ele afirma que a criança inicia o des-
de preferência instintiva emocional e sobre o qual,
cobrimento do significado das palavras e domina
por meio de diferenciação, a reação vocal é feita
a estrutura externa, assimilando que cada objeto
sob influência, porém independente. Graças a isso,
corresponde a sua própria palavra, dominando a
ela também modifica a própria função da reação;
estrutura que pode unir a palavra e o objeto, onde a
se antes essa função era parte da reação geral or-
palavra que identifica o objeto passa a ser proprie-
gânica e emocional expressa pela criança, agora
dade do objeto em si, a descoberta do significado,
começa a cumprir a função de contato social. No
isto é, da estrutura semântica interna da palavra,
entanto, as reações vocais da criança ainda não se
ocorrerá depois no desenvolvimento da criança.
tornaram seu idioma, porém se aproximam mais
do aparecimento da linguagem articulada, o que
inata de reflexão hereditária, chamada reflexo in-
torna difícil o entendimento correto da linguagem,
condicionado, o qual é fundado sobre o desenvol-
do desenvolvimento infantil e do desenvolvimento
vimento de todas as reações condicionadas, que
da cultura (VYGOTSKY, 1931).
servem como base para os futuros vínculos con-
Segundo Stern, citado em Vygotsky (1931),
dicionados. A reflexão do grito e a reação vocal da
a criança se comporta como se entendesse que
criança é um reflexo incondicionado, bem como a
os objetos possuem nomes, o seu comporta-
base hereditária em que a língua é construída em
mento em relação a sua própria língua é de difícil
adultos. Já no recém-nascido, o estado atual do
compreensão, portanto, ao ver um novo objeto, ela
conhecimento dos reflexos condicionados é de
questionará se é um nome que ela já conhece, ou
difícil determinação; o número de reações inatas
então perguntará o que é, pois ainda desconhece
que compõem o choro provoca dúvidas de que em
seu nome. Para Stern a descoberta se relaciona
suas reações vocais não há reflexo incondicionado
com o desenvolvimento do pensamento das crian-
apenas, mas talvez uma série deles, intimamente
ças, afirmando que acontece algo com ela, que
ligados (VYGOTSKY, 1931).
Vygotsky (1931) aponta que seja pouco
Descartada essa hipótese de Stern por Vy-
A língua da criança é baseada na reação
não é apenas um reflexo condicionado. A criança torna-se consciente da conexão e da relação entre o sinal e seu significado e ainda descobre o signifi-
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INEQ - Educação integral
1.2 - Conexão entre pensamento e linguagem
Vygotsky (2009) aponta que existe uma
cumpre a função de transmitir conhecimentos e
relação entre pensamento e linguagem, a qual ele
ensinar, delimitando fronteiras entre as inúmeras
nomeia de conexão, que se modifica no processo
instituições socializadoras e a escola. Assim, deve
de desenvolvimento, tanto no sentido quantitativo
existir uma reflexão acerca da natureza das ações
quanto qualitativo. Sendo assim, o desenvolvimen-
realizadas junto às crianças quando iniciam na
to da linguagem e do pensamento realiza-se de
escola, considerando em que medida e como os
forma não paralela e desigual.
conhecimentos científicos se tornam presentes
Vygotsky percebia essa conexão entre pen-
no trabalho que se desenvolve junto às crianças
samento e linguagem como originária do desen-
nessa fase inicial da aprendizagem. Para isso, há
volvimento, evoluindo em um processo dinâmico
a necessidade de se dispor de conhecimentos que
e, ao longo dele, considerou que pensamento e lin-
interfiram de modo indireto ou direto no desen-
guagem têm na filogênese e na ontogênese, raízes
volvimento da criança, pois essa diretividade diz
genéticas diferentes, mas que se sintetizam diale-
respeito aos conhecimentos que medeiam a ativi-
ticamente no desenvolvimento. A criança possui a
dade docente e não à atividade propriamente dita,
função social da fala desde os primeiros meses de
o que interferirá diretamente de forma positiva ou
vida, onde o pensamento evolui sem a linguagem,
negativa no desenvolvimento da criança.
assim sendo, os primeiros balbucios se formam
sem o pensamento e têm como objetivo atrair a
pensamento, existem algumas implicações funda-
atenção dos adultos ao seu redor. No desenvolvi-
mentais e decisivas, pois a linguagem está ligada
mento da fala da criança, estabelece-se uma lin-
a ele, ambos se elaboram juntos no trabalho e por
guagem pré-intelectual e no desenvolvimento do
meio dele, sendo assim, “a linguagem só reflete o
seu pensamento, um pensamento pré-linguístico.
que é produzido no contexto de relações sociais”
Aos dois anos de idade ocorre um encontro e uma
(p.54). Segundo a autora, a linguagem não existe
junção entre os dois, pensamento pré linguístico e
sem pensamento e nem o pensamento sem a lin-
linguagem pré intelectual, dando lugar a um novo
guagem, “a primeira dá forma objetiva à existência
tipo de organização denominada linguístico cog-
do segundo, e mesmo quando o pensamento não
nitivo; esse encontro torna o pensamento verbal
se corporifica diretamente pela linguagem e sim
e a linguagem racional. Cabe ainda ressaltar que,
com base em imagens, estas estão sempre acom-
no desenvolvimento da linguagem, é a reação da
panhadas de sentido e de significados” (p. 55).
criança que desenvolve a fala, no início de forma
completamente independente do pensamento
rem um conjunto de riquezas produzidas pelo seu
(VYGOTSKY, 2009).
meio, dentre essas riquezas está a consciência,
Quando a criança aprende o que lhe foi en-
que se constitui em um “poderoso instrumento na
sinado por mediadores, essa aprendizagem passa
leitura de mundo e de si mesmo”, como também
a ser uma característica dela, e seu desenvolvi-
na aquisição da leitura e da escrita, que são utiliza-
mento se deve a essa aprendizagem. Sendo as-
das pelo homem na mediação com o conhecimen-
sim, os fatores sociais e culturais são aqueles que
to (AZEVEDO, 2003, p. 55).
Segundo Azevedo (2003), em relação ao
Através da linguagem, as pessoas adqui-
proporcionam o desenvolvimento do pensamento (PIAGET, apud MONTOYA, 2006).
1.3 - A influência dos adultos no desenvolvimen-
to da linguagem infantil
Segundo Martins (2012), independen-
temente da faixa etária que a escola atenda, ela INEQ - Educação integral
21
A primeira forma de linguagem da criança
criança em interação com seus pais, ou seja, os
é a linguagem do adulto. A criança individualiza
adultos falantes, os quais convivem com ela.
a linguagem social, ou seja, internaliza a lingua-
gem externa. Então, a quantidade e a qualidade de
terísticas, os conteúdos simbólicos, os domínios e
enunciados no ambiente social da criança influen-
habilidades próprias a alguém não se estruturam
ciam diretamente seu desenvolvimento psicológi-
nele a partir de si mesmo. No entanto, o desenvol-
co, bem como sua socialização, pois durante as
vimento só se produz por meio de aprendizagens e
atividades realizadas com os pais e/ou educado-
esse é o pressuposto vygotskiano segundo o qual,
res, a criança interage através de instruções ver-
o bom ensino, presente em processos interpes-
bais, de brincadeiras e histórias que proporcionam
soais, deve se antecipar ao desenvolvimento para
tal socialização.
poder conduzi-lo. Portanto, o desenvolvimento não
é responsável pelo ensino, o ensino é que propor-
Borges e Salomão (2003) abordam a ques-
Para Martins (2012), aponta que as carac-
tão de que os valores culturais do contexto em que
ciona o desenvolvimento do indivíduo.
a criança está inserida, geralmente, estão contidos
nessas interações. Essa socialização através da
que o desenvolvimento cultural da criança está li-
linguagem pode ocorrer também de forma implí-
gado ao social porque ela aprende com o externo,
cita, por meio de participação em interações ver-
fala-se diretamente das funções mentais superio-
bais que têm marcações sutis de papéis e status.
res exteriores, pois a criança aprende com o social,
Sendo assim, através da linguagem a criança vai
portanto, com o externo. Quanto à função interna,
se familiarizando com a fala, valores, crenças e re-
só ocorre a aprendizagem, quando a criança já
gras existentes naquele contexto, antes mesmo de
aprendeu o que lhe foi ensinado, portanto, inter-
aprender a falar, adquirindo os conhecimentos de
nalizou, ou seja, aprendeu através da mediação,
sua cultura. Sendo assim os autores apontam que:
proporcionada pelo outro. Diante disso Vygotsky
À medida que a criança se desenvolve, seu
Segundo Vygotsky (1931), quando se diz
aponta que:
sistema sensorial incluindo a visão e audi-
Para a criança, a palavra deve ter um sentido,
ção, se tornam mais refinados e ela alcança
deve haver uma ligação objetiva entre a pala-
um nível linguístico e cognitivo mais elevado,
vra e o que ela significa. Sem essa ligação, a
enquanto seu campo de socialização se es-
palavra não pode ser desenvolvida, esta liga-
tende, principalmente quando ela entra para
ção objetiva entre a palavra e o objeto deve
a escola e tem maior oportunidade de intera-
ser utilizada por adultos funcionalmente
gir com outras pessoas. (p. 327)
como um meio de comunicação com a criança. (p. 149)
22
Ainda segundo Borges e Salomão (2003),
a participação do adulto como interlocutor lin-
guisticamente mais habilitado exerce o papel de
própria criança, pois seu significado já faz senti-
mostrar-se sensível às intenções comunicativas
do também para o adulto; são as formas funda-
da criança, aproximando-se ao nível linguístico do
mentais da comunicação verbal do adulto com a
adulto em si. A constatação de que as crianças
criança que mais tarde se tornarão em funções
apresentam intenções comunicativas desde seus
psíquicas. O desenvolvimento cultural se dá de
primeiros meses de vida influenciou os estudiosos
forma que a criança aprende do externo para o in-
da linguagem a pesquisarem a fala espontânea da
terno, sendo assim, todas as funções superiores
INEQ - Educação integral
Dessa forma, a palavra terá sentido para a
e suas relações, estão interligadas com relações
sociais, suas propriedades físicas mais evidentes
geneticamente sociais e autênticas. “Portanto, o
(tamanho, cor, textura, forma, etc).
principal resultado da história do desenvolvimento
cultural da criança poderia ser chamado de socio-
caminho pelo qual a criança aprenderá a descrimi-
gênese das formas superiores de comportamen-
nar, analisar e diferenciar os objetos e fenômenos
to” (VYGOTSKY, 1931, p. 149).
em suas propriedades mais importantes.
Dessa forma, o adulto proporcionará um
A palavra “social”, para Vygotsky (1931), é
Esta mediação diretiva desempenhada pelo
considerada muito importante, pois em um senti-
adulto é determinante também, do exercício
do mais amplo, significa que todo cultural é social,
da atenção do bebê que, sendo involuntária
sendo assim, apenas a cultura é um produto da
e muito inconstante, dependerá da natureza
vida social e da atividade social dos seres huma-
dos estímulos apresentados. A possibilidade
nos, por isso, é a própria abordagem para o pro-
de manejar as coisas amplia seu círculo de
blema do desenvolvimento cultural de comporta-
atenção, permitindo o treino de focalização e
mento que acaba levando diretamente para o nível
fixação a uma vasta gama de estímulos vi-
social do desenvolvimento. Diante disso, Vygotsky
suais, auditivos, táteis, etc. (MARTINS, 2012,
afirma que:
p. 11)
Todas as funções mentais superiores são internalizadas nas relações sociais, são a base
Diante disso, Azevedo (2003) descreve que
da estrutura social da personalidade. Sua
pais e escola devem possibilitar diversas intera-
composição, estrutura genética e modo de
ções entre parceiros, bem como situações de ex-
ação, em uma palavra, toda a natureza é so-
periências essenciais para a formação e constru-
cial, portanto, o homem mantém as funções
ção do indivíduo como pessoa. O papel social que
de comunicação com ele mesmo. (p. 150)
esses dois contextos possuem é de compreensão ao filho/aluno no âmbito de sua dimensão huma-
Ao se falar de mediação, é necessário res-
na, conhecendo o modo de funcionamento das
saltar que todas as pessoas pertencentes ao meio
emoções para aprender lidar de uma forma mais
da criança são mediadores. No entanto, cabe à
adequada possível com as suas expressões, per-
escola também esta função de socializar e de me-
mitindo que o filho/aluno exprima suas emoções e
diar a aprendizagem, organizando ações educati-
as canalizem para seu desenvolvimento integral.
vas mediadoras, nas quais a criança se relacionará
com seu entorno físico e social, tendo em vista ex-
internalização propicia o desenvolvimento da pró-
plorar as suas máximas possibilidades e potencia-
pria linguagem, bem como de todas as funções
lidades de desenvolvimento, desde o início (MAR-
psicológicas superiores. E é nesse contexto que a
TINS, 2012).
linguagem oral se torna importante para Vygotsky,
Assim, cabe ao adulto realizar ações que
por constituir-se um tipo de atividade simbólica de
incentivem a observação dirigida de objetos e a
primeiro nível que se relaciona aos processos fun-
atuação, por meio da comunicação verbal com a
damentais na aprendizagem e no desenvolvimento
criança, comunicando-se com a criança através de
humano. A partir dessas considerações, a impor-
uma linguagem correta, sem infantilizações, e dan-
tância da interação social em Vygotsky mostra-se
do nomes aos objetos que as rodeiam, denomi-
além do que a simples necessidade de a criança
nando-os, considerando seus significados e usos
relacionar-se com o outro. No que se refere à edu-
A linguagem propicia a internalização, e a
INEQ - Educação integral
23
cação infantil, fase em que se reconhece a impor-
e que as primeiras fases do desenvolvimento da
tância de diversos aspectos do desenvolvimento,
linguagem resumem-se à formação de reflexos
o desenvolvimento da linguagem oral através da
condicionados. Dessa forma, o ambiente torna-se
interação social, mostra-se tanto veículo (função)
fator determinante para que esse processo ocorra.
para o desenvolvimento, quanto objeto (forma).
O domínio da linguagem proporciona novas condi-
Assim, através do domínio da linguagem oral, a
ções de desenvolvimento psíquico, no entanto, o
criança amplia suas vivências, resignificando-as e
desenvolvimento cultural, a formação de reflexos
ampliando suas capacidades humanas.
condicionados não consegue elucidar. Para Vygotsky essa conexão nada mais é que uma relação
CONSIDERAÇÕES FINAIS
que se modifica constantemente no processo de desenvolvimento, evoluindo gradativamente em
um processo dinâmico.
cial influencia na aprendizagem e desenvolvimento
da linguagem, fornecendo condições de interação
evolui sem a linguagem, mas em um determina-
social entre adultos e crianças falantes. A lingua-
do momento de seu desenvolvimento os dois se
gem desenvolver-se-á através de estímulos forne-
cruzam e o pensamento começa a ser verbalizado.
cidos pelo ambiente que a cercam, e esse ambien-
Sendo assim, alguns autores citados no decorrer
te influenciará, não só na qualidade, mas também
do trabalho destacam a influência que o ambien-
na quantidade da fala dessa criança. Essa intera-
te proporciona ao desenvolvimento da linguagem
ção que ocorre entre os indivíduos proporciona a
infantil e o quanto essa interação entre adultos e
aquisição de conhecimentos através da relação
crianças medeia o processo de socialização pelo
interpessoal, que mediará todo o conhecimento
qual a criança passará no decorrer do seu desen-
entre eles, de forma que o ensino proporcionará
volvimento.
o desenvolvimento e não o contrário. Conclui-se,
também, que o desenvolvimento fisiológico se as-
ção ocorrerá em todos os contextos vivenciados
semelha proporcionalmente ao psicológico, onde
pela criança, quer seja ele escolar ou familiar,
as fases iniciais do desenvolvimento seguirão
ambos exercem papel fundamental no processo
rumo ao desenvolvimento adequado/esperado ou
de desenvolvimento e aprendizagem. O caráter
não. Na hipótese de ocorrer esse desenvolvimento
mediador não se aplica somente a aprendizagem
adequado, o qual a fonoaudiologia cita como “de-
da linguagem, mas em todo desenvolvimento da
senvolvimento normal da linguagem”, observa-se
criança, porém este trabalho embasou-se teorica-
que esse desenvolvimento ocorre de forma con-
mente na importância da mediação apenas no de-
junta com a psicologia, distinguindo-se apenas
senvolvimento da linguagem.
quando abordadas as questões de processamen-
to dessa linguagem, ou quando encontradas varia-
pessoas pertencentes ao meio da criança são me-
ções individuais que correspondem à maturação
diadoras. No entanto, cabe à escola também esta
infantil.
função de socializar e de mediar a aprendizagem,
Nas crianças pequenas, o pensamento
Cabe finalmente ressaltar, que a media-
De acordo com Martins (2012), todas as
Vygotsky (1931), em Obras Escolhidas,
organizando ações educativas mediadoras, nas
ressalta a importância do desenvolvimento da lin-
quais a criança se relacionará com seu entorno
guagem, destacando que todo aprendizado está
físico e social, tendo em vista explorar as suas má-
na base do acúmulo de experiências culturais,
ximas possibilidades e potencialidades de desen-
24
Pode-se constatar o quanto o ambiente so-
INEQ - Educação integral
volvimento, desde o início.
Sendo assim, cabe, portanto, ao adulto re-
alizar ações que incentivem a observação dirigida de objetos e a atuação, por meio da comunicação verbal com a criança, comunicando-se com a criança através de uma linguagem correta, sem infantilizações, e dando nomes aos objetos que as rodeiam, denominando-os, considerando seus significados e usos sociais, suas propriedades físicas mais evidentes (tamanho, cor, textura, forma, etc.). Dessa forma, o adulto proporcionará um caminho pelo qual a criança aprenderá a descriminar, analisar e diferenciar os objetos e fenômenos em suas propriedades mais importantes. REFERÊNCIAS AZEVEDO, C. As emoções no processo de alfabetização e a atuação docente. 1. ed. São Paulo: Vetor Editora, 2003. 254 p. BORGES, L.C.; SALOMÃO, N. R. Aquisição da linguagem: considerações da perspectiva da interação social. Psicologia: Reflexão e Crítica, v.16, n. 2, p. 327-336, 2003. BRUNER, J. Child´s Talk, Learning to Use Language. Tradução: CHAVES, Joana. Como as Crianças Aprendem a Falar. Horizontes Pedagógicos: 1983. CARVALHO, A. M. A.; BERALDO, K. E. A. Interação criança- criança: ressurgimento de uma área de pesquisa e suas perspectivas. Cadernos de Pesquisa. São Paulo, n. 71, p. 55-61, novembro 1989. FELD, V. et al. Lenguas y language en la educación infantil: las formas tempranas de comunicación. Buenos Aires: Centro de Publicações Educativas y Material Didático, 2008. GAT. GRUPO DE ATENCÌON TEMPRANA. Libro Blanco de La Atenciòn Temprana. Doc. 55/2000. Madrid: Real Patronato de Prevenciòn y de Atenciòn a Personas com Minusvalìa. Ministerio de Trabajo y Assuntos Sociales. LURIA, A. R. Cognitive development: its cultural and social foundations (M. Lopez-Morillas & L. Solotoroff, Trad.s). Cambridge: Harvard University, 1976 (Original publicado em 1974). MARTINS, L. M. O ensino e o desenvolvimento da criança de zero a três anos. In A. Arce & L. M. Martins (Orgs.). Ensinando aos pequenos de zero a três anos (2a. ed.), Campinas: Alínea, 2012.
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25
Educação Inclusiva: Difícil, mas possível!1. Izabel Cristina Ferreira dos Santos Alves
Resumo:
Palavras – chave: Inclusão. Integração. Desafio. Transformação. Conscientização
Este artigo tem o objetivo de mostrar que
mesmo demandando esforço e dedicação de to-
Introdução:
dos os profissionais envolvidos, dos familiares e da comunidade, mesmo se constituindo em um
O mecanismo social que exclui e a um só
grande desafio, o processo de educação inclu-
momento pretende integrar o deficiente traz para
siva é necessário e é possível de ser construído.
ele e para todos nós uma confusão muito grande
Portanto, além de discutir a temática em relação
de pensamentos. O nosso raciocínio não entende
à integração/inclusão das pessoas com deficiên-
por que se fala tanto em integração e mesmo as-
cias nas classes comuns do ensino regular, este
sim o deficiente é marginalizado, visto que toda
trabalho almeja se constituir em um instrumento
pessoa deficiente ou não, que submetida à engre-
de reflexão para outros educadores. Atualmen-
nagem da estrutura sociocultural, não se encontra
te, a proposta de educação inclusiva tem gerado
em seu próprio mundo tende a se desligar dele e
polêmicas discussões entre os que adotam uma
como única alternativa tenta procurar outro mun-
posição integracionista, os que defendem a escola
do em que seja reconhecida. (RIBAS, 1989, p. 20).
inclusiva ou ainda aqueles que sentem a importância de uma educação especializada para o aluno
As crianças com deficiências sejam nas suas
com necessidades educacionais especiais. Ao
dimensões físicas, mentais ou sensoriais, têm sido
discutir sobre as possibilidades de uma educação
excluídas do convívio social. Atitude esta que trou-
inclusiva, uma educação para todas as crianças,
xe como consequência o desconhecimento e uma
visa-se o caminho para construção de uma socie-
grande resistência à participação dessas pessoas
dade menos injusta. Contudo, tem-se consciência
na vida social. Aprendemos a esquecer de que es-
de que no longo caminho a ser percorrido muitas
sas crianças existem e nos convencemos de que,
são as dificuldades a serem enfrentadas, princi-
para elas, o viver em sociedade não passava de
palmente as que dizem respeito às barreiras físi-
uma exposição desnecessária, já que elas seriam
cas e atitudinais, estas constituídas dos estigmas,
olhadas e tratadas como diferentes, inferiores e,
preconceitos e estereótipos presentes em nossos
por muitas vezes, não teriam condições sequer de
pensamentos, palavras e ações.
defender a si mesmas e aos seus direitos.
1- Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado no ano de 2005 à Faculdade Morumbi Sul da cidade de São Paulo, SP como requisito para graduação em Pedagogia. Professora de Educação Infantil na Prefeitura de São Paulo desde 2007, com Pós-graduação nas áreas de Gestão Educacional e Artes Visuais.
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INEQ - Educação integral
A abordagem metodológica que mais se
estas pessoas, enquanto vistas como enviadas
adequou aos objetivos deste trabalho foi a de re-
divinas, eram pessoas especiais que deviam ser
latos orais uma vez que, ao favorecer a comuni-
protegidas e abrigadas, mas quando vistas como
cação de uma experiência, exigiu tanto a discus-
força maligna, deveriam ser exorcizadas, sacri-
são teórica do significado do processo de inclusão
ficadas. Em ambos os casos, eles justificavam a
educacional, como também a reflexão da prática
exclusão. Desta época constam relatos de tortura
em sala de aula.
e promiscuidade, da crueldade da inquisição, da
qual muitas pessoas diferentes do considerado Atitudes frente às pessoas com deficiências: Um
normal foram vítimas por conta de concepções
Breve Histórico
mitológicas, tendenciosas e fanáticas.
A história do atendimento às pessoas com
Na Idade Moderna, houve uma maior valo-
deficiências2 conta com pequena e esparsa do-
rização do ser humano pelo predomínio de filoso-
cumentação disponível. De acordo com Casarin
fias humanistas. Nesta época, iniciaram-se inves-
(1997), no universo greco-romano as pessoas com
tigações sobre as pessoas com deficiências do
deficiências eram eliminadas ou abandonadas
ponto de vista da medicina. Cresceram os estudos
para morrer (prática eufemisticamente denomina-
e experiências sobre a problemática das deficiên-
da como exposição). Crianças com deformidades
cias atreladas à hereditariedade, aspectos orgâni-
refletiam a ira divina, constituíam uma ameaça
cos, biotipologia e consequentemente, a atenção
ao rei ou à comunidade e com a exposição, tor-
se volta para a etiologia, a caracterização de qua-
navam-se purificadoras das faltas da comunidade
dros típicos, as distorções anatômicas, etc.
ou bodes expiatórios. Se sobrevivessem se transformavam em seres benéficos, redentores para
Por um lado, o avanço da ciência traz uma
sociedade. Pode-se então dizer que a exposição
melhor compreensão da condição orgânica e uma
visava à exclusão de seres maléficos
posição de ação diante da deficiência e não só de acomodação diante de forças sobrenaturais. Por
Segundo Ribeiro (2003), sob a influência do
outro, o conhecimento científico determinou uma
Cristianismo, as pessoas com deficiências passa-
visão patológica da pessoa com deficiência, tra-
ram a ser conhecidas como: “criaturas de Deus” e
zendo, como consequência, a manutenção da sua
por isso, não podiam mais ser abandonadas. Co-
segregação, a justificativa de sua institucionaliza-
meçou então, haver uma maior tolerância e uma
ção e o menosprezo da sociedade capitalista que
aceitação caritativa (que não deixa de ser uma
tem como modelo Ideal os seres humanos perfei-
forma de exclusão) traduzidas na prática por pre-
tos, produtivos, competentes e competitivos.
ocupações tais como: asilo, proteção e bem-estar. Mas não havia ainda preocupação com o desen-
É interessante observar que as atitudes
volvimento e com a educação das mesmas.
acima descritas – aproximação e afastamento, aceitação e rejeição – ainda se fazem presentes
Para a autora, a Idade Média podia ser ca-
nos dias de hoje com diferentes e sutis roupagens.
racterizada como o reinado da ambivalência. Pois 2 - Inicialmente falava-se em excepcionais, depois em deficientes, mais adiante em portadores de deficiência ou, ainda, em portadores de necessidades especiais, chegando-se hoje, com a Política Nacional de Educação Especial (1993), a portadores de necessidades educativas especiais. A tendência atual aponta para o termo pessoa com deficiência.
INEQ - Educação integral
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De acordo com Palhares e Marins (2002),
mia e independência.
desde o século XVI, a história da educação inclusiva começou a ser traçada, por médicos pedago-
Desta Forma, Segundo (PALHARES E
gos, que desafiando os conceitos vigentes até o
MARINS,2002), a partir da década de 70, mu-
momento, passaram a acreditar na possibilidade
dou-se a filosofia em relação à educação es-
de educar crianças até então consideradas inedu-
pecial realizada em instituições especializadas.
cáveis. É importante ressaltar que como a educa-
Fundamentada no princípio de normalização,
ção formal era um direito de poucos, o trabalho
começa-se a discutir a idéia de educação inte-
deles corria paralelo a este; não havia um quadro
grada isto é, a possibilidade das crianças com
teórico ou prático de prestação de serviços, que
deficiências serem aceitas em escolas comuns,
pudesse servir de apoio, por isso tiveram liberdade
com base na crença de que pessoas diferen-
para realizar as primeiras experiências educacio-
tes têm o direito de conviver socialmente com
nais. O acesso à educação por parte dos portado-
as demais. Porém só eram passiveis de inclu-
res de deficiência foi sendo conquistado lentamen-
são aqueles estudantes que conseguissem se
te e somente no século XVIII deu-se inicio a uma
adaptar à classe comum; portanto sem modifi-
ampliação de oportunidades educacionais para
cações no sistema escolar. Já aqueles que por
a população geral, incluindo as pessoas com de-
diferentes razões não conseguissem se adaptar
ficiências. Contudo, deve-se deixar claro que este
ou acompanharem os demais alunos estariam
atendimento era realizado em instituições espe-
excluídos.
cializadas e, portanto, com marcas segregatórias.
Finalmente na segunda metade da dé-
A partir do meio do século XX, se forma-
cada de 80, surge a fase da educação inclusiva,
ram algumas propostas metodológicas de ensi-
cuja idéia central era que seria necessário rees-
no e uma organização de serviços educacionais;
truturar a sociedade para que ela possibilitasse a
na década de 50 nos países mais desenvolvidos,
convivência dos diferentes. Quanto à educação,
criou-se a filosofia de “normalização, integração”,
passa-se a defender um sistema educacional de
decorrente dos movimentos dos pais de crianças
qualidade, único, para todos os alunos com ou
a quem eram negados o ingresso em escolas co-
sem deficiência. A inclusão é um processo de-
muns, ficando assim o sistema educacional com
morado, pois envolve além do acesso, a perma-
dois subsistemas, o regular e o especial.
nência e o sucesso na escola. Não se trata de
uma mera mudança de endereço: tirar da escola
Surge com esse princípio o conceito de
que a pessoa com deficiência é uma pessoa com
especial e colocar na classe comum da escola regular. (PALHARES; MARINS, 2002. p.68).
direitos e deveres como qualquer outro ser humano. Contudo, o princípio da normalização deman-
Os autores acima acreditam que é im-
da grandes mudanças na educação especial, uma
portante ousar em direção à construção de uma
vez que ela precisa trabalhar com modalidades
proposta de educação inclusiva, que seja: racio-
mais integradoras. A escola deve abrir-se para
nal, responsável, responsiva em todos os níveis,
atender o aluno com deficiência, tendo como prin-
das instâncias de gerenciamento à sala de aula.
cípio o respeito aos seus interesses e às suas reais necessidades, de forma a lhe proporcionar autono-
28
INEQ - Educação integral
Pensar em um processo de educação inclusiva,
com todos os recursos necessários, para todos
O ponto de partida para uma possível su-
e em curto prazo, diante da realidade atual não
peração é compreendermos que critérios são uti-
será possível, mas podemos pensar em um proje-
lizados para caracterizar o ser diferente. Segundo
to consciente a ser construído dentro das nossas
Amaral (1998) o ser/estar diferente pressupõe
possibilidades.
a eleição de parâmetros, sejam eles estatísticos (moda e média), de caráter estrutural/funcional
Para que ocorra plenamente, a integração
(integridade de forma/funcionamento), ou de
deve ser considerada em seu aspecto social, ins-
cunho psicossocial, ou seja, “o tipo ideal”. O critério
trucional e temporal e supõe o envolvimento de
estatístico tem duas vertentes. A “média” – variá-
médicos, paramédicos, toda a equipe da escola,
vel matematicamente alcançada pelo cociente da
a família, a comunidade bem como apoio legal e
soma de n valores por n – e a “moda” – variável
ações governamentais. Visto que a presença de
que corresponde a um máximo de frequência em
preconceitos e a decorrente discriminação são vi-
uma curva de distribuição.
vidas, ainda com mais intensidade, pelos significativamente diferentes impedindo-os, muitas vezes,
No critério estrutural/funcional, tanto a
de vivenciar não só os seus direitos de cidadãos,
integridade da forma quanto a competência da
mas de vivenciar plenamente sua própria infância.
funcionalidade definem a diferença. Sabe-se que
(AMARAL, 1998, p. 12).
a espécie humana apresenta determinadas características que se correlacionam a órgãos específi-
Preconceito: Uma Possível Superação
cos, com estrutura e funções próprias, localizados de uma única forma. Qualquer alteração mais sig-
O preconceito configura-se como o grande
nificativa caracteriza o diferente/deficiente.
inimigo da integração/inclusão das pessoas com deficiências. Historicamente, tais atitudes foram
E por último, o ideológico ou “o tipo ideal” –
marcadas pela eliminação, segregação, discrimi-
construído e mantido pelo grupo dominante – cor-
nação. Ou seja, a sociedade resolveu a questão
responde à comparação entre uma determinada
da diferença evitando o confronto. Mas, como são
pessoa ou um determinado grupo.
criadas e mantidas as atitudes preconceituosas? Em que medida impedem o exercício da cidada-
De acordo com a autora, sabemos (mas
nia?
não confessamos) que existe em nosso contexto social esse tipo ideal e que perseguimos (consSão inúmeras as questões levantadas e
ciente ou inconscientemente) uma aproximação
dificilmente estamos aptos para reponde-las, mas
com essa idealização, uma vez que o afastamento
podemos reconhecer essa complexidade no con-
dela caracteriza “o ser diferente”.
texto e nas relações humanas, onde são estabelecidas as características do que é diferente. E por
A questão é que embora nem sempre cor-
acaso, não é exatamente o rotulado como “diferen-
respondendo a esse protótipo ideologicamente
te” o alvo de nossos preconceitos, justamente por
construído, é ele que utilizamos em nosso cotidia-
ser desconhecido, por nos causarem certo estra-
no para a categorização ou validação do outro. Ou
nhamento?
seja, com este preconceito já incutido, discriminamos, rejeitamos ou julgamos alguém pela sua INEQ - Educação integral
29
aparência física e, a partir daí, nos aproximamos
e portanto, adotando o princípio da inclusão, isto
ou não dessa pessoa.
é: “o ensino seja ministrado a todas as crianças, jovens e adultos com necessidades educativas es-
O Desafio de Uma Escola Inclusiva: Movimentos
peciais preferencialmente no sistema comum de
Precusores
educação” (RIBEIRO, 2003, p. 47).
Como sempre ocorre com tudo que é novo,
Atualmente, a Educação Inclusiva vem sen-
a proposta de uma educação inclusiva assusta,
do entendida como um processo em construção,
gera polêmica. Isso porque a maioria dos educa-
que deve estar presente nos diferentes níveis de
dores ainda não se deu conta de que para receber
educação escolar, isto é, abrangendo da Educação
em sala de aula uma criança com necessidades
Infantil ao ensino médio e superior, bem como as
especiais, o professor não necessariamente, deva
demais modalidades da educação escolar, como a
ser um especialista na área. É importante ter boa
educação de jovens e adultos e a educação profis-
vontade e determinação, estar preparado psicoló-
sional.
gico e emocionalmente para enfrentar este desafio, procurar ter cautela e bom senso na hora de
Diante desta realidade há hoje a necessi-
estabelecer os objetivos e não criar muitas expec-
dade da escola se preparar para inclusão desde a
tativas para que se evitem as frustrações; enfim,
implantação do seu Projeto Político Pedagógico
manter os pés no chão, encontrar um equilíbrio,
(PPP), comprometendo-se, assim, com uma edu-
não antecipar sofrimento e procurar resolver os
cação de qualidade para todos os seus alunos.
problemas na proporção que eles forem surgindo.
Com isso o aluno não precisará se amoldar à escola, mas a escola consciente do seu papel se co-
Portanto, pode-se dizer que a educação in-
locará à disposição do aluno, tornando inclusiva
clusiva implica em um processo, planejado, grada-
a sua prática diária. Para que a inclusão torne-se
tivo e contínuo de melhoria da escola, com o fim
realidade mais do que decreto, precisamos que as
de utilizar todos os recursos disponíveis visando à
escolas avaliem suas reais condições, possibilitan-
participação e a aprendizagem de todos os alunos
do assim uma inclusão planejada, gradativa e con-
lá inseridos.
tínua, de alunos com necessidades educacionais
especiais.
A Declaração de Salamanca sustenta que
as escolas regulares com uma orientação inclusi-
No âmbito político, os sistemas escolares
va são as mais eficazes de combater atitudes dis-
garantem a matrícula de todo e qualquer aluno,
criminatórias, de edificar uma sociedade inclusiva
inclusive os com necessidades educacionais es-
e de conseguir educação para todos.
peciais. Segundo Ribeiro e Baumel (2003), para que se avance nessa direção, é essencial que os
Em 1996, a nova Lei de Diretrizes e Bases
sistemas de ensino busquem a demanda real de
da Educação Nacional (Lei 9.394/96) traz o com-
atendimento a estes alunos especiais, mediante
promisso de uma ação educativa para o exercício
criação de sistemas de informações, que além do
da cidadania. Neste contexto, a Educação Especial
conhecimento da demanda possibilitem a iden-
passa a ser entendida como modalidade de edu-
tificação, análise, divulgação e intercâmbio de
cação escolar, parte integrante da educação geral
experiências educacionais inclusivas, buscando
30
INEQ - Educação integral
apoio nos órgãos governamentais responsáveis
REFERÊNCIAS
pelo censo escolar e pelo censo demográfico, para atender a todas as variáveis implícitas à qualidade do processo formativo desses alunos.
AMARAL, Lígia Assumpção. Sobre crocodilos e avestruzes: falando de diferenças físicas, preconceitos e sua superação. In: AQUINO, Júlio Groppa (Org.).
Diferenças e
Conclusão:
preconceito na escola: alternativas teóricas e práticas. São
BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabele-
É perfeitamente compreensível que tama-
nha mudança não ocorra da noite para o dia. Sabemos que não se pode mudar toda uma estrutura educacional de maneira tão radical, de uma hora
Paulo: Summus, 1998. p.12
ce as diretrizes e bases da educação nacional. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/ldb.pdf>. Acesso em: 20 abr. 2005.
para outra. Entretanto, podemos nos alegrar por
CASARIN, Sonia. Reflexões sobre a integração social da pes-
chegarmos a essa conclusão, pois a partir dela
soa deficiente. In: MANTOAN, Maria Teresa Eglér. A integração
poderemos caminhar rumo à inclusão de maneira firme e determinada. A confiança e a fé é o que nos move e o que hoje parece apenas uma gota no oceano no futuro fará toda diferença. Acreditamos na integração como processo e na inclusão como resultado. E é justamente por ser processo que a integração social deve ser estabelecida nos níveis físico, funcional e interpessoal, ou seja a criança deve ser recebida, tratada como igual, ter as mesmas obrigações que os demais e ser respeitada na sua diferença e na sua integridade. Segundo Paulo Freire, (1993 p.27) Quanto mais respeitarmos os alunos e alunas independentemente de sua cor, sexo, classe social, quanto mais testemunhos dermos de respeito em nossa vida diária, na escola, em nossas relações com os colegas, com zela-
das pessoas com deficiências: contribuições para uma reflexão sobre o tema. São Paulo: Memnon Editora SENAC, 1997. p. 215-219. ITANI, Alice. Vivendo o preconceito em sala de aula. In: AQUINO, Júlio Groppa (Org.). Diferenças e preconceito na escola: alternativas teóricas e práticas. São Paulo: Summus, 1998. p.119-134. PALAHARES, Marina Silveira; MARINS, Simone. Escola inclusiva. São Carlos: Edufscar, 2002. 286 p. RIBAS, João Batista Cintra. O que são pessoas deficientes. São Paulo: Brasiliense, 1989. 20 p. (Coleção Primeiros Passos) RIBEIRO, Maria Luisa Sprovieri. Perspectivas da escola inclusiva: algumas reflexões.
dores, cozinheiros, vigias, pais e mães de alunos,
In: RIBEIRO, Maria Luisa Sprovieri; BAUMEL, Roseli Cecília Ro-
quanto mais diminuirmos a distância entre o que
cha de Carvalho (Org.). Educação especial: do querer ao fazer.
dizemos e o que fazemos, tanto mais estaremos
São Paulo: Avercamp, 2003. p. 41-50, 191.
contribuindo para o fortalecimento de experi-
UNESCO.
ências democráticas. Estaremos desafiando-nos
sobre necessidades educativas
a nós próprios a mais lutar em favor da cidadania e de sua ampliação. Estaremos forjando em nós a indispensável disciplina intelectual sem a qual obstaculizamos nossa formação bem como, a não menos necessária disciplina política, indispensável à luta para a invenção da cidadania.
Declaração de Salamanca e linha de ação:
especiais. Brasília: CORDE, 1994. 54 p. FREIRE, Paulo. Professora sim tia não: cartas a quem ousa ensinar. São Paulo: Olho D´água, 1993. 127 p. ______. Inclusão escolar: o que é? por quê? como fazer? São Paulo: Moderna, 2003.
INEQ - Educação integral
31
Uma reflexão sobre o percurso para a ressignificação: o currículo escolar brasileiro Katia Regina Vinhas de Morais1
RESUMO
ção de 1988, mais tarde com a LDB2 em dezembro de 1996, além da publicação de diferentes leis
O artigo procura refletir sobre as mudan-
e diretrizes, contribuíram para redimensionar a
ças na concepção de currículo que vêm compondo
organização escolar brasileira. Pode-se dizer que
estudos e documentações brasileiras nas últimas
muitos avanços têm sido conquistados no sentido
décadas. Gradativamente estamos nos afastando
de pensar a escola como espaço democrático de
de uma escola excludente e classificatória e enten-
construção de saberes e transformação social.
dendo a importância e a grandeza social da Educa-
Como ponto de partida, podemos trazer a ideia da
ção Democrática.
“escola para todos”, que procurou romper com a
PALAVRAS – CHAVE: Currículo, Escola Pública;
concepção tecnicista, bem como trazer o entendi-
Educação Democrática.
mento de um currículo em constante transformação. A possibilidade de as escolas e diferentes sis-
ABSTRACT
temas educacionais terem autonomia para gerir recursos e realizar a construção de seu Projeto Po-
The article discuss to reflect on the changes in cur-
lítico Pedagógico também podem ser vistos como
riculum design that have been composing Brazi-
pontos de grande avanço das últimas décadas.
lian studies and documentation in recent decades. Gradually we are moving away from an exclusio-
Corazza (2008), ao fazer uma contextuali-
nary and classification school and understanding
zação histórica acerca da concepção de currículo
the importance and social greatness of Democra-
aponta para o momento de politização da escola
tic Education.
e, ao se pensar a escola. Um momento onde as
KEYWORDS: Curriculum, Public School; Democra-
ideias iluministas e o olhar mercadológico capita-
tic Education.
lista voltado à educação passam a ser fortemente contestados.
1. INTRODUÇÃO
Os referenciais e diretrizes procuram trazer
A concepção acerca do currículo escolar
a organização curricular destacando a importân-
passou por grandes alterações a partir da década
cia e a necessidade de serem incluídos os temas
de 90 no Brasil. Com a promulgação da constitui-
transversais, inclusão, a temática dos direitos de
1 - Coordenadora Pedagógica na PMSP, especialista em Psicopedagogia pela Universidade Paulista-Unip; Pedagoga pela Universidade Paulista-Unip; kativinhas@hotmail.com 2 - LDB: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira.
32
INEQ - Educação integral
todos, da diversidade (gênero, etnia e culturais)
Outro aspecto que tem sido bastante dis-
etc. Muito há de importante e até pertinente nos
cutido e observado é o do currículo oculto, ou seja,
documentos como, inclusive, o destaque à neces-
tudo aquilo que permeia as relações e os fazerem
sidade de uma melhor formação inicial e contínua
das escolas e que está carregado das mais dife-
dos educadores. Porém na realidade, o que preva-
rentes concepções, ideologias e incorporadas de
lece, ainda hoje, em nossas escolas é a pedagogia
maneira “silenciosa” e velada. Desta forma as rela-
livresca e dominada pelos conteúdos a serem re-
ções de poder continuam a permear as atitudes da
passados aos estudantes. (BARRETO, 2006)
e na escola. As diferentes concepções sociais, as dominações, preconceitos etc. têm grande influ-
Outro destaque é a concepção de Gestão
ência nos fazeres escolares. Como aponta Apple:
Democrática que visa aproximar os atores das co-
“[...] o currículo oculto pode ter uma série de danos
munidades educativas, possibilitando diferentes
como todos sabemos [...] tem múltiplas mensa-
discussões, olhares e organização dos fazeres
gens...” (2012, p. 05).
da escola que sejam significativos e atendam às necessidades locais. A formação dos Conselhos
Portanto devemos trazer à luz dos debates
Escolares, grêmios e demais associações con-
escolares as relações de dominação e exclusão
tribuem muito para a tomada de decisões e pro-
ainda presentes nas sociedades. Pensar no cur-
postas referentes à utilização dos recursos finan-
rículo das diversidades e minorias, das relações
ceiros, Projeto Político Pedagógico, eventos, entre
pacíficas e respeitosas entre todos. Deve haver no
outros.
currículo a transcendência dos conteúdos, o rompimento dos ainda existentes muros escolares e A mudança na concepção de avaliação
muito disso só será possível com a formação con-
também vem passando por grandes mudanças.
tínua e a valorização dos profissionais da educa-
O olhar excludente, seletivo dá lugar à avaliação
ção. (CORAZZA, 2008)
diagnóstica e formativa, instrumento que oferece ao professor a oportunidade de reorganizar seus
No Brasil tivemos no início dos anos 2000
planejamentos e ações. A ideia de ciclos de apren-
leis que, ao alterar a LDB, tornam obrigatórios nas
dizagem também oportuniza grande diferenciação
escolas o trabalho com a temática dos negros,
ao então currículo seriado, pois possibilitou a per-
história da África e dos indígenas3. As leis foram
manência na escola daquela camada da popula-
garantidas através de muitas lutas sociais que de-
ção, que devido ao grande número de repetências
vem continuar a fim de trazermos à tona. Ao cen-
abandonavam precocemente os estudos (BARRE-
tro da escola e consequentemente da sociedade,
TO, 2006). Porém, ainda segundo Barretto: “Não
o lugar de direito de todos os cidadãos, sejam eles
bastam apenas decretos ou regulamentos para
negros, indígenas, homens, mulheres, homossexu-
instituir os ciclos, uma vez que eles são apenas
ais, deficientes, imigrantes, velhos e crianças.
orientações bem gerais que dependem da construção coletiva de um novo modelo de escola que
faça frente as dificuldades seculares que assolam
participando de momentos de grande importância
o ensino brasileiro”. (BARRETTO, 2006, p.11)
para rompermos com práticas seculares de edu-
Desta forma, entendemos que estamos
3 - Leis: 10.639/03; 11.645/2008. INEQ - Educação integral
33
cação autoritária e caminhando para garantir a escola
infantil: realidade e utopia projetadas na es-
pública e de qualidade no Brasil.
cola “brincar e ser criança”. In: Educação em Revista. Marília, v. 9, no. 1, p. 61-76 jan-jun,
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de 09 de janeiro de 2003 altera a Lei nº 9.394, de 20 de
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dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases
ques_luis_armando_gandin.pdf Acesso em:
da educação nacional, para incluir no currículo oficial
23/03/2016.
da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, e dá outras providências. _______. Presidência da República. Lei nº 11.645/2008, de 10 de março de 2008, altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. _______. Constituição (1998). Constituição da República Federativa Do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. _______. Senado Federal. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: nº 9394/96. Brasília: 1996. CORAZZA, S. M. Currículo na contemporaneidade. Brusque, Blumenau. 2008. Disponívelem: http://www. cfge.ufscar.br/file.php/460/Material_didatico/curriculo_na_contemporaneidade_sandra_mara_corazza.pdf Acesso em: 07/04/2016. LOPES, Rosemar P. Aspectos estruturais, organizacionais, pedagógicos e humanos da escola de educação
34
INEQ - Educação integral
A importância de trabalhar as questões étnico-raciais na educação infantil Marlene Anastácio Sales1
RESUMO
ve the contribution to the construction of practices in the infantile education, practices that have the
É citado em muitas reuniões pedagógicas
purpose to promote the racial equality, providing
e até mesmo em cursos de aperfeiçoamento que
through this reading a reflection on the pedago-
a discriminação e o preconceito não fazem parte
gical practices in classroom, in which the educa-
do cotidiano da educação infantil, bem como não
tors are instigated to promote practices capable of
há conflitos entre as crianças, por conta dos seus
valuing social equality.
pertencimentos raciais. Neste artigo temos como
KEYWORDS: Early Childhood Education; Toys; Eth-
principal objetivo contribuir para a construção de
nic Racial.
práticas na educação infantil, práticas as quais possuam a finalidade de promover a igualdade
INTRODUÇÃO
racial, proporcionando por meio desta leitura uma reflexão sobre as práticas pedagógicas em sala
O espaço de educação infantil é um espa-
de aula, na qual os educadores sejam instigados a
ço privilegiado para o estabelecimento de inúme-
promover práticas capazes de valorizar a igualda-
ras relações sociais, nas quais cada aprendizagem
de social.
pode torne-se significativas para as crianças. Este artigo busca mostrar a importância das múlti-
PALAVRAS – CHAVE: Educação Infantil; Brinque-
plas linguagens na educação infantil e como estas
dos; Étnico Racial.
podem favorecer para o desenvolvimento da criança, em especial na fase em que frequentam a edu-
ABSTRACT
cação infantil. As brincadeiras são muito utilizadas como recurso pedagógico e é de excelência para
It is said in many pedagogical meetings
efetivar propostas de aprendizagem relacionadas
and even in courses of improvement that discrimi-
a cooperar, a socializar valores, respeitar o outro,
nation and prejudice are not part of the daily routi-
superar as diferenças e aceitar a si mesmo.
ne of children’s education, as well as there are no conflicts between children, because of their racial
Diante disso, buscaremos objetivar o quão
belongings. In this article we treat as main objecti-
importante é o trabalho com as questões étnico ra-
1 - Formada pela Faculdade da Aldeia de Carapicuíba. Desde 1981, atua como Professora de Educação Infantil, atualmente é Professora no CEU CEI Vila Atlântica.
INEQ - Educação integral
35
ciais na educação infantil e o quanto a valorização
ças quanto a questões tão relevantes para a sua
das diferenças pode ser importante para múltiplas
formação pessoal e social, a fim de que saibam
questões, tais como a autoestima, o respeito, a va-
intervir e construir a sua própria história de vida.
lorização do outro, dentre tantas outras questões que podem ser abordadas com o trabalho étnico – racial.
1. A LEI N. 10639/03 NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Justificamos esse artigo, levando em con-
É durante a educação infantil que as crian-
ta o quão importante é fazer um trabalho peda-
ças começam a conhecer seu corpo, bem como
gógico na sala de aula com base na diversidade
as diferenças e semelhanças entre os colegas de
cultural, especialmente as diferenças étnicas, pois
seu grupo; fazem suas escolhas sobre com quem
desde cedo é preciso que as crianças reconheçam
brincar e se relacionar na escola e, além disso, co-
as diferenças que existem entre elas e o outro, e
meçam a ter as suas preferências por alguns brin-
isso só é possível mediante da apresentação de
quedos, sendo assim, são necessário que o edu-
materiais, vídeos, brinquedos, brincadeiras e so-
cador trabalhe em sua sala de aula as questões
bretudo por intermédio de muito respeito a si e ao
sobre as diferenças e, em especial, aquelas que
outro.
estão relacionadas ao pertencimento racial, não só com as crianças, mas também com as famílias
A criança aprende por intermédio das brin-
e com a comunidade. (CEERT, 2011).
cadeiras. Desta forma, todos os conteúdos podem e devem ser ensinados por meio de jogos e brinca-
A educação infantil é o primeiro recinto ins-
deiras, em atividades que sejam de predominância
titucionalizado o qual a criança tem acesso.Isto
lúdica, pois não existe nada que a criança preci-
significa que é com base na educação infantil que
se saber que não possa ser ensinado brincando
ela passa a conviver com a coletividade e, por isso,
(LIMA, 1987, p. 33).
precisa ter oportunidades para aprender regras de convivência, regras as quais devem ser pautadas
A brincadeira é fundamental para a forma-
no respeito por si e pelo outro.
ção social da criança, que, por meio dela cria situações, integra-se com a sociedade e transforma o
seu mundo, relacionando-se com as demais pes-
Educação Infantil ressaltam:
soas a sua volta.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para Art. 7°. Na observância dessas Diretrizes, a proposta pedagógica das instituições de
As relações étnico-raciais não acontecem
Educação Infantil deve garantir que elas cum-
somente quando somos “grandes”, acontecem em
pram plenamente sua função sociopolítica e
toda a história de nossas vidas. Devemos auxiliar
pedagógica:
os pequenos cidadãos a valorizar suas diferentes características étnicas e culturais desde a educa-
I – Oferecendo condições e recursos para
ção infantil. Por intermédio deste trabalho, quere-
que as crianças usufruam seus direitos civis,
mos reafirmar a afirmação de Freire (1987): “todo
humanos e sociais;
o futuro é a criação que se faz pela transformação do presente”. É preciso orientar as nossas crian-
36
INEQ - Educação integral
II – Assumindo a responsabilidade de com-
partilhar e complementar a educação e cui-
por civilizações, histórias, grupos sociais e étnicos.
dado das crianças com as famílias;
As crianças na educação infantil podem ser reeducadas a lidar com os preconceitos aprendidos
III – Possibilitando tanto a convivência entre
no ambiente familiar e nas relações sociais mais
as crianças e entre adultos e crianças quanto
amplas. Educar para a igualdade étnica é tarefa
à ampliação de saberes e conhecimentos de
urgente e imprescindível para a construção da so-
diferentes naturezas;
ciedade de amanhã.
IV – Promovendo a igualdade de oportuni-
Na Lei nº. 8069 de 13 de Julho de 1990 (ECA) dis-
dades educacionais entre as crianças de di-
põe:
ferentes classes sociais no que se refere ao
A criança e o adolescente tem direito a liber-
acesso a bens culturais e às possibilidades
dade, ao respeito e a dignidade como pesso-
de vivência da infância;
as humanas em processo de desenvolvimento e como sujeito de direitos civis, humanos e sociais garantidos na constituição e nas leis:
V – Construindo novas formas de sociabilidade e de subjetividade comprometidas com a ludicidade, a democracia, a sustentabilida-
Art. 16 – O direito a liberdade compreende
de do planeta e com o rompimento de rela-
dentre os aspetos: II – Opinião e expressão e
ções de dominação etária, socioeconômica,
III – Crença e culto religioso;
étnico – racial, de gênero, regional, linguística
Art. 17 – O direito ao respeito consiste na in-
e religiosa.
violabilidade de integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da autonomia,
dos valores, ideais e crenças, dos espaços e
De acordo com a Lei nº. 10. 639/2003, a
objetos pessoais;
educação infantil tem um papel muito significativo para o desenvolvimento humano, a formação da personalidade, a construção da inteligência e
Art. 18 – É dever de todos velar pela digni-
a aprendizagem. O espaço escolar nos primeiros
dade da criança e do adolescente, colocando
anos de vida tem o privilegio de promover a elimi-
– os a salva de qualquer tratamento desuma-
nação de qualquer forma de preconceito, racismo
no, violento, aterrorizante, vexatório ou cons-
e discriminação, fazendo com que as crianças,
trangedor.
desde bem pequenas consigam compreender e se envolver em ações que valorizem a importância dos diferentes grupos étnicos raciais para história
Assim sendo, as crianças precisam ser e
e cultura brasileira (Brasil-MEC, 2003).
sentir-se respeitadas, acolhidas e independentemente de crença, etnia e religião, precisam apren-
Desde muito cedo é possível conhecer e
der a conviver com a diversidade, não somente no
aprender sobre diferentes realidades e compre-
ambiente escolar, mas também em seu ambiente
ender que as experiências sociais do mundo são
familiar e, claro, em qualquer outro que seja fre-
muito maiores do que a nossa experiência local, e
quentado por ela.
que esse mesmo mundo é constituído e formado INEQ - Educação integral
37
É necessárias que as Professoras (Profes-
ação, acabam (o que é muito triste) deixando de
sores), estejam preparadas(os) para lidar com as
lado o devido valor a si mesmos e aos seus grupos
questões das diferenças, em especial as diferen-
de pertencimento.
