Revista Educação Integral - 31ª edição - Setembro 2024
CARTA AO LEITOR – REVISTA SETEMBRO /2024
A “Educação Integral: reflexões sobre educação na perspectiva da integralidade humana”, nesta edição do mês de setembro, possibilitará a imersão dos leitores em uma reflexão voltada para as finalidades da educação, considerando os dois níveis de ensino – Educação Básica e Educação Superior e as três etapas da Educação Básica- Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio, destacando, entretanto, o compromisso das faculdades, universidades e centros universitários. Em inúmeras edições anteriores, os responsáveis pela construção da revista apontaram a educação como a apropriação do patrimônio histórico da humanidade e a aprendizagem considerada como a relação dialógica do sujeito integral com a cultura e a natureza. Neste sentido, as experiências envolvendo os elementos culturais e naturais devem estar presentes desde a Educação Infantil, constituindo os educandos como sujeitos de suas aprendizagens e desencadeando a necessidade de agir sobre estes elementos de forma cada vez mais autônoma. Desta forma, pode-se dizer que a pesquisa exploratória e o registro das observações, análises e sínteses provisórias estarão presentes desde a pequena infância, respeitando as suas especificidades, podendo ser compartilhadas com interlocutores de múltiplos espaços e tempos.
Nesta edição da revista, embora preocupados com a educação formal nos diferentes níveis de ensino, destaca-se o compromisso da Educação Superior com a comunidade local, com a cidade e com o país, na produção e divulgação de pesquisas em diferentes áreas do conhecimento. As pesquisas produzidas nas instituições deste nível de ensino devem provocar um movimento dinâmico e cíclico em outros espaços de produção cultural (compreendida como o conjunto de conhecimentos, informações, valores, costumes, crenças, filosofia etc.), devendo estabelecer uma relação intensa e transformadora com a Educação Básica.
Quando este movimento se intensifica e se integram estudo, pesquisa e extensão, a instituição de Educação Superior qualifica-se e reúne cada vez mais elementos para fazer a diferença na sociedade, transformar a realidade e ampliar o processo de constituição das humanidades e da humanização de todos os envolvidos.
Ao assumir este compromisso com a sociedade, a FAEP intensificou os processos de aprofundamento e aplicação dos estudos e o planejamento dos educandos para a relação estreita com a comunidade e com as escolas do entorno, em movimentos de extensão. O conjunto de ações da instituição permeado pela ampliação e o enraizamento da pesquisa culminaram com a sua transformação em Centro Universitário - FAEP.
Esta transformação foi fruto de um movimento compartilhado de mantenedores, direção, coordenação dos cursos, profissionais da educação docentes e não docentes que trabalharam arduamente para garantir o direito de todos os educandos de uma educação de qualidade social, sendo que alunos e egressos dos cursos são partícipes dessa conquista.
Desta forma, a FAEP agradece aos atores, protagonistas e interlocutores desta revista, bem como todos os que asseguram o diálogo permanente com a instituição e com a comunidade e convida os leitores a ampliarem a relação com a IES, enviando reflexões em mensagens e textos que desencadearão novas possibilidades de transformação, ampliação e abrangência das ações educativas.
Educação Integral: Reflexões sobre educação na perspectiva da integralidade humana
INEQ / FAEP VOLUME 1 - NÚMERO 31 (SETEMBRO DE 2024)
Periodicidade: Trimestral
Os conceitos contidos nesta revista são de inteira reponsabilidade dos autores. É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem prévia autorização dos autores.
CONSELHO EDITORIAL
Profo Dr. Claudinei Aparecido da Costa Profo Dr. Clemente Ramos dos Santos Profa. Ms. Ana Maria Gentil
EDITOR CHEFE
Profo Dr. Claudinei Aparecido da Costa REVISÃO E NORMATIZAÇÃO DE TEXTOS Mariana Mascarenhas
CAPA E PROJETO GRÁFICO Vanice Aparecida da Costa
INSTITUTO NACIONAL DE EDUCAÇÃO e QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL – INEQ
Rua Santa Ângela, 252, Vila Palmeiras, Freguesia do Ó, São Paulo – SP - Cep: 02727-000
Tel.: (11) 3564 1256
e-mail: educacaointegral@ineq.com.br
ISSN 2525-4294
Catalogação na Publicação
Serviço de Biblioteca e Documentação
INEQ Instituto Nacional de Educação e Qualificação Profissional / Centro Universitário FAEP
Educação Integral
Revista do Instituto Nacional de Educação e Qualificação Profissional
Centro Universitário FAEP n. 31 (Setembro, 2024) São Paulo: INEQ/FAEP
Na edição de setembro da revista “EDUCAÇÃO INTEGRAL: REFLEXÕES SOBRE EDUCAÇÃO
NA PERSPECTIVA DA INTEGRALIDADE HUMANA”, o Conselho Editorial e os colaboradores de diferentes espaços de leitura e produção textual do Centro Universitário FAEP decidiram perpetuar as concepções e propostas transformadoras, algumas reiteradas e outras desencadeadas na Solenidade de Inauguração Oficial da Faculdade de Educação Paulistana como Centro Universitário. Para tanto, esta edição aponta o compromisso desta instituição com a educação integral, com a atualização histórico-cultural e com o processo de humanização dos estudantes, da população da comunidade local e das diferentes localidades a que pertencem os educandos da modalidade à distância.
A trajetória já realizada pela FAEP, até chegar a Centro Universitário, já demonstra a responsabilidade assumida com a transformação e a justiça social, a inclusão, o compartilhamento de saberes, a formação humana de educadores, educandos, trabalhadores não-docentes e comunidade da região. A instituição sempre apresentou projetos de extensão que beneficiassem as pessoas e as unidades educacionais e de saúde do entorno. A pesquisa sempre esteve presente na trajetória acadêmica de professores e alunos, sendo que, nos últimos anos, a FAEP passou a investir no programa de Iniciação Científica, Tecnológica e Artística, na perspectiva de formar o sujeito pesquisador e
crítico, que produzisse material escrito para a reflexão da comunidade acadêmica e a população em geral, sendo que o salto qualitativo deste investimento foi a explicitação do caráter provisório, recursivo e circular dos saberes acadêmicos. Desta forma, a pesquisa adquiriu um status dinâmico, de permanente revisão, constante inovação e integração de diferentes atores e protagonistas.
Neste sentido, a terceira edição de 2024 apresenta textos que possibilitaram uma multiplicidade de pensares sobre as relações das instituições educativas com a comunidade e com as famílias, a utilização dos espaços externos para concretização da inclusão, o olhar atento para a multiplicidade das infâncias, a escrita autoral como forma de transformação humanizadora de professores e alunos, a necessidade da garantia de práticas antirracistas intencionalmente planejadas no ambiente escolar e o estudo, a pesquisa e a organização de projetos escolares para combater o abuso sexual infantil e do adolescente.
No artigo “A PARTICIPAÇÃO DE CRIANÇAS COM CARACTERÍSTICAS DE DESATENÇÃO, IMPULSIVIDADE E HIPERATIVIDADE NAS AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA”, o autor abordou a importância da Educação Física para crianças que apresentam dificuldades de atenção, impulsividade e hiperatividade, especialmente aquelas diagnosticadas com TDAH. Embora, muitas vezes, pode ocorrer o chamado “ hi-
perdiagnóstico”, no qual toda criança que não apresenta comportamentos esperados pela escola passa por um processo de avaliação e classificação, sendo que, por este motivo, o número de estudantes que são identificados com TDAH ainda é bastante significativo. Estes estudantes, na maioria das vezes, apresentam questões relacionadas à apropriação de conhecimento e às interações sociais, seja pela própria situação em que se encontram ou pela interpretação, julgamento e preconceito de adultos e crianças ao seu redor. As aulas de Educação Física podem se constituir em espaços de movimentação corporal, canalização das energias, expressão das emoções, diálogo com os outros estudantes e constituição da autoestima e da autoconfiança destes estudantes. Entretanto, para atender as necessidades específicas de cada um deles, os educadores necessitam de formação permanente que, embora ainda haja a ausência de pesquisas sobre a relação entre a atividade motora e os processos de atenção das crianças com TDAH, existe uma série de estudos apresentados no texto relacionados às questões neurológicas, psicológicas, sociais e educacionais que podem auxiliar os leitores na reflexão sobre este importante tema.
O
artigo
“O PAPEL DA ESCOLA FRENTE ÀS
CULTURAS INFANTIS: ASPECTOS ÉTNICO-RACIAIS E O ENCONTRO ENTRE FAMÍLIA E ESCOLA” tratou de questões essenciais relacionadas à diversidade e ao compromisso da escola com a educação inclusiva. O autor realizou uma reflexão bastante profunda sobre a multiplicidade das infâncias, que obrigou a utilização do plural quando se refere a este período da vida pela heterogeneidade das identidades, pois encontramos crianças que vivenciam realidades distintas quanto às condições socioeconômicas, com oportunidades diferenciadas; à estrutura familiar, com formas diversas de compreender a educação; à utilização das tecnologias, que moldaram experiências e identidades; à amplitude das culturas, seja pelas questões étnicas, religiosas ou regionais, influenciando a forma das crianças interpretarem o mundo. O texto apontou a função social da escola, em proporcionar o diálogo fundante entre as diferenças, na perspectiva da construção das personalidades, não apenas que aprendam a conviver com a diversidade, mas também que usufruam das particularidades
dos atores e protagonistas da escola, para que possam realizar transformações contextualizadas em processos criativos e humanizadores. O autor destacou também a importância das políticas públicas para garantir a igualdade de oportunidades e criar espaços mais justos e inclusivos, mas também problematizou a postura das instituições educativas no que se refere a não valorização dos conhecimentos populares/familiares e a permanência de um currículo único, sem cumprir o seu papel de integrar a diversidade cultural e étnico-racial para a formação integral dos estudantes. Assim, o autor apontou a importância do diálogo, a escola como espaços de transformação social e a construção de um currículo que vise a formação pluricultural e intercultural.
No artigo “A ESCRITA AUTORAL COMO INSTRUMENTO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES”, a autora possibilitou a reflexão sobre a importância da escrita como elemento transformador de quem escreve e de quem se coloca como interlocutor, o diálogo que se estabelece na produção de um texto é um processo de formação para estudantes e professores, embora, nem sempre ela seja valorizada e verdadeiramente integrada no currículo vivo. No que se refere aos professores, as observações e reflexões “registradas no papel”, como desdobramento das situações vivenciadas no ensino, possibilitam uma análise do fazer pedagógico e a consequente transformação das práticas pedagógicas, aliada à construção da identidade docente. De acordo com a autora, serão necessários planejamentos nas escolas para que os professores possam, de forma coletiva e compartilhada, realizarem um processo de produção escrita, na qual problematizam as ações educativas e relacionem teoria e prática. Neste sentido, ao enfrentarem as questões relacionadas ao conteúdo e a forma da escrita, poderão compreender que ela é extremamente significativa para a aprendizagem dos educandos. O desenvolvimento do pensamento crítico e a criação de escritas que permitem o diálogo entre o pensar e o fazer pedagógico, bem como, a relevância desta aprendizagem da escrita pelos estudantes para a construção de conhecimento, podem ser elementos potencializadores do processo de humanização na educação escolar.
Os dois artigos seguintes foram elaborados
por formandas do curso de Pedagogia do Centro Universitário FAEP. Como já tratado nesta edição, esta Instituição de Educação Superior pretende potencializar a pesquisa e a produção acadêmica. Para isto, incentiva, no processo de construção do Trabalho de Conclusão de Curso, o aprofundamento de temas significativos para compartilhar com leitores inquietações com situações que nem sempre são percebidas e problematizadas, gerando preconceitos, discriminação e crimes contra as crianças e os adolescentes.
O artigo “AS PRÁTICAS
ANTIRRACISTAS
NA EDUCAÇÃO INFANTIL”, a autora e aluna pesquisadora revelou, a partir de experiência pessoais e profissionais, ações que explicitaram preconceito e discriminação nas relações de crianças e adultos com educadores e educandos negros na Educação Infantil. Estas ações extrapolaram os limites aceitáveis que devem compor as relações humanas, demonstrando os tentáculos do racismo estrutural. O texto apresenta exemplos de práticas racistas e a presença, muitas vezes velada, do racismo nas interações, nos materiais didáticos e nas práticas pedagógicas. Ao mesmo tempo que expõe ações desumanizadoras e a falta de representatividade da população negra nas escolas, indica as possibilidades de romper com a discriminação, ao relatar o trabalho de inúmeras instituições educativas que desenvolvem projetos e procuram atingir as raízes do preconceito racial. Estes projetos pretendem, principalmente, desconstruir preconceitos e estereótipos que podem causar danos significativos à autoestima e a construção da identidade das crianças negras. Destaca a importância da Lei 10.639/03, que torna obrigatório o ensino da história e cultura africana, afro-brasileira e indígenas nas unidades educacionais, considerando as especificidades de cada etapa da Educação Básica. Desta forma, o currículo, desde a Educação Infantil, deve ser organizado visando práticas antirracistas e a valorização da diversidade cultural, propondo a revisão de ações e de materiais e brinquedos utilizados na unidade educativa e desencadeando diálogos sobre o racismo.
A autora do artigo “O TRABALHO PEDAGÓGICO NAS ESCOLAS PARA PREVENIR O ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS E DE ADOLESCENTES”, expôs, inicialmente, as estatísticas as-
sustadoras sobre o abuso sexual de crianças e adolescentes em vários espaços da sociedade, porém, de forma significativa no ambiente familiar. A aluna pesquisadora contribuiu com o levantamento da legislação vigente que protege a criança e o adolescente contra esta forma de violência, destacando, desde legislações mais abrangentes, como o Código Penal Brasileiro, até aquelas que instituem programas e campanhas, como “ maio laranja”. Ao tomar conhecimento destas legislações, percebemos que o número de leis para a proteção contra o abuso sexual é significativo, porém insuficiente. A autora apresentou alguns aspectos que devem ser conhecidos e discutidos nas escolas, pois ajudam a identificar alguns comportamentos infantis e dos adolescentes que indicam a possibilidade de “pedido de socorro”, por estarem sofrendo violência. Ela revela os mitos e as realidades sobre o abuso sexual em crianças e adolescentes, os quais são, para muitas pessoas, desconhecidos, o que leva a interpretações equivocadas, como exemplo, podemos citar o mito: “O abuso sexual, na maioria dos casos, ocorre longe da casa da criança ou adolescente”. Após contribuir com inúmeras reflexões, a aluna pesquisadora propõe uma série de práticas educativas que deveriam ser desencadeadas pela educação. Porém, ela aponta que há a necessidade da interação das escolas com a assistência social e a saúde, em uma proposta de planejamento conjunto e intersetorial.
Após a leitura e a reflexão de cada artigo, todos os envolvidos na construção desta edição indicam aos interlocutores da revista uma leitura minuciosa e aprofundada dos textos, considerando a relevância de todos para a educação e a urgência da discussão de alguns temas para transformações na sociedade. Como apontado em outras edições, os educadores e a sociedade em geral estão convidados a dialogar com estes escritos problematizadores e a organizar artigos que provoquem outras inquietações e contribuam para a Educação Integral, considerada no sentido da constituição dos sujeitos e na abrangência do seu alcance em diferentes espaços da sociedade.
09
SUMÁRIO
A PARTICIPAÇÃO DE CRIANÇAS COM CARACTERÍSTICAS DE DESATENÇÃO, IMPULSIVIDADE E HIPERATIVIDADE NAS AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA
- Álvaro José Caselli
23
35
O PAPEL DA ESCOLA FRENTE ÀS CULTURAS INFANTIS: ASPECTOS ÉTNICO-RACIAIS E O ENCONTRO ENTRE FAMÍLIA E ESCOLA
- Edson Fernandes
A ESCRITA AUTORAL COMO INSTRUMENTO DE FORMAÇÃO DO PROFESSOR
- Arlete Mendes Marcatti
43
AS PRÁTICAS ANTIRRACISTAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL
- Thainá Silva Santana
O TRABALHO PEDAGÓGICO NAS ESCOLAS PARA PREVENIR O ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS E DE ADOLESCENTES
- Caroline Alves Batista
Álvaro José Caselli¹
A PARTICIPAÇÃO DE CRIANÇAS COM CARACTERÍSTICAS DE DESATENÇÃO,
IMPULSIVIDADE E HIPERATIVIDADE NAS AULAS
DE EDUCAÇÃO FÍSICA
RESUMO:
O presente estudo objetiva discutir aspectos relacionados à participação de crianças com características de desatenção, impulsividade e hiperatividade nas aulas de Educação Física, a saber: a) A mielinização do sistema nervoso, especialmente do lobo frontal e o grau maduro de produção dos neurotransmissores envolvidos na condução dos estímulos nervosos, se dão no final da primeira infância, o que explica porque crianças em idade pré-escolar podem apresentar um grau normal de desatenção e hiperatividade; b) O TDAH é caracterizado pela disfunção da sustentação da atenção, pela agitação excessiva e auto-regulação de impulsos. Indivíduos portadores do TDAH podem ter uma produção irregular dos neurotransmissores sinápticos, inibindo a função seletiva da atenção, tornando-os suscetíveis às novidades que lhes distraiam a atenção; c) A natureza de diferentes atividades motoras mobiliza a atenção das crianças de forma distinta. Alguns autores indicam, à partir de observações empíricas, que crianças diagnosticadas com TDAH
conseguem focar melhor sua atenção em atividades e esportes individuais do que coletivos; d) Encaminhamentos didáticos indicam que o ambiente, a qualidade das instruções e comandos, a utilização de rotinas, o uso de breves explicações e tarefas motoras, o trabalho em pequenos grupos, entre outras, impactam o processo de inclusão de crianças com características de desatenção e hiperatividade nas aulas de Educação Física escolar.
INTRODUÇÃO:
O presente trabalho visa discutir aspectos relacionados à participação de crianças com características de desatenção, impulsividade e hiperatividade nas aulas de Educação Física. Crianças com este perfil estão cada vez mais presentes na escola, algumas com desenvolvimento neurológico considerado normal, porém possuem as características acima por influência de fatores socioambientais. Outras são portadoras do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), problema que atinge hoje, aproximadamente, 3 a 6% das crianças
1 - Licenciado em Educação Física (USP) e Pedagogia (FAEP), pós-graduado em Educação Física Escolar (FMU) e Neurociência na Educação (UNISA), e Mestre em Educação Física (USP), cursando atualmente a pós em Neuropsicopedagogia (FAEP).
Diretor de Educação Física e Esporte da Escola Internacional St Francis (SP) alvaro.caselli@hotmail.com
em idade escolar, de acordo com estudos nacionais e internacionais (ROHDE, BARBOSA, TRAMONTINA & POLANCZYK, 2000). Essas crianças, muitas vezes, vivem um ambiente escolar repleto de dificuldades de relacionamentos, insatisfação pessoal, instabilidade emocional e comumente apresentam problemas de comportamento e de aprendizagem.
Se, por um lado, nas aulas de Educação Física, crianças com essas características parecem encontrar mais espaço para suas vivências corporais e estreitamento de suas relações sociais, e consequentemente dar maior vazão à suas necessidades de movimento e de relacionamento, por outro lado, possíveis frustrações e fracassos constantes decorrentes da incapacidade dessas crianças de manter o foco de atenção nas atividades e de controlar seus impulsos podem tornar a aula de Educação Física um ambiente mais hostil e resultar em exclusão. Além disso, há ainda o fato de muitos professores não estarem preparados para lidar com esse e outros transtornos de comportamento, o que tem culminado em queixas junto às escolas por parte dos pais dessas crianças (DIAS, 2005).
Cada vez torna-se mais evidente que professores de Educação Física que atuam no ambiente escolar conheçam seus alunos e suas particularidades. No caso deste estudo, com crianças com problemas de desatenção e hiperatividade, sugere-se a investigação dos seguintes temas:
- Desenvolvimento neurológico infantil relacionado aos processos de atenção;
- Características e sintomas do TDAH – Transtorno de Déficit de Atenção – Hiperatividade;
- Como as diferentes atividades motoras mobilizam a atenção das crianças;
- Encaminhamentos didáticos visando à inclusão de crianças com TDAH.
O estudo começa, portanto, discutindo porque as crianças, principalmente em idade de educação infantil, muitas vezes não conseguem controlar sua impulsividade e hiperatividade e muito menos manter sua atenção concentrada numa única atividade por um tempo prolongado.
A investigação segue abordando o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade - TDAH, basicamente causado pelo funcionamento defeituoso dos processos acima identificados relacionados ao sistema de atenção (RATEY, 2001 p.142). O TDAH atinge hoje aproximadamente uma a cada vinte crianças em idade escolar e, portanto, justifica-se compreender as principais características do transtorno.
Além disso, estudos dos processos de atenção e do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade sugerem que a natureza de diferentes atividades motoras mobiliza a atenção das crianças de forma diferente, resultando numa importante questão para professores de Educação Física que utilizam tais atividades em seus programas de ensino.
Este estudo encerra-se com alguns encaminhamentos didáticos visando a melhoria do comportamento e desenvolvimento pedagógico de crianças com TDAH.
Nesse sentido, uma educação inclusiva, resultando do conhecimento dos mecanismos que possam facilitar a participação destas crianças, pode contribuir para a melhora da autoestima dos alunos e de suas relações sociais e consequentemente para a melhoria da qualidade de vida dessas crianças.
REVISÃO DA LITERATURA
A importância da Educação Física no desenvolvimento integral dos alunos é indiscutível.
Almejar esse objetivo educacional passa por uma reflexão crítica da prática pedagógica e pela árdua tarefa de conhecer os alunos com maior profundidade e por consequência identificar meios de dialogar e criar relações que promovam a inclusão, o respeito e a cooperação. Os PCNs (Brasil, 2001 p.29) sugerem que a Educação Física Escolar deve garantir que todos os alunos desenvolvam suas potencialidades, de forma democrática e não seletiva, além de favorecer a autonomia para poderem monitorar as próprias práticas corporais.
Para tal, uma efetiva participação nas aulas de Educação Física de crianças com problemas de atenção e hiperatividade requer uma análise mais profunda de diversos aspectos do desenvolvimento infantil.
Alguns conceitos atualmente mais aceitos na área do desenvolvimento neurológico infantil podem nos ajudar a conhecer as principais características do TDAH - Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade - e a entender porque crianças de idade pré-escolar podem ser naturalmente desatentas e apresentar sinais de hiperatividade.
A primeira análise importante é quanto à mielinização do sistema nervoso. Este, através de seu principal órgão, o cérebro e suas subdivisões, a medula espinhal e o conjunto de nervos aferentes e eferentes encontrados ao longo do corpo humano, compõem uma incrível e complexa rede de controle e manutenção dos diversos sistemas responsáveis pelo funcionamento do corpo humano. As células nervosas, ou neurônios, são compostas por diversos dendritos (área receptora dos estímulos), um corpo celular e um axônio e seus terminais. Este último funciona como um cabo de transmissão dos estímulos nervosos de um neurônio para outro.
Para que esta transmissão seja eficiente e não se dissipe, o organismo humano, ainda no feto e durante os primeiros anos de vida, segue depositando ao longo do axônio, uma substância lipoproteica com formato de pequenos anéis, com a função de revestimento e isolamento (RODRIGUES,1985 p.82; GALLAHUE, 2005 p.202). É a bainha de mielina. Enquanto não há a completa mielinização do sistema nervoso, os impulsos nervosos podem se dissipar parcialmente, provocando sinais de desatenção e hiperatividade e consequente mudança do foco de atenção para outro estímulo presente no ambiente (ROHDE & HALPERN, 2004; Ratey, 2002 p.34)
Gallahue e Ozmun (2005, p.202) enfatizam que o desenvolvimento da mielina ao redor dos neurônios é um processo gradativo que se completa no final do período da primeira infância. Rohde & Halpern (2004) afirmam que o processo de maturação do cérebro segue uma progressão póstero-anterior, onde primeiro há a mielinização dos caminhos responsáveis pela visão, cuja janela de desenvolvimento maturacional abre próximo do momento do nascimento e fecha-se em torno do segundo ano de vida. Finalmente por volta do 4° ou 5° ano de vida a mielinização do lobo frontal, responsável por regular a seletividade dos impulsos nervosos relacionados aos pensamentos e à motricidade, se completa. Portanto, concluem Rohde & Halpern (2004), do ponto de vista neurológico, um certo nível de pura hiperatividade é aceitável em crianças com desenvolvimento normal, até essa idade.
O segundo aspecto do desenvolvimento neurológico que merece ser considerado nesta investigação é o fato dos neurotransmissores, substâncias que regulam a passagem dos impulsos nervosos de um neurônio a outro, através da fenda sináptica, atingirem o grau maduro de produção, quantitativo e qualitativo, também
perto dos 6 anos de idade, o que mais uma vez reforça a afirmação de que crianças em idade pré-escolar podem ter um grau normal de desatenção (ROHDE, BARBOSA,
TRAMONTINA
& POLANCZYK, 2000). A fenda sináptica é o espaço existente entre os neurônios, mais especificamente entre os terminais dos axônios pré-sinápticos e os receptores pós-sinápticos ou dendritos. Os neurotransmissores são moléculas químicas produzidas nos terminais dos axônios que passam às áreas receptoras dos dendritos promovendo a condução regular dos impulsos nervosos.
Esse processo, segundo Gallahue e Ozmun (2005, p.441), caracteriza-se pela alteração de um sinal elétrico para um sinal químico (produção e liberação de neurotransmissores) no momento da sinapse, alterando-se novamente para um sinal elétrico, seguindo assim o impulso através do neurônio. Exemplos de neurotransmissores são a serotonina e a dopamina. Gellatly e Oscar (1999) afirmam que a produção irregular, baixa ou alta, de um neurotransmissor pode levar a uma má função de vários tipos. Na doença de Parkinson, por exemplo, movimentos voluntários se tornam difíceis de serem iniciados e controlados, enquanto movimentos involuntários são repetidamente realizados sem absoluto controle. Isso está associado a baixa produção de dopamina nas sinapses nervosas na área frontal do cérebro. O aumento da produção de dopamina no cérebro melhora essa condição.
Ratey (2002 p.134) afirma que as estruturas do sistema de atenção fazem uso de diversos neurotransmissores, entre eles a serotonina e a noradrenalina, mas dependem muito mais da produção de dopamina. Ele enfatiza que a dopamina é o neurotransmissor que fortalece a prolongada descarga química que permite que os estímulos passem desimpedidamente de um neurônio a outro. Para uma criança man-
ter sua atenção numa determinada tarefa é preciso que a mensagem ou estímulo nervoso seja transmitido através dos neurônios sem interrupções, ou seja, a produção de neurotransmissores nas redes de neurônios envolvidos na realização de tal tarefa deve ser em escala suficiente para que tais mensagens não se percam no meio do caminho.
Ratey (2002 p.134) também sugere que prestar atenção a uma tarefa tem a ver com o “sistema de novidade e recompensa”. Segundo ele, detectar a novidade e buscar recompensa são duas forças primárias que dirigem a seleção de onde concentramos a atenção. O indivíduo percebe um estímulo novo (sistema de novidade), experiência a sensação que este estímulo provoca, atribuindo-lhe um valor emocional (sistema de recompensa) e, em seguida, procura um plano de ação. Crianças portadoras de TDAH são frequentemente impulsivas e mudam o foco de sua atenção com facilidade pois são propensas a dar prioridade às tarefas que lhes trazem recompensa ou satisfação mais imediata.
Essa criança, contudo, é capaz de se concentrar horas em uma atividade que aprecia e na qual é habilidosa (ANTONY E RIBEIRO, 2004).
O sistema de novidade e recompensa relaciona-se à motivação e ao prazer desencadeado pela tarefa (BARKLEY, MURPHY, & BAUERMEISTER 1998).
Segundo esses autores, o interesse se dá por tarefas que têm recompensa ou prazer imediato, tornando-se difícil para algumas crianças se prender à tarefas prolongadas, entediantes, repetitivas etc.
É importante saber que, este sistema de novidade e recompensa atua em conjunto com a ação do lobo frontal no que diz respeito à inibição de estímulos irrelevantes para uma de-
terminada tarefa. Se existe um problema nesta função, a detecção não seletiva de novos estímulos parece não permitir que uma criança mantenha a atenção em uma única tarefa por muito tempo (RATEY, 2002 p.136).
O lobo frontal é a área executiva do cérebro, responsável pelo planejamento e execução de tarefas. Durante a primeira infância a maturação desta área ainda não está completa o que prejudica a capacidade de concentração em crianças, tornando-a naturalmente distraída (BOOTH ET AL., 2003 APUD ANDRADE, 2004). O lobo frontal desempenha um papel fundamental na manutenção da atenção, na medida em que procede ao bloqueio de estímulos irrelevantes. Quando estamos envolvidos em uma tarefa qualquer, normalmente há outros estímulos no ambiente acontecendo simultaneamente, porém o fato de não mudarmos o foco de nossa atenção é explicado neurologicamente como se as redes sinápticas mobilizadas para perceberem os estímulos secundários não estarem tão fortemente ativos como a rede de neurônios que dirige a atenção para a atividade em execução, ou seja os neurônios envolvidos na atividade principal produzem muito mais moléculas de dopamina por exemplo do que a rede de neurônios que estão captando os estímulos não relevantes à atividade em execução (RATEY, 2002 p.137).
Quando uma criança está preparando-se para realizar um rolamento em ginástica, por exemplo, e alguns amigos fazem algum comentário que não chama sua atenção, pode-se dizer que esta criança está concentrada na sua execução ainda que esteja escutando os ruídos ao redor. Uma lesão no lobo frontal ou fatores genéticos relacionados ao TDAH podem inibir essa função seletiva e, consequentemente, tais indivíduos são permanentemente suscetíveis à novidades que lhes distraiam a atenção. É como se não houvesse para eles um estímulo
mais importante do que o outro (RATEY, 2002 p.146). Esse cenário é muito comum em pessoas que sofrem de síndromes de deficiência de recompensa, como o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, por exemplo. Alguns experimentos realizados por Barkley (2004) mostraram que crianças com este transtorno tendem a trocar recompensas maiores por menores desde que estas sejam oferecidas imediatamente. O TDAH, segundo esse autor, caracteriza-se basicamente pela disfunção de 3 áreas de funcionamento: sustentação da atenção, agitação excessiva e auto-regulação de impulsos. Rohde e Halpern (2000) entretanto alertam que os sintomas ligados a essas áreas podem também estar relacionados à fatores socioambientais como relacionamentos inadequados dentro da família, sistemas educacionais inapropriados ou ainda podem estar associados com outros transtornos de comportamento frequentes na infância e adolescência.
Sintomas do TDAH podem estar presentes na Síndrome de Tourette, Epilepsias, transtornos de humor ou ansiedade, transtornos de personalidade, retardo mental, ambiente estressante, problemas familiares, etc. (BALLONE, 2005). Portanto, para que um diagnóstico seja feito com segurança, é preciso contextualizar os sintomas apresentados pelas crianças. Segundo Ballone (2005), a maioria dos sintomas do TDAH está presente na vida da pessoa normalmente desde a infância, portanto, é prudente verificar a idade e a forma como eles aparecem. Por ser um transtorno de natureza crônica, o aparecimento repentino, em algum momento da vida da criança, de dificuldade de atenção/concentração ou hiperatividade pode estar ligado a outros problemas e não ao TDAH.
Para esse autor, para que se considere um TDAH, os sintomas devem se manifestar em
vários ambientes (escola, casa, viagens, etc..). Os sintomas que só aparecem em um ambiente, como, por exemplo, só em casa, só na escola, só quando sai de casa... etc., devem ser investigados com mais cuidado, para se verificar se não são de origem psicológica. A criança com TDAH deve aparentar uma inteligência normal. Trabalhos escolares e testes de inteligências tendem a produzir “falsos positivos” para retardo mental em crianças com TDAH, devido à dependência destas atividades na atenção da criança.
Os médicos e irmãos Goldstein (1996 p.33-36) sugerem a pais e professores que suspeitam de um possível diagnóstico do TDAH, a utilização de um questionário específico para diferentes faixas de idade, pré-escolar, escolar e adolescência (anexo 1). Esta pré-avaliação, entretanto, deve servir simplesmente para verificar características que possam sugerir o encaminhamento de seus filhos e alunos para um diagnóstico feito por profissionais especializados em comportamentos infantis, preferencialmente uma equipe multidisciplinar formada por médicos pediatras, neurologistas, psiquiatras, psicólogos, psicopedagogos, fonoaudiólogos e outros.
De acordo com a quarta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Psiquiátricos (DSM-IV, 1994) o TDAH foi subdividido em três tipos: 1. TDAH predominantemente desatento; 2. TDAH predominantemente Hiperativo-impulsivo; 3. TDAH tipo Combinado (Dias, 2005).
Apesar disso, as características dos portadores do TDAH bem como os critérios para diagnóstico do TDAH são divididas de acordo com os sintomas de desatenção, hiperatividade e impulsividade, conforme mostra o quadro 1 (características) e quadro 2 (critérios de diagnóstico) apresentado por Ballone (2005) de
acordo com a DSM-IV (Manual de diagnóstico e estatística de doenças mentais) 1994.
Quadro 1. Características do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade
1. Dificuldade de atenção e concentração, característica que pode estar presente desde os primeiros anos de vida do paciente.
2. A criança (ou adulto quando for o caso) tende a se mostrar “desligada”, tem dificuldade de se organizar e, muitas vezes, comete erros em suas tarefas devido à desatenção. Estas características tendem a ser mais notadas por pessoas que convivem com o paciente.
4. Esses pacientes costumam perder ou não se lembrar onde colocaram suas coisas.
5. Eles têm dificuldades para seguir regras, normas e instruções que lhe são dadas.
6. Eles têm aversão a tarefas que requerem muita concentração e atenção, como lições de casa e tarefas escolares.
Em cerca de metade dos casos pode ainda apresentar hiperatividade, como movimento incessante de mãos e pés, dificuldade de permanecer sentado ou dentro da sala de aula, fala muito, se mexe muito e tem dificuldade em realizar qualquer tarefa de maneira quieta e recatada. Em alguns casos, pode acontecer também a impulsividade caracterizada pela incapacidade de esperar a sua vez, interrompendo ou cortando outras pessoas durante uma conversa e também pelo impulso de falar as respostas antes que as perguntas sejam terminadas.
Quadro 2. Critérios Diagnósticos para Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade
A. Ou (1) ou (2)
1) seis (ou mais) dos seguintes sintomas de desatenção persistiram por pelo menos 6 meses, em grau mal-adaptativo e inconsistente com o nível de desenvolvimento: Desatenção:
(a) freqüentemente deixa de prestar atenção a detalhes ou comete erros por descuido em atividades escolares, de trabalho ou outras
(b) com frequência tem dificuldades para manter a atenção em tarefas ou atividades lúdicas
(c) com frequência parece não escutar quando lhe dirigem a palavra
(d) com frequência não segue instruções e não termina seus deveres escolares, tarefas domésticas ou deveres profissionais (não devido a comportamento de oposição ou incapacidade de compreender instruções)
(e) com frequência tem dificuldade para organizar tarefas e atividades
(f) com frequência evita, antipatiza ou reluta a envolver-se em tarefas que exijam esforço mental constante (como tarefas escolares ou deveres de casa)
(g) com frequência perde coisas necessárias para tarefas ou atividades (por ex., brinquedos, tarefas escolares, lápis, livros ou outros materiais)
(h) é facilmente distraído por estímulos alheios à tarefa
(i) com frequência apresenta esquecimento em atividades diárias
(2) seis (ou mais) dos seguintes sintomas de hiperatividade persistiram por pelo menos 6 meses, em grau mal-adaptativo e inconsistente com o nível de desenvolvimento:
Hiperatividade:
(a) frequentemente agita as mãos ou os pés ou se remexe na cadeira
(b) frequentemente abandona sua cadeira em sala de aula ou outras situações nas quais se espera que permaneça sentado
(c) frequentemente corre ou escala em demasia, em situações nas quais isto é inapropriado
(em adolescentes e adultos, pode estar limitado a sensações subjetivas de inquietação)
(d) com frequência tem dificuldade para brincar ou se envolver silenciosamente em atividades de lazer
(e) está frequentemente “a mil” ou muitas vezes age como se estivesse “a todo vapor”
(f) frequentemente fala em demasia
Impulsividade:
(g) frequentemente dá respostas precipitadas antes de as perguntas terem sido completadas (h) com frequência tem dificuldade para aguardar sua vez
(i) frequentemente interrompe ou se mete em assuntos de outros (por ex., intromete-se em conversas ou brincadeiras)
B. Alguns sintomas de hiperatividade-impulsividade ou desatenção que causaram prejuízo estavam presentes antes dos 7 anos de idade.
C. Algum prejuízo causado pelos sintomas está presente em dois ou mais contextos (por ex., na escola ou trabalho e em casa).
D. Deve haver claras evidências de prejuízo clinicamente significativo no funcionamento social, acadêmico ou ocupacional.
E. Os sintomas não ocorrem exclusivamente durante o curso de um Transtorno Invasivo do Desenvolvimento, Esquizofrenia ou outro Transtorno Psicótico e não são mais bem explicados por outro transtorno mental (por ex., Transtorno do Humor, Transtorno de Ansiedade, Transtorno Dissociativo ou um Transtorno da Personalidade)”.
Segundo Dias (2005), as crianças portadoras de TDAH tendem a ter sérios problemas de interação social, uma vez que é muito difícil para elas prestarem atenção ao seu interlocutor quando existem muitos estímulos no ambiente ao mesmo tempo. Ela exemplifica que o fato de estarem constantemente pensando, chegam às vezes a passar pelos colegas sem cumprimentá-los, têm dificuldades de compartilhar brinquedos e em muitos casos parecem não se importar muito com o que os outros de-
Além desses conflitos com colegas, a interação familiar também é afetada pelo comportamento inadequado e inabilidade social presentes em crianças com TDAH. Crises com pais e irmãos são muito frequentes no âmbito familiar (BARKLEY, MURPHY E BAUERMEISTER, 1998).
Conhecer as características do TDAH parece ser o primeiro passo para que os professores e a comunidade escolar em geral passe de subjugar para buscar intervenções didáticas que resultem na inclusão dessas crianças nos processos pedagógicos.
Outro aspecto fundamental a ser analisado é o que diversos autores falam sobre como determinadas atividades motoras agem sobre o sistema de atenção, ou ainda, como crianças com problemas de atenção e hiperatividade respondem a diversos tipos de atividade, sejam elas individuais ou em grupo.
Pellegrini (1983) ressalta que o interesse pela atividade e, portanto, a motivação para a realização da mesma é fator de grande influência na qualidade na atenção da criança. O grau de dificuldade da tarefa também influencia na motivação para a execução da mesma. Tarefas muito fáceis tendem a ser desestimulantes e podem gerar rápido desinteresse pelas mesmas. O mesmo pode ocorrer com tarefas muito difíceis na medida em que a criança se torna ciente de sua incapacidade de executá-las com sucesso.
Apesar da importância da variável motivação, este estudo limita-se a discutir como a natureza das atividades motoras interfere na mobilização da atenção das crianças durante suas vivências e para tal seguem algumas ideias extraídas de trabalhos de autores que estuda-
ram os processos de atenção ou que são especialistas no transtorno do déficit de atenção e hiperatividade.
Segundo Pellegrini (1988), a interação do ser humano com o meio ambiente requer muita atenção, como, por exemplo, nas situações vividas por uma criança num ambiente de aprendizagem motora. Num esporte coletivo com bola, por exemplo, um jogador, de posse de bola, deve se locomover no espaço em uma certa velocidade, driblar a bola controladamente não permitindo que um adversário lhe roube a bola, observar as linhas demarcatórias, olhar para seus companheiros e para os adversários a fim de pensar suas ações e de sua equipe, tudo isso simultaneamente. Para ela, atletas treinados e escolhidos para executarem tais tarefas simultâneas que envolvem atenção dividida, o fazem com certa facilidade após muita prática. No entanto, no caso de iniciantes, limites individuais muitas vezes não permitem que alguns alcancem resultados satisfatórios por mais que pratiquem uma determinada ação e, portanto, as diferenças individuais devem ser respeitadas.
Crianças hiperativas têm muita dificuldade de lidar com múltiplos estímulos ambientais, como, por exemplo, nos esportes coletivos. Segundo Antony e Ribeiro (2004), elas respondem às situações com uma prontidão imediata, mais propriamente, impulsivamente, parecendo não selecionar conscientemente a tarefa ou o objeto prioritário de sua ação. A inquietação revela a falta de controle do próprio corpo, indicando uma desarmonia entre o sentir, o pensar e o agir.
Simon e Stern (2002), de certa forma, confirmam essa ideia, quando afirmam que a natação, o tênis e outros esportes em que predomina a atenção focada e há estímulos periféricos limitados são atraentes para crianças com
TDAH. Apesar de muitas vezes elas se interessarem por esportes coletivos, geralmente elas não são bem-sucedidas. Entre os esportes coletivos, crianças com TDAH normalmente se distraem menos em esportes que requerem constante estado de alerta como futebol americano e basquete. No basebol, posições como arremessador e pegador são preferíveis do que as que ficam nas outras bases, onde a atenção vagueia com mais facilidade. As artes marciais em geral, como Taekwondo, oferecem uma válvula de escape emocional apropriada e controlada além de ajudar a focar a atenção e educar a autodisciplina, autocontrole e tolerância. A questão está em priorizar tais metas.
Para Sears (2000), baseado em sua experiência clínica com crianças com TDAH, o esporte constitui-se numa ferramenta que pode tanto ser positiva quanto negativa. Apesar do exercício físico aumentar a produção de dopamina e outros neurotransmissores, esportes coletivos podem ser frustrantes pela dificuldade dessas crianças seguirem instruções e regras. Ele adiciona que os professores e pais devem se preocupar em possibilitar experiências de sucesso e de ganho gradual de autoconfiança. Algumas crianças têm muita dificuldade em lidar com situações de grupo e, portanto, iniciar com esportes individuais pode ser uma saída para o desenvolvimento da autoestima e posterior engajamento em jogos coletivos. O beisebol não é o melhor esporte para crianças com dificuldade de atenção e hiperatividade, porém nesta atividade é preferível que estas crianças joguem em posições de arremessador, batedor e pegador ao invés das posições de guardar bases. Nesta há maior chance deles perderem a concentração e mudarem o foco de atenção para algo mais próximo deles. Estar envolvido em uma ação tende a ajudar a manter a atenção na mesma. Sears (2000) também concorda que as artes marciais ajudam a liberar agressividade, porém, com con-
trole e disciplina. Posicionar os alunos próximos aos instrutores ajuda a manter o foco e o interesse pela atividade.
Em reportagem para o Jornal “The Globe” (2006), a jornalista Monique Walker escreve sobre a revista americana ADDitude Magazine, dedicada às questões relacionadas ao TDAH. Ela cita que a revista desenvolveu uma lista dos esportes mais adaptados às crianças com o transtorno. As conclusões foram baseadas em entrevistas com pais, crianças, professores e técnicos esportivos. Natação, artes marciais e jogos de lutas aparecem entre os melhores, seguidos de atletismo e esgrima. O sucesso no esporte parece ser essencial para o desenvolvimento da autoestima e consequente melhora nos relacionamentos sociais das crianças.
Ratey (2001 p.141), em seu livro “O Cérebro, um guia para seu usuário” cita a importância do neurotransmissor dopamina para os processos de atenção, conforme explicado anteriormente. Ele afirma que quando uma pessoa se confronta com situações novas e desafiadoras, como no caso de esportes radicais como escalada de montanhas, rapel, ciclismo de aventura, etc., essas atividades exigem que o sistema de atenção permaneça alerta por maiores períodos de tempo, forçando uma descarga contínua de dopamina.
Em estudo realizado pelo departamento de Psicologia da Universidade do Estado do Colorado, EUA, foram examinadas as diferenças de comportamento no esporte em meninos com TDAH em relação a não portadores de TDAH. O comportamento no esporte foi medido através de relatório respondido pelos pais. Foi avaliado o tempo de participação, agressividade, reação emocional, frequência de contusões e frequência de desqualificação em jogos coletivos e esportes individuais. Os resultados do estudo mostraram que os meninos com TDAH
apresentaram maiores níveis em todos os aspectos avaliados em relação aos não portadores de TDAH e também ambos os grupos apresentaram maiores níveis de agressividade e contusões em esportes coletivos. (JOHNSON E ROSEN, 2000).
Um trabalho desenvolvido em Santa Catarina (POETA L.S., NETO F.R, 2005), através de um programa de intervenção motora em uma criança com TDAH, mostrou-se positivo na melhora da motricidade fina, do equilíbrio, do esquema corporal e da organização temporal. Os próprios autores, porém, ressaltam que o fato da amostra ser reduzida (apenas uma criança) e de que outros fatores não foram controlados, não se pode afirmar que somente a intervenção motora resultou em melhoras nos aspectos citados. O programa aplicado resumiu-se a atividades individuais de motricidade fina (dobradura, recortes, desenhos, pintura, atividades com canudinhos e cordões); motricidade global (atividades com bola, arcos, cordas, corrida, rolamentos); equilíbrio (caminhar sobre linhas da quadra, sobre cordas, banco, trave, pé-de-lata, amarelinha, e posturas de equilíbrio estático); esquema corporal (jogos de mímica, de profissões, animais, formação de números e letras com o corpo, relaxamento); organização espacial (atividades de guiar com os olhos abertos e vendados, passagem entre cordões, jogos de quebra-cabeça); organização temporal (andar no ritmo, pular corda, brincadeiras cantadas).
Para encerrar o presente trabalho, alguns autores sugerem encaminhamentos didáticos e metodológicos que podem facilitar a participação da criança com características de desatenção e hiperatividade na escola.
A Associação Brasileira do Déficit de Atenção – ABDA – através de seus colaboradores associados sugere certos cuidados que podem provocar melhoras consideráveis no compor-
tamento e desenvolvimento pedagógico de crianças com TDAH:
- Trabalhar com pequenos grupos, sem isolar as crianças hiperativas;
- Dar tarefas curtas ou intercaladas, para que elas possam concluí-las antes de se dispersar;
- Elogiar sempre os resultados;
- Usar jogos e desafios para motivá-los;
- Valorizar a rotina, pois ela deixa a criança mais segura, mantendo sempre o estímulo, através de novidades no material pedagógico;
- Permitir que elas consertem os erros, pedindo desculpas quando ofender algum colega ou animarem a bagunça da classe;
- Repetir individualmente todo comando que for dado ao grupo e fazendo-o de forma breve e usando sentenças claras para entenderem;
- Pedir a elas que repitam o comando para ter certeza de que escutaram e compreenderam o que o professor quer;
- Dar uma função oficial às crianças, como ajudantes do professor; isso faz com que elas melhorem e abram espaços para o relacionamento com os demais colegas;
- Mostrar limites de forma segura e tranquila, sem entrar em atrito;
- Orientar os pais a procurarem um psiquiatra, um neurologista ou um psicólogo.
Goldstein S & M (1996 p.113-115) sugerem uma lista que serve como diretriz para projetar uma sala de aula para uma criança com TDAH. Entre as principais ideias estão:
- O professor deve entender a diferença entre problemas resultantes de incompetência e os de desobediência;
- O professor não emprega o reforço negativo ou a punição com meios para lidar com problemas e motivar as crianças;
- Existe um conjunto claro e consistente de regras e visível para que possam ler ;
- Há uma rotina consistente e previsível;
- O trabalho escolar é compatível com o nível das crianças e o produto é menos importante do que o processo de aprendizagem;
- O professor faz uso de pequenas recompensas sociais e materiais, relevantes e com frequência;
- O professor usa sanções por reciprocidade que permite à criança o entendimento da sanção;
- Número máximo de 20 alunos por professor;
- Frequente comunicação com os pais;
- Instruções são curtas e objetivas;
- O professor deve estar disposto a permitir movimentação dentro da sala de aula;
- Utilização de diferentes dinâmicas que possam manter o interesse.
