EMPREENDEDORISMO E INTRAEMPREENDEDORISMO
Prof. Ms. Bruno Brand達o Fischer
APRESENTAÇÃO Empreendedorismo e Intraempreendedorismo As atividades empreendedoras e intraempreendedoras representam aspectos centrais do processo de desenvolvimento nacional, regional ou municipal. A criação de micro e macroambientes propícios para o aproveitamento de oportunidades latentes é objetivo de políticas socieconômicas em múltiplos países, tendo em vista os efeitos multiplicadores de tais atividades sobre os tecidos empresariais. Não obstante, a formação e capacitação de recursos humanos qualificados a respeito destes temas ocupam um espaço central nesse assunto. Ter um ambiente que facilite a geração de iniciativas de conteúdo inovador não é o suficiente, por isso, nossa preocupação está pautada em formar líderes capazes de identificar e aproveitar as oportunidades existentes. Neste sentido, o material contido neste livro didático busca apresentar conceitos teóricos e empíricos a respeito dos temas relacionados às atividades empreendedoras e intraempreendedoras. Porém, mais do que o oferecimento de um marco conceitual sólido, é nosso objetivo oferecer ferramentas analíticas úteis e aplicáveis à realidade do aluno, permitindo, assim, o seu desenvolvimento como líder empresarial. Desejo a todos uma boa leitura. Bruno Brandão Fischer
UNIDADE 1 O empreendedorismo e sua importância Objetivos Primeiramente, os objetivos deste capítulo buscam estabelecer os conceitos fundamentais a respeito de empreendedorismo e intraempreendedorismo (ou empreendedorismo corporativo), introduzindo as ideias seminais de Schumpeter sobre a figura do empreendedor como recurso central para a geração de inovações no ambiente econômico. De maneira complementar, o texto oferece justificativas sobre a relevância do tema “empreendedorismo”, bem como uma primeira estrutura de análise deste fenômeno. A atividade empreendedora representa um conceito central aos objetivos de crescimento e desenvolvimento econômico de todo e qualquer entorno social. A existência de um corpo empresarial de características empreendedoras1 fortalece a dinâmica corporativa de países e regiões, criando focos de inovação (pense nos impactos globais gerados pelos empreendedores no Vale do Silício), contribuindo para a geração de empregos, fomentando a qualificação de recursos humanos através de incentivos de mercado, alavancagem da concorrência, gerando potenciais ganhos em termos de balança comercial e atração de investimentos produtivos. A estes, poderíamos agregar um amplo espectro de impactos diretos e indiretos, de caráter econômico, empresarial, tecnológico, científico e social, permitindo que seja contemplada a ideia de empreendedorismo em torno à sua grande capacidade de geração de efeitos multiplicadores. No entanto, ainda que sua ocorrência remonte aos primórdios das atividades econômicas das civilizações, a preocupação a respeito de sua análise e estudo datam de períodos muito mais recentes, coincidindo com as origens do pensamento econômico e administrativo fundamentado em premissas científicas e aptas a gerar conhecimento útil e aplicável. 1 Conforme veremos, o conceito de empreendedorismo em qualquer esfera envolve mais do que a mera abertura de um negócio próprio.
Empreendedorismo e Intraempreendedorismo
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No livro “A Imaginação Econômica”, escrito pela historiadora econômica Sylvia Nasar da Universidade de Columbia, uma análise da evolução do pensamento econômico – e de suas tentativas de promover respostas aos ciclos e comportamentos dos mercados – é desenhada em torno dos grandes teóricos desta ciência. É do interesse deste curso ressaltar aquele que desenvolveu e explicitou o papel fundamental do empreendedor na geração de riqueza para as nações: Joseph A. Schumpeter. A obra de Schumpeter é considerada a gênesis da abordagem econômica sobre o papel do empreendedor, sua função como agente de inovação no ambiente empresarial e a consequente visão dinâmica e evolutiva da economia como um todo. Conforme exposto no parágrafo acima, tais propostas fazem parte daquelas de maior impacto sobre o pensamento econômico, influenciando não só o pensamento teórico, mas as práticas gerenciais e políticas públicas relacionadas. Exemplo disso são as estratégias de inovação adotadas por empresas de todos tamanhos, estruturando e evidenciando a importância de tais iniciativas para a competitividade do negócio, bem como os recursos dedicados por governos à gestação de novos empreendimentos (frequentemente aqueles de base tecnológica) e apoio a atividades inovadoras (especialmente Pesquisa e Desenvolvimento, mas também uma série de outras formas de fomento) no ambiente empresarial. Assim, o empreendedor, em qualquer esfera de análise (individual ou corporativo), é um agente econômico capaz de perceber oportunidades latentes de mercado, devido à prática de metódicos esforços analíticos, mas não apenas isto. O empreendedor se diferencia no ambiente empresarial, principalmente, pela sua propensão ao risco, persistência e capacidade de liderança. Drucker (2008) relaciona fortemente a atividade empreendedora à capacidade administrativa como um todo, colocando especial ênfase na capacidade de tomada e gestão de riscos por parte do empreendedor. De outra forma, as iniciativas empresariais se encontrariam em estagnação, incapazes de evoluir rapidamente, tornando-se agentes meramente reativos no ambiente concorrencial. Entendido desta maneira, talvez não haja risco maior para a competitividade da empresa em médio e longo prazo. Já Schumpeter agrega que o empreendedor, ao desenvolver atividades econômicas de caráter pioneiro, cria estímulos e dissemina conhecimento para a sociedade como um todo. Ao perceber oportunidades que até então não haviam sido percebidas por indivíduos ou empresas 6
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O empreendedorismo e sua importância – Unidade 1
anteriormente estabelecidos, o empreendedor alavanca novas atividades e caminhos de conhecimento. Adicionalmente, é comum que as necessidades do empreendedor não sejam totalmente supridas por fornecedores e recursos humanos com qualificações existentes. Tal necessidade, assim, promove uma adequação em larga escala do tecido econômico, promovendo efeitos multiplicadores, como anteriormente mencionados. Neste contexto, deve ficar patente que os conceitos de empreendedorismo e intraempreendedorismo estão intimamente conectados àquele de inovação, ou seja, de geração de vantagem competitiva a nível organizacional a partir de novas formas de agregação de valor econômico2. Isto estabelece que a abertura de novos negócios ou de novas frentes empresariais per se não corresponde necessariamente a uma atividade empreendedora em natureza. Esta orientação será utilizada ao longo do texto, no qual se estabelecerá enfoque na importância da atividade inovadora para o ambiente mercadológico, bem como aspectos introdutórios a respeito da sua gestão. Primeiramente, deve-se entender que o conceito de risco se diferencia daquele referente à incerteza, não representando uma situação que foge ao controle cognitivo do indivíduo, mas uma capaz de ser gerenciada a partir de: i) probabilidade de ocorrência do evento; ii) existência de alternativas de escolha. O empreendedor não é, portanto, inconsequente em suas escolhas, mas um entendedor dos potenciais de mercado e um formulador de planejamentos rigorosos que permitam a exploração de oportunidades e a proteção aos eventos indesejáveis através de planos de contingência. Por outro lado, a persistência é uma qualidade fundamental para o perfil do empreendedor/intraempreendedor. Ao representar um indivíduo tomador de riscos, este aceita uma probabilidade de perda econômica superior àquele que possuir aversão ao risco, tendo como objetivo ganhos superiores aos rendimentos ocorridos a partir da lógica vigente. Não é raro, no entanto, que tais iniciativas acarretem em fracassos de curto prazo. Lidar com os erros e falhas, aprender com eles e gerar um conteúdo de conhecimento para novas tentativas é fundamental para a formação efetiva do empreendedor. Sob o prisma de liderança, entende-se que o empreendedor é condição necessária, mas não suficiente para que uma nova empresa ou um 2 Na seção 1.1 Uma primeira visão a respeito do Empreendedorismo iremos oferecer uma conceituação mais precisa do termo “inovação”.
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novo projeto corporativo sejam realizados. A capacidade multidisciplinar requerida para a implementação e gestão de tais projetos torna a equipe ao redor do empreendedor/intraempreendedor o ativo mais relevante no processo de apropriação empresarial de uma oportunidade identificada. Aspectos referentes à motivação em torno de uma ideia arriscada, estabelecimento de foco e geração de sinergias entre recursos humanos ajudam a forjar o ambiente de complexidade no qual atua o empreendedor.
O Caso da Apple Computers Inc. Ainda que a marca Apple seja um dos ativos mais valiosos do mundo empresarial hoje, pouco é discutido pelo público em geral a respeito das origens desta organização de extremo sucesso, fruto da visão empreendedora de dois americanos nos idos da década de 1970: Steve Jobs e Steve Wozniak. O que se pode perceber na história deste empreendimento é uma exemplificação bastante clara dos mais fundamentais princípios do empreendedorismo, afinal, a Apple nasce de uma visão a respeito de uma oportunidade: o uso do computador pessoal. Este conceito de computação foi proposto por Jobs e Wozniak a outras empresas (o caso mais conhecido é o da Hewlett-Packard), buscando o apoio corporativo e financeiro de empresas já estabelecidas no mercado, mas que não perceberam o valor da ideia de computação pessoal, negando a possibilidade de levar adiante o projeto. Não obstante, a proposta informática da Apple levou anos para que se consolidasse em um produto que tivesse o mercado pretendido pela empresa, o Macintosh, tendo antes que arcar com produtos que falharam no mercado, como os Apple I e II e o Lisa. O que se percebe neste processo, porém, é um aprendizado contínuo e a geração de uma plataforma de computação com interface gráfica extremamente avançada em relação aos concorrentes da Proibida a reprodução – © UniSEB Interativo
época, oferecendo à população um dispositivo de uso relativamente simplificado, tornando as ferramentas de computação acessíveis para a população. Ainda que a criação técnica destas ferramentas deva também ser creditada aos programadores e engenheiros de computação envolvidos nestes projetos, a Apple enfrentou dificuldades extremas pela perceptível incapacidade
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de liderança de Jobs e Wozniak à época, o que os levou a serem desligados da própria empresa que haviam criado! Percebe-se aí uma discrepância entre a liderança puramente técnica e a liderança gerencial ou de caráter político. Anos depois, já com maior experiência e aprendizado em outros projetos empreendedores, Jobs retomou seu papel de líder nesta empresa e a alavancou a uma das organizações mais importantes do mundo das tecnologias de informação. Box 1. Caso Apple
A seguir, oferecemos a visão do órgão Global Entrepreneurship Monitor, instituição dedicada à pesquisa e divulgação da importância do empreendedorismo no mundo, a respeito do processo inovador (Figura 1). Nela podemos perceber o ambiente no qual opera o empreendedor, bem como suas características fundamentais e as fases do processo empreendedor. Contudo, deve-se perceber que esta estrutura linear busca simplificar a descrição do processo, limitando-se a uma ilustração sequencial dos eventos. Logicamente, o contexto empreendedor e as atividades de iniciativa dos indivíduos não necessitam se adequar a tal esquema, muitas vezes assumindo estruturas mais complexas de funcionamento. Contexto empreendedor Postura da Características do Ambiente sociedade indivíduo institucional
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Empreendedor Potencial • Vê oportunidades • Tem conhecimentos e habilidades • Não tem medo do fracasso • Atitude positiva
Descontinuidade
Fases do empreendedorismo Intenções
Nascente
Novo
Estabelecido
Figura 1. O processo empreendedor segundo definições do Global Entrepreneurship Monitor Fonte: Global Entrepreneurship Monitor (2011).
Contudo, este modelo cognitivo de abordagem do processo empreendedor fornece bases importantes para o entendimento do processo, bem como guia básico para o desenvolvimento de nossa abordagem. Percebe-se no contexto do empreendedor uma combinação entre as 9
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características do indivíduo e dimensões externas ao empreendimento (postura da sociedade e ambiente institucional), o que traça a premissa de que o empreendimento não ocorre isoladamente do entorno no qual opera. As fases do empreendedorismo envolvem, principalmente, os requisitos de habilidades do empreendedor em face da sua capacidade de identificar oportunidades, levando a cabo a construção da estrutura de apropriação de resultados (o empreendimento) que chegará a um período de “descontinuidade”, ou seja, de reorientação do empreendimento face à necessidade de novos movimentos inovadores. A partir deste ponto, o ciclo se reinicia. A fundamentação por trás destas ideias, construindo em cima do papel central que o empreendedorismo/intraempreendedorismo tem no âmbito da dinâmica de desenvolvimento econômico, é a relevância que a capacidade de gestão tem no processo empreendedor. O domínio da técnica/tecnologia é condição necessária, mas não suficiente para o sucesso de uma iniciativa de apelo mercadológico. Ainda que neste material não busquemos analisar exaustivamente a ampla e complexa miríade de ferramentas gerenciais disponíveis, a ideia é expandir o conhecimento a respeito dos aspectos introdutórios de maior impacto no âmbito da atividade empreendedora. Para tanto, uma combinação de conceitos teóricos e aplicações práticas, bem como exemplos reais e casos empresariais, serão utilizados. Nas seções que seguem, abordaremos matizes centrais na exposição introdutória sobre as atividades empreendedoras, traçando a fronteira que distingue o empreendedor clássico do empreendedor corporativo. Buscaremos estabelecer, também, um vínculo entre tais atividades e a geração de crescimento e desenvolvimento econômico.
1.1 Uma primeira visão a respeito do Empreendedorismo Proibida a reprodução – © UniSEB Interativo
Em seu livro “A Teoria do Desenvolvimento Econômico”, Schumpeter aborda as dinâmicas de crescimento econômico ao longo do tempo, entendendo que o conceito de equilíbrio de mercado é perpetuamente instável devido à geração contínua de inovações nos sistemas econômicos, o que transforma as condições de concorrência e estabilidade dos agentes
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envolvidos. Dentro desta visão Schumpeteriana, devemos entender inovação como3: a) Introdução no mercado de um novo produto ou processo que traga consigo elementos diferenciadores; b) Novas formas de organização da estrutura concorrencial; c) Abertura ou exploração de um novo mercado; d) Descoberta de novas fontes de insumos ou de produtos intermediários. Ainda dentro dos aspectos explorados na “Teoria do Desenvolvimento Econômico”, o autor austríaco determina o conceito de evolução dos ambientes concorrenciais, colocando especial ênfase no papel do empreendedor, ou seja, o indivíduo responsável por modificar a ordem econômica, assumindo riscos a partir da percepção de oportunidades de mercado. Estas atividades gerariam modificações substanciais na estrutura produtiva, eventos referidos como destruições criativas, ou seja, aqueles que transformam a estrutura econômica, tornando obsoletas determinadas atividades ou setores, abrindo espaço para o terreno das inovações4. É a percepção acerca da importância estratégica de tais atividades para o desenvolvimento econômico em níveis locais, regionais e nacionais que sustenta iniciativas de criação de incubadoras de empresas (especial foco têm sido dado àquelas que abrigam empreendimentos de base tecnológica), bem como abordagens mais amplas, como a oferecida pela rede SEBRAE. Desse modo, para Schumpeter, o empreendedor não é, necessariamente, a pessoa com a capacidade de investimento inicial (podendo necessitar de apoio financeiro de terceiros, como se deu no caso do Facebook), ou que inventa o novo produto (embora Elias Howe tenha criado a máquina de costura, foi Isaac Singer o criador do modelo de exploração econômica do aparelho5), mas aquele que formula o modelo de negócio a ser empregado. Desta premissa, percebe-se que a figura do empreendedor tem características prioritariamente econômicas/mercadológicas, ou seja, conectadas à capacidade de geração de receita e penetração no mercado através da criação de valor para a demanda. 3 Percebe-se nesta definição uma ampliação da visão restrita de que inovação se refere somente a aspectos de produto e de processo. Atualmente, o entendimento de inovação engloba, ainda, novas formas de organização empresarial, gestão, modelos de negócio e estratégias de marketing. Para maiores informações conceituais, recomenda-se a leitura do Manual de Oslo da OCDE, disponível para download nas versões em português e inglês no website do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação. 4 O próprio conceito Schumpeteriano de evolução econômica não permite um entendimento estático a respeito do processo de destruição criativa, mas uma visão cíclica e contínua. 5 Este exemplo é mencionado por Tidd, Bessant e Pavitt (2008).
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Merece especial atenção entender a relação que se estabelece entre o empreendedor (e seu perfil) com o sistema econômico no qual ele se encontra. O empreendedor é, como vimos, um tomador de risco, um indivíduo que sacrifica recursos correntes (tempo, capital, receita) com base em suas expectativas de ganho futuro a partir da identificação de uma oportunidade de mercado e uma visão de negócio a ser tanto definida como implementada. O risco, neste caso, é inerente à incerteza de retornos futuros da abordagem do empreendedor. Não é raro, pelo contrário, que o empreendedor não disponha do capital necessário para a efetivação de sua visão, como vimos acima. Em tais condições, a construção de uma infraestrutura de investimento compatível com as necessidades de indivíduos empreendedores se faz necessária, possibilitando, assim, o envolvimento social com esta atividade, levando a um dinamismo econômico associado a uma série de benefícios (muitos deles listados ao longo do texto). Isto significa a necessidade de suficientes montantes destinados a investimentos de risco, o que é, infelizmente, raro em países com históricos econômicos de alta instabilidade, como é o caso do Brasil. O mercado norte-americano é talvez o melhor exemplo de uma estrutura altamente eficiente de disponibilização de capital para atividades empreendedoras. Peter Thiel, famoso por ter sido o primeiro investidor externo na empresa Facebook, fez o aporte de capital necessário para que a rede social alcançasse espaços além do mundo universitário nos Estados Unidos. Não obstante, Thiel está envolvido com inúmeros outros projetos empreendedores através do Founders Fund. Outro caso de extremo sucesso desta iniciativa é o Linkedin. Contudo, fomentar tal estrutura de investimento é um desafio substancial para políticas públicas e interesses privados. Assim como mencionamos casos de sucesso, é provável que a proporção de fracassos seja significativa (ou não seria investimento de risco!). O que justifica a disponibilização de crédito ao empreendedor são as expectativas de ganhos elevados, garantindo uma alta margem de retorno que compense os riscos relacionados. Se as expectativas de acerto, no entanto, são baixas, a probabilidade de existência de uma “massa crítica” de investidores é comprometida, o que, por sua vez, dificulta o fortalecimento de uma cultura empreendedora. O desafio no caso brasileiro reside em interromper este círculo de retroalimentação negativa. 12
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Em termos de desenvolvimento da atividade empreendedora, podemos listar as três fases básicas da atividade empreendedora, as quais serão discutidas ao longo deste material e do curso de Gestão Empreendedora de Empresas e Liderança, no Quadro 1. Mesmo que a lógica sequencial apresentada neste quadro seja quase que intuitiva, há que se prestar atenção à complexidade que este ordenamento representa em situações reais. Primeiramente, não é raro perceber que o senso de “oportunidade” de muitos indivíduos com instintos (mas não habilidades) empreendedores tende a ser pessoal, ou seja, orientado para as perspectivas do proponente. Criticamos esta visão no capítulo 2, mas vale aqui dizer que a falta de orientação às condições mercadológicas tendem probabilisticamente a levar o novo negócio a enfrentar problemas adicionais de funcionamento. Quanto às fases de caráter gerencial (2ª e 3ª), experiência a respeito das práticas de gestão existentes em incubadoras de empresas de base tecnológica no Brasil leva a algumas conclusões pouco animadoras a respeito da prosperidade de muitos empreendimentos em longo prazo e que coincidem com a visão de muitos gestores nesta área. Como seria de se esperar, neste ambiente específico (alto conteúdo tecnológico), há uma grande incidência de empreendedores com substancial formação técnica, o que é de fundamental importância para o desenvolvimento operacional de produtos ou serviços “high tech”.
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Fase
Principais Aspectos A primeira etapa do processo compreende a capacidade de entendimento e antecipação do empreendedor considerando as condições vique determinam a dinâmica do ambien1ª Identificação de Oportunidades gentes te concorrencial. É amplamente fundamentada em exercícios analíticos e propostas criativas de aproveitamento de oportunidades de ganho potencial. Esta etapa está direcionada à maneira com a qual o empreendedor desenvolverá o esquema empresarial que permita tornar os ganhos 2ª Organização e Abertura do potenciais estimados na primeira etapa em Empreendimento ganhos realizados. Consiste principalmente na elaboração de um plano de negócios detalhado e da competente alocação de recursos tangíveis, intangíveis e capital humano do negócio.
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3ª Gestão do Empreendimento
Neste momento, o desafio do empreendedor é o de administrar o seu negócio. Fundamentado na identificação de uma determinada oportunidade (1ª etapa) e na formulação de um modelo de negócio adequado (2ª etapa), o empreendedor deve ser capaz de gerenciar sua iniciativa ao longo do tempo, considerando o caráter multidisciplinar requerido para manter a empresa funcionando e operando os retornos financeiros da sua atividade.
Quadro 1. Fases Básicas do Processo Empreendedor Fonte: Adaptado de Salim e Silva (2010).
No entanto, o conhecimento avançado da tecnologia leva o empreendedor a um sentimento de autossuficiência, incompatível com a multidisciplinaridade envolvida na estruturação e gestão dos negócios. Como resultado, a existência de conflitos no ambiente da incubadora opera como a regra, mais do que a exceção, e a estrutura montada para o apoio nestas questões se torna, muitas vezes, improdutiva. O resultado é uma dificuldade adicional (muitas vezes levando ao encerramento das atividades empresariais) quando do momento de entrada independente no mercado. Tal percepção justifica as técnicas e aspectos de gestão envolvidos neste material e nas distintas disciplinas que constituem o presente curso.
1.2 Intraempreendedorismo ou Empreendedorismo Corporativo
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Ainda que o tema relacionado ao intraempreendedorismo6 (ou empreendedorismo corporativo) tenha recebido especial atenção acadêmica em períodos recentes, podemos atribuir, assim como no caso do empreendedorismo em seu modo clássico, créditos substanciais aos desenvolvimentos de Schumpeter. Em seu livro “Capitalismo, Socialismo e Democracia”, o economista constrói um marco analítico que se ocupa do papel de organizações de grande porte em determinar o ritmo evolutivo das inovações no ambiente econômico. Mesmo não sendo explicitado o termo empreendedor corporativo, entende-se que as atividades levadas a cabo nestas organizações é resultado de esforços visionários de indivíduos responsáveis por praticar o empreendedorismo dentro das fronteiras organizacionais, ou seja, observan6
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O termo intraempreendedor ou no original “intrapreneur” tem em sua principal origem o trabalho seminal de Pinchot (1985).
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do oportunidades e gerindo recursos para o desenvolvimento de projetos de caráter inovador nas empresas em que atuam. Dornelas (2009) se refere ao empreendedorismo corporativo como um processo de renovação (ou inovação) dentro do ambiente de uma organização existente. Assim, conforme explicitam Burgelman e Sayles (1986) e Van de Ven e Engleman (2004), as empresas necessitam de tais empreendedores internos para conduzir as inovações e mudanças estratégicas além dos planejamentos formais e definidos antecipadamente, permitindo que a organização se torne flexível e apta a se adaptar às mudanças do cenário competitivo. Portanto, ainda que o termo empreendedorismo fosse originalmente utilizado para descrever a criação de novas empresas, a terminologia foi expandida para explicar fenômenos mais amplos de liderança gerencial, principalmente no âmbito corporativo, focado na criação de novos negócios para as organizações (MINTZBERG, AHLSTRAND e LAMPEL, 2000, p.141).. Estes últimos autores adicionam que:
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como no caso dos empreendedores externos que operam no mercado, essas pessoas devem competir por recursos com outras que estão ocupadas promovendo seus próprios empreendimentos. Mas elas precisam persuadir sua própria administração e não capitalistas de risco de fora.
Temos nesta definição uma mudança do ambiente de incerteza do empreendedor (corporativo, no caso), o qual, como veremos adiante em maior detalhe, envolve a necessidade de habilidades políticas para lidar com o ambiente interno das empresas. Tidd, Bessant e Pavitt (2008), fundamentados em proposições semelhantes, agregam que o empreendedorismo corporativo funciona como um mecanismo para as empresas explorarem novos mercados ou negócios, ou também desenvolverem novas competências. Desta forma, a geração de novas organizações de caráter interno, constituídas com base em novas estruturas, processos e culturas. Dentro desta perspectiva, a capacidade de organização e gestão deste novo “apêndice” da empresa se tornam altamente dependentes de duas dimensões focais: a) Importância estratégica do empreendimento corporativo para o desenvolvimento da empresa-mãe: tal aspecto é especialmente relevante porque define o envolvimento e comprometimento da empresa como um todo (bem como de seus recursos tangíveis, intangíveis e humanos) com o empreendimento. É lógico 15
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pensar que quanto maior o nível de envolvimento entre ambos, maior o potencial de apoio e de visão de longo prazo quanto às expectativas estratégicas traçadas para o empreendimento corporativo. b) Proximidade em relação aos negócios e competências centrais7: de maneira complementar à dimensão anterior, uma maior coesão e complementaridade entre o empreendimento corporativo e a organização permitem uma estabilidade maior da relação intra-empresarial, em se considerando que os vínculos e contribuições são mais diretos, imediatos e perceptíveis para os órgãos gestores. Em suma, existe uma relação clara entre o empreendedorismo entendido em seu sentido convencional e a atividade intraempreendedora. Ainda que o ambiente decisório do segundo ocorra em uma relação de governança formal e dentro de estruturas hierárquicas e departamentais, o fundamento que permeia a lógica de ambas é um de foco na geração de novos valores, novas competências, novos processos, novos produtos, enfim, de inovação. Percebendo-se que a atividade inovadora constitui um dos pilares centrais do desenvolvimento econômico em sentido tanto macroeconômico (nível agregado) como microeconômico (nível da firma), a atividade empreendedora em qualquer de suas concepções é dotada de uma importância estratégica para a administração contemporânea, como leciona Drucker (2008). Partindo destes pontos introdutórios, os capítulos a seguir buscam esclarecer alguns conceitos e aspectos centrais para um primeiro entendimento acerca de empreendedorismo/intraempreendedorismo.
Referências bibliográficas
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BURGELMAN, R.A.; SAYLES, L.R. Inside corporate innovation: strategy, structure and managerial skills. Nova York: Free Press, 1986. DORNELAS, Jose C. A. Empreendedorismo Corporativo. 2ª ed. Rio de Janeiro: Campus, 2009.
7 Tidd, Bessant e Pavitt (2008) se referem exclusivamente a tecnologias centrais. Como entendemos que tanto a atividade empreendedora como a geração de inovações não depende exclusivamente ou, ainda, necessariamente de desenvolvimentos tecnológicos, escolhemos ampliar o escopo desta dimensão.
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DRUCKER, Peter F. Inovação e espírito empreendedor. São Paulo: Cengage, 2008. GLOBAL ENTREPRENEURSHIP MONITOR. Empreendedorismo no Brasil: 2011. Curitiba: IBQP, 2011. MINTZBERG, Henry; AHSLTRAND, Bruce; LAMPEL, Joseph. Safári de estratégia: um roteiro pela selva do planejamento estratégico. Porto Alegre: Bookman, 2000. NASAR, Sylvia. A imaginação econômica. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. PINCHOT, G. Intrapreneuring. Nova York: Harper & Row, 1985. SALIM, Cesar Simões; SILVA, Nelson Caldas. Introdução ao empreendedorismo: despertando a atitude empreendedora. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. SCHUMPETER, Joseph A. Teoria do Desenvolvimento Econômico. São Paulo: Nova Cultural, 1997. SCHUMPETER, Joseph A. Capitalismo, Socialismo e Democracia. Rio de Janeiro: Editora Fundo de Cultura, 1961.
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TIDD, Joe; BESSANT, John; PAVITT, Keith. Gestão da Inovação. Porto Alegre: Bookman, 2008. VAN DE VEN, Andrew; ENGLEMAN, Rhonda. Central Problems in managing corporate innovation and entrepreneurship. In: KATZ, J.; SHEPHERD, D. (eds). Corporate Entrepreneurship. Amsterdã: Elsevier, 2004.
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UNIDADE 2 O novo ambiente concorrencial Objetivos A abordagem desenvolvida neste capítulo gravita em torno aos conceitos e evidências acerca do ambiente concorrencial atual, caracterizado por crescentes níveis de complexidade na oferta de bens e serviços, bem como por uma aceleração dramática nos ciclos de inovação. Em um segundo momento o capítulo é direcionado para o estabelecimento da relação entre a capacidade inovadora do indivíduo e da firma como ferramenta fundamental no estabelecimento de vantagens competitivas sustentáveis ao longo do tempo. Os processos de dinâmica econômica ocorridos devido às atividades inovadoras de caráter empreendedor por parte dos agentes empresariais não é algo novo e inerente aos dias de hoje. Como vimos anteriormente, Schumpeter incorporou de maneira definitiva o pensamento evolutivo nos estudos de economia e administração nos princípios do século passado. Aquela que foi considerada a grande invenção do século XX, a linha de produção de Ford, data, também, de tempos relativamente remotos. Não obstante, há uma grande diferença na maneira que concebemos o processo concorrencial em tempos passados e hoje. Mas qual é esta diferença? Devemos iniciar esta análise com seu aspecto central: os ciclos de inovação. O motivo pelo qual a teoria econômica tardou em se adaptar aos conceitos evolutivos (que ainda hoje fogem parcialmente às correntes predominantes) trata da relativa estabilidade em longo prazo que o ambiente social enfrentava. Se anteriormente tínhamos inovações que permaneciam eficazes para as ambições empresariais por décadas, recentemente temos visto revoluções constantes em questões de poucos anos ou, até mesmo, meses. Veja a figura 2 para um entendimento ilustrativo.
Volume de vendas
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Declínio
Maturidade
Crescimento
Introdução Volume de vendas
Tempo
Declínio
Maturidade
Crescimento
Crescimento
Tempo Figura 2. Evolução dos ciclos de vida de produto/inovações
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O que a figura acima representa de maneira meramente ilustrativa (não pretendemos construir escalas temporais precisas e existem imensas variações entre diferentes setores, países, etc.) pode ser observado em uma série de casos do nosso cotidiano. Podemos pensar na acelerada evolução recente nas tecnologias de telefonia celular em comparação ao ambiente de relativa continuidade presente entre a segunda metade da década de 1990 até poucos anos atrás. A ideia de smartphones é recente e, ainda assim, redesenhou o ambiente competitivo no setor, bem como de uma série de indústrias relacionadas. Os computadores de uso pessoal tardaram anos em chegar aos lares, requerendo que os usuários fossem capacitados em linguagem de programação para efetuar atividades corriqueiras, utilizando métodos complexos de armazenagem de dados em sequências de cartões. Nos anos 2000 o ritmo inovador neste ambiente se acelerou dramaticamente e em questão de poucos meses as tecnologias ao consumidor evoluem significativamente. 20
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O novo ambiente concorrencial – Unidade 2
Tais avanços e suas consequentes mudanças disruptivas tornam evidente que o escopo concorrencial excede os limites traçados por determinada atividade industrial. A complexidade de mapeamento de possíveis competidores é incrementada pela geração de produtos substitutos e que cumprem satisfatoriamente com as mesmas necessidades mercadológicas1 . Para clarificar o conceito, vejamos o caso da relação estabelecida entre PCs e tablets. Ainda que estes produtos não sejam entendidos como concorrentes diretos, nos últimos anos a venda de PCs vem sendo afetada negativamente pela inserção mercadológica crescente dos tablets. Por se tratarem de mecanismos de uso simplificado e aptos a atender às necessidades de grande parte de demanda de uso pessoal relacionada à computação (acesso a Internet e jogos) e por conterem atributos satisfatórios de design e portabilidade, os tablets ocupam uma parte crescentemente relevante para os fabricantes de desktops e laptops. A tendência de longo prazo é que esses dispositivos tenham efeitos perversos sobre a rentabilidade das empresas fabricantes de computadores tradicionais (que minimamente coincidem com os fabricantes de tablets), demonstrando os impactos poderosos que os ciclos de inovação mais curtos em caráter intra (concorrentes diretos) e interindustrial (substitutos) têm sobre a dinâmica empresarial. Não é por acaso que estes exemplos mais claros se relacionam ao processamento de informações: vivemos em uma era de grandes avanços nas Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC). Tais desenvolvimentos tiveram um efeito multiplicador nos mais diferentes âmbitos sociais e de maneira particularmente importante no comportamento empresarial. O aumento exponencial na capacidade de captação, manutenção e processamento de dados e informações, não coincidentemente, tornou as empresas mais aptas a gerenciar e construir bases sólidas de conhecimento técnico e mercadológico, originando o ambiente concorrencial muito mais dinâmico que tratamos acima. Um dos grandes desafios do empreendedor, a identificação de oportunidades, viu-se amparada por ferramentas aptas a expandir a capacidade analítica (aspecto que veremos mais adiante neste material). Em resumo, posições estratégicas de caráter estático, que sejam capazes somente de abordar oportunidades de mercado em seu estado atual são cada vez mais precárias. Como veremos na seção a seguir, a ob1 No capítulo 4 abordaremos em maior profundidade os condicionantes estruturais da concorrência ampliada.
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solescência de produtos, processos, serviços ou modelos de negócio ocorrem com uma velocidade que não encontram parâmetros de comparação no passado. Isto torna a atividade empreendedora/intraempreendedora dependente da construção de capacidades inovadoras, ou seja, da habilidade de reinventar o modus operandi de maneira contínua e ininterrupta. Conforme definem Tidd, Bessant e Pavitt (2008, p. 25): “o cenário está gradativamente mudando em favor daquelas organizações que conseguem mobilizar conhecimento e avanços tecnológicos e conceber a criação de novidades em suas ofertas”. Estes autores ressaltam, ainda, a importância da inovação em processos, pelo meio da qual as empresas se tornam aptas a realizar tarefas que os concorrentes não conseguem acompanhar eficientemente.
2.1 Capacidade Inovadora como Fonte de Vantagem Competitiva
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Tendo introduzido os conceitos mais básicos acerca de empreendedorismo em seu estado convencional e de empreendedorismo em modo corporativo, bem como daqueles que dizem respeito ao novo ambiente concorrencial, partimos para o estabelecimento da relação entre tais atividades (entendidas como geradoras de inovação, conforme estabelecido anteriormente) e a construção de vantagens competitivas no sentido microeconômico. Este nexo identifica a motivação subjacente à atividade empreendedora/inovadora2 , considerando o porquê de incluí-la de maneira formal nos expedientes organizacionais. Primeiramente, o papel da vantagem competitiva é o de fornecer à empresa a capacidade de enfrentar com sucesso o ambiente concorrencial3 de maneira sustentável ao longo do tempo. Desta forma, ações com impacto exclusivamente de curto prazo nos retornos da empresa e que não podem ser mantidas em horizontes de tempo mais amplo, ou que inclusive prejudicam os resultados da empresa no longo prazo (como a prática de preços predatórios ou dumping, passível de retaliação de ordem judicial) não constituem elementos indicadores de vantagem competitiva propriamente dita. Assim, a vantagem competitiva no mundo empresarial vai além da introdução de um novo produto, um novo processo ou qualquer um 2 Conforme anteriormente exposto, a atividade empreendedora está inerentemente conectada à inovação. Para um exemplo, ver Filion (2000). 3 Como veremos no capítulo 3, a concorrência não se limita somente a organizações participando de um mesmo setor ou segmento de mercado.
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O novo ambiente concorrencial – Unidade 2
dos elementos estáticos que classificam algo como uma inovação e que foram apresentados na seção 1.1. Mais do que isso, a vantagem competitiva deve residir sobre capacidades organizacionais dinâmicas. Assim, a relação desta com a inovação deve ser contínua, permitindo que o empreendimento torne-se consistentemente capaz de gerar alto valor relativo ao mercado ao longo do tempo, de forma que os riscos de imitação e de ofertas de inovações por parte dos concorrentes tenham impacto minimizado sobre a rentabilidade da empresa. Consequentemente, assim como no mundo da Rainha Vermelha no clássico “Alice Através do Espelho” de Lewis Carroll, “é preciso correr o máximo possível, apenas para permanecer no mesmo lugar”. Assim, a inovação contínua se torna a chave para uma vantagem competitiva sustentável (TIDD, BESSANT e PAVITT, 2008). Dito isto, devemos estabelecer os motivos que interligam a geração de vantagens competitivas à inovação, ou melhor, à capacidade inovadora. Tidd, Bessant e Pavitt (2008) consideram uma série de fatores relacionados à inovação e com potencial de geração de vantagem competitiva sustentável. De maneira resumida, talvez o aspecto central de sua argumentação esteja nas mudanças constantes – e em ciclos cada vez mais curtos – do ambiente econômico e empresarial. Tanto as evoluções dos gostos, desejos e necessidades do mercado consumidor, como a capacidade de concorrentes em introduzir inovações, tornam o contexto de gestão das empresas em um cenário turbulento, no qual a posição de mercado está constantemente ameaçada. No quadro 2 oferecemos uma visão resumida a respeito da relação entre diferentes mecanismos relacionados à atividade inovadora e a respectiva vantagem estratégica resultante.
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Mecanismo Novidade na oferta de produto ou serviço
Vantagem Estratégica Oferecer algo que ninguém mais consegue. Oferecer algo de uma forma que os outros Novidade no Processo não conseguem imitar – mais rápido, mais barato, mais personalizado, etc. Vantagem de ser o primeiro a entrar em um mercado, explorando as vantagens Tempo/Oportunidade em termos de fatia de mercado que isto oferece. de monopólio temporário (ou renProteção Legal de Propriedade Intelec- Direitos tabilizar as licenças de uso) através de tual patentes/modelos de utilidade.
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Empreendedorismo e Intraempreendedorismo
Mudar os parâmetros competitivos através de novos conceitos de produto, processo Reescritura de regras ou organização da empresa, tornando as formas antigas redundantes. Alterar a base de concorrência – por Ampliação de alcance de fatores com- exemplo, de preço de produto para preço petitivos e qualidade ou, ainda, preço, qualidade, variedade, etc. Quadro 2. Exemplos de Vantagem Competitiva fundamentadas em Inovação Fonte: Adaptado de Tidd, Bessant e Pavitt (2008).
Há extensa literatura científica a respeito da relação estabelecida entre a capacidade inovadora das empresas e os ganhos corporativos. Ainda que as métricas utilizadas sejam imperfeitas e heterogêneas, há ampla aceitação da hipótese de que o comportamento inovador, bem como a dedicação de recursos organizacionais para atividades relacionadas, está estreitamente conectado com os resultados empresariais em diversos horizontes temporais. Isto torna latente o questionamento a respeito de como alcançar padrões empreendedores em longo tempo. Afinal, há alguma forma de incorporar a inovação ao espírito da empresa considerando aspectos de incerteza relacionados à introdução de novidades no meio econômico? A resposta é que não há uma fórmula de sucesso, mas uma série de padrões observáveis para o estabelecimento de uma estratégia inovadora (TIDD, BESSANT e PAVITT, 2008), conforme veremos a seguir.
Referências bibliográficas FILION, Louis J. Empreendedorismo e gerenciamento: processos distintos, porém complementares. RAE Light, 7 (3), pp. 2-7, 2000.
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TIDD, Joe; BESSANT, John; PAVITT, Keith. Gestão da Inovação. Porto Alegre: Bookman, 2008.
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UNIDADE 3 É possível gerenciar atividades empreendedoras e inovadoras? Objetivos Ainda que o conhecimento popular (reforçado muitas vezes por simplificações da realidade expostas pela mídia) leve a crer que a inovação e o empreendedorismo sejam necessariamente fruto de “mentes privilegiadas” e que tais atividades não sejam passíveis de estruturação, devemos esclarecer que tal visão é, no mínimo, incompleta. Este capítulo estabelece alguns aspectos introdutórios, porém centrais, no processo de gestão empreendedora e inovação. A ideia é demonstrar que as iniciativas de caráter econômico são – e devem ser – alvo de estruturação e organização para que se atinjam maiores níveis de efetividade no processo. Especial enfoque é dedicado à abordagem referente ao empreendedorismo corporativo. Primeiramente, quando nos referimos à questão de gestão do empreendimento ou gestão da inovação, não estamos nos referindo à capacidade de gerenciar tão somente os resultados oriundos de tais atividades. A ideia é explorar o que muitos chamam de “caixa-preta”, ou seja, os processos que levam à atividade inovadora, não somente os seus impactos. Assim, é fundamental que fique claro que o gerenciamento de atividades empreendedoras e sua necessária conexão com a capacidade inovadora não só pode como deve ser gerenciada no ambiente empresarial, ainda que muitos autores enfatizem o ideal intuitivo e relativamente desestruturado da atividade empreendedora1 . Partindo desta ideia, deve ficar claro que os avanços na capacidade de oferta de valor por parte das empresas não é resultado de forças caóticas convergindo ao acaso. Veja o caso da criação do produto Post-It pela gigante da inovação 3M. Ainda que a uma primeira vista este produto pareça ter chegado ao mercado por obra do acaso, há um esforço organizacional notável desta 1 A esse respeito, introduzimos o material complementar de Filion (2000) que parte de algumas premissas distintas daquelas que apresentamos neste texto, mas que define as habilidades entre empreendedores e gerentes como complementares, mas distintos em termos dos indivíduos que possuem tais habilidades. Sob nosso ponto de vista, é extremamente desejável que esta complementaridade ocorra não apenas no ambiente empresarial, mas dentro da mentalidade do próprio empreendedor/gestor, de forma que os tomadores de decisão desenvolvam ambas as habilidades de forma balanceada. Assim, nossa visão se aproxima daquela de Drucker (2008).
Empreendedorismo e Intraempreendedorismo
empresa em construir o ambiente propício para estas ocorrências dentro da organização, bem como de levá-las ao mercado. Para esclarecer este caso em específico, um pesquisador da 3M criou e lançou no ano de 1968 uma espécie de “cola suave”, a qual não encontrou grande aplicação comercial a uma primeira vista. Somente após muitos anos, outro funcionário da empresa “resolveu seu problema” de gerenciamento de notas em papel com o uso da resina. Após intensas campanhas de marketing, incluindo uma “educação” do público a respeito do uso do Post-It, a empresa conseguiu atingir um mercado através de um produto relativamente simples e que agrega valor ao cotidiano dos indivíduos e de suas rotinas em escritórios (mais sobre a história do Post-It pode ser encontrado em <www.post-it.com.br>). Não obstante, quantas ideias potencialmente brilhantes não se perdem no ambiente organizacional pela falta de capacidade de gestão dos seus processos? A 3M tornou famosa a “regra dos 15%”, a qual determina que até 15% do tempo de trabalho de seus colaboradores deve ser orientado a atividades criativas e de inovação (isso já na década de 1950). Tal iniciativa é considerada pioneira no fomento ao intraempreendedorismo e faz parte da cultura organizacional, graças a uma estrutura empresarial adequada para a mudança.
3.1 Princípios de Gestão Inovadora
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Em termos conceituais, temos que a prática do intraempreendedorismo ocorre em ambientes corporativos que fomentam a atividade autônoma e criativa de seus funcionários (como no caso da 3M apresentado anteriormente), o que requer novos modelos de negócio e uma maior agilidade no gerenciamento e implementação de projetos (COSTA, CERICATO e MELO, 2007). Contudo, é fundamental ressaltar, tal proposta que se aproxima de uma plena liberdade do indivíduo dentro da organização deve ser analisada com certo cuidado. É fundamental que os desenvolvimentos de uma empresa sigam as orientações estratégicas do negócio, permitindo que o empreendedorismo crie valor e não perda de foco da empresa. Enquanto esta afirmativa pode ser considerada como uma forma de limitar o ambiente verdadeiramente inovador, fazendo com que a inovação no ambiente empresarial se torne inflexível face às orientações do negócio como um todo, devemos esclarecer que não é este o ponto-chave da questão. O risco de seguir inovações sem uma orientação estratégica que 26
É possível gerenciar atividades empreendedoras e inovadoras? – Unidade 3
determine para onde devem ser canalizados esforços – e com qual finalidade – reside na potencial perda da identidade organizacional. Uma empresa como a Mercedes-Benz, por exemplo, construída sobre um pilar estratégico de diferenciação e exclusividade teve sérios problemas mercadológicos no Brasil ao tentar inserir no mercado um carro relativamente “popular” (o Classe A). O resultado foi um carro com pouca penetração em sua categoria e que causou severas perdas aos modelos de luxo, dada à confusão criada acerca da orientação da empresa. Como veremos adiante, existem diferentes métodos para lidar com este tradeoff entre flexibilidade e orientação estratégica, de forma a maximizar os ganhos empresariais em ambas dimensões. Em termos de estruturação do processo de gestão da atividade inovadora de caráter empreendedor/intraempreendedor, temos um modelo básico, porém fundamental, de sistematização das atividades empresariais (os quais necessitam desdobramentos organizacionais adequados para um efetivo gerenciamento no âmbito da empresa). Apresentamos este modelo na figura 3. Análise de cenários e Indentificação de Oportunidades
Seleção estratégica de objetivos
Direcionamento de recursos organizacionais
Implementação da inovação
Controle de Resultados
Figura 3. Fases Gerenciais do Processo de Inovação
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Fonte: Baseado em Tidd, Bessant e Pavitt (2008).
A fase de análise de cenários e identificação de oportunidades, de acordo com Tidd, Bessant e Pavitt (2008), estabelece o estágio de procura e detecção de sinais de potenciais mudanças no entorno empresarial, tais quais: ambiente mercadológico, pressões políticas (como normas e regulamentações) e movimentos estratégicos de concorrentes2. O desenvolvimento de metodologias sistematizadas e estruturadas de identificação, processamento e seleção de informações relevantes Se tornam centrais em um cenário de excesso de dados disponíveis (nem todos eles úteis). No caso da segunda etapa, a fase de seleção estratégica de objetivos, parte-se do princípio de que a estratégia de inovação deve estar alinhada à estratégia corporativa. Tal premissa é extremamente relevante, dado que a inovação deve contribuir para a posição competitiva da empresa, ou seja, deve ter seu foco na criação de valor de acordo com o posicio2 Estudaremos estes aspectos em maior detalhe no capítulo 4.
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Empreendedorismo e Intraempreendedorismo
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namento geral da organização. Inovações desalinhadas com a estratégia empresarial, via de regra, resultam em fracassos por estarem alheios à base de competências organizacionais. É nesta etapa, também, que se estabelecem objetivos e metas quantificáveis para serem confrontados com os resultados obtidos (etapa de Controle). No caso do direcionamento de recursos organizacionais, uma cuidadosa avaliação do projeto deve levar em conta a destinação de recursos humanos, produtivos e financeiros destinados ao processo seguinte. Neste momento, a alocação eficiente de tais recursos e a concepção acerca de sua estruturação serão críticos na fase de desenvolvimento do produto, processo ou serviço a ser implementado. Voltando nossa atenção à fase de implementação da inovação, o processo de entrega da concepção original envolve aperfeiçoar os processos relacionados através da aprendizagem prática (learn by doing) e pode ser desmembrada em três outras etapas: • Aquisição de Conhecimento: combinação entre conhecimento existente e conhecimento novo; • Execução do Projeto: envolve altos graus de flexibilidade, considerando os desdobramentos reais das conjecturas estabelecidas na fase analítica; • Lançamento: Ao se tratar de uma inovação, a parte mercadológica se torna especialmente crítica. Uma preparação do público consumidor se faz necessária (em vendas entre empresas, muitas vezes é fundamental que haja demonstração e treinamento), bem como atividades de marketing específicas. A última etapa do processo de gestão inovadora, como não poderia deixar de ser, trata do Controle de Resultados, de acordo com as metas e objetivos previamente estabelecidos. A própria ocorrência de fracassos pode ser extremamente útil no processo de aprendizado para ações futuras e/ou correções a respeito do processo de gestão. A manutenção e disseminação da etapa de controle oferece às empresas a capacidade de desenvolvimento de aprendizado organizacional, daí a importância de estabelecer um monitoramento eficiente dos resultados de uma iniciativa empreendedora. Em termos gerais podemos estabelecer que a capacidade inovadora depende amplamente de duas fontes genéricas: a) Fontes Técnicas: relacionadas a recursos humanos, equipamento, conhecimento, recursos financeiros. 28
É possível gerenciar atividades empreendedoras e inovadoras? – Unidade 3
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b) Competências organizacionais: relacionadas aos processos de gestão das fontes técnicas, ou seja, sua manutenção, alocação, compatibilidade estratégica, avaliação das necessidades do mercado, etc. Porém, relacionado a este segundo item, devemos apontar que as rotinas de gestão da inovação e de processos relacionados não podem ser aprendidas através de uma receita única. Em verdade, as idiossincrasias organizacionais, ou seja, suas características específicas devem ser levadas em conta (TIDD, BESSANT e PAVITT, 2008). Estes autores ainda apontam para um tema crítico no processo de gestão de processos de inovação: a ausência de linearidade em sua concepção (ainda que modelos lineares sejam extremamente úteis para seu entendimento). De fato, a inovação demanda elevada integração dentro do ambiente organizacional e, também, na relação entre diferentes corporações, como explicitam Van de Ven e Engleman, 2004. Vivemos em um ambiente de necessidade crescente de estabelecimento de modelos de relacionamento interorganizacional. A crescente multidisciplinaridade das inovações e os ciclos de vida de produtos/inovações mais curtos apregoam o imperativo de estruturas em rede, permitindo que as empresas/ empreendimentos mantenham sua orientação especializada e vinculem seus avanços a outros agentes do ambiente econômico. Chesbrough (2012) se refere a este processo como open innovation ou inovação aberta. Ainda que tal movimento estratégico represente riscos de fluxos indesejáveis de conhecimento, o método de inovação em redes é de extrema relevância no contexto concorrencial atual. O conglomerado Procter & Gamble, por exemplo, adotou uma visão de inovação amplamente baseada em interações com empresas que compõem sua cadeia de suprimentos, denominando-o Connect and Develop3 , representando suas intenções de estabelecer laços empresariais com o objetivo de desenvolvimento de novos produtos e processos.
3.2 Uma Introdução à Gestão do Empreendedorismo Corporativo Quando os desenvolvimentos inovadores de uma empresa adquirem um caráter disruptivo, ou seja, de caráter não incremental, mas 3 O termo se traduziria por Conectar e Desenvolver.
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radical, a incorporação dos resultados de tal inovação se tornam complexos. Isto ocorre devido às necessidades de adequação da estrutura e dos processos organizacionais existentes, bem como da necessidade de se promover o domínio sobre as novas competências fundamentais para a competitividade. Tais aspectos de mudança não só consomem tempo como seus impactos são extremamente incertos para o futuro da corporação (TIDD, BESSANT e PAVITT, 2008). Assim, encontramos na literatura4 uma estratégia de solução de caráter intraempreendedor, conforme descrevemos ao longo do texto. A ideia nesta seção é permitir ao leitor um maior aprofundamento a respeito de aspectos técnicos do empreendedorismo corporativo, ou seja, da criação de uma organização que funcione de maneira separada da organização mais ampla, com diferentes estruturas, processos e culturas (TIDD, BESSANT e PAVITT, 2008). É comum a prática de uso de empreendimentos corporativos quando as organizações buscam abordar novos mercados ou desenvolver novas tecnologias, incorrendo em níveis mais altos de risco devido à sua inexperiência em tais campos de atuação. Veremos que a relação de dependência/independência do empreendimento corporativo estará relacionada a aspectos táticos de gestão, relacionados a duas dimensões críticas: importância estratégica do empreendimento para a empresa e proximidade com os negócios centrais da corporação (ver quadro 3). Tal necessidade de avaliação das dimensões relevantes nos leva à conclusão de que, assim como processos relacionados à inovação, atividades relacionadas a empreendimentos corporativos não são (e nem devem ser) obras do acaso e frutos de ímpetos de momento. Pelo contrário, o valor agregado por tais desenvolvimentos corporativos ocorre em função das capacidades gerenciais que ocorrem em seu entorno. Em linhas amplas, define-se que a gestão do empreendimento corporativo se fundamenta em uma lógica bastante similar àquela apresentada para o caso de novos empreendimentos: identificação de uma oportunidade, organização e gestão do empreendimento corporativo.
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Ver, por exemplo, Tidd, Bessant e Pavitt (2008), Hashimoto (2010), Dornelas (2009), Hisrich e Kearney (2011), entre outros.
É possível gerenciar atividades empreendedoras e inovadoras? – Unidade 3
Importância Estratégica para a Empresa • O empreendimento afeta a capacidade da empresa de competir em novas áreas? • Ajuda a criar nichos de mercado defensáveis? • Qual o risco que o empreendimento representa para a corporação?
Proximidade com Negócios Centrais • Quais as competências fundamentais exigidas pelo empreendimento? • Como as novas competências afetarão as atuais? • Onde mais estas competências poderiam ser exploradas?
Quadro 3. Análise das dimensões críticas para gestão de empreendimentos corporativos Fonte: Adaptado de Tidd, Bessant e Pavitt (2008).
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De maneira evidente, isto implica em um comprometimento contínuo da organização em monitorar o ambiente competitivo para que sejam percebidas as devidas oportunidades, levando à efetivação de tal comprometimento com a correta destinação de recursos organizacionais. É importante frisar os conflitos em termos de política interna da organização que devem ser gerenciados em função da disponibilidade limitada de recursos e a respectiva concorrência intraorganizacional que se estabelece. Neste aspecto, a capacidade de estabelecer relacionamentos e administrá-los politicamente se torna uma competência fundamental para o intraempreendedor . Em termos operacionais, devemos apresentar introdutoriamente as modalidades (ou estruturas) relacionadas à gestão de empreendimentos corporativos. O processo de escolha estratégica, neste caso, permanece vinculado às duas dimensões centrais apresentadas anteriormente, dando especial ênfase à proximidade das atividades do novo empreendimento em relação ao negócio central da empresa. Assim, temos no quadro 4 uma representação do aspecto de interligação entre a estrutura do empreendimento corporativo e a empresa que a origina, bem como um apanhado ilustrativo das características envolvidas em cada uma destas modalidades.
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Empreendedorismo e Intraempreendedorismo
Tipo de Estrutura Integração Direta
Equipes Integradas de Negócio
Departamento de Novos Empreendimentos
Divisão de Novos Empreendimentos
Unidades de Negócio
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Spin off
Características Centrais Está relacionada a empreendimentos corporativos com impactos diretos sobre operações e condições competitivas da empresa como um todo. Há divisão de recursos e competências existentes entre o empreendimento e a corporação Neste caso, conhecimentos especializados são cultivados dentro das operações principais da empresa como forma de apoio às competências existentes, de maneira que há certo nível de distanciamento (ainda que pequeno) do negócio central da empresa. Normalmente esta estrutura está fundamentada na alocação temporária de recursos produtivos existentes. Esta estrutura se desenvolve em torno de projetos que estão fundamentados em mercados que vão além daqueles normalmente abordados pela empresa. Envolve a criação de um grupo administrativo separado da linha normal, buscando facilitar o relacionamento com o público externo. É orientada para situações nas quais a empresa produz uma massa crítica suficientemente grande de projetos e que funcionam com uma supervisão administrativa relativamente autônoma, permitindo que a eficiência do negócio principal não seja comprometida. As unidades de negócio podem ser de caráter especial ou independente, dependendo da relevância estratégica. A lógica desta abordagem reside na capacidade do empreendimento corporativo de gerar receitas suficientes para sua própria sustentabilidade competitiva. Na prática, as unidades de negócio funcionam como entidades relativamente independentes. No caso de Spin Offs, ocorre a completa independência do empreendimento corporativo em relação à empresa original. Esta estrutura é adequada no caso de falta de vinculação estratégica entre empreendimento e empresa. Neste caso, há o surgimento de uma nova organização com completa autonomia gerencial.
Maior nível de Integração
Maior nível de independência
Quadro 4. Estruturas para Empreendimentos Corporativos Fonte: Baseado em Tidd, Bessant e Pavitt (2008).
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É possível gerenciar atividades empreendedoras e inovadoras? – Unidade 3
Com base nas informações detalhadas acima, fica evidente a importância de uma definição clara do escopo e atividades do empreendimento corporativo, frente à necessidade de aplicar uma estrutura correta à sua organização, sendo este um aspecto crítico de sucesso da implementação de atividades de caráter intraempreendedor (TIDD, BESSANT e PAVITT, 2008). A isto devemos agregar a dificuldade de estabelecer parâmetros de controle de tais organismos. A mera avaliação de retorno financeiro pode não ser adequada, tendo em vista os resultados em termos de aprendizagem organizacional e expansão de competências que podem surgir no processo. Em termos gerais, no entanto, a agregação de valor ocasionada pela prática de empreendedorismo corporativo ocorre como resultado da capacidade de entendimento dos ambientes externo e interno que permeiam a realidade da empresa. Neste sentido, a análise sistemática de tais aspectos fortalece a capacidade de identificação de oportunidades, a peça matriz de toda a atividade de caráter empreendedor. No capítulo seguinte abordaremos metodologias adequadas para a execução desta tarefa. O caso da SAP Nem todos os casos de spin offs corporativos são originários de uma estratégia pré-concebida pela organização acerca de como gerenciar tais empreendimentos. Muitas vezes os spin offs surgem de maneira espontânea a partir de uma visão empreendedora em seu sentido clássico (isto é, não referente ao intraempreendedorismo) e que origina um novo negócio, utilizando recursos (em sua maioria humanos) que pertenciam a uma organização maior. Este é o caso de uma empresa alemã de software de gestão organizacional (os famosos ERP). Os fundadores da SAP eram, originalmente, funcionários da subsidiária da IBM em Mannheim. Seu entendimento acerca da importância do desenvolvimento de um programa eficiente EAD-14-GEL – Proibida a reprodução – © UniSEB Interativo
de administração de recursos empresariais os levou a entender que a IBM, seu cliente interno, era somente uma das múltiplas oportunidades comerciais que estes programadores poderiam abordar. Assim, a SAP surgiu como um spin off não programado da IBM.
Box 2. O caso SAP
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Empreendedorismo e Intraempreendedorismo
Referências bibliográficas CHESBROUGH, Henry. Inovação Aberta. Porto Alegre: Bookman, 2012. COSTA, Alexandre M.; CERICATO, Domingo; MELO, Pedro A. Empreendedorismo corporativo: uma nova estratégia para a inovação em organizações contemporâneas. Revista de Negócios, 12 (4), pp. 32-43, 2007. DORNELAS, Jose C. A. Empreendedorismo Corporativo. 2ª ed. Rio de Janeiro: Campus, 2009. DRUCKER, Peter F. Inovação e espírito empreendedor. São Paulo: Cengage, 2008. FILION, Louis J. Empreendedorismo e gerenciamento: processos distintos, porém complementares. RAE Light, 7 (3), pp. 2-7, 2000. HASHIMOTO, Marcos. Espírito Empreendedor nas Organizações. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. HISRICH, Robert D.; KEARNEY, Claudine. Corporate Entrepreneurship. Nova York: McGraw-Hill, 2011. TIDD, Joe; BESSANT, John; PAVITT, Keith. Gestão da Inovação. Porto Alegre: Bookman, 2008.
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VAN DE VEN, Andrew; ENGLEMAN, Rhonda. Central Problems in managing corporate innovation and entrepreneurship. In: KATZ, J.; SHEPHERD, D. (eds). Corporate Entrepreneurship. Amsterdã: Elsevier, 2004.
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UNIDADE 4 Análise econômica e empresarial: em busca das oportunidades Objetivos Este capítulo busca introduzir o leitor ao tema da vigilância econômica e gerencial através de uma exposição inicial ao conceito de concorrência ampliada de acordo com as formulações de Porter (1980). O entendimento de tal modelo analítico se faz absolutamente necessário para a prática de monitoramento do entorno empresarial e econômico como fonte de informações imprescindíveis na identificação de oportunidades, etapa seminal dos desenvolvimentos de caráter empreendedor/intraempreendedor. As sete fontes de oportunidades de inovação de Drucker também são apresentadas. Sendo o empreendedor/intraempreendedor um agente de mudança e desenvolvimento nos sistemas econômicos nos quais estão inseridos, atribui-se a eles o papel de geradores e difusores de atividades inovadoras no contexto empresarial. Não obstante, como vimos acima, o conceito de inovação (ao contrário da ideia que muitas vezes se propaga) não está necessariamente atrelado a tecnologias de ponta ou gadgets da moda. Inovação envolve outros meios e métodos gerenciais que, sim, criam valor adicional (com base em aspectos novos) para o mercado. Pensemos, por exemplo, na alteração drástica que a dinâmica concorrencial no setor de aviação civil no Brasil passou na última década. O surgimento de empresas organizadas em torno a atividades centralmente gerenciais – com desdobramentos operacionais pouco aliados a introduções de novas tecnologias – representou uma inovação substancial nesta indústria, gerando um ambiente de competição claramente voltado para estratégias focadas em redução de custos. Isto nos leva a entender o processo inovador como algo que cria (ou amplia) a capacidade da empresa de propor soluções ao mercado. Com base neste entendimento do termo, a inovação dificilmente está fundamentada em um processo linear, originando-se em atividades de Pesquisa & Desenvolvimento, mas, sim, em uma visão mais complexa e
Empreendedorismo e Intraempreendedorismo
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sistêmica, buscando como objetivo último a criação de valor de mercado1 para o contingente demandante. Estas premissas demonstram que o empreendedor/intraempreendedor deve ter uma capacidade analítica refinada a respeito de sua área de interesse ou de atuação, conhecendo e explorando dados e informações referentes aos condicionantes estruturais básicos da concorrência empresarial entendida em seu sentido amplo, como sugerido pelo economista Michael Porter em sua obra clássica do pensamento estratégico “Estratégia Competitiva: Técnicas para análise de indústrias e da concorrência”. Nesta obra, Porter constrói os pilares de uma escola de pensamento gerencial voltada para o entendimento do entorno empresarial como matriz básica para a formulação de estratégias e planos de ação orientados para a capacidade competitiva da empresa em longo prazo. Ainda que a figura do empreendedor per se não esteja no centro de suas propostas, a dinâmica dos mercados e a geração de inovações permeiam suas análises, oferecendo uma perspectiva da empresa que é utilizada amplamente na literatura relacionada (Tidd, Bessant e Pavitt, 2008, por exemplo, utilizam do modelo proposto por Porter como marco analítico fundamental na gestão dos processos de inovação empresarial2). A figura 2 contém os aspectos fundamentais da estrutura industrial de acordo com Porter. De acordo com este modelo analítico, o entendimento do ambiente empresarial ultrapassa a lógica reducionista de inter-relações somente entre empresas/empreendimentos que participam de um mesmo setor de atuação. Podemos descrever estes condicionantes brevemente: a) Rivalidade entre concorrentes: envolve o aspecto mais básico do ambiente em que operam as empresas, considerando o que podemos caracterizar como ambiente horizontal. Neste construto encontram-se empresas que rivalizam diretamente, por exemplo: Coca-Cola e Pepsi. b) Novos entrantes: faz referência à dinâmica de penetração de novas empresas no âmbito da indústria. Podemos fazer uma clara referência à entrada da Apple e da Samsung no ambiente
1 Tomando-se o atributo “Valor” como uma relação entre “Benefícios” e “Preço”, temos que V=B/P. Desta simples identidade matemática pode-se extrair que o oferecimento de níveis mais altos de valor parte da correta gestão da razão entre “Benefício” e “Preço”. Assim, exemplificando, uma empresa pode oferecer maiores níveis de valor através de benefícios adicionais e uma manutenção do nível de preços, uma redução de preços sem uma perda substancial de benefícios e assim por diante. 2 Este livro consta nas referências bibliográficas deste material, sendo uma das mais influentes obras existentes no campo da gestão da inovação.
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Análise econômica e empresarial: em busca das oportunidades– Unidade 4
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concorrencial de aparelhos celulares, antes dominados por empresas como a Nokia e a Motorola. c) Poder de Barganha de Fornecedores: aborda as relações verticais a montante da empresa, ou seja, sua capacidade de relacionamento com empresas fornecedoras de insumos produtivos (bens e serviços). Dado o nível de controle de mercado das partes fica estabelecido o balanço de poder. A Procter & Gamble, por exemplo, exerce forte influência sobre os processos produtivos dos seus fornecedores, ao passo que postos de gasolina pouco têm o que argumentar a respeito do fornecimento de combustível da Petrobras. d) Poder de Barganha de Compradores: aborda as relações verticais a jusante da empresa em questão, referindo-se à capacidade de relacionamento com clientes (sejam eles consumidores finais ou empresas intermediárias na cadeia de suprimentos). Neste caso, podemos utilizar os exemplos citados no item imediatamente anterior, apenas invertendo a sua lógica. e) Produtos Substitutos: determinam concorrentes “ocultos” das empresas, referindo-se a produtos que cumprem com soluções próximas àqueles da empresa em questão, ainda que operem em ambientes relativamente separados. Para clarificar, considere-se o exemplo da concorrência entre Tablets e microcomputadores. Ainda que não ocupem o mesmo espaço mercadológico, suprem em certo nível as mesmas necessidades (não para todos, mas para um significativo contingente de consumidores). Como resultado, a penetração dos Tablets representou no último ano uma oscilação negativa na venda de PCs de acordo com dados divulgados recentemente em veículos de imprensa.
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Empreendedorismo e Intraempreendedorismo
Poder de Barganha dos Fornecedores
Ameaças de Novos Estrantes
Rivalidade entre concorrentes
Produtos Substitutos
Poder de Barganha dos Clientes Figura 4. Modelo de Análise do Ambiente de Concorrência Ampliada Fonte: Porter (1986).
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Em termos de análise do ambiente empreendedor (individual ou corporativo), tal marco analítico tem grande representação e indiscutível utilidade no processo de concepção de novas ideias. Conforme colocam Tidd, Bessant e Pavitt (2008, p. 141), o esquema de Porter oferece as ferramentas para alcançar “uma compreensão profunda do cenário competitivo em que a empresa opera e no qual precisa conscientemente tentar se posicionar”. O intuito de introduzir esta perspectiva é reduzir o impacto esperado dos chamados “lances geniais” dos empreendedores como algo pautado pela sorte ou por algum atributo idiossincrático dos indivíduos. Colocamos o exemplo abaixo (Box 2) para exemplificar a importância da compilação de tais informações (no caso, entendimento de características da demanda). Bookham Technology Andrew Rickman fundou a Bookham Technology em 1988. Rickman possuía graduação em engenharia mecânica, doutorado em óptica integrada, um MBA e experiência como investidor de risco.
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Análise econômica e empresarial: em busca das oportunidades– Unidade 4
Ao contrário de muitos empreendedores no ramo de tecnologia, ele não começou seu projeto com o desenvolvimento de uma nova tecnologia para depois procurar meios de explorá-la (um processo comumente chamado como technology push). Ele primeiro identificou uma possível necessidade de mercado e depois desenvolveu uma solução tecnológica apropriada (lógica conhecida como market pull). A Bookham Technology obteve como resultado um valor acionário de mais de cinco bilhões de libras, sendo uma das três mais conceituadas empresas do setor de ópticoeletrônicos do mundo. Box 3. Bookham Technology
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Fonte: Adaptado de Tidd, Bessant e Pavitt (2008).
Outro exemplo aliado àquele explicitado no Box 2 (e, certamente, mais cotidiano) é apresentado pelo caso da rede social Facebook. Fundamentando nossa análise em uma leitura crítica do filme que dramatiza o surgimento desta ferramenta ,A Rede Social, temos o jovem Mark Zuckerberg como um visionário pautado pela sua visão do entorno de “consumidores” desta plataforma. Percebe-se uma preocupação inicial em criar um website de acesso exclusivo a estudantes de Harvard, princípio embasado na lógica dos Final Clubs (ou fraternidades) desta universidade. Mais adiante na trama, Zuckerberg incorpora a ferramenta de “status de relacionamento” a partir dos anseios do seu principal programador, Dustin Moskovitz, em saber a respeito da situação de uma colega de sala. Assim como outros detalhes do filme, estes aspectos representam a estreita conexão entre o sucesso do Facebook e a percepção dos desejos de mercado. Nosso argumento, então, é que tal visão determinista pode explicar relativamente bem alguns poucos casos ocorridos no ambiente econômico. Não obstante, a identificação de oportunidades, passo primordial no desenvolvimento empreendedor, é passível de treinamento e fruto de exercícios analíticos por parte do gestor. O modelo contingencial de Porter é um dos métodos mais propagados para tal atividade. Sua visão holística do processo concorrencial e de relações entre agentes econômicos oferece não somente uma estrutura para análise competitiva, mas também uma importante proposta de potenciais fontes de informação e de estabelecimento de relações colaborativas entre empresas. A capacidade de geração de conhecimento conjunto, bem como de 39
Empreendedorismo e Intraempreendedorismo
monitoramento de desenvolvimentos relevantes a respeito do estado-daarte de determinada atividade, constituem o ambiente complexo e sistêmico de atuação do empreendedor. Hidalgo, León e Pavón (2008), assim como Tidd, Bessant e Pavitt (2008), também realizam uma abordagem do modelo de Porter como ponto de partida fundamental na análise do ambiente competitivo para a identificação de oportunidades mercadológicas. Estes autores oferecem, porém, uma estrutura mais operacional (ainda que limitada) para a efetivação do monitoramento do ambiente externo da organização, de acordo com o quadro 5. Para uma perspectiva em maior profundidade destes elementos, recomendamos as leituras citadas nesta seção. Principais Fontes de Informação para Atividades Inovadoras • Visitas a instalações industriais Observações in situ • Testes de equipamentos ou componentes • Contatos profissionais Especialistas
• Consultores • Reuniões • Método Delphi • Publicações nacionais ou estrangeiras
Literatura Técnica
• Apresentações e anais de congressos • Patentes/Modelos de Utilidade • Feiras
Contatos Organizacionais
• Reuniões • Associações setoriais
Quadro 5. Principais fontes de informação para monitoramento do ambiente competitivo Fonte: Adaptado de Hidalgo, León e Pavón (2008).
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Mintzberg, Ahlstrand e Lampel (2000) agregam a importância de que o empreendedor domine amplamente os conceitos e operações relacionadas à empresa. Esta perspectiva, ainda que metodologicamente pouco estruturada, se fundamenta na ideia de que uma massa crítica de experiência em determinada área de atuação pode fornecer ao empreendedor um montante substancial de conhecimento de ordem tácita. Tal 40
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conhecimento, consequentemente, alimenta a capacidade decisória do indivíduo. Percebe-se, então, que esta visão holística e de caráter sistêmico funciona, se bem operacionalizada, como uma ferramenta de vigilância do entorno econômico nos quais se situam empresas passíveis de desenvolver empreendimentos corporativos, assim como para empreendedores individuais que buscam visualizar as devidas oportunidades para o estabelecimento de suas iniciativas. Este primeiro ponto gerencial faz menção ao primeiro passo do processo empreendedor, ou seja, daquele relatado no quadro 1 como a fase de identificação de oportunidades. Seguindo esta estrutura linear de cognição a respeito do fenômeno sob análise, esta etapa tem relevância especial como alicerce das fases subsequentes. Contudo, o ato de monitoramento de oportunidades é uma atividade contínua e que deve ser estruturada e sistematizada no processo de desenvolvimento de inovações.
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4.1 Encontrando as Oportunidades: As sete fontes de Drucker Peter Drucker, famoso guru do campo da administração, com grandes contribuições ao campo da inovação e do empreendedorismo, propôs sete fontes básicas de oportunidades para a atividade inovadora (elas podem ser encontradas com maiores detalhes em seu livro “Inovação e Espírito Empreendedor”). Talvez estas indicações sirvam como uma forma de “atalho” para a análise ambiental descrita acima (ainda que a perspectiva de Drucker inclua o ambiente interno e externo da empresa), mas é fundamental que elas sejam utilizadas conjuntamente para que uma percepção refinada do entorno competitivo seja oferecida. Antes que nos voltemos a esta contribuição inestimável de Drucker, vale a pena prestar atenção a alguns dos seus apontamentos a respeito da atividade inovadora. Reafirmando o que apresentamos anteriormente, a inovação para Drucker não é baseada necessariamente em tecnologia ou até mesmo em produtos tangíveis. O autor oferece o caso do comerciante de máquinas e implementos agrícolas, Cyrus McCormick, que, percebendo a incapacidade financeira dos agricultores, desenvolveu o sistema de vendas a prazo para este mercado, tornando uma imensa demanda latente em compradores reais, trazendo alta rentabilidade à empresa. A 41
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parte grifada do texto denota a origem da inovação: uma necessidade/ desejo do mercado3. Dividimos da perspectiva de Drucker de que o empreendedor não é um “gênio passivo”, à espera de grandes ideias, mas um profissional engajado na busca por oportunidades. Para que estas sejam identificadas, contudo, é necessário estruturar e sistematizar métodos de procura de mudanças e como inovações relacionadas a elas poderão exercer influência sobre o ambiente econômico4. Assim, os sete principais aspectos identificados pelo autor (Drucker, 2008) no processo de gestão da inovação e empreendedorismo são : 1. O inesperado: O sucesso inesperado, o fracasso inesperado. Esta é uma visão voltada para o âmbito interno da organização e que trata dos resultados não-lineares obtidos pela empresa/ empreendedor. Quando são traçados planos, objetivos e metas são dedicados recursos e gerenciadas pessoas, a análise dos resultados efetivamente obtidos nem sempre indica aquilo que se espera. Esta aparente desconexão entre o esperado e o alcançado pode guardar informações extremamente relevantes para entender um processo de mudança na mentalidade e nas características do mercado. Desta maneira, a ocorrência de eventos não previstos pode ser de grande valia para o empreendedor/intraempreendedor. 2. A incongruência: Esta fonte de oportunidade para a atividade inovadora guarda certa semelhança com o inesperado, sendo muitas vezes difícil de identificar, mas de elevado impacto potencial para a empresa. A incongruência é basicamente o que separa as coisas como elas são de como elas deveriam ser, estando frequentemente fundamentadas em aspectos qualitativos, ou seja, aqueles que os números não revelam. Por que, apesar dos investimentos adicionais, as vendas de nossa empresa estão estagnadas? Por que, mesmo com um novo design de produto, nossa participação de mercado diminuiu? É preciso entender com precisão as características da concorrência ampliada (modelo de Porter) para chegar a uma conclusão 3 É fundamental reparar que há grande ligação e até interdependência entre estas sete fontes. 4 Drucker (2008) estima que tais inovações podem: a) criar a mudança (o que é mais raro); ou b) aproveitar o ambiente criado pela mudança (o que seria mais comum). É interessante perceber que a inovação baseada na mudança não deixa de ter um caráter reativo.
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e, mais do que isso, aproveitar a oportunidade inerente a uma situação de crise. 3. Inovação fundamentada em necessidades de processo: Esta fonte de oportunidade talvez seja a mais intuitiva de todas e preconiza que a inovação é alavancada por uma necessidade existente nos processos produtivos de bens e serviços. A necessidade de ampliar o mercado e fazer frente à concorrência fez com que o Citibank fosse pioneiro em utilizar terminais de autoatendimento no setor bancário, incrementando sua posição competitiva. Esta foi uma saída para a expansão sem que fosse necessário incorrer em grandes investimentos em agências e ampliação do quadro de funcionários. O resultado foi uma alteração das regras de concorrência no setor bancário. Logicamente, muitas vezes a inovação em processo é uma oportunidade sem uma necessidade evidente, o que torna fundamental o monitoramento e promoção de processos de melhoria contínua no ambiente empresarial. A Massey Ferguson, empresa de maquinário agrícola, fomenta a análise crítica e proposição de melhorias na linha de produção através de mecanismos de incentivo aos seus operários. 4. Mudanças na estrutura industrial/de mercado: As mudanças na estrutura industrial envolvem a instabilidade gerada em um mercado no qual existem empresas claramente dominantes. Quando as regras de concorrência são alteradas, grandes empresas podem perder relevância ou até mesmo desaparecerem. Para enfrentar este momento de instabilidade, a empresa deve inovar a partir da pergunta “Afinal, qual o nosso negócio”? Entender o negócio vai muito além do produto ou serviço oferecido, já que estes evoluem com o tempo (é só parar para pensar na evolução dos meios de transporte nos últimos 100 anos)5. No caso brasileiro, podemos pensar nas alterações drásticas que houve no setor de linhas aéreas nacionais nos últimos 20 anos, devido a mudanças de ordem econômica e que deram vazão à inovação organizacional eficiente em custos. Empresas como a Varig, Transbrasil e Vasp hoje não mais existem em seus moldes originais, tendo sido substituídas por 5
A respeito deste item, é recomendada a leitura adicional do artigo Marketing Myopia de Theodore Levitt.
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empresas que inovaram a maneira de oferecer transporte aéreo de curtas e médias distâncias. 5. Mudanças demográficas: Este item se refere a mudanças nas características observáveis da população, como dinâmica de segmentos por faixa etária, sexo, expectativa de vida, etnia, credo, aspectos econômicos, geográficos, etc. A maior concentração de pessoas em determinada cidade ou região representa possibilidades lógicas de atendimento a uma demanda maior, mas, além disso, oferecem a oportunidade de se oferecer inovações, já que as características do local sofrem alterações a partir do crescimento populacional acelerado. Neste caso, espera-se um maior tempo de deslocamento entre a casa e o trabalho, por exemplo, devido ao tráfego e à distância. Surge, neste contexto, uma grande oportunidade para os serviços delivery, opções de entretenimento diferenciadas, etc. O avanço da expectativa de vida oferece grandes possibilidades de lucros para empresas que ofereçam serviços especializados, assim como o crescimento de nichos específicos possibilita a oferta de produtos e serviços adequados, dado um tamanho satisfatório do mercado. Assim como no caso das mudanças de percepção que veremos abaixo, as mudanças demográficas promovera uma inovação em estratégia fundamentada no princípio da segmentação de mercado. 6. Mudanças na percepção: Mudanças na percepção são categorizadas como aspectos psicográficos e se referem à mentalidade da população (ou de grupos de compradores) a respeito de produtos e serviços que são consumidos. Desta lógica surgem as inovações empresariais no sentido de oferecer produtos light, ou orgânicos, ou de baixo impacto ambiental, por exemplo. O atendimento a gostos ou opiniões de grupos específicos de pessoas (ou ao total da população, dependendo do grau da mudança) permite que as empresas adquiram maior rentabilidade, desde que tais alterações sejam abordadas através da criação de um novo valor. O estabelecimento do Real como moeda corrente no Brasil em 1994 promoveu uma mudança sensível no comportamento de compra do brasileiro, considerando suas expectativas em uma maior estabilidade econômica. As empresas que desenvolveram estratégias de 44
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vendas em longo prazo para bens de consumo construíram uma plataforma de domínio de mercado importante. 7. Novos conhecimentos (científicos ou não): A geração exógena de conhecimentos de qualquer ordem pode ter um impacto relevante na capacidade inovadora das organizações. Algumas percebem isto antes que outras, gerando vantagens competitivas importantes. Já citamos o caso da ampliação da rede de atendimento do Citibank através do uso de Tecnologias de Informação. A própria internet mudou o ambiente de concorrência em uma série de setores da economia, diminuindo (em muitos casos) a necessidade de presença física para contato comercial (como é o caso da venda de passagens aéreas). A Netshoes é um caso de empresa brasileira que vem avançando aceleradamente no varejo de produtos esportivos e de vestuário (com suporte de uma estratégia logística extremamente eficiente). Outro exemplo parecido, ainda mais famoso, é o da Amazon. Mas talvez o exemplo mais emblemático no último século seja o da empresa Monsanto. Esta empresa de Saint Louis, EUA, criou um herbicida poderoso conhecido no Brasil como glifosato (a marca se chama Roundup). Infelizmente para a empresa, este herbicida é tão poderoso que mata qualquer organismo vegetal. A solução para isso partiu dos desenvolvimentos de Watson e Crick, descobridores da estrutura proteica do DNA. Tal descoberta científica abriu as portas para a pesquisa genética, permitindo a manipulação de organismos. Para a Monsanto isto permitiu desenvolver sementes resistentes ao glifosato, criando, assim, um mercado cativo (devido à alta produtividade resultante) para seus produtos. É importante ressaltar novamente a importância da interdependência entre as sete dimensões de oportunidades para a inovação apresentadas por Drucker. Também, assim como no modelo de Porter, devemos perceber que elas não oferecem respostas prontas, mas um marco analítico poderoso para a identificação de oportunidades de mercado para empreendedores e empreendedores corporativos. Por último, vale a pena colocar uma ênfase adicional nas ferramentas de Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC), especialmente na internet. Estas ferramentas, por um lado, oferecem ao empreendedor um mecanismo de grande valor no processo de busca de informações e ampliação da interface de intera45
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ção com o mercado. Por outro lado, há uma grande tendência de inserção de virtualmente todo tipo de negócio nestas plataformas, otimizando-se o fluxo de dados e informações entre agentes. Ainda que isto pareça sedimentado na cultura mercadológica atual, mudanças disruptivas nas TIC alteram de maneira relevante o ambiente concorrencial e a percepção de valor por parte do consumidor.
4.2 Para onde ir? Estabelecendo Orientações Estratégicas
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Os exercícios analíticos apresentados nas seções anteriores, conforme mencionado, tratam de uma etapa primordial no processo de visão estratégica do empreendedor/ intraempreendedor: percepções acerca do ambiente competitivo e identificação de oportunidades para a geração de modalidades inovadoras de produto, processo ou estrutura organizacional. Não obstante, segue a esta atividade a necessidade central de estabelecer o posicionamento da empresa, ou seja, como a organização pretende abordar o mercado, qual a sua proposta de negócio. Ainda que o processo de planejamento estratégico e formulação de metas e objetivos tenham (e devam ter) um conteúdo adequado a cada tipo de organização e ao seu entorno específico, Michael Porter (1980) propõe um esquema altamente eficiente de orientação estratégica, ao qual se dá o nome de estratégias genéricas. Conforme veremos a seguir, tais módulos estratégicos oferecem, em linhas gerais, abordagens eficientes no posicionamento perante os condicionantes estruturais da concorrência em sentido ampliado (as cinco forças que foram apresentadas anteriormente). Devemos de todas as formas, enfatizar também os riscos envolvidos com as estratégias genéricas. O dinamismo do ambiente econômico e corporativo, de acordo com postulações anteriores, estabelece uma fragilidade de qualquer posição estratégica que não tenha eficientes capacidades adaptativas. A primeira das estratégias genéricas de Porter é denominada Liderança no Custo Total. Esta orientação estratégica designa um posicionamento empresarial voltado para reduções agressivas de custos, fundamentando vantagens competitivas em economias de escala, baixas margens de lucro (unitárias) e grande participação de mercado. Tal formatação estratégica, conforme sugerido, implica uma relação estreita com inovações incrementais (melhorias graduais) na linha de produção, mas 46
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devido a reduções em investimentos em Pesquisa & Desenvolvimento (P&D), bem como outras atividades empresariais relacionadas a inovações de conteúdo mais disruptivo, a empresa se torna potencialmente ineficaz em responder a condições competitivas exógenas. Um exemplo bastante ilustrativo de tal orientação estratégica pode ser visto no ambiente industrial do setor farmacêutico no Brasil. Os laboratórios produtores de medicamentos genéricos seguem uma lógica bastante consistente com aquela proposta pela estratégia de Liderança no Custo Total, investindo em sua capacidade de replicar fórmulas de domínio público (não protegidas por direitos de propriedade intelectual, como patentes) e alcançar o mercado com preços reduzidos. Por abdicarem de investir fortemente em atividades relacionadas à P&D de novos medicamentos, estes laboratórios encontram uma posição favorável em termos de custos em relação aos laboratórios multinacionais que fundamentam sua abordagem em lucratividade de novos produtos, estes, sim, protegidos por patentes. Contudo, tais laboratórios de alcance global (Merck, Pfizer, Novartis, Roche, entre outras), eméritos desenvolvedores de novos medicamentos, não podem ser entendidos como empresas frágeis em termos de competitividade, muito antes pelo contrário. O que ocorre é que sua orientação estratégica segue uma lógica, de acordo com terminologia de Porter, de Diferenciação. Este posicionamento genérico constrói suas fontes de vantagem em torno ao oferecimento de produtos e atributos únicos no âmbito industrial. Neste contexto, a preocupação com custos não é inexistente, mas este deixa de ser o aspecto central na formulação do posicionamento empresarial. Ao passo que isto cria uma relação de lealdade com a demanda (pela oferta de valores inigualáveis), devemos perceber que implica, via de regra, em uma menor participação de mercado, o que ocorre devido a políticas de preços mais altos (não apenas pelo potencial de existência de custos mais altos, mas pela própria imagem de exclusividade da organização, incompatível com vendas em larga escala). Podemos ampliar o escopo de exemplos para diversos ambientes concorrenciais, como alimentação (Outback), automóveis (Mercedes Benz), hotéis (Sheraton), etc. Em última instância, Porter abordou a ideia de segmentação de mercado como uma forma de posicionamento, denominando-a Enfoque ou Foco. Primeiramente, esta terceira estratégia genérica não deve ser entendida como uma orientação estratégica por si só, dependendo de uma 47
Empreendedorismo e Intraempreendedorismo
combinação com as estratégias de Liderança em Custos ou Diferenciação. O que a abordagem de Enfoque preconiza é a capacidade empresarial em encontrar determinados subgrupos dentro de um mercado comprador e que dividam de atributos em comum, para os quais as empresas utilizam parâmetros de segmentação, como aspectos demográficos, geográficos, psicográficos etc. A ideia é conseguir lidar eficientemente com os valores específicos de determinados grupos, permitindo que a empresa obtenha uma posição competitiva privilegiada. Exemplos de tal orientação podem ser encontrados em virtualmente todos os setores da economia. Apresentamos como exemplos: produtos alimentícios (linha light, voltada para grupos compradores preocupados com ingestão calórica); restaurantes (os vegetarianos, por exemplo, voltados para pessoas com este estilo de vida); automóveis (por linhas, discriminando aspectos econômicos) etc. Abaixo apresentamos a Figura 6, que faz um resumo dos mecanismos de orientação estratégica de Porter.
No âmbito de todo o setor
Posição de baixo custo
Diferenciação
Liderança em custo
Apenas um segmento
Alvo estratégico
Vantagem estratégica
Unicidade observada pelo cliente
Foco
Figura 5. As três estratégias genéricas Proibida a reprodução – © UniSEB Interativo
Fonte: Adaptado de Porter (1980).
A visão oferecida neste capítulo trabalha aspectos centrais no processo empreendedor. Estes desenvolvimentos de caráter teórico encontram grande aplicabilidade na identificação de oportunidades e orientação dos esforços empresariais, considerando uma perspectiva mais ampla do que aquelas direcionadas somente ao entendimento do ambiente imedia48
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to de concorrência do empreendedor ou do empreendedor corporativo. Por último, as orientações estratégicas de Porter fornecem um guia inicial para o posicionamento do negócio.
Referências bibliográficas DRUCKER, Peter F. Inovação e espírito empreendedor. São Paulo: Cengage, 2008. HIDALGO, Antonio; LEÓN, Gonzalo; PAVÓN, Julián. La gestión de la innovación y la tecnología en las organizaciones. Madrid: Ediciones Pirámide, 2008. LEVITT, Theodore. Marketing Myopia. Harvard Business Review, 38, pp. 24-47, 1960. MINTZBERG, Henry; AHSLTRAND, Bruce; LAMPEL, Joseph. Safári de estratégia: um roteiro pela selva do planejamento estratégico. Porto Alegre: Bookman, 2000. PORTER, M. Estratégia competitiva: técnicas para análise de indústrias e da concorrência. 7 ed. Rio de Janeiro: Campus, 1986.
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TIDD, Joe; BESSANT, John; PAVITT, Keith. Gestão da Inovação. Porto Alegre: Bookman, 2008.
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