ças de cunho étnico. Desta maneira, é necessário que estejam aptos a explicar para as crianças as
Para o Professor de educação infantil, o
diferenças culturais e sociais nas estas fazem. Ou
fato de a criança “não querer brincar com a boneca
seja, é necessário mostrar para criança que a hu-
negra”, ignorando-a nas brincadeiras, ou até mes-
manidade não é um todo uniforme, mas sim um
mo não querer dar a mão para uma criança negra
mosaico rico e diversificado.
na hora de uma brincadeira de roda ou em outra brincadeira qualquer, pode ser considerado abso-
De acordo com Trinidad (2011), para traba-
lutamente normal (no caso do docente que está
lhar a diversidade étnica com as crianças, a par-
desatento à questão étnica), não havendo nenhum
ticipação da família é primordial. Os pais e fami-
tipo de interferência e não se dando conta que não
liares devem estar informados sobre as atividades
fazer as intervenções nos momentos certos pode
que acontecem na escola e quais seus objetivos e,
estar potencializando e reforçando a discrimina-
especialmente, serem informados sobre a impor-
ção e o preconceito com relação às crianças ne-
tância da sua participação, trazendo informações
gras.
sobre a cultura que a criança tem em casa, a formação e os hábitos familiares, suas atividades aos
Desde muito pequenas, as crianças con-
finais de semana, seus rituais religiosos etc. Todas
seguem perceber as diferenças nas relações, po-
as informações sobre a família são extremamente
dendo assim associá-las ao pertencimento socio-
ricas para serem consideradas na prática pedagó-
cultural. Muitas vezes dentro da sala de aula, as
gica junto a à criança.
crianças negras não recebem as mesmas atenções que a criança branca recebe. Infelizmente, não há como negar que o preconceito e discri-
2. RELAÇÕES RACIAIS E O SILÊNCIO NO ESPAÇO
minação constituem um problema que afeta em
ESCOLAR
maior grau a criança negra, visto que ela sofre em seu cotidiano, maus-tratos, agressões e injustiças,
De acordo com Eliane Cavalleiro (2003),
o silêncio que vem atravessando os conflitos ét-
que afetam diretamente sua infância e comprometem seu desenvolvimento.
nicos na sociedade é o mesmo que vem dando
38
sustentação ao preconceito e a discriminação no
interior das escolas. É no silêncio que ocorrem si-
tuações, o despreparo dos educadores em se re-
tuações diversas no espaço escolar e que podem
lacionar com os alunos negros, evidenciando tam-
ter influência direta na socialização das crianças,
bémo desinteresse em inclui-los positivamente na
mostrando-lhes diferentes lugares para pessoas
vida escolar. O fato dos profissionais da educação
brancas e negras. Esse silêncio é o alimentador de
interagirem com as crianças negras diariamente
desigualdades que são impostas pela sociedade
não significa que se preocupem em conhecer as
e que contribuem para que alunos afrodescenden-
suas especificidades e necessidades.
tes se sintam impossibilitados de lutar com seus
Vejamos o que diz as Diretrizes Curriculares Nacio-
instrumentos culturais, pois sofrendo com tal situ-
nais para Educação das Relações Étnicos-raciais e
INEQ - Educação integral
É muito comum encontrarmos, nessas si-
para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira
o Brasil, um país miscigenado e com a maior parte
e Africana (03/2004) a respeito do racismo e ao
de sua população sendo mestiça.
combate a este:
De acordo com as Diretrizes Curriculares
Valorização da oralidade, da corporeidade e
Nacionais para a Educação Infantil (2009), em seu
da arte, por exemplo, como a dança, marcas
artigo 9º e incisos VII e XI, vemos que as práticas
da cultura de raiz africana, ao lado da escrita
pedagógicas que compõem a proposta curricular
e da leitura; educação patrimonial, aprendiza-
da educação infantil devem ter como eixos norte-
do com base no patrimônio cultural Afro-bra-
adores as interações e a brincadeira, garantindo
sileiro, destinadas a preservá-lo e a difundi-lo;
experiências que possibilitem vivências étnicas e
cada família e suas crianças são portadoras
estéticas com outras crianças e grupos culturais,
de um vasto repertório que se constituí em
ampliando, assim, seus padrões de referência e de
material rico e farto para o exercício do dia-
identidade no dialogo e reconhecimento da diversi-
logo aprendizagem com a diferença, a não
dade, proporcionando a interação e o conhecimen-
discriminação e as atitudes não preconceitu-
to por parte das crianças em relação às manifesta-
osas.
ções e tradições culturais brasileiras.
Partindo do pressuposto acima, ao cala-
De acordo com Munanga (2005), alguns
rem-se, os docentes acabam contribuindo para
Professores, seja por sua falta de preparo ou por
que aconteçam cada vez mais práticas discrimi-
preconceitos já introjetados, não conseguem
natórias, colaborando, assim, para que as crianças
lançar mão das situações de discriminação no
negras cresçam tímidas, temerosas e envergo-
espaço escolar e na sala, momento pedagógico
nhadas de si mesmas, e, por outro lado, a esco-
privilegiado para discutir a diversidade e a riqueza
la passe a ser vista por estas crianças como um
que ela traz a nossa cultura e a nossa identidade
ambiente que não a acolhe, que não valoriza a sua
nacional. Na maioria dos casos, praticam a políti-
história e cultura e não a protege contra a violência
ca de avestruz ou sentem pena dos “coitadinhos”
e a discriminação étnico-racial. Além disto, o silên-
em vez de uma atitude responsável que consistiria
cio durante as cenas de preconceito no interior da
em mostrar que a diversidade constitui um fator
escola, faz com que as crianças brancas cresçam
de complementaridade e de enriquecimento da
acreditando em sua superioridade, fato que não
humanidade , ajudando o aluno discriminado, e os
é verídico, pois todas as crianças são detentoras
demais estudantes, a assumir, com orgulho e dig-
das mesmas condições naturais e dos mesmos
nidade, os atributos de sua diferença, aprendendo,
direitos, sendo o principal deles a igualdade.
por fim, que tal diferenciação é apenas uma construção social que distorce a real natureza humana.
Para Cavalleiro (2003), o acesso à educa-
.
ção é um direito de todos os cidadãos, independente de sua etnia, credo ou condição social, por-
3. A FORMAÇÃO DOS PROFESSORES DE EDUCA-
tanto, é completamente contraditório o espaço
ÇÃO INFANTIL
escolar não estar apto a receber crianças negras nas mesmas condições de respeito e igualdade,
A formação do professor deve estar articu-
especialmente quando falamos de um país como
lada a renovação do Projeto Politico Pedagógico INEQ - Educação integral
39
da instituição e ter como objetivo principal apro-
gras com cabelos para serem penteados, resgates
ximar, de forma significativa, o universo das crian-
de brincadeiras africanas, ou seja, tudo aquilo que
ças, o universo da sala de aula, com as pesquisas
possa reforçar a identidade das crianças afrodes-
em educação e os conhecimentos produzidos pelo
cendentes.
Professor com base em análises e reflexões. De acordo com Gomes, 2005:
Desde pequenas, as crianças conseguem
construir conceitos do que é bom e do que é ruim, e na maioria das vezes veem seus educadores
Para que a escola consiga avançar na rela-
como seus maiores exemplos, assim qualquer
ção entre saberes escolares, realidade social,
conceito que seja passado pelos educadores de
diversidade étnico cultural, é preciso que os
forma errada, pode ser visto como um padrão de
educadores compreendam que o processo
comportamento.
educacional também é formado por dimensões como a ética, as diferentes identidades,
A mídia também é grande propagadora de
a diversidade, a sexualidade, a cultura, as re-
padrões de beleza, seja de forma intencional ou
lações raciais, entre outras. E trabalhar com
não, portanto é preciso que seja apresentado para
essas dimensões não significa transformá-
as crianças as igualdades, mesmo que buscar a
-las em conteúdos escolares ou temas trans-
igualdade não pressuponha deixar com que todos
versais, mas ter a sensibilidade para perceber
sejam iguais dentro de uma cultura, afinal a igual-
como esses processos constituintes da nos-
dade não elimina as diferenças. O que não pode-
sa formação humana se manifesta na nossa
mos deixar que aconteça é a ideia de igualdade ser
vida e no próprio cotidiano escolar.
utilizada, de forma distorcida, para mascarar o pre-
Dessa maneira, poderemos construir coleti-
conceito e a discriminação que existe ainda hoje.
vamente novas formas de convivência e de respeito entre professores, alunos e comunidade. É preciso que a escola se conscientize
4. OS AMBIENTES E A APRENDIZAGEM
cada vez mais que ela existe para atender a sociedade na qual está inserida e não aos
Os ambientes para igualdade racial du-
órgãos governamentais ou aos desejos dos
rante a aprendizagem devem estar abertos a ex-
educadores. (, 2005).
periências infantis e possibilitar que as crianças expressem seu potencial, suas habilidades, curiosidades e possam construir uma autoimagem po-
Os Professores devem estar atentos a pro-
sitiva. Educar para igualdade étnico-racial na edu-
porcionar mudanças que estimulem formas posi-
cação infantil significa ter cuidado não somente
tivas de interação além de estimular perspectivas
na escolha de livros, brinquedos, mas também de
entre as crianças, isso pode ocorrer de diversas
cuidar dos aspectos estéticos, como a eleição de
formas como, por exemplo, na realização da lei-
materiais gráficos de comunicação que valorizem
tura de história na qual surjam heróis e princesas
a diversidade racial.
negras, a fim de mostrar que pessoas negras têm
40
papéis de destaque positivos; ter brinquedos que
representem a cultura negra, como bonecas ne-
deixar com que crianças sofram diariamente com
INEQ - Educação integral
Não podemos continuar com o silêncio e
situações que as empurram e as mantêm em per-
A contação de histórias merece lugar de
manente estado de exclusão da vida social. É im-
destaque na sala de aula. Ela é o veículo com o
prescindível, neste sentido, que seja elaborado um
qual as crianças podem entrar em contato com
trabalho que seja capaz de promover o respeito,
um universo de lendas e mitos e enriquecer o re-
reconhecimento da diferença, possibilidade de se
pertório. Textos e imagens que valorizam o res-
falar sobre elas sem receio e sem preconceito.
peito às diferenças são sempre muito bem-vindos.
Sendo assim, a utilização de músicas e
danças que fazem partes das diferentes manifes-
Apresentação de bonecos negros, nas
tações culturais deve ser a base do trabalho so-
quais as crianças criam laços com esses brin-
cializador das crianças, fazendo parte do cotidiano
quedos e se reconhecem também é ponto essen-
das unidades escolares e do trabalho do Professor
cial na construção e valorização de suas identi-
de educação infantil. Temos diversas heranças
dades. É interessante associar esses bonecos ao
culturais dos povos africanos, como a capoeira,
cotidiano da escola e das próprias crianças, que
maculelê, jongo, samba, umbigada etc.; e mere-
podem se revezar para levá-los para casa. A pre-
cem ser enfatizados junto a às crianças. As can-
sença de bonecos negros é sinal de que a escola
tigas, músicas infantis, fazem parte da educação
reconhece a diversidade da sociedade brasilei-
infantil, mas é preciso ter uma diversidade nesse
ra. Caso não encontre bonecos industrializados,
repertório, apresentado às crianças a diversidade,
uma boa saída é confeccioná-los com a ajuda de
mostrando a elas que existe um vasto universo
familiares. Mexer nos cabelos e trocar pequenos
cultural que as rodeia.
carinhos é uma forma de cuidar das crianças e romper possíveis barreiras de preconceitos. O
Muitas de nossas crianças não se sentem
trabalho com o cabelo abre caminho para estu-
representadas nas figuras dos materiais didáticos
dar tamanho, textura, cor e permite aprender que
e nos livros infantis, nos brinquedos, nos filmes e
não existe cabelo ruim, só estilos diferentes.
nas imagens que compõem murais das escolas, é preciso ir além, pesquisar, buscar materiais que
Pesquisar a história de alimentos de ori-
façam as crianças negras serem incluídas na so-
gem africana é um ótima forma de valorizar a
ciedade.
cultura dos afrodescendentes. Melhor ainda se houver degustação, com o apoio da comunidade.
Reunir as crianças em uma roda, abre es-
As aulas de culinária são momentos ricos para
paço para conhecê-las melhor. Para entender as
enfocar as heranças culturais dos vários grupos
relações de preconceito e identidade, vale a pena
que compõem a sociedade brasileira. A música
apresentar revistas, jornais e livros para que as
desenvolve o senso crítico e prepara as crianças
crianças se reconheçam (ou não) no material ex-
para outras atividades. Conhecer músicas em di-
posto. A roda é o lugar de propor projetos, discutir
ferentes línguas, e de diferentes origens, é
problemas e encontrar soluções. Também é o me-
bom caminho para estimular o respeito pelos di-
lhor espaço para debater os conflitos gerados por
versos grupos humanos. E isso se aplica a todas
preconceitos quando eles ocorrerem. Nessa hora,
as formas de Arte.
um
não tema a conversa franca e o diálogo aberto.
INEQ - Educação integral
41
CONSIDERAÇÕES FINAIS
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9394/96. Brasília, MEC, 1996.
Diante da realidade escolar brasileira e de
sua dinâmica, é inevitável percebermos os ves-
. Ministério da Educação. Secretaria Espe-
tígios de racismo que ainda vigora em nossa so-
cial de Políticas de Promoção
ciedade brasileira, mesmo após tantas lutas e
cial. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Edu-
esclarecimentos. Ainda falta muita informação,
cação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino
especialmente para os educadores de forma a er-
de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Bra-
radicação de todo o preconceito que ainda veicula
sília, 2004.
da Igualdade Ra-
pelas unidades escolares. CAVALHEIRO, Eliane. Do silêncio do lar ao silêncio Precisamos formar mais educadores pre-
escolar: Educação e Poder; racismo, preconceito
parados para lidar com as diversidades culturais
e discriminação na Educação Infantil. São Paulo,
existentes em sala de aula, mas que especialmen-
Summus, 2000.
te estejam dispostos a recriar seu currículo e suas práticas com as crianças. É preciso que o educa-
CURITIBA, História e Cultura afro-brasileira e afri-
dor de educação infantil tenha em mente que sua
cana: educando para as relações étnico-raciais/
função não é apenas preparar as crianças para as
Paraná. Secretaria de Estado da Educação. Supe-
séries iniciais do ensino fundamental, mas tam-
rintendência da Educação. Departamento de Ensi-
bém para o resto da vida, pois é na primeira infân-
no Fundamental. SEED-PR, 2006. – p.110 - (Cader-
cia em que as crianças têm seus alicerces forma-
nos Temáticos).
dos para as aprendizagens futuras. FREIRE, Paulo. A Importância do ato de Ler. São
Não falamos aqui para educar a todos de
Paulo: Cortez, 1987.
formas iguais, mas sim educar para as diferenças e para as suas especificidades. Não tratamos ape-
, Paulo. Educação como Prática de Liberda-
nas de respeitar a consciência negra, mas também
de. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.
de respeitar todas as outras etnias, retirando assim todo o preconceito existente.
MOURA, Glória. O Direito a Diferença. IN Superando o Racismo na escola. 2º edição revisada.
Para que se tenha êxito ao praticar a Lei
10.369/2003, a Escola e os Professores não po-
WINNICOTT, D. W. O Brincar e a realidade. Rio de
dem viver no improviso, é necessário possuir es-
Janeiro: Imago, 1975.
clarecimento sobre as suas práticas, pois somente assim, poderemos acabar com as desigualdades ainda existentes em nosso país, muitas delas derivadas do preconceito étnico-racial.