Winnick (2004) sugere intervenções e estratégias de ensino para professores de educação física para ajudarem crianças com TDAH a manterem a atenção e concentração nas atividades propostas:
- usar uma abordagem de ensino que seja altamente estruturada e consistente, através de rotina e instruções prévias e transições suaves de aprendizagem;
- estabelecer regras, onde as regras devem ser entendidas e aplicadas a todos;
- usar programa de controle de comportamento para ensinar as crianças a sequência, prestar atenção, pensar e agir, a fim de diminuir a hiperatividade e aumentar a concentração;
- expressar claramente todas as expectativas esperadas e as regras de comportamento na atividade aplicada;
- escolher atividades que enfatizem movimentos lentos e controlados, para diminuir a hiperatividade e a impulsividade;
- dar aulas em ambientes tranquilos e menos estimulantes para diminuir a distratibilidade;
- usar a mediação verbal para ensinar as crianças particularmente desorganizadas e distraídas;
- estabelecer objetivos para ajudar os aprendizes desorganizados a se concentrar;
- destacar os comandos relevantes;
- ensinar estimulando mais de um sentido;
- incentivar o planejamento motor;
- mudar a tarefa para inovar;
- revisar previamente as habilidades básicas antes de iniciar as mais avançadas;
- minimizar a utilização de jogos coletivos competitivos, estimular a cooperação através de jogos cooperativos.
CONCLUSÃO:
Crianças desatentas, impulsivas e hiperativas estão cada vez mais presentes na escola e torna-se imprescindível que os professores compreendam suas características e saibam lidar com suas particularidades.
O professor de Educação Física tem sua prática pedagógica baseada em atividades motoras que, nos casos de desatenção e hiperatividade, podem tanto ajudar as crianças a se concentrar e dar vazão às suas necessidades de movimento, como também deixá-las mais confusas e, portanto, mais propícias a perder o foco nas atividades.
A investigação realizada neste trabalho através da revisão de literatura sugere que as atividades ou esportes individuais, com foco em poucos estímulos, parecem mais adequados e, portanto, mais inclusivos, enquanto os jogos coletivos podem dificultar a mobilização da atenção devido a uma multiplicidade de estímulos.
Alguns autores citam alguns esportes cujo nível de risco elevado, como os esportes radicais e artes marciais, eleva a produção de neurotransmissores nas sinapses nervosas, aumentando a capacidade de seleção da atenção e movimentação corporal.
A falta de pesquisas sobre a natureza da atividade motora em relação aos processos de atenção, principalmente com indivíduos portadores de déficit de atenção e hiperatividade,
resulta em afirmações baseadas em observações empíricas, dificultando uma avaliação crítica confiável e, consequentemente, permanecendo incertezas em relação à natureza das atividades a serem utilizadas num programa de Educação Física Escolar. Entretanto, os encaminhamentos didáticos visando a inclusão de crianças hiperativas e desatentas, sugeridos por especialistas em educação, parecem auxiliar os professores a estabelecer uma relação de proximidade com a criança e permitir avanços que favoreçam a participação dessas crianças nas aulas e, consequentemente, possa possibilitar melhora na autoestima, nos relacionamentos interpessoais e nos processos de aprendizagem.
REFERÊNCIAS
ANDRADE, A. ; LUFT C.B. ; ROLIM, M.K.S.B. O desenvolvimento motor, a maturação das áreas corticais e a atenção na aprendizagem motora. http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 10N° 78 - Noviembre de 2004.
ANTONY, S.; RIBEIRO, J.P. Hyperactive child: a gestaltic view. Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, v. 20, n. 2, 2004. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DO DÉFICIT DE ATENÇÃO – ABDA disponível em http://www.tdah.org.br/
BARKLEY, R. A. Attention-Deficit/Hyperactivity Disorder: Nature, Course, Outcomes, and Comorbidity disponível em www.continuingEdCoures.Net - American Psychology Association – 2004.
BARKLEY, R., MURPHY, K. & BAUERMEISTER, J. Trastorno por déficit de atención e hiperatividad. New York: Guilford Press. 1998.
BALLONE G.J. Distúrbio de Déficit de Atenção por Hiperatividade. in. PsiqWeb, Internet, disponível em www.psiqweb.med.br, revisto em 2005.
DIAS, L.M.R Programas de estratégias para professores de crianças desatentas, impulsivas e hiperativas. Dissertação de mestrado em Psicologia – Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2005.
GALLAHUE, D.L.; OZMUN J.C. Compreendendo o desenvolvimento motor – bebês, crianças, adolescentes e adultos. 5ª edição, tradução de Fabio Mazzonetto. São Paulo: Editora Phorte, 2005.
GELLATLY, A.; ZARATE, O. Introducing Mind & Brain. New York: Totem Books USA, 1999.
GIACOMINI, M.C.C. ; GIACOMINI, O. Transtorno do
déficit de atenção/hiperatividade e educação física. http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 11 - N° 99 - Agosto de 2006 .
GOLDSTEIN, S.; GOLDSTEIN, M. Hiperatividade: Como desenvolver a capacidade de atenção da criança. 2ª edição, tradução de Maria Celeste Marcondes. São Paulo: Editora Papirus, 1996.
JOHNSON, R.C.; ROSEN, L.A. Sports behavior in ADHD children. Journal of attention disorders. 11 2000. V.4 p.150-160.
PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS – PCNs 5ª a 8ª série do Ensino Fundamental Educação Física. 1998.
PELLEGRINI, A. M. O desenvolvimento da atenção em crianças: implicações teóricas e práticas. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, São Paulo, v.4, n.2, p.4552, janeiro/1983.
______ Estilos Cognitivos e atenção na execução simultânea de duas tarefas. Tese de livre docência. Universidade Estadual Paulista, 1989.
POETA L.S., NETO F.R. Intervenção motora em uma criança com transtorno do déficit de atenção/hiperatividade (TDAH). http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 10 - N° 89 – Octubre de 2005.
RATEY, J.J. O cérebro: um guia para o usuário. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2001.
RODRIGUES, R Psicanálise e Neurociência: um modelo neurobiológico da personalidade humana. 1ª edição, Porto Alegre, D.C. Luzzatto Editores, 1985.
ROHDE, L. A.; BARBOSA, G.; TRAMONTINA, S.; POLANCZYK, G. Transtorno de déficit de atenção/hiperatividade: atualização diagnóstica e terapêutica. Rev Bras Psiquiatr.v.22 Supl 2:7-11. 2000.
ROHDE, L.A.; HALPERN R. Recent advances on attention deficit/hyperactivity disorder. Jornal de Pediatria – Sociedade Brasileira de Pediatria – V.80 N.2 Rio de Janeiro, 2000.
SIMON, H.; STERN, T.A. What are some behaviour approaches for managing attention-deficit hyperactivity disorder? University of Maryland Medical System Maryland, 2002.
SEARS, W. Choosing sports for children with ADHD. Available in http://www.askdrsears.com/html/10/ t101000.asp
WALKER, M. Children with special needs get kick from summer sports. The Boston Globe - www.boston.com/ news/globe - July, 2006.
WINNICK J.P. Educação Física e Esportes Adaptados. 3ª edição. Tradução de Fernando Augusto Lopes. Barueri: Manole, 2004.
ANEXO 1. QUESTIONÁRIOS PARA PAIS E PROFESSORES (Goldstein, S.& M. 1996 p.113-115)
QUESTIONÁRIO PARA OS PAIS DE CRIANÇAS DE UM ANO ATÉ A IDADE PRÉ-ESCOLAR
Comparado com outra criança, meu filho:
Parece ser movido por um motor.
Está constantemente “indo”.
Sim Não
Sente dificuldade em ficar num único lugar, mesmo por curtos períodos do tempo.
Presta atenção só em coisas muito estimulantes, mesmo assim apenas por curtos períodos de tempo.
Não se adapta bem a mudanças.
Fica facilmente super emotivo.
Grita sempre e muito alto.
É sempre imprevisível no seu comportamento e em rotinas como dormir e comer.___
Parece mais excitável que as outras crianças.
Sempre age sem pensar.
Deixa sempre tarefas, mesmo simples, sem terminar.
Geralmente presta atenção por apenas alguns minutos de cada vez.
Fica facilmente frustrado.
QUESTIONÁRIO PARA OS PAIS DE CRIANÇAS EM IDADE ESCOLAR
Comparado com outra criança, a minha:
Parece mais excitada.
Sempre age sem pensar.
Chora facilmente e com frequência.
Tem dificuldades de controlar emoções.
Não consegue ficar quieta no carro, restaurantes, igreja, etc.
Fica impaciente quando sentada.
Deixa várias tarefas sem terminar
Habitualmente presta atenção durante curtos períodos de tempo
Presta atenção se suficientemente motivada, por exemplo, quando está jogando videogame.
Fica facilmente frustrado.
Age como uma criança de menos idade.
É excessivamente ativa.
Sonha acordada.
Não consegue seguir mais de uma ou duas ordens de cada vez.
É desorganizada.
Perde as coisas necessárias para fazer as tarefas
(por exemplo, a lição de casa).
Sim Não
QUESTIONÁRIO PARA PROFESSORES
Comparado com outras crianças da classe, esta criança:
Não completa seu trabalho.
Não consegue trabalhar sozinho, sem a necessidade de ajuda.
Parece incapaz de seguir uma sequência de instruções com precisão.
Frequentemente fica inquieto, levantando-se e saindo do seu lugar.
Parece incapaz de controlar suas emoções.
Age sem pensar.
Fala muito.
Parece sonhar acordado.
Requer maior dedicação do professor em relação aos problemas escolares, sociais ou emocionais.
Parece desorganizado.
Parece ter capacidade para se sair bem, mas não consegue.
Parece desatento.
Parece se distrair facilmente.
Sim Não
Edson Fernandes¹
RESUMO
ÀS CULTURAS INFANTIS: ASPECTOS ÉTNICO-RACIAIS
E O ENCONTRO ENTRE FAMÍLIA E ESCOLA
Este artigo busca apresentar as múltiplas infâncias da contemporaneidade e as diferentes culturas infantis e sua relação com as questões étnico-raciais, familiares e escolares relacionando-as com o papel do sistema de ensino e com a existência da pluralidade cultural, bem como suas diferenças impactando por vezes em preconceitos e estigmas na sociedade, de modo a interferir no desempenho escolar da criança, como, por exemplo, o tipo de comunicação digital ou uso da internet por determinadas crianças com relação às outras. As crianças possuem experiências diferenciadas em sua infância? O que a contemporaneidade tem proporcionado positivamente e negativamente para a infância? Como as crianças são divididas na mesma sociedade em que convivem? Pode ou não haver interação entre as diferentes camadas sócio-econômicas-culturais na escola pelos estudantes? A pluralidade alcançaria e favoreceria a existência de um sistema de ensino igualitário e equânime para a construção de uma sociedade democrática?
Palavras-Chave: Cultura Infantil; Interculturalidade; Étnico-racial; Família e Escola; Educação Infantil.
INTRODUÇÃO
Encontramos múltiplas infâncias em uma mesma sociedade na era contemporânea. É possível observar as diferenças culturais entre a criança que reside na zona rural e aquela que mora na zona urbana, as desigualdades de classes socioeconômicas das crianças e as diversidades de etnias e raças, a religiosidade que orienta a fé transmitida diferentemente para as crianças e o mercado do consumo infantil de produtos e serviços, as diversas configurações familiares e seus valores adotados, os meios digitais como jogos e aplicativos e a problemática quanto ao debate a respeito do declínio da infância; enfim, temos a oportunidade de olhar para uma sociedade pluricultural, em que o caráter da diversidade e da multiplicidade que caracterizam as várias infâncias e as diferentes concepções sobre as crianças produzem as culturas infantis, e são simultaneamente, produzidas por elas.
A escola possui um papel fundamental em educar para a diversidade de etnias, raças, gênero, em uma sociedade cada vez mais multicultural e plural convivendo com suas diferenças e diversidades. Observa-se também que a família tem uma relação estreita com a escola, 1 - Doutor em Comunicação, Mestre em Educação, Psicopedagogo, Psicanalista e Professor da FAEP.
e que o estudante que frequenta a sala de aula é o mesmo que convive no ambiente familiar, criando um hibridismo cultural entre o sistema educacional e o ambiente familiar e comunitário.
Nesse sentido, poderíamos questionar que: as diversidades socioculturais criariam diferentes infâncias, ou a infância independe das diferenças que as crianças convivem socialmente?
Podemos observar que apesar das leis de acesso à educação para a criança, a proteção e os cuidados dos pequenos e a formatação para uma educação que caracterize uma equidade social, representada no discurso de diversos setores da sociedade e prevista na legislação – apontando que todo o cidadão possui os mesmos direitos à educação -, levam-nos a esbarrar em certos problemas no que tange à formação das crianças, algumas apresentando inúmeras deficiências e outras com a educação incompleta.
Essas disparidades sociais e culturais sem os devidos cuidados para que as diferenças sejam trabalhadas positivamente, podem gerar determinados conflitos, criando preconceitos e afastando crianças, umas das outras, com diferentes etnias, raças e classes socioeconômicas, em virtude da ausência de esclarecimentos e orientações, tornando-se desse modo sinônimo de desigualdade social, podendo, em alguns, casos inibir a potencialidade infantil, interferindo no desempenho escolar; e, muitas vezes, as diferenças culturais estão relacionadas ao tipo de meio de comunicação digital que a criança acessa, ou ao uso das novas tecnologias e pela utilização da internet em seu cotidiano, refletindo no tipo de cultura e formação que a criança terá em seu percurso. A diferença cultural é benéfica quando a diversidade é trabalhada em forma de aprendizado e na troca das experiências existentes no dia-a-dia das crianças, de modo consciente, não
promovendo as discriminações socioculturais, mas conscientizando sobre os problemas dos preconceitos e estigmas.
Nesse sentido, a legislação não consegue abarcar todos os aspectos necessários para a igualdade social, cultural, de proteção e direito das crianças, ainda que possibilite o acesso à educação, para que haja uma maior conscientização de proteção e cuidados durante o período da infância, motivada por uma melhor formação.
Mas, como a escola lida com as diferentes culturas para o acompanhamento e orientação das crianças?
Verificaremos a existência de diferentes culturas, a relação entre escola e família, as diversidades das etnias no sistema educacional e determinadas especificidades que a contemporaneidade traz, criando uma multiplicidade cultural infantil, como sendo um dos desafios para a escola no sistema de ensino no século XXI.
1. O papel da escola frente às culturas infantis
As políticas de universalização da escola apontavam para uma ascensão social e superação das desigualdades sociais, criando oportunidades para as crianças oriundas de famílias que sofriam discriminações e não demonstravam ter possibilidades de crescimento na estratificação social.
Ficou evidente que essa promessa não se cumpriu e o sistema educacional não conseguiu responder aos anseios das famílias, principalmente, as famílias mais carentes economicamente.
E como propiciar uma educação que supra os anseios familiares e instaure uma política de
igualdade social e cultural oferecendo uma educação de qualidade?
Desde o início do século XX, uma boa parte da população aprendeu a ler e escrever movida por uma obrigação social e legislativa, diminuindo a demanda de analfabetismo, pensando também na porta de entrada para o mercado de trabalho e a motivação para a melhoria das condições de vida na sociedade, utilizando não apenas a força muscular, mas o pensamento e as habilidades racionais.
Dessa forma, estudar não se vincula ao prazer individual, mas a uma obrigação social e de chances de melhoria da qualidade de vida; além disso, a escola tornou-se o único sistema de instituição formal que tem o papel de ensinar, desqualificando culturas populares e vivências cotidianas, retirando experiências que não são autorizadas pelo sistema de ensino, consideradas inválidas para a transmissão de conhecimentos, informações e de veiculação de saberes, consolidando o papel da educação formal.
Nesse sentido, a escola acaba fazendo o papel de colonização do saber, em que as crianças pertencem ao mundo industrial e da informação, com o objetivo de preparar os pequenos para atuarem exclusivamente no mercado de trabalho, o que não garante o sucesso de uma boa alfabetização, e tão pouco aprender a ler e escrever não significa conquistar a autonomia do pensamento. “Uma hipótese que podemos levantar é que, em muitos casos, as culturas e as lógicas escolares de socialização são distintas e até opostas às culturas e às lógicas de socialização das famílias e das culturas infantis” (BARBOSA, 2007, P 4).
A realidade e linguagem das famílias e da cultura de socialização da criança não são compatíveis com a linguagem e realidade da escola. As famílias que vivem em condições financeiras precárias, necessitam de respeito e atenção, e não mais serem subjugadas culturalmente. Existem diferenças entre as famílias, mesmo pertencendo às mesmas classes sociais, encontramos algumas que investem mais na educação de seus filhos do que outras; há aquelas que possuem uma estrutura emocional mais equilibrada; enquanto as crenças sociais e religiosas variam entre as realidades construídas pelas diferentes famílias.
Entretanto, parte dessas famílias acredita que a escola é uma possibilidade para melhorar a posição familiar na hierarquia social, ainda que muitos pais não mantenham uma visibilidade rotineira com a escola, não significa necessariamente uma negligência, mas pode significar a vivência do fracasso da experiência anterior, ou o confronto com as lógicas educativas. Todavia, a concepção da importância da escola na vida da criança ainda é defendida pela grande maioria das famílias.
As lógicas socializadoras das famílias, especialmente as das camadas populares, e das escolas são divergentes e muitas vezes contrastantes: para compreender as relações entre as famílias
populares e a escola, é preciso levar em conta o fato de que essas relações colocam em jogo maneiras de estar com as crianças, maneiras de examinar as aprendizagens, maneiras de comunicar, ou, ainda, maneiras de regular os comportamentos juvenis ou infantis. (BARBOSA, 2007, P 12).
As escolas, em sua grande parte, defendem apenas uma forma de ser e de pensar uma única cultura considerada verdadeira: a cultura formal e erudita. Essa desigualdade entre a família e a escola cria uma fissura, dividindo as expectativas, a comunicação, os valores, a linguagem e as diferentes formas de pensar e conviver.
Os docentes são os agentes controladores do tempo e do espaço, ensinam conceitos abstratos e descontextualizados da realidade familiar, além de promover a moralização, que se torna legitimada por leis e órgãos governamentais; por outro lado, s famílias que tem uma lógica muito mais pragmática do que abstrata, socializam as crianças na convivência cotidiana, utilizando o tempo e o espaço de modo completamente diferente da escola, em que a moralização e a socialização estão sujeitas a um conjunto de influências de instituições, crenças religiosas e comunicações da mídia de massa que interferem diretamente na maneira como as famílias atuam sobre as crianças, de certo modo reproduzindo os valores e crenças do Estado e do sistema capitalista.
Alguns autores defendem que as culturas pedagógicas das escolas e das famílias que são divididas em camadas média e alta da população, privilegiam a cultura abstrata e precisam se adaptar à linguagem e ao comportamento determinado pela escola; enquanto as culturas de camadas baixas priorizam a praticidade e aprendem a transformar seu modo de socia-
lização, segundo os pressupostos do sistema regido pelo Estado.
Há outros autores que acreditam existirem elementos que, independentemente da classe socioeconômica, incidem de forma semelhante entre as famílias, por exemplo, as estruturas convencionais familiares não contemplam mais a demanda de informações e o preparo exigido para a formação da criança, e que os grupos familiares não possuem uma cultura homogênea, mas plural, múltipla em seus contornos dentro da própria classe social e as crianças, com as mídias digitais, criam seus próprios repertórios sociais, mesmo que pertençam a classes sociais diferentes, elas estão interconectadas entre si, trocando informações, utilizando a mesma linguagem digital.
Independentemente das diferentes visões dos pesquisadores, passa a ser fundamental que a escola se aproxime da família e possa apreender os modos particulares de socialização existentes das famílias, propondo práticas de inclusão e inter-relação entre as crianças, articulando um processo educacional compartilhado, diminuindo as fronteiras existentes entre a escola e a família e atuando em uma interculturalidade, combatendo as desigualdades sociais.
A escola é o espaço em que as diferentes culturas pessoais, de crianças e adultos, das diversas classes sociais, se encontram, convivem, passam por confrontos e entrelaçamentos culturais, seja ela legitimada ou não, mas caracterizada pela cultura como híbrida, misturando experiências e culturas, retirando qualquer hegemonia cultural ou etnocentrismo de uma determinada cultura, afirmando que a pluralidade e a diversidade de culturas constituem a base da sociedade em sua formação e processo de desenvolvimento.
Nesse sentido, quanto menor for massificada
a cultura na escola, maior será a capacidade e condição da escola desenvolver espaços de troca entre culturas infantis, família, comunidade, contraculturas e renovação cultural, criando possibilidades de aprendizagens diferenciadas nas crianças ao afirmar que nas diferenças criamos condições de intensificar a alteridade, estimulando o gosto pelo outro, pelo novo, estabelecendo novas formas de convívio social, intervindo no mundo por intermédio de sua política, justiça e sensibilidade, estamos promovendo a cultura da diversidade e da pluralidade na sociedade e estabelecendo um sistema de troca das diferenças.
A percepção de qualidade na escola acontece no produto de um trabalho coletivo, participativo e democrático em processo de construção, criando sentido nas diferenças e similaridades encontradas.
A cultura infantil é rica em diversidade e construções, independentemente de sua legitimidade ou não, de seu reconhecimento social ou de sua aceitação; porque quanto menos houver uma padronização na forma de se fazer cultura, maior será a possibilidade de criação de novas culturas e renovações culturais, ao mesmo tempo, ao definir a qualidade da realidade, nos deparamos com uma interpretação dessa realidade, um juízo de valores tecido sobre a realidade, que não necessariamente será satisfatória e viável à convivência, podendo, inclusive, ser nociva aos modos de se viver.
Torna-se fundamental que a escola avalie as formas de troca entre o sistema de ensino e as famílias, perceba as diferentes formações das culturas familiares e a convivência que os alunos possuem na escola, criando canais de comunicação com as famílias, de modo a inseri-las no processo de trabalho desenvolvido pelas escolas.
A lei 10.639/03 que instituiu a obrigatoriedade do ensino dos estudos sobre história da África e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional em 2003, ministrado em todo o âmbito do currículo escolar, pertence às ações afirmativas do governo federal, buscando entre outras medidas elevar ao mesmo patamar de igualdade grupos e pessoas que foram desfavorecidos durante a história, conscientizando que parte dessa população sofre e sofreu a discriminação étnico-racial.
A escola é um espaço multicultural, uma arena de debates com diálogos e movimentos que nascem e se consolidam, ideias que criam a efervescência cultural e apontam ideais e ideologias adotados por grupos sociais. A diversidade cultural está presente na escola, não apenas em posições ideológicas opostas, mas também na formação de raças, etnias, religiosidades, dente outras formas pluriculturais existentes.
Por que a diferença cultural é discutida com tanta ênfase nas instituições escolares? O que corresponde à ideia de diferença cultural para a sociologia e história que podem contribuir para uma educação intercultural? E quais im-
pactos culturais e de convivência a diferença cria no meio social?
A diferença é a singularidade de cada cultura, e é o que nos uni, cria a inter-relação entre diversas tradições culturais, linguagens, símbolos, artes, costumes e hábitos. Se por um lado o mito da democracia racial esconde as discriminações e preconceitos; por outro lado a multiculturalidade é o reconhecimento pela diversidade das culturas e a interculturalidade tornou-se a convivência pela troca entre pessoas de culturas diferentes, estabelecendo um processo relacional na sociedade.
A questão entre culturas diversas é também uma relação de poder em última instância; sendo que, ao longo da história, grupos receberam tratamentos desiguais, de um lado foram oprimidos e de outro lado motivados à luta para conquistar suas reinvindicações, seja no passado marcado pelo domínio desumano ou no presente pelas lutas sociais.
Na outra extremidade do poder, os grupos dominantes submetem os grupos dominados à “cultura de domínio”, tornando-se centralizadores do poder, visando os interesses pessoais, utilizando estratégias para atenuar os conflitos e acomodar as lutas dos grupos organizados. Se a diferença na sociedade é consenso entre vários pesquisadores, a perspectiva liberal que associa às ideias de “tolerância” e de assimilação (assimilar a cultura do outro em detrimento da própria cultura) acaba sendo amplamente rejeitada frente a uma abordagem mais crítica e questionadora das diferenças.
Há pesquisadores que se colocam a favor das ações afirmativas como estratégia compensatória do passado; outros acreditam que são políticas focais e igualitárias, mas não compensatórias e outros assinalam a necessidade de se pensar em políticas universais e locais,
simultaneamente.
