sumário 01
Filosofia do Direito e seus fundamentos
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Direito e Justiça
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Hermenêutica e Interpretação do Direito
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No que concerne ao seu objeto, Arthur Kaufmann assinala caber à Filosofia
ue01 Filosofia do Direito e seus fundamentos
do Direito “desenvolver uma teoria da justiça racional como medida de valoração para o direito positivo e, com isso, também, uma doutrina sobre a validez do Direito”. A Filosofia do Direito teria então várias funções: definir o que é o Direito; para que serve; analisar se as normas elaboradas são justas ou injustas; verificar se há efetividade dessas normas quando aplicadas; questionar se a coação faz parte da essência do Direito; etc.
NOÇÃO E OBJETO A Filosofia do Direito se origina das práticas gerais da Filosofia, mas se dedica à reflexão de um objeto específico que não é outro senão o próprio Direito, tendo ganho terreno na Época Moderna (século XVI) ao tornar-se uma ciência autônoma. Como marco de sua autonomia, pode-se destacar a publicação da obra de Hegel intitulada Fundamentos de Filosofia do Direito, em 1820. Mas foi somente no século XX que a disciplina ganhou maior reconhecimento. A Filosofia do Direito, num primeiro momento, é um campo da construção filosófica que tem por objeto o estudo crítico a respeito das construções jurídicas e da sua práxis, identificando os problemas fundamentais da sociabilidade humana. Para Miguel Reale, a Filosofia do Direito seria uma “perquirição permanente e desinteressada das condições morais, lógicas e históricas do fenômeno jurídico e da Ciência do Direito”. Para Goffredo Telles Junior, a Filosofia do Direito seria “a ciência da disciplina da convivência humana pelas primeiras causas”, considerando o autor como primeiras causas àquelas inacessíveis pelos sentidos, e que devem ser alcançadas pelo pensamento. E segundo Paulo Nader, consiste na pesquisa conceitual do Direito e de suas implicações lógicas. Além disso, deve promo-
Os jusnaturalistas consideram que a Filosofia do Direito estuda a justiça. Por outro lado, os positivistas vêm no “dever-ser” o seu objetivo. Os formalistas consideram que a Filosofia do Direito tende a estudar e criticar o método jurídico utilizado cientificamente pelos juristas. Já os normativistas preocupam-se com as questões jurídicas históricas, visando assim contribuir para o aperfeiçoamento do direito positivo. E, por fim, os chamados sociologistas acreditam que a Filosofia do Direito deve ocupar-se do estudo dos fatos jurídicos. A Filosofia do Direito deve ainda ocupar-se em estabelecer a finalidade do Direito, bem como analisar seu aspecto valorativo e suas relações com a sociedade; deve resgatar as origens e valores fundantes dos processos e institutos jurídicos, identificando a historicidade e a utilidade das definições, das práticas e das decisões judiciais. A Filosofia do Direito deve ter como objetivo, dentre os muitos anteriormente citados, abalar a estrutura de conceitos arcaicos, de hábitos solidificados no passado e de práticas enraizadas e desconexas com a realidade sociocultural, desmascarando falsas ideologias que orientam a cultura da comunidade jurídica. bem como pré-conceitos que permeiam as atitudes dos operadores do Direito, descortinando as críticas necessárias para a reorientação da função de responsabilidade ético-social que repousa especialmente nas profissões jurídicas.
ver uma reflexão crítico-valorativa das instituições jurídicas. 4
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DIREITO E MORAL
Nessa linha de pensamento, o Direito seria considerado como uma parte
A palavra “direito” nos remete à noção de tudo aquilo que é certo, correto,
concêntricos, sendo o círculo maior o da Moral, e o menor o do Direito,
justo e equânime. O Direito como arte ou técnica procura melhorar as condições sociais, sugerindo e estabelecendo regras justas e equitativas de conduta; já como Ciência, trata do estudo e da compreensão das normas
da Moral e essa teoria é representada através da imagem de dois círculos existindo, portanto, um campo de ação comum a ambos, sendo o Direito envolvido pela Moral.
postas pelo Estado ou pela própria natureza do homem.
Mas essa teoria não se adéqua à nossa realidade, porque nem todas as nor-
Para Miguel Reale, o Direito é uma ordenação bilateral atributiva das rela-
moralidade no Direito, representando-se a relação entre Direito e Moral com
ções sociais, na medida do bem comum. Em geral as normas são elaboradas para serem cumpridas, numa relação estabelecida entre duas pessoas, atribuindo direitos e obrigações a cada um dos entes participantes dessa relação, visando à busca do bem comum, ou seja, à ordenação daquilo que cada homem pode realizar sem prejuízo do bem alheio. A Moral, em sentido amplo, é o conjunto de regras de conduta admitidas em determinada época ou por um grupo de pessoas. Nesse sentido, o homem moral é aquele que age bem ou mal, na medida que acata ou transgride as regras já constituídas por um determinado grupo, e que orientam o
mas jurídicas são morais. O mais correto seria dizer que há um mínimo de dois círculos secantes. Para Hans Kelsen, que via o Direito como autônomo, distinguindo totalmente a validade de suas normas das regras morais, haveria apenas dois grandes círculos totalmente independentes um do outro, não se relacionando o Direito com a Moral. As diferenças mais significativas entre Direito e Moral são que o Direito é heterônomo, bilateral e coercível, ao passo que a Moral é autônoma, unilateral e incoercível.
seu comportamento. No entanto, a Moral não se reduz à herança de valores pré-estabelecidos por
A ÉTICA DO ADVOGADO
uma tradição, pois é eminentemente subjetiva. A ampliação do grau de consciência e de liberdade nos torna livres para aceitar ou não as normas morais
“Ética”, vem do grego “éthos”, que diz respeito aos costumes, aos hábitos dos
impostas. Logo, um ato será moral ou imoral de acordo com o crivo de acei-
homens. De forma genérica, a Ética, como uma parte da Filosofia, têm como
tação pessoal de cada um frente à norma moral imposta. A Moral, portanto,
objeto de estudo o comportamento moral a partir da análise das necessida-
se situa no tempo e no espaço.
des dos homens em sociedade.
A Teoria do Mínimo Ético consiste em dizer que o Direito representa apenas
A Ética pode ser entendida como uma forma de conduta esperada pela
o mínimo de Moral declarado obrigatório para que a sociedade possa sobre-
aplicação de regras morais previamente elaboradas para garantir um
viver. Os defensores dessa doutrina defendem que a moral é cumprida de
comportamento social.
forma espontânea, mas como as violações são inevitáveis, é importante que se impeça com vigor a transgressão dos dispositivos que a sociedade em geral
A Ética se preocupa em incutir nos homens uma consciência moral, além do
considera como indispensáveis para a paz.
seu próprio senso de moralidade, ou seja, uma reflexão que o levaria a avaliar a sua própria conduta e a agir em conformidade com o que deve ser feito, ou,
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pelo menos, de ter consciência de que aquela ação praticada viola um padrão
No âmbito jurídico se fala em Deontologia Forense ou Jurídica, um conjunto das
ético estabelecido, e que a consequência será responder perante a sociedade
normas éticas e comportamentais a serem observadas pelo profissional do Direito,
por uma escolha errônea.
ou seja, uma ciência que cuida dos deveres e direitos dos operadores do Direito. A Deontologia é uma ciência prática, e não especulativa, e por isso sua mis-
Segundo o imperativo categórico formulado por Kant, se deve agir “segundo
são não é indagar nem refletir o Direito, sua natureza, etc., mas sim analisar
uma máxima tal, que possas querer ao mesmo tempo que se torne lei univer-
a prática jurídica e a conduta dos seus operadores, definindo quais delas es-
sal”. A ética vem a ser o dever de agir na conformidade dos princípios que se
tão de acordo com os padrões mínimos de moralidade profissional que ga-
acredita que deveriam ser aplicados por todos e a todos.
rantam a dignidade no exercício profissional.
Segundo Eduardo Bittar, as normas éticas devem levar em consideração
No âmbito da advocacia, essas normas éticas estão estabelecidas na Lei
o que a experiência registrou como sendo bom e como sendo mau ao
8.906, de 4 de julho de 1994, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a
longo do tempo. Para Miguel Reale, toda a norma ética expressa um
Ordem dos Advogados do Brasil, e especialmente no Código de Ética e Dis-
juízo de valor ao qual se liga uma sanção, isto é, uma forma de garantir
ciplina da OAB.
a conduta que, em função daquele juízo, é declarada permitida, determinada ou proibida. A norma ética é formulada no pressuposto essencial da liberdade que tem o seu destinatário de obedecer ou não aos seus ditames. Logo, se caracteriza pela possibilidade de sua violação. Em resumo, a norma ética se estrutura como um juízo de dever ser, antecedendo a melhor direção a ser tomada. No âmbito profissional a necessidade de estabelecer-se normas éticas de conduta tornou-se imperativa, estabelecendo-se a chamada Ética profissional, uma espécie de especialização de conhecimentos aplicados, vinculando-se às ideias de utilidade, prestatividade, lucratividade, categoria laboral, engajamento em modos de produção ou prestação de serviços, exercícios de atividades regularmente desenvolvidas de acordo com finalidades sociais, etc. Tal é a importância desse conjunto de normas éticas para o exercício profissional, que criou-se a Deontologia, nome que se dá ao complexo de princípios e regras que disciplinam particulares comportamentos dos integrantes de uma determinada profissão. 8
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ente que, de maneira originária, é enquanto deve ser. Ou seja, o ser humano é
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o único que existe e atua, podendo vislumbrar uma perspectiva de melhoria,
Direito e Justiça
De acordo com Platão, quanto mais sábio um homem, mais justo ele será.
daquilo que ele deve ser para contribuir para o bem comum da sociedade.
Logo, justo é aquele que conhece a justiça. E a justiça constitui a principal virtude, a própria condição das outras virtudes. Para o filósofo grego, para que o Estado seja bem governado é preciso que os filósofos se tornem reis, ou que os reis se tornem filósofos.