REFERÊNCIAS
42
INEQ - Educação integral
A Percepção da Prática Avaliativa no Processo de Escolarização Professor: Vagnum Dias da Silva1 Resumo
studies and research, etc. But for the most part, the
O presente artigo tem por objetivo tecer al-
evaluators today use various references from the
gumas reflexões de como o professor adquire sua
time they were students in basic education and hi-
concepção de avaliação. Para isso serão analisa-
gher education
das referências de avaliações da educação básica
Key Words: Evaluation Design; Education; School
ao ensino superior. A avaliação em educação é um
Daily
tema bastante delicado e controverso, porém, sua discussão é imprescindível para se pensar uma
INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA
educação verdadeiramente democrática e emancipadora. Adquirimos a concepção de avaliação
O presente artigo tem por objetivo fazer
por diversos meios, leituras especializadas, estu-
uma reflexão sobre a avaliação no cotidiano esco-
dos, pesquisas, etc. Mas, na maioria das vezes, os
lar, será considerada para isso minha experiência
avaliadores hoje utilizam diversos referenciais da
adquirida como aluno da educação básica e supe-
época em que eram alunos da educação básica e
rior, experiência essa vivida sendo avaliado e tam-
do ensino superior.
bém avaliando a forma de ser avaliado. E, ao longo
Palavras-chave: Concepção de Avaliação; Educa-
de alguns anos ministrando aulas de Geografia no
ção; Cotidiano Escolar
ensino fundamental e médio, um período como CP (Coordenador Pedagógico) da Prefeitura Municipal
Abstract
de São Paulo e atualmente como Diretor de Escola,
The present article aims to provide some
que permite fazer algumas reflexões e indagações
reflections on how the teacher acquires his con-
sobre uma questão tão delicada, ao mesmo tempo
ception of evaluation. For this will be analyzed
tão necessária, que é o ato de avaliar. Além disso,
references of evaluations of education to higher education. Evaluation in education is a very delica-
Ninguém caminha sem aprender a caminhar, sem
te and controversial subject, but its discussion is
Aprender a fazer o caminho caminhando,
essential to think of a truly democratic and eman-
refazendo e retocando o sonho pelo qual se pôs a
cipatory education. We acquired the conception of
caminhar
evaluation by various means, specialized readings,
Paulo Freire
1 - Atualmente é aluno de Mestrado em Educação pela UFSCAR - Universidade Federal de São Carlos. Concluindo uma outra Graduação, Pedagogia na Universidade de São Paulo - USP. Atua profissionalmente como Diretor de Escola na Prefeitura de São Paulo. É um dos idealizadores e fundadores do CPPU (Cursinho Popular Pimentas Unifesp), que tem por objetivo preparar alunos da rede pública de ensino para prestar o Enem e outros processos seletivos como vestibulares em geral, trabalhando numa perspectiva de transformação social através da educação. Hoje é Coordenador Geral do Projeto. Integra grupo de pesquisa coordenado pelo Prof. Dr. Luiz Carlos Novaes, da Universidade Federal de São Paulo, que discute os impactos das políticas educacionais nas escolas públicas estaduais paulista. Tem interesse pessoal por pesquisas e estudos na área da Gestão Escolar.
INEQ - Educação integral
43
o presente trabalho conta com a colaboração de
divididos por 3 resultariam na média 7, simples as-
textos consagrados estudados ao longo dos anos
sim.
que discutem a questão da avaliação.
Essa prática de avaliar é muito comum,
O cotidiano escolar é um lugar privilegiado
além de ser muito antiga, e vem se perpetuando
para análise de como se dá o processo de constru-
ao longo da história da educação, cristalizada, che-
ção de novos conhecimentos pelos educandos e
gando a ser considerada normal, não tem como
como essa construção é observada e avaliada pe-
ponto principal promover a aprendizagem, sen-
los docentes. A todo momento dentro da unidade
do apenas uma forma de mensurar ao aluno um
escolar ocorrem aprendizagens, visto que, todas
conceito. Considera-se um fim em sim mesma,
as ações possuem um viés pedagógico e devem
ou seja, a avaliação é apenas o fim do processo,
constar dentro de um planejamento articulado e
primeiramente acontece todo processo de ensi-
organizado com toda a equipe de profissionais da
no, logo após se verifica se houve uma aprendiza-
educação. Esse foi um dos grandes motivos para a
gem. Por meio da nota final constata-se se o aluno
escolha do tema desse artigo, nenhum outro espa-
aprendeu ou não.
ço ou lugar é tão rico e cheio de nuances como o dinamismo do dia a dia da escola para pensarmos
Essa prática docente de avaliar em grande
o peso e a conseqüência da avaliação em seu sen-
parte vem de experiências passadas como aluno,
tido mais estrito.
ou seja, há uma repetição de avaliações sofrida ao longo dos anos através de trabalhos que foram
Em primeiro momento serão feitas algu-
pedidos, e notas que foram atribuídas, provas que
mas considerações do significado da avaliação
foram cobradas, e notas que foram aferidas, ha-
percebida como aluno da educação básica; no se-
vendo relação meramente matemática, somando
gundo momento a questão sendo sentida e vivida
tudo e depois dividindo. Obtendo assim uma nota,
como aluno da educação superior e o que isso im-
dentro de uma escala, onde essa nota pode ser
plicou na prática como docente; no terceiro e últi-
considerada boa ou ruim.
mo momento do texto será exposto o que mudou na concepção de avaliação vivida com um apro-
Outra questão que não podemos deixar de
fundamento de questões que envolvem a avalia-
considerar é que os docentes que praticam esse
ção a luz de teorias.
tipo de avaliação possuem uma concepção de função social da escola, uma concepção acerca
Parece ser natural depois de nove anos de
Ensino Fundamental e três de ensino médio pen-
da utilidade da educação escolar. Permeando essa reflexão, Vieira (2001) ressalta que:
sar que avaliação é a média de um conjunto de
44
atividades, obtendo uma menção final. Exemplo:
Mas, por certo, não é apenas para a convivên-
pode ser cobrado um trabalho valendo de 0 à 10,
cia social e para a socialização que existe a
o caderno valendo de 0 à 10, e uma prova valendo
escola. Ela surge da necessidade que se tem
de 0 à 10 também. Vamos imaginar que um de-
de transmitir de forma sistematizada o saber
terminado aluno tire as seguintes notas 5, 7 e 9
acumulado pela humanidade. Na chamada
sendo: trabalho, caderno e prova respectivamente.
sociedade do conhecimento este papel tende
A soma das três notas resulta em 21 pontos que
a assumir uma importância sem preceden-
INEQ - Educação integral
tes. Outro aspecto a assinalar é que a escola
é uma instituição datada historicamente. Ou
do saber sistematizado, cabe para isso dentro des-
seja, cada sociedade, cada tempo forja um
sa concepção avaliar se os alunos aprenderam ou
modelo que lhe é próprio. (VIEIRA, 2001, p.
não os conteúdos, isso sempre ao final do proces-
130)
so.
Essa contribuição da autora reforça a con-
Tendo em vista o exposto, essa maneira de
cepção de que esses docentes ao praticarem este
conceber avaliação conviveu e convive com outras
tipo de avaliação, que podemos chamar de soma-
formas, pois, as tendências pedagógicas não dei-
tiva e classificatória, pois, também funciona para
xavam de existir logo após o aparecimento de uma
estereotipar o aluno de acordo com a nota que lhe
outra forma de se conceber a educação, ou seja,
foi atribuída em bom ou ruim, é reflexo também de
uma nova tendência. Assim ainda segundo Vieira
práticas pedagógicas concebidas num dado perío-
(2001)
do histórico. Ainda segundo Vieira (2001) Embora as tipologias sejam necessárias à orBoa parte das reflexões sobre a função so-
ganização do pensamento, é necessário ob-
cial da escola no Brasil foram canalizadas
servar que no concreto estas não existem em
em torno do debate acerca das tendências
estado puro. Numa sociedade, tempo e lugar
pedagógicas. Assim, tomando como mote as
várias tendências podem conviver. (VIEIRA,
incursões de Libâneo, foi possível identificar
2001, p. 132)
papéis propostos para a instituição escolar nas diferentes pedagogias. (VIEIRA, 2001, p.
Apesar dessa tradição em avaliar, vamos
130)
encontrar formas transformadoras, emancipadoras e formativas, onde a avaliação não é o fim do
Em vista disto, podemos questionar: mas
processo, apuração da aprendizagem. Mas, aquela
afinal se esse tipo de avaliação que chamamos
que serve para promover a aprendizagem pela sua
aqui de somativa foi prática de um dado período
prática. Assim segundo as reflexões de Hoffmann
da história da educação no Brasil, qual seria o mo-
(2001)
tivo que na sociedade do conhecimento na qual vivemos ainda está tão presente essa forma de se
Os alicerces da avaliação são os valores
conceber a avaliação?
construídos por uma escola: que educação pretendemos? Que sujeito pretendemos for-
Para ajudar a refletir tal questão temos as
mar? O que significa aprender, nesse tempo,
tendências pedagógicas, entendemos aqui como
para os alunos que acolhemos, para o grupo
tendência pedagógica a incursão de Libâneo
de docentes que constituem? Qual a nature-
(1995) sendo grosso modo: Pedagogia Liberal,
za ética política de nossas decisões? É por aí
Pedagogia Tecnicista e Pedagogia Progressista.
que a reflexão sempre deveria iniciar. (HOF-
Assim no contexto de uma Pedagogia Liberal (ten-
FMANN, 2001, p. 59 e 60)
dência liberal tradicional), podemos refletir acerca de possíveis respostas para essa delicada questão.
Nessa reflexão cabe salientar que por mais
Na qual, a escola é tida como aquela encarregada
que o exposto seja referente à educação básica, no
da transmissão dos conhecimentos, da cultura e
ensino fundamental e médio os profissionais que INEQ - Educação integral
45
atuam nas escolas de nível básico foram forma-
mos nos aproximar de uma conceituação de ava-
dos na educação superior. Compete agora fazer
liação mais libertária. Primeiro, temos que o ato de
algumas considerações a respeito dos institutos
avaliar não é neutro, pois, possui uma intencionali-
formadores.
dade. Por isso, requer um planejamento.
As práticas de avaliação na educação su-
Segundo, a avaliação tem que estar con-
perior não são muitos diferentes daquelas da edu-
tida dentro de um projeto político pedagógico da
cação básica, afinal os profissionais que atuam no
unidade escolar. Nessa direção, um convite à refle-
ensino fundamental e médio possuem uma refe-
xão nos faz Veiga:
rência, quer dizer, eles reproduzem as práticas de seus formadores. Assim, os professores do ensino
O projeto pedagógico exige profunda reflexão
básico possuem alguns paradigmas em comum.
sobre as finalidades da escola, assim como
A esse respeito Hoffmann (2009) indaga:
a explicitação de seu papel social e a clara definição de caminhos, formas operacionais
O que se percebe atualmente é que o corpo
e ações a serem empreendidas por todos os
docente do Ensino Médio e Superior se revela
envolvidos com o projeto educativo. (VEIGA,
muito mais impermeável a discussão da prá-
2004, p. 35)
tica tradicional do que os professores do Ensino Fundamental. Nos encontros e seminá-
Tendo em vista estes pressupostos pode-
rios manifestam um sério descrédito quanto
mos pensar numa avaliação formativa a favor ver-
à possibilidade de a avaliação descaracteri-
dadeiramente da aprendizagem de nossos alunos,
za-se, um dia, da feição classificatória que a
pois, não existe ensino sem aprendizagem. Para
reveste. (HOFFMANN, 2009, p. 109 e 110)
Zabala:
Sem dúvida as práticas tradicionais de
O conhecimento de como cada aluno
avaliação são reproduzidas num ciclo vicioso, que
aprende ao longo do processo ensino/apren-
vai da escola à universidade, e da universidade à
dizagem, para se adaptar às novas neces-
escola. Ainda nessa perspectiva Hoffmann (2009)
sidades que se colocam, é o que podemos
aponta:
denominar avaliação reguladora. Alguns
educadores, e o próprio vocabulário de Refor Esse passa a ser um fator muito sério, por-
ma, utilizam o termo de avaliação formativa.
que a avaliação, nesses cursos, é um fenô-
Pessoalmente, para designar este processo
meno com características seriamente repro-
prefiro o termo avaliação reguladora, já que
dutivistas. Ou seja, o modelo que se instala
explica melhor as características de adapta-
em cursos de formação é o que vem a ser
ção e adequação. (ZABALA, 1998, p. 200)
seguido pelos professores que exercem o magistério nas escolas e universidades. (HO-
Essa avaliação denominada por Antoni
FFMANN, 2009, p. 110)
Zabala reguladora é a que se aproxima, e muito, daquela que defendemos como trabalhadores e
Após essas reflexões acerca da avaliação
defensores de uma educação de qualidade para
na educação básica e no ensino superior, pode-
todos. Que serve para “regular” as aprendizagens
46
INEQ - Educação integral
não os alunos. Entendido regular no sentido de
ajustar e ajudar o aluno na construção de cada vez
ato de avaliar no cotidiano escolar está permeado
mais conhecimentos. Desse modo, os conteúdos
por múltiplos condicionantes que ultrapassam os
ensinados e aprendidos, tenham como objetivo
muros da escola, está ligado a uma concepção de
o desenvolvimento de todas as capacidades da
função social da escola, a formação docente em
pessoa. Dessa forma, devemos levar em conside-
todo seu percurso como aluno de educação bási-
ração os conteúdos conceituais, procedimentais e
ca e superior, concepção do que é avaliação, etc.
atitudinais para o desenvolvimento de cada aluno,
Enfim, um tema tão delicado que é avaliação es-
ainda segundo Zabala (1998, p. 197) “O objetivo do
colar tendo como foco o cotidiano escolar não se
ensino não centra sua atenção em certos parâme-
esgota nas reflexões expostas nesse texto, muito
tros finalistas, mas nas possibilidades pessoais de
há de se pensar e fazer para criar uma cultura de
cada um dos alunos”.
avaliação verdadeiramente emancipadora.
Para finalizar é interessante observar em
Tendo em vista o exposto temos que o
O passo foi dado, as certezas, bem (...)
nossa Lei de Diretrizes e Bases da Educação Na-
essas transformaram - se em mais indagações
cional em seu artigo 24 inciso V diz:
e vontade de trilhar novos e fecundos caminhos nesse mar de possibilidade e desafios, que quan-
A verificação do rendimento escolar observa-
to mais bebemos mais estamos com sede. Fica o
rá os seguintes critérios: alínea a: avaliação
convite a todos que beberam ou que querem beber
continua e cumulativa do desempenho do
dessa água.
aluno, com prevalência dos aspectos qualitativos sobre quantitativos e dos resultados ao longo do período sobre os de eventuais provas finais”. (LDB – 9394/96)
Essa conceituação de avaliação na lei de-
nota o avanço das discussões sobre a temática, visto que, as leis remontam o que se pensa, o que se sabe e que se espera de fundamental sobre o Estado em determinado período histórico. Na obra de Werner Jaeger – Paidéia, citando Platão, ele diz: Para Platão, contudo, o seu conteúdo representava algo de fundamental, pois era constituído por profundíssimas reflexões sobre o Estado e as Leis, os costumes e a cultura. E tudo isto o autor subordina ao ponto de vista geral da Paidéia. (JAEGER, 2010, p. 1296). CONCLUSÃO
Referências BRASIL. Ministério da Educação. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. LDB 9.394, de 20 de dezembro de 1996. HOFFMANN, Jussara. Avaliar para promover: as setas do caminho. Porto Alegre: Mediação, 2001. ___________.Avaliação Mediadora: Uma prática em construção da pré-escola à universidade. Porto Alegre: Mediação, 2009. LIBÂNEO, José Carlos. “Tendências Pedagógicas na prática escolar”. Democratização da escola Pública. São Paulo, Loyola, 1986. LUCKESI, Cipriano Carlos. Avaliação da Aprendizagem Escolar. São Paulo: Cortez, 1995. VEIGA. Ilma Passos de Alencastro. Educação Básica e Educação Superior: projeto político pedagógico. Campinas, SP: Papirus, 2004. VIEIRA, Sofia Lerche. Escola – Função Social, Gestão e Política Educacional. In: FERREIRA, N. S. C. e AGUIAR, M. A. da S. Gestão da Educação: impasses: perspectivas e compromissos. São Paulo: Cortez, 2001. WERNER, Jaeger. Paidéia – A formação do homem grego. São Paulo: Martins Fontes, 2010. ZABALA, Antoni. A prática Educativa: Como ensinar. Porto Alegre: Artmed, 2008. INEQ - Educação integral
47
Arte e Matemática no Ensino Fundamental: uma inter-relação possível e necessária. Esther Maria Freixedelo Martins1 martinsesther@terra.com.br Resumo:
veloped concomitantly and in a complementary way throughout Humanity History. In this way, they
O presente artigo se propõe a demonstrar
have much more points of convergence than com-
que a Arte e a Matemática são conteúdos inter-re-
mon sense supposes, which tends to place these
lacionados, imbricados um no outro, que se de-
two areas of knowledge in totally different and se-
senvolveram concomitantemente e de forma com-
parate places of knowledge. Through the bibliogra-
plementar, ao longo da História da Humanidade.
phical research, it is tried to overcome this dicho-
Dessa forma, possuem muito mais pontos de con-
tomy and to prove that the interdisciplinary study
vergência do que supõe o senso comum, que cos-
of these disciplines, from Elementary School, can
tuma situar essas duas áreas do saber em lugares
contribute to the acquisition of conceptual, proce-
do conhecimento totalmente distintos e separa-
dural and attitudinal contents, besides favoring the
dos. Por meio de pesquisa bibliográfica, busca-se
development of skills and competences, essential
superar essa dicotomia e comprovar que o estudo
to Integral formation of the human being and the
interdisciplinar dessas disciplinas, desde o Ensino
exercise of citizenship.
Fundamental até o Ensino Superior, pode contribuir para a aquisição de conteúdos conceituais,
Keywords: Elementary School; Teaching of Art; Te-
procedimentais e atitudinais, além de favorecer o
aching of Mathematics; Interdisciplinarity.
desenvolvimento de habilidades e competências, essenciais à formação integral do ser humano e
Introdução
ao exercício da cidadania.
Em nosso dia-a-dia, é comum ouvirmos
Palavras-chave: Ensino Fundamental; Ensino da
afirmações que, de forma explícita ou implícita, si-
Arte; Ensino da Matemática; Interdisciplinaridade.
tuam a Arte e a Matemática em lugares opostos do conhecimento, totalmente distintos e separa-
48
Abstract:
dos. Como exemplos, podemos citar: a Arte é sub-
The present article aims to demonstrate
jetiva, a Matemática é exata; a Arte é arbitrária e
that Art and Mathematics are interrelated con-
impulsiva, a Matemática é metódica e planejada; a
tents, intertwined with each other, that have de-
Arte é sensível, a Matemática é racional. Por enfa-
1 - Pós-graduação em Educação Matemática pela Universidade Cruzeiro do Sul (2016), graduação em Pedagogia pela FE-USP. Professora na Rede Municipal de Ensino da Cidade de São Paulo, desde 2008.
INEQ - Educação integral
tizarem apenas os aspectos que, aparentemente,
Nas cavernas, onde se encontram as pinturas ru-
separam essas duas disciplinas, sem reconhecer
pestres do Período Pré-Histórico anterior ao de-
aqueles que as aproximam; tornam-se crenças
senvolvimento da escrita (cerca de 3.500 anos
que reforçam, ainda mais, a dicotomia entre a Arte
a.C.), há também formas de registro de contagens,
e a Matemática.
mostrando uma conexão entre as duas áreas do
Esse artigo tem por objetivo desconstruir essas
conhecimento desde os primórdios da civilização
crenças, comprovando que a Arte e a Matemáti-
humana. Segundo Antoniazzi, “o pensamento ma-
ca são conhecimentos intimamente relacionados,
temático expressava-se na escolha da caverna, na
essenciais à formação integral do ser humano, im-
proporcionalidade entre o espaço disponível e o
bricados um no outro, como duas faces de uma
número de habitantes do grupo, que intuitivamen-
mesma moeda.
te era levado em consideração”. (ANTONIAZZI,
Para isso, será apresentado, inicialmente, um his-
2005, p. 4)
tórico do desenvolvimento da Arte e da Matemáti-
Além disso, as pinturas rupestres demonstram
ca, desde a pré-história até os dias atuais. Depois,
a íntima relação existente entre a Arte e a Mate-
serão definidas as características gerais e espe-
mática, naquilo que o ser humano possui de mais
cíficas das duas disciplinas, a partir da análise
específico: sua capacidade de abstrair, de criar
dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs),
símbolos e articulá-los, construindo diferentes lin-
buscando compreender de que maneira a Arte e
guagens.
a Matemática se identificam, em seus aspectos epistemológicos e cognitivos. Por último, iremos
2. Antiguidade
refletir sobre as contribuições de uma abordagem interdisciplinar, desde os primeiros anos do Ensino
Na Antiguidade, a conexão entre Arte e Ma-
Fundamental até o Ensino Superior.
temática está presente em todas as civilizações. Percebe-se a preocupação do homem com o belo
Arte e Matemática ao longo da História
e com a harmonia das formas, aliado a um profun-
1. Pré-história
do conhecimento matemático para a realização de suas obras.
Aparentemente antagônicas, a Arte (desenho, pintura, escultura, arquitetura, teatro, dança, músi-
2.1 Os Egípcios
ca, poesia, literatura...) e a Matemática (contagens, representações, medidas, formas, relações espa-
A Arte Egípcia surgiu há cerca de 3 000
ciais, simetrias...) são áreas que se desenvolveram
anos a.C. e procurava glorificar os deuses e fara-
de forma simultânea e complementar.
ós. Por essa razão, na pintura e na escultura, estes eram grandiosos e imponentes, enquanto o povo era representado em escala menor.
Por possuírem conhecimentos matemáti-
cos avançados, os egípcios conseguiram erguer templos, palácios e pirâmides que sobrevivem até os dias de hoje. As grandes pirâmides de Gizé impressionam, não apenas pelo seu tamanho, mas também pela precisão dos cálculos matemáticos Fig. 1 – Pintura rupestre, Piauí, Brasil.
realizados para sua construção. Nessas pirâmides INEQ - Educação integral
49
de base quadrangular, as faces estão orientadas
é a busca por formas simétricas e harmoniosas, de
para os quatro pontos cardeais e possuem a
proporções perfeitas e absolutas, apoiadas em rela-
mesma inclinação em relação ao plano horizon-
ções ou modelos matemáticos, como o número de
tal. Constituem-se num exemplo prático da inter-
ouro ou a razão áurea.
-relação entre a Arte e a Matemática, na antiga
civilização egípcia.
arquitetura grega é o Parthenon, templo construído
Um exemplo da aplicação da razão áurea na
em Atenas, no ano de 447 a.C.; em que o número de ouro é usado diversas vezes, para dar harmonia e beleza à construção.
Fig. 2 - Pirâmides de Gizé, Egito.
2.2 Os Gregos
A Arte, a Matemática e a Filosofia gregas
Fig. 3 – O Parthenon e a Proporção Áurea.
surgiram e se desenvolveram ao mesmo tempo, há cerca de 600 a 500 anos a.C. e exerceram
2.3 Os Romanos
enorme influência na cultura ocidental.
50
A Arte Grega foi uma arte preocupada em
No século I a.C., os romanos chegaram à
apresentar o corpo humano e suas ações com
Grécia antiga. Suas obras arquitetônicas procuraram
riqueza de detalhes. Para isso, os escultores e
refletir a riqueza e as conquistas do Império Romano,
pintores gregos observavam as formas do corpo
através de obras suntuosas, de enormes dimensões.
humano, estudavam sua anatomia e elaboravam
Seus templos, basílicas, anfiteatros, aquedutos, pon-
regras em que estabeleciam as proporções entre
tes, termas e outros tinham como principal caracte-
as diversas partes do corpo. Além disso, procu-
rística a presença de formas circulares ou elípticas e
ravam retratar as figuras humanas de todos os
a utilização de arcos ou abóbodas, o que comprova
ângulos, ao invés de apenas no plano frontal.
um enorme conhecimento matemático aliado à pre-
A relação mútua entre a Arte Grega e a
ocupação estética e à valorização do belo e, também,
Matemática, também se manifesta em sua ar-
exemplificam a inter-relação entre a Arte Romana e a
quitetura, que é impregnada de conceitos ma-
Matemática.
temáticos e geométricos. Como exemplo, po-
demos citar os teatros ao ar livre, constituídos
Coliseu, principal anfiteatro romano, construído entre
por várias fileiras de bancos de pedra, esculpidos
70 e 90 d.C., onde mais de 40 000 pessoas podiam
nas rochas, em forma de semicírculo, verdadei-
assistir, de todos os ângulos, às lutas dos gladiado-
ras conchas acústicas.
res e a outros espetáculos, devido ao formato elíptico
Outra característica da Arte Grega desse período
da construção.
INEQ - Educação integral
Uma das principais obras desse período é o
truções arquitetônicas e pelos vitrais. 3.1 O currículo medieval
As escolas da Idade Média eram dirigidas
por um cônego, os professores eram clérigos e lecionavam as chamadas “sete artes liberais” ou “artes próprias dos homens livres”, em oposição às artes serviles. Nesse contexto, as disciplinas Fig. 4 – Vista aérea do Coliseu, Roma.
curriculares eram denominadas “artes” e tinham igual importância, sendo consideradas essen-
2.4 Os Árabes
ciais à formação integral do ser humano.
As “sete artes liberais” compreendiam
Os árabes se destacaram na Arte por meio de
dois ciclos de estudo: o trivium e o quadrivium,
mosaicos e desenhos realizados em tapetes, feitos a
que incluíam estudos de gramática, retórica, ló-
partir de complexos padrões geométricos e simetrias.
gica, aritmética, geografia, astronomia e música;
No campo da Matemática, tinham profundo
onde, não havia uma separação entre as artes
conhecimento em astronomia, trigonometria e álge-
matemáticas ou exatas e as artes expressivas
bra e foram os principais divulgadores dos números
ou subjetivas.
indo-arábicos. 3.2 A Arte Românica 3. A Idade Média
Com o termo “românico” são definidas as
A Idade Média foi um período turbulento, mar-
manifestações artísticas produzidas na Europa,
cado pelas Cruzadas, pela Peste Negra, pela Inquisi-
nos séculos XI e XII, sendo a arquitetura a for-
ção e pelas invasões bárbaras, na Europa. Compreen-
ma artística dominante, apresentando constru-
de um período de cerca de mil anos, entre os séculos
ções sólidas, de paredes grossas, com poucas
V e XV d.C, que se iniciou com a queda do Império
janelas e um único portal central; que chamam
Romano.
a atenção devido ao seu tamanho e por se as-
Nela, a produção cultural da humanidade ficou
semelharem a verdadeiras fortalezas. Também
restrita aos mosteiros e às suas escolas. Por essa ra-
são utilizados arcos arredondados ou abóbadas.
zão, muito do que foi produzido na Antiguidade, acabou sendo destruído.
No entanto, ao contrário do que muitos ima-
ginam, a Idade Média não foi uma “idade das trevas”. Foi um período de intensas transformações sociais, culturais e científicas, que lançariam as bases para o Renascimento.
A inter-relação entre a Arte e a Matemática,
nesse período, também foi bastante intensa e pode ser percebida pelo currículo medieval, por suas cons-
Fig. 5 – Igreja de Outeiro Seco, Portugal. INEQ - Educação integral
51
3.3 A Arte Gótica
Iniciou-se um período extremamente fértil
para todas as áreas do saber, conhecido como HuO estilo gótico desenvolveu-se, na Europa,
manismo Renascentista, em que as inter-relações
entre meados do século XIII e início do século XVI,
entre a Arte e a Matemática se estreitaram ainda
como uma resposta à austeridade do estilo româ-
mais.
nico, realizando uma arquitetura vertical, onde tudo
se projeta para o alto, através de arcos ogivais ou
temente agrícola, foi substituído por um novo modo
de abóbodas de nervuras, invenções técnicas fun-
de vida, com o desenvolvimento das cidades e a ex-
damentadas em princípios matemáticos, que per-
pansão do comércio. Segundo Braga, a Revolução
mitiram a construção de igrejas muito altas, como
Comercial, fez com que o pensamento abstrato, as
as Catedrais de Ulm e de Colônia, na Alemanha.
representações, “a quantificação e a Matemática se
Outra característica da Arquitetura Gótica é a si-
tornassem peças-chave na organização social eu-
metria das formas, elemento básico desse estilo
ropeia”, pois, o uso do dinheiro gerou a necessidade
arquitetônico, que tem como fachada típica um
de se criar símbolos para substituir objetos concre-
portal triplo, com decoração de esculturas; uma
tos e de se realizar cálculos, por todas as pessoas.
grande rosácea central e duas torres laterais.
(Braga, 2004, p.33)
O sistema de produção feudal, predominan-
Ocorreram as Grandes Navegações e novas
terras foram conquistadas, Gutenberg inventou os tipos móveis e a Revolução Científica, ocorrida no final do século XVII, impulsionou o espírito investigativo, a observação e a experimentação. Outro saber que passou a ser valorizado, nesse peFig. 6 – Catedral de Notre Dame, França, e rosácea central.
ríodo, foi o conhecimento geométrico, necessário principalmente aos comerciantes, engenheiros e ar-
As rosáceas, por sua vez, são vitrais em
forma de flor, que costumam ficar na parte mais
tesãos, que em seus “ateliês [...] mesclavam ciência, técnica e arte num mesmo trabalho”. (idem, p. 9)
central e elevada da catedral gótica. São uma demonstração de como os arquitetos góticos
4.1 Novas formas de representação do espaço
aplicavam, na prática, seus conhecimentos matemáticos, utilizando a divisão do círculo em partes
Dentre tantas inovações, ocorridas na Idade
iguais, a simetria e a rotação de um elemento co-
Moderna, “existe uma que marcou definitivamente
mum.
a história da ciência, da técnica e da arte: a invenção da perspectiva plana”, que alterou por completo
4. A Idade Moderna
as formas de representação do espaço e que serve de exemplo da inter-relação entre Tecnologia, Mate-
52
Ao longo dos séculos XV, XVI e XVII, a Euro-
mática e Arte; nesse período. (ibid, p. 38)
pa atravessou um período de intensa transforma-
ção em suas estruturas políticas, religiosas e de
conter um quadriculado, numa geometrização que
produção; o que impulsionou seu desenvolvimento
dava profundidade ao espaço. Mais tarde, os pinto-
na área técnico-científica e no campo das artes.
res passaram a empregar novas técnicas, utilizan-
INEQ - Educação integral
Primeiramente, as pinturas passaram a
do o chamado ponto de fuga e criando regras de
A Idade Contemporânea compreende o
proporcionalidade para o tamanho do que era ob-
espaço de tempo que vai da Revolução France-
servado.
sa (ocorrida em 1789) até os dias atuais. É uma fase marcada por uma série de mudanças políticas, sociais e econômicas e por inúmeros fatos que mudaram a história do homem, dentre eles as inovações técnicas e científicas, as duas Guerras Mundiais, a chegada do homem à Lua, a universalização da internet, os atentados de 11 de setembro...
Fig. 7 – “A Última Ceia” de Leonardo da Vinci.
A inter-relação entre Arte e Matemática
também aparece de forma muito intensa, com Esses artifícios eram empregados tanto
ideias e conceitos matemáticos sendo utilizados
nos trabalhos artísticos como nos técnicos, pois,
ou negados, intencionalmente, por diversos artis-
“os mesmos homens que projetavam e constru-
tas, para expressar suas ideias e concepções de
íam máquinas [...] também pintavam ou escul-
mundo.
piam”. (idib, p. 36)
Outras características da Pintura Renas-
centista foram o realismo e o naturalismo, em que
5.1 O Impressionismo e a ausência de contornos e formas definidas
se buscava representar, com perfeição, as formas do corpo humano; a partir de modelos matemáti-
cos essencialmente geométricos, como o retângu-
tístico que surgiu na França, no século XIX, e que
lo de ouro, como já havia sido feito pelos gregos. .
durou de 1874 a 1886; tendo como principais re-
presentantes Monet, Degas e Renoir.
No “Homem Vitruviano”, a representação
O Impressionismo foi um movimento ar-
humana mantém as proporções do número de
Caracteriza-se pela ausência de contornos
ouro, além de estar inscrita em um pentágono es-
nítidos ou de formas definidas em suas figuras,
trelado desenhado na circunferência, o que revela
rompendo-se com a necessidade de criar imagens
a profundidade dos conhecimentos matemáticos
com volume e solidez, próprias da pintura tradicio-
de Da Vinci.
nal. 5.2 O Neoimpressionismo
Diversos artistas, que iniciaram como im-
pressionistas, a partir de 1886, desenvolveram novas formas de pintar, estilos e tendências. Por essa razão, foram denominados neoimpressionistas.
Dentre eles, podemos citar Seurat e Sig-
Fig. 8 – Obras de Leonardo da Vinci e suas relações matemá-
nat, também chamados pintores pontilhistas, pois,
ticas.
usavam pontos de cores puras, que eram colocados lado a lado na tela, para criar um efeito visual
5. A Idade Contemporânea
interessante, em que os pontos de cor pareciam INEQ - Educação integral
53
“tremer” com a luz.
Paul Cézanne, por sua vez, estudava as for-
nismo, cuja principal característica é utilizar, em
mas geométricas e procurava criar composições
suas composições, formas geométricas básicas,
em que os elementos da natureza e as figuras hu-
como quadrados, retângulos, círculos, semicírcu-
manas quase se reduziam a cubos, cilindros, esfe-
los, triângulos e retângulos, além de outros elemen-
ras e cones.
tos geométricos como ângulos, linhas retas e cur-
Vários são os representantes do abstracio-
vas, num exemplo nítido da inter-relação entre Arte e Matemática. Dentre eles, podemos citar: Paul Klee, Kazimir Malevich, Wassily Kandinsky, Robert Delaunay e Piet Mondrian.
Fig. 9 – “A Montanha de Santa Vitória” – Cèzane.
Juntamente com Van Gogh, que manteve
em seus quadros várias características da pintura impressionista, como as pinceladas soltas e a inexistência de linhas, esses pintores também exem-
Fig. 10 – “Composição VIII” – Kandinsky.
plificam a inter-relação entre a Arte e a Matemática em suas obras.
5.5 O Cubismo e o descompromisso com a imagem real das coisas
5.3 O Expressionismo e o exagero das formas O Cubismo, assim como o Expressionismo, foi um
No início do século XX, surge o movimento
movimento nascido na Europa, no início do século
expressionista, na Alemanha, cujo principal obje-
XX, como uma resposta ao Movimento Impressio-
tivo é a expressão da subjetividade do artista em
nista, que teve como principais representantes Ge-
oposição à simples reprodução da realidade. Suas
orges Braque e Pablo Picasso.
principais características são o uso de traços e
Teve curta duração, de 1907 a 1914, mas, é consi-
cores fortes e a distorção ou exagero das formas,
derado por muitos uma revolução estética e técni-
com a intenção de provocar um impacto emocio-
ca; pois, recusou, definitivamente, a noção de arte
nal.
como imitação ou réplica da natureza. Utilizavam-
No Brasil, o movimento expressionista
-se da geometrização e desfiguração das formas,
também teve sua representação através de artis-
decompondo as várias partes da figura num mes-
tas como Tarsila do Amaral, Anita Malfatti, Cândi-
mo plano.
do Portinari e Oswald de Andrade.
No Brasil, o início do Cubismo aconteceu depois da Semana de Arte Moderna, de 1922. Tarsila do Ama-
54
5.4 O Abstracionismo e a prevalência das formas
ral se destaca, com seus quadros que apresenta-
geométricas
vam tanto elementos bidimensionais como formas
INEQ - Educação integral
tridimensionais.
que se destacam as formas geométricas chapadas, sem utilização da perspectiva e profundidade.
5.6 A Arte Contemporânea
Considera-se Arte Contemporânea as ex-
pressões artísticas produzidas desde a Segunda Guerra Mundial até os dias atuais.
Nela, assim
como nas épocas anteriores, a inter-relação entre Arte e Matemática também se faz presente, através de vários artistas.
Escher, sem dúvida, é o que mais se des-
taca, por sua formação em arquitetura e pela execução de transformações geométricas, chamadas
Fig. 12 – “Fachada” – Volpi
isometrias em suas obras. Para isso, o artista desenhava figuras sobre diver-
sos tipos de malhas (quadriculadas, retangulares,
cica, com suas obras tridimensionais e com seus
triangulares e hexagonais) e, por meio de rotações,
metaesquemas, quadros em que o artista explora
translações e reflexões dessas figuras, sem alterar
as relações entre cor, linha, estrutura e plano; atra-
a área do polígono original, elaborava complexos
vés de rigorosos cálculos matemáticos, utilizando-
mosaicos.
-se de retângulos e outras figuras geométricas de
diferentes tamanhos, cores, contornos, preenchi-
Escher também explorava representações
do espaço tridimensional, em um plano bidimen-
Outro nome importante é o de Hélio Oiti-
mentos e disposições no papel.
sional, criando imagens impossíveis de existir no mundo real. Suas obras demonstram a maestria da sua arte, alicerçada na utilização de conhecimentos matemáticos sobre medidas, ângulos e formas geométricas.
