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A Reforma Protestante e a Igreja Presbiteriana do Brasil
Rev. Alderi Souza de Matos Historiador oficial da Igreja Presbiteriana do Brasil
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Artigo
Nas comemorações dos 500 anos da Reforma, um fato chamou a atenção – a Igreja Presbiteriana do Brasil foi a denominação protestante brasileira que mais se empenhou na celebração do grande evento. Ao longo de 2017, os presbiterianos promoveram uma conferência internacional na Universidade Mackenzie, semanas teológicas nos seminários da igreja, lançamento de muitos livros, uma exposição de documentos históricos originais, um documentário em formato de vídeo, cultos especiais em todas as regiões do país e um grande encontro de encerramento no Rio de Janeiro, com a presença de 15 mil pessoas. Pastores e professores presbiterianos contribuíram para muitas matérias, que foram veiculadas na televisão, em jornais e na internet a respeito desse marco histórico.
Tal envolvimento reflete a consciência de que a IPB tem profundas conexões com a Reforma e o seu legado. O presbiterianismo foi um fruto da revolução protestante e, em especial, do segundo movimento de reforma religiosa do século 16 – o Movimento Reformado. Indivíduos como Ulrico Zuínglio, Henrique Bullinger, Martin Butzer, João Calvino, Teodoro Beza, John Knox e outros líderes moldaram uma tradição protestante que resultou nas igrejas reformadas ou presbiterianas. Essa tradição incluiu maneiras específicas de entender a Escritura, um corpo doutrinário, uma perspectiva do culto e uma forma de governo eclesiástico distintos dos demais ramos da Reforma. No continente europeu, as igrejas herdeiras do movimento suíço ficaram conhecidas como “reformadas” (Igreja Reformada da Suíça, Igreja Reformada da França, etc.). Nas Ilhas Britânicas, especialmente na Escócia, elas receberam o nome de “presbiterianas”, sob a liderança de John Knox. Afirmar o presbiterianismo na Escócia do século 16 significou assumir uma posição ao mesmo tempo teológica e política. Com isso, os escoceses quiseram dizer: “Nós não queremos uma igreja governada por bispos nomeados pelos reis, e sim uma igreja liderada por presbíteros livremente eleitos pelos fiéis”. Mais tarde, os presbiterianos escoceses e seus irmãos residentes na Irlanda levaram a fé presbiteriana para os Estados Unidos, de onde ela veio para o Brasil em 1859, por intermédio do Reverendo Ashbel Green Simonton.
Assim, essa é a primeira dívida da Igreja Presbiteriana do Brasil para com a Reforma Protestante. A IPB é filha e herdeira direta do movimento do século 16. Se não fosse a Reforma, não haveria uma igreja presbiteriana, nem na Europa, nem na América do Norte, nem no Brasil. A primeira conexão é, pois, de natureza institucional e histórica.
Porém, tal ligação vai muito além do aspecto histórico. Ela reside, acima de tudo, na comunhão de convicções, princípios e valores espirituais e éticos. Numa época em que muitas igrejas reformadas e presbiterianas ao redor do mundo têm se afastado das posições doutrinárias de seus predecessores do
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século 16, a Igreja Presbiteriana do Brasil tem procurado se manter fiel à fé reformada clássica. Ela valoriza tanto as convicções que tem em comum com a Reforma em geral quanto aquelas que compartilha com a tradição reformada em particular.
A igreja brasileira abraça integralmente os princípios condutores da Reforma do século 16, os chamados “Solas” da Reforma: a precedência da Escritura em relação a qualquer outra autoridade religiosa (Sola Scriptura), a total prioridade e soberania da graça de Deus na salvação humana (Sola gratia), a absoluta necessidade e plena suficiência da obra redentora de Cristo (Solus Christo), a fé como a resposta primordial do ser humano à ação graciosa de Deus em Cristo (Sola fide) e a glória do Deus trino como o alvo e a razão de ser da igreja e dos cristãos (Soli Deo gloria).
Além disso, a IPB se identifica com as ênfases específicas da tradição reformada ou calvinista, a começar de sua teologia ou de seu corpo doutrinário, tendo como alicerce a verdade bíblica da soberania de Deus. A Escritura ensina enfaticamente que o Senhor é supremo em tudo o que faz: as obras de criação, providência e redenção. Outra área de importância capital é a adoração do Ser Divino. À luz da teologia reformada, os presbiteria-
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nos entendem que o culto deve ser teocêntrico, reverente e caloroso.
Em harmonia com o chamado “princípio regulador”, Deus deve ser cultuado da maneira como ele mesmo prescreve em sua Palavra, evitando-se as inovações inconvenientes e desrespeitosas.
Valorizando a sua herança, os presbiterianos dão grande ênfase aos sacramentos
do batismo e da Ceia do Senhor, sendo o primeiro entendido em termos da aliança que Deus estabelece com seus filhos e suas famílias, e a Ceia como um encontro vivo com o Redentor e profunda comunhão com ele. Na mesa do Senhor, o Filho de Deus se faz presente de modo real e literal, porém não em sentido físico, e sim espiritual. As convicções refletidas nessas ordenanças, que constituem o evangelho de Cristo, devem ser objeto de vibrante testemunho diante do mundo.
Outra área em que os presbiterianos sentem a influência direta da Reforma está na ética pessoal e social. A fé reformada valoriza a vida de santificação e a integridade moral como parte essencial da resposta humana ao evangelho. Ao mesmo tempo, entende a vida cristã em termos de serviço ao próximo e à sociedade, segundo o exemplo de Cristo.
Daí a grande ênfase na educação, na responsabilidade social e no exercício pleno da cidadania.
Os presbiterianos brasileiros estão conscientes de que não vivem na Europa do século 16, e sim na América Latina do século 21. Sua localização temporal e geográfica inclui situações, exigências e desafios que não existiam há 500 anos. O que se espera deles é que vivam com integridade na sua geração e procurem dar respostas bíblicas, sensíveis e corajosas aos problemas e questionamentos do seu tempo, sem abandonar ou relativizar os fundamentos que foram redescobertos e proclamados pelos reformadores. ◆
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