O CONCEITO DE JUSTIÇA A palavra “justiça” deriva do latim “justitia”, que pode significar direito, equidade, administração da lei, e que origina outras palavras como “justus”, que corresponde ao que é justo ou correto, e a palavra “jus”, que é sinônimo de direito, de correto, e também de lei. Em sentido amplo, justiça indica sempre uma conformidade, algo que está correto. Em sentido subjetivo, a justiça é sentimento; uma espécie de intuição que leva o ser humano a distinguir o certo do errado. Modernamente, se usa a palavra justiça em um sentido mais objetivo, que se afasta de valor ideal. Segundo Miguel Reale, a justiça corresponderia à ordem social que os atos de justiça projetam ou constituem, ou seja, a justiça seria concebida como a realização do bem comum, conditio sine qua non para garantir a convivência harmônica entre os indivíduos, preservando valores como a igualdade e a liberdade. É sob esse aspecto que a justiça é vista pelos autores contemporâneos. Se analisarmos a história da teoria da justiça, é possível identificar três tendências fundamentais: 1. justiça como qualidade subjetiva, ou seja, uma vontade de dar a cada um o que é seu; 2. justiça como uma ordem objetiva, ou seja, como sinônimo de ordem social justa; e 3. uma junção das duas anteriores. Por exemplo, vamos trazer aqui uma, do grande mestre Miguel Reale. Para ele, a justiça é uma intenção radical vinculada às raízes do ser do homem, o único 10
A virtude suprema seria a obediência à lei que, por sua vez, é elaborada pelos sábios e por essa razão deve ser obedecida. O legislador tem de conseguir o seu cumprimento pela persuasão em primeiro lugar, aguardando a atuação consentida dos cidadãos livres e racionais. Caso não o consiga, deve usar a força: a prisão, o exílio ou a morte. Aristóteles, por sua vez, vê a justiça sob algumas facetas, podendo ela ser distributiva, corretiva ou de reciprocidade. A justiça distributiva trata da distribuição de riquezas, benefícios e honrarias, segundo o célebre parâmetro de dar a cada um de acordo com seu mérito; a justiça corretiva seria uma proporção aritmética baseada na reparação do quinhão que foi, voluntária ou involuntariamente, subtraído de alguém por outrem; e a de reciprocidade enfoca um aspecto mais econômico, relacionando-se à produção. Segundo Santo Agostinho, a justiça é vista na lei de Deus, logo, não pode ser mensurada pelos atos dos homens, mas apenas por Deus. Agostinho se afasta da tradição jurídica clássica ao acreditar que nenhum ato realizado pelo homem pode ser mensurado como justo Portanto, o justo é visto como uma graça divina. E para São Tomás de Aquino, a justiça é considerada como o ato de fazer o bem ao outro, e a sua manifestação pode ser classificada como distributiva ou retributiva (comutativa). Portanto, uma lei que não seja voltada ao bem comum não pode ser considerada como tal. 11
CONCEPÇÕES DE JUSTIÇA
Para os comunitaristas é preciso um referencial prévio, um conjunto valores
Rawls é herdeiro de uma tradição liberal. Sua principal questão é buscar
se podendo falar num universalismo da justiça. Muito pelo contrário, a justi-
conciliar direitos iguais numa sociedade desigual, tentando conciliar esforço intelectual com meritocracia para atingir a ideia de igualdade, abrindo caminho para a aceitação dos direitos das minorias e também para as políticas de ação positiva. A sua teoria privilegia uma política de compensação social, com vistas a ampliar e facilitar as possibilidades de ascensão de minorias, até então rejeitadas ou excluídas socialmente. Dessa forma se cumpriria a meta de fazer com que a sociedade de bem-estar fosse maximizada em função dos que estão na pior situação, garantindo a máxima extensão dos direitos de cada um, e a realização da justiça. A concepção de justiça libertária, cujo nome mais importante é o de Robert Nozick, defende que todos têm direitos que devem ser considerados inviolá-
formados na comunidade para se decidir sobre o que é justo ou injusto, não ça deve levar em conta a noção de bem comum para se guiar. A concepção de justiça igualitária, cujo principal representante foi Ronald Dworkin, traz a ideia principal de que a liberdade e a igualdade não são contraditórias, mas complementares. Para ele, o bem-estar social não precisa estar em oposição aos direitos individuais, muito pelo contrário. Acredita que tanto direitos individuais quanto o bem-estar social estão fundados na igualdade, afastando-se das teorias liberais baseadas em Rawls que pretendem dar conta da justiça em termos puramente políticos, estabelecendo um “igualitarismo liberal”, baseado, por exemplo, na igual distribuição de recursos. Dworkin sustenta que um Estado liberal deve sim ser neutro quanto às dife-
veis, inclusive pelo próprio Estado. Defende então um Estado mínimo.
rentes formas de vida, isto é, ele não deve impor uma concepção particular
Para ele é possível pensar a emergência de um modelo de Estado Moderno a
mas para que todas as pessoas realizem seus projetos existenciais. A condi-
partir de uma inteligência estritamente econômica do social, cabendo a esse Estado apenas defender e garantir a proteção aos direitos individuais, pois liberdade implica em escolhas individuais. Portanto, a concepção libertária é uma crítica à justiça distributiva, alegando que a distribuição não pode ser ponto de legitimidade para a ampliação do Estado.
de vida feliz. Entretanto, não pode se eximir de garantir as condições mínição mínima mais evidente, nesse sentido, é o acesso à educação básica. A concepção de justiça capacitária, que tem como expoente Amartya Sen, reexamina a questão da desigualdade, defendendo uma busca por justiça social a partir de um processo de igualdade das capacidades. Ou seja, as capacidades das pessoas devem ser igualadas, caso contrário, não poderão realizar escolhas genuínas.
A concepção de justiça comunitarista tem como principal expoente Michael Walzer. Para os comunitaristas, o indivíduo deve ser considerado como um membro inserido numa comunidade política de iguais, devendo viver de forma cooperativa para essa comunidade, tendo sempre em mente que suas
JUSNATURALISMO E POSITIVISMO: UM CONFLITO ETERNO?
ações devem visar ao bem comum. O Jusnaturalismo defende que o Direito é independente da vontade humana,
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Para Walzer, a justiça se relaciona à ideia de igualdade complexa, que por sua
existindo antes mesmo do homem e da criação das leis, sendo, portanto, algo
vez deve levar em conta: 1) bens sociais distintos; 2) razões sociais distintas;
natural pautado no ideal de justiça. Em sendo assim, o direito seria universal,
3) procedimentos distintos; 4) e agentes distributivos distintos dessa justiça.
imutável e inviolável, pois nada mais é senão a lei imposta pela própria natureza. 13
Ao longo do tempo, o Jusnaturalismo buscou diferentes fundamentos. Numa
Em seu prefácio à “Teoria pura do direito”, Kelsen dirá:
primeira fase, na Antiguidade clássica, centrou seu fundamento no cosmos. Na Idade Média teve como fundamento jurídico a ideia da divindade como
“Há mais de duas décadas que empreendi desenvolver uma te-
um ser onipotente, onisciente e onipresente.
oria jurídica pura, isto, é, purificada de uma ideologia política e de todos os elementos da ciência natural, uma teoria jurídica
Nos séculos XVII e XVIII, surge o Jusnaturalismo Racionalista, em meio às
consciente da sua especificidade porque consciente da legalidade
revoluções liberais burguesas, tendo como fundamento a razão humana uni-
específica de seu objeto”.
versal. E mais contemporaneamente, no século XX, o Jusnaturalismo adotou um viés mais empírico, fundamentando a justiça no plano histórico e social,
Para Kelsen, o direito só pode ser entendido cientificamente a partir de uma
atentando para as diversas acepções culturais acerca do direito justo.
especificidade que é normativa, do campo do dever-ser. Assim sendo, a proposta kelseniana reside numa ciência normativa, do dever-ser.
O grande mérito da doutrina jusnaturalista foi chamar a atenção para a necessidade de um tratamento axiológico para o Direito, abrindo espaço para a
O resultado do método kelseniano é uma profunda objetividade, mas tam-
discussão sobre a justiça e sobre os critérios de edificação de um direito justo.
bém um distanciamento enorme das manifestações da totalidade social. Mesmo com esse distanciamento, é certo que a sua construção teórica
O Juspositivismo consiste numa redução do Direito aos limites da sua mani-
formal objetiva, encerrada em normas estatais, consolidou uma forma do
festação e elaboração estatal, ou seja, ao normativismo estatal.
jurista de compreender o Direito e manejá-lo tecnicamente que alcançou fama e uso universal.
Foram vários e distintos os pensamentos que se vinculam, de certa forma, ao Juspositivismo. Entretanto, é possível distinguir-se três grandes correntes
No que diz respeito à produção normativa, Kelsen acredita que as normas
dentro do pensamento juspositivista: ecléticos; estritos; e éticos.
não são produzidas apenas pela lógica, mas elas existem por razão dos atos de vontade do legislador que as cria. Mas esses atos de vontade não são li-
Em esquema comparativo resumido, pode-se dizer que o Jusnaturalismo se
vres, sempre se fundam num respaldo lógico, pois para que uma norma pos-
baseia em leis superiores, naturais; entende o Direito como algo metafísico; e
sa existir e ser válida, é necessário que se apoie em normas superiores, que
tem como pressuposto de validade os valores. Ao passo que o Juspositivismo
facultem ao legislador, então, produzir as normas inferiores.
se baseia em leis impostas, formais; vê o Direito como um produto da ação humana, algo empírico-cultural; e se legitima no próprio ordenamento jurídico.
Para Kelsen a ciência do direito só pode ser pensada a partir de uma construção escalonada do ordenamento jurídico, que estabelece patamares tendo por base a hierarquia das normas, tendo por base as normas individualiza-
DIREITO E CIÊNCIA EM HANS KELSEN
das, como sentenças e portarias; em seu centro, ocupando a maior parte,
O que Kelsen propõe com a sua teoria é postular a própria cientificidade do
as leis; e no último escalão estariam as normas constitucionais.
estariam as normas de outros níveis hierárquicos mais determinantes, como
Direito, daí a sua pureza, por não tratar dos dados concretos da realidade jurídica, que são parciais e não dão conta de explicar a estrutura formal do direito, mas apenas da norma jurídica em si. 14
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TEORIA TRIDIMENSIONAL DE MIGUEL REALE
Portanto, pode-se dizer que a Teoria Tridimensional do Direito de Miguel
A teoria tridimensional do direito é um arcabouço teórico que foi esboçado
ceito de interdependência entre fato, valor e norma, e sua integração com
por Miguel Reale pela primeira vez em 1940, no seu trabalho de tese intitulado “Fundamentos do Direito”, e aperfeiçoado em 1968.
Reale trouxe uma nova visão de Direito, na qual a premissa básica é o cono meio social numa dialética de complementaridade, visando sempre a um objetivo maior que é o alcance da justiça e da equidade.
A afirmação de que o Direito é tridimensional surgiu, primeiramente, com a verificação de Reale de que a grande maioria dos jusfilósofos, ao exporem os princípios gerais do Direito, seguiam sempre interpretações exclusivistas do direito, filiando-se a uma das três principais escolas de pensamento na área: normativista; sociologista; ou moralista. A primeira observação de Reale é que não é somente a norma jurídica que contribui para identificar o fenômeno jurídico. Para ele, a realidade social é também constituinte fundamental do direito, na medida em que os fatos se lançam como seu lastro existencial. Por outro lado, o direito também não pode se esgotar no fenômeno bruto do poder ou da realidade social, pois além dos fatos e das normas, estão os valores. E daí nasce a sua brilhante visão tripartite. A visão tridimensional de Miguel Reale se assenta na percepção de que o fenômeno jurídico se constitui como tal justamente pela interação real de fato, norma e valor, numa dinâmica processual de mútua implicação. Para Reale os valores se desenvolvem de relações históricas concretas, portanto, não podem versar sobre o metafísico nem sobre o divino, por serem realizáveis. Por outro lado, não se esgotam numa identidade de origem e fins com a própria realidade social, pois são maiores que o dado, são inexauríveis. Os fatos, por sua vez, também não são tomados como dados brutos, mas compõem o direito como realidade compreendida. E, para se compreender, é preciso não apenas conhecer os fatos, mas valorá-los. Nesse sentido, para Reale, fato, valor e norma devem estar integrados num processo dinâmico de interação. 16
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O termo apareceu em obras de Platão e outros escritores antigos, voltando-se
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o seu significado à função de esclarecer algo, mais como uma técnica do que
Hermenêutica e Interpretação do Direito
tas é que se podia entender e conhecer, verdadeiramente, a realidade.
uma ciência. Sua importância era secundária para Platão, tendo em vista que as palavras estavam abaixo das ideias, sendo que apenas por intermédio des-
Diferentemente de seu mestre, Aristóteles estabeleceu uma relação entre os conceitos e a realidade, entendendo que o processo do conhecimento se faz por meio de abstrações daquilo que é adquirido por meio da ex-
HERMENÊUTICA - ORIGEM “Hermenêutica” deriva do verbo grego “hermeneuein” e do substantivo “hermeneia”, estando o seu significado associado à ideia de “tornar compreensível”, de “declarar”, “anunciar”, “interpretar”, “esclarecer” ou “traduzir”. Costuma-se associar o termo a Hermes, o deus grego mensageiro. Na mitologia grega, Hermes era o deus capaz de transformar tudo o que a mente humana não compreendesse, a fim de trazer para a compreensão algo que estivesse incompreensível. A ele foi atribuída a descoberta da linguagem e da escrita. A Hermenêutica é a arte ou o método interpretativo que procura compreender, interpretar ou traduzir de maneira clara signos inicialmente obscuros, dividindo-se o seu estudo em diversas fases ao longo da história. A primeira função da hermenêutica estava relacionada à interpretação pelos sacerdotes das mensagens dos oráculos, geralmente fugidias e mal incompreendidas pelos profanos. Posteriormente, mantém uma estreita ligação com a interpretação de textos religiosos ao se relacionar com a Bíblia, sendo aplicada desde a época dos patriarcas do judaísmo, passando pela teologia medieval e a Reforma, até chegar à teologia moderna. O problema objetivo da hermenêutica começou com as questões da interpre-
periência sensível. Para ele, a hermenêutica se ocupa da relação entre a linguagem e o pensamento. Os romanos aproximam a hermenêutica do campo jurídico. Não se contentando em entender o texto da lei, buscavam compreender o seu significado, levando em conta os seus efeitos produzidos na vida das pessoas. Na Idade Média, a hermenêutica retorna ao centro dos estudos jurídicos a partir do resgate do “Corpus Iuris Civilis” de Justiniano, no séc. XII, cabendo à Escola dos Glosadores, interpretar de forma analítica essa compilação levada a cabo por Justiniano no séc. VI. A Escola dos Glosadores foi essencial para fornecer a base para ampliar o conhecimento do pensamento jurídico, confluindo a teoria à prática. A escola que sucedeu e superou a dos Glosadores foi a Escola dos Comentadores, estudiosos que passaram a interpretar o Direito Romano de forma mais livre, ao buscar soluções para casos concretos alicerçados no conjunto da obra, e não apenas em partes específicas do texto romano. Os comentadores faziam uma interpretação com base filosófica, associando o Direito à Ética, buscando integrá-lo a um valor fundamental: a Justiça. Na sequência surgiu o Movimento Humanista, mesclando métodos históricos e filológicos para o estudo do direito. Essa hermenêutica se baseava na racionalidade, e deu origem à hermenêutica contemporânea.
tação das Sagradas Escrituras, havendo, inclusive, várias escolas e correntes da exegese bíblica no antigo judaísmo. 18
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HERMENÊUTICA FILOSÓFICA
Hans Georg Gadamer mostra, em Verdade e Método (1960), que a interpretação,
Com Friedrich Schleiermacher, no início do século XIX, assiste-se a uma ge-
que aborda uma obra está já situado no horizonte aberto pela obra (é o “círculo
neralização do uso da hermenêutica, com base na racionalidade herdada do movimento humanista, passando a ser considerada como a “arte de compreender-se a expressão humana”. A Hermenêutica volta a sua atenção cada vez mais ao autor e não apenas para o texto. Ler um texto passa então a significar um diálogo com um autor e um esforço por reencontrar a sua intenção. É procurar compreender um
antes de ser um método, é a expressão de uma situação do homem: o intérprete hermenêutico”). A interpretação é antes de tudo, a elucidação da relação que o intérprete estabelece com a tradição de que provém, aproximando-se dos textos com suas “pré-suposições”, com suas expectativas, que se tornam, “pré-juízos”.
HERMENÊUTICA JURÍDICA, INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DA LEI
espírito por intermédio das obras nas quais ele se exprimiu. É com a obra de Wilhem Dilthey que a hermenêutica assume o estatuto de um método de conhecimento especialmente apto para dar conta do fato humano, irredutível em si mesmo aos fenômenos naturais. Segundo Dilthey, o texto a ser interpretado é a própria realidade humana no seu desenvolvimento histórico. Aplicado ao estudo da ação histórica, o ato hermenêutico deve permitir restituir por assim dizer “do interior” a intenção que guiou o agente no momento em que ele tomava tal decisão, e permitir assim alcançar a significação desta ação, buscando-se a compreensão do outro a partir da compreensão da nossa própria vida. Heidegger opera duas rupturas em relação à concepção de hermenêutica desenvolvida por Dilthey. A hermenêutica não pode mais ser compreendia como o ato cognitivo de um sujeito descomprometido com o mundo, mas antes como uma dimensão essencial da existência. Compreender é um modo de estar antes de ser um método científico. A questão da compreensão já não está, em Heidegger, ligada ao problema do reencontro do outro. A interrogação hermenêutica deve considerar menos as minhas relações com o outro do que a relação que eu estabeleço com a minha situação no mundo. O horizonte da compreensão é a captação e a elucidação de uma dimensão que precede a distinção sujeito/objeto: a do ser-no-mundo do homem. A hermenêutica, como dimensão da existência, está antes orientada para o “mundo do eu”. 20
A Hermenêutica jurídica é considerada como a “arte de interpretar as leis”, ou melhor, é um sistema de regras para interpretação das leis. A interpretação e a aplicação são técnicas que dela derivam. Para Hermes Lima: a Hermenêutica Jurídica, como uma ciência da interpretação, tem como objetivo adequar a norma geral e abstrata ao caso concreto, pois os dispositivos legais não se aplicam automaticamente, e a compreensão da vontade normativa da lei é indispensável, mesmo quando as leis são claras. A Hermenêutica estabelece princípios e conceitos que buscam formar uma teoria adaptada ao ato de interpretar, preocupando-se sempre em alcançar o bem da coletividade. É o que preceitua o art. 5º da LINDB. “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”. Por isso, o primeiro cuidado do hermeneuta jurídico consiste em saber qual a finalidade social da lei, pois é o fim que possibilita penetrar na estrutura de suas significações particulares. Para José Cretella Júnior: “Interpretar é descobrir o sentido de determinada norma jurídica ao aplicá-la ao caso concreto. A necessidade da interpretação é devido a noções elásticas as quais precisam ter seu sentido real apreendido a fim de verificar-se a adequação da hipótese enunciada na regra jurídica ao caso concreto posto a clareza meridiana contida na expressão.” 21
A vacuidade, ambigüidade do texto, antinomias (normas incompatíveis en-
conhecimento perfeito da língua, informações aprofundadas sobre o au-
tre si), falta da terminologia técnica, má redação, obrigam o operador do
tor; conhecimento histórico do assunto em questão; e certeza da autenti-
direito, a todo instante, interpretar a norma jurídica visando encontrar o seu
cidade do texto.
real significado, antes de aplicá-la a caso “sub judice”. De qualquer forma, é preciso ter em mente que todas as leis necessitam de interpretação para que
Apesar ser o primeiro passo para a interpretação de um texto, é necessá-
suas disposições possam abranger os diversos e variados casos que a comple-
rio colocar seus resultados em confronto com outras espécies de interpre-
xidade da vida social apresenta, mesmo que pareça clara.
tação, uma vez que por si só é um critério insuficiente, porque não considera a unidade que constitui o ordenamento jurídico e sua adequação à
Por esta razão, a máxima “In claris cessat interpretatio” não deve ser apli-
realidade social.
cada! Mesmo as leis que são consideradas claras, comportam interpretação. Isso ocorre porque não existe a segurança imediata de que a lei corresponda
O método lógico se baseia na investigação da ratio legis, ou seja, da razão le-
à vontade legislativa que pode ter sido traduzida de forma dissonante.
gal que busca descobrir o sentido e o alcance da lei sem o auxílio de qualquer elemento exterior, aplicando ao dispositivo um conjunto de regras tradicio-
Múltiplos são os objetivos da interpretação. Dentre eles: deduzir uma
nais e precisas, tomadas de empréstimo à lógica geral. Funda-se no brocardo
orientação geral de muitos princípios particulares; deduzir de um princí-
“Ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio” (“Onde está o racional está a
pio geral princípios particulares que ao primeiro sempre se hão de referir;
correta disposição legislativa”).
concordar disposições diversas, indicando o espírito de unidade lógica em que se inspiram.
Esse método procura a idéia legal que se encontra sub litteris, partindo do pressuposto de que a razão da lei pode fornecer elementos para a compreensão de seu conteúdo, sentido e finalidade, haja vista que numa lei o que inte-
MÉTODOS INTERPRETATIVOS: GRAMATICAL, LÓGICO E SISTEMATICO Os métodos de interpretação constituem os recursos de que se vale a atividade interpretativa para atingir seus objetivos. São regras técnicas que visam à obtenção de um resultado, convergindo para solucionar os problemas de decidibilidade dos conflitos. Os métodos mais usuais são as interpretações: gramatical (literal, textual, verbal, filológica, semântica), lógica, sistemática, histórica, sociológica, teleológica e axiológica. O método gramatical visa estabelecer o sentido objetivo da lei com base em sua letra, ou seja, atendo-se ao valor semântico das palavras. De acor-
ressa não é o seu texto, mas o alvo fixado pelo legislador. A ratio legis busca consagrar os valores jurídicos dominantes e deve prevalecer sobre o sentido literal da lei, quando em oposição a este. O processo lógico permite que a interpretação alcance elevado padrão de rigor e segurança, entretanto, como destaca Flóscolo da Nóbrega: “tem o grave inconveniente de esvaziar a lei de todo o conteúdo humano, de tratá-la em termos de precisão matemática, como se fosse um teorema de geometria”. A interpretação sistemática é responsável por buscar o sentido da norma à luz de outras normas e princípios do ordenamento jurídico, dentro de uma perspectiva de unidade e coerência, procurando compatibilizar as partes entre si e as partes com o todo. Esse método considera o caráter estrutural do Direito.
do com Carlos Maximiliano, esse método exige os seguintes requisitos: 22
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MÉTODOS INTERPRETATIVOS: HISTÓRICO, SOCIOLÓGICO, TELEOLÓGICO E AXIOLÓGICO.
O objetivo atualizador está relacionado à atualização da interpretação, ou seja, a uma interpretação histórico-evolutiva dotando de elasticidade a norma, permitindo que ela abranja situações novas que não puderam ser previstas pelo legislador. E o objetivo transformador da interpretação sociológica refere-se às reformas sociais, à satisfação dos anseios de justiça,
A interpretação histórica é a que se faz à luz da occasio legis, ou seja, da
ao atendimento das exigências do bem comum.
circunstância histórica da regra que está sendo interpretada. Para melhor compreender a norma, é feito um exame de sua evolução temporal, até que
A interpretação teleológica procurar revelar o fim da norma, o valor ou bem
se chegue à sua compreensão na atualidade.
jurídico a ser protegido. Isso porque a lei não explicita os interesses que defende, nem as valorações que a fundamentam, cabendo ao hermeneuta pes-
O método histórico baseia-se no processo de investigação dos antecedentes
quisá-los com vistas a descobrir essa finalidade a assegurando a tutela do
da norma. Pode referir-se ao histórico do processo legislativo ou aos antece-
interesse, para a qual foi estabelecida.
dentes históricos e condições que a precederam. O contexto do processo de elaboração da Constituição Federal é um exemplo
A interpretação axiológica leva em consideração os valores que estão presentes na sociedade. Como reflete Miguel Reale, a lei busca sempre um valor,
Como lembra Herkenhoff, nesse método interpretativo o que se leva em
cuja preservação ou atualização o legislador teve em vista garantir, arman-
conta são as idéias, os sentimentos e os interesses dominantes ao tempo da
do-o de sanções, assim como também pode ser fim da lei impedir que ocorra
elaboração da lei porque a lei representa uma realidade cultural que se situa
um desvalor. A análise dos valores sociais exige do hermeneuta um processo
na progressão do tempo. Logo, uma lei nasce obedecendo determinadas as-
compreensivo da estrutura social.
pirações da sociedade traduzidas pelos que a elaboraram, mas o seu significado não é imutável, por isso é necessário verificar como a lei disporia se, no tempo de sua feitura, houvesse os fenômenos que se encontram presentes no momento em que se interpreta ou aplica a lei. O processo histórico-evolutivo considera que a lei não tem conteúdo fixo, invariável, não pode viver para sempre imobilizada dentro de sua fórmula verbal, de todo impermeável às ações do meio, às mutações da vida. Segundo esse método, o intérprete busca descobrir a vontade atual da lei e não a vontade pretérita do legislador, vontade que deve sempre corresponder às necessidades e condições sociais. A interpretação sociológica abre o ordenamento jurídico para a realidade social através de três objetivos: eficacial, atualizador e transformador. Pelo objetivo eficacial, a interpretação sociológica confere aplicabilidade à norma em relação aos fatos sociais por ela previstos, dando-lhe eficácia. 24
EFEITOS DA INTERPRETAÇÃO A interpretação declarativa (ou especificadora) se verifica quando o sentido e o alcance atribuídos à norma jurídica correspondem ao que normalmente se verificam juridicamente. Logo, haverá uma correspondência necessária entre a expressão lingüístico-legal e a vontade do intérprete, sem necessidade de ampliá-la ou restringi-la. A questão, portanto, é de relação entre a vontade do intérprete no momento de construção da norma e o sentido/alcance que geralmente se atribui ao texto. Um exemplo de interpretação declarativa. O crime de furto (art. 155 do CP): “Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel”. O texto não parece vago nem ambíguo, logo, não admite que se atribua dois ou mais sentidos à norma. As expressões “coisa alheia”, “móvel”, “subtrair”, por 25
exemplo, são unívocas no direito brasileiro. Portanto, o efeito da inter-
O sistema normativo não é completo, mas “completável”, pois existem lacu-
pretação é declarar ou apenas especificar o único sentido possível dessa
nas oriundas do próprio dinamismo social que acaba se adiantando sempre
norma para o direito.
à previsibilidade legal. Quando existe a norma a ser aplicada, o juiz realizará a sua subsunção, ou seja, o enquadramento do fato individual ao conceito
Uma interpretação restritiva ocorre toda vez que se limita o sentido da nor-
contido da norma. No entanto, quando não houver uma norma aplicável ao
ma, não obstante a amplitude de sua expressão literal, para que se possa
caso sub judice, caberá ao juiz recorrer à integração normativa.
encontrar a sua real vontade. A aplicação da norma jurídica a um caso concreto pode ser expresso através Um exemplo de interpretação restritiva seria o do legislador quando diz
de um silogismo jurídico, sendo “A” a hipótese fática e “B”, a consequência.
“servidor público” quanto queria se referir a funcionário público de determinado setor.
Logo:
A interpretação extensiva ocorre quando há necessidade de ampliar o sentido
Premissa maior: Se A, deve ser B.
ou alcance da lei. Nesse caso, o texto da lei diz menos do que pretendia dizer.
Premissa menor: O fato previsto em A. Conclusão: Então, B
Um exemplo de interpretação extensiva discutido doutrinariamente é o do inciso VI, do art. 150, que trata da isenção de tributos a livros, jornais,
No exemplo prático: artigo 121 do Código Penal
periódicos e ao papel destinado a sua impressão. O problema é justamente o termo “papel” que restringe a aplicabilidade da norma no caso de
Premissa maior: Matar alguém.
periódicos e revistas “on line”. Com base no art. 200, § 1º, da CF, e 1º e
Premissa menor: José matou João
3º, que protege os valores sociais, essa norma poderia ser estendida, con-
Conclusão: Reclusão de 6 a 20 anos.
cedendo-se as imunidades. Quando o juiz não encontra norma que seja aplicável a um determinado caso concreto, o magistrado deve buscar uma solução adequada para integrar a
INTEGRAÇÃO DAS NORMAS
lacuna normativa e não deixar ninguém desamparado legalmente.
A interpretação declarativa (ou especificadora) se verifica quando o sentido
A LINDB, em seu artigo 4º, estabelece que “Quando a lei for omissa, o
e o alcance atribuídos à norma jurídica O magistrado tem a obrigação de
juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios
despachar e decidir todos os feitos que se enquadrem na sua jurisdição, não
gerais de direito”.
sendo lícito abster-se de julgar sob o pretexto, ou razão de ser a lei ambígua,
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omissa, ou obscura. Ou ainda, de não ter a mesma previsto as circunstâncias
Apesar a LINDB não contemplar a equidade como elemento de integração,
particulares do caso, ou serem incertos os fatos da causa. Na determinação
e muito menos como uma fonte do direito, ela deve ser considerada. A equi-
do direito que deve prevalecer no caso concreto, o juiz deve verificar se existe
dade pode ser um importante elemento na superação de lacunas, guiando o
uma norma aplicável e qual o seu sentido.
juiz na busca da consecução do mais justo.
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INTEGRAÇÃO DAS NORMAS PELA ANALOGIA, COSTUMES E PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO A analogia consiste na aplicação de uma lei semelhante a um fato concreto não previsto por lei. Portanto, na ausência de lei que verse sobre determinado fato jurídico, o juiz estende a ele a norma reguladora de um fato parecido. Não se pode confundir a analogia com a interpretação extensiva da norma, pois a analogia pressupõe a existência de uma lacuna na lei, ao passo que a interpretação extensiva ocorre quando existe uma lei, mas sua aplicação ao caso concreto depende de um entendimento extensivo dela. Atenção para o fato de que o Direito Penal não admite analogia! A aplicação
Esses princípios não podem ser contrários à lei, mas devem dispor de acordo com o que é juridicamente possível, de maneira a impedir que o juiz sentencie arbitrariamente, de acordo com sua opinião pessoal no caso de inexistência de norma reguladora. Como sua identificação e aplicação fica a critério de quem o invoca, há quem diga que só podem ser considerados princípios gerais de direito os contidos na Constituição Federal, no Código Civil, ou em qualquer tipo de legislação. Seriam exemplos de princípios gerais de direito: o princípio da publicidade (art. 5º, XXXIII, Constituição Federal), da irretroatividade da Lei Penal (art. 5º, XL, Constituição Federal); e no Código Civil, o artigo 3º, que diz: “Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece”.
da analogia confronta-se com o princípio da legalidade, no artigo 1º do Código Penal: “Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal”. Dessa forma, a conduta que não estiver prevista no Código Penal como crime, não o será. O costume é a prática uniforme, constante, pública e geral de determinado ato com a convicção de sua necessidade jurídica. Logo, dessa definição obtêm-se os seguintes critérios para a caracterização de um costume: continuidade, uniformidade, diuturnidade, moralidade e obrigatoriedade. O costume pode ser classificado conforme a sua relação com a lei: Secundum legem, quando está previsto em lei, Praeter legem, quando a complementa, e Contra legem, quando contraria a legalmente. Como ensina Miguel Reale, princípios gerais do direito são enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e orientam a compreensão d ordenamento jurídico, quer para a sua aplicação e integração, quer para a elaboração de novas normas. Logo, os princípios servem para orientar e condicionar a compreensão do ordenamento jurídico seja para a aplicação do direito, seja para a elaboração de nova norma, sendo até considerado por alguns o alicerce do direito 28
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