Fig. 13 – “Metaesquema” – Oiticica
Fig.11 – “Ar e Água I” e “Relatividade” – Escher
Dentre os artistas brasileiros contemporâ-
neos, Alfredo Volpi também merece ser lembrado como pintor abstracionista geométrico, por sua série de bandeiras e mastros de festas juninas e pelas representações de fachadas de casas; em
Romero Britto também não pode faltar
como exemplo da articulação entre a Arte Contemporânea e a Matemática, através de seus quadros multicoloridos, de composições ousadas, que algumas vezes nos remetem aos pintores cubistas, por suas linhas de contorno, que dividem e fragmentam as figuras e pela assimetria das formas. INEQ - Educação integral
55
Desse modo, no currículo do Ensino Fun-
damental, os estudos de Língua Portuguesa, Matemática e Arte são obrigatórios, para favorecer o desenvolvimento de diversas práticas de linguagem: falar, escutar, ler e escrever, cantar, desenhar, representar e outras.
Como formas de linguagem, tanto a Arte
como a Matemática, demonstram a função simbólica do ser humano, ou seja, sua capacidade de abstrair e de criar símbolos para representar a realidade. Fig. 14 – “Cavalo” – Romero Britto
Estes são, portanto, os pontos de conver-
gência dessas duas áreas: Além dos artistas citados, há ainda inúme-
- Arte e Matemática são saberes que se desenvol-
ros outros, o que comprova que a Arte desse perío-
veram de forma simultânea e complementar, des-
do histórico, assim como a de períodos anteriores,
de os primórdios da humanidade até nossos dias.
também se articula com a Matemática, em suas
Antes do Renascimento não eram separadas e
concepções e na composição de suas obras.
não havia distinção entre artistas e matemáticos.
- Arte e Matemática são conhecimentos tipicaA Inter-relação entre a Arte e a Matemática
mente humanos, pois, em todas as sociedades foram realizadas produções artísticas e, em todas
Muitos aspectos aproximam a Arte e a Ma-
elas, também se construíram conhecimentos ma-
temática, contrariando o senso comum, que situa
temáticos.
essas duas áreas em lugares diferentes, completa-
- Arte e a Matemática são formas de linguagem,
mente distintos e intocáveis. A partir de uma aná-
com códigos específicos, que demonstram a ca-
lise superficial, a Arte ficaria situada no plano da
pacidade de abstração do ser humano, de diferen-
emoção e da subjetividade, enquanto a Matemáti-
tes épocas e lugares, o que sugere uma nova inter-
ca pertenceria ao plano da razão e da objetividade.
face a ser explorada: a interdisciplinaridade entre
Arte, Matemática, História e Geografia.
No entanto, a partir de uma análise mais
aprofundada de suas características, percebe-se
- No que se refere à origem de seus conhe-
que há vários pontos de inter-relação e de conver-
cimentos, tanto a Arte como a Matemática são
gência entre essas duas áreas do conhecimento.
saberes que partem da observação minuciosa da natureza, da imaginação e da intuição, para criar
Os pontos de convergência
suas representações.
De acordo com Barth, “artistas e matemá-
De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases
ticos são privilegiados leitores da natureza” (2010,
da Educação (LDB n° 9.394/96), uma das finalida-
p.1) e se utilizam dessa característica para realizar
des da escola é promover o acesso de todos ao
descobertas, criar modelos, padrões, generaliza-
patrimônio cultural humano, ou seja, aos conheci-
ções e composições artísticas.
mentos acumulados socialmente e historicamente.
56
INEQ - Educação integral
Criatividade, beleza, universalidade, simetria,
dinamismo, são qualidades que frequente-
dos, em processo contínuo de transformação.
mente usamos quando nos referimos quer
Nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), a
à Arte quer à Matemática. Beleza e rigor
integração entre Matemática e Arte está subenten-
são comuns a ambas. [...] O matemático, tal
dida, quando se faz referência ao uso da História
como o pintor ou o poeta, é um criador de
da Matemática como recurso ao ensino, pois, as
padrões. Um pintor faz padrões com formas
obras de arte, também, são formas de demonstrar
e cores, um poeta com palavras e o mate-
as necessidades e preocupações de uma determi-
mático com ideias. Todos os padrões devem
nada cultura, época e lugar.
ser belos. As ideias, tal como as cores, as palavras ou os sons, devem ajustar-se de
A História da Matemática, [...] juntamen-
forma perfeita e harmoniosa. (http://cmup.
te com outros recursos didáticos e meto-
fc.up.pt/cmup/arte/)
dológicos, pode oferecer uma importante contribuição ao processo de ensino e
- A Arte e a Matemática também se as-
aprendizagem em Matemática. Ao revelar a
semelham nas habilidades e competências que
Matemática como uma criação humana, ao
desenvolvem, dentre elas, o espírito de investiga-
mostrar necessidades e preocupações de
ção, a percepção de regularidades, o pensamento
diferentes culturas, em diferentes momen-
divergente, a sensibilidade e a criatividade; inte-
tos históricos, ao estabelecer comparações
grando cognição e afeto, razão e emoção. Sendo
entre os conceitos e processos matemáti-
assim, não se pode afirmar, como propõe o senso
cos do passado e do presente, o professor
comum, que a Arte é apenas subjetiva e sensível,
tem a possibilidade de desenvolver atitudes
enquanto a Matemática é apenas racional e metó-
e valores mais favoráveis do aluno diante do
dica; pois, ambas apresentam aspectos afetivos e
conhecimento matemático. Além disso, con-
cognitivos. O estudo interdisciplinar da Arte e da
ceitos abordados em conexão com sua his-
Matemática, portanto, favorece a potencialização
tória constituem-se veículos de informação
tanto da razão quanto da emoção, superando essa
cultural, sociológica e antropológica de gran-
dicotomia.
de valor formativo. (http://portal.mec.gov.br/
- A Arte necessita da Matemática, pois, inúmeros
seb/arquivos/pdf/livro03.pdf) – p.34.
artistas conceberam e produziram suas obras a partir de conceitos e ideias matemáticas: formas
Além disso, uma abordagem interdisciplinar des-
geométricas, ângulos, simetrias, padrões, núme-
sas duas disciplinas pode contribuir para superar
ros áureos... Atualmente, através do uso da com-
dificuldades de aprendizagem e para facilitar o
putação e da evolução tecnológica, surgem ainda
desenvolvimento de habilidades, pois, os alunos
inúmeras outras possibilidades a serem explora-
aprendem por múltiplos caminhos.
das.
- A Matemática também necessita da Arte, não
mação integral do ser humano.
apenas para demonstrar a utilização de seus con-
ceitos na vida real, mas, principalmente, para pos-
cífica do ensino de Arte é a promoção do desen-
sibilitar uma aprendizagem significativa de seus
volvimento cultural dos alunos; levando-os a com-
conteúdos, aproximando os alunos do que a esco-
preender e a respeitar outras formas de cultura,
la quer lhe ensinar e criando uma rede de significa-
diferentes das de sua vivência cultural.
- A Arte e a Matemática fazem parte da forDe acordo com os PCNs, a função espe-
INEQ - Educação integral
57
A finalidade específica da Matemática, por
des do mundo atual, em constante transformação.
sua vez, é o desenvolvimento do raciocínio, a re-
Afinal, já não basta aos profissionais do século
solução de situações-problema e a elaboração de
XXI, apenas o domínio de conhecimentos técnicos
generalizações.
e específicos; também se exigem múltiplos talen-
tos, competências e habilidades.
Dessa forma, o ensino de Arte integrado à
Matemática torna-se essencial em uma proposta
Esse é o grande desafio, ao qual me proponho e ao
educativa que vise à formação integral do ser hu-
qual convido vocês...
mano, pois, contribui para a constituição de valores e a formação da cidadania, além de promover
Referências
o respeito à diversidade, a criticidade e a fundamentação lógica.
ANTONIAZZI, H. M. Matemática e Arte: uma associação possível. Disponível: <http://miltonborba.
Considerações Finais
org/CD/Interdisciplinaridade/Encontro_Gaucho_ Ed_Matem/cientificos/CC49.pdf> Acesso em 02
Como se pode comprovar através do presente ar-
de jan. 2017.
tigo, o ensino da Arte integrado ao ensino da Matemática é extremamente importante e necessário
BARTH, G. M. P.; Arte e Matemática: da imagem ao
ao desenvolvimento afetivo e cognitivo do ser hu-
conceito, por meio das obras de M. C. Escher. Dis-
mano.
ponível:
Desconstruir as crenças que concebem essas
<http://www.pucpr.br/eventos/educere/educe-
duas áreas como saberes opostos e não relacio-
re2007/anaisEvento/arquivos/PO-372-14.pdf >
nados é urgente, possível e necessário; desde os
Acesso em 02 de jan. 2017.
anos iniciais do Ensino Fundamental até o Ensino Superior.
BRAGA, M.; GUERRA, A.; REIS, J.C. Breve história
Para isso, é preciso que se valorize tanto o ensino
da Ciência Moderna, volume 2: das máquinas do
da Arte como o da Matemática, enquanto conhe-
universo ao universo-máquina. Rio de Janeiro, Jor-
cimentos pertencentes ao acervo cultural da hu-
ge Zahar Ed., 2004
manidade, através de projetos que integrem essas duas disciplinas, favorecendo a aquisição de con-
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria da
teúdos conceituais, procedimentais e atitudinais
Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares
e o desenvolvimento de diferentes habilidades e
Nacionais: Arte – 1º e 2º ciclos. Brasília, DF, 1997.
competências. Sabemos que, tanto a Arte quanto a Matemática,
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria da
instigam o educando a “ver o mundo” ao seu redor:
Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares
observando, descobrindo, contemplando, exami-
Nacionais: Matemática – 1º e 2º ciclos. Brasília,
nando, reconhecendo e representando esse mun-
DF, 1997.
do; através de diferentes linguagens e símbolos. Desse modo, através deste artigo, o que se propõe
TOLEDO, M. Didática de matemática: como dois
é a “educação do olhar”, para a construção de um
e dois: a construção da matemática – São Paulo:
novo sistema de ensino que favoreça as aprendi-
FTD, 1997.
zagens significativas e que atenda às necessida-
58
INEQ - Educação integral
1º FESTIVAL DE TEATRO DO COLUNI/UFF: experiências pedagógicas ao encontro da concepção de educação integral. NASCIMENTO, Caio Cesar Silva1
Resumo:
dade Federal Fluminense (COLUNI/UFF). The Co-
Esse artigo pretende apresentar as experi-
luni/UFF is a space of comprehensive education,
ências educativas promovidas por intermédio da
covering educational projects targeted the areas
criação e da realização do 1º Festival de Teatro
of integral human formation. In this sense, these
(FESTUNI) do Colégio Universitário Geraldo Reis
include the arts. Through the Festival, proposed for
da Universidade Federal Fluminense (COLUNI/
the high School students joined teachers, students
UFF). O Coluni/UFF é um espaço de educação
and trainees interested in the Arts. The process of
integral, contemplando projetos educativos dire-
creation for the theatrical scenes of the FESTUNI
cionados as áreas de formação humana integral.
happened during the lessons of discipline of the
Nesse sentido, abarcam-se as artes. Por meio Fes-
Arts. The Festival had as its principle the interdis-
tival, proposto para os alunos do Ensino Médio, in-
ciplinarity of knowledge, and in its conception the
tegraram-se professores, alunos e estagiários inte-
leading role of youth in the creative process for the
ressados as Artes. O processo de criação para as
theatrical presentations and the organization of
cenas teatrais do FESTUNI aconteceu durante as
the event.
aulas da disciplina de Artes. O Festival teve como princípio a interdisciplinaridade dos conhecimen-
Key Words: Art Education, Theater and Youth Pro-
tos, e em sua concepção o protagonismo juvenil
tagonism.
no processo criativo para as apresentações teatrais e para a organização do evento.
O COLÉGIO UNIVERSITÁRIO.
Palavras-chave: Arte Educação, Teatro e Protago-
nismo Juvenil.
experiências pedagógicas promovidas pelo 1º
Para iniciar o texto e discursar acerca das
Festival de Teatro do Colégio Universitário, faz-se Resume:
necessário introduzir e apresentar o Colégio Uni-
versitário Geraldo Reis (COLUNI) da Universidade
This article intends to present the educatio-
nal experiences promoted through the creation and
Federal Fluminense (UFF).
realization of the 1st Theatre Festival (FESTUNI) of the University College Geraldo Reis of the Universi-
O Coluni nasceu por meio de parceria da
1 - 1 Doutorando em Políticas Públicas e Formação Humana pela UERJ, mestre em Educação Tecnológica pelo CEFET-MG. Professor convidado no INEQ e professor substituto na UFF, lotado no Coluni.
INEQ - Educação integral
59
UFF com o Governo do Estado do Rio de Janeiro.
abarcam em suas atividades as aulas regulares,
O Estado garantiu a permanência de alguns profis-
as oficinas temáticas e a Escola de Cinema do Co-
sionais, entre professores e técnicos da educação,
légio Universitário. Vale ressaltar que a UFF possui
e a UFF complementou o quadro com docentes
o curso de licenciatura em Cinema e Audiovisual, e
efetivos, temporários ou substitutos, e bolsistas
grande parte dos alunos desta graduação atuam
da Universidade.
no COLUNI por intermédio das oficinas promovidas pela Escola de Cinema do Colégio Universitá-
O Coluni é uma unidade acadêmica vincu-
rio. Essas ações dão suporte artístico e cultural
lada à Pró-Reitoria de Graduação (PROGRAD), e
para as demais atividades do Colégio. Há, porém,
direciona-se ao atendimento da Educação Infantil
falta de entendimento e de conhecimento por par-
e Básica na UFF. Por ser uma unidade acadêmi-
te de alunos e docentes da UFF de que trata-se do
ca, possibilita aos licenciandos da universidade
Colégio da Universidade. Seja pelo Coluni estar fisi-
a prática de ensino (estágio supervisionado), os
camente fora do Campus do Gragoatá, ou por sua
projetos de Iniciação à Docência, e a participação
arquitetura ser pertencente ao modelo dos Cen-
de alunos (Ensino Médio e Graduação) em editais
tros Integrados de Educação Pública2. É recorren-
fomentados pela UFF, por meio de propostas de
te, como presenciei inúmeras vezes, os docentes
seus docentes.
direcionarem-se à UFF em suas falas, como um
espaço fora do COLUNI, como se não pertences
O ingressos dos educandos, desde 2006,
sem ao corpo docente da universidade.
realiza-se por sorteio público. Nesse sentido, o Colégio propicia o diálogo entre crianças e jovens de
diversas e distintas classes sociais.
são: o comprometimento do corpo docente e ad-
Algumas das características do COLUNI
ministrativo para a realização de atividades educa
A motivação para desenvolvimento deste
tivas que propiciem reflexões e ações transforma-
trabalho surgiu através de minha vivência no FES-
doras na vida dos educandos, prover por meio da
TUNI. Sou professor substituto de artes da UFF,
escola em tempo integral a educação por projetos
lotado no COLUNI. Muitas das ideias contidas são
e a interdisciplinaridade com atividades que permi-
pessoais, portanto, não houve preocupação siste-
tam pensamento crítico sobre a sociedade e, pro-
mática com a objetividade, havendo tendências de
mover no cotidiano entre seus educandos e seus
julgar os fatos se deixando influenciar por senti-
funcionários, um ambiente pautado pelo respeito
mentos e emoções. Entretanto, isso não exclui o
e pela afetividade. Grande parte de seu alunado in-
teor científico e a preocupação em chamar aten-
gressa no Ensino Fundamental I e permanece até
ção ao assunto central, às propostas artísticas na
a conclusão do Ensino Médio no Colégio.
educação básica. Nesse caso, especificamente as experiências pedagógicas promovidas por in-
termédio do Festival de Teatro em um Colégio de
luni faz-se por meio do comprometimento de seus
educação integral.
atores em repensar a educação e a realidade esco-
O trabalho pedagógico proposto para o Co-
lar. A educação pressupõe ações coletivas. Como
60
A força da área Artes dentro do Coluni
trouxe Freire a escola é o lugar de gente:
2 - Criados pelo arquiteto Oscar Niemeyer, os Centros Integrados de Educação Pública (Cieps), projeto educacional do antropólogo Darcy Ribeiro, foram implantados no Rio de Janeiro ao longo dos dois governos de Leonel Brizola (1983-1987 e 1991-1994).
INEQ - Educação integral
Lugar onde se faz amigos, [...]gente que tra-
que tivemos que aprender de forma diferen-
balha, que estuda, que se alegra, se conhe-
te as habilidades técnicas que adquirimos
ce, se estima. [...] e a escola será cada vez
para podermos alcançar nossa capacidade
melhor na medida em que cada um se com-
atual. Certamente tem sorte aquele que não
porte como colega, amigo, irmão.[..] nada de
precisou desapender o que aprendeu na es-
ser como o tijolo que forma a parede, indife-
cola para progredir profissional e intelectual-
rente, frio, só. [...] numa escola assim vai ser
mente (DEWEY, 2011, p. 49).
fácil estudar, trabalhar, crescer, fazer amigos, educar-se, ser feliz. É essa escola que dese-
jamos construir, uma escola humana, capaz
força com a expansão das escolas técnicas di-
de compreender os desafios de seu tempo,
recionadas ao ensino técnico integrado, com os
e na luta pelo melhor viver, reconhecer fatos,
programas de escola em tempo integral e, com o
gestos, unir conhecimentos, recordar. 3
novo ensino médio sancionado pela lei n. 13.415
Atualmente a educação integral ganhou
de 16/02/2017 4. Contraditoriamente, essas polí
Por tratar-se de um espaço coletivo con-
ticas e iniciativas que discursam sobre formação
cebido por indívíduos que atuam na educação
humana e integral são oriundas de demandas do
integral, as disciplinas vão além da base comum
empresariado e associam o contraturno escolar à
nacional com atividades e projetos voltados às
formação para o trabalho. Existem, porém, espa-
Artes e Cultura, Educação Ambiental, Esportes e
ços de educação integral como o Coluni, na con-
Movimento, Música, Horário de Estudos, Sala de
tramão da concepção que forma exclusivamente
Leitura, Laboratório de Matemática e Línguas Es-
para postos de trabalho.
trangeiras.
As correntes pedagógicas que na atuali-
Entre as bases da concepção de educação
dade trabalham com o conceito de educação in-
integral está a de perceber os educandos como
tegral buscam romper com a dicotomia entre vida
indivíduos multidimensionais. A educação inte-
e educação escolar. Tentando relacionar a institui-
gral tem como destaque o pressuposto teórico do
ção escolar a realidade em que vivemos. Faz-se
autor John Dewey, que compreende a educação
necessário, nesse sentido, desconstruir com cer-
como reconstrução da experiência. Dewey aborda
tas amarras da vivência escolar, tais como a gra-
no tocante a experiência e educação, as materias
de curricular e a fragmentação dos saberes e dos
escolares que são ensinadas isoladamente e não
conteúdos e ainda, repensar o espaço educativo
relacionam-se com o mundo:
para além dos muros da escola.
O ensino isolado não prepara os alunos para
No ano de 2017, após discussões nos Con-
as experiências do mundo real. Quase todos
selhos de Classe e nos Colegiados do ano anterior,
nós já tivemos a oportunidade de recordar
o corpo docente implementou atividades diferen-
os dias de escola e de nos perguntar o que
ciadas. Nessa nova estrutura, pela manhã os alu-
foi feito do conhecimento que deveríamos
nos são contemplados pelas disciplinas comuns
ter acumulado durante aquele tempo e por
(português, literatura, matemática, física, química,
3 - Poesia do educador Paulo Freire, disponível no site do Instituto Paulo Freire (www.paulofreire.org). 4 - Fonte: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13415.htm
INEQ - Educação integral
61
biologia, inglês, espanhol, artes, geografia, sociolo-
O protagonismo juvenil parte do pressupos-
gia e filosofia), exceto educação física que ocorre
to de que o que os adolescentes pensam, di-
no período da tarde e os alunos escolhem qual es-
zem e fazem podem transcender os limites
porte/modalidade desejam cursar e mudam esta
do seu entorno pessoal e familiar e influírem
atividade trimestralmente.
no curso dos acontecimentos da vida comunitária e social mais ampla. Em outras pala-
No período da tarde acontecem as ativida-
vras, o protagonismo juvenil é uma forma de
des que o Colégio nomeia como disciplinas eleti-
reconhecer que a participação dos adoles-
vas. Os docentes criam aulas que possuam domí-
centes pode gerar mudanças decisivas na
nio de conteúdos e bases
discussões,
realidade social, ambiental, cultural e política
e que diferenciem-se das disciplinas obrigatórias
onde estão inseridos. Nesse sentido, parti-
citadas anteriormente. Para se ter uma ideia, apre-
cipar para o adolescente é envolver-se em
sentam-se alguns títulos das disciplinas eletivas e
processos de discussão, decisão, desenho e
seus objetivos centrais; Não aceite o segundo lu-
execução de ações, visando, através do seu
gar baby (discute o feminismo por meio da música
envolvimento a solução de problemas reais,
pop dos anos 80 e 90), Ciências na Cozinha (prá-
desenvolver o seu potencial criativo e a sua
tica de receitas culinárias com entendimento da
força transformadora. Assim, o protagonis-
ciência nos alimentos e nos processos culinários),
mo juvenil, tanto um direito e quanto um de-
As 10 estratégicas de manipulação da mídia cor-
ver dos adolescentes. (COSTA, 1996, p. 65).
para
porativa (discute a manipulação do corporativismo pautado pela expansão do capitalismo), Arte
Vale ressaltar que esta concepção corro-
e Trabalho (discute as concepções de trabalho por
bora com a ideia educativa de aprender como se
meio de obras de arte), Capoeira (além da prática,
aprende, onde os próprios educandos descobrem
trabalha questões históricas de seu surgimento),
maneiras que podem compreender e selecionar
Fotografia (técnicas, mídias sociais e empodera-
os conteúdos para desenvolverem novos saberes.
mento), Cinema (técnicas e propostas documen-
Cabendo aos docentes e os educandos o constan-
tais), Canto Coral, entre outras.
te diálogo sobre expectativas, anseios e possibilidades de novos conhecimentos e de construções
As disciplinas eletivas são ofertadas tri-
mestralmente, ou seja, a cada três meses os alu-
culturais por intermédio da estrutura curricular eleita pelos alunos.
nos elegem novas disciplinas. Esse processo de leitura das ementas, de escolha, de prática e de
As limitações dessa proposta pedagógica
troca des disciplinas permite aos educandos au-
– disciplina obrigatórias e eletivas - do Coluni es-
tonomia, auto disciplina e o protagonismo juventil
barram geralmente nas questões levantadas pelos
por meio da construção dos conteúdos que estão
alunos do último ano do Ensino Médio, pautados
interessados.
na preparação para o vestibular, consequentemente, na entrada ao ensino superior. Há, portanto, a
Para respaldar o afirmado sobre protago-
nismo juvenil e educação integral, ainda para compreensão do processo educativo para além dos muros da escola, cita-se Costa (1996, p.65):
62
INEQ - Educação integral
necessidade de abordar com frequência a concepção de educação proposta no Coluni.
AS ARTES NO COLUNI.
atral/cênica.
A organização das atividades artísticas,
As turmas dos três anos do Ensino Médio
consequentemente da disciplina Artes no Coluni
foram responsáveis pelo processo criativo de uma
também é diferenciada do comum nas escolas pú-
cena teatral. Cada turma foi dividida em 4 núcleos,
blicas. As turmas vivenciam a cada trimestre (são
a saber; (i) atuação, (ii) cenografia, (iii) figurino e
três trimestres por ano) uma das linguagem artís-
maquiagem e, (iv) sonoplastia. Cada núcleo pes-
ticas. Um semestre com artes visuais, um semes-
quisou as referências para a criação do produto
tre com música e um semestre com artes cênicas,
cênico da turma e o executou, ou seja, o núcleo
não necessariamente nesta ordem. Importante
de figurino desenvolveu os figurinos das persona-
ressaltar que todas estas linguagens abordam a
gens, o de cenografia criou a proposta de cenário,
história da arte, a arte como política, a fruição ar-
o de sonoplastia pesquisou, organizou e executou
tística e a arte em interface com as transforma-
a trilha sonora e as sonoplastias e, o núcleo de
ções societárias. Corrobora Barbosa sobre meto-
atuação compôs as personagens e ensaiou para a
dologia no ensino das artes (1991):
apresentação da cena. Enquanto professor de Artes, dirigi as quatro cenas e escrevi três das quatro
A metodologia deve ser de escolha do pro-
cenas.
fessor e do fruidor, o importante é que obras de artes sejam analisadas para que
Faz-se importante trazer para este texto, as
se aprender a ler a imagem e avaliá-la; esta
impressões e aprendizagens dos alunos sobre o
leitura é enriquecida pela informação acerca
processo de criação coletivo para o Festival. Se-
do contexto histórico, social e antropológico
gundo N. A., aluna do primeiro ano do Ensino Mé-
(BARBOSA, 1991, p. 39)
dio/Coluni:
Nesse caminho, todas as turmas viven-
No processo de desenvolvimento do Festi-
ciam as linguagens artísticas, exceto a dança, esta
val, até mesmo na escolha de qual seria a
linguagem é contemplada pelas atividades de edu-
nossa peça, a coisa já estava ficando inte-
cação física nas oficinas voltadas ao ritmos, ginás-
ressante. No Coluni, o teatro nunca esteve
ticas e composições coreográficas.
tão presente, a não ser um projeto extra cur-
ricular que teve há anos, e isso, para mim, As contextualizações sobre o Colégio Uni-
foi muito bom. Tivemos contato com outro
versitário, a organização curricular e a disciplina
lado da arte, que não a plástica e audiovisu-
de Artes serviram de base para a compreensão do
al. O mais interessante é que entramos de
que veio a ser o 1º Festival de Teatro do Coluni/
cabeça no projeto e os alunos, principalmen-
UFF (FESTUNI).
te os atores, queriam dar tudo de si para que
saísse perfeito. Ai que eu diria que as difiO FESTUNI.
culdades se encontraram, porque tínhamos pouco tempo de ensaio e os mesmo foram
O FESTUNI foi executado durante as aulas
se encaixando em outros horários, que não o
da disciplina de Artes, especificamente com os
da aula de artes. Apesar de todos os peque-
alunos do Ensino Médio utilizando a linguagem te-
nos erros e dificuldades, conseguimos pegar
INEQ - Educação integral
63
a essência da coisa, o friozinho na barriga
sendo revelados, as homenagens sendo fei-
na hora da apresentação, na frente de um
tas, e logo depois, esses mesmos trabalhos
público considerado grande e ainda tivemos
sendo premiados, inclusive o meu! Muito
um ator revelação, que foi o Patrick. Nunca vi
obrigada pelo evento maravilhoso e que ve-
essa pessoa tão dedicada a fazer algo quan-
nham mais Festuni’s! (L.R., aluna do Ensino
to essa peça e que atuou incrivelmente bem.
Médio/Coluni, 2017)
Foi sensacional toda a experiência. Só tenho a agradecer você, Caio, por nos proporcio-
O depoimento do aluno L. V. também do
nar momentos tão marcantes na história do
segundo ano do Ensino Médio que fez participa-
Coluni. (N.A., aluna do Ensino Médio/Coluni,
ção como ator em uma das cenas, elucida o pro-
2017)
cesso criativo desde o planejamento até o dia do evento:
Já a aluna do segundo ano do Ensino Mé-
dio, L. R. abordou em seu depoimento questões
O processo de criação das cenas foi livre e
relacionadas a criação do cenário e os aspectos
exercido tanto pelo professor como pelos
técnicos do Festival:
alunos que atuavam, cenografavam ou cuidavam da sonoplastia e figurino. Os roteiros
64
Participar do primeiro Festuni foi uma ex-
sempre estavam abertos para mudanças e
periência única para mim, pois fiz parte de
cada área da criação ajudava a outra. As difi-
um evento grande e que nunca tinha acon-
culdades não foram tão marcantes durante o
tecido no Coluni. Na sala de aula, quando o
processo, o pessoal da cenografia teve ajuda
professor Caio nos contou que o festival iria
para conseguir o possível para os cenários,
acontecer e que cada um teria que participar
quem ficou responsável pelos figurinos teve
de alguma forma, eu logo escolhi a cenogra-
apoio de grande parte da comunidade esco-
fia, pois era o que eu mais me identificava e
lar, e os sonoplastas, partindo da experiência
achava que seria interessante contribuir. Re-
própria, escolheram as músicas que deram
almente foi interessante, mas deu bastante
ritmo ao espetáculo. A questão da atuação
trabalho. E, quando eu soube que seria em
é um pouco mais pessoal. Eu, por exemplo,
um auditório de teatro grande, a minha res-
nunca tendo atuado, tive que enfrentar a ti-
ponsabilidade e a do grupo aumentou e eu
midez, fiquei nervoso durante toda a prepa-
fiquei mais assustada e nervosa do que o
ração, mas quando subi no palco, olhei pra
normal, já que seria um evento muito maior
cada um e vi que todos estavam curtindo o
e aberto ao público fora do ambiente esco-
momento, com um sorriso estampado no
lar. A partir disso, tive que me dedicar mais,
rosto, me acalmei. Talvez a maior dificuldade
junto com meu grupo, para que todo cenário
tenha sido o fato de nunca termos realizado
ficasse bem feito e pronto a tempo para as
um festival como aquele. O momento mais
três cenas da minha turma. No dia, foi muita
interessante foi a manhã do dia das apre-
correria antes e durante as peças, mas de-
sentações. Foi muito proveitoso observar a
pois foi muito gratificante ver que, apesar
comunidade escolar toda mobilizada com o
de tudo, deu realmente certo. Foi lindo todo
evento. Ver cada aluno, entrando e saindo do
o trabalho dos alunos, os grandes talentos
auditório, indo e voltando à escola para bus-
INEQ - Educação integral
car algo, carregando cenário pra lá e pra cá,
rins com madeiras e materiais para a confecção
maquiando, se vestindo, passando fala, en-
dos cenários encontrados no almoxarifado do Co-
saiando... Todo o processo passou um sen-
légio.
timento de união e comprometimento. (L.V., aluno do Ensino Médio/Coluni, 2017)
Outro fato interessante relacionado à for-
mação de docentes – um dos objetivos do ColéO processo explicitado na citação anterior,
gio Universitário - foi a presença de estagiários e
entre a escolha do texto dramático, das persona-
bolsistas licenciandos da UFF na organização do
gens, da divisão dos núcleos, das pesquisas e dos
Festival. Alunos do curso de Licenciatura em Cine-
ensaios, durou 2 meses. O tempo foi fator de entra-
ma e Audiovisual fotografaram o evento, e alunos
ve para maior aprofundamento das cenas, já que
das demais licenciaturas autorizados pelos pro-
cada turma tem duas aulas semanais e cada aula
fessores regentes das disciplinas, auxiliaram nos
com 50 minutos. Caso houvesse tempo maior po-
últimos ensaios com as turmas e no dia do evento.
deriam ter sido realizadas discussões sobre pro-
Nesse sentido, os professores de outras discipli-
cessos teatrais mais amplas que apenas a prática
nas contribuíram para a realização 1º Festival de
de ensaios e pesquisas direcionadas à cena eleita
Teatro do Coluni e propagaram o teatro com o viés
pela turma.
pedagógico.
O Coluni não possui teatro, somente um
As professoras e os professores dos seg-
auditório voltado à palestras e reuniões, sem co-
mentos das artes e da educação física auxiliaram
xias, sem iluminação e sem recursos cênicos. Para
durante todo o processo do Festival, em especial,
tanto, foi-se solicitado o pedido de empréstimo do
a professora Gabriela que ministra música no Co-
auditório da Faculdade de Economia da UFF. O
légio, que dedicou-se em diversos momentos da
pedido foi aceito, e o FESTUNI foi realizado no dia
organização do FESTUNI. Vale ressaltar que ações
25/05 às 19h no Auditório da Faculdade de Econo-
pedagógicas como essa, resultam do trabalho co-
mia UFF- Gragoatá.
letivo como princípio educativo, dialogando com o currículo e com a gestão democrática.
O auditório emprestado para o FESTUNI,
ainda que em melhores condições para receber
CONSIDERAÇÕES FINAIS - A ESTREIA.
apresentações teatrais – com palco e aproximadamente 230 poltronas confortáveis - não tem ilumi-
O evento aconteceu no dia 25 de maio de
nação cênica, coxias ou camarins. Diante dessas
2017, e o Colégio cedeu a quinta-feira (data do FES-
dificuldades, entretanto, foram articulados com o
TUNI) para ensaios e para a montagem do espaço
Colégio de Aplicação da Universidade Federal do
das apresentações. Esse dia, especificamente, foi
Rio de Janeiro o empréstimo de tecidos pretos
importante para os alunos do Ensino Médio pelos
para o fundo do palco e de refletores para ilumina-
seguintes fatores, a saber; (i) os alunos sentiram-
ção dos atores e do cenário.
-se pertencentes à UFF já que passaram todo o dia no auditório da Faculdade de Economia, (ii) a ex-
Os profissionais da área administrativa do
celente organização das turmas com respeito aos
Coluni também contribuíram bastante para a rea-
horários de ensaio e de montagem dos cenários,
lização do Festival, visto que improvisaram cama-
(iii) a vivência de um ensaio geral, (iv) o nervosismo
INEQ - Educação integral
65
enxergado em alunos que sempre mostraram-se seguros e independentes, o teatro é exercício cole-
Não foi objetivo central da proposta desco-
tivo e necessita do outro e, (v) a plateia estava lo-
brir grandes atores, atrizes ou técnicos e técnicas
tada, inclusive muitas pessoas tiveram que sentar
das artes do espetáculo. O foco era o de possibili-
nos chãos dos corredores do auditório.
tar com que todos pudessem experienciar o teatro na disciplina de Artes. Não houve exigência para
A noite as três turmas apresentaram suas
que nenhum aluno ou aluna atuasse, todos pude-
cenas. Entre as atrações também foram apresen-
ram escolher seu núcleo de trabalho, possibilitan-
tadas uma cena teatral dos alunos do Ensino Fun-
do o desenvolvimento de habilidades individuais
damental I, uma cena teatral da disciplina eletiva
com objetivo de:
Arte e Trabalho e uma apresentação musical da encorajar os seus alunos (...) a resolver pro-
disciplina eletiva de Canto e Coral.
blemas e efetuar tarefas que estejam relaO público era variado, entre familiares, es-
cionadas com a vida na comunidade a que
tudantes da graduação, professores e os próprios
pertençam, e que favoreçam o desenvolvi-
alunos do Coluni. Ainda que visivelmente era uma
mento de combinações intelectuais individu-
grande improvisação diante das possibilidades,
ais a partir da avaliação regular do potencial
era como se o encanto do teatro chegasse naque-
de cada um. (GAMA,p.4)
le auditório.
Foram presentes no dia 25 de maio os
Foram diversos conteúdos, conhecimen-
abraços, os olhares, os medos e o trabalho cole-
tos e saberes desenvolvidos durante o processo e
tivo vivenciado no palco por todos alunos artistas.
as apresentações do Festuni. Conhecimentos da
Foram assistidas as produções dos núcleos técni-
vida real, tais como: trabalhar com a ansiedade,
cos de cenário, figurino e maquiagem e, sonoplas-
controlar o nervosismo, falar com apropriação e
tia. Árduo trabalho para educadores e educandos,
estudo do ponto de vista da personagem, a leitura,
porém, significativo, memorável e pedagógico.
a interpretação, a vivência vocal e corporal exposta para uma público de mais de 200 pessoas, o sentido do trabalho coletivo, o olhar nos olhos, a noção de tempo e de espaço, e principalmente, o respeito às artes cênicas na formação escolar. Segundo Cavassin o teatro e a educação tem relações concretas (2008): O teatro como conhecimento busca respostas para os questionamentos sobre o que é o mundo, o homem, a relação do homem com o mundo e com outros homens nas teorias contemporâneas do conhecimento que propõem novos paradigmas para a ciência. (CAVASSIN, 2008, p.42).
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INEQ - Educação integral
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