Encontramos também autores que defendem o pós-colonialismo, e questionam se a humanidade é realmente representada por traços e características similares comuns a todas as culturas; ou estaríamos reduzindo determinadas culturas as outras, extraindo peculiaridades, extirpando características singulares de certa cultura, não encontrada em nenhuma outra. Há uma imensa variação de concepções e conceitos dos pesquisadores acerca das diferenças culturais.
Tomaz Tadeu Silva aponta a problemática de como os estudos de multiculturalismo lidam com a diversidade. Propõe teorizar e analisar as implicações sobre as concepções de diferença e identidade para o currículo. O pesquisador discute a interdependência existente entre identidade e diferença, compreende que a identidade não é acabada, unificada ou estável, mas está em processo de ser, de passar por uma construção social e individual. Essa relação entre diferença e identidade poderia implicar na estrutura curricular da escola e nas relações de poder e de ideologias praticadas na educação, porque a política pedagógica curricular precisa ser elaborada e entendida como um processo para a produção da cultura das diferenças, encontrando o poder no centro do entendimento dessas diferenças.
O reconhecimento da diversidade cultural é o primeiro passo para sair de uma visão monocultural e mudar o olhar para uma dimensão multicultural.
Stoer e Cortesão referem-se ao “Daltonismo Cultural”, situação em que o professor não se mostra sensível à heterogeneidade do aluno, aos diferentes olhares do educando, reduzindo a riqueza da diversidade aos olhares, cada vez mais homogêneos e padronizados, os alunos
são vistos como idênticos entre si, independentemente das suas diferenças.
Em uma visão mais ampla, não há uma única cultura universal trazida pelos estudantes, mas uma teia de significados diversos, complexas, de múltiplas linguagens.
O professor pode ser orientado para um olhar multicultural e se tornar mais reflexivo diante das diversidades existentes na escola.
Dessa forma, o conhecimento precisa ser reescrito a partir das diferentes raízes étnicas, transcendendo ao olhar eurocêntrico, cristão, masculino, branco e heterossexual.
Para uma prática pedagógica, a “ancoragem social” é entendida como posturas preconceituosas, que acabaram se firmando no currículo nas diferentes disciplinas, tornando-se um perigoso conceito universal (por exemplo, o grupo heterossexual estabeleceu estigmas sobre os grupos homossexuais, ou a raça branca em alguns países relegou a raça negra à condição subalterna frente ao domínio eurocêntrico, e ainda a construção de discursos de supremacia entre culturas e religiões nas diferentes regiões e nações).
É preciso verificar as ideologias dominantes envolvidas, observando o currículo, o conteúdo, as disciplinas, a formação exigida pelos professores para não favorecer uma determinada ideologia em detrimento de outra.
Finalmente, nas práticas pedagógicas, reconhecendo o outro como pessoa e não apenas como cultura em si. O ser humano que faz parte da cultura em que vive, carrega consigo as diferenças culturais, e ele é formado por um mosaico de características que o torna singular a qualquer outro ser humano.
A educação, ao mediar e proporcionar contextos entre pessoas de diferentes culturas, sugere o diálogo entre seus pares no processo de ensino-aprendizagem. Entrementes, torna-se fulcral haver a intenção para a abertura e construção desse diálogo, o que proporcionaria à escola a oportunidade da criação de projetos interculturais, estabelecendo, dessa forma, o contexto de relações educativas.
Porém, há pesquisadores que defendem que é necessário haver mediadores para o diálogo dentro e fora da escola, com o intuito de que as experiências fora da escola sejam vividas pela instituição escolar, enriquecendo o olhar dos agentes educacionais e dos alunos, levando-se em conta a multiplicidade de vivências que as diferentes experiências possam trazer à comunidade escolar e à comunidade externa da escola.
O diálogo é um instrumento de ensino, de democracia da escola e da sociedade, de consensos culturais e cognitivos, de eliminação de barreiras das diferenças, como vemos em Paulo Freire, Alain Touraine e Michel Wieviorka. Burbules, defende que o diálogo pode atuar tanto em um nível individual quanto social, provocando descobertas, compreensão, autonomia, respeito; em suma, despertar o interesse em compreender o outro.
A pesquisadora Elizabeth Ellsworth trabalha, em sua prática, com grupos que possuem afinidades, a partir do que a autora chamou de “pedagogia do impenetrável”. São experiências individuais que não podem ser entendidas ou penetradas em sua totalidade por um grupo, mas existem em um contexto com narrativas parciais de cada indivíduo e com pequenos recortes da realidade; pois, cada indivíduo partilharia no grupo pontos comuns, acrescentando questões de linguagem e representações simbólicas, identificadas e compreendidas por ou-
tros indivíduos do grupo, ainda que os símbolos e a linguagem se diferenciem da formação ou experiência dos demais.
Além disso, as pessoas compartilhariam significados de desejos, preconceitos sofridos e medos, sentimentos reprimidos, dando voz àqueles que foram dominados pelo discurso, redirecionando a narrativa para os indivíduos e grupos dominados.
Nesse sentido, o inconsciente que é tão pouco compreendido em suas experiências, sobretudo, das experiências de dominação e repressão, estaria sujeito a criar na escola profundos problemas entre o currículo e o processo de aprendizagem do aluno.
O inconsciente torna subjacente a realidade, configurando-a impenetrável e criando a distância entre as diferenças, reforçando o discurso de quem cria repressões, tornando a aprendizagem separada de qualquer empatia possível para a troca entre diferentes culturas. A cultura passa a ser um depósito de afetos não resolvidos e a escola um espaço insolúvel de problemas imersos no inconsciente individual e cultural.
Como transformar as diferentes experiências de conhecimentos a serem trabalhados pelo professor?
Ellsworth sugere o diálogo analítico, o que nos levaria à seguinte reflexão: Qual leitura será realizada na situação de dominações e repressões? O mundo é realmente afetado pelo que se lê?
É uma exploração contínua, um processo de mudanças diferentemente do relativismo, o diálogo analítico disponibiliza a investigação, criando significados para as experiências individuais. Experiências que terão consequências
em nossas vidas, a compreensão pelo diálogo faz o ser avançar em sua progressão humana e social.
Assim, o que importa é o processo, a construção, construir entendimentos, ao invés de fechar o entendimento em uma única ideia ou ideologia.
O ensino acerca da diferença cultural está no engajamento comum, na incessante construção da cultura, para que outras diferenças possam ser produzidas. Não há cultura acabada, mas em processo de ser cultura, em processo de construção social.
Há diferentes opiniões dos autores acerca do conceito sobre o diálogo, estratégias pedagógicas em educação e a ideia do conceito de diferença.
Duas grandes linhas do multiculturalismo podem ser destacadas:
1. Aquela voltada às lutas específicas apoiadas em movimentos sociais.
2. Aquela que privilegia o desenvolvimento de propostas e práticas curriculares multiculturalmente orientadas na escola, subsidiando as pesquisas e debates que se desenvolvem na academia.
Não há uma resposta definitiva seja para a diferença, o diálogo ou as práticas curriculares. Há um processo em construção que, ainda inacabado, está sendo pesquisado, levado à pauta da agenda política dos governos, debatido em movimentos e grupos sociais, discutido nas instituições escolares para o aprendizado e a convivência da equidade social entre diferentes culturas, orientação sexual, gênero, raça, religião e classe social.
2. Múltiplas infâncias na contemporaneidade.
Na contemporaneidade as gerações vivem segmentadas em espaços múltiplos segundo sua faixa etária, demarcados por diferentes locais de lazer, e apresentam interesses variados no mundo dividido entre crianças, jovens, adultos e idosos. As regras de conduta são institucionalizadas para diferentes fases da vida e de formas variadas socialmente expressas.
Observa-se uma fragmentação na sociedade entre os atores que nela convivem, ainda que todos sejam oriundos de instituições familiares. Observamos que há uma profunda crise institucional na sociedade contemporânea e assistimos ao descrédito de setores sociais crescerem exponencialmente, como o sistema político, judiciário, legislativo, de saúde, educacional, dentre outros.
Quando olhamos para uma instituição educacional imaginamos que as crianças estão sendo atendidas pelo sistema de ensino, mas se existem crianças dentro das escolas, há também crianças fora da escola em idade escolar. Se há crianças brincando nas ruas, nos deparamos com outras que ainda sofrem exploração do trabalho infantil. Na zona rural, a realidade para a criança é diferente do que vemos na zona urbana, e, mesmo nas cidades bem urbanizadas, encontramos crianças pertencentes às classes sociais altas e bem estruturadas e outras vivendo sem a mínima estrutura de sobrevivência, famílias convivendo com a desigualdade do poder aquisitivo na sociedade, algumas abaixo da linha da pobreza e outras com renda superior à maioria da população. Vemos crianças praticando delitos e sendo detidas pelas autoridades de segurança; enquanto outras crianças são vitimadas pela violência na sociedade, ou mesmo presas em seus próprios quartos ou em edifícios de condomínios fechados, inclusive alguns pais utilizam apli-
cativos digitais para vigiarem seus filhos em tempo real, e alguns desses aplicativos são instalados nas escolas e conectados aos responsáveis para acompanhamento a distância de seus filhos.
As crianças convivem em várias culturas, encontramos famílias que defendem princípios uma diferentemente da outra, escolas que usam métodos de aprendizados específicos, formações religiosas diferentes, diversas experiências vividas nos bairros cercados pela coletividade, contato com o mundo digital, crenças e etnias dissemelhantes, território onde a criança cresceu e se desenvolveu; enfim, essas variações culturais e experiências formam o caráter, valores e contribuem com o desenvolvimento da criança.
Na contemporaneidade, a cultura é uma invenção do cotidiano. É um processo que está em permanente mudança, sofrendo influências, criando hibridização nos novos espaços culturais, misturando as experiências e reelaborando a cultura com elementos materiais e simbólicos.
Exercemos a convivência social e cumprimos atividades comuns no cotidiano, mas a criança cria espaços e brinca, sonha e inventa sua ludicidade, investe no imaginário e nas fantasias, abre-se ao inconsciente, cria laços afetivos e relações sociais.
Entre os séculos XVIII e XIX a infância era tratada nos campos da filosofia e da religião. Foi nos estudos do fim do século XIX e início do século XX, que a pedagogia e a psicologia cunharam a infância a um tipo de padronização do viver.
Nesse aspecto, são criados os parâmetros de “normalidade” para a criança, como ela deveria pensar, como deveria se comportar e aprender e qual resultado que poderia ser esperado dela. A exclusão social da criança acaba sendo incorporada nos padrões escolares.
O autor Eric Plaisange questiona qual lugar a deficiência poderia ter no quadro da sociologia da infância?
O sociólogo analisa a questão da deficiência na história da infância e as evoluções recentes sobre o tema após 1975, bem como a relação dela com outras crianças e com adultos, procurando compreender a alteridade estabelecida com essa criança.
Se, por um lado, criamos a exclusão social, por outro abrimos espaço para a institucionalização da infância pelo Estado, adotamos as reflexões e debates sociais, votamos e aprovamos leis dos direitos humanos e da criança e começamos a entender melhor o funcionamento do universo infantil pelas áreas das ciências humanas.
Em 1981, P. Ariès afirmou que a infância é uma construção social e não uma realidade natural regida pela biologia, mas histórica e socialmente construída, e as crianças são consideradas produtoras de culturas. Culturas essas que nascem da vivência dos mundos naturais e simbólicos, com os quais as crianças interagem e vivem diferentes experiências.
Durante anos a elite da burguesia dominou cul-
turalmente a sociedade e apontou qual tipo de educação deveria se adaptar aos seus interesses; assim, transmitindo o tipo de cultura que seria centralizada na burguesia e ensinada nas escolas, e que as crianças deveriam absorver o conteúdo para então reproduzi-lo, tornando dessa forma o aluno passivo, submisso e mantendo o status quo na sociedade capitalista, e por consequência as exclusões e hierarquias na sociedade seriam criadas para a manutenção do establishment.
Entretanto, se existem diferentes culturas em uma sociedade, as culturas infantis também foram desenvolvidas pelas crianças de famílias e grupos menos favorecidos economicamente, bem como passando pela exclusão do seu modo de existir, gerando dessa forma culturas próprias, convivendo na mesma sociedade com o hibridismo cultural na contemporaneidade.
Na visão de William Corsaro, as crianças fazem a cultura com seus pares locais coletivamente na escola, com idades aproximadas, por intermédio de interações presenciais e se apropriam de informações do mundo adulto, influenciadas pelas diferentes culturas existentes na sociedade das quais fazem parte, convivendo em culturas heterogêneas e abrangentes. Para Corsaro, as crianças são sujeitos ativos dentro do processo de construção e reconstrução cultural.
Para Manoel J. Sarmento, as crianças são atores sociais e tem plena capacidade de produção simbólica e desenvolvem a constituição de suas representações e crenças em sistemas organizados de culturas.
O autor destaca ainda a interatividade entre crianças e entre crianças e adultos, criando um hibridismo na cultura infantil, representando a realidade por elementos simbólicos nos jogos e brincadeiras, levando em consideração que
o universo da criança não é fechado, mas extremamente permeável e que os adultos, para compreenderem o universo infantil em sua construção, precisam escutar as crianças, dar voz aos pequenos.
A ideia de que toda e qualquer socialização implica em se apropriar da cultura e que um sistema de compartilhamento de experiências é criado, foi discutido por Gilles Brougère, em que ele afirma que existe uma apropriação pela criança da brincadeira na atividade lúdica, e que o infante manipula, transforma e nega os sentidos definidos pelos objetos e discursos: “Trata-se de um processo dinâmico de inserção cultural sendo, ao mesmo tempo, imersão em conteúdos preexistentes e apropriação ativa” (BARBOSA, 2014, p. 16: APUD BROUGÈRE, 1997, p. 49).
O autor faz uma relação da importância cultural com as brincadeiras e as relações de socialização que as atividades lúdicas infantis desenvolvem, seja ela solitária ou coletiva criada pela criança, e que a cultura das brincadeiras e dos jogos provocam significados, determinando sentidos e ideias sobre a construção de uma cultura lúdica.
A criança está em contato com as culturas familiares, escolares, midiáticas e tradições de crenças religiosas, ela sofre a influência da sua formação, a maneira como pensa, sente, age e se relaciona com o mundo.
Esse tipo de hibridismo cultural é determinado por uma multiplicidade de experiências e interações diferenciadas com inúmeras culturas, o que significa dizer que a criança não está apenas vinculada ao lúdico ou a brincadeira, mas a um campo mais abrangente, regado por elementos simbólicos, criando espaços de produções culturais infantis e ampliando sua alteridade social e cultural na construção de
sua própria história da infância. Considerações Finais
A cultura infantil é formada por uma pluralidade de culturas, gerando um grande número de experiências na infância. O contato que a escola propicia com as classes socioculturais e econômicas diferentes torna enriquecedor o trabalho educacional com a criança, principalmente as relações mantidas com as diferentes realidades sociais.
Em se tratando de educação infantil, a relação da família com a escola torna-se importante, à medida que se compreende que deve existir uma construção da realidade familiar com a escola, de modo que as diferenças entre a cultura familiar e a cultura escolar sejam debatidas, entendidas e consolidadas em atitudes. Primeiramente, aceitar que há diferenças entre o que a escola ensina e o que a família vive, passa a ser fundamental na formação da criança. Segundo, trabalhar com as dissemelhanças e aproximações culturais enriquecendo o trabalho para o desenvolvimento do estudante. E, finalmente, compreender que as realidades entre as famílias são diferentes, e estão interconectadas entre si.
A diversidade étnico-racial compreendida dentro de leis e inserida no processo educacional transforma a escola em um palco de debates e formações múltiplas para a criança, partindo de realidades diversas, que favorecem a construção de uma sociedade multicultural e intercultural.
A construção para o trabalho de formação infantil cria possibilidades ricas de contato e amplia o campo de conhecimento na escola. O convívio com realidades diferentes de raças, culturas e etnias possibilita uma formação com menor grau de manifestações de preconceitos culturais.
O multiculturalismo, entre outros significados, indica a existência de diversas culturas em uma mesma sociedade com necessidades e interesses políticos, sociais e econômicos diferenciados, caracterizado por choques culturais, marcando sua existência na escola, enquanto “arena de debates”, “arena de conflitos”, “arena de lutas para a igualdade de convivência” e “arena para o direito do aprendizado das diferentes culturas e comportamentos sociais”.
A contemporaneidade, marcada pela luta da inclusão social, e consequentemente do exercício multicultural da escola em sua prática de formação para uma consciência cidadã e de respeito à diferença, aponta que culturas contraditórias familiares e escolares convivem, necessariamente, entre si, e que as desigualdades sociais são debatidas e a luta pela equidade social precisam fazer parte do currículo escolar, visando uma formação infantil pluricultural e intercultural.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ÀRIES, P. História social da criança e da família. Rio de Janeiro. Ltc, 1981. _______. L’enfant et la vie familiale sous l’Ancien Régime. Paris: Seuil, 1973.
BARBOSA, M.C.S. Culturas escolares, culturas de infância e culturas familiares: as socializações e a escolarização no entretecer destas culturas. Educação e Sociedade [online]. 2007, vol.28, n.100, pp.1059-1083. Link http://www.scielo.br/pdf/es/ v28n100/a2028100.pdf.
BARBOSA, M. C. S. Práticas cotidianas na educação infantil. MEC/COEDI, 2009. http://portal.mec. gov.br/dmdocuments/relat_seb_praticas_cotidianas.pdf
Braga, D. (2016). A infância como objeto da história: um balanço historiográfico. Angelus Novus, (10), 15-40, USP. Ver em: file:///C:/Users/ Edson/Downloads/123935-Texto%20do%20ar -
CHALMEL, L. Imagens de crianças e crianças nas imagens: representações da infância iconografia pedagógica nos séculos XVII e XVIII. Educ. Soc., Campinas, vol. 25, n. 86, p. 57-74, abril 2004. Ver em: http://www.scielo.br/pdf/es/v25n86/ v25n86a05.pdf, acesso 21.12.2018.
FANTIN, Monica. Múltiplas faces da infância na contemporaneidade: consumos, práticas e pertencimentos na cultura digital. R. Educ. Públ. Cuiabá, v. 25, n. 59/2, p. 596-617, maio/ago. 2016, Ver em: http://periodicoscientificos.ufmt.br/ojs/ index.php/educacaopublica/article/view/3836, acesso 21.12.2018.
KUHLMANN, M. Histórias da Educação Infantil Brasileira. Revista Brasileira de Educação. http:// www.scielo.br/pdf/rbedu/n14/n14a02.pdf
MAGALHÃES, Maria das Graças S. e BARBOSA, A. A. A concepção de infância na visão de Philippe Ariès e sua relação com as políticas públicas para a infância. Revista Eletrônica de Ciências Sociais, História e Relações Internacionais. v. 1, n. 1, Roraima, UFRR, 2008. Ver em: https://revista.ufrr.br/examapaku/article/view/1456, acesso 21.12.2018.
MARTINS, José de Souza (org.). O massacre dos inocentes: a criança sem infância no Brasil. São Paulo: Hucitec, 1991.
MOREIRA, Antonio Flavio Barbosa. Currículo, diferença cultural e diálogo. Educação & Sociedade. São Paulo, ano 23, n. 79, p. 15-38, ago. 2002.
NASCIMENTO, M. L. P Algumas considerações sobre a infância e as políticas de Educação Infantil. Educação e Linguagem. V. 04 nº 23/24. Dez, 2011. file:///C:/Users/Samsung/Downloads/ 2914-7523-1-PB.pdf.
Nascimento, C., Brancher, V., & Oliveira, V. (2013). A Construção Social do Conceito de Infância: algumas interlocuções históricas e sociológicas. Revista Contexto & Educação, 23(79), 47-63. Ver em: http://coral.ufsm.br/gepeis/wp-content/uploads/2011/08/infancias.pdf, acesso 21.12.2018. SANTOS, Sandro V.S. dos. Sociologia da infância: aproximações entre Willian Cosaro e Florestan Fernandes. Revista Educação em Perspectiva, Viçosa, UFMG, v. 5, n.1 p. 117-139, jan/jun. 2014. Ver em: file:///C:/Users/Edson/Downloads/ 344-1395-1-PB.pdf. Acesso em 21.12.2018.
Arlete Mendes Marcatti
A ESCRITA AUTORAL COMO INSTRUMENTO DE FORMAÇÃO DO PROFESSOR
RESUMO:
O presente artigo versa sobre a falta de apropriação e subutilização da escrita no processo formativo do professor e como isso tem prejudicado a escola, enquanto instituição que depende da validação social para garantir seu prestígio e seu reconhecimento. Pretende também relacionar a prática de escrita autoral como ferramenta para o desenvolvimento do pensamento crítico e autônomo, por defender essa via como meio de valorização da docência. Para tanto se propõe novos posicionamentos entre a relação escrita e formação docente.
Palavras-chave: Escrita. Autoria. Formação. Professor.
INTRODUÇÃO
Se nos atentarmos para a importância da escrita para a humanidade, chegaremos ao consenso de que não haveria possibilidade para o trabalho intelectual sem a existência do registro. Os inúmeros estudos sobre a história da escrita corroboram essa ideia. Além disso, fala-se muito da importância da escrita na “era da informação” e certamente ela nunca esteve tão presente em nosso cotidiano como agora. Os meios tecnológicos, ao contrário do que muitos pensavam, aceleraram esse processo
de aproximação da escrita à vida moderna e trouxeram consigo, além de inúmeras mudanças, outras necessidades de escrita, assim como novos gêneros textuais, que surgiram para atender as demandas das novas práticas sociais.
Contudo, persiste a ideia rançosa, talvez sustentada pelos indicadores de leitura e escrita do país, de que escrever de forma autoral e criativa ainda é para poucas pessoas. Ao demais resta apenas uma relação utilitária, imediata e pouco reflexiva com o mundo da escrita. Com isso muitos se esquivam dessa ferramenta tecnológica ancestral e fazem dela o que muitos fazem, por exemplo, com o computador. Manipulam-no timidamente utilizando apenas parcialmente os infinitos recursos da máquina, por acreditarem que além daquilo, se tornaria algo restrito aos especialistas em Ciência da Computação.
Por meio desse pensamento análogo entre as duas ferramentas tecnológicas: escrita e computador (ONG,1998), podemos intuir que ainda há muito a ser explorado tanto no campo da escrita, assim como no campo da computação. Mas é sobre a primeira que nos debruçaremos, por acreditar que nela há um potencial de representação da reflexão humana que pode ser desenvolvido para fins de autoconhecimento,
autofomação e, sobretudo, para valorização de saberes e identidades.
Seja em qual for o nível de ensino ou disciplina, somos sempre encorajados a registrar a aprendizagem por meio da escrita. Ela se faz presente em todas as etapas do ensino, entretanto parece estar fora do alcance de muitos concluintes, seja do ensino médio ou até mesmo da graduação. Os indicadores de leitura e escrita do país, Instituto Paulo Montenegro e a ONG Ação Educativa, deflagram que somente 25% da população atinge um nível pleno de leitura e escrita. Esses indicativos mostram que temos de percorrer novos caminhos frente ao processo de aquisição da escrita. Não podemos encará-los, de modo algum, como entraves, mas sim como uma necessidade de mudança de paradigmas políticos, sociais e pedagógicos. Escrever é possível para todos aqueles que sabem decifrar o código, e isto é, antes de qualquer coisa, um direito de todos. Ao relacionar as questões da escrita e do letramento aos saberes e habilidades da era digital, Oliveira defende que:
Tornar-se letrado hoje envolve muito mais do que o domínio das habilidades básicas da leitura e escrita, posto que muitas são as linguagens que estão a nossa volta, dentre as quais destacam-se as linguagens das mídias eletrônicas, notadamente o computador e a internet. Face às mudanças cada vez mais aceleradas do mundo contemporâneo, ser letrado não é um estado que se alcança, mas um processo ininterrupto no qual alguém se encontra para adquirir novas aprendizagens. Daí as ideias de novos letramentos e multiletramentos, que trazem em comum a proposta de que a escola se abra para o ensino das múltiplas linguagens que se produziram na era digital e que se encontram disseminadas
em todas as sociedades. Por essa razão, o domínio delas é uma questão de cidadania. (OLIVEIRA, 2008, p. 2)
O que falta a nós educadores que reflete diretamente na relação do aluno com o conhecimento? Falta-nos, então, essa habilidade de sermos “multiletrados” para que possamos desenvolver semelhante “multiletramento” em nosso educando?
Vários estudos que versam sobre a escrita como estratégia privilegiada de formação de professores, como os de Prado e Soligo (2005), Broner (2005), Fugikawa (2005),Tamboril (2005), Proença (2003)¹, entre outros, revelam que há uma relação de resistência à escrita por parte dos professores. Como podemos atingir o domínio de múltiplas linguagens, se ainda tateamos numa tecnologia anterior, muito mais familiar e que permeia todas as demais linguagens?
Segundo Almeida (2006, p. 4) num primeiro momento, as dificuldades são compreensíveis, já que a tarefa de escrever é complexa e exige um esforço por parte do sujeito, que através dela sente-se obrigado a representar sua singularidade e expô-la para o outro. Escrever é revelar aquilo que se sabe e também o que não se sabe, é declarar suas crenças, valores e sentimentos. Bem como o posicionamento do sujeito diante da sua leitura de mundo. A autora nos lembra de que a escrita é um encontro consigo mesmo, pois escrever é também se ver, e, além disso, é poder também ler a si próprio com o afastamento que só a escrita permite entre o “eu” e a sua representação. É promover um movimento de busca interior daquilo que lhe é significativo, de atribuição de sentidos às verdades que possui. Trata-se de um movimento de autocrítica em que o próprio ato de escrever mobiliza o sujeito e sua escrita, que pode sempre ser revisitada, reconstruída.
1 - Estudos divulgados no livro Porque escrever é fazer história: revelações, subversões, superações. Organização: Guilherme do Val Toledo Prado e Rosaura Soligo.
Desde a invenção Iluminista, para nós que somos produto da colonização ocidental do ocidente, teoricamente, o conhecimento construído e perpetuado pelo código escrito pode pertencer a todos, contudo, sabemos que cada época, cada cultura, cada indivíduo estabelece seu próprio processo de significação e de produção do conhecimento, que é, por sua vez, algo único, temporal e instransferível. Justamente por ocorrer de maneira subjetiva e por estar correlacionado a inúmeros fatores, sejam eles históricos, econômicos, culturais, linguísticos ou psíquicos. O fato é que como, na condição de educadores, podemos nos isentar desse processo de produção e significação do conhecimento?
Acreditamos que uma prática docente fundada em práticas de escrita é o caminho para que essa subjetividade seja valorizada e vista como voz de expressão do sujeito-autor, e, por consequência, de uma escola pensante, atuante, modificadora da sua realidade.
Diante do quadro exposto, o presente artigo pretente debater sobre as práticas de escrita utilizadas e se elas são veículo de formação e, sobretudo, observar o que essas práticas podem revelar a respeito da formação do professor como sujeito atuante no ambiente escolar, responsável pela sua formação e pela formação dos alunos.
Para tanto, nos pautaremos na observação de certos ritos de escrita praticados nas escolas da rede pública de ensino em que atuamos como professora dos ensinos fundamental e médio. Propomos, dessa forma, uma reflexão a partir das práticas de escrita costumeiramente realizadas pelos professores, averiguando se elas têm surtido um efeito positivo na aprendizagem do aluno e do professor, ou se têm sido subutilizada. Partindo do ponto de vista que a escrita é o recurso mais imedito para a transformação da prática docente, que pode conduzir o professor ao pensamento crítico, criativo e autônomo, e consequentemente a um pro-
cesso de valorização profissional e pessoal.
A escrita e a “formação continuada de professores”
De acordo com Almeida (op.cit. p.2) as relações dos professores com a língua escrita se inscrevem no entrecruzamento de três âmbitos, nas palavras da autora:
O primeiro (âmbito) constitui-se pelo papel da escrita no seu processo de formação profissional, para o qual o considero fator de organização dos conhecimentos necessários à vivência dos processos de seleção e de tomadas de decisão sobre conhecimentos e práticas, à construção das práticas, sua objetivação e aprimoramento. O segundo refere-se ao comportamento escritor dos professores, o que requer considerar que sua concretização ocorre quando o objeto da escrita é apreendido por eles na constituição de significados que podem ser agregados à sua experiência, permitindo-lhes pensar, ser críticos da situação, relacionar o antes e o depois, tornar-se capazes de engendrar uma reflexão para além do momento em que tais práticas acontecem (BAKHTIN, 2002; BENJAMIN, 1975; KRAMER, 2001). Em terceiro lugar, relaciono a problemática à forma como as questões de escrita e leitura são tratadas em sala de aula, como a dimensão de interação social, constitutiva da linguagem e dos sujeitos.
Na mesma linha teórica da autora entendemos a escrita como atividade constitutiva dos sujeitos, cujo conhecimento e uso adquirem materialidade nas relações discursivas que estes estabelecem entre si, mediante e sobre seu uso. Dessa forma, os signos sociais em que se materializa a comunicação social, no processo de interação verbal, têm papel decisivo na formação humana, são instrumentos de uma mediação que somente pode ocorrer e significar na relação de alteridade, questão que é des-
tacada nos estudos de filosofia da linguagem, especificamente por Bakhtin (2002; 2000).
Pensando nessa dimensão constitutiva da linguagem, num primeiro momento, não podemos negar que de algum modo o professor escreve, ele produz suas provas, seu planejamento, suas atividades, desenvolve projetos, registra diariamente sua rotina escolar, aponta suas atividades de leitura. Entretanto, ainda há um hiato sugerindo que essas práticas de escrita ainda não são suficientes, parecem não refletir diretamente na produção de escrita na sala de aula. Alunos continuam sem a proficiência em leitura e escrita, professores continuam desvalorizados.
As práticas de escrita docente, no âmbito das escolas públicas, sobretudo, ainda estão longe de promover uma formação significativa, de modo geral, estas, se circunscrevem em meio a leituras rápidas, pouco debate, pouca reflexão, ambiente tumultuado, sempre perseguido pela eterna falta de tempo, além da carga horária extenuante de trabalho.
De modo geral, observa-se que as práticas de leitura e escrita estão repletas de automatismos de pensamento e de linguagem, é como se aquilo que o professor lesse e escrevesse não o tocasse, tal qual o ditado “entra por um ouvido e sai pelo outro”. De fato, esse tipo de comportamento é explicado pelos inúmeros modismos e o eterno ir e vir de políticas educacionais, via de regra, nunca levadas à cabo ou nunca levadas com a devida seriedade política que deveriam ter, já que servem apenas para fins de propagandas partidárias.
Os gêneros textuais típicos da docência.
Não nos estenderemos nos inúmeros gêneros orais e escritos que circulam dentro do domínio discursivo da escola, escolhemos, portanto dois dos que consideramos mais representativos: o diário escolar e as atas dos livros de reunião e horário coletivo de formação.
1.O diário escolar
Esse gênero textual é o mais usado como ferramenta de escrita do professor, contudo, por delimitações do próprio suporte, atualmente feito por meio eletrônico, em sistemas de gestão pedagógica, pouco se pode registrar que pode efetivamente se tornar uma escrita voltada para as reflexões acerca das atividades cotidianas da escola. Passou a ter um fundo prático, lógico e imediato, como o lançamento das ausências, a descrição dos conteúdos, e o regristro das notas, já que o professor precisa gerir no mínimo meia dúzia deles em cada escola que trabalha.
Há alguns professores que utilizam as áreas de relato sobre o aluno para registrar alguma ocorrência em sala de aula, nesse momento, em forma de relato surge um observador que narra os fatos visando providências futuras ou buscando como respaldo para algumas tomadas de decisões nas questões de gestão da sala de aula.
Contudo, mesmo o diário recebendo a assinatura do professor pouco há de expressão autoral. De acordo com Almeida (op cit.p.5):
A vivência cotidiana pode situar a prática educativa – e muitas vezes isso ocorre –numa sucessão de atividades fragmentadas, que se esgotam em si próprias, sem significar as vidas dos sujeitos que as vivem, professores e alunos, ou lhes resultar crescimento. Penso que a alternativa de escrever sobre ela pode situá-la como experiência, conceito que, para Benjamin (1975), significa ações que se concretizam pelo caráter de continuidade de que se revestem. A escrita como experiência significativa para o professor é elemento para enriquecer seu trabalho e sua compreensão sobre ele, na perspectiva da humanização. (ALMEIDA, 2006,p.5)
Cremos que há uma importância da análise dos registros para a formação docente. De acordo com Fujikana (2007), esses registros são validados principalmente por serem portadores de histórias e que a partir deles se pode gerar mudanças na prática como: o favorecimento da construção da identidade profissional, a sistematização do trabalho e a organização dos saberes, e além disso, promover o diálogo e a construção de vínculos profissionais, já que a tarefa do educador não pode ser encarada como um trabalho isolado, mas sim uma ação pensada para a coletividade que compõe a diversidade escolar.
2. As atas dos livros de reuniões e horários coletivos de formação
São de modo geral registros sucintos, centrados na figura do professor escriba ou, de acordo com a democrática divisão das atividades de escrita, acaba sendo dividido entre os componentes do grupo, seguindo uma escala, de modo não sobrecarregar apenas um professor com a tarefa. Logo se percebe que se trata de uma tarefa enfadonha, a qual, sem estímulo, os professores tomam para si como mais um encargo dentro dos inúmeros papéis que necessitam desempenhar na escola. Os registros são impessoais: resumos de debates, tomadas de decisões do grupo, relato de algumas atividades, descrições de projetos executados na escola, resumos de textos teóricos da área de Educação. Estes são tecidos de forma espontânea, sem planejamento, não havendo processos de reelaboração ou de reescrita, não revelam uma progressão textual, coerente e coesa, pautada na aprendizagem do grupo. Registra-se apenas, sem a preocupação de fazer daquela escrita algo completo, ou ao menos parte de um todo. Mais uma vez, há um apagamento do sujeito-autor que se coloca distante junto ao processo de representação do pensamento crítico e da construção de novos conhecimentos.
Não se trata aqui de culpabilizar o professor como se fosse ele o único responsável pela reprodução de algo que já está engendrado há muito no tecido cultural e ideológico da instituição escolar.
Até mesmo o espaço e os horários dados à formação são limitados a um percentual de aulas, que não suprem as necessidades de formação contínua.
Essa relação distante com a escrita, talvez venha de longa data, quiçá dos próprios bancos escolares. Como estreitar um laço há muito perdido ou nunca estabelecido? A escrita como tarefa de repetição sacal de saberes, ou ela por si só é tão inútil como qualquer outra ferramenta tecnológica que se disponibilize para o professor. Se ela de fato, não servir para refletir seus desejos, seus pensamentos e visão de mundo torna-se um mero artefato ilustrativo.
Também nos cursos de licenciatura, a relação do estudante com a escrita é puramente burocrática e impessoal. Ele produz resenhas, resumos, artigos, monografia, mas à título de cobrança das próprias disciplinas. Além disso, esses tipos textuais em sua composição exigem certa impessoalidade e são mais rigorosos em sua forma. Em nenhum, ou em poucos momentos é dado o espaço para a expressão de uma escrita mais subjetiva. Exigir que um “eu” actante surja em meio à formatação e o ao achatamento do sujeito é como exigir de uma criança recém-alfabetizada escreva como Machado de Assis.
Se a escola, de certa forma, tira a criatividade da criança numa crescente gradação até seu ingresso na universidade, e esta, por questões epistemológicas, consegue anular qualquer manifestação fora do eixo razão-objetividade, esquecendo-se que para fazer ciência há no mínimo a intuição, que, por sua vez, não deixa de passar pelo crivo da subjetividade. Mas não entreremos no mérito da questão, só basta saber que nas infinitas práticas discursivas que um sujeito diariamente engendra, dificilmente não haverá marcas de subjetividade, pois a linguagem carrega também marcas discursivas próprias do indivíduo.
Muita fala, pouca escrita
O que se observa nas práticas de escrita docente na escola é que o professor ainda não a utiliza como ferramenta de construção de novos saberes, bem como sistematizadora dos saberes já adquiridos, nem como meio de realização de uma prática de ensino voltada à análise e à autorreflexão, muito menos como um meio de expressão de identidades que precisam ser valorizadas e preservadas diante da multiplicidade cultural e ideológica que constituem a escola pública. Santos afirma que:
Ler o cotidiano escolar na liberdade de narrar o que os acontecimentos levam a pensar é, desse modo, um modo de distanciarmos da prática para melhor enxergá-la. [...] é muito difícil sistematizar o trabalho docente ao mesmo tempo em que vamos vivenciando-o, a escrita cumpre um papel de possibilitar essa sistematização. (SANTOS, 2007, p.211)
Diante da grande dificuldade do ensino de leitura e escrita na escola, Kramer (1994) defende como postulação básica para uma mudança significativa desse quadro que o professor também seja um leitor e escritor, segundo a autora para tornar seus alunos e alunas leitores e pessoas que gostem/queiram escrever, os próprios professores precisam estabelecer relações estreitas com a linguagem, experimentando a leitura e a escrita como prática social e cultural. Para reverter esse quadro de estagnação e de automatismos deve haver um despertar desse sujeito para que ele protagonize sua própria história, não somente por meio de tomadas de atitudes e de expressão da fala, mas também que ele assuma seu papel de sujeito actante de forma consciente por meio da escrita. De acordo com Santos:
O eu, que é disperso na atividade significante que o constitui, se constitui como uma unidade de sentido para si mesmo na temporalidade de uma história, de um
relato narrado. Só compreendemos quem é a outra pessoa ao compreendermos as narrativas que ela mesma e outros nos fazem; é como se a identidade de uma pessoa, a forma da vida humana concreta, o sentido de quem é e do que se passa, só se fará sensível um sua história. Se o sentido de quem somos está constituído narrativamente, as histórias que escutamos e que lemos tem um papel muito importante em nossa formação, assim como o funcionamento dessas histórias no interior de práticas sociais, mais ou menos intituídas, como, por exemplo, as práticas pedagógicas.(SANTOS, 2007, p.210)
Santos aponta como exemplo de uma ação de escrita autoral as narrativas de vivências, ao acreditar que quando dividimos nossas experiências através de narrativas, estamos, na verdade, mediando as nossas histórias de vida profissional com as dos outros. E isto constitui um legado de saberes, que sem o devido distanciamento proporcionado pela tarefa de escrever, não podemos alinhavá-lo ao nosso savoir-faire e assim a tomá-lo como parte de nossa prática e de nós mesmos.
De fato, se o que sabemos é o que todo mundo sabe, isto nos vale muito pouco, mas é de extrema valia o que podemos construir a partir dessa base comum. Na verdade, esse tipo de saber torna-se único para cada indivíduo, pois está associado a sua criatividade, a sua capacidade de reflexão e raciocínio e o melhor é que todo esse arsenal de saberes está ao nosso alcance, esperando apenas a ser aprimorado, pois nenhum professor chega ao magistério sem ter consigo um repertório mínimo de leitura e escrita, por mais precário que tenha sido seu processo de formação inicial. O que falta, verdadeiramente, é uma condução adequada dessas habilidades prévias para que sejam desenvolvidas até sua potencialidade máxima. A escola pode e deve criar meios para isso, já que também divide a responsabilidade de formar seu grupo de professores.
Que tipo de escrita conduziria o professor a esse nível de “escrituralização”? Cremos que todas as manifestações de escrita autoral são válidas para se trilhar esse caminho. Diários de leitura, relatos de aulas, poemas, memórias, crônicas, relatórios, enfim, todos os gêneros textuais que se consigam produzir dentro da esfera escolar, aliás, quanto mais gêneros o professor tiver a competência de gerir, mais habilidades liguísticas-discursivas terá. Desde que neles estejam a marca do sujeito que escreve, que sente, que pensa e, portanto, que age.
Outro aspecto relevante é que o professor não tenha vergonha de trazer seus próprios textos para sala de aula, pois é nesse tipo de autoria que o professor precisa se ancorar. Produzir o próprio caminho de instrução, se colocar diante dos problemas, não esperando uma solução externa, mas trazendo a sua própria solução, essas são características profissionais que a escrita autoral pode contribuir a formar.
Considerações finais
Por que a escrita autoral é tão necessária e urgente?
Sair da condição de assujeitado para tornar-se sujeito não é uma tarefa fácil, muito menos indolor. Exige-se muito, tanto do indivíduo, quanto do coletivo. Os pensadores, pesquisadores e fazedores de política pública, deveriam frequentar mais as escolas, que, atualmente, estão mais próximas dos calabouços e prisões do século XVI do que de escolas propriamente ditas. Se fosse possível a um iluminista frequentar a realidade das atuais escolas públicas, com certeza ele lamentaria muito essa visão do futuro. Não há como estimular e desenvolver o pensamento crítico, fazer com que o sujeito autônomo se expresse, porque, infelizmente, não há espaço para essa voz. Ela é sufocada, humilhada e desprezada todos os dias a cada tentativa de chamada da lista de presença.
Não podemos esquecer de que o trabalho docente é por natureza um trabalho intelectual. Desenvolvemos nossas competências e habilidades, de saberes pedagógicos e de conteúdo específico, e pretendemos desenvolver as devidas habilidades e competências em nossos educandos. Contudo, o simples fato de possuirmos um hall de conhecimentos não nos torna plenamente capazes de mudar a relação que nossos alunos estabelecem com a escola, e, por conseguinte, com o conhecimento. Essa relação deve ser estreita também para o grupo de professores, que também deve ter sua identidade claramente constituída para garantir uma estabilidade de ideias, de valores e, sobretudo, de escolhas, já que a identidade se faz não por outra via, senão pelas escolhas.
Dentro dessas escolhas, o professor que deseja ainda sobreviver diante dos inúmeros percalços da sala de aula, deve se atentar a escolha pela mudança. Esta primeira escolha o conduzirá para um caminho sem volta rumo a si próprio. Num primeiro momento ela ocorre de maneira silenciosa e busca assentamento em nossas verdades mais profundas, até que atinja uma tomada de consciência, calcada no esforço diário do estudo, da formação e da troca de ideias, conduzindo o professor a um nível de elaboração mental capaz de transformá-lo de mero consumidor dos bens de cultura a um sábio produtor de bens culturais, plenamente aceito e incluído, visto como ser que contribui para uma verdadeira melhoria social.
Para escrever é necessário coragem. Coragem de acreditar naquilo que sabe. Coragem de modificar as teias invisíveis que sustentam o modus operandi vicioso das instituições. Teias essas que nos enredam e nos desvirtuam da nossa verdadeira missão e, com isso, reproduzem distorções no lugar de formações.
A escola de hoje é insustentável, não há outra saída para suas mesquinharias, além da salvadora destruição, para que assim ressurja das
próprias cinzas. Nesse ressurgir, tal qual a fenix, que ela volte inteira, verdadeira, que não seja o espaço onde os problemas sociais se desembocam, mas seja sim espaço da resolução de conflitos (dos novos ou antigos). O protagonismo necessário para que essa nova escola ressurja está inteiramente nas mãos do professor, isto porque ele é o único em meio a essa engrenagem, desde que devidamente preparado, que pode ser despertado para sua condição de sujeito actante, capaz de dar voz e vez, escrita e história, e ser, assim, capaz de refletir autonomamente e apontar soluções reais para os problemas que todos os dias nos assolam.
Partindo desse princípio, tendo, uma vez, o professor escolhido ser verdadeiramente valorizado e reconhecido não poderá simplesmente aceitar aquilo que é dado como um regalo. Deve, portanto, exigir uma mudança de atitude da sociedade, que só reconhecerá o prestígio do educador quando este tomar para si as rédeas do próprio destino e passar a fazer e a escrever sua própria história, seu próprio saber. Somente através da consciência humana despertada pelo poder da leitura e, sobretudo, da escrita é que podemos sair dessa Idade Média e ascendermos de fato para uma era de Iluminismos.
Temos hoje inúmeros recursos para promovermos esse impacto social. A internet serve de exemplo, mas antes de tudo precisamos nos dar o que é nosso de direito, como formadores de cidadãos que somos, para que consequentemente possamos nos empenhar, articulando todos os nossos saberes construídos e socialmente referendados para o ensino das crianças, dos jovens e dos adultos. De modo que, no futuro, eles tenham plenas condições de reconhecer as situações de escravidão mental e que possam, por si só, promover a mudança libertadora, se inscrevendo e escrevendo também a própria história.
Referência bibliográfica
ALMEIDA, Benedita de. Escrita e Formação de Professores: possibilidades do diálogo para o desenvolvimento profissional. Anped, 29º reunião, GT 8, p. 7, out. 2006. Disponível em:
BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. 9. ed. São Paulo: Hucitec, Annablume, 2002 __________. Estética da criação verbal. 3. ed. São Paulo, Martins Fontes, 2000.
FUJIKAWA, Monica Matie. A escrita como pretexto de reflexão da prática pedagógica e como estratégia de intervenção na formação de professores. In Porque escrever é fazer história: revelações, subversões e superações. Guilherme do Val Toledo Prado, Rosaura Soligo, (organizadores). Campinas, SP: Editora Alinea, 2007, p. 234.
KRAMER, Sonia. A formação do professor como leitor e construtor de conhecimento. In: MOREIRA, Antonio Flávio. Conhecimento educacional e formação do professor. Campinas: Papirus,1994.
SANTOS, Inês Henrique. A experiência da escrita- ou reflexões sobre relatos de formação docente narrados na liberdade da leitura. In Porque escrever é fazer história: revelações, subversões e superações. Guilherme do Val Toledo Prado, Rosaura Soligo, (organizadores). Campinas, SP: Editora Alinea, 2007, p. 203.
OLIVEIRA, Belmira Bueno (et alii). Novas tecnologias e letramento: a leitura e a escrita de professoras. Publicado por: Imprensa da Universidade Coimbra. Disponível em: http://hdl. handle.net/10316.2/4655. Acessado em Fev2013.
ONG, Walter. Oralidade e cultura escrita. São Paulo: Papirus,1998.
AS PRÁTICAS ANTIRRACISTAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL 1
Thainá Silva Santana
RESUMO
Este artigo tem como objetivo apresentar a importância de se aplicar uma educação antirracista desde a Educação Infantil e como essa prática contribui de forma positiva e transformadora para a construção de uma sociedade mais igualitária. Foi desenvolvido por meio de uma pesquisa bibliográfica e documental, realizando estudo e análise do Currículo de Educação Antirracista, publicado pela Secretaria da Educação da Prefeitura Municipal de São Paulo, das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, do texto da autora Eliane Cavalleiro, dos projetos desenvolvidos no CEI “Onadyr Marcondes” e das observações nos estágios. Na primeira parte do trabalho, estudamos a concepção de criança e de Educação Infantil. Na segunda parte, refletimos sobre a importância da convivência com a diversidade para a construção da identidade: a relação com as etnias; na terceira parte, analisamos como organizar um trabalho pedagógico com crianças de Educação Infantil para compreenderem a história africana e afro-brasileira. Ao final da pesquisa, constatamos como são necessários o movimento antirracista e a organização do trabalho pedagógico nas escolas, principal-
mente por meio de projetos, pois verificamos como foi enriquecedora a transformação dos educandos, que construíram a própria identidade e a autoestima, bem como dos educadores, da comunidade e dos familiares.
Palavras-chave: Educação Infantil. Educação Antirracista. Construção da Identidade.
INTRODUÇÃO
O tema do nosso artigo foi pensar na organização de práticas pedagógicas antirracistas na Educação Infantil, com a finalidade de contribuir com as unidades educativas no que se refere a convivências com as diferenças. Escolhemos abordar esta temática, pois aconteceram situações envolvendo racismo relacionadas à nossa família nos espaços escolares. Nos estágios, também observamos atitudes racistas de professores e educadores das escolas.
A partir destas observações, decidimos elaborar o artigo, pois gostaríamos de mostrar a importância do papel do negro para a sociedade, considerando que as crianças têm contato com o racismo desde a Educação Infantil e desenvolver um trabalho que acolha essas crian-
1 - Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à FAEP - Faculdade de Educação Paulistana- em junho/2024 como requisito parcial para a conclusão do curso de Pedagogia, realizado sob orientação das Prof.ª Dra. Rosangela A p. dos Reis Machado e Prof.ª. Ana Maria Gentil.
ças e seus familiares
Para organizar a pesquisa, elaboramos uma questão problematizada: Como organizar práticas antirracistas na Educação Infantil? Elaboramos objetivos para desenvolver o trabalho. O objetivo geral foi: refletir sobre a organização de práticas antirracistas na Educação Infantil destacando a importância da convivência com a diversidade. Os objetivos específicos: a) conceituar criança e Educação Infantil; b) compreender a importância da convivência com a diversidade, para a construção das identidades e da autoestima das crianças, explorando as atitudes existentes nas escolas; c) investigar formas de organização de práticas pedagógicas na escola da infância, com a finalidade de transformar atitudes racistas.
Ao analisar as questões levantadas para a construção do artigo, optamos por uma pesquisa bibliográfica e documental, de cunho exploratório e qualitativo.
Utilizamos legislações relacionadas à Educação Infantil, orientações curriculares para o trabalho com as questões étnico-raciais (2008) e para a construção de um currículo antirracista (2022), da Prefeitura Municipal de São Paulo. Integrado ao estudo dos documentos e legislações, observamos práticas racistas antirracistas nos estágios supervisionados.
Portanto, acreditamos que o nosso trabalho explicitou que a educação tem como fundamento a transformação da consciência, por meio da capacidade do pensar sobre a cultura do outro, podendo assim, formar o entendimento da diversidade e do caminho para a desconstrução do preconceito.
1. CONCEPÇÃO DE CRIANÇA E DE EDUCAÇÃO INFANTIL
Para tratar das questões da inclusão e das relações humanas que implicam na conscientização sobre a exclusão ocasionada pelos preconceitos e discriminações na Educação Infantil, iniciamos definindo a concepção de criança e de educação da pequena infância, para depois traçarmos estratégias para concretizar uma Educação Antirracista.
1.1. Concepção de criança
Acreditamos que a criança é o centro do processo educativo e do planejamento curricular, considerada um sujeito de direitos, para a qual deve ser garantido o acesso às instituições educacionais, que possibilite a interação com outras crianças de diferentes idades, diferentes culturas, identidades e singularidades, etnias, condições socioeconômicas e que vivem em diferentes comunidades, bem como com adultos diferentes da família (Brasil, 2010).
“[...]Nessas condições ela faz amizades, brinca com água ou terra, faz-de-conta, deseja, aprende, observa, conversa, experimenta, questiona, constrói sentidos sobre o mundo e suas identidades pessoal e coletiva, produzindo cultura (Brasil, 2010).
Consideramos que a concepção de criança é sempre uma construção social, histórica e cultural, pois se transformou ao longo da história, de acordo com as formas de compreender o desenvolvimento das pessoas humanas, em determinados momentos era considerada um miniadulto incapaz e uma pessoa incompleta. Essa transformação também dependeu das variáveis, como etnia, classe social e gênero, das quais as crianças fizeram parte. Portanto, podemos dizer que existem várias formas de ser criança (São Paulo, 2014).
De acordo com as pesquisas das ciências da educação e daquelas que a apoiam (Sociologia, Psicologia, Antropologia etc.), a concep-
ção de criança defendida também pelas legislações a considera uma pessoa capaz, que deve ser ouvida e levada a sério, alguém que consegue criar e recriar, apropriar-se e subverter a ordem das coisas, ressignificando a sua história individual e influenciando a social, por meio de experiências diversificadas. Assim:
[...]como pessoa que vê o mundo com seus próprios olhos, levantando hipóteses, construindo relações, teorias e culturas infantis por meio da expressão e da manifestação nas diferentes linguagens e nos diferentes modos de agir, construindo seus saberes e (re)ensinando aos adultos a olhar o mundo com “olhos de criança” (São Paulo, 2014, p.13).
1. 2. Concepção de Educação Infantil
A Educação Infantil é a primeira etapa da Educação Básica, que se concretiza em creches (de 0 a 3 anos) e pré-escolas (de 4 e 5 anos), devendo ser oferecida pelas instituições governamentais desde o nascimento, sendo obrigatória para as famílias e para o Estado, a partir dos 4 anos.
De acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, as propostas pedagógicas para essa faixa etária devem garantir a apropriação e articulação pelas crianças de conhecimentos em diferentes linguagens, sendo que ela tem o direito à proteção, à saúde, ao respeito, à dignidade, às brincadeiras e às interações com outras crianças (Brasil, 2010).
Deve garantir a Educação Integral, envolvendo as diferentes dimensões humanas, o trabalho coletivo, a escuta das crianças e suas famílias, valorizando suas formas de organização. Assegurar as singularidades das crianças, aces-
sibilidade aos espaços, materiais, brinquedos e equipamentos que respeitem as características socioculturais da comunidade.
No artigo oitavo desta lei, os incisos VIII e IX (Brasil, 2010)., indicam:
VIII - a apropriação pelas crianças das contribuições histórico-culturais dos povos indígenas, afrodescendentes, asiáticos, europeus e de outros países da América;
IX - o reconhecimento, a valorização, o respeito e a interação das crianças com as histórias e as culturas africanas, afro-brasileiras, bem como o combate ao racismo e à discriminação
Nesta legislação, são determinados os eixos norteadores da Educação Infantil, que são as interações e as brincadeiras, garantindo experiências sensoriais e expressivas em diferentes linguagens e conhecimentos, abrangendo, principalmente as diversas dimensões da arte, possibilitando a autonomia, a auto-organização e as “vivências éticas e estéticas com crianças e grupos culturais, que alarguem seus padrões de referência e de identidades no diálogo e reconhecimento da diversidade” ( Brasil, 2010).
2. EDUCAÇÃO INFANTIL E A IMPORTÂNCIA DA CONVIVÊNCIA COM A DIVERSIDADE PARA A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE: A RELAÇÃO COM AS ETNIAS.
2.1. Olhar para a diversidade étnico-racial: o que constatamos
De acordo, com as Orientações Curriculares para a Educação Étnico – Racial da Cidade de São Paulo (São Paulo, 2008), torna-se importante pensar sobre alguns exemplos e reflexões de Cavalleiro (Cavalleiro, 2008 apud São Paulo, 2008). Essa autora constata que
há preconceitos e discriminações nas falas e atitudes de crianças e professores desde a Educação Infantil, inclusive nas brincadeiras: as crianças brancas não brincam com crianças negras e com bonecas negras; as professoras não explicitam afetividade para com as crianças negras, da mesma forma que o fazem com as brancas, como exemplo a autora cita a solicitação para as mães de prender o cabelo das meninas negras e não faz o mesmo pedido para as brancas.
Outro exemplo, foi uma professora que sempre pedia para as crianças ficarem no fim da fila, quando se propunha a pentear o cabelo das meninas da classe.
São acontecimentos que podem parecer apenas um detalhe do cotidiano pré-escolar, porém são reveladores de uma prática que pode prejudicar severamente o processo de socialização de crianças negras, imprimindo-lhes estigmas indeléveis (Cavalleiro, 2001, p. 145).
Em outro documento da Cidade de São Paulo, denominado “Educação Antirracista - orientações pedagógicas: povos Afro-brasileiros” (2022), encontramos exemplos de falas racistas explicitas das crianças de Educação Infantil, embora seja de forma “mascarada”. Ele aponta que, em uma votação de crianças para escolher entre os personagens do folclore brasileiro, os únicos não escolhidos foram o Saci e o Negrinho do Pastoreio, sendo que nas justificativas aparecem falas racistas :“Eu não votei neles, porque o saci é preto e o negrinho é preto, eu não gosto de gente preta” e falas aparentemente não preconceituosas, porém que escondem um cunho racista:” ele fuma e isso faz mal, meu avô morreu de fumar”; “não votei porque o saci é bagunceiro, joga sal na cozinha, eu não gosto do saci.”
O documento também aponta que as ilustrações das histórias infantis e aqueles presentes nas exposições escolares não apresentam personagens negras ou afrodescendentes, tanto no “Dia das Mães” como em outras datas comemorativas, pois expõem figuras e fotografias de homens e mulheres brancos e dentro de padrões pouco condizentes com o que as crianças convivem (São Paulo, 2022).
Desta forma, os exemplos que destacamos provocam a nossa reflexão sobre como essas práticas afetam as crianças desde bem pequenas, causando sensação de inferioridade e de desvalorização, constituindo, pela repetição da discriminação, uma baixa autoestima, podendo levar, aos poucos, a reações de imobilidade e passividade frente ao preconceito ou revolta em relação a forma como se é tratado.
Ao mesmo tempo, reconhecemos que as bases da construção da identidade da criança, bem como sua relação com os outros e o mundo que a cerca, dá-se substancialmente durante a infância. A formação da identidade, à autonomia e construção de conhecimentos são conceitos que estão diretamente relacionados à autoestima. Se uma criança não se sente representada em seu meio de convivência nem percebe seus semelhantes representados, se (mesmo implicitamente) é discriminada, se não se sente à vontade para falar de sua religião, por exemplo; se a criança não se reconhece nas histórias, nos brinquedos ou, em caso extremo, rejeita sua origem étnica, que identidade está construindo? Sua autoestima é preservada ou exercitada? Ou será que o silêncio denuncia a exclusão não apenas do presente dessa criança, mas de seus antepassados, de nossa história? (São Paulo, 2008, p.86).
Geralmente, esses assuntos não são tratados na escola e passam despercebidos pelos educadores, não são discutidos em reuniões pedagógicas e, muitas vezes, nem apontados no Projeto Político- Pedagógico, e nem organizam algum projeto para romper com preconceitos e discriminações. O silenciamento sobre o racismo está em diferentes espaços, porém, é obrigação da escola problematizar as falas e ações preconceituosas e discriminatórias.
Acreditamos que seja urgente realizar ações educativas e formação dos docentes e não-docentes que trabalham na escola. Desta forma, propomos, como apontado no documento do Município de São Paulo pesquisado (2008), que a Lei 10.639/03 seja colocada em prática pelas instituições de Educação Infantil e respeitada pelos educadores da infância, organizando um trabalho educativo de acordo com as idades das crianças. Dessa forma, concretizamos uma educação inclusiva e democrática, que assegura o exercício da cidadania.
Portanto, a educação infantil, ao considerar criança como sujeito de direitos, implica que os educadores devem valorizar a sua cultura, que é expressa em suas falas, costumes, atitudes e produções infantis. Assim, esses devem escutar as falas e observar as manifestações cotidianas das crianças: nas brincadeiras, no faz-de-conta e no diálogo com outras crianças, para desenvolver projetos que rompam com o preconceito e a discriminação.
Além disso, a escola deve promover discussões sobre o tema e ações que contribuam para o processo de “ação afirmativa”, que valorize a autoestima infantil e o reconhecimento dos vários povos na constituição da identidade brasileira. Dessa forma, os objetivos da ação educativa devem ser traçados inspirados nos apontados a seguir:
•. Organizar os espaços educativos contemplando a diversidade étnica e cultural do contexto em apreço.
• Objetivar, nos espaços educativos, a distribuição igualitária de atenção e afeto a todas as crianças.
• Apresentar materiais e brinquedos que remetam à ancestralidade africana e à compreensão dos signos e significados da população negra.
• Evidenciar a contribuição de ascendência africana (e outras), por meio de contos, cantos, danças, trajes, alimentos e demais manifestações do repertório cultural presentes no cotidiano.
• Valorizar a oralidade como instrumento de transmissão de conhecimento.
• Acolher a diversidade material e cultural das crianças, atentando ao combate dos preconceitos raciais e outros.
• Conhecer e valorizar a origem e histórico de cada indivíduo dentro do grupo.
• Envolver famílias e comunidade nos projetos da instituição e seus registros.
• Superar a dicotomia educar/cuidar, desmistificando preconceitos que se originam da comparação entre essas ações.
• Considerar as diversas tradições culturais como essenciais ao processo educativo, independente da etnia e condição social em que se originam, buscando romper com os preconceitos já instituídos e buscando formas de construir atitudes de respeito e de solidariedade.
•. Garantir a formação de vínculos que conduzam a uma postura ética e de valorização da vida, respeitando tanto os humanos como os demais seres vivos (São Paulo, 2008, p.89)
Destacamos que trabalhar com uma educação antirracista, pode possibilitar que ao abordar as diferenças, elas podem reconhecer que a diversidade étnico-racial e cultural, pode resultar em algo positivo e enriquecedor, contribuindo
para a ampliação das capacidades humanas e construção da identidade.
3. COMO ORGANIZAR UM TRABALHO PEDAGÓGICO COM CRIANÇAS DE EDUCAÇÃO INFANTIL COMPREENDEREM A HISTÓRIA AFRICANA E AFRO-BRASILEIRA
No planejamento da Educação Infantil, os professores devem considerar várias questões sobre a representatividade. É preciso fazer vários questionamentos para organizar as propostas e projetos (inspirado em São Paulo, 2022):
a) Todas as crianças estão se sentindo incluídas de fato no ambiente escolar?
b) Os livros que estamos trabalhando representam essas crianças?
c) Existem bonecas e bonecos negros na escola?
d) Eles conhecem a existência de super-heróis negros?
e) Eles conhecem a existência de príncipes e princesas negros?
Essa representatividade é de extrema importância no ambiente escolar, para a construção da identidade da criança e para a valorização da sua autoestima. Vale lembrar, entretanto, que as respostas afirmativas para essas questões não garantem que as práticas pedagógicas sejam de fato antirracistas. É de suma importância que o Projeto Político- pedagógico esteja completamente comprometido com as práticas antirracistas. Assim como todos os espaços da escola (salas, quadras, banheiros, parque) e atividades cotidianas neles realizadas estejam em concordância com objetivos e propostas vivenciados no currículo escolar e, principalmente, que os profissionais da escola como docentes e não docentes tenham o conhecimento das questões raciais e sai-
bam conduzir possíveis situações preconceituosas (São Paulo, 2022).
Além disso, precisamos prestar atenção em falas e comentários aparentemente antirracistas, porém que escondem preconceitos por trás delas. Falas como: “Seu cabelo (crespo” fica mais bonito preso, ela é negra, mas é bonita, essa menina vai ficar linda quando crescer.” (São Paulo, 2022, p.197). Essas entre outras pérolas racistas são jargões do racismo estrutural, que reforçam para a criança negra o quanto são consideradas inferiores, assim como suas características físicas e o seu corpo. Além disso, para a menina negra (como na terceira fala), há a hipersexualização dos seus corpos, como acontece há centenas de anos com a mulher negra.
Será necessário, então, reverter a ideia que indica algo negativo sobre a imagem dessa criança e construir uma narrativa que contribua de forma positiva para a construção da autoimagem. Portanto, devemos substituir essas frases por: “Seu cabelo crespo é tão bonito”, “Você é uma negra linda”, “A cor da sua pele é linda.”
Destacamos duas músicas que devem fazer parte da rotina das escolas: “Respeitem meus cabelos brancos, se eu quero pixaim, deixa e se eu quero enrolar deixa, deixa, deixa madeixa balançar (música de Chico Cesar) e “Mais a verdade é que você, povo brasileiro, tem sangue crioulo e tem cabelo duro, sarará crioulo” (música de Sandra de Sá)
3.1 Alguns relatos de trabalhos que romperam com preconceitos:
O primeiro relato expresso no documento: Currículo Antirracista da Cidade de São Paulo (São Paulo,2022) é de um aluno do Ensino Médio que reconheceu que não deveria mais alisar seu cabelo, pois com o projeto de leitura de autoria feminina negra na escola, que explicitava histórias de mulheres escritoras, ele se viu representado
como homem negro.
O segundo relato, refere-se a uma professora que desenvolve um projeto “Memórias Africanas”, composto de narrativas de mitos Yorubá, trazendo personagens que são divindades nas religiões de matriz africana em uma escola pública de Ensino Fundamental. O objetivo foi o cumprimento da Lei nº 10.639/2003 em sala de aula, destacando, neste caso, o campo da religiosidade do povo africano e afro-brasileiro, mas enfatizando também as contribuições culturais do povo africano para a sociedade brasileira. Embora tenham ocorrido manifestações preconceituosas e racistas no início, aos poucos os alunos compreenderam a importância de conhecer outras narrativas da história brasileira e o princípio democrático de uma escola, com propostas antirracistas, que valorize e respeite crenças e valores diversos (São Paulo, 2022).
O terceiro relato refere-se a um trabalho na Educação Infantil que, priorizando o desenvolvimento integral e psicossocial da criança, buscou trabalhar a identidade humana. Dessa forma, uma professora desse segmento passou a propor um trabalho com o básico da capoeira em sala de aula, com a finalidade de ressignificar a identidade das crianças negras, afrodescendentes e pardas. Ela realizou conversas temáticas, treino de capoeira e uso de instrumentos. Utilizou filmes e vídeos, envolvendo a cultura e a musicalidade capoeirista. Em 2011, “com uma turma de crianças de 4 anos percebi que elas não queriam dar as mãos para uma aluna negra, que estava sempre sendo excluída”. Com a atuação dela na roda de capoeira, a sua companhia passou a ser disputada no grupo e nas brincadeiras. Percebi que a capoeira pode ser uma aliada na resolução de questões profundas e emergentes relacionadas ao preconceito e a discriminação, sendo que ela atende “os pedidos e as demandas da Lei nº
10.639/03” (São Paulo, 2022, p.182).
3.2. O trabalho antirracista com interações e brincadeiras na Educação Infantil
As brincadeiras são atividades fundamentais na Educação Infantil, pois as crianças dessa faixa-etária aprendem e desenvolvem as suas capacidades humanas brincando.
Dessa forma, quando o educador trabalhar com as brincadeiras, na perspectiva da diversidade humana, que ele traga a origem delas
Quando a escolha da(o) educadora(or) for trazer brincadeiras ou vivências de algum país da África (por exemplo), é necessário evitar generalizações e tratar de maneira singular os saberes e fazeres dos povos que vivem em um dos 54 países que compõem o Continente Africano. Assim, ao propor alguma “brincadeira africana”, é interessante nomear o país e apresentar os contextos em que se brinca. A falta desse rigor ajuda a perpetuar a ideia da África como país, por exemplo, ou mesmo reforçar as designações do tipo cultura “africana” ou dos “povos indígenas”, tratando essas culturas como homogêneas. Restaurar essas singularidades é condição para que as culturas sejam compreendidas como diversas e complexas. Da mesma forma, isso vale para expressões individuais, nomear autores(as), artistas, pensadores(as) é uma prática que, além de respeitar a propriedade intelectual, é uma oportunidade para a criação de repertórios e referências nas diferentes áreas (São Paulo, 2022, p.).
Além disso, nas interações, devem estar presentes práticas antirracistas, envolvendo o respeito nos diálogos, nos olhares e nas ações de cuidado e educação dos bebês: trocas de
roupa, sono e alimentação. Devemos estar atentos ao tom de voz e à forma de receber e entregar as crianças aos responsáveis (São Paulo, 2022).
Destacamos a fala de uma professora que perguntou: “Mas e se eu não tiver bebês ou crianças negras. Devo trabalhar com esse tema?” A resposta para ela é “Sim”, pois o racismo estrutural é algo internalizado e provoca ideias e ações excludentes. Assim, as ações antirracistas devem estar presentes no dia a dia das crianças de forma natural no seu cotidiano, não apenas em datas e dias determinados e que se torne cultural a valorização da diversidade (São Paulo, 2022).
Apontamos a necessidade de trabalhar com as crianças, as famílias e a comunidade que temos uma ancestralidade africana, por meio de narrativas, sons, sabores, roupas (tecidos específicos), na perspectiva da construção do respeito às diferentes crenças religiosas. Em uma escola pública da cidade de São Paulo, um educador descobriu que uma criança frequentava um “Terreiro”, pois tendo disponível um instrumento de percussão – um tambor, algumas crianças demonstraram que já havia utilizado este objeto (São Paulo, 2022), explicitando a importância de ações que tragam esses instrumentos..
Nos estágios supervisionados, observamos algumas falas racistas de professores para alunos bolivianos e negros, tais como: “ a sua mãe trabalha de dia e de noite e não tem condições de comprar o seu material”; “você é um menino negro e refugiado e saiu do país para tomar o nosso trabalho. ”
3.3. Projetos envolvendo as questões étnico-raciais na Educação Infantil
a) Projeto sobre intolerância religiosa
A intolerância religiosa é uma pauta normalmente ignorada quando se trabalha a valorização da cultura africana, mesmo sabendo que as religiões de matriz africana são as que mais sofrem preconceito e discriminação. Este é um assunto muito delicado nas escolas, porém precisa ser abordado desde a Educação Infantil. Ser tolerante é uma característica essencial em vários aspectos das nossas vidas. Necessitamos ser ensinados a tolerar e aceitar o que é diferente de nós de forma respeitosa, em especial aquilo que toca em nossos valores e dogmas.
O projeto trata do trabalho de uma professora de Educação Infantil, que organizou uma proposta que tinha como foco uma canção criada por ela “ Não vemos diferença”. Ela apresentou o máximo de características da maior parte das religiões presentes no Brasil, utilizou o verbo “religare” e trabalhou com as crianças o que essas religiões tinham em comum, sem falar sobre as doutrinas.
As crianças compreenderam, no diálogo com a professora, o que todas as religiões tinham em comum: respeito ao próximo, o amor e a caridade. Depois dessas ações, ela ornamentou a sala com palavras de tolerância.
b) Projeto desenvolvido, inicialmente com trabalhadores da educação docentes e não-docentes no CEI, pelos gestores escolares: “Trabalhando a Igualdade Racial com bebês e crianças pequenas: uma proposta metodológica”:
A proposta metodológica atrelada ao projeto da escola, pretendeu a formação permanente dos educadores. Inicialmente, a unidade educativa buscou realizar uma discussão crítica sobre as ideias que apresentavam sobre o continente africano, a sua história e cultura, demonstrando preconceitos, racismo e discri-
minação. Foram realizadas leituras de imagem com diferentes cenários e diálogos sobre as questões: Que lugar é esse? Quando eu penso em África eu penso em que? A partir das respostas, foram feitas problematizações para desmistificar estereótipos e trabalhar conteúdos para a construção de novos conhecimentos sobre a África e temáticas relacionadas. Essas questões foram trabalhadas na escola de forma permanente, suscitando novas pesquisas e projetos. O processo formativo possibilitou a superação de visões preconceituosas; aprofundamento de pesquisa sobre a história e a cultura africanas; atitudes de escuta e intervenção de situações preconceituosas e discriminatórias; construção de prática na escola que promoveram a igualdade racial, a autoestima e o autoconceito de identidades e pertencimento; desafio de romper com o currículo branco eurocêntrico e cristão.
c) Projeto - CEI - Traçando e Trançando Laços de Igualdade: Beleza não se põe mesa? Desconstruindo estereótipos e promovendo a Igualdade Racial com bebês e crianças pequenininhas (Lima e Durazzo, 2012).
De acordo com a concepção de criança, que tem seus desejos, teorias, ideias e hipóteses, que é protagonista e faz escolhas, foi desenvolvido um projeto a partir da escuta das crianças que revelou um contexto de desigualdades, permeado pela desvalorização das diferenças. O CEI organizou um Projeto, vinculado ao Projeto Político Pedagógico, sendo discutido e aprovado no Conselho do CEI.
Foram analisadas algumas falas das crianças, que não nascem preconceituosas, porém algumas vivências sociais em que a discriminação está presente, pode constituir ideias e atitudes reveladoras de processos discriminatórios. Falas como “Quando eu crescer eu quero ser branca”. Essa é uma das falas que escuta-
ram das crianças, citada por uma menina de 3 anos. Dessa forma, a proposta da escola foi realizar um projeto que criasse condições para que esse desejo de “ser branca”, fosse revertido, possibilitando como afirma Munanga (2009 apud Lima e Durazzo, 2012) “a identidade passa pela geografia do corpo e marca as diferenças. ”
Assim, os objetivos da proposta foram: a) construir uma identidade que considerasse as diferenças, valorizando a estética e a cultura Negra; b) construir práticas educativas que, de forma permanente, trabalhassem a cultura africana; c) construir intervenções de enfrentamento das manifestações de preconceito e discriminação, que se apresentavam no contexto escolar e social.
