Anais do II SEMINÁRIO DE DESIGN CÊNICO: elementos visuais e sonoros da cena (2017)

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Anais do II SEMINÁRIO DE DESIGN CÊNICO: elementos visuais e sonoros da cena Volume 2 – Número 1

31 de maio a 03 de junho de 2017

Universidade Tecnológica Federal do Paraná Curitiba – Paraná 2017


Expediente Corpo editorial: Ismael Scheffler (UTFPR) (Coordenação), Cássia Maria Monteiro (UFRJ) (Coordenação), Amábilis de Jesus da Silva (UNESPAR/FAP), Nádia Luciani Moroz (UNESPAR/FAP), Mônica Magalhães (UNIRIO), José Sávio de Araújo de Oliveira (UFRN). Realização: Departamento Acadêmico de Desenho Industrial (DADIN), Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Apoio: Grupo de Trabalho Poéticas Espaciais, Visuais e Sonoras da Cena da Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-graduação em Artes Cênicas (ABRACE) Capa: Luana Desconci Editoração: Ismael Scheffler Contato: Ismael Scheffler Departamento Acadêmico de Desenho Industrial (DADIN) Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) Av. Sete de Setembro, 3165 Bairro Rebouças – Curitiba – PR – Brasil CEP 80230-901

Periodicidade: bienal Volume 2 – Número 1

ISSN: 2594-9209


SUMÁRIO

Apresentação

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Programação do Seminário e comunicações

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1. FORA DA CAIXA: UMA (QUASE) ARQUITETA DESCOBRINDO A DIREÇÃO DE ARTE

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2. OS ESPAÇOS CÊNICOS SIMBOLISTAS E AS PROPOSIÇÕES PARA UM TEATRO DO FUTURO

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3. NINHOS, EXPERIMENTACTION E RHODISLÂNDIA: A DIDÁTICA CÊNICA DE HÉLIO OITICICA

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4. O MENSAGEIRO DO REI: A CENOGRAFIA NO TEATRO DE FORMAS ANIMADAS

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5. DESIGN SONORO E DIMENSÃO ACÚSTICA DA CENA EM OS FUZIS DE TEREZA

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6. O CENÁRIO ATRAVESSADO PELA DRAMATURGIA CONTEMPORÂNEA

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7. POSSIBILIDADES CENOGRÁFICAS PARA MAETERLINCK

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8. CARACTERIZAÇÃO DE PERSONAGENS: O FIGURINO E A MAQUIAGEM NA QUADRILHA ESTILIZADA ARRAIÁ DO CABAÇO EM 2015

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10. COMISSÃO DE FRENTE: EXIBIÇÃO E RECEPÇÃO DOS DESFILES DE CARNAVAL

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11. A CENOGRAFIA NA DANÇA: CONCEITOS E CARACTERIZAÇÃO DO ESPETÁCULO ‘CASA’ DA COMPANHIA DE DANÇA DEBORAH COLKER 96 12. ARARA BRASILEIRA: PROCESSO E CRIAÇÃO DA BODYPAINTING PARA A COMISSÃO DE FRENTE DO GRÊMIO RECREATIVO ESCOLA DE SAMBA PARAÍSO DO TUIUTI CARNAVAL 2017 111 13. BENJA NA BIENAL INTERNACIONAL DAS ARTES DO CIRCO E RESIDÊNCIA ARTÍSTICA EM MARSEILLE: IMPRESSÕES DO PALCO

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14. O LABORATÓRIO TRANSDISCIPLINAR DE CENOGRAFIA (LTC) E A QUADRIENAL DE PRAGA 128 15. COMPOSIÇÃO DA TRILHA SONORA DO ESPETÁCULO “ESPERANÇA”: PROCESSO DE CRIAÇÃO MUSICAL NO TEATRO GESTUAL 136 16. A LINGUAGEM VISUAL LÚDICA E O DESIGN NA CENOGRAFIA DO CASTELO RÁ-TIMBUM 143


APRESENTAÇÃO

O II Seminário de Design Cênico: elementos visuais e sonoros da cena foi realizado de 31 de maio a 03 de junho de 2017, na Universidade Tecnológica Federal do Paraná, em Curitiba, Paraná. O evento se propôs a ser um espaço para ampliar o debate a respeito dos elementos da visualidade e da sonoridade da cena, criando um espaço para a reflexão, discussão e compartilhamento de pesquisas e experiências nacionais e internacionais. Além de palestras, mesas redondas, fóruns abertos, apresentações artísticas, visitas técnicas em espaços culturais e exposição, foram apresentadas 30 pesquisas acadêmicas realizadas em cursos de pós-graduação e graduação de diversos estados do país. A primeira edição deste Seminário foi realizada em novembro de 2013, também na UTFPR, e fez parte do Programa de Extensão Desenvolvimento da Cenografia, programa realizado na própria universidade contando com recursos do Edital ProExt 2013, do MEC/SESu. Essa edição do evento contou com renomados convidados nacionais e internacionais da área e, sobretudo, com o apoio de professores da Faculdade de Artes do Paraná e da Universidade Federal do Paraná. Apesar da característica regional da organização, foram selecionadas pelo comitê científico pesquisas realizadas em programas de pós-graduação e em cursos de graduação de diferentes regiões do Brasil. Em 2017, quatro anos depois, o evento se revelou de grande importância para as discussões acadêmicas da área no contexto nacional e se fortaleceu encontrando em parceiros um potente totem para o aprofundamento de sua temática. Nesta edição, contando com recursos do Departamento Acadêmico de Desenho Industrial e do Curso de Especialização em Cenografia da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, tendo na organização a parceria de professores da UNESPAR/FAP, UFRJ, UNIRIO, UFRN e do Grupo de Trabalho Poéticas Espaciais, Visuais e Sonoras da Associação Brasileira de Pesquisadores em Artes Cênicas (ABRACE), realizamos o II Seminário de Design Cênico. Elementos visuais e sonoros da cena. Privilegiamos o tema Ensino e Aprendizagens como o fio condutor das discussões do seminário. Por meio de vários debates, constatamos a diversidade das linhas formativas da área no contexto nacional e firmamos o compromisso de criar uma rede de interlocução entre os diferentes processos metodológicos da prática artística da visualidade e sonoridade cênica considerando as particularidades locais das instituições. As relações entre a pesquisa acadêmica e a prática artística foram privilegiadas e, nesse sentido, foi aberto espaço para pesquisas com temas como: cenografia; cenotécnica; arquitetura cênica; iluminação cênica, iluminotécnica; figurino; maquiagem cênica; costura cênica; objeto cênico e adereços; teatro de formas animadas, teatro visual; direção de arte; design gráfico em cartazes e programas de espetáculo; fotografia de espetáculos; instalação, intervenção, site specific e campos expandidos; tecnologias de imagem e áudio aplicadas à cena; ambiente cênico e sonoridades do espetáculo; ética nas técnicas e modos de produção da cena; experiências de produção cênica com ênfase nas linguagens visuais e sonoras; pedagogias de formação em cenografia, figurino, maquiagem, iluminação, formas animadas e sonoplastia. Nestes anais do evento, encontramos 16 artigos completos disponibilizados por pesquisadores de graduação, pós-graduação e professores de instituições de ensino superior que se apresentaram no II Seminário de Design Cênico. Ismael Scheffler (UTFPR) e Cássia Maria Monteiro (UFRJ)

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PROGRAMAÇÃO DO SEMINÁRIO E COMUNICAÇÕES

31/05 – quarta 18h-19h30 - Credenciamento: hall do Auditório 19h30 - Abertura do evento – Local: Auditório 20h - Palestra 1 – A Heurística como jogo. Uma cena. - Horácio Wainhaus (UBA). Local: Auditório. (Professor Titular Regular de Morfologia e professor Titular de Heurística na Facultad de Arquitectura, Diseño y Urbanismo (Universidad de Buenos Aires). Arquiteto. Conferencista em diversas universidades na Argentina e em eventos internacionais nas Américas e Europa. Constitui áreas de seu interesse o status teórico da arte e do design. Pesquisador com publicações diversas. Chefe editor de Cuadernos de la Forma e membro da Comissão Diretiva da Sociedade de Estudos Morfológicos da Argentina.) 01/06 - quinta *8h50 -12h - Visita técnica 1 - Teatro Guaíra – com arquiteto Sérgio Izidoro (Diferentes auditórios: Guairão, Guairinha e Mini-Guaíra e outros ambientes). *10h30 -12h - Fórum aberto 1: Formação brasileira dos profissionais nas áreas de design cênico. Mediação: José Dias (UFRJ/UNIRIO); André Sanches (UNIRIO); Ismael Scheffler (UTFPR). Local: Miniauditório Ações e carências sobre a formação profissional acadêmica e informal (cursos livres, ateliês, etc) em áreas como cenografia, iluminação e maquiagem cênica, figurino, sonoplastia, formas animadas, arquitetura teatral e outros temas correlacionados. * Programações simultâneas. 12h- 13h – Show musical com Zé Smith (Natal, RN). Local: pátio. 14h-16h - Mesas de comunicação de pesquisa (Ver programação abaixo). Locais: Salas C101 e C108 16h-16h30 - Intervalo 16h30-18h - Fórum Aberto 2: Cenografia Processos de Ensino e Aprendizagem. Mediação: Sávio Araújo (UFRN); Cássia Monteiro (UFRJ), Berilo Luigi Deiro Nosella (UFSJ). Local: Miniauditório. Experiências docentes e discentes de práticas pedagógicas tanto para a formação de profissionais destas áreas, quanto de docentes, quanto de atores e diretores, quanto de formação de público; experimentações pedagógicas; ações empreendidas, contextos de vivências. 19h-19h30 – Passeio de montanha russa – Local: Miniauditório – Sessões contínuas de 5 em 5 minutos. 19h30 - Palestra 2 - Laboratório de criação: uma metodologia de ensino para não cenógrafos. Carlos Alberto Nunes da Cunha (UNIRIO). Local: Auditório. (Professor da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro nos cursos de Bacharelado em Cenografia e Indumentária e Licenciatura em Ensino do Teatro. Tem graduação em Artes Cênicas e é Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro) 02/06 – sexta *8h50 - 12h - Visita técnica 2 - Edifícios adaptados para teatros - com arquiteto Sérgio Izidoro (Visitas monitorada em diferentes espaços na região do centro: Teatro Novelas Curitibanas, Casa Hoffmann, TEUNI). *9h30-12h - Reunião do Grupo de Trabalho Poéticas espaciais, visuais e sonoras da cena (Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-graduação em Artes Cênicas). Local: Miniauditório Primeira reunião do GT criado no Congresso de 2016 (Uberlândia, MG). Discutirá objetivos e metas do GT para a Reunião Científica (setembro de 2017) e Congresso (2018) e sua atuação em âmbito nacional. Voltado a pesquisadores na área. Coordenação: Cássia Monteiro (EBA/UFRJ) e Ismael Scheffler (UTFPR). * Programações simultâneas.

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14h-16h - Mesas de comunicação de pesquisa (Ver programação abaixo). Locais: Salas C101 e C108 16h-16h30 – Intervalo 16h30-18h - Fórum Aberto 3 – Cenografias e suas Terminologias. Mediação: Amábilis de Jesus (UNESPAR-FAP); Luiz Henrique de Sá (UNIRIO); Carolina Bassi (UNIRIO). Local: Miniauditório. Diferentes termos utilizados no Brasil e no exterior para se referir ao conjunto dos elementos teatrais como figurino, maquiagem, cenografia, iluminação, sonoplastia, estabelecendo relação com cinema e televisão e contextos comerciais e de entretenimento. 18h30-19h30 – I Pequeno Festival de Teatro Lambe-Lambe da UTFPR. Local: Em frente ao Auditório. Sessões contínuas. 19h30 - Palestra 3 - Subordinações e Insubordinações: relações entre as linguagens da cena, sistemas de produção e processos de criação. Chico Machado (UFRGS). Local: Auditório. (Doutor em Poéticas Visuais pelo PPGAV/UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Mestrado em Artes Visuais (UFRGS), Especialização em Teoria do Teatro Contemporâneo (UFRGS), graduação em Bacharelado em Desenho e graduação em Bacharelado em Pintura (UFRGS). Professor adjunto no Departamento de Arte Dramática da UFRGS. É pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.) 03/06 – sábado 9h-10h15 - Reunião de organização da PQ'19 - Um olhar sobre a formação do designer da cena no Brasil. Local: Miniauditório. Em junho de 2019, acontecerá a 14ª edição da Quadrienal de Praga do Design da Performance e a curadoria brasileira para a PQ'19, juntamente com o grupo de colaboradores, ambos identificados na reunião realizada em 26 de Abril, no Rio de Janeiro, convida os representantes das instituições brasileiras de ensino nesta área, presentes ao II Seminário de Design Cênico - UTFPR, para participarem de uma reflexão sobre a representação do Brasil para a Mostra das Escolas para a PQ'19. Coordenação: Aby Cohen (Curadora Nacional do Brasil para a PQ'19), com: Carolina Bassi, Luiz Henrique Sá e André Sanches (UNIRIO), Cassia Monteiro (UFRJ) (colaboradores para a PQ'19 - Mostra das Escolas); e Sônia Paiva - UNB (Curadora Mostra das Escolas na PQ'15). 9h30-10h30 - I Pequeno Festival de Teatro Lambe-Lambe da UTFPR. Local: Em frente ao Auditório. Sessões contínuas. 10h30- 12h - Mesa Temática – A internacionalização da Cenografia: Mapeamento da situação Brasileira. Local: Auditório. - Aby Cohen (Vice-Presidente da OISTAT Internacional; Curadiora Internacional PQ'15 - Politics; Curadora e Designer da Mostra Nacional Brasileira PQ'11; WSD2017 Taipei - membro do Comitè Executivo; WSD2013 - Cardiff - Curadora e Coordenadora Design as Performance; Professora Susbtituta na ECA - USP - Cenografia; Professora da Pós Graduação Cenografia e Figurino da FBA-SP) - José Sávio Oliveira de Araújo (Pós-Doutorado na University of British Columbia, Vancouver, Canada. Doutor e Mestre em Educação pelo PPGEd/UFRN. Graduado em Educação Artística - Habilitação Artes Cênicas pela UFRN. Professor Associado do Departamento de Artes da UFRN. Coordenador do CENOTEC - Laboratório de Estudos Cenográficos e Tecnologias da Cena. Coordenador do subprojeto PIBID TEATRO/UFRN. Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas - PPGArC/UFRN) - Nádia Luciani (Doutoranda em Artes Cênicas na ECA-USP, Mestre em Teatro pela UDESC, Especialista em Design e graduada em Comunicação Visual pela Universidade Federal do Paraná. Professora da Unespar - Campus de Curitiba II Faculdade de Artes do Paraná, onde coordena o Projeto de Extensão LABIC - Laboratório de Iluminação Cênica. Iluminadora, Designer, Diretora de Palco e Tradutora Técnica.) 12h-12h30 - encerramento. Local: Auditório.

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Comunicações apresentadas no evento: MESA 1 – QUINTA-FEIRA – 01 DE JUNHO DE 2017 .........................Sala C101 ARARA BRASILEIRA: PROCESSO DE CRIAÇÂO DA BODYPAINTING PARA A Mona Magalhaes COMISSÃO DE FRENTE DA GRÊMIO RECREATIVO ESCOLA DE SAMBA PARAÍSO DO TUIUTI CARACTERIZAÇÃO DE PERSONAGENS: O FIGURINO E A MAQUIAGEM NA Joseane Silva, QUADRILHA ESTILIZADA ARRAIÁ DO CABAÇO EM 2015 Sávio Araujo A CIDADE E A CENA INCONFORMADA NA SALA DE AULA DE HELIO Regilan Deusamar Barbosa EICHBAUER E LINA BO BARDI. ESTUDOS PARA PRÁTICAS NO Pereira LABORATÓRIO DO TRAJE A ILUMINAÇÃO CÊNICA E SUAS POSSIBILIDADES DE ENSINO Camila Barbosa Tiago ILUMINAÇÃO COMO AGENTE TRANSFORMADOR DO CORPO QUE DANÇA ENTRELAÇANDO CONCEITOS DE CENOGRAFIA E ILUMINAÇÃO A LUZ E O PERFORMER: “UMA RELAÇÂO ENTRE O TEATRAL E O ELEMENTAL” BENJA NA BIENAL INTERNACIONAL DAS ARTES DO CIRCO E RESIDÊNCIA ARTÍSTICA EM MARSEILLE: IMPRESSÕES DO PALCO O TRABALHO DO ATOR E A ILUMINAÇÃO CÊNICA - POSSIBILIDADES DO USO DA LUZ COMO COLABORADORA NAS ATMOSFERAS DA ATUAÇÃO E DA CENA TEATRAL

Kyrie Lucas Isnardi, Rubiane F. Zancan Pedro Eduardo da Silva, Camila Barbosa Tiago Claudia Bem Nadia Moroz Luciani Giovanna Caroline Dominical Parra

MESA 2 – QUINTA-FEIRA – 01 DE JUNHO DE 2017 ........................ Sala C108 CENTRO DE ARTES DA UFF: EDIFÍCIO-EMBLEMA DA MEMÓRIA URBANA Ricardo José Brügger Cardoso E CULTURAL DE NITERÓI-RJ A CONTRIBUIÇÃO DO DESIGN NA CENOGRAFIA LÚDICA DO CASTELO RÁ- Ana Cintra TIM-BUM FORA DA CAIXA: UMA (QUASE) ARQUITETA DESCOBRINDO A DIREÇÃO Bárbara Gomes, Camila DE ARTE Gomes Sant'Anna DIREÇÃO DE ARTE NAS ARTES DA CENA Alexandre Silva Nunes QUESTÕES ONTOLÓGICAS ACERCA DA FORMAÇÃO DA DIREÇÃO DE ARTE NO BRASIL A CENOGRAFIA EM EXPOSIÇÃO: PROCESSOS CURATORIAIS NA QUADRIENAL DE PRAGA DESIGN SONORO E DIMENSÃO ACÚSTICA DA CENA NA PEÇA OS FUZIS DE TEREZA COMPOSIÇÃO DA TRILHA SONORA DO ESPETÁCULO “ESPERANÇA”: PROCESSO DE CRIAÇÃO MUSICAL NO TEATRO GESTUAL POSSIBILIDADES CENOGRÁFICAS PARA MAETERLINCK

Benedito Ferreira Rosane Muniz Rocha Ernesto Valença GuaraniKaiowá Leticia Grockotzki Goularte, Ismael Scheffler Joana Lavallé

MESA 3 – SEXTA-FEIRA – 02 DE JUNHO DE 2017 ........................... Sala C101 REFLEXÕES SOBRE O CORPO E A EXPERIÊNCIA SENSORIAL NA Ines Saber de Mello COMPOSIÇÃO CÊNICA A PARTIR DO ESPETÁCULO - INSTALAÇÃO ‘PSICO/EMBUTIDOS’ A CENOGRAFIA NA DANÇA: CONCEITOS E CARACTERIZAÇÃO DO Marina Luise Paixao de ESPETÁCULO ‘CASA’ DA COMPANHIA DE DANÇA DEBORAH COLKER Oliveira REFLEXÕES SOBRE A COMPOSIÇÃO CENOGRÁFICA E O PALIMPSESTO, A Daniel Ducato PARTIR DA PRÁTICA TEATRAL EM ESPAÇOS DE USO NÃO CONVENCIONAL. A MORTA DE OSWALD DE ANDRADE: O ESPAÇO CÊNICO NO Carolina Lyra Barros da Silva MODERNISMO ANTROPÓFAGO Esteves

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OS ESPAÇOS CÊNICOS SIMBOLISTAS E AS PROPOSIÇÕES PARA UM TEATRO DO FUTURO O TEXTO PERFORMATIVO E A DIREÇÃO DE ARTE NO TEATRO PÓSDRAMÁTICO: TENSÕES E CONVERGÊNCIAS COMISSÃO DE FRENTE: EXIBIÇÃO E RECEPÇÃO DOS DESFILES DE CARNAVAL

Beatriz Magno Joana Kretzer Brandenburg Lisete Arnizaut de Vargas

MESA 4 – SEXTA-FEIRA – 02 DE JUNHO DE 2017 ........................... Sala C108 LABORATÓRIO TRANSDISCIPLINAR DE CENOGRAFIA (LTC) E A Sonia Paiva QUADRIENAL DE PRAGA NINHOS, CAPAS FEITAS NO CORPO, EXPERIMENTACTION E Cássia Maria Fernandes RHODISLÂNDIA: A DIDÁTICA CÊNICA DE HÉLIO OITICICA Monteiro EXERCÍCIOS ETNOGRÁFICOS COMO ESTRATÉGIA DE ENSINO DE Sávio Araujo CENOGRAFIA POÉTICAS DA FORMA: O ENSINO DO TEATRO DE FORMAS ANIMADAS E Ricardo Ribeiro Malveira SEUS OPERADORES EM PROCESSOS DE CRIAÇÃO TEATRAL E NA FORMAÇÃO DO DOCENTE EM TEATRO. O CENÁRIO ATRAVESSADO PELA DRAMATURGIA CONTEMPORÂNEA Helena Cecilia Carnieri Staehler DESENHADORES DE RUA NOS PALCOS URBANOS José Marconi B. Souza, Ismael Scheffler MENSAGEIRO DO REI: A CENOGRAFIA NO TEATRO DE FORMAS Emilliano Alves de Freitas ANIMADAS Nogueira

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1. FORA DA CAIXA: UMA (QUASE) ARQUITETA DESCOBRINDO A DIREÇÃO DE ARTE Bárbara Gomes Paiva Cerqueira, Camila Gomes Sant’Anna - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (FAU/UnB) Resumo: “Fora da Caixa” é um trabalho elaborado na disciplina Ensaio Teórico do curso de Arquitetura e Urbanismo da FAU/UnB. Ao mostrar que a arquitetura tem se estendido e se relacionado com outros tipos de produção, é possível perceber as diversas possibilidades e caminhos que se abrem para um arquiteto e urbanista. Dessa maneira, procurou-se compreender esses contatos para além da arquitetura tradicional, mais especificamente estudando as possibilidades de integração entre a arquitetura e o meio audiovisual, elencando diferentes atuações de um arquiteto no teatro, cinema, espetáculos e videoclipes. Dentro desses campos, destaca-se a direção de arte. Procurou-se, depois, conceituar direção de arte e entender, por meio do processo criativo, como a arquitetura e a direção de arte podem se integrar. Entendeu-se que essa profissão está em contato direto com diversos desdobramentos de produções artísticas como, por exemplo, audiovisual, música, cenografia, figurino, maquiagem, efeitos especiais. Do estudo de caso de um videoclipe e de um espetáculo, que tiveram arquitetos como diretores de arte, concluiu-se que um arquiteto tem qualificação para exercer essa profissão. Assim, um arquiteto pode exercer a profissão de diretor de arte, mesclando interesse e habilidades pessoais, qualificação obtida na graduação de Arquitetura e Urbanismo e em estudos específicos, uma vez que se estabelece importante conexão entre o processo criativo da arquitetura e o da direção de arte. O termo “Fora da Caixa” ilustra a ideia de que é possível ter uma vida profissional para além da produção da arquitetura convencional. Para isso, é necessário entendimento do tradicional, interesse pessoal e apoio da comunidade acadêmica. Apesar de ser assunto relativamente novo, o diálogo é necessário e já se revela bastante frutífero. Palavras-chave: Arquitetura, Direção de Arte, Processo Criativo.

Abastract: “Outside the Box” is a theoric graduation thesis for the Architecture and Urbanism course at Universidade de Brasília. By showing that architecture has been relating itself with other kinds of production, it’s possible to realize different possibilities and ways for an architect and urbanist. With that said, the thesis tries to understand the relations beyond conventional architecture, more specifically studying its integration possibilities between architecture and audiovisual, listing different professions for an architect in theater, movies, shows and music videos. In these professions, the study is developed for production design. A concept for production design is draw and it is questioned how this profession can be integrated with architecture, through creative processes analysis. The conclusion was that production design has direct contact with various developments in artistic productions, such as audiovisual, music, scenography, set design, costumes, makeup, special effects. Through two study cases, one music video and one dance show, that had architects as production designers, it was understood that an architect can also practice this profession.Thus, an architect can be a production designer through personal interest and skills, qualification obtained in the graduation of architecture and urbanism and also specific studies, once an important connection is established between the creative process of architecture and that in production design. The term "Outside the Box" illustrates the idea that it is possible to have a professional life beyond the production of conventional architecture. To achieve this, it is necessary understanding traditional architecture, personal interest and the support of the academic community. Although a relatively new subject, this dialogue is necessary, and reveals itself fruitful enough already. Keywords: Architecture, Art Direction, Production Design, Creative Process

1. Apresentação Este artigo versa sobre alguns dos resultados do trabalho “FORA DA CAIXA: UMA (QUASE) ARQUITETA DESCOBRINDO A DIREÇÃO DE ARTE”, orientado pela Professora Camila Gomes Sant’ Anna, na disciplina Ensaio Teórico, que compõe um terço do trabalho final de graduação do curso de Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Brasília. O trabalho em questão busca desvendar o envolvimento da arquitetura com a direção de arte, bem como estudar as possibilidades de interação entre as duas profissões no meio audiovisual. O interesse pelo meio audiovisual partiu de experiências pessoais e de tentativas de integração entre arquitetura, dança, música e produção criativa. Uma dessas experiências foi o contato com o espetáculo “VATIC” da companhia Dana Foglia Dance. O espetáculo é caracterizado pela crítica como experiência inovadora que busca atravessar as fronteiras da dança, do som e da concepção visual. “VATIC” explora as possibilidades espaciais do teatro, inclusive na plateia. Cada membro da audiência recebe um fone para acompanhar a música. A

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partir do uso do palco, o espetáculo se desenvolve em cima das cadeiras (junto com a própria audiência), no corredor central (entre o palco e a primeira fileira da audiência) e até na estrutura de iluminação (em cima do palco).

Figura 01: Espetáculo “VATIC” - Cena de Abertura

Figuras 02 e 03: Espetáculo “VATIC”

No formato original do presente trabalho, os conceitos da organização textual e da identidade visual foram elaborados relacionando a descoberta da direção de arte e da dança através da arquitetura. O elemento “caixa” foi inspirado na intenção de abandonar a ideia engessada de que a arquitetura e o urbanismo apenas projetam e constroem edifícios e cidades. Sendo assim, a identidade visual transita pelas nuances da expressão “fora da caixa”. Imaginou-se uma caixa de papelão e as perspectivas com base nesse objeto, passando pela descoberta, desconstrução e (re)concepção.

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Figura 04: Ilustrações da organização textual do trabalho original

2. Introdução Nestes tempos pós-modernos, arquitetos e urbanistas têm sido atraídos por diversas oportunidades de emprego em outras áreas. Segundo Butka (2013), cerca de 40% dos profissionais optam por trabalhar fora da área específica de arquitetura e urbanismo. Em grande parte, essas novas atuações são possibilitadas pela formação acadêmica (abrange teoria, técnica, projeto, criatividade), pela inovação tecnológica e pelo conceito de arte, que permeia quase todas as áreas de nossas vidas. Tais novas formas de atuação em outras áreas se intensificaram principalmente em decorrência da inclusão e da evolução digital. Haralambidou (2015) enfatiza que desde quando arquitetos começaram a desenhar digitalmente, uma ligação natural com o mundo fílmico se tornou uma progressão natural. Smith (2015) reforça que arquitetos entendem a estrutura dos ambientes reais e construídos. Assim, trazem o conhecimento histórico da arquitetura, por exemplo, como certos elementos refletem o tempo e a cultura dos edifícios. Todos esses elementos imprimem senso de credibilidade ao ambiente criado pelo computador, o que permite ao público acreditar na história e se identificar com ela. A imagem a seguir mostra como a interação entre a arquitetura e outras profissões é possível:

Figura 05: Ilustração desenvolvida pela autora inspirada na reportagem “Star” Architects: The Story of 4 Architects who Made It in Hollywood”

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3. Arquitetura e suas possibilidades Tradicionalmente, entende-se arquitetura como a arte ou técnica de projetar uma edificação. Esse conceito é ampliado a partir do momento em que se compreende o termo como processo. Nesse caso, o assunto provavelmente deixa de envolver apenas plantas baixas, texturas e orientação. A atuação do arquiteto e urbanista não mais se restringe à escala de edificação ou à intervenção urbana. Apesar dessa atuação ainda estar vinculada à cidade, ela ocorre de muitas outras maneiras: arquitetos não vão apenas arquitetar casas, vão arquitetar outros projetos também. A cada dia, mais arquitetos se aventuram em outras áreas, conseguindo aplicar o conhecimento adquirido na vida acadêmica a interesses e afinidades pessoais. Ligada diretamente a questões visuais, não é surpresa que a arquitetura tenha encontrado intersecções com as artes cênicas e com a música. Relevantes contatos para além da arquitetura tradicional foram estabelecidos com o teatro e com o cinema, contatos que se desdobraram em espetáculos e videoclipes.

Teatro:

Figura 06: Teatro Oficina, 1991 - Projeto Arquitetônico de Lina Bo Bardi

Figura 07: Peça “O Divã”, 2005 - Cenografia do Arquiteto J.C. SeronI

Cinema:

Figura 08: Filme “V de Vingança”, 2005 Cenografia do arquiteto Tino Schaedler

Figura 09: Fime “Corpo”, 2008 - Direção de Arte do Arquiteto Roberto Eiti

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Espetáculo:

Figura 10: Espetáculo “Metapolis II” (National Ballet of Marseill), 2004 - Cenografia de Zaha Hadid

Figuras 12 e 13: Turnê “Yeezus” (Kanye West), 2013 - A arquiteta Oana Stanescu, fez parte da equipe de criação

Figura 11: Espetáculo “Triz” (Grupo Corpo), 2013 - Figurino da arquiteta Freusa Zechmeister

Videoclipe:

Figura 14: Videoclipe “Up&Up” (Coldplay), 2016 Questionamento das relações espaciais e urbanas

Figuras 15 e 16: Videoclipe “Mirrors” (Justin Timberlake), 2013 - Cena de labirinto de espelhos com estudo espacial através de planta bai

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Figura 17: Videoclipe “Dream A Little Crazy” (Architecture in Helsinki ), 2014 - Direção de arte pela arquiteta Lucy McRae

4. Direção de Arte Os quatro elementos citados no capítulo anterior - cinema, teatro, videoclipes e espetáculos - possuem vários aspectos em comum, e um deles é a identidade visual O responsável pela estruturação dessa identidade é o diretor de arte. No livro “Arte em Cena”, Hamburger (2014), a direção de arte é conceituada como essencial na ambientação do elemento em questão. Percorrendo características formais dos espaços e também dos objetos, o diretor de arte organiza os trabalhos de cenografia, figurino, maquiagem e efeitos especiais e visuais a partir do roteiro. Seu trabalho influencia a conformação física/visual, que resulta em reconhecimentos cognitivos e em suas respectivas interpretações. Seu objetivo é a construção de um universo físico/visual coerente com a abordagem original do filme, definida pelo diretor. O termo “direção de arte” surgiu no cinema, mais precisamente no filme “E o Vento Levou” (1939), com William Cameron Menzies. No Brasil, em 1985, o filme “O Beijo da Mulher Aranha” inclui o primeiro profissional diretor de arte: Clóvis Bueno. No mesmo ano, Adrian Cooper foi diretor de arte do filme “A Marvada Carne”. No livro “Arte em Cena” (com definição da direção de arte no cinema), Hamburger (2014) elenca alguns conceitos e elementos importantes: I. Cenografia I.a: arquitetura e paisagem: a paisagem caracteriza e marca a atmosfera visual dos filmes assim como a relação de proporção entre a cena e a escala humana. Elementos importantes a serem considerados são a época e a localização geográfica. I.b:. desenho do espaço: influência no posicionamento de objetos (dentro da cena ou na infraestrutura da cena) e personagens. I.c: locações: uso de um cenário original ou da construção ou adaptação de um cenário. I.d:. cor: responsáveis pelas emoções e impressões a partir de seus contrastes e combinações. I.e:. textura: caracteriza a tonalidade da cor e a percepção dos objetos. I.f:. objetos: configuram símbolos que possuem significados.

II. Figurino: caracterização de um personagem sobre a figura do ator. Sugere aspectos psicológicos e emocionais específicos. O formato, estilo, textura e cor são elementos que auxiliam a caracterização. III. Maquiagem: representa a manifestação plástica do personagem e possibilita criação de vários efeitos, ajudando a caracterizar/transformar o ator. IV. Efeitos especiais: mecânicos, óticos e digitais. Com base nas colocações de Hamburger (2014), dois pontos adicionais se tornaram importantes para o desenvolvimento do trabalho em questão:

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- Tipo de produção: é interessante analisar o tipo e suas diferentes relações com o público/audiência. Assim como o acesso (sala, teatro, ingresso, internet...). Esse elemento deve ser o primeiro a ser analisado. - Áudio: No cinema, a trilha sonora tem grande importância. Nos outros elementos analisados neste trabalho (espetáculos e videoclipes), a música tem papel essencial na determinação geral da produção.

5. Estudos de Caso 5.1. Espetáculo: “Tesseracts of Time” - Jessica Lang Dance I. Tipo de Produção: Espetáculo Foi realizado no teatro Harris Theater for Music and Dance em Chicago em novembro de 2015. A direção criativa foi realizada pelo arquiteto Steven Holl e pela coreógrafa Jessica Lang. Questionando a relação da arquitetura e dança em relação ao tempo, o espetáculo sugere o encontro desses dois elementos ao longo de 4 atos. II. Áudio A trilha sonora foi escolhida de acordo com os atos, de modo que, para cada ato, houve uma trilha sonora diferente. III. Cenografia III.a: Arquitetura e Paisagem A paisagem do espetáculo é constituída com base na cenografia possibilitada pelo palco. A cenografia consiste na iluminação, projeções em tela e em estruturas geométricas.

Figura 18: Croquis de estudo

III.b: Desenho do Espaço O espaço é delimitado pelos elementos cenográficos: iluminação, tela de projeção e estruturas geométricas. Suas posições correspondem aos quatro atos do espetáculo, que são relacionados às quatro estações do ano e às quatro possibilidades de arquitetura. O desenho também é caracterizado pelos dançarinos e pelo tipo de coreografia direcionado para cada ato. Os quatro atos têm nomes relacionados às quatro possibilidades de arquitetura: - Embaixo do chão: Como se a luz do sol iluminasse aos poucos as estruturas internas da arquitetura, a dança acontece nas estruturas sombreadas do palco.

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Figura 19

- Dentro do chão: Com projeções no fundo do palco, a iluminação fica mais clara e a dança consiste em explorar a gravidade e a geometria do espaço.

Figura 20

- No chão: As estruturas fragmentadas aparecem. Os dançarinos interagem com os objetos 3D no palco.

Figura 21

- Em cima do chão: As estruturas flutuam e a movimentação ganha cor e intensidade. Os dançarinos se libertam “como o nascer do sol.”

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Figura 22

III,c: Locações A locação utilizada foi o teatro Harris Theater for Music and Dance em Chicago. A cenografia envolveu apenas o palco, se adaptando às estruturas e possibilidades do espaço já existente. III.d: Cor - Embaixo do chão: A cor predominante é o preto. Existe apenas uma pequena fonte de luz que pode ser referenciada ao sol. - Dentro do chão: A cor predominante é o branco. A projeção se torna o fundo do palco e suas imagens são brancas. O preto é composto pelas sombras dos dançarinos que dançam na frente da tela de projeção. - No chão: O fundo do palco fica todo preto e a cor branca é predominante nos dançarinos e nas estruturas cenográficas. - Em cima do chão: O dançarinos continuam com a cor branca porém a cor predominante se torna uma mistura de vermelho e amarelo, resultando em laranja. As estruturas, que agora estão flutuando ganham iluminação verde. III.e: Textura A textura principal encontra-se no tecido que compõe as estruturas e na textura do vídeo que é um pouco terroso e pixelado, talvez pela relação com o chão no ato “Dentro do chão“. III.f: Objetos/Personagens Na geometria, tesserato é análogo ao cubo, mas possui 4 dimensões diferentes. As três estruturas fragmentadas são tesseratos constituídos de uma estrutura metálica revestida com tecido branco. A projeção é feita em uma tela que ocupa todo o fundo do palco. Os personagens são os dançarinos que interagem com os tesseratos e com a tela de projeção. IV. Figurino - Embaixo do chão: O figurino dos dançarinos é preto com roupas em cortes geométricas e angulares. - Dentro do chão: O figurino dos dançarinos na projeção e no palco varia entre preto e branco. - No chão: Os figurinos são brancos. - Em cima do chão: Os figurinos são brancos. V. Maquiagem Para a escala do espetáculo e pelas informações colhidas, a maquiagem não foi algo possível de análise

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VI. Efeitos Especiais Efeitos especiais foram utilizados na composição do vídeo exposto na projeção durante o ato “Dentro do chão”. No vídeo, dançarinos escalam e dançam em estruturas de improvável existência dentro do chão. 5.2 Videoclipe: Katy Perry feat. Juicy J - “Dark Horse” I. Tipo de Produção: Videoclipe “Dark Horse” foi o terceiro single de divulgação do álbum “Prism” da cantora Katy Perry, lançado em outubro de 2013. O videoclipe foi dirigido por Mathew Cullen e lançado em 2014. A direção de arte foi realizada pelo arquiteto Jeremy Reed, que também tem formação em Artes.

Figuras 23 e 24

II. Áudio: A música mistura o hip-hop com o estilo musical trap. Segundo Katy Perry, a ideia era criar um estilo místico ao avisar o homem a quem ela se referencia para ‘não se apaixonar pois ela seria o último amor da vida dele (sugerindo que eles ficariam juntos para sempre ou que se o relacionamento não desse certo, ela o mataria)’. O rapper Juicy J faz participação na música. A letra da música referencia o termo “cavalo negro”. Esse é o nome que se dá a um competidor quando ele é discreto mas inesperadamente aparece e vence. Katy compara o seu amor com o termo tentando comprovar que seu futuro parceiro não sabe o tanto que ela e o amor que ela pode oferecer são poderosos. O tipo de estilo musical e a letra da música funcionam como roteiro para direção e direção de arte do videoclipes.

III. Cenografia III.a: Arquitetura e Paisagem A ideia inicial era combinar o Antigo Egito e referenciar o hip-hop da cidade de Memphis que fica no Tennessee nos EUA e que também é a cidade natal do rapper Juicy J (que faz participação na música). Por essas referências e pela coincidência de existir uma cidade com o mesmo nome no Egito, o videoclipe se passa na cidade de Memphis no Antigo Egito. III.b: Desenho do Espaço Grande parte do clipe acontece no que parece ser o interior de um templo egípcio. Percebe-se nos estudos de croquis e desenho 3D a existência de colunas, trono, diferenciação no piso e estátuas.

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Figuras 25 e 26

III.c: Locações A gravação de todas as cenas provavelmente foi feita em estúdio nos EUA. Quase todas as cenas precisaram ser filmadas com o fundo em chroma key para possibilItar a inserção de cenografia/paisagens digitais na pós-produção. III.d: Cor Katy Perry é conhecida por suas escolhas coloridas e fortes. No videoclipe de “Dark Horse”, as cores predominantes são cores que remetem ao deserto/construções do Antigo Egito, cores escuras nos momentos em que o misticismo é evidenciado e, no interior do templo, a cor rosa. Essa última cor é inesperada devido às referências históricas, mas é algo palpável em razão do contexto e da identidade visual normalmente adotada pela cantora. III.e: Textura Boa parte da textura do videoclipe é dada pela repetição de elementos: desenhos de hieróglifos, ranhuras nas estátuas ou quantidade de objetos que referiam ouro e pedras preciosas. III.f: Objetos/Personagens A cantora Katy Perry se torna Katy Pätra, personagem inspirada em Cleópatra. Percebe-se, na cena dentro do templo, a referência às estátuas egípcias e aos hieróglifos.

Figura 27

Referência à deusa grega Isis, com asas e em cima de uma pirâmide. Isis é a deusa análoga a Afrodite (deusa grega) , citada na letra da música.

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Figura 28

Os escravos de Katy Perry são personagens com cabeças de gato. A civilização egípcia é conhecida por idolatrar gatos e a cantora é conhecida também por adorar esses animais. Essa foi uma combinação histórica e pessoal. Seus escravos são também seus dançarinos. Em algumas cenas do videoclipe, Katy e seus escravos aparecem dançando uma coreografia com influências do Hip-Hop.

Figura 29

IV. Figurino Katy veste 4 principais. O primeiro é usado na cena em cima da embarcação no Rio Nilo e parece ter referências gregas (o que poderia se relacionar com a citação da Deusa Afrodite na letra da música e o fato de sua correspondente egípcia ser Isis - também retratada no videoclipe). A segunda cena consiste em Katy no trono dentro do templo egípcio. Sua roupa é colorida e detalhada. A cantora usa uma espécie de coroa em forma de coração. A próxima cena mostra Katy no que parece ser um momento de magia. Sua roupa e acessórios parecem ser de ouro. A quarta cena mostra o encontro entre Katy e Juicy J. A roupa de Katy Perry lembra roupas de líderes de torcida. V. Maquiagem Ao longo de todo o vídeo, as maquiagens de Katy Perry são bem marcantes com foco para o olho. A história egípcia sempre foi retratada com o detalhe e mistério das pinturas nos olhos. O uso das cores é coerente com a história egípcia. Naquela época, as maquiagens e pinturas eram baseadas em cores da natureza como o céu e a água. VI. Efeitos Especiais Os efeitos especiais encontram-se nas cenas onde a mágica é representada e nas cenas com o chroma key.

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Figuras 30 e 31

6. Conclusão A arquitetura sempre teve relação estreita com a arte. Percebe-se que essa relação tem se desenvolvido e dado espaço para diversos modos de criação, pois a produção sempre será influenciada pela experiência e interesse pessoal do arquiteto/artista. O diferencial de cada trabalho realizado é realmente a perspectiva pessoal e o processo de criação de cada indivíduo. Além dos profissionais da arquitetura, a direção de arte também tem sido exercida por designers, artistas plásticos e profissionais das artes cênicas. A estreita conexão entre a arquitetura e a direção de arte é visível pelo processo criativo e produtivo. Aproveita-se algumas habilidades do arquiteto, pois ele normalmente possui visão holística, percepção espacial, imaginação tridimensional e afinidade com orçamentos e prazos, ou seja, pode trabalhar como um coordenador. Mas de certa maneira, a arquitetura também tem a opção de se distanciar dessa veia artística ao focar apenas nas questões técnicas de produção e de construção, por exemplo. Pode-se até mesmo entrar na questão do tempo. A arquitetura pode ser efêmera, mas também pode ser duradoura, seja na direção de arte ou não. Efêmera ao fazer parte do cenário de uma peça que fica em cartaz por tempo específico ou sendo responsável pela estrutura de uma feira de exposição. Duradoura, sendo parte de um videoclipe que se torna icônico e referencial para essa produção artística ou construindo um dos edifícios mais altos e tecnológicos de Dubai. Durante a formação acadêmica de arquitetura e urbanismo, não é possível desenvolver algumas áreas que permeiam a arquitetura, pois o programa pedagógico do curso é ainda muito tradicional, pautado por disciplinas e exigências técnicas. Como a arquitetura é uma formação que pode abranger múltiplas áreas do conhecimento de acordo com o interesse do estudante ou profissional (música, teatro, novas mídias, design, dança, espetáculo, literatura), os programas pedagógicos tradicionais não conseguem abarcar com disciplinas as suas múltiplas áreas de atuação. Em alguns países, opta-se por especializar os cursos; entretanto perde-se a visão sistêmica. São poucas as oportunidades de conhecer possibilidades diferentes além da arquitetura convencional e de realmente integrar esse aprendizado com interesses pessoais. A formação convencional de arquitetura nem sempre sustenta os profissionais emergentes no atual mercado de trabalho. As pessoas têm almejado atender seus anseios pessoais e investir em suas capacidades integrando essas características ao conhecimento técnico obtido na graduação. O debate acadêmico sobre esse assunto é de extrema importância, pois é interessante que alunos possam se tornar arquitetos e realizar produções eficientes e de boa qualidade, independentemente de serem produções dentro da arquitetura convencional ou da veia artística, por exemplo. O trabalho “Fora da Caixa” procura incrementar esse debate, bem como proporcionar a troca de conhecimento e de colaboração entre arquitetos e urbanistas que também são artistas e entre arquitetos e outros profissionais. Esse foi literalmente um relato inicial sobre a descoberta da direção de arte por uma arquiteta. Um longo caminho ainda será percorrido. O importante é sempre deixar a porta aberta para o diálogo e para novas descobertas.

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Referências bibliográficas: BUTKA, Erik; CALNON, Meagan; ANTHONY, Kathryn. “Star” Architects: The Story of 4 Architects who Made It in Hollywood, 2013. Disponível em: <http://goo.gl/7QdAam>. Acesso em 15 de março de 2016. CARVALHO, André; MALANGA, Eliana. Cenografia: Uma história em construção. CORRÊA, Laura. Breve História do videoclipe. HAMBURGER, Vera. Arte em Cena: A direção de arte no cinema brasileiro, 2014. HAMBURGER, Vera. O desenho no espaço cênico, 2014. HOLL, Steven. What is Architecture? (Art?), 2013. Disponível em: <http://goo.gl/OYD481>. Acesso em 03 de abril de 2015. HOWARD, Pamela. What is Scenography?, 2002. MANTOVANI, Anna. Cenografia, 1989. MENDONZA, Francis. Evolution Music Videos. NERO, Cyro del. Cenografia: uma breve visita, 2008. PAIVA, Milena. Sobre Arte em Cena. PASSOS, Luana. Cinema no Videoclipe. RATTO, Gianni. Antitratado de cenografia, 1999. SERRA, Geraldo G. Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo: Guia Prático Para o Trabalho de Pesquisadores em Pós-Graduação, 2006. SHAW, Dougal. The architects using animation skills to build film careers, 2015. Disponível em: <http://goo.gl/yURhFf>. Acesso em 15 de março de 2016.

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2. OS ESPAÇOS CÊNICOS SIMBOLISTAS E AS PROPOSIÇÕES PARA UM TEATRO DO FUTURO Beatriz Magno Alves de Oliveira - discente do bacharelado em cenografia e indumentária, UNIRIO. Orientação: Prof. Dra. Vanessa Teixeira de Oliveira - Departamento de Teoria do Teatro, UNIRIO. Resumo: Ao revisarmos os escritos de teóricos ligados ao teatro simbolista da virada do século XIX para o XX, percebemos uma tendência à idealização de um teatro para o futuro. As proposições nas quais nos deteremos nesse trabalho serão as de Adolf Appia, Edward Gordon Craig e Richard Wagner. O objetivo aqui é analisar essas diferentes proposições de “teatro do futuro”, tencionando-as. A análise é realizada com foco na cenografia e na arquitetura teatral propostas por esses três artistas que romperam com as convenções teatrais de sua época. A pesquisa foi realizada a partir dos principais livros de cada um dos teóricos citados, “A obra de arte viva” (1963) de Appia, “A arte do teatro” (1964) de Craig, e “A obra de arte do futuro” (2003) de Richard Wagner. Além desses livros, foram utilizadas ainda as análises de teóricos como Arnold Aronson (1981), Denis Bablet (1975) e Norton Dudeque (2009). Acredita-se que com a presente pesquisa é possível perceber a importância das transformações cênicas ocorridas do início do século XX, principalmente no âmbito espacial. E ainda, confirmar como as proposições desses teóricos para o espaço cênico do futuro contribuíram para a construção do que veio a ser a cenografia contemporânea. Palavras-chave: Teatro do futuro, revolução do espaço cênico, teatro simbolista. Symbolicist scenic spaces and propositions for a theater of the future Abstract: In reviewing the writings of theoreticians linked to the symbolist theater from the turn of the nineteenth century to the twentieth, we see a tendency towards the idealization of a theater for the future. The propositions in which we will dwell on this work will be those of Adolf Appia, Edward Gordon Craig and Richard Wagner. The aim here is to analyze these different propositions of "theater of the future", intending them. The analysis is carried out focusing on the scenography and theatrical architecture proposed by these three artists who broke with the theatrical conventions of their time. The research was carried out from the main books of each of the theorists cited, "The Work of Living Art" (1963) of Appia, "The Art of Theater" (1964) by Craig, and "The Work of Art of the Future" (2003) by Richard Wagner. Besides these books, the analyzes of the theorists as Arnold Aronson (1981), Denis Bablet (1975) e Norton Dudeque (2009) were also used. It is believed that with the present research it is possible to perceive the importance of the scenic transformations that occurred at the beginning of the 20th century, mainly in the spatial scope. Also, to confirm how the propositions of these theorists for the scenic space of the future contributed to the construction of what has become contemporary scenography. Keywords: Theater of the future, revolution of the scenic space, symbolist theater.

Theatres of the future: uma concepção arquitetônica A proposta desse trabalho é pensar as proposições para um teatro do futuro contidas nos estudos de três importantes artistas para as transformações cênicas ocorridas na virada do século XIX para o XX. Eles são Richard Wagner, Adolf Appia e Edward Gordon Craig. Tomarei como referencia fundamental o artigo “The Theatres of the future” do pesquisador americano Arnold Aronson, no qual ele analisa diferentes propostas para uma nova arquitetura teatral, ao longo do século XX. As propostas analisadas são separadas em dois grupos, o primeiro ele chama de “futurismo cosmético” (numa tradução literal), no qual a visualidade e os acessórios são inovadores, mas a relação ator/espectador não é de fato modificada, permanecendo numa relação clássica frontal. Já o segundo grupo é denominado de fato “teatro do futuro”, pois esses sim estariam trazendo uma mudança real no aspecto central do teatro que é a relação ator/espectador. Dessa maneira, Aronson cria a categoria de Teatro do Futuro com base apenas na relação palco/plateia. There are really two types of futuristic theatrical architecture. One, like Pliny's theatres, overwhelms the senses with gimmickry and superficial

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innovation-the facades and accoutrements are dazzling and new, but the basic facilities remain un-changed. This might be called "cosmetic futurism." The second type of "theatre of the future," however, calls into question the central aspect of theatre architecture - the performer-spectator relationship. (ARONSON, 1981, p.489)

Pensando nessas duas categorias que tentarei analisar as propostas de teatro do futuro de Wagner, Appia e Craig. Segundo Aronson, poucos foram os artistas que questionaram a estrutura básica do teatro, antes dos anos 80. Dentre eles, não estão os três que iremos abordar aqui, entretanto, eles são colocados como precursores desses artistas visionários do teatro do futuro, que são: Pierre Albert-Birot, Oskar Strnad, Andrzej Pronazsko, F. T. Marinetti, Walter Gropius, Ferenc Molnar, Andreas Weininger, Frederick Kiesler, Norman Bel Geddes, Bernard Reder, and Jacques Polieri. A ideia desses visionários é que com uma arquitetura inovadora, o texto e a cena teatral de modificariam para se encaixarem nesses novos espaços, criando assim um teatro do futuro. Infelizmente, poucas dessas arquiteturas foram realmente construídas. Ironicamente, para Aronson, muitas dessas ideias acabaram sendo concretizadas em pavilhões de grandes feiras mundiais e nos parque de diversões, casas das fantasias dos artistas futuristas. De acordo com o artigo, Wagner foi o primeiro a tentar, conscientemente e sistematicamente, transformar a percepção do público por meio da arquitetura teatral (ARONSON, 1981, p.492).

A cena wagneriana e a casa de ópera de Bayreuth Richard Wagner foi encenador, compositor e teórico da arte, concebeu uma nova arquitetura teatral própria para as suas óperas e que foi construída primeiramente no teatro de Bayreuth, na região da Baviera na Alemanha, em 1876. Em seu livro “A obra de arte do futuro”, Wagner cria o conceito de “Gesamtkunstwerk” no qual considera o teatro uma obra de arte total, uma união de todas as artes: pintura, música, mímica e arquitetura. A obra de arte, para Wagner, precisa ser uma obra coletiva, tanto com relação à criação, quanto à recepção. O artista só é livre na criação coletiva, ou seja, na qual pode utilizar-se de todas as modalidades artísticas. Ele fala contra a erudição, a arte verdadeira deve ser capaz de atingir a todas as camadas sociais, e não apenas quem é artista ou tem acesso ao conhecimento erudito. Para Wagner, a obra de arte total, precisa atingir o público por meio dos sentidos e absorvê-los, transportá-los para dentro da encenação. O público coletivo representa a vida social, e é por meio do público que a arte transforma a sociedade. Com esses objetivos elaborou o projeto do seu novo teatro, no qual a orquestra é escondida do público no fosso, criando um abismo entre os dois mundos, o real (do público) e o fantástico (do palco). Denominou o fosso da orquestra de “abismo místico”. Dessa maneira, a música compõe a atmosfera do espetáculo e contribui para transportar o espectador do mundo real, para o mundo da cena. Essa idealização foi realizada na construção da Casa de Ópera de Bayreuth, Wagner se utilizou de um projeto realizado pelo arquiteto Gottfried Semper adaptando-o para a sua proposta. A principio essa construção seria apenas provisória e posteriormente daria lugar ao “Palácio dos Festivais”, que seria maior e mais imponente, contudo ele não veio a ser construído. Apesar dessa transformação considerável na arquitetura proposta por Wagner, suas cenografias não eram em si, muito inovadoras. Predominantemente compostas de telões pintados de maneira realista como era comum em sua época. Denis Bablet afirma existir uma grande discordância entre o ideal proposto por Wagner e a sua realização (1989, p.64). Norton Dudeque em seu artigo “O drama wagneriano e o papel de Adolphe Appia em suas transformações cênicas” defende que as ideias de Wagner só foram plenamente postas em prática com as montagens de suas óperas realizadas por Adolphe Appia. Wagner não possuía ainda a tecnologia e a visualização material necessárias para por em prática o que se pretendia idealmente.

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Appia e Craig: transformações do espaço cênico Appia foi um cenógrafo e encenador suíço, profundo conhecedor e admirador da obra de Wagner, escreveu sobre sua obra e encenou muitas de suas óperas. Em “A obra de arte viva”, Appia inicia a discussão tecendo uma crítica à proposta de Wagner de “obra de arte total” como uma união de todos os saberes artísticos em uma só forma artística. Em sua proposição, Appia cria uma hierarquia entre os gêneros artísticos quando utilizados no teatro. A obra de arte viva, de Appia, era fundamentada a partir do movimento do ator em cena. Ele analisa como cada uma das artes do tempo (música e poesia) e do espaço (pintura, escultura e arquitetura) interagem em uma encenação teatral, pois para ele o teatro é uma arte que se desenvolve tanto no tempo quanto no espaço e, dessa maneira, contem elementos significativos dessas outras formas artística, sem ser, contudo, uma síntese de todas elas. Analisando uma por uma, ele conclui, que a arquitetura é o elemento que mais contribui com a encenação, pois ela é criada a partir do corpo humano, para que ele possa habitá-la e ainda, contem em si os tempos que serão percorridos pelo corpo. A pintura, pelo contrário, por estar contida em apenas duas dimensões, não interage bem com o corpo vivo. Sua luz é fictícia, ou seja, não é a mesma que atinge o corpo. Contudo, da pintura, pode-se aproveitar um elemento muito importante, a cor. Não a cor “representativa”, mas a cor atmosférica, a cor luz que “pintará” corpo e cenário de maneira a integrá-los. A música conduz o corpo e o movimento, é ela quem dá vida ao corpo e o torna plástico. Sobre o espaço cênico Appia afirma: Para receber do corpo vivo a sua parte de vida, o espaço deve opor-se a esse corpo; adquirindo as nossas formas [do corpo humano], aumenta ainda a sua própria inercia. Por outro lado, é a oposição do corpo que anima as formas do espaço. O espaço vivo é a vitória das formas corporais sobre as formas inanimadas. A reciprocidade é perfeita. Esse esforço torna-se-nos sensível de duas maneiras: quer pela oposição das linhas quando olhamos um corpo em contato com as formas rígidas do espaço; quer quando o nosso próprio corpo experimenta a resistência que essas formas lhe opõem. A primeira é apenas um resultado; a outra, uma experiência pessoal e, por isso, decisiva. (APPIA, 1963, p.87)

Appia deseja para o teatro que ele seja vivo, e é o movimento do corpo do ator que, segundo ele, traz essa vida ao teatro. O trecho citado, nos ajuda a perceber não só o espaço vivo, mas também o que Appia quis dizer com o movimento vivo. Esse movimento vivo, segundo o trecho citado, é um movimento oposto ao movimento cotidiano. Para isso, o espaço cênico precisa se contrapor ao espaço cotidiano, ou seja, deve buscar ser desconfortável ao corpo, de maneira a gerar tensão entre corpo e espaço. Para Appia, é a música que induz e inspira o movimento vivo. É utilizando-se desses conceitos que Appia encena grande parte das óperas de Wagner, criando cenografias simbolistas, sem a utilização de cenários pintados e utilizandose de tecnologias que não existiam na época de Wagner, principalmente com relação a iluminação cênica. Mesmo com todas essas transformações na cena, como afirma Aronson, Appia não busca de fato transformar a relação frontal entre palco e plateia. Isso se deve ao fato dele pensar em um teatro possível para ser realizado nos palcos já existentes. Assim como Appia, Edward Gordon Craig, na maior parte de seus escritos, pensa o teatro no presente, e o que dele pode ser modificado. Contudo, Craig deixa sempre claro o motivo dessas transformações, ele visa um teatro utópico para o futuro, no qual não seria necessária nem a peça escrita, nem o ator: “Creio que virá o tempo em que poderemos criar obras de arte do Teatro sem nos servirmos da peça escrita, sem nos servirmos dos atores; mas creio igualmente na necessidade do labor quotidiano nas condições atuais” (CRAIG, 1964, p.85). Essa citação foi retirada de um dos capítulos do livro “A arte do teatro” de Edward Gordon Craig, denominado “O teatro do futuro: uma esperança”. Apesar de curto, o capítulo explicita o que Craig esperava para teatro do futuro e mostra como, naquele momento, ainda não era possível que esse novo teatro existisse.

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Como Appia, Craig acreditava que o movimento é o elemento gerador do teatro. Contudo, para ele, o homem atual já não é mais capaz de servir de instrumento ao movimento, como foi o homem ancestral. Assim como na música, em que existe um instrumento para cada tipo de som que se deseja produzir, é necessário que exista também um instrumento que produza os diferentes movimentos. Nesse sentido, Craig tem um pensamento de caráter futurista, uma valorização da máquina em detrimento do copo humano. Craig: Parece-me que é mais conveniente para o homem criar, fabricar um instrumento com auxílio do qual diga o que quer dizer sem usar a sua própria pessoa. [...] Porque o homem não pode, por meio do seu corpo, triunfar senão de pequenos obstáculos e, no entanto, pode, com auxílio do pensamento, conceber invenções que triunfarão de todas as coisas (CRAIG, 1964, p.80).

Sendo o mais radical dos três, o teatro do futuro concebido por Craig ainda está longe de ser vislumbrado. Em seu curto texto “Teatros de ar livre”, Craig propõe um retorno aos palcos abertos, como no teatro grego, “mas todos entre a gente de teatro [...] desejam com toda a alma que o sopro da Natureza penetre inteiro na sua querida casa”. E ainda: Acreditais que o Teatro de ar livre seja um lugar apropriado para apresentar ao público o que nós chamamos a Arte do Teatro? Ou estais convencidos de que o teatro coberto convém mais? O primeiro oferece um quadro e condições naturais, o segundo condições artificiais. (CRAIG, 1964, p.207)

Ele voltou seu olhar mais para a realidade cênica do que para a relação palco/plateia, não entrando dessa maneira na categorização de Aronson de Teatro do Futuro: Edward Gordon Craig, among others, proposed a return to the open air productions of the Greeks in an attempt to recapture the original spirit of the theatre, at least as he envisioned it; the staging, however, remained essentially frontal (ARONSON, 1981, p.492).

Dessa maneira, os três artistas abordados aqui, apesar de suas modificações no âmbito da espacialidade cênica, não modificaram a relação frontal entre encenação e espectador. Para Aronson o principal problema dessa relação frontal é a percepção bidimensional que o espectador tem da encenação. Os verdadeiros teatros do futuro propõe, portanto, outras relações. As duas principais estratégias de fuga do palco frontal é o palco anular, que circunda a plateia; e o palco esférico que intensifica o efeito tridimensional do palco esférico ao seu limite. The primary "problem" with frontal staging in general, and proscenium staging specifically, is its two dimensionality. Appia and Fuchs attempted to come to terms with this inherent perceptual difficulty within the context of the existing architec-ture. The truly futuristic theatres, however, tend to deal with this problem in two ways: the annular stage, in which the stage surrounds the spectators, and the spherical theatre, which carries the annular concept to its full three-dimensional potential. (ARONSON, 1981, p. 492)

Referências bibliográficas: ARONSON, Arnold. The theatres of the future. In: Thetre Journal, v.33, n.4. The John Hopkins Universit Press, 1981. APPIA, Adolphe. A obra de arte viva. Tradução de notas de ensaio de Redondo Júnior. Lisboa : Editora Arcádia, 1963. BABLET, Denis. Esthétique générale du décor de théatre de 1870 a 1914. Paris : Éditions du centre national de la recherche scientifique, 1975. CRAIG, Edward Gordon. Da arte do teatro. Tradução de Redondo Júnor. Lisboa : Editora Arcádia, 1964.

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DUDEQUE, Norton. O drama wagneriano e o papel de Adolphe Appia em suas transformações cênicas. In: Revista Científica / FAP, v.4, n.1, . Curitiba: 2009. RAMOS, Luiz Fernando. O Projeto Scene de Gordon Craig: história aberta à revisão. Revista Brasileira de Estudos da Presença, v.4, n.3, São Paulo, 2014. WAGNER, Richard. A obra de arte do futuro. Tradução: José M. Justo. Lisboa: Editora Antígona, 2003. ______. A arte e a revolução. Tradução de José M. Justo. Lisboa: Editora Antígona, 1990.

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3. NINHOS, EXPERIMENTACTION E RHODISLÂNDIA: A DIDÁTICA CÊNICA DE HÉLIO OITICICA Cássia Maria Fernandes Monteiro, Dra. - EBA-UFRJ Professora do Setor Cenografia. Resumo: Este paper visa discutir a experiência didática do artista Hélio Oiticica. A partir do conceito de corpo utópico e heterotopia de Michel Foucault, do conceito de partilha do sensível e espectador emancipado de Jaques Rancière, de cenografia ambiental de Arnold Aronson e performance de Marvin Carlson, pretendemos analisar de que forma essas experiências potencializam a prática performativa na obra de Oiticica. Ninhos (ou Barracão) foi um trabalho realizado em 1969 na Sussex University, Brighton, na Inglaterra. Experimentaction foi um programa de oficina, um anti-curso, realizado à convite da Men's & Young Women's Hebrew Association em Nova York, entre outubro de 1971 e janeiro de 1972. Rhodislândia foi um ambiente performativo/instalação e palestra realizada na Universidade de Rhode Island nos Estados Unidos em dezembro de 1971. Esses eventos são marcos curiosos na trajetória de Hélio Oiticica e denotam o grande estímulo à criação de ambientes que sugerem e instigam um comportamento, a livre participação daqueles que o utilizam (nesses casos, estudantes de artes). A prática didática realizada em contato com ensino institucional em artes colocam Oiticica no papel de artista-pesquisador e podem ser entendidos como um certo desvio à sua carreia artística. É importante lembrar que a própria formação de Oiticica não se enquadra aos modelos do ensino formal brasileiro. Seu avô, José Oiticica, e seu pai, José Oiticica Filho, foram os principais responsáveis pelos ensinamentos realizados em casa. Além do ciclo de personalidades eruditas da cultura nacional, para a sua formação como artista Oiticica frequentou ainda alguns cursos livres e grupos de estudo em pintura em ateliês e museus. Palavras Chave: Hélio Oiticica, didática, ambiente cênico

Ninhos, Experimentaction e Rhodislândia: the scenic teaching of Hélio Oiticica. Abstract: This paper aims to discuss Hélio Oiticica's didactic experience. From the Michael Foucault's concept of utopic boby and heterotopia, Jacques Rancière's concept of the emancipated spectator and sharing sentient experiences, Arnold Aronson's concept of environmental scenography and Marvin Carlson's concept of performance we aim to analyze how these experiences give power to Oiticica's performances. Nests (or Barracão) was created in 1969 at Sussex University, Brighton, England. Experimentaction was an artwork with free participation done in the workshop, an anti-course, held with the Men's & Young Women's Hebrew Association's invitation, in New York, between October, 1971 and January, 1972. Rhodislândia was an environment and speech held in Rhode Island University on December, 1971. These events are remarkable experiences on Oiticica's path and emphasize a great preoccupation in the creation of environments that turns possible different behavior, the body distention and the free participation of who uses it (in these cases, art students). The didactic practice realized in contact with artistic institutional teaching puts Oiticica at a paper of artist-researcher and can be seen as a deviation of his artistic career. It is important to remember that Oiticica's education does not follow the procedures of Brazilian formal education. His grandfather, José Oiticica, and his father, José Oiticica Filho, were the main responsible for the home education the artist received. Beyond the erudite personalities circle that he contacted at home, to be formed as artist, Oiticica attended many free workshops inside museums and studios. Keywords: Hélio Oiticica, didactic, scenic environment

Durante a análise de trabalhos de muitos artistas é comum à tarefa do pesquisador a indagação de quais foram os percursos teóricos e práticos que condicionaram esta ou aquela obra; quais foram as perspectivas de mundo e ferramentas que possibilitaram tais trabalhos; qual era o contexto político-cultural com as quais estavam relacionados; e, de que maneira este artista se posicionava frente a aspectos que dão curso às suas práticas e pensamentos. É comum, portanto, sermos tomados pela curiosidade sobre os percursos educativos que formaram este ou daquele artista, e de que maneira eles contribuem para as práticas pedagógicas que “formam” seus sucessores. Foi dessa maneira que a vida-obra do artista Hélio Oiticica me ressaltou aos olhos como uma possibilidade de suscitar algumas reflexões e ferramentas possíveis para práticas pedagógicas alterativas ao ensino formal. Após redigir a tese de doutorado na qual me debrucei sobre a construção da poética de Hélio Oiticica no

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que tangem às artes cênicas, foi inevitável perceber o quanto sua obra é singular ao contexto das artes visuais no Brasil no mesmo período, e, diante de documentos disponíveis em seu acervo documental foi possível desvelar uma série de práticas que fomentam tais reflexões. É notável a característica de Oiticica de lidar com grande liberdade poética entre as diversas disciplinas e linguagens estéticas que travava contato. Uma relação que ora se dava pela curiosidade frente às suas particularidades estéticas, ora pela circunstancialidade das relações pessoais, ora por uma ação estratégica para relacionar-se com múltiplos eixos culturais. A vivência de Oiticica equaciona uma prática artística em expansão. O almejado “estado geral criador” determinava sua atividade poética para além do exercício plástico, ou melhor, entende seus trabalhos em artes plásticas como um canal possível, mas não o único meio expressivo. Este dado é crucial para o artista dar curso a um dos seus principais programas de atividades artísticas: o Programa Ambiental. Entretanto sua maneira singular de relacionar-se à essas disciplinas pode ter algumas chaves na sua formação.

Meu avô tinha um sonho: transformar morar numa casa q fosse TEATRO de PERFORMANCE MUSICAL: não importa, muita gente já viveu SONHO VIDA-TEATRO q na verdade seria como CASA-TEATRO comunizar palcoplatéia-performance no dia-a-dia: tão distante e tão perto do q eu quero -> SHELTER/BARRACÃO/MANIFESTAÇÕES AMBIENTAIS/ BABYLONESTS (...) mas SHELTER-PERFORMANCE não estaria tão perto do sonho antigo do meu avô? E tão longe? : porque houve WOODSTOCK e como minha amiga ANNE dizia, ontem houve mil e uma ‘de ruas’ AMSTERDAM WIGHT LONDRES e TODA INGLATERRA USA DINAMARCA ALEMANHA etc. e WOODSTOCK é o ambiente planetário. (OITICICA, H. 1973. Tombo: 0194.73-p3)

A aprendizagem de Oiticica se estabelece de maneira alternativa ao ensino formal da década de 1950 e este aspecto denota a sua relação com as disciplinas do saber. Seu 1 2 avô, José Oiticica , e seu pai, José Oiticica Filho , eram os principais responsáveis pelo ensino informal de Oiticica. Integrante de uma família notória na alta cultura carioca, arte, conhecimento, vida pessoal tornaram-se conteúdos disciplinares que se misturaram no cotidiano de Hélio Oiticica e possibilitavam uma perspectiva de mundo de imediata identificação pessoal à construção do saber. Não poderíamos esperar outro método de percepção das linguagens estéticas que não pela característica de incorporar os conteúdos que melhor as especificam. O interesse de Oiticica pelo universo das artes cênicas, por exemplo, não estaria descolado da forma com a qual ele se relaciona com a aprendizagem. Há documentos que comprovam que já durante a adolescência, no princípio da década de 1950, Oiticica teve uma explícita curiosidade pelo teatro. Motivado por sua tia, a atriz Sônia 3 Oiticica , fez muitos exercícios de traduções de dramaturgias além de, eventualmente, 4 responsabilizar-se pela cenografia e figurinos na prática desses espetáculos familiares . Com este estímulo, Oiticica criava um arsenal que possibilitava tanto a ampliação do interesse em cultura geral quanto implicava no percurso teórico-prático de sua aprendizagem. A particularidade desse método é que a estrutura não hierarquizada dos saberes estimula Oiticica frente a todas as suas experiências de vida não se limitando à cultura erudita, apesar de encontrarmos a imagem de Oiticica bem novo nos polêmicos debates de poesia dos grupos Concretistas e Neo-concretos. Vale lembrar que este olhar diferenciado, atento aos procedimentos do mundo na escala de suas relações, possibilitou o interesse pela dança e pela liberdade do corpo dos moradores da favela quando decidindo ser passista da Mangueira, ação que condicionou o exercício temporal e aspectos corpóreos em suas obras. Este mesmo olhar pode ser encontrado quando Oiticica se divertia no exercício de fazer 1

José Rodrigues Leite e Oiticica é reconhecido como um dos principais líderes do movimento anarquista no Brasil. Foi professor do Colégio Pedro II, dramaturgo, poeta parnasiano e filólogo. No plano político foi um dos grandes articuladores da Insurreição anarquista de 1918 que inspirada pela Revolução Russa pretendia derrubar o governo central na capital do país. 2 Foi um reconhecido fotógrafo do modernismo brasileiro, entomologista do Museu Nacional da Universidade do Brasil e professor de matemática em diversas instituições de ensino fundamental e médio. 3 Atriz que integrou desde 1952 a Cia. Dramática Nacional e fez parte de, pelo menos, oito montagens de Nelson Rodrigues a começar pelo espetáculo A Falecida em 1953. 4 Esses documentos estão disponíveis no Arquivo HO organizado pela família de Oiticica. Neste arquivo foi possível tomar conhecimento de nove peças realizadas entre 1952 e 1953: Caminhos sem fim; Como os Maridos se Enganam; Eduardo e Carolina; Fertilidade; Lili; Medéia; Os homens são sempre assim; Os revoltados e uma sem título (este ultimo documento contém croquis em anexo).

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cinema ou de ser ator para alguns filmes, como Câncer de Glauber Rocha (1968-72) e em O segredo da Múmia de Ivan Cardoso (1982). Em um de seus exercícios da adolescência, tentando discutir e romper com o determinismo mitológico da tragédia grega, Oiticica recriou a trama de Medéia. O assassinato de Creonte e de sua filha (Creusa), o suicídio de Jasão por temer as ações de Medéia, a fuga de Medeia por pressão do povo, culminam num final cuja população, já desgastada, cria um “regime sem governos, sem reis e princesas”. Para Oiticica, essa alteração na dramaturgia de Eurípedes contribuía para o que acreditava ser a “primeira peça existencialista brasileira”. O artista acreditava que, ao ignorar as leis da Ciência, da Natureza e da Matemática, as doutrinas que consideram um deus faltavam com a verdade. “O personagem Jasão é o símbolo da maioria dos falsos heróis, símbolo dos ídolos do povo burguês, mas que, na verdade não passa de um covarde. Esta verdade só a doutrina existencialista prega!” (OITICICA, H. Tombo: 0019.sd-30). Nesse exercício, toda uma perspectiva político-artística-social era rascunhada. Anos mais tarde, quando questionava os procedimentos culturais brasileiros ao redigir o texto Diarréia Brasil (1970) o artista criticava fortemente o ensino formal: “A formação brasileira, reconheça-se, é de uma falta de caráter incrível: diarréica; quem quiser construir (ninguém mais do que eu, ‘ama o Brasil’!) tem que ver isso e dissecar as tripas dessa diarreia – mergulhar na merda.” (OITICICA, H. 1970: Tombo: 0328.70-p3) A crítica de Oiticica estava lograda principalmente nos aspectos hierarquizantes da chamada “alta” cultura e dos conteúdos formais que eram ensinados na sala de aula. Segundo o artista, a frequente dicotomia entre o saber teóricocientífico-filosófico e o saber prático-vivencial era - é? - o principal problema da educação formal no Brasil. O conceito de “ambiental” é, portanto, desenvolvido por Oiticica conforme cria natureza circunstancial do projeto Barracão. A ideia da construção de células vivenciais para a atividade criadora encontra suas bases, principalmente, nas práticas experimentais do teatro. É imprescindível considerar que diferentes grupos teatrais brasileiros exercem grande importância no meio cultural do período 1960-1970; entretanto, os escritos de Oiticica apontam que a radicalidade das experiências no Teatro Oficina, no contexto brasileiro, é a sua principal referência. Quando foi para Londres, em 1969, o interesse pelas práticas 5 performativas experimentais se intensificou. É possível notar a forma impactante que Oiticica absorve as práticas dessas performances: Imagine que ontem, depois que chegamos [em Londres], o Guy [Brett] nos levou para ver um espetáculo genial, louquíssimo, no Albert Hall, um teatro imitando o Coliseu de Roma, onde todos dançavam e cantavam, as pessoas mais fantásticas em matéria de cabelos e roupas: de repente uma mulher que assistia tirou toda a roupa na plateia e quando a polícia quis leva-la o namorado também tirou toda a roupa na plateia e todos aplaudiram e a polícia teve que se retirar. De repente apareceram John Lennon e a Yoko Ono, geniais, entraram numa espécie de saco branco e ficaram muito tempo lá dentro, enquanto todos gritavam as coisas mais loucas. (OITICICA, H. Carta a sua Mãe em 19 de dezembro de 1968. Tombo: 1083.68)

Uma questão parece se intensificar conforme cresce a curiosidade de Oiticica sobre as práticas de teatro de vanguarda desse momento: como o acontecimento estético pode prolongar o ambiente de criação do artista aos seus meios de relação com o espectador? Nesse sentido, o trabalho de arte passa a servir de dispositivo para o gozo de um tipo específico de experimentação que surge da vida cotidiana e retorna a ela mesma. É necessário criar um dispositivo que legitime o ócio, o acaso, a temporalidade e a presença como parte integrante da ação criadora. É necessário criar uma heterotopia (Foucault, M. 2013) que condicione este estado inventivo. O artista se preenche da premissa de que no seio dos grupos teatrais de vanguarda há uma instância imagética da prática em arte que acontece de forma corrente no dia-a-dia e que não almeja o caráter produtivista. A criação/percepção artística não tem data e hora para finalizar como um produto pronto a ser 5

Vale lembrar que uma das primeiras ações de Oiticica em Londres foi se aproximar do grupo e ccomunidade Exploading Gallaxy liderado pelo artista David Medalla. O grupo, desde 1967, criava uma estrutura social criativa, que pudesse interagir com o público sem a mediação das instituições, tomando como modelo o regime estético de sua própria obra. A comunidade artística integrava, de forma flutuante, aproximadamente, 40 artistas de diversas áreas expressivas. (cf. LOPES, A. 2012)

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consumido. Coincide, portanto, à elaboração do conceito e projeto de Barracão a vivência em Londres de Oiticica. Nessa época, além do grande impacto que os grandes festivais de música ao ar livre como Woodstock Music & Art Fair (1969, EUA) e The Isle of Wight Festival (1968, 1969, 1970, Inglaterra) causavam na poética de Oiticica durante a análise das suas experiências estéticas participativas, em junho de 1969, o artista descrevia detalhadamente para Lygia Clark o impacto que o espetáculo Paradise Now lhe causou. A partir da década de 1960, o desejo de criar uma arte teatral que refletisse suas próprias convicções políticas passava pela ideia de fazer do próprio Living Theatre uma comunidade – desejava-se, em última instancia, criar cidades construídas por comunidades baseadas em reintegração política, cultural e moral. “The theatre, in other words, would not merely produce plays about utopian and anarchist ideas, it would be a model for such a society.” (ARONSON, A. 2000: 53) Sendo este, segundo Aronson, o principal fator que diferenciava o Living Theatre de outras companhias Off-Broadway. Portanto, no seio de suas reflexões sobre o modo de viver, Oiticica vivenciava também práticas que caminhavam na mesma direção da dissolução entre arte-vida, que entendiam o corpo humano como ator principal de todas as utopias, na direção do corpo-utópico e agente de heterotopias. O curioso é notar que o principal lugar para por em práticas essas ideias foi meio aos estudantes de artes na Sussex University, ainda em 1969. Durante uma residência artística, 6 Oiticica criou os Ninhos (Barracão) –. Com a proposição dos Ninhos, trabalhos que são constantemente revisitados em sua obra, Oiticica desejava criar um mundo estético, “mundoarte”, superposição de uma estrutura sobre o cotidiano, para descobrir elementos desse cotidiano, do comportamento humano e transformá-lo por suas próprias leis, proposições abertas. O desdobramento era do trabalho cama-bólide que integrava o complexo Éden, já exposto na Whitechapel Gallery. Dentro do Ninho, dentro do limite da tela de nylon ou juta, o participanteestudante poderia fazer o que bem entendesse, seria enfim a célula-germinativa de ações e atividades criadoras. Oiticica encaminhou junto à Imagem publicada no Jornal do Brasil de 24 de janeiro de 1968 destacada por Oiticica. Arquivo H.O. Tombo: 2082.68 Cama-bólide realizada para o complexo Éden em 1968 e exposta em 1969 na nesse período os dois conceitos eram quase indissociáveis Whitechapel Gallery em Londres (catálogo), na Inglaterra. Arquivo H.O. Tombo: 2083.69 Ninhos (ou Barracão) realizado em 1969 na Sussex University, na Inglaterra. Arquivo H.O. Tombo: 2181.69 Babylonest realizado no Loft4 apartamento no qual Oiticica residia em Nova Iorque, 1972. Arquivo H.O. Tombo: 254465

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Nesse momento esses dois conceitos eram indissociáveis.

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proposta a advertência de que este recinto-obra deveria ser visto como uma criação no mundo de recintos-experiências, e estes deveriam ser lidos como dispositivos abertos às significações que nascem nas participações individuais. “Habitar um recinto é mais do que estar nele, é crescer com ele, é dar significado a casca-ovo; é a volta à proposição da casatotal” (OITICICA, H. 1968: Tombo: 0160.68-p2) Para tal fórmula, o artista desenvolveu a ideia de lazer criador - CRELAZER. Esta perspectiva põe em evidencia o ato criador como uma característica inerente ao indivíduo e que tende a ser potencializada conforme há interação com o ambiente. Desse modo, a negociação entre o sujeito e o ambiente estimula a postura inventiva do participador - nesse caso estudante - e, por isso, seria mais conveniente do que algumas estruturas que condicionam um padrão comportamental. O resultado dessa experiência foi tão próximo àquilo que imaginava que durante a exposição Informations no MOMA-NY Oiticica desenvolveu uma nova versão ainda mais complexa dos Ninhos, no qual cada célula tinha a possibilidade de interação uma com as outras. Também aplicou essas ideias quando teve a possibilidade de projetar o seu próprio ambiente-recinto. Oiticica claramente vivenciou este conceito Barracão e criou um complexo sistema de Ninhos para que servisse mobiliário-edificação-abrigo em seu loft novaiorquino. Neste ambiente Oiticica combinava diversas atividades entre elas: morar, receber amigos, discutir sobre artes, realizar exibições e produções cinematográficas, criar seus próprios trabalhos e criar experiências transgressoras que originaram a cosmococa, Ratificava, com esse loft, a urgência pelo “estado geral criador” em sua própria prática artística e progressivamente ignorava qualquer separação entre a vida e arte. A posição com referência a uma ‘ambientação’ e a consequente derrubada de todas as antigas modalidades de expressão: pintura-quadro, escultura, etc. propõe uma manifestação total, íntegra, do artista nas suas criações, que poderiam ser proposições para participação do espectador. (OITICICA, H. 1966 Tombo: 0253.66)

Sabemos que durante sua longa estadia em Nova York, Oiticica realizou atividades de suma importância para o amadurecimento da sua poética. A vivência underground em seu loft faz Oiticica desbravar inúmeras experiências que vão para além das vernissages e aberturas de exposições. Após o término da Bolsa Guggenheim em 1971, o artista desloca sua prática a fim de consolidar a sua permanência nos Estados Unidos. Entre a busca pelo green card e a estabilidade financeira; diversas palestras e ambientações cênicas para o 7 show Gilberto Gil in Concert e Feira Latino Americana de Opinião tornaram-se protótipos potentes para dar curso aos principais eixos de trabalho nesse período. “Subterranean Tropicalian Project”, “Cosmococas” e “Conglomerado Newyorkasis” são combinações entrecruzadas de complexos ambientais performativos para serem realizados o ar livre, discutindo a linguagem cinematográfica em espaço privado e fluxos poéticos escritos para serem publicados. Em meio a todas essas atividades Oiticica agarrou todas as oportunidades para dar prosseguimento às suas ideias. Foi assim que de 03 de outubro de 1971 até 23 de Janeiro de 1972 Oiticica lecionou um curso chamado "Experimentaction" na Young Men's & Young Women's Hebrew Association em Nova York. Com o slogan “Something old! something new!” A associação judaica já era reconhecida por seus cursos livres e programas de capacitação profissional na área de artes. Ao lado de cursos ministrados por Phyllis Goldman e Elaine Breiger, Oiticica propôs um “anti-curso” semanal que lidava diretamente com atividades ambientais e sensoriais livre de telas e espaço bidimensional. Desejava instigar os artistas a criar labirintos, cabines caixas e ninhos com o propósito de estimular a percepção do campo individual de cada inscrito. Para construir a sua didática Oiticica posicionava-se como um mestre ignorante, tal qual Rancière discute no livro Espectador Emancipado. Por meio de seus planos de aula é notória a preocupação de Oiticica em partir daquilo que seus alunos já seriam hábeis. Assim como afirma Rancière, Oiticica colocava em prática a ideia de que “não há ignorante que já não saiba um monte de coisas, que não as tenha aprendido sozinho, olhando e ouvindo o que há ao seu redor, observando e repetindo, enganando-se e corrigindo seus erros” (RANCIÈRE, J. 2012: p.1314). Se o saber é uma posição, a escolha de Oiticica era por fornecer aos seus alunos ferramentas que eles mesmos encontrassem os caminhos para reduzir a distancia entre o 7

Produção de ambiente cênico e figurino dos diversos espetáculos e mostras artísticas da feira sob a direção de Augusto Boal. Entre artistas como Rubens Guerchman e Raymundo Colares, a feira contou com a participação de Julian Back e Judith Malina. (cf. MONTEIRO,C. M. F., 2016)

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“saber” e a “ignorância”. Suscitar o estado de invenção, uma tradução poética aos dispositivos sugeridos eram o principal motor das aulas de Oiticica. Ele transmite os principais elementos de sua própria experiência por meio de exercícios sensório-corporais. Temas como o dentro e o fora; a percepção do corpo no espaço; construção de ninhos para estrutura lazer; estruturas manipuláveis; a feitura de capas no corpo; estruturas encontradas; improvisar um programa a ser gravado; a proposição de jogos; visitar um local [site] fora da sala de aula e conceber uma situação co-relacionada; montar ninhos para lazer; exercícios com objetos do cotidiano; citar experiências de outros artistas (Lygia Clark); a produção de uma performance pública; a observação da cor em diferentes estruturas, e uma aula em que as pessoas pudessem "propor propor" livremente suas ações no espaço. Nota-se uma estrutura específica e aberta para a introdução de um campo de experimentação livre que dialoga fortemente com os trabalhos desenvolvidos pelo artista no mesmo período. Chamar o programa de anti-curso direciona ao aspecto imprevisível e amplo que as experiências poderiam suscitar. Aciona portanto características fundamentais ao que acreditava ser a tarefa do artista na direção de tonar possível um ambiente de criatividade sensível e vivencial ao participador. Outro projeto que chama atenção é aquele desenvolvido para a Universidade de 8 Rhode Island em 1971. O professor de história da arte Richard Calabro desenvolvia um projeto chamado Impossible Archtectures e convidou Oiticica a fim de desenvolver um projeto ambiental com os alunos que ficasse exposto por três semanas e passar ao menos três dias em novembro na universidade. Durante sua estadia, Oiticica deveria montar junto dos alunos o ambiente e ainda proferir uma palestra sobre o seu próprio trabalho. 9 Aproveitando a ocasião para negociar a publicação de seus projetos ambientais , o artista imediatamente aceitou o convite e se empenhou em desenvolver um simulacro daquilo que estava projetando para o ambiente externo. Por se tratar de um estado ao nordeste dos Estados Unidos e o evento ser desenvolvido no final do outono e início do inverno no hemisfério Norte, era prudente que o trabalho fosse desenvolvido no interior de alguma arquitetura já existente.

Negativo da Montagem de Rhodislândia, Rhode Island University, Dezembro de 1971 Arquivo: H.O. Tombo: 1953.71

Foi disponibilizado para Oiticica uma sala trapezoidal de aproximadamente 13 metros de extensão. Para fazer Rhodeslândia, Oiticica cobriu a sala inteira de brita e fez uma divisão diagonal na galeria. De um lado ficava uma aberta para performances ou autoperformances, de outro uma subdivisão com telas de nylon fazendo espaços para que os estudantes da universidade construíssem seus próprios ninhos.

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Em outubro de 1972, o mesmo professor convidou Oiticica para oferecer um curso na Rhode Island University. O nome escolhido para o curso foi Experimentaction e o plano de aula previa, entre outras intervenções, fazer Parangolés junto com os alunos. (cf. Arquivo: H.O. Tombo: 0508.72) 9 Este ambiente-playground pode ser considerado um desdobramento aos projetos idealizados no mesmo período Subterrean Tropicalian Project – um complexo ambiental para ser realizado ao ar livre - e na cenografia ambiental do show Gilberto Gil in Concert.

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Era na área livre, iluminada de laranja, que Oiticica planejava que houvesse uma conferência-performance de artistas do Living Theatre, em especial o ator Steve Ben Israel [1938 -1012], sobre as experiências no Brasil. Por questões financeiras, não parece ter sido possível a presença do ator no projeto. Entretanto, Oiticica aproveitou a ocasião de sua palestra para avaliar seus trabalhos e analisar aquilo que definiu ser seu repertório. Mostrava, portanto imagens-dispositivos que eram de vários trabalhos, muitos ainda não finalizados, “ideias-célula não destinadas a um fim-solução”. O artista definia o repertório que se tratava de uma coletânea de proposições para diferentes projetos. “propor também como nas outras experiências: imagens-abertas ‘apresentadas’ sem ser ‘representação’ de algo ‘significante’: imagens-repertório poeticamente dadas” (OITICICA, H. 1971. Tombo: 1833.72) Oiticica pretendia se apropriar de algumas imagens experimentais enviadas por Torquato Neto, outras enviadas de autoria de Ivan Cardoso. O artista planejava, ainda, usar trechos do filme A Falecida (1965) de Leon Hirszman e Matou a família e foi ao Cinema (1969) de Júlio 10 Bressane, mas temia pela inviabilidade técnica . Já a outra área era subdividida em pequenos quadrados a partir das telas de nylon. Todo este ambiente deveria ser iluminado de amarelo. Oiticica imaginava que cada um desses espaços deveria conter pequenas instalações-proposições dos alunos. A ideia era que, por meio da densidade visual existente a partir das sobreposições de telas de nylon, quem visse o ambiente de fora deveria ter a sensação de que as proposições se interpenetrassem umas nas outras, por camadas de transparências. “céu do céu, como diria o Haroldo [de Campos] no último fragmento do hagoromo : alias, pensei muito nisso quando estava delineando os planos do projeto” (OITICICA, H. Carta para Ivan Cardoso em 12 de novembro de 1971. Tombo: 0848.71) Oiticica relata a experiência com os alunos: fiquei 3 dias e voltei, e a coisa continua lá : construíram verdadeiras moradias-lazer temporárias dentro dos cubículos: um sujeito plantou trepadeiras, o que achei incrível; tive o cuidado de advertir , durante a palestra que fiz (com slides, etc.) , que não interessariam experiências de catarse : jogar tinta, pedras, etc., o que nada tem a ver com isso (e que parecem ser moda aqui) : são super naturalistas e repetitivas no mau sentido: mas já plantar algo, que cresce, etc., refere-se a outro nível de consideração, qualidade, etc., assim como absorver o environment em forma de abrigo casa-casaco, como invólucro estrutural-afetivo; já manifestações psico-catárticas esalen institute, etc., podem ser interessantes para psicólogos e mesmo artistas, mas caem em nível demasiado naturalista, sem invenção, semelhante às experiências com chimpanzés, burro pintando com rabo (o q são a maioria dos pintores), “arte terapeutica”, etc. (OITICICA, H. Carta a Haroldo de Campos em 19 de dezembro de 71. Tombo: 0974.71-p2)

A crítica de Oiticica deixa aparente que as atividades performativas eram apenas possíveis diante de um critério de intenso esforço intelectual dos alunos. Não se tratava de um estado catártico de expressividade coletiva, mas de uma ação em construção estimulada e criada a partir da estrutura. Oiticica pretendia uma negociação entre o sujeito e o trabalho. É nesse sentido que se fazem relevantes as performances de atores do Living Theatre, de Mário Montez – PN15 do Subterranean Tropicalian Project - dos alunos “bem instruídos” ou mesmo os trabalhos em homenagem aos músicos e/ou atores de outros campos – todos trabalhos realizados nesse mesmo período.

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Apesar das inúmeras cartas enviadas a amigos e familiares com os relatos sobre o projeto de Rhodeslândia antes de sua execução, apenas uma, para Haroldo de Campos (OITICICA, H. Carta a Haroldo de Campos em 19 de dezembro de 71. Tombo: 0974.71-p2), detalhava a experiência depois de realizada. Entretanto, nesta carta há poucas referencias sobre como ocorreu a sua palestra e não há menção sobre as performances área livre com iluminação alaranjada.

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Rhodislândia, Rhode Island University, Dezembro de 1971. Arquivo: H.O. Tombo: 2128.71

esses quatro projetos [referindo-se, sobretudo, aos quatro primeiros penetráveis do Subterrean Tropicalian Project] são um suco de tudo o que venho propondo ultimamente, e de certo modo a primeira grande síntese da minha obra-esforço desses últimos 12 anos; são secos e muito imaginativos: os textos em inglês (praticamente perfeitos, ao meu ver) não são “explicações” caretas, mas enquanto definem o que sejam, revelam ideias mais gerais, surpreendemente livre-imaginativas; as cópias fototáticas das plantas, estão geniais e impulsionam muito : me fazem pensar nas partituras, ou no valor que elas revelam graficamente contida no livro notation de John Cage : essas plantas , são mesmo notations de espaços ,

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de qualidades de espaço-performance: tenho vontade as vezes de contemplá-las por longas horas, tal qual o valor visual de anotação que possuem. (OITICICA, H. Carta para Ivan Cardoso em 12 de novembro de 1971. Tombo: 0848.71)

Se justapusermos essas obras de Oiticica aos principais nomes das artes visuais vinculados ao trabalho no espaço - Robert Irwin [1928], Sol LeWitt [1928-2007], Bruce Nauman [1941], Richard Serra [1939], Christo [1935], Robert Morris [1931] – perceberemos que o que se destaca nesses ambientes de Oiticica não é apenas a dupla função de uma proposição que explora características arquiteturais e não arquiteturais como ressalta Krauss (1978). As propostas de Oiticica no ambiente expandem as características da experiência arquitetural às condições relacionadas à vivência no ambiente e ao acontecimento cultural. Desse modo, não são apenas as conexões formais - escala, cor e estrutura – que são determinantes para a experiência da obra, mas o evento que dele é resgatado. As táticas utilizadas condicionam a interdependência entre o espaço, a vivência e aquilo que se pretende comunicar. Esta vivência, muitas vezes, não se relaciona somente à compreensão das qualidades físicas do ambiente, mas também às qualidades mneumônicas suscitadas pelas performances roteirizadas e pelas ações realizadas por meio de improvisações do próprio espectador. Características experimentadas nas próprias cenografias que Oiticica projetou. Claro que aliado às experiências realizadas no campo da literatura, do cinema, ou na intercessão dos meios como é o caso das Cosmococas, esses projetos ambientais e didáticos integram um ciclo bem complexo de atividades pelas quais Oiticica percorre e deixa uma marca àquilo que ele imaginava ser a tarefa do artista de ‘mudar o valor das coisas’ e ser um propositor (decantador) de um estado de invenção na vivência cotidiana.

Referências Bibliográficas: ARONSON, Arnold. Looking into the Abyss: Essays on scenography. University of Michigan, 2008. ______. American avant-garde theater: a history. New York. Routledge. 2000. ______. The history and theory of Environmental Scenography. New York University. Ann Arbor, Michigan: UMI Research Press. 1981 (1ªed. 1977) CARLSON, Marvin. Performance: uma introdução crítica. Trad: Thaís Flores Nogueira Diniz, Maria Antonieta Pereira. Belo Horizonte: editora UFMG. 2009. Col. Humanitas. FOUCAULT, Michel. O Corpo utópico: Heterotopias Prefácio Daniel Defert; [trad.: Salma Tannus Muchail]. – São Paulo: n-1 Edições, 2013. KRAUSS, Rosalind. Caminhos da Escultura Moderna. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001. (1.ed. 1977). ______. Sculpture in the Expanded Field. October, (Spring, 1979). The MIT Press. pp. 30-44. LOPES, Ana Carolina. Exploding Galaxy - entrevista com Michael Chapman Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo do Programa de Pós-graduação do Instituto de Arquitetura e Urbanismo IAU-USP, 2012 P. 110-126. MONTEIRO, Cássia M. F. Ambientes em Jogo: Os espaços cênicos de Hélio Oiticica. Tese de doutorado apresentada e aprovada no Programa de Pós Graduação em Artes Cências da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. 2016 OITICICA, Hélio. Carta a sua Mãe em 19 de dezembro de 1968. Tombo: 1083.68 ______. POSIÇÃO E PROGRAMA / PROGRAMA AMBIENTAL / POSIÇÃO ÉTICA Número de Tombo: 0253.66 disponível IN: Arquivo H.O. Julho de 1966 Local: Rio de Janeiro / Rio de Janeiro / Brasil. 1966. ______. A OBRA, SEU CARÁTER OBJETAL, O COMPORTAMENTO Número de Tombo: 0160.68 disponível IN: Arquivo H.O. Local: Rio de Janeiro / Rio de Janeiro / Brasil. 1968. ______. BRASIL DIARRÉIA Número de Tombo: 0328.70 disponível IN: Arquivo H.O. Data de

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início: 05/Fev/1970 Data de término: 10/Fev/1970 Local: Rio de Janeiro / Rio de Janeiro / Brasil. 1970. ______. Carta para Ivan Cardoso em 12 de novembro de 1971. Tombo: 0848.71 ______. Carta a Haroldo de Campos em 19 de dezembro de 71. Tombo: 0974.71-p2 ______. Hélio Oiticica Subterranean Tropicália. Revista Chance Issue #70, Feb. 15. 1972. Tombo: 1833.72 RANCIÈRE, Jaques. O espectador emancipado. Trad. Ivone Castilho Benedetti. São Paulo: Martins Fontes, 2012. ______. A partilha do sensível: arte e política. Trad. Mônica Costa Netto. São Paulo: EXO Experimental org., Editora 34, 2009.

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4. O MENSAGEIRO DO REI: A CENOGRAFIA NO TEATRO DE FORMAS ANIMADAS Emilliano Alves de Freitas Nogueira, Mestre - UFG - Regional Goiás.

Resumo: Este trabalho tem como ponto de partida uma reflexão acerca da cenografia no teatro de formas animadas, e como se dá a atuação do cenógrafo em processos de criação com viés pedagógico de formação de atores. Para isso, tem como objeto de estudo a montagem do espetáculo “O Mensageiro do Rei”, criado nas disciplinas de Estágio Supervisionado em Interpretação/Atuação I e II, no curso de Teatro da Universidade Federal de Uberlândia, em 2014. Utilizando diversas técnicas do teatro de formas animadas, como sombras, bonecos e objetos, a peça foi criada a partir do texto original de Rabindranath Tagore, tendo como diretor o Professor Doutor Mário Piragibe. Entendendo que na contemporaneidade a cenografia deixa de ser pensada enquanto um elemento cênico independente, se tornando uma articuladora da cena, no teatro de formas animadas ela compõe ativamente a narrativa, visto que deixa de ser um pano de fundo e passa a ser elemento estruturante da cena. Nesse contexto, o cenógrafo buscou propor soluções cenográficas onde atores, objetos animados em cena e cenografia formassem uma estrutura não-hierárquica, ampliando as possibilidades de movimentações e marcações, onde os elementos cenográficos móveis deslizavam pelo palco conforme a necessidade de cada cena. Para isso, a presença do cenógrafo na sala de ensaio participando de todas as etapas da montagem, possibilitou diversos testes de materiais e soluções técnicas, fazendo do processo de criação um laboratório de experimentações cenográficas, onde atores, diretores e equipe técnica (iluminadora, figurinista e dramaturgo) colaboraram diretamente para o resultado do desenho do material cenográfico. Essas experimentações permitiram aos atores em formação investigarem recursos cênicos, através de jogos e improvisação, a partir de um material aberto a diálogos entre encenação e atuação, exercendo o papel de co-autores da cenografia. Assim, buscaram-se soluções que questionavam o suporte cenográfico do teatro de animação (tela de sombras, bancada para bonecos), para que pudessem se fundir à narrativa, se afirmando também como escrita fundamental na encenação. Palavras-chave: cenografia; teatro de animação; artes cênicas.

The Messenger of the King: the scenography in the teatre of animated forms. Abstract: This work has as its starting point a reflection about scenography in the theatre of animated forms, and how does the scenic designer’s performance happens in creation processes with a pedagogical bias of actors formation. For this, this work has as study object the assembly of the "The Messenger of the King" play, created in the disciplines of Supervised Internship in Interpretation/Performance I and II, at the Theater course of the Uberlandia Federal University, in 2014. Using diverse techniques of the theater of animated forms, like shadows, puppets and objects, this play was created from the Rabindranath Tagore original text, having as director the Professor Doctor Mario Piragibe. Understanding that in contemporary times the scenography is no longer thought of as an independent scenic element, becoming an scene articulator, in the theatre of animated forms it actively composes the narrative, since it stops being a backdrop and becomes to be an element of scene structuring. In this context, the scenic designer sought to propose scenographic solutions where actors, animated objects in scene and cenography form a non-hierarchical structure, expanding the possibilities of movements and markings, where the mobile scenographic elements slid across the stage according to the need of each scene. For this, the scenic designer presence in the test room participating in all the assembly stages allowed several tests of materials and technical solutions, making the creating process a laboratory of scenographic experiments where actors, directors and technical staff (illuminators, costume designer and playwright) contributed directly to the result of the scenographic material drawing. These experiments allowed the actors in formation to investigate scenic resources, through games and improvisation, from a material open to dialogues between staging and acting, exercising the scenography co-author role. Thus, solutions that questioned the scenographic support of the animation theater (shadow screen, puppet bench) were sought, so they could fuse to the narrative, affirmating itselves also as a fundamental writing at the staging. Keywords: scenography; Theatre of animation; performing arts.

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Introdução Partindo do contexto da criação de uma cenografia teatral dentro de uma instituição de ensino superior, neste artigo discorrerei sobre o processo de criação no espetáculo do espetáculo O Mensageiro do Rei, montagem realizada em 2014 nas disciplinas de Estágio Supervisionado em Interpretação/Atuação I e II, no curso de Teatro da Universidade Federal de Uberlândia, estreando em maio de 2014. Escrito em 1912 pelo poeta e filósofo Rabindranath Tagore, O Mensageiro do Rei é um texto dramatúrgico que em uma narrative oriental trata da história do menino Amal que não pode sair de casa por causa de uma doencá e vê omndo da janela de seu quarto sonhando com a chegada de uma carta que seria enviada pelo rei. O autor foi o primeiro não-europeu a ganhar o Nobel da Literatura e constrói essa dramaturgia a partir de elementos da cultura e filosofia hindu. Essa montagem foi dirigida pelo professor Mário Piragibe, pesquisador de teatro de formas animadas, técnica essa utilizada no processo de criação. Podemos definir teatro de formas animadas como: (...) o conjunto de manifestações teatrais que se utilizam de bonecos, máscaras, objetos e/ou sombras, representando seres antropomórficos, zoomórficos ou ideias abstratas em cena, estes passando do status de matéria inerte para seres com (simulação de) vida, por meio da intervenção do ator, que com eles se relacionam. Ou seja, o teatro cujo inanimado adquire ânima, (princípio de) vida – ou antes status de animado. (PINTO, 2016, p. 72)

Assim, a montagem enquanto resultado de disciplinas de estágio supervisionado, teve como pressuposto a formação de atores utilizando para isso a pesquisa em teatro de formas animadas e o teatro infanto-juvenil. Desde 2010 o curso de Teatro da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) conta com uma equipe de técnicos (cenógrafo, diretora de iluminação, figurinista, costureira, dramaturgo, audiovisual, produtora, coreógrafa) que dão suporte às produções realizadas. Isso permite que o trabalho desses profissionais sejam feitos de forma muito próxima e contínua, afinando e conhecendo as particularidades de cada função, contando com laboratórios que propiciam a concepção e produção do material a ser utilizado nos espetáculos. 11

A possibilidade de trabalhar enquanto cenógrafo do curso de Teatro com os outros técnicos, fez com que durante as atividades realizadas nos processos de criação e produção tivesse a oportunidade de pensar e discutir entre toda a equipe diariamente. Essa interface possibilitou uma grande troca entre as áreas (cenografia, figurino, iluminação, etc.), tendo a vantagem de desenvolver projetos conjuntos em diversas produções, entender e respeitar as similaridades e especificidades, gerando um colaboracionismo entre os profissionais, tão importante em trabalhos coletivos como o da arte teatral. Não perdendo de vista do trabalho ser realizado em uma instituição de ensino, e assim tendo como resultados projetos artístico-pedagógicos, o trabalho dos técnicos junto aos encenadores (professores) e atores (alunos) possibilitou, na maioria das vezes, que os processos obtenham uma horizontalidade de relações, e assim uma maior colaboração entre todos os envolvidos. Partindo da experiência da sala de ensaio enquanto local pedagógico, os envolvidos nesse processo buscam produzir teatro contemporâneo a partir de experiências que valorizam a coletividade. Os conceitos tradicionais de direção, atuação, cenografia, como atividades compartimentadas deixaram de ter sentido, sendo substituídos pelo processo de descobertas realizado em grupo, onde o jogo de improvisação incorpora esses elementos numa criação orgânica. Enquanto o ator passa a participar da autoria do espetáculo, o papel do diretor pode ser qualificado como coordenador geral. A direção tradicional é substituída por propostas que favorecem o surgimento da relação de jogo, base sobre a qual se 11

Trabalhei como Cenógrafo do Curso de Teatro da Universidade Federal de Uberlândia entre fevereiro de 2010 a abril de 2017.

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constrói a montagem. Em muitos casos, o texto serve apenas como pretexto ou ponto de partida e o material da encenação é extraído do processo de pesquisa e da criação coletiva. (KOUDELA, 2013, p. 104)

É importante lembrar que as produções do Curso de Teatro da UFU são frutos de um trabalho pedagógico feito para a formação de professores de teatro e atores, e as condições oferecidas pela universidade pública para a realização dos espetáculos nem sempre são as mais favoráveis. Há uma grande limitação de recursos financeiros, físicos e pessoais, porém isso não pode se tornar um empecilho para as experimentações. Mesmo estando dentro de uma instituição de ensino pública, devemos refletir que “teatro também é uma pequena indústria na qual a escolha dos materiais, seus custos e, enfim, um orçamento geral impõe um determinado comportamento criativo.” (RATTO, 2001, p. 122). Assim o trabalho com cenografia dentro da universidade deve buscar soluções criativas, utilizar materiais alternativos, levar em conta os equipamentos, a arquitetura teatral, a mão-de-obra, a disponibilidade de salas (ensaio e apresentações) e a formação de professores de teatro e 12 atores .

O processo de concepção e produção da cenografia em O Mensageiro do Rei. No primeiro encontro com a equipe técnica, direção e estudantes-atores da montagem O Mensageiro do Rei, foram os discutidos os princípios norteadores daquele trabalho, tendo em vista que era desejo do grupo realizar um espetáculo de teatro de formas animadas e destinado ao público infanto-juvenil. O professor Mário Piragibe falou que tinha em mente para a cenografia do espetáculo em questão uma superfície para projeção para sombra e um grande tapete oriental no centro do palco. A primeira imagem traga pelo diretor refletia o desejo em trabalhar com um suporte clássico do teatro de formas animadas e um espaço de atuação em sua frente, proporcionando que os intérpretes não fossem apenas manipuladores escondidos nas formas animadas, mas que atuassem efetivamente no espetáculo enquanto atores, discutindo as relações do intérprete no teatro de animação na contemporaneidade. Visível por detrás da marionete, o manipulador tem uma relação complexa com ela: sombra da personagem, ou seu duplo, ou ainda sua alma, seu deus, anjo ou demônio; relação que prolonga o jogo que dá um sentido para ele, remete-nos à fábula, extirpa-no da possível anedota que falseia a teatralidade, remete-nos ao mito ou ao símbolo, sem que os quais o teatro já não tem sentido. (HOUDART, 2007, p. 22)

Estando diariamente na sala de ensaio enquanto cenógrafo busquei entender o desejo do diretor em minimizar os elementos cenográficos na cena, articulando a cenografia e investigando as possibilidades dos suportes do teatro de animação de forma que permitiriam uma melhor inter-relação entre sombra, objetos e bonecos com os atores. Para isso, foi necessário entender o desejo do diretor e atores em realizar uma encenação de um espetáculo infanto-juvenil utilizando formas animadas e como o espaço dramático que “contém informações sobre o lugar fictício, a personagem e a história contada, interfere necessariamente com o espaço cênico.” (PAVIS, 2005, p. 144) Além disso, foi levado em conta a vontade da equipe em fugir dos estereótipos do teatro infanto-juvenil em que a cenografia interpreta literalmente os espaços dramáticos com cores saturadas. A partir da premissa do espaço dramático, foi identificado que Amal, o personagem principal do espetáculo que é uma criança doente que observa o mundo pela janela, vive trancado em sua casa e seria representado por sombra no primeiro ato. Então, o desafio para a criação da estrutura para a sombra foi perceber como se daria o espaço de encenação onde Amal (projeção) estaria em sua casa falando com todos que passavam na rua.

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A criação dos Cursos de Bacharelado em Interpretação (2006) e Licenciatura Noturno (2010) no Curso de Teatro da UFU possibilitou grandes melhorias em relação a equipamentos, espaço físico e contratação de mais professores e técnicos, fazendo com que a realização de produções artístico-pedagógicas tivesse um maior suporte.

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A primeira estrutura cenográfica a ser discutida foi o lugar para a projeção das sombras – janela de Amal, que articularia com todos os outros elementos da cena. Importante pensar que na relação entre palco e espectadores, a criação desse suporte para sombra não deve ser entendida enquanto uma tela, “pois contrasta com a função que essa tem no Teatro de Sombras que não é a de separar, isolar, dividir, mas de unir, pôr em comunicação, criar comunhão”. (MONTECCHI, 2012, p. 30)

Figura 1 - Croquis de estudos para cenografia de O Mensageiro do Rei. Fonte: arquivo do autor, 2014.

Se a projeção seria a janela de Amal, foi discutida então a casa enquanto suporte para essa superfície da sombra. Uma estrutura que associaria a cena dividindo o espaço cênico entre interior (local de proteção de Amal) e exterior (que Amal vê pela janela). Trabalhar a dimensão poética da casa tornou-se então uma oportunidade para resolver a questão cenográfica do espetáculo. Em “A poética do espaço” Bachelard (1993) pensa a casa enquanto lugar de construção humana, promovendo experiências e desenvolvendo a intimidade das pessoas. Assim, a casa não é apenas uma caixa fechada em si, mas um emaranhado de possibilidades para a promoção de experiências. Bachelard diz que: Com efeito, a casa é, à primeira vista, um objeto rigidamente geométrico. Somos tentados a analisá–la racionalmente. Sua realidade inicial é visível e tangível. é feita de sólidos bem talhados, de vigas bem encaixadas. A linha reta predomina. O fio de prumo deixou–lhe a marca de sua sabedoria, de seu equilíbrio. Tal objeto geométrico deveria resistir a metáforas que acolhem o corpo humano, a alma humana. Mas a transposição para o humano ocorre de imediato, assim que encaramos a casa como um espaço de conforto e intimidade, como um espaço que deve condensar e defender a intimidade. Abre–se então, fora de toda racionalidade, o campo do onirismo. (BACHALARD, 1993, p. 64)

Utilizando o conceito de casa apresentado por Bachelard, foi definido que esta seria fator determinante na cena, pois representaria o espaço de proteção e intimidade de Amal. Ao mesmo tempo em que serviria de espaço para projeção de sombras, sendo um elemento móvel com possibilidade de diferentes posições no espaço cênico, ela proporcionaria aos atores criarem diversas visadas na cena, servindo além de elemento para projeção de sombras, ressaltando as relações entre interior e exterior, revelando e escondendo os

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intérpretes, abrindo o leque de oportunidades de criação de movimentos. Deste modo, ao elaborar um elemento de cena que possiblidade diversos movimentos, em que os intérprete pudessem no momento de criação experimentar, jogar e improvisar sem uma rigidez pré-estabelecida, o cenário passa a ser um articulador da cena, e “o cenógrafo afirma-se cada vez mais como um co-autor da encenação, deixando de ser figura acessória no processo de criação” (MOTTA, 2011, p. 18). Ao criar a cenografia foi projetado um modelo de uma casa de duas águas, comum no imaginário de quando as crianças desenham um lar. Com estrutura em metalon, vedação em tule e rodas nas quatro extremidade, essa estrutura foi pensada para ser desmontada para que coubesse em pouco espaço, dadas as dificuldades de armazenamento do material cenográfico na Universidade Federal de Uberlândia. Foi criado um sistema de encaixes para facilitar a montagem e desmontagem feita pelos próprios atores durante os ensaios e apresentações. A casa cenográfica foi construída com a altura de 2,95 metros, a largura de 2,50 metros e a profundidade de 2,40 metros. Estando pronta a estrutura para uso dos atores durante os ensaios, foi-se experimentando-a e adaptando-a levando em conta o melhor uso da mesma na encenação, com base em exercícios propostos pelo diretor a partir do elemento cenográfico. Isso permitiu que ao explorar o objeto cênico, fossem detectados tanto alternativas de desenhos de cena, quanto ajustes que deveriam ser feitos durante o processo para que fosse possível a execução das movimentações na cena, como colocação de freios nas rodas, reforço em sua estrutura e quantidade de camadas de tule para vedação. A casa passou assim a ser o elemento articulador de toda a cena. Deste modo no primeiro ato a casa permaneceria imóvel no palco, visto que Amal era representado pela projeção de uma sombra. Como no restante do espetáculo uma atriz era a intérprete do garoto, isso favoreceu que houvesse movimentação da estrutura no palco, proporcionando no teatro várias visadas da cena, efeito tão comum no cinema. Os outros elementos da cenografia eram uma rotunda branca, dois baús e 07 almofadas.

Figura 2 - Cena de O Mensageiro do Rei. Fonte: arquivo do autor, 2014.

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Os baús foram respostas à necessidade da criação de balcões para suporte onde se manipulariam diretamente bonecos e objetos. Ao propor baús com rodas que pudessem deslizar pelo palco, esses elementos além de servirem como balcões de teatro de animação, guardariam também os objetos utilizados em cena, visto que era proposta da direção do espetáculo não haver coxias onde pudessem esconder os componentes que não estivessem sendo utilizados em determinados momentos da peça teatral.

Figura 3 - Pintura realizada nos baús. Fonte: arquivo do autor. 2014.

Estando com dois baús na sala de ensaio, os atores vislumbraram numerosas funções destes no espetáculo, e a cada descoberta, os mesmos eram adaptados para atenderem à demanda. Desta forma, foram abertas portas em suas laterais para facilitar a retirada de objetos sem que a tampa tivesse que ser aberta, colocação de puxadores para auxiliar a manipulação, reforço em sua estrutura para que intérpretes pudessem atuar sobre eles criando assim diferentes níveis, encaixe de um pop up que representava a Ilha dos Papagaios e era revelada em cena apenas no segundo ato. Os baús foram pintados de dourado e decorados com motivos de tatuagem de henna indiana, fazendo uma composição com a paleta de cores dos figurinos criados por Letícia Pinheiro e contextualizando a dramaturgia que se passa na Índia. As almofadas, brancas com estampas em motivos indianos em dourado, colocadas nas laterais do espaço serviram de apoio para os atores que não estavam realizando ações dramáticas, mas permaneciam no espaço cênico explicitando o jogo teatral no espetáculo. Foram criadas também duas plataformas em madeira de 1 metro de largura por 1 metro de profundidade e 3 centímetros de espessura apoiada por quatro rodas para serem utilizadas durante a cena. Porém durante o processo de ensaio essas plataformas foram descartadas visto que os intérpretes buscaram solucionar as cenas do espetáculo usando o mínimo de elementos cênicos possíveis. Ao trabalhar diariamente com os outros profissionais ligados ao design cênico durante a criação da cenografia nesse espetáculo, foi possível trocar experiências e desenvolver os elementos cenográficos articulando-os com a iluminação e figurinos. O trabalho junto à figurinista Letícia Pinheiro se deu principalmente no que tange à paleta de cores e texturas utilizadas nos figurinos e cenografia. A figurinista partiu de uma paleta de cores em tons terrosos e tecidos com fibra naturais (algodão e linho) remetendo à Índia, sem utilizar estereótipos ou lugares comuns. Para compor a cena, a cenografia utilizou

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as cores branco, dourado e preto, servindo como suporte para os figurinos que tinham uma maior gama de cor. Em uma montagem a cenografia é “a organização do espaço teatral e dos signos do espaço cênico” (MOTTA, 2011, p. 64) enquanto a luz “rege os elementos visuais do palco, determinando sua importância e revelando sua plasticidade” (CAMARGO, 2012, p. 113). Isso faz com que o trabalho entre cenógrafo e iluminador seja interdependente, necessitando de afinidade e parceria para que se completem. Dessa maneira, o efeito cênico que os materiais utilizados na cenografia imprimiriam na cena foram testados em laboratório em parceria com a iluminadora Camila Barbosa Tiago. Eleger a casa enquanto elemento principal da cenografia, que se articulava com outros componentes, e que pudesse dar conta de criar diversas visadas, foi possibilitada com um trabalho minucioso da iluminação. O casa “como construção recortada pela luz, adquir(iu) individualidade, presença e design” (CAMARGO, 2012, p. 114). A luz agiu como uma câmera que editava o olhar do espectador e propunha ambiências que estivessem de acordo com os espaços dramáticos propostos por Rabindranath Tagore. Por exemplo, para a definição da quantidade de camadas de tule que deveriam ser utilizadas para cobrir a estrutura da casa cenográfica, foi testado durante os ensaios o efeito da projeção da sombra do boneco de Amal e como a iluminação permitiria esconder e revelar os atores que ficariam dentro da casa. Estes testes revelaram como as camadas de tule filtravam a iluminação e imprimiam diferentes ambiências de acordo com a intensidade da luz e o filtro de cor utilizado. A iluminação reinventava a cenografia, revelando “sua configuração, materialidade, textura; realça(ndo) contornos, dobras, curvas, ondulações, arredondamentos, largura, espessura, profundidade, cor, peso, brilho e transparência” (CAMARGO, 2012, p. 114).

Figura 4 - Cena de O Mensageiro do Rei. Fonte: arquivo do autor, 2014.

Considerações finais A montagem de O Mensageiro do Rei revelou que a parceria entre toda a equipe na concepção de um espetáculo teatral favorece muito a formação do ator no âmbito da Universidade, e promove oportunidades para que cada integrante do grupo de trabalho realize sua criação sem perder de vista a importância do coletivo na produção. Consequentemente o trabalho dos profissionais envolvidos é afetado por todos os outros

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agentes do processo de montagem, fazendo da sala de ensaio um laboratório de experimentações, e gerando assim um sentimento de pertencimento coletivo ao espetáculo. Isso mostra que apesar das limitações - econômicas, físicas e de recursos humanos - existentes em uma instituição pública de ensino superior, é importante procurar e valorizar uma poética no design cênico que busca um refinamento estético, reconhecendo o valor da criação e seu papel na construção do teatro contemporâneo brasileiro.

Referências bibliográficas: BACHELARD, G. A poética do espaço. São Paulo: Martins Fontes, 1993. CAMARGO, Roberto Gill. Função estética da luz. São Paulo: Perspectiva, 2012. HOUDART, Dominique. Manifesto por um teatro de marionete e de figura. In: Móin-Móin: revista de estudos sobre Teatro de formas Animadas, Jaraguá do Sul: SCAR/UDESC, 2007, ano 3, n.4, p. 41-53. KOUDELA, Ingrid Dormien. Jogos Teatrais. 7 ed. São Paulo: Perspectiva, 2013. MONTECCHI, Fabrício. Em busca de uma identidade: reflexões sobre o Teatro de Sombras contemporâneo. In: Móin-Móin: revista de estudos sobre Teatro de formas Animadas, Jaraguá do Sul: SCAR/UDESC, 2012, ano 8, n. 9, p. 22-37. MOTTA, Gilson. O espaço da tragédia na cenografia brasileira contemporânea. São Paulo: Perspectiva, 2011. PAVIS, Patrice. A análise dos espetáculos: teatro, mímica, dança, dança-teatro, cinema. São Paulo: Perspectiva, 2005. PINTO, Lucas de Carvalho Lacher. Inventariando O Mensageiro do Rei – reflexões e discussões acerca do Teatro Infantojuvenil. Dissertação (Mestrado), Programa de Pósgraduação em Artes/ Mestrado do Instituto de Artes da Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2016. RATTO, Gianni. Antitratado de Cenografia. 2ª edição. São Paulo: Editora SENAC, 2001.

Ficha técnica: Autor: Rabindranath Tagore Direção: Mario Piragibe (professor orientador) Assistencia de direção: Dorotéa Bastos (professora orientadora) e Angie Mendonça Dramaturgista: Luiz Leite Pop-ups: Dorotéa Bastos e Emilliano Freitas Formas Animadas: Angie Mendonça Assistencia de F. Animadas: Rafael Michalichem e Renata Sanchez Cenografia: Emiliano Freitas Figurinos: Letícia Pinheiro Ass. De figurino: Lucas Larcher Iluminação: Camila Tiago Assistencia de iluminação Adriel Parreira Preparação corporal e coreografias Ana Carolina Tannús Preparação Vocal: Dirce Helena de Carvalho (professora orientadora) Trilha Sonora: Lúcio Pereira e Mario Piragibe Produção: Rafael Patente e Samuel Giacomelli Elenco: Gabriela Ananda, Jéssica Evangelista, Karen Marry Quintal, Lucas Larcher, Rafael Michalichem, Rafael Patente, Renata Sanchez (Emiliano Freitas)

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5. DESIGN SONORO E DIMENSÃO ACÚSTICA DA CENA EM OS FUZIS DE TEREZA Ernesto Valença, Doutor em Artes - DEART/UFOP. Resumo: O artigo tem como foco o projeto de design sonoro para a peça Os Fuzis de Tereza, do grupo Teatro do Tumulto, formado por alunos e professores do curso de teatro da UFOP (Ouro Preto/MG) e que pesquisa as relações entre tecnologia e política na cena teatral. Tendo como referência o conceito de dimensão acústica da cena, descreve as etapas de criação sonora e os elementos musicais do espetáculo, elaborados como forma de integração dos planos presenciais e audiovisuais mobilizados na encenação. Aborda tanto as referências teóricas que balizaram a proposta sonora quanto os aspectos práticos de sua execução. Palavras-chave: Sonoplastia; Dimensão acústica da cena; Teatro e tecnologia.

Sound design and acoustic dimension of the scene in Os Fuzis de Tereza Abstract: The article focuses on the sound design project for the play Os Fuzis de Tereza, from the Teatro do Tumulto group, made up of students and professors of the theater course at UFOP (Ouro Preto/MG), and who researches the relations between technology and politics in the theatrical scene. Based on the acoustic dimension of the scene concept, it describes the stages of sound creation and the musical elements of the role-play, elaborated as a way of integrating the presential and audiovisual plans mobilized in the staging. Addresses both the theoretical references that guided the sound proposal and the practical aspects of its implementation. Keywords: Soundscape; Acoustic dimension of the scene; Theater and technology.

INTRODUÇÃO: O LUGAR ONDE AS COISAS SOAM! A intenção deste texto é discutir alguns aspectos da concepção sonora da peça Fuzis de Tereza, do grupo Teatro do Tumulto, apresentando o design sonoro desenvolvido para o espetáculo e que teve por base o conceito de Dimensão Acústica da Cena. No entanto, gostaria de iniciar rememorando uma pequena lembrança de infância, ligada ao teatro, e que tem a ver com minha opção pessoal por trabalhar com os aspectos sonoros de um espetáculo teatral. Creio não haver melhor oportunidade para citar essa lembrança se não em um texto sobre a dimensão acústica da cena teatral. Não tenho absoluta certeza do ano, mas certamente eram os anos de 1980 e eu tinha em torno dos 8 ou 9 anos de idade, quando minha mãe me levou para assistir teatro pela primeira vez na vida. A peça chamava-se O menino do dedo verde e a história girava em torno de um garoto, o menino do título, que transformava tudo o que tocava em planta. Em certa cena da peça, havia um enorme canhão no centro do palco (ao menos, era enorme para mim naquela época) e, no momento em que o menino do dedo verde tocou esse canhão, ele imediatamente explodiu, soltando uma espantosa quantidade de pétalas de flores pela sua boca, o que certamente denotava um resquício da luta contra a ditadura militar que tinha marcado várias produções teatrais das décadas anteriores. A explosão foi tão forte, e certamente amplificada pela aparelhagem de som do teatro, que todos nós nos assustamos e sentimos a vibração do som nas cadeiras. Na minha cabeça de criança, e desde então, o teatro passou a ser para mim aquele lugar onde as coisas soam! Um lugar mágico, onde os objetos tinham essa capacidade incrível de produzir sonoridades fora do comum. Quando fui fazer meu curso de artes cênicas, mais de uma década depois, jamais fui capaz de compreender quem fazia teatro sem dar atenção à essa dimensão tão especial que é a da experimentação sonora. Um ensinamento que nós já deveríamos ter aprendido desde a época de Stanislavski e de seu tratamento minucioso do som.

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Talvez por isso eu tenha me impressionado tanto pelo conceito de Dimensão Acústica da Cena, quando tomei contato com ele muito tempo depois, já durante meu mestrado.

ORIGEM DA DIMENSÃO ACÚSTICA DA CENA Dimensão Acústica da Cena é um conceito desenvolvido pela pesquisadora Silvia Davini, atriz argentina, ex-professora da UNB, falecida prematuramente em 2011. Sua concepção sonora do espetáculo foi divulgada através de artigos e textos publicados em revistas acadêmicas da área teatral no Brasil, bem como por meio de um livro de sua autoria, Cartografías de la voz en el teatro contemporáneo, que é a publicação argentina de sua tese de doutorado. Davini também disseminou esse conceito em suas aulas e pesquisas na UNB, deixando alguns continuadores do trabalho que, de outro modo, desenvolvem o conceito em novas e diferentes direções, com destaque para César Lignelli, atualmente professor da UNB e que foi aluno de Davini desde a graduação até o mestrado. Embora não seja um especialista nesse conceito, já que nunca fui aluno de Silvia Davini nem trabalhei diretamente com qualquer pessoa que tivesse maior contato com ela, acredito que meu trabalho se insere exatamente nesse campo, talvez de modo intuitivo.

O QUE É A DIMENSÃO ACÚSTICA DA CENA O conceito de Dimensão Acústica da Cena é relativamente simples, mas com conotações e implicações bastante amplas para a encenação. Ela se constitui, basicamente, pelo entendimento de que as esferas sonoras da palavra, da música, do desenho acústico do ambiente e de sons produzidos aleatoriamente na cena, acidentais ou programados, constituem, em conjunto, uma ampla rede de relações. Na definição de Silvia Davini: Numa superfície de 360º constituída em diversos planos fixos e móveis, as esferas da voz e da palavra, do desenho acústico e da música em performance estabelecem um complexo de relações que reconhecemos como a dimensão acústica da cena. Nesse contexto, o corpo em performance torna-se o “palco” primeiro; lugar de intersecção entre as dimensões visual e acústica da cena (DAVINI, 2006, p. 309)

O conceito, portanto, indica o imperativo de tratar a esfera sonora do espetáculo teatral de maneira integral, completa, como uma totalidade, mas não necessariamente unificada, já que é possível conceber planos sonoros que se contradigam, se problematizem mutuamente. O que se propõe, com a ideia de uma dimensão acústica da cena, é simplesmente o tratamento concentrado, atencioso, à esfera acústica, de modo a que os diversos aspectos sonoros não sejam deixados ao acaso, mas sejam planejados. Apesar de simples, o conceito coloca em foco aspectos geralmente negligenciados por encenadores. É verdade que se dá bastante atenção à voz no teatro, inclusive nas escolas e centros de formação, mas em geral de modo pouco articulado com os conhecimentos mais avançados do campo da acústica, da tecnologia sonora e da música eletroacústica contemporânea. Uma comparação reveladora, mencionada por César Lignelli em sua dissertação de mestrado (LIGNELLI, 2007): a dimensão acústica ocupa um lugar inegavelmente central na produção cinematográfica, lugar definidor. Stanley Kubrick, Paul Tomas Anderson e Lars Von Trier, para ficar apenas em alguns nomes mais conhecidos, concebem a imagem de modo indissociável ao som, tirando deles o máximo de capacidades nos níveis discursivo, imersivo ou sensorial. Observando o panorama cinematográfico atual, torna-se evidente o cuidado dispensado às questões acústicas, exemplificado em especial no investimento tecnológico, tanto na produção ou geração do som (na gravação do som direto, na criação de sons complementares e incidentais em estúdio, na criação de trilhas sonoras específicas para cada obra, etc.) quanto na sua reprodução eletrônica (com salas de exibição cada vez mais

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bem construídas e equipadas em termos acústicos). O cuidado com o som no cinema evidencia e denuncia o ínfimo espaço que se tem dado a esse mesmo parâmetro no teatro. Conforme Davini: Frequentemente, as equipes técnico-administrativas dos teatros não recebem bem a notícia de que algum equipamento de som precisa ser colocado em um lugar diferente daquele que ocupa habitualmente, algo que nunca sucederia em relação às demandas de um iluminador ou de um cenógrafo. (DAVINI, 2007, p. 165. Tradução livre do autor)

Os teatros simplesmente não estão preparados para, ou dispostos a, mudanças de posicionamento das caixas acústicas como estão em relação à iluminação, por exemplo. Também não é usual que diretores teatrais conduzam seu trabalho auditivamente, mas muitos deles têm ideias e concepções, às vezes bastante intensas, sobre como deve ser a luz de seus espetáculos. Em geral, no teatro, se explora com certa perfeição as tecnologias de luz, mas pessimamente as de som. Então, do mesmo modo como hoje se compreende a necessidade de um projeto espacial, cenográfico, e de iluminação específicos para cada montagem (mesmo que sejam espaços encontrados na cidade e beneficiando-se conscientemente da luz do sol), a ideia de uma dimensão acústica da cena entende que cada montagem é um fenômeno acústico próprio, que cada encenação propõe questões específicas para o som, que cada obra teatral performada pode ser amparada por um projeto acústico ou sonoro específico, abarcando os aspectos da palavra falada, da música de cena, dos dispositivos sonoros tecnológicos e da propagação de sons incidentais realizados pelos próprios atuadores. Imbuídos dessa certeza, organizamos o projeto sonoro da encenação Fuzis de Tereza, do grupo Teatro do Tumulto, que passo a apresentar agora.

TEATRO DO TUMULTO O Teatro do Tumulto é um núcleo apoiado pelas pró-reitorias de pesquisa e extensão da UFOP, composto por alunos e professores do curso de teatro daquela universidade. Surgiu em 2014 do incomodo com as manifestações que estavam proliferando naquela época, marcadas por um viés reacionário, retrógrado, fascista, e que desembocaram no golpe de Estado que está em andamento agora no país. O núcleo realizou uma primeira encenação, chamada Primeiro como tragédia, depois como farsa... O Teatro do Tumulto nasceu, portanto, declaradamente como um núcleo de teatro político. Costumamos dizer que nossa pesquisa é sobre os aspectos políticos do uso de tecnologias audiovisuais na cena contemporânea.

A PEÇA Nossa segunda encenação é uma adaptação da peça Os fuzis da senhora Carrar, de Bertold Brecht, reconfigurada para a situação da Guerra dos Balaios em seus momentos finais, na cidade de Matinha, interior do Maranhão, na passagem da década de 1830 para a de 1840. A história é basicamente a mesma da de Brecht: Tereza é uma dona de casa convencida da necessidade de manter sua família unida, ou o que restou de sua família – uma filha e um filho –, durante uma guerra. Certo dia, chega na casa de Tereza seu irmão, Trovoada, um balaio, interessado em pegar uns fuzis que lá estão guardados para serem usados na frente de batalha. A diferença da peça de Brecht fica por conta do fato de que, no mesmo momento, chega na casa de Tereza também uma quilombola, líder de um quilombo de perto, chamada Dita, que também quer pegar as armas para defender o mocambo e que, portanto, vai entrar em conflito com o balaio. A intenção da peça, obviamente, é discutir porque a esquerda brasileira tem tantas dificuldades em se unir, mesmo em momentos tão graves do país.

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A ENCENAÇÃO A proposta do grupo não é a de uma encenação necessariamente realista, ou mesmo brechtiana, mas algo mais performativo, pós-dramático, usando elementos de cena atuais, contemporâneos. Em especial, o centro da encenação está na ideia de “cinema ao vivo”, um tipo de encenação que vem crescendo muito ultimamente e conta com nomes de peso como a brasileira Christiane Jatahy e a britânica Kate Mitchel. Assim, buscamos desenvolver uma espécie de dispositivo audiovisual em cena, contando com seis câmeras espalhadas pelo espaço, três delas manipuladas por operadores, ligadas a um switcher de edição, através do qual as imagens são editadas/montadas em tempo real e projetadas simultaneamente à ação presencial dos atores em dois telões de fundo. Os espectadores podem, assim, assistir, ao mesmo tempo, à encenação presencial dos atores e ao resultado filmado, videografado, no telão. A organização da encenação está a cargo de uma equipe (ou núcleo ou instância de direção), composta por dois alunos e por mim, que sou o professor proponente oficial do projeto junto à universidade: a direção de atuação fica com um dos alunos, Jotapê Antunes; a direção cinematográfica fica a cargo de outra aluna, formada em cinema, Paola Giovana; e a direção sonora fica a meu cargo, contando com a ajuda de mais um aluno, músico. Todas as decisões sobre a condução do espetáculo são tomadas por todo o grupo, mas em especial por essa instância de direção.

A PROPOSTA SONORA A proposta sonora da encenação leva em conta o fato de que é também uma obra audiovisual e é composta por três planos: - plano da palavra (que é um tratamento especial que estamos dando à forma como os atores falam em cena, de modo a que a voz se conecte com os outros planos sonoros, mas esse elemento não será abordado neste artigo); - plano do entorno acústico; - plano acústico interno-concreto; - plano musical.

PLANO DO ENTORNO ACÚSTICO É um plano totalmente pré-gravado, mas que sofre intervenções em tempo real, através de processamento por computador, visando acompanhar a dinâmica e ritmo de cada dia de apresentação. É composto de um sistema quadrifônico, com as caixas espalhadas nos quatro cantos do espaço, envolvendo os espectadores. Cada caixa emite sons diferentes uns dos outros, embora muitos desses sons transitem de uma caixa para outra. A intenção é fazer com que o som possa literalmente circular pelo espaço. Nesse plano, os sons gravados são todos referenciais: sons colhidos do ambiente sonoro da cidade de Matinha, baixada maranhense, bem como da região rural do município, onde se desenrola a ação. Referem-se a sons que interferem na cena desde fora do espaço imediato da ação; sons que traduzem o espaço ampliado da cena, da atmosfera agreste que envolve a casa de Tereza. Apesar de serem sons referenciais, em alguns momentos eles têm um tratamento que os transformam em algo um tanto mais “surreal”. Por exemplo, há o som de um carro de boi que circulará nas quatro caixas sequencialmente, de modo a dar a impressão de que ele está rodando em volta do espaço. Esse som será processado de pouco em pouco, de modo a ficar bastante distorcido em determinado momento da encenação. Assim, a intenção é

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fazer com que esse plano do entorno se transforme paulatinamente num ambiente imersivo, uma atmosfera sensorial, perdendo um pouco das características de signo sonoro que apresenta no início do espetáculo.

PLANO ACÚSTICO INTERNO-CONCRETO Designamos este de plano acústico interno-concreto por abranger o tratamento sonoro dado aos elementos do espaço interno, o espaço da casa de Tereza onde se desenrola a trama, por oposição ao entorno acústico, que designa os sons que interferem desde a parte externa da casa. Também por voltar-se à sonorização de elementos concretos da cena; objetos cuja projeção de som é aproveitada criativamente. Nesse plano, pequenos microfones são instalados proximamente a alguns objetos de cena, de modo a dar maior densidade sonora a eles. Por exemplo, há várias cafeteiras espalhadas no cenário, que vão ferver em determinadas cenas e que têm certa importância na trama da peça. O som da água fervendo será captado e amplificado pelo dispositivo sonoro. A finalidade é promover um efeito próximo ao do zoom no cinema, mas no plano sonoro, dando atenção a um evento ou objeto em momentos específicos e promovendo igualmente uma conexão com a dimensão cinematográfica da proposta de encenação. Do mesmo modo, dois microfones instalados em pedestais são colocados sobre a cena, captando as palavras proferidas pelos atores. Com isso, alguns trechos da dramaturgia são amplificados, chamando a atenção para passagens estratégicas da trama. Não há a menor intencionalidade de esconder os microfones da visão do público presente ou da captação das imagens, tanto os instalados em objetos quanto os dirigidos para uso dos atores. Ao contrário, a ideia é a de expor os mecanismos de geração sonora, integrando-os ao plano da encenação de modo evidente e revelando-os como parte do dispositivo audiovisual que ocupa o centro da montagem.

PLANO MUSICAL O plano musical foi concebido a partir de algumas estruturas e princípios. Do mesmo modo como ocorre no plano acústico interno, a mesa de operação de som e os músicos ficam ao lado da mesa de edição das imagens, às vistas do público, e a maneira como a música é gerada neste plano é vista por todos os presentes. Do ponto de vista da estrutura, estamos nos baseando num parâmetro que denominamos de “construções e restos”. Em determinadas ocasiões, em especial quando da entrada de cada personagem e em momentos de salto temporal, são executadas espécies de vinhetas completas, parcialmente gravadas e parcialmente tocadas ao vivo. Estamos chamando essas vinhetas de “construções”, que configuram minúsculas peças musicais completas, de cerca de 15 segundos, contando com começo, desenvolvimento e coda bem definidos. Essas vinhetas, quando acabam, deixam rastros de sons no ambiente – notas musicais e ruídos timbrísticos dos instrumentos – que permanecem soando, ora se integrando, ora se contrapondo ao plano do entorno acústico. Esses sons que sobram de cada vinheta, nós estamos chamando de “restos”. Do ponto de vista da escolha musical, estamos nos baseando na ideia de leitmotiv, criado por Richard Wagner. No nosso caso, cada personagem tem um referencial em um tipo de instrumento musical escolhido do universo cultural do Maranhão. Teresa tem como referencial o som das Caixeiras do Maranhão, manifestação muito rica da cultura popular da região e da qual só participam mulheres. Trata-se de uma simbologia que pretende designar a autonomia e independência da personagem. Assim, a encenação abre com uma música baseada na estrutura de composição típica das caixeiras

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que, quando finalizada, deixa restos de sons da caixa que elas batem no ambiente, soando repetitivamente nas caixas acústicas espalhadas pelo espaço, fazendo uma marcação temporal que acompanha toda a primeira cena. O balaio Trovoada tem como referência o Bumba Meu Boi maranhense, manifestação popular que goza de prestígio e reconhecimento internacional. Desse modo, quando ele entra em cena, é executada uma pequena vinheta– basicamente, uma decomposição rítmica do Sotaque da Ilha, um dos estilos musicais do boi maranhense – e que deixa no ambiente sonoro um som de Tambor Onça, que é um dos instrumentos usados no batalhão dos bois do Maranhão. Esse resto sonoro do Tambor Onça acompanha toda a segunda cena do espetáculo, como uma espécie de cama sonora para a voz dos atores. Aqui, há uma analogia remota ao fato de os blocos de instrumentistas musicais, que são a parte percussiva integrante do Bumba Meu Boi maranhense, serem chamados de “batalhões”; uma referência militar ao fato do balaio ser um guerreiro, um lutador da liberdade da população mais pobre do país. Finalmente, a quilombola Dita tem como referência a capoeira, que tem uma presença marcante na região (há registros da presença da capoeira no Maranhão desde pelo menos 1820), como de resto em todo o país. A capoeira oferece a dimensão de força e resistência da personagem, indicando também um tipo diverso de lutadora das frações populares brasileiras, diferente do modo de luta do balaio Trovoada. Do mesmo modo como nos dois exemplos anteriores, quando a personagem Dita entra em cena soará outra pequena vinheta que deixa sons no ambiente, acompanhando toda a terceira cena. No caso particular dessa vinheta, vale a pena mencionar a construção de um instrumento específico, combinando quatro berimbaus afinados em escala, tocados por um único instrumentista e que estabelecem a melodia da vinheta. As caixas, o pandeirão de boi e os berimbaus são tocados ao vivo. Há ainda a intervenção de um violão, um baixo e um teclado, também ao vivo. Esse som ao vivo, inclusive dos instrumentos percussivos, é também captado por microfones e sofrerá processamentos eletrônico-digitais por meio de vários pedais de efeito, acionados durante as execuções.

CONCLUSÃO As tecnologias sonoras contemporâneas ao nosso dispor são de uma variedade impressionante. Integradas ao processo criativo do teatro desde os primeiros momentos – e não apenas como complemento final de uma montagem, como é o costumeiro –, potencializam largamente as realizações teatrais em seu espectro sonoro, transformando o palco em um verdadeiro laboratório acústico. Tal laboratório apresenta vantagens inclusive sobre âmbitos mais eminentemente sonoros, como os shows musicais, pois agregam aspectos performáticos, corporais e visuais que ampliam as possibilidades da experimentação com o som. O teatro é, portanto, um espaço cujas experiências acústicas e eletroacústicas podem influenciar o campo propriamente sonoro, propondo aplicações inusitadas às aparelhagens que nem sempre são percebidas no âmbito musical. Tais aparelhagens sonoras, à disposição dos artistas e projetistas de som do teatro atual, são, todas elas, como bem se sabe, manejadas por meio de teclas e botões, ainda que estejam arranjados em forma de uma tela sensível. Efeitos e processamentos digitais e eletrônicos cujas possibilidades se encontram à serviço de nossos dedos. E é através desse mundo manejado por dedos sensíveis, que tocam e deslizam teclas e botões, que o teatro prossegue sendo aquele lugar em que as coisas soam!

Referências Bibliográficas: DAVINI, Silvia Adriana. O lado épico da cena ou a ética da palavra. Anais do IV Congresso Brasileiro de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas. Pp. 308-310. Rio de Janeiro: Sete Letras, 2006.

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DAVINI, Silvia Adriana. Cartografías de la voz en el teatro contemporáneo. Buenos Aires/Bernal: Universidad Nacional de Quilmes, 2007. LIGNELLI, César. A produção de sentido a partir da Dimensão Acústica da Cena. Dissertação de Mestrado. Brasília: UnB/PPGA, 2007.

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6. O CENÁRIO ATRAVESSADO PELA DRAMATURGIA CONTEMPORÂNEA Helena Cecilia Carnieri Staehler, Mestre em Estudos Literários (UFPR) - jornalista e crítica teatral. Resumo: A cenografia no teatro contemporâneo está longe de ser relegada à categoria decorativa. Antes, é atravessada pelo conceito do espetáculo de forma a compor, junto a outros elementos, parte da dramaturgia. Essa condição é particularmente visível no trabalho de Robert Wilson, que, com frequência, assina a criação de seus próprios cenários, muito calcados numa estética própria relacionada ao minimalismo. Este trabalho realiza o estudo de caso de três cenários e sua relação com a dramaturgia proposta. A primeira é “A dama do mar” (2013), de Bob Wilson, uma reescritura de Susan Sontag para a peça de Ibsen. O cenário criado pelo diretor, de poucos, mas marcantes elementos, traz um mastro e vela que sugerem, ao longo das quase 20 cenas diversas situações relacionadas ao mar. O uso de diferentes materiais de revestimento no piso delimita como que o ambiente selvagem marítimo e o espaço doméstico, onde a protagonista Ellida vive sua perturbação. A segunda peça a ser analisada é “Isso te interessa?” (2011), dirigida por Marcio Abreu, espetáculo da curitibana companhia brasileira de teatro em que uma sala de estar sofre gradativas modificações, com móveis e luminárias que deixam a simetria e se mostram tortos. A revelação do afastamento dos moradores da casa também ocorre de forma paulatina, como se a degradação ocorresse nas relações e ao mesmo tempo no ambiente ao redor. Por fim, o trabalho apresenta o cenário de “Lovlovlov” (2016), produção curitibana dirigida por Isabel Teixeira, em que uma cabine de metal e vidro enclausura dois atores. A estrutura de cerca de 500 quilos torna-se uma metáfora para os apanágios opressores de Carmen Miranda, cuja vida inspira o espetáculo. Particularmente, três cartas de amor escritas por ela a um amante brasileiro durante seu período passado em Hollywood. As referências teóricas passam pelos estudos de Patrice Pavis (2013), Jean-Pierre Sarrazac (2012), Maria Shevtsova (2007) e Hans-Thies Lehmann (2006). Palavras-chave: Bob Wilson, cia. brasileira, Carmem Miranda, dramaturgia contemporânea.

ABSTRACT Scenic design in contemporary theater is far from being a decorative matter. It is, rather, traspassed by the concept of the play in order to build, alongside other elements, part of the dramaturgy. This is particularly seen in the work of Robert Wilson, who often signs his own scenery and light, based on his own aesthetics, close to minimalism. This paper studies three sceneries and their relation to the dramaturgy in question. The first, “Lady from the sea” (2013), by Bob Wilson, is the brazilian version for the Susan Sontag rewrite of the ibsenian play. The scenery and light created by the diretor bring few but striking elements, such as the mast and sail of a boat, which suggest situations by the sea. The use of different material for the floor sets apart the wild and domestic spaces, where the lead character, Ellida, goes through her torment. The second play to be analysed is “Isso te interessa?” (2011), by Marcio Abreu, play by companhia brasileira de teatro in which the room goes through some changes during the show: a table is knocked over and a light fixture is bent. This occurs alongside the drifting apart of the members of a family, as if deterioration happened in both space and relationships. The paper also discusses the scenery for “Lovlovlov” (2016), by Isabel Teixeira, in which a metal cabin imprisons two actors. The 500 kilo structure becomes a metaphor for singer Carmen Miranda famous head props. The play is based on her life, in special, three love letters written to a brazilian lover during her Hollywood period. The theoretical references come from the work of Patrice Pavis (2013), Jean-Pierre Sarrazac (2012), Maria Shevtsova (2007) and Hans-Thies Lehmann (2007). Keywords: Bob Wilson, cia. brasileira, Carmen Miranda, contemporary dramaturgy.

Quando um espetáculo chama a atenção por sua visualidade, em geral vemos que sua concepção é coesa, sendo que todos os elementos (ou ausência deles) fazem parte da dramaturgia de maneira igualitária. É fácil perceber que nas criações mais inventivas o todo da cena é pensado de forma integrada, deixando o textocentrismo num passado distante e abraçando o pensamento do design cênico colaborativo. Além disso, a afinidade entre os diversos artistas que assinam a ficha técnica conta muito para o resultado final.

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Um exemplo talvez único é o de Robert Wilson, que é seu próprio cenógrafo e iluminador. Falar em cenários de Robert Wilson é referir-se à iluminação de seus trabalhos. Em cinco décadas de carreira, o diretor desenvolveu um traçado de luz especialíssimo, que preenche com cores o palco de seus “shows visuais e sonoros”. Espetáculos totais, no sentido de um encantamento plástico da plateia. Por muito tempo, Wilson foi o principal exemplo usado por teóricos de vários países ao falar da arte de vanguarda, não textocêntrica e aberta à invenção formal. Nessa categoria estão escritos de Hans-Thies Lehmann (criador do termo “pós-dramático”), Patrice Pavis e Jean-Pierre Sarrazac. Este último afirma que Wilson “aborda os textos que encena como materiais da mesma forma que a luz, o som ou os gestos” (SARRAZAC, 2012, p.104). Essa não hierarquização dos elementos confere a todos os aspectos da obra de Wilson importância primordial. A centralização e pessoalidade de suas peças trazem uma característica autoral às obras, tanto que poderíamos nomear de “azul Wilson” o tom de cor característico de muitos de seus trabalhos. Quase sempre há uma tela grandiosa na parede de fundo do palco, onde são projetadas as luzes de diferentes cores. Ainda que sua criação seja muito calcada numa estética própria relacionada ao minimalismo, as grandes proporções de suas construções cênicas maximizam a visualidade no palco. Deixando de lado neste momento as críticas ao trabalho mais recente de Wilson, de quem se diz estar repetindo incessantemente a mesma forma em trabalhos múltiplos, movendo uma potente engrenagem da indústria cultural, vamos nos ater a alguns marcos de sua inovação estética. Podemos dizer que Wilson materializa o sonho de seus precursores Adolphe Appia (1862-1928) e Gordon Craig (1872-1966), de quem herda o conceito de cena tridimensional e a ousadia. Para Appia, a encenação só ganharia vida se tivesse relação com a tridimensionalidade, a partir dos elementos de tempo, espaço e movimento. Foi sobretudo com a ideia de que os cenários deveriam brotar da movimentação dos atores e não de teorias imaginadas por um dramaturgo ao escrever uma peça que ele passou a propor composições baseadas em volumes, planos, degraus e profundidade real. Suas concepções traziam para o palco elementos geométricos reduzidos ao essencial, hoje conhecidos como 13 “praticáveis” . Seu pensamento visionário previa um teatro que se afasta do realismo e do textocentrismo, em que “o gesto deixará de representar palavras ou fragmentos de frases para tornar-se, em si mesmo, uma linguagem de sentimentos e de ideias” (APPIA, 1919, p.91), com o corpo como elemento conciliador e alvo de grande potencialidade. Essa transformação trouxe maior sintonia para a movimentação dos atores em cena, algo que, a partir dos anos 70, seria explorado intensamente por Robert Wilson, que credita parte de sua inovação aos insights do predecessor: Appia me deu a coragem de fazer o que eu faço. Ele é muito importante para todos nós do teatro moderno. O teatro dele é construído arquitetonicamente, com uma dinâmica exposta e belas proporções. A sua luz para o palco é pensada a partir da arquitetura, com linhas fortes e vigorosas. Ele desenvolveu um vocabulário completo para o teatro. (WILSON, em entrevista sem fonte ou data citada pela Deutsche Wikipedia. Tradução de Gerson Smal Staehler).

Um dos pontos de encontro mais importantes entre Wilson e Appia foi o interesse pelo uso renovado da luz cênica (em plena conjunção com a música). Poucos diretores de teatro se comparam a Robert Wilson em sua maestria das técnicas de iluminação, bem como no desenvolvimento de equipamentos avançados e adaptados especificamente a suas produções. Ele próprio “admite” como suas referências em termos de uso da luz o contemporâneo Giorgio Strehler e o vanguardista Adolphe Appia. Poderíamos citar ainda o 13

Conforme Patrice Pavis, “parte do cenário construída por objetos reais ou sólidos que é utilizada em seu uso normal, particularmente para nele se apoiar, caminhar e evoluir como em um plano cênico firme” (2011, p.304).

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exemplo de Wieland Wagner, neto do compositor, que, nos anos 1950-60, dirigiu o festival de óperas wagnerianas de Bayreuth, na Alemanha, e ali introduziu novos conceitos de encenação, privilegiando a iluminação em cenários minimalistas. Da mesma forma que Wieland Wagner inovou ao eliminar a abertura da cortina em suas óperas, revelando o palco aos poucos por meio da iluminação, Wilson reitera que a luz é o elemento que confere a delimitação do espaço. Para ele, a luz é o elemento que ajuda a “ver e ouvir” (SHEVTSOVA, 2007, p.63). Com frequência, comentários sobre seus espetáculos afirmam que a iluminação em Wilson ganha protagonismo. Tecnicamente, seu uso da luz aprofunda as pesquisas de Adolphe Appia em relação à iluminação de atores: o diretor suíço acreditava ser necessário iluminar as “três dimensões” do corpo do ator, ao invés de privilegiar apenas duas dimensões. Durante os ensaios, Wilson realiza esse tipo de ajuste, que pode levar inúmeras horas, até que cada marcação de luz seja estabelecida. O diretor ficou conhecido também pela capacidade artística e técnica de 14 iluminar apenas partes do corpo, destacando em um momento a mão de um ator , ou só o rosto etc. A luz também tem propósitos dramáticos e narrativos, substituindo, muitas vezes, o papel que o psicologismo tem no teatro realista. Ela nunca é simplesmente um elemento extra, mas aquele que conduz o texto e a música (SHEVTSOVA, 2007, p.65 e 69). A forma como Wilson utiliza a luz explica o frequente painel branco situado ao fundo de seus cenários, sobre o qual o diretor projeta diferentes cores de luz ao longo das cenas. Um exemplo que pode ser citado é sua versão de Woyzeck (2000), em que utiliza um ciclorama pelo qual passam diferentes cores, todas indicando o aprofundamento da deterioração da psicologia do personagem-título, até o assassinato da noiva Marie, durante o qual a cena ganha o tom de vermelho. Cