Resenha Queda da Própria Altura - O Estado de Minas

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Sobre perdas E SONHOS

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TEATRO

O jornalista Sérgio Tavares mostra que tem estilo próprio em seu segundo livro de contos, Queda da própria altura

MATEUS TAVARES/DIVULGAÇÃO

MISTÉRIO-BUFO De Vladímir Maiakóvski Editora 34, 200 páginas, R$ 39

Maior figura da literatura russa de vanguarda, Maiakóvski (1893-1930) foi, além de poeta, um dos dramaturgos de destaque. A peça 34/REPRODUÇÃO Mistério-bufo, que ganha a primeira tradução diretamente do russo para o português por Arlete Cavaliere, que também assina o ensaio “O teatro de Maiakóvski: mistério ou bufo?”, que faz parte da edição. Mistura de comédia, crítica social e crônica paródica da história contemporânea, a peça propõe uma narrativa alegórica da Revolução Russa, combinando alusões à Bíblia com cenas de inspiração circense.

ROMANCE A MORTE DO INIMIGO De Hans Keilson Editora Companhia das Letras, 256 páginas, R$ 42

Em plena Alemanha de 1930, um jovem judeu fica fascinado por um “inimigo” que aos poucos ascende ao poder: B., líder CIA DAS LETRAS/REPRODUÇÃO populista cuja propaganda política cria uma atmosfera cada vez mais ameaçadora, opressiva e antissemita. Diante da barbárie, o protagonista decide assumir uma neutralidade moral, defendendo que, até num duelo de vida ou morte, é preciso levar em conta as razões do inimigo. Assim, distancia-se cada vez mais de seu povo, enquanto se vê progressivamente absorvido pela figura de um ditador. Publicado em 1959, o livro passou cinco décadas relegado ao esquecimento, até ser reconhecido como obraprima, com reedições na Europa e inúmeras traduções ao redor do mundo.

ANDRÉ DI BERNARDI BATISTA MENDES

epois de Cavala (Editora Record), vencedor do Prêmio Sesc de Literatura – Categoria Contos, publicado em 2010, o jornalista e escritor Sérgio Tavares lança, pela Editora Confraria do Vento, Queda da própria altura. Em sua segunda aventura literária, mostra que tem pegada, coragem e estilo. Queda da própria altura é composto de três blocos, três contos: “Impulso”, “Voo” e “Queda”. São sempre, no mínimo, interessantes aquelas pessoas que, fartas, deixam de trabalhar, que se deixam levar, observando o mero vagar de barcos pelo mar. Assim é o personagem do primeiro texto, que abre o livro, uma pessoa que singelamente gosta de nuvens de chumbo. O vazio, os vazios, da praia, do mar, que chega a ser estúpido, de tanta leveza e fúria atreladas, só não chegam a ser maiores do que o ermo coração de alguns homens: a vida é sem paragens e não deixa brechas para parágrafos. A vida é cheia de mistérios, neste “interminável ímpeto de tramar-se e destramar-se”. Os contos de Sérgio deixam escapar, quando sobressai uma espécie de breu, um farto escuro que tudo toma para si, como algo inevitável, inerente ao que se chama vida. A literatura é uma espécie de rascunho. O escritor tem nas mãos uma porção de pedras (a palavra, a linguagem e principalmente a intuição) para fazer surgir pequenas e grandes fagulhas, dependendo da intensidade do atrito. É da própria essência da luz enternecer, para melhor confunCONFRARIA DO VENTO/REPRODUÇÃO dir, para melhor embaralhar a QUEDA DA nossa trama de PRÓPRIA ALTURA afetos e desafe● De Sérgio Tavares tos. Os cami● Confraria do Vento nhos, as encruzi● 244 páginas, R$ 41 lhadas tornamse, em larga escala, inconclusas. Sérgio abre cada conto com um pequeno texto, sugestivo, onde a palavra estrada ganha contornos resplandecentes, incontornáveis, perturbadores. Sugere que existe, em cada descaminho, em cada vereda mal formada, uma espécie de bússola. É preciso olhos. O pincel da vida transforma tudo que é cor, isso que somos. Sérgio fala sobre essa bagunça estranha, inevitável, que se forma diante de uma natureza quase sempre luminosa, um tanto magnífica, mas indiferente, uma natureza que é, contudo, inexoravelmente cruel, cheia de desamores e desentendimentos. Natureza/vida/estrada, a versão estendida de uma força que mata ao mesmo tempo que alucina. Sérgio, com um estilo rápido, envolvente, guiado por um fluxo mental que não deixa brechas para racionalizações, mensura estas alturas. Sérgio é dono de um estilo livre de amarras. Sua literatura é requintada. A ordem dos contos segue uma determinada trajetória: impulso, voo e queda. Assim acontece, é a ordem natural. Todos os personagens vivem num “estado de desaparecimento”, todos eles meio que se perdem “embarcados numa ciranda de deveres”. Para Sérgio, todo tipo de abandono imposto transforma-se num fardo violento. É quase um veneno. Por isso é que a “outra” solidão, aquele “estado necessário”, deve ser conquista-

L A N Ç AM E N TO S

5.

CLÁSSICO A ARTE DE ROUBAR – EXPLICADA EM BENEFÍCIO DOS QUE NÃO SÃO LADRÕES De D. Dimas Camándula Editora Unesp, 228 páginas, R$ 34

Sérgio Tavares vê na literatura um rumo para enfrentar o desafio da impermanência da vida da. “A vida, em certos aspectos, tende a não ser gloriosa.” Cair é sinônimo de insignificância. Às vezes fica difícil, porque não impossível, acreditar em comunhões. Para cada trajetória existe uma espécie de força que gera empurros e tombos. Seja qual for a estrada, a mais bela, a mais escura e pedregosa, tudo que passa apenas vai, até se quebrar. É difícil, é impossível não se perder diante, no meio da natureza selvagem das coisas vivas. Não é apenas vertigem. O coração, se flutua, também vive num desvalimento próprio, numa “constante

sensação de desmoronamento”. Mas nem tudo é melancolia. A literatura de Sérgio celebra, acalenta todo tipo de permanência, ainda que revestida com os largos tecidos do provisório. A vida é temporária, mas existem festas e encontros – o amor, esse demorar-se, sujeito a todo tipo de intercâmbio. Não nos satisfaz o impossível. Deve ser por isso que alguns personagens de Queda da própria altura resistem, outros cantam, mesmo que corrompidos. “Talvez não fora um absurdo aceitar que a vida somos nós e o futuro é uma fórmula a se desvendar.”

TRÊS PERGUNTAS PARA... SÉRGIO TAVARES

ESCRITOR

1)

2) 3)

De onde surgiu a inspiração para a construção do livro? No fim de 2008, a minha vida sofreu uma trágica ruptura. Eu e minha esposa perdemos o nosso primeiro filho, faltando poucas semanas para o nascimento. Foi um período devastador, como pode imaginar, que decidi enfrentar por meio da literatura. Diante do trauma, é comum muitas pessoas procurarem superação na religião ou na terapia. Eu, por outro lado, me entreguei à escrita, produzindo um híbrido de retratação e depoimento de dezenas de páginas. Era uma tentativa de explicar para mim o porquê de aquilo ter acontecido, contudo não foi difícil perceber que era inútil buscar compreensão no inexplicável. Foi quando percebi que só poderia contar isso através de uma voz ficcional, um narrador que passasse pela mesma situação. O que o leitor pode esperar de Queda da própria altura? Queda da própria altura é um volume de oito narrativas, separadas em três capítulos, habitadas por personagens frágeis e atormentados por circunstâncias assombradas por perdas, ausências ou desejos que estes não conseguem estancar. Nesse ímpeto por fuga ou por tentativas inúteis de solução, eles optam por caminhos que levam ao desaparecimento ou à suspensão no tempo. Além disso, cada capítulo é antecipado por prelúdios mínimos que, ao chegar ao desfecho do livro, o leitor perceberá que se encaixam, entretecendo toda a obra e trazendo, até certo ponto, a sensação de um romance. Em que medida a poesia interfere na produção de sua obra? A poesia, vista como uma associação harmoniosa de palavras e imagens, se apresenta em Queda da própria altura por meio de uma prosa carregada de lirismo e menos acelerada que a da antologia anterior. Este é um livro construído pela ausência, uma tentativa de eternizar algo que o destino não me permitiu. Por isso, embora urdida por um evidente pesar, a obra denota um teor contemplativo, uma elevação de possibilidades abstratas que considero naturais da poesia. Os personagens estão transitando à beira do abismo, um limiar propenso à queda. Esse agravamento cria passagens onde o lirismo sobressai. No entanto, mesmo com velocidades distintas, o vigor da prosa é igual em ambos os livros. O nocaute continua presente, acontecendo agora de maneira gradual, pressionando o leitor até o último round.

Escrito no século 19 pelo espanhol Pedro Felipe Monlau sob o pseudônimo D. Dimas UNESP/REPRODUÇÃO Camándula, o livro, com seu estilo clássico e sarcástico, atravessou o tempo sem perder sua desconcertante atualidade. Tema que jamais saiu da berlinda em toda a história e parece revigorar-se a cada dia, a propensão humana ao roubo, para o autor, é inata e comum a todos os mortais. Camándula esclarece que há duas categorias de ladrões – a de ladrões “normais” e a de ladrões “excepcionais”, informação fundamental para justificar a obra. Dirigido aos ladrões “normais”, os “homens de bem”, o livro apresenta-se como manual prático para ajudá-los a se prevenir da ação malévola do outro grupo. PSICANÁLISE O SUJEITO NA CONTEMPORANEIDADE De Joel Birman Editora Civilização Brasileira, 160 páginas, R$ 29,90 Da modernidade à atualidade, algo de fundamental aconteceu nas categorias CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA/REPROD. constitutivas do sujeito, redirecionando então as linhas de força do seu mal-estar. É no quadro estrito desse contraste que se inscreve a espinha dorsal do estudo. Sem deixar de levar em conta a situação socioeconômica e cultural, mas focalizando nas formas de mal-estar que assaltam o sujeito na contemporaneidade, Birman faz uma análise acurada das linhas de forças em jogo nesta passagem de um sujeito da modernidade para o sujeito contemporâneo. Entre os temas tratados pelo autor estão o vazio do existir, a violência, a somatização e a cultura das drogas. FICÇÃO JAMES LINS – O PLAYBOY QUE NÃO DEU CERTO De Mario Prata Editora Planeta 192 páginas, R$ 24,90 Escrita nos anos 1990 no formato de folhetim, a novela narra em primeira pessoa os PLANETA/REPRODUÇÃO acontecimentos que se seguiram à prisão de James Lins, um suposto amigo de infância do escritor Mario Prata, condenado a mais de 200 anos de prisão. A história de James (o nome é formado pelas iniciais do personagem, José Augusto Magalhães Esteves Soares) é dividida em 30 capítulos, em clima de simulação, que renderam muitas cartas de leitores e consequente interatividade, com mudança dos rumos da trama durante a publicação das crônicas no jornal.


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