Os caminhos percorridos para atingir os objetivos traçados no projeto foram:
1. Trabalho com a literatura infantil: foram selecionadas histórias que valorizassem a cultura negra e a história africana: Bruna e a Galinha D’Angola, Princesas Negras, Menina bonita do Laço de fita, Chuva de manga, Ana e Ana, Tanto- Tanto entre outras, que possibilitaram a criação de contextos educativos com as crianças.
2. No diálogo com as crianças, o grupo de professores percebeu a presença de preconceito e discriminação. Foram realizadas ações para compreender os “porquês” das ideias das crianças e planejadas práticas educativas que desconstruíssem, principalmente, o padrão de beleza dominante
3. Construção de brinquedos com imagens de pessoas afrodescendentes e crianças do grupo. Com essas imagens foram feitos móbiles, pendurados pela sala, servindo para as brincadeiras.
4. Para valorizar as diferentes belezas, foi organizado o “dia da beleza para todos”, no qual promoveram brincadeiras de pentear e enfeitar
cabelos de todos os tipos. As crianças colocaram laços, fitas, tranças e gel para modelar. Essa vivência provocou brincadeiras no espelho, valorização das imagens, sentimento de pertencimento e mudanças nas formas de se referir às crianças negras. Após essas ações, as crianças produziram um autorretrato.
5. Outras ações: trabalho com poesia, teatro, filmes, culinária da cultura africana, roda de samba, produção de bonecos e organização de brincadeiras que valorizassem as diferenças (bonecas brancas, negras e orientais, utilização de tecidos de Chita).
6. A expressão a favor da igualdade racial ultrapassou os muros do CEI: as crianças saíram para um ato social e político, carregando faixas, bandeiras, cantando e tocando com instrumentos musicais. As palavras de ordem escritas nos materiais eram - “Não ao preconceito e a discriminação” e “Bonito é ser diferente”.
Após a trajetória do projeto, as crianças revelaram mudanças nas falas e nas posturas, passaram a brincar com bonecas negras nas brincadeiras simbólicas. Passaram a valorizar a África, pois conheceram um continente rico e bonito, repleto de heróis, príncipes e princesas, valorizando a estética, a cultura e a história africana. Os desenhos produzidos pelas crianças também revelaram a positividade ao olharem para os seus traços e dos colegas, desenhando e pintando cabelos encaracolados, trançados e sua cor de pele. As crianças passaram também a argumentar e questionar diante de uma atitude de discriminação, como foi relatado por uma mãe que, “ao final de um ano de trabalho com a temática, quando a filha de 3 anos ao ser chamada de “Neguinha”, pelo condutor do transporte escolar, respondeu: -Eu não sou neguinha. O meu nome é Shirley” Destacamos a importância do trabalho feito com profissionais docentes e não-docentes da escola e com a comunidade, que possibilitaram uma mudança significativa no que se re-
fere ao olhar para o continente Africano e sua cultura. A formação rompeu com estereótipos e possibilitou a construção de conhecimentos, construindo ferramentas para todos enfrentarem preconceito e discriminação.
Essa transformação observada pelos grupos que organizaram os projetos, alimentou a continuidade de um caminho que busca um contexto social no qual a igualdade seja verdadeiramente um direito de todos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao final deste artigo, consideramos que nossos objetivos foram atingidos, pois compreendemos que as ações intencionais para romper com o preconceito e a discriminação podem transformar o olhar das crianças sobre si e sobre o outro.
Nas primeiras pesquisas, buscamos conceituar criança e Educação Infantil e compreendemos que a criança é o centro do processo educativo, que ela é um sujeito de direitos e que esses devem ser garantidos. Estudamos que a criança deve ter acesso à diferentes culturas, pessoas de diversas idades, condições socioeconômicas, identidades e singularidades.
Logo, após a primeira pesquisa e fundamentada nela, buscamos aprofundar a necessidade da convivência da criança de Educação Infantil com a diversidade, considerando as atitudes racistas existentes nas escolas. Percebemos a importância de discutir esses comportamentos com os educadores, sendo que todos os profissionais docentes e não docentes devem participar de formações para estarem preparados para lidar com situações de preconceito e discriminação.
Finalmente, tratamos de exemplificar práticas educativas antirracistas, especialmente em
forma de projetos, que trataram da intolerância religiosa, do trabalho de gestores escolares sobre a importância de dialogar sobre a igualdade racial e da construção de uma identidade positiva de crianças negras, valorizando as características físicas, da cultura e da história dos africanos e afrodescendentes.
Portanto, a nossa pesquisa foi bastante valorosa, contribuindo com a nossa formação e abrindo possibilidades para outras pessoas refletirem sobre as práticas racistas ainda existentes nas escolas, provocando a necessidade de organizarem ações conscientizadoras para romper com a discriminação e o preconceito. Entretanto, sugerimos que sejam feitas mais pesquisas sobre o tema, principalmente, problematizando as práticas existentes.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Diretrizes curriculares nacionais para a educação infantil / Secretaria de Educação Básica. – Brasília: MEC, SEB,2010. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/diretrizescurriculares_2012.pdf.
Acesso em 4 de abril, de 2024.
CAVALLEIRO. Eliane. Educação Antirracista: compromisso indispensável para um mundo melhor. In.: Racismo e Antirracismo na Educação: repensando nossa escola. São Paulo: Selo Negro, 2001.
LIMA, Jacilene Ferreira e DURAZZO, Valéria Bianco. Traçando e Trançando Laços de Igualdade: Beleza não se põe mesa? Desconstruindo estereótipos e promovendo a Igualdade Racial com bebês e crianças pequenininhas. Projeto apresentado no VI COPEDI - Congresso Paulista de Educação Infantil e II Congresso Internacional de Educação Infantil, 2012.
SÃO PAULO (SP). Secretaria Municipal de Educação. Diretoria de Orientação Técnica. Orientação Normativa nº 1. Avaliação na Educação Infantil: aprimorando os olhares. São Paulo: SME/DOT, 2014.
SÃO PAULO (SP). Secretaria Municipal de Educação. Diretoria de Orientação Técnica. Orientações Curriculares: expectativas de aprendizagem para a educação étnico-racial na educação infantil, ensino fundamental e médio / Secretaria Municipal de Educação – São Paulo: SME / DOT, 2008.
LIVROS DE LITERATURA PARA O TRABALHO COM AS QUESTÕES ÉTNICO-RACIAIS:
ALMEIDA, Gercilga de. Bruna e a Galinha D’Angola. São Paulo: Ed. Pallas, 2009
BARBOSA Rogerio Andrade. Histórias Africanas para contar e recontar. São Paulo: Editora do Brasil 2001
BELÉM, Valeria, O cabelo de Lelê. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2007
COOKE, Trish Tanto, tanto São Paulo: Ática, 1994
CRISTINA, Célia & FE, Ana e Ana . São Paulo: DCL 1994
DIOUF, Sylvanie As tranças de Bintou . São Paulo: Cosac& Naify, 2004
MACHADO, Ana Maria, Menina bonita do laço de fita. São Paulo: Cortez,1986.
PARAGUASSU, Fernanda. A menina que abraça o vento: a história de uma refugiada congolesa. Curitiba: Vooinho, 2017.
RAMPAZO, Alexandre. A cor de Coraline. Rio de Janeiro: Rocquinho, 2021.
RUMFORD , J. Chuva de manga . São Paulo: Brinque Book, 2005
Caroline Alves Batista
RESUMO
O TRABALHO PEDAGÓGICO NAS ESCOLAS PARA PREVENIR O ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS E
DE ADOLESCENTES
O objetivo deste artigo foi a identificação e prevenção do abuso sexual de crianças e adolescentes, com a finalidade de organizar ações educativas no ambiente escolar. Ao considerar a relevância do tema, após a constatação dos dados estatísticos alarmantes e da omissão por parte da escola em relação à prevenção da violência sexual, decidimos buscar referencias teóricos e práticos que possibilitassem o alcance do objetivo deste trabalho. Utilizamos uma pesquisa bibliográfica, que buscou dados qualitativos e quantitativos, ao lado do estudo de documentos e legislações, observações da realidade escolar nos estágios e palestra com o assistente social e professor da FAEP Robson Vasconcelos. Na primeira parte do artigo, apontamos estudos estatísticos sobre o abuso sexual de crianças e adolescentes; na segunda parte, aprofundamos a legislação vigente sobre o tema; na terceira parte, analisamos a situação de violência sexual infantil, que se explicita nas instituições educativas e estudamos formas de organizar um trabalho pedagógico para a prevenção. Assim, acreditamos que as instituições educativas devem estar atentas aos sinais revelados pelas crianças e adolescentes sobre possíveis formas de
abuso sexual e realizar ações de prevenção em conjunto com as famílias e a comunidade, em um processo coletivo de intersetorialidade com todos os órgãos governamentais.
O tema deste trabalho foi pensar a organização do trabalho pedagógico nas escolas de Ensino Fundamental para prevenir o abuso sexual de crianças e adolescentes, abordando a identificação e a necessidade da denúncia da violência sexual. Escolhemos este tema, pois constatamos que o abuso infantil tem acontecido em grande número e a sua abordagem ainda é um tabu nas escolas. Podemos observar mudanças comportamentais, que devem ser identificadas pelos profissionais da educação docentes e não-docentes. Essa identificação pode se constituir em um processo de acolhimento e colaboração, envolvendo diferentes atores, com providências adequadas. A nossa preocupação ao constatar esses casos resultou na busca de uma orientação para a prevenção desses abusos.
1 - Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à FAEP - Faculdade de Educação Paulistana- em junho/2024 como requisito parcial para a conclusão do curso de Pedagogia, realizado sob orientação das Prof.ª Dra. Rosangela A p. dos Reis Machado e Prof.ª Ms. Ana Maria Gentil.
Para explorar o tema escolhido, elaboramos uma pergunta que explicita o problema a ser investigado: como identificar e prevenir casos de abuso sexual de crianças e adolescentes, na perspectiva de planejar um trabalho pedagógico no ambiente escolar?
Traçamos objetivos compatíveis com o tema para desenvolver o artigo. São eles: objetivo geral: refletir sobre ações educativas na escola para identificar e prevenir o abuso sexual, que pode atingir crianças e adolescentes nos espaços frequentados por eles e objetivos específicos - a) informar sobre dados estatísticos que revelam o número de abusos sexuais em crianças e adolescentes; b) estudar a legislação vigente no que se refere à proteção à criança e ao adolescente; c) buscar formas de como a escola pode identificar os casos de abuso sexual para tomar providências; d) refletir sobre as formas de prevenção do abuso sexual da criança e do adolescente na escola.
Ao analisar as especificidades do tema, optamos por uma pesquisa bibliográfica, envolvendo a leitura de textos acadêmicos e documental, com um aprofundamento na legislação vigente. Entre os autores estudados apontamos Costa e Ribeiro, Sanderson, Ferreira entre outros. Integramos estes estudos às observações nos estágios supervisionados e à palestra do Prof. Robson Vasconcelos, em março de 2024, que tratou desta temática. Essa pesquisa buscou dados qualitativos e quantitativos e se constituiu em uma investigação exploratória.
Portanto, ao abordar esse tema consideramos que, embora o assunto tratado seja delicado e difícil, o educador pode fazer a diferença na proteção dos direitos da criança e do adolescente.
1. ESTUDO ESTATÍSTICO E DE CASOS DE ABUSO INFANTIL
Este tema, que se refere a violação sexual de crianças e adolescentes, deve se constituir em
uma discussão obrigatória nas escolas e em toda a sociedade. Desta forma, apontamos dados estatísticos que comprovam, denunciam e impõem providências urgentes nos diferentes espaços educacionais, da saúde etc.
Abordamos dados referentes às violações sexuais de crianças e adolescentes, para posteriormente apontarmos, na segunda parte do artigo, a legislação vigente.
Em 2023, o Disque 100 (Disque Direitos Humanos) registrou mais de 17, 5 mil violações sexuais contra crianças e adolescentes, entre os meses de janeiro e abril, considerado um aumento de 68% em relação ao mesmo período do ano de 2022 (para os casos de exploração sexual, abuso, estupro e violências psíquicas foram registradas 6,4 mil denúncias e 10,4 mil violações). Esse aumento do registro das violações deve-se também ao fato de uma maior mobilização da sociedade, apoiando e realizando denúncias, embora ainda haja uma subnotificação bastante expressiva no Brasil. Do número apresentado, 14 mil corresponde a ocorrências na casa da vítima, do suspeito ou de familiares. (BRASIL, 2023). Assim,
Em todo o ambiente virtual, houve registros de exploração sexual, com 316 denúncias e 319 violações; estupro, com 375 denúncias e 378 violações; abuso sexual físico, com 73 denúncias e 74 violações; e violência sexual psíquica, com 480 denúncias e 631 violações[...]. (BRASIL, 2023).
Para especificar os números relacionados ao espaço onde ocorrem as violações, apresentamos os dados a seguir: a) Casa da vítima ou casa em que reside com o suspeito: neste espaço os dados são alarmantes: 837 denúncias e 856 violações de exploração sexual; 4,3 mil denúncias e 4,4 mil violações referentes ao estupro; 1,4 mil denúncias e 1,4 mil violações relacionados ao abuso sexual físico; e 2,7 mil denúncias e 3,5 mil violações
que envolvem violência sexual psíquica. “No total, 5,7 mil denúncias e 10,3 mil violações”. (BRASIL, 2023).
b) Casa de familiares, de terceiros ou do suspeito: foram registrados 304 casos de exploração sexual e 312 violações registradas; 1,5 mil denúncias de estupro e 1,5 mil violações; 480 denúncias de abuso sexual físico e 487 violações; e 898 denúncias de violência sexual psíquica e 1,1 mil violações. “O total é de 1,8 mil denúncias e 3,5 mil violações.” (Brasil, 2023).
c) Berçário e creche; instituições de ensino; estabelecimentos comerciais; de saúde; órgãos públicos; transportes públicos; vias públicas; eventos e ambientes de lazer, esporte e entretenimento. Nestes espaços, o número de casos também é significativo.
Ressaltamos que, em anos anteriores, também foram registrados números significativos de violações sexuais contra crianças e adolescentes. Em 2021, “houve 5,4 mil denúncias e 9 mil violações sexuais contra pessoas menores de 18 anos registradas nos quatro primeiros meses. No ano todo, foram 18,7 mil denúncias e 30 mil violações sexuais.” (BRASIL, 2023). Nas estatísticas do abuso sexual, somente 10% dos casos de violência são notificados. (Brasil, 2023).
Entretanto, como já afirmamos acima, ocorrem as subnotificações, sendo que,
[...]os estudos recentes divulgados por pesquisadores do IPEA indicaram que apenas 8,5% dos estupros no Brasil são reportados à polícia e 4,2% pelos sistemas de informação da saúde. Assim, segundo a estimativa produzida pelos autores, o patamar de casos de estupro no Brasil é da ordem de 22 mil casos anuais. (SÃO PAULO, 2023).
Torna-se importante destacar que, a idade de dez anos é a média das crianças brasileiras que acessam pornografia na internet pela primeira vez, sendo que aumentou em 360% o número
de crianças de 7 a 10 anos que postam fotos de nudez nas redes sociais (INSTITUIÇÃO IWF, s/d apud ALBUQUERQUE, 2022).
Portanto, diante dos dados apresentados fica evidente a necessidade de divulgar as informações sobre essas estatísticas, para que sejam utilizadas em um trabalho de conscientização da sociedade em geral e, especialmente, para os profissionais da escola docentes e não docentes, as famílias dos educandos e as comunidades ao redor das escolas.
2. A LEGISLAÇÃO COMO RECURSO PARA A PROTEÇÃO DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES
Para compreendermos a formulação de leis, a partir da luta de diferentes grupos e pessoas para assegurar a proteção de crianças e adolescentes em relação à violência sexual infantil, apontamos um conjunto de legislações que determinam, orientam e indicam punições, com o objetivo de informar os diferentes segmentos da sociedade.
Iniciamos pela consulta ao Código Penal Brasileiro (BRASIL, 2009), que estabelece penas de 2 (dois) a 10 (anos) de reclusão para os crimes contra menores de 18 anos, sendo que a pena aumenta significativamente se a violência resultar em lesão corporal, gravidez ou morte da vítima, ou quando a vítima é menor de 14 anos, considerada vulnerável. Os crimes são:
a) Estupro/ Estupro de vulnerável: “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso” / estupro de vulneráveis com adolescentes ou menores de 14 anos (Art. 213/217A).
b) Violação Sexual mediante fraude: “Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima” (Art.215)
c) Assédio Sexual: “constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento
sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função” (Art. 216 A).
d) Favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual: “Induzir ou atrair alguém à prostituição ou outra forma de exploração sexual, facilitá-la, impedir ou dificultar que alguém a abandone” (Art. 228);
e) Tráfico internacional de pessoa para fim de exploração sexual:” Promover ou facilitar a entrada, no território nacional, de alguém que nele venha a exercer a prostituição ou outra forma de exploração sexual, ou a saída de alguém que vá exercê-la no estrangeiro” (Art.231);
f) Tráfico interno de pessoa para fim de exploração sexual: “Promover ou facilitar o deslocamento de alguém dentro do território nacional para o exercício da prostituição ou outra forma de exploração sexual” (Art.231A)
g) Satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente: “Praticar, na presença de alguém menor de 14 (catorze) anos, ou induzi-lo a presenciar, conjunção carnal ou outro ato libidinoso, a fim de satisfazer lascívia própria ou de outrem” (Art. 218 A).
Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA (Brasil, 1990), em casos de estupro, violência ou abuso sexual realizado por familiares, a criança pode ser afastada do convívio familiar pela autoridade judiciária: Art.130: “Verificada a hipótese de maus-tratos, opressão ou abuso sexual impostos pelos pais ou responsável, a autoridade judiciária poderá determinar, como medida cautelar, o afastamento do agressor da moradia comum” (Brasil, 1990). O Artigo 244-A do ECA (Brasil, 1990) determina a detenção de 6 meses a 2 anos para a pessoa que submeter criança ou adolescente à prostituição ou a exploração sexual (Incluído no ECA pela Lei nº 9.975, de 23.6.2000).
Aparece também nessa lei, no Artigo 87, na política de atendimento às vítimas de violência sexual, a possibilidade de “III – serviços especiais de prevenção e atendimento médico e
psicossocial às vítimas de negligência, maus-tratos, exploração, abuso, crueldade e opressão” (BRASIL, 1990).
O artigo 241-D, o ECA (Brasil, 1990) indica como infração passível de pena de 1 ano a 3 anos: “Aliciar, assediar, instigar ou constranger, por qualquer meio de comunicação, criança com a finalidade de, com ela, praticar ato libidinoso: (Incluído no ECA pela Lei nº 11.829, de 2008). Nessa mesma lei, que alterou partes do ECA, também será punido quem: I – facilita ou induz o acesso à criança de material contendo cena de sexo explícito ou pornográfica com o fim de com ela praticar ato libidinoso; II – pratica as condutas descritas no caput deste artigo com o fim de induzir criança a se exibir de forma pornográfica ou sexualmente explícita. Neste sentido, o Artigo 241 – E, afirma que:
Para efeito dos crimes previstos nesta Lei, a expressão “cena de sexo explícito ou pornográfica” compreende qualquer situação que envolva criança ou adolescente em atividades sexuais explícitas, reais ou simuladas, ou exibição dos órgãos genitais de uma criança ou adolescente para fins primordialmente sexuais. (Incluído pela Lei nº11.829, de 2008). (Brasil, 1990)
Encontramos ainda no ECA (Brasil, 1990- Lei nº 8.069/90), o artigo 5º: “Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais”.
Segundo o ECA, a escola e o professor não podem se omitir de denunciar ao Conselho Tutelar ou fazer um boletim de ocorrência se suspeitar do abuso infantil. “O professor não pode se omitir, deixar de fazer a notificação, porque, nesse caso, a escola passa de um papel potencialmente protetivo para se tornar um fator de risco à criança”. Art.245: “Deixar o médico,
professor ou responsável por estabelecimento de atenção à saúde e de ensino fundamental, pré-escola ou creche, de comunicar à autoridade competente os casos de que tenha conhecimento, envolvendo suspeita ou confirmação de maus-tratos contra criança ou adolescente: Pena – multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência” (BRASIL, 1990)
Para apoiar as ações determinadas pelo ECA, foi criada a Lei do Minuto Seguinte (Lei Nº 12.845/2013), “na qual vítimas de violência sexual têm direito a atendimento obrigatório e gratuito no minuto seguinte à agressão” Essa lei considera violência sexual todo ato sexual não consentido. Ela orienta o SUS (Sistema Único de Saúde) para a humanização dos atendimentos às vítimas de violência sexual, bem como a necessidade do registro das informações e da coleta de vestígios (BRASIL, 2013).
Além do Código Penal e do ECA, existem algumas leis sancionadas nos últimos anos, reforçando a necessidade de proteção às crianças e aos adolescentes. São elas:
1. Lei 9.970/2000: estabelece que o dia 18 de maio deve ser considerado o “Dia Nacional de “Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes no Brasil.”. Esta data relembra a violência sofrida pela menina Araceli Cabrera Crespo, de 8 anos, moradora do Estado do Espírito Santo, tendo sido sequestrada, estuprada, morta e jogada na mata, em 1973. Seu corpo foi encontrado seis dias depois com marcas de violência e abuso sexual e com o rosto desfigurado por ácido (BRASIL, 2000).
2. Lei 12.650/2012 - Lei Joanna Maranhão: modifica as regras relacionadas ao prazo prescricional da violência sofrida por crianças e adolescentes. Ela indica que a prescrição dos crimes cometidos deve ser calculada a partir de quando a vítima completar 18 anos (BRASIL, 2012).
Destacamos a história da ex-nadadora Joana Maranhão, considerando que narrativas como esta desencadeiam a luta por políticas públicas relacionadas ao abuso sexual, neste caso, principalmente, porque a violência sexual ocorreu antes dos 18 anos e o crime prescreveu, sem o julgamento do agressor. Este fato provocou a alteração do Código Penal Brasileiro quanto ao prazo da prescrição do crime.
3. Lei da Escuta Protegida (13.431/2017): o juiz desembargador José Antônio Dalto e Cezar, ao ouvir o depoimento de uma menina de 7 anos, que sofreu abuso sexual, criou uma metodologia menos constrangedora daquela que era utilizada anteriormente e que aproveitasse plenamente o depoimento das vítimas, com apoio de uma equipe técnica. Seu método ficou conhecido como Depoimento Especial (BRASIL, 2017).
4. Lei 14.432, de 3 de agosto de 2022: “Institui a campanha “Maio Laranja”, a ser realizada no mês de maio de cada ano, em todo o território nacional, com ações efetivas de combate ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes.” Ela pretende dar visibilidade ao tema e assegurar a memória dos brasileiros nesta data e em todos os anos, provocando discussões sobre a violência sexual infantil e possibilitando a conscientização. Seus artigos são:
Art. 1º Os hospitais devem oferecer às vítimas de violência sexual atendimento emergencial, integral e multidisciplinar, visando ao controle e ao tratamento dos agravos físicos e psíquicos decorrentes de violência sexual, e encaminhamento, se for o caso, aos serviços de assistência social.
Art. 2º Considera-se violência sexual, para os efeitos desta Lei, qualquer forma de atividade sexual não consentida.
Art. 3º O atendimento imediato, obrigatório em
todos os hospitais integrantes da rede do SUS, compreende os seguintes serviços:
I - Diagnóstico e tratamento das lesões físicas no aparelho genital e nas demais áreas afetadas;
II - amparo médico, psicológico e social imediatos;
III - facilitação do registro da ocorrência e encaminhamento ao órgão de medicina legal e às delegacias especializadas com informações que possam ser úteis à identificação do agressor e à comprovação da violência sexual;
IV - profilaxia da gravidez;
V - profilaxia das Doenças Sexualmente Transmissíveis - DST;
VI - coleta de material para realização do exame de HIV para posterior acompanhamento e terapia;
VII - fornecimento de informações às vítimas sobre os direitos legais e sobre todos os serviços sanitários disponíveis.
§ 1º Os serviços de que trata esta Lei são prestados de forma gratuita aos que deles necessitarem.
§ 2º No tratamento das lesões, caberá ao médico preservar materiais que possam ser coletados no exame médico legal (BRASIL, 2022)
Portanto, podemos considerar que a luta contra a violência sexual infantil é de todos nós e que se configura fundamentada no conhecimento das leis e na possibilidade de propor novas legislações ou ampliar as existentes, provocando a construção de políticas públicas que assegurem de forma concreta a proteção de crianças e adolescentes. Para tanto, será necessário o planejamento de um trabalho educativo, envolvendo os diferentes atores e protagonistas da educação, da saúde e do serviço social
3. ANÁLISE DA SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA
SEXUAL INFANTIL NAS INSTITUIÇÕES EDUCATIVAS: AÇÕES CONJUNTAS E PLANEJA-
3.1. Identificação da violência sexual infantil nas instituições educativas e o estudo das consequências.
Saber identificar o abuso infantil é o primeiro passo para que as crianças possam se proteger ou buscar ajuda, por isso é importante que a criança enxergue a escola como um ambiente seguro e de acolhimento, onde ela possa ser escutada e respeitada.
Portanto, ao constatar a violência infantil, o professor e a escola devem ser cautelosos e apoiar a criança, dando suporte para que ela possa ser encaminhada aos serviços de apoio especializados para receber os cuidados necessários (COSTA E RIBEIRO, 2022). Se um caso de violência for identificado, os educadores devem procurar o Conselho Tutelar ou fazer uma denúncia na delegacia. A escola não deve atuar sozinha.
Portanto, além de identificar e denunciar, as escolas também podem ajudar a prevenir essa forma de violência abordando o tema ao longo de toda trajetória escolar das crianças e adolescentes, rodas de conversas e projetos bem construídos de educação sexual.
Guerra (2001 apud COSTA E RIBEIRO, 2022) aponta que a criança abaixo de 7 anos não tem condições de narrar uma situação de violência sexual, pois ela não sabe como ocorre uma relação sexual em detalhes. Sendo assim, o professor deve observar o comportamento infantil, que geralmente é alterado, muitas vezes, uma criança falante passa a ficar introvertida ou a criança calada passa a ter atitudes diferentes daquela que normalmente ela tem. Esta mudança pode ocorrer por vários motivos, mas também quando ela sofre violência em casa. Assim,
A violência sexual imprime marcas profundas na vida da criança e do adolescente. Mesmo sem saber ao certo o que está acontecendo, desde bebê, a criança dá sinais de
que algo “fora da ordem” está acontecendo. Sinais de que nem sempre são percebidos pela família e pelos profissionais. Quando a criança consegue demonstrar de alguma maneira a violência sexual sofrida, nem sempre é acreditada em sua fala e em seu comportamento (Ferreira, 2020, p.75).
Portanto, precisamos reconhecer os sinais que a criança emite e as consequências da violência sexual, possibilitando que ela confie em quem pode protegê-la e ajudá-la a sair da situação de sofrimento, pois nem sempre o abuso deixa marcas reconhecíveis, mas deixa sequelas psicológicas, muitas vezes difíceis de serem identificadas pela escola (FERREIRA, 2020).
Destacamos também que, mesmo que a criança ou o adolescente não recusem o abuso, não quer dizer que a relação não seja abusiva, pois consentimento por meio de manipulações não é considerado consentimento (FERREIRA, 2020)
Sanderson (2005 apud FERREIRA, 2020) aponta categorias para os sinais e sintomas do abuso sexual. Para este artigo, selecionamos as que poderiam ser observadas na escola:
a) Emocionais: a criança pode apresentar repulsa e desrespeito por si mesma, culpa, timidez, medo, ansiedade, falta de confiança, inferioridade, hostilidade entre outros sinais;
b) Interpessoais: a criança pode evitar a proximidade, abraços e carícias das pessoas, necessidade de se esconder, solidão, isolamento, redução das habilidades de comunicação, falta de iniciativa, agressividade com os outros;
c) Comportamentais: brincadeiras sexualizadas, comportamento regressivo: não controlar esfíncteres, chupar o dedo na escola etc., comportamentos perigosos: lutar, fugir, ficar vulnerável aos acidentes, machucar a si mesmo etc.; aparecer na escola com presentes ou dinheiro (que podem ter sido recebidos do abusador),
medo de aproximação de homens ou mulheres na escola, inabilidade para concentrar-se, sendo que para algumas crianças vitimizadas a escola pode ser um paraíso, de modo que elas chegam cedo e saem tarde, relutância acentuada em participar de atividades físicas ou de mudar de roupa para essas atividades;
d) Cognitivos: baixa atenção e concentração, negação, refúgio na fantasia, apresentar ações que demonstram uma capacidade cognitiva maior ou menor daquela exposta até o momento;
e) Físicos: hematomas, traumas físicos aparentes, desconforto em relação ao corpo: coceira, toque nas áreas genitais, masturbação e distúrbios do sono;
f) Sexuais: comportamentos sexuais inadequados no ambiente escolar, apresentando temas sexuais nas brincadeiras, nos trabalhos artísticos, em histórias e jogos.
Desta forma, é na escola que a maioria das crianças e adolescentes expressa seus conflitos, suas necessidades, os seus medos e anseios, por este motivo, a escola precisa estar preparada para enfrentar os casos de violência sexual infantil e não se omitir de tomar as providências necessárias.
Entretanto, a escola sozinha não conseguirá atuar de forma efetiva para dar apoio à criança e ao adolescente, por este motivo, precisa de uma rede de proteção, em uma perspectiva intersetorial, multidisciplinar e multiprofissional. Consideramos que da escuta e revelação da violência até a finalização da situação há um caminho longo a percorrer, passando por um trabalho em conjunto de equipes formadas pela saúde, assistência social, órgãos governamentais e educação.
Ferreira (2020, p.78) aponta alguns mitos e realidades relacionados à violência sexual da criança e do adolescente:
Quadro adaptado do texto (Fontes: TELELACRI e Guia Escolar, 2011) “A violência sexual contra crianças e seus desdobramentos no ambiente escolar” (Ferreira, 2020, p.78)
Em consonância com o Currículo da Cidade de São Paulo (2018 apud FERREIRA, 2020), as crianças têm identidades próprias e provêm de contextos e processos físicos, emocionais e sociais distintos, portanto têm necessidades específicas e que, apesar da experiência de violência sofrida, são capazes de ressignificar suas vidas, se receberem apoio e proteção adequada.
3.2. Ações para prevenir a violência sexual na escola
O enfoque que queremos para este artigo está atrelado ao trabalho de orientação e acompanhamento no ambiente escolar. Neste sentido, pesquisadores apontam algumas formas de ações educativas para identificar e prevenir a violência sexual infantil:
Os temas sexuais, ao serem tratados juntamente com a criança, devem ser discutidos sob orientação e acompanhamento dos profissionais da educação, já que a descoberta da sexualidade não pode ser seguida de uma inibição sexual, mas sim de acompanhamento e explicação por parte do professor e da escola, pois seu desenvolvimento acarretará aspectos sociais e cognitivos. A educação é o meio mais eficaz para orientar e preparar a criança para a vida social posterior. (Donizete, 2010, p.11 apud COSTA E RIBEIRO, 2022, s/p).
Sendo assim, os professores devem ser formados adequadamente, pois são mediadores de informação e como o intuito é instruir a criança de forma correta sobre a sexualidade, direitos e proteção, cabe a eles o papel de relacionar o tema sexo a uma “ação de respeito, responsabilidade, afeto e proteção” (COSTA E RIBEIRO, 2022, s/p). Portanto, uma importante estratégia para combater o assédio sexual nas escolas é compartilhar informações sobre a
sexualidade e formas de relacionamento sem violência, adaptando as ações às idades e ao contexto local (UNICEF, 2018).
Entretanto a escola necessita de um enfoque multiprofissional, mesmo que a responsabilidade da educação sexual seja dela, porém, falta muito para as escolas admitirem a necessidade da intersetorialidade, falta abrir espaço para outros profissionais integrarem o planejamento escolar.
Essa necessidade não reconhecida pela escola pode ser observada, quando os educadores, em caso de violência identificada, chamam a família e não procuram o Conselho Tutelar, a UBS ou órgãos de proteção à criança e ao adolescente.
A falta de formação e informação impossibilita aos educadores a identificação das situações de violência sexual contra seus alunos confirmando a hipótese das dificuldades que eles têm na identificação. No entanto, não basta somente ser capaz de identificar a violência relatada pelos alunos, é preciso saber o que e como fazer para minimizar os desdobramentos dessa violência no ambiente escolar (FERREIRA, 2020, p.162)
Neste sentido, o Assistente Social Robson (2024), ao dialogar com as alunas da FAEP, apresentou alguns projetos que realiza com outros profissionais da UBS onde trabalha, nos quais eles vão às escolas para dar palestras, referentes a todos os tipos de violência, mas com ênfase na violência sexual e com foco na criança e no adolescente. Alguns dos projetos feitos entre a UBS e a escola incluíram a realização de palestras relacionadas às doenças sexualmente transmissíveis, na qual também levaram preservativos para distribuir. Essas palestras são importantes para conscientizar a criança e o adolescente. Ele afirma que
sempre, no final da palestra, tem uma ou mais crianças que chegam para conversar e relatam alguma situação que já passaram, sendo que a conduta do assistente social é encaminhar essa criança para UBS.
Robson Vasconcelos, nessa palestra sobre Violência Sexual, apontou que as demandas chegam à UBS de várias formas, encaminhadas pela escola ou vindas diretamente à unidade, onde, primeiramente os envolvidos, passam por uma triagem e, se for caso de violência, são encaminhados para o Assistente Social. Se for constatada a violência sexual, tanto da criança como do adolescente, de ambos os sexos, os responsáveis são encaminhados para a delegacia para fazer o boletim de ocorrência e, posteriormente, conduzidos ao hospital da mulher para fazer o exame sexológico. É importante que pais e profissionais possam orientar a criança dando-lhe informações suficientes, específicas e precisas, para que ela seja capaz de reconhecer as situações de risco ou de abuso propriamente dito, saiba o que fazer e a quem recorrer nessas situações
Pretendemos que as crianças e adolescentes sejam preparados para: dizer “não” quando alguém quiser tocar no seu corpo ou invadir a sua intimidade; recusar uma proposta de um adulto, mesmo que se trate de alguém conhecido; identificar e distinguir o abuso de um contato normal; enfrentar uma situação de risco; procurar ajuda até encontrar alguém que acredite nela; não guardar segredo e denunciar uma situação de ameaça (MARINHO-CASANOVA; MOURA, 2009, p. 116 apud SANTOS, 2011).
O Guia Escolar para identificar sinais de abuso e exploração sexual (2011) sugere três eixos de ações preventivas para as ocorrências de violência sexual:
1. Formação de professores: para que os educadores da escola insiram o tema da violência sexual nos projetos e programas escolares.
2. Trabalho preventivo com os próprios estudantes em atividades curriculares e extracur-
riculares.
3. Discutir a temática na interação com pais e comunidade, incluindo organizações que fazem parte da rede de proteção social da criança e do adolescente.
Focaremos, aqui, o trabalho que deve ser realizado com as crianças e adolescentes e com as famílias e comunidade, pois a formação de professores está vinculada ao trabalho com estudantes e famílias.
3.2.1. Educação de crianças adolescentes para que compreendam e evitem a violência sexual
Para a eficácia dos programas de prevenção é importante organizar práticas educativas para cada faixa etária em sua especificidade, porém, todas as idades devem ser trabalhadas no desenvolvimento do espírito crítico.
Destacamos algumas questões que podem ser orientadoras do trabalho de prevenção (SANTOS, 2011):
[...]um clima de respeito entre crianças e adolescentes e adultos é essencial para a promoção da proteção e da autoproteção; a autoestima, o autorrespeito e a autovalorização impedem que crianças e adolescentes se tornem alvos fáceis de abuso; por meio de jogos, oficinas e atividades artísticas e esportivas é possível desenvolver habilidades e competências para enfrentar dificuldades cotidianas, entre as quais, destacam-se: a) capacidade de decidir entre diferentes opções ;b) capacidade de resolver problemas e avaliar as consequências das escolhas feitas; c)capacidade de expressão e de comunicação para canalizar sentimentos, ideias, desejos, necessidades e capacidade de pedir ajuda; d) conhecimento dos próprios recursos, limites, medos e emoções; e) capacidade de análise das experiências vividas pelo desenvolvi-
mento de senso crítico (p.200).
Assim, a escola é o espaço onde a criança pode construir uma representação positiva de si mesma e do mundo, portanto, a responsabilidade exige dos educadores uma proposta de formação e de requalificação específica, obtendo a preparação adequada para atuar com os facilitadores do conhecimento.
Destacamos a importância de: formar vínculos entre educadores e educandos; possibilitando um clima de segurança e confiança; manter um relacionamento social com os colegas na escola; conhecer o corpo e desenvolver uma boa relação com ele.
Apontamos a necessidade de investir na educação para a sexualidade e a prevenção da violência sexual como tema estruturante do planejamento, podendo ensinar as crianças a se defenderem desde a mais tenra idade.
Para MacIntyre e Carr (1999), Farresi e Michelotto (s/d), Caffo e Forresi (2005) e Caffo, Lievers e Forresi (2006) (apud Santos, 2011, p.203), os conceitos-chave, são:
• contato: saber distinguir o toque carinhoso do toque que causa confusão emocional ou mal-estar;
• dizer não: todos têm o direito de dizer não quando o toque ou o comportamento causa desconforto, desagrado e embaraço;
• segredo: saber distinguir entre o segredo como surpresa divertida e como situação de medo e desconfiança;
• rede de apoio social: capacidade de identificar pessoas adultas em que se pode confiar em situações complexas e difíceis, como a de um abuso;
• vergonha e sensação de culpa: crianças e adolescentes não devem sentir culpa se forem vítimas de abuso sexual.
Assim, as atividades preventivas para desenvolver esses conceitos podem ser trabalhadas de forma transversal ou por meio de oficinas e projetos, mas também com sessões temáticas, utilizando livros de literatura infantil e juvenil (ex.” O Segredo da Tartanina”, “A mão boa e a mão boba”, “Pipo e Fifi”), filmes, rodas de conversa, peças de teatro e jogos.
3.2.2. Trabalho com as famílias e com a comunidade
A família é um importante aliado na educação de crianças e adolescentes para a proteção do abuso sexual. A comunidade também deve ter uma relação de confiança com a escola (Santos, 2011).
Com as famílias existem duas formas principais a serem destacadas como ação preventiva: a) ensinar como as crianças e os adolescentes podem se proteger dos abusos, criando uma boa relação de confiança entre adulto e criança e assegurando a disponibilidade para que este ouçam seus filhos e acreditem neles, por mais absurdo que seja o relato; b)criar atividades organizadas para tratar da temática, podendo ser feitas palestras, reunião de grupos de pais e oficinas, contendo os seguintes itens – conceito e descrição de abuso, os mitos e a realidade, as consequências do abuso sexual, pornografia e pedofilia na internet e a responsabilização legal de quem comete o abuso sexual (SANTOS, 2011).
No trabalho com as famílias, devemos planejar e executar ações em conjunto com membros da comunidade, coordenadores de programas de prevenção e órgãos públicos, utilizando estratégias de palestras e rodas de conversa. Desta forma, a comunidade se torna educadora, todos se unem para proteger crianças e adolescentes e prevenir o abuso sexual (SANTOS, 2011).
Apesar de considerarmos o trabalho das escolas e da rede de proteção social local como importantes para a prevenção da violência sexual com crianças e adolescentes, precisamos reivindicar programas e projetos governamentais (municipais, estaduais e federais) e outras políticas públicas que atuem diretamente na proteção, prevenção e formação de diferentes atores sociais relacionados à violência sexual infantil.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao finalizar a abordagem da temática escolhida neste artigo, consideramos que todos os objetivos traçados foram alcançados, pois fizemos uma trajetória de estudos estatísticos, sobre a legislação, sobre a identificação e possíveis formas de prevenção do abuso sexual da criança e do adolescente.
Inicialmente, constatamos dados estatísticos que revelaram um alto índice de casos de abuso de crianças e adolescentes e que a maioria deles acontece no ambiente familiar e, grande parte deles, não é notificado.
Compreendemos também que existe um número significativo de leis que protegem crianças e adolescentes, no que se refere ao abuso sexual, porém, nem sempre são conhecidas e seguidas.
Identificamos que existem formas de reconhecer os sinais físicos, sexuais, comportamentais, emocionais, cognitivos e interpessoais de crianças e adolescentes abusados sexualmente e que existem muitos mitos sobre o abuso que precisam ser desconstruídos para que possamos buscar medidas protetivas.
Finalmente, buscamos formas de colaborar com a prevenção do abuso sexual de crianças e adolescentes, indicando ações como: palestras, discussão de filmes, livros de literatura e
projetos integrados entre saúde, assistência social e educação. Essas ações devem envolver a escola, a família, a comunidade local.
Portanto, consideramos que a nossa pesquisa é de vital importância para a sociedade e para a educação escolar, embora ainda seja necessária a continuidade das investigações e da exploração de novas formas de prevenção.
REFERÊNCIAS
ALBUQUERQUE, Beatriz (repórter da Rádio Nacional- Brasília) Estudo aponta alta de 360% no conteúdo sexual de crianças na internet: percentual se refere à faixa etária de 7 a 10 anos de idade. Brasília: Agência Brasil (2022).
BRASIL. Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. Disque 100 registra mais de 17, 5 mil violações sexuais contra crianças e adolescentes nos quatro primeiros meses de 2023. Brasília, 2023.
BRASIL. Legislação Informatizada. Lei nº 14.432, de 3 de agosto de 2022. Institui a campanha Maio Laranja, a ser realizada no mês de maio de cada ano, em todo o território nacional, com ações efetivas de combate ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes. Disponível em: http://www.planalto.gov. br/ccivil_03/_ato2019-2022/2022/lei/L14432. htm#:~:text=L14432&text=Institui%20a%20 campanha%20Maio%20Laranja,Art. Acesso em 06 de maio de 2024.
BRASIL. Lei nº 13.431, de 4 de abril de 2017. Estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência e altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente). Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/ lei/l13431.htm. Acesso em 06 de maio de 2024.
BRASIL. Lei do Minuto Seguinte. Lei 12.845, de 1º de agosto de 2013.Dispõe sobre o atendimento obrigatório e integral de pessoas em situação de violência sexual. Disponível em: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ ato2011-2014/2013/lei/l12845.htm>. Acesso em: 9 de abril de 2024.
BRASIL. Lei nº 12.650, de 17 de maio de 2012. Altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, com a finalidade de modificar as regras relativas à prescrição dos crimes praticados contra crianças e adolescentes. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/ l12650.htm. Acesso em 06 de maio de 2024. BRASIL. Lei No 9.970, de 17 de maio de 2000. Institui o dia 18 de maio como o dia do combate ao abuso e a exploração sexual de crianças e adolescentes. https://legislacao.presidencia.gov.br/atos/?tipo=LEI&numero=9970&ano=2000&ato=a03MzYq1kMNpWT882. Acesso em 06 de maio de 2024.
BRASIL, Ministério da Educação. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Disponível em: http://www. planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L8069.htm. Acesso em 06 de maio de 2024. BRASIL. Código Penal. Decreto-Lei nº2.848, de 7 de dezembro de 1940. Disponívelemhttps:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em 06 de maio de 2024.
COSTA, Ana Beatriz da e RIBEIRO, Camila. Violência sexual infantil vinda de casa no âmbito escolar: qual postura a escola deve adotar? Trabalho de conclusão do curso de Pedagogia, apresentado a Universidade São Francisco de Itatiba. SP, Itatiba, 2022. FERREIRA, Edna. “A violência sexual contra crianças e seus desdobramentos no ambiente escolar”. Tese de doutorado, defendida na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2020.
SANTOS, Benedito Rodrigues dos. Guia escolar: identificação de sinais de abuso e ex-
ploração sexual de crianças e adolescentes / Benedito Rodrigues dos Santos, Rita Ippolito –Seropédica, RJ: EDUR, 2011.
SÃO PAULO. Anuário Brasileiro de Segurança Pública/Fórum Brasileiro de Segurança Pública. São Paulo: FBSP, 2023.
SILVA, Régisson da. Abuso sexual infantil: guia de orientação ao professor [recurso eletrônico] / Régisson da Silva, Edmar Reis Thiengo. – Vitória, ES : Editora Ifes, 2019.
UBES (2018). Assédio nas escolas: como combater essa realidade? https://www.ubes.org. br/2018/assedio-nas-escolas-como-combater-essa-realidade/Acesso em 06 de maio de 2024.
Outras fontes: Livros de literatura e manuais que ajudam no trabalho com as crianças:
ARCARI, Caroline. Pipo e Fifi: ensinando proteção contra a violência sexual. São Paulo: Caqui Editora, 2023.
EMRICH, Renata. A mão boa e a mão boba. São Paulo: Editora Ramalhete, 2016.
SILVA, Alessandra Rocha Santos, Soma, Sheila Maria Prado, Watarai, Cristina Fukumori. Ilustrações Saulo Nunes. O segredo da Tartanina: um livro a serviço da proteção e prevenção contra o abuso sexual infanto-juvenil Disponível em https://youtube.com/watch?v=Ruu4NCJLexw&feature=shared Palestras
VASCONCELOS, Robson. Palestra sobre violência sexual contra crianças e adolescentes. Proferida em abril de 2024 para estudantes do oitavo semestre da FAEP. São Paulo: FAEP, 2024.
Normas para publicação de trabalhos
A Comissão Editorial da Revista Educação Integral do grupo Educacional Ineq torna público aos interessados que receberá textos de entrevistas, traduções de documentos e textos clássicos, artigos, resenhas e relatórios de campo, de caráter inédito, cujas matérias tratem das teorias, objetos e metodologias das Ciências humanas e Sociais Aplicadas, resultantes ou não de pesquisas empíricas. Os referidos textos deverão conter as seguintes cláusulas:
1. Resumo em Língua Portuguesa, contendo de 100 palavras, referências do autor (instituição, cargo, titulação e endereço eletrônico);
2. Resumo em inglês ou espanhol;
3. Palavras-chave: até cinco;
4. Redação em língua portuguesa, digitação em folha formato A4, word for Windows, fonte Time New Roman, tamanho 12, espaço 1,5, margens esquerda e superior com 3 cm, direita e inferior com 2 cm;
5. As entrevistas deverão ter, no máximo 04 (quatro) laudas; as traduções de documentos e textos clássicos e os artigos científicos, de 08 (oito) a 16 (dezesseis) laudas, as resenhas até 03 ( três) laudas e os relatórios de trabalho de campo até 15 (quinze) laudas, incluindo-se nessas delimitações as tabelas, quadro, gráficos, figuras, fotografias e referências bibliográficas que fizerem parte dos textos;
6. Apresentar notas de rodapé ( se necessário) numeradas em algarismos arábicos;
7. As citações e referências bibliográficas devem obedecer ao padrão estabelecido pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (a mais atualizada), para referenciamento de livros, revistas, suportes eletrônicos e outros multimeios, disponíveis no site www.abnt.org. br;
8. Os textos encaminhados à Comissão
Editorial da Revista Educação Integral do Grupo Educacional Ineq serão apreciados por três membros desta comissão, que poderão aceitá-los integralmente, propor reajuste ou recusá-los, com base em critérios técnicos como: coerência textual, encadeamento lógico, normas da ABNT vigentes, problemática enunciada e desenvolvida, introdução, referencial teórico, considerações finais e referência bibliográficas;
9. Os textos que não observarem os padrões aqui estabelecidos não serão publicados;
10. Os Autores que tiverem trabalhos publicados terão acesso ao arquivo digital da Revista Educação Integral, não sendo pagos direitos autorais;
11. O conteúdo dos textos deve passar por criteriosa revisão textual, que é de responsabilidade de seus autores;
12. Os casos omissos serão discutidos e deliberados pela Comissão Editorial;
13. Informações sobre o periódico podem ser solicitados aos editores, no Núcleo de Desenvolvimento de Atividades Pedagógicas do Grupo Ineq ou via e-mail;
14. Os trabalhos deverão ser enviados somente por e-mail para o endereço: educacaointegral@ineq.com.br com o devido comprovante de pagamento do artigo. Não enviaremos para revisão, antes de identificar o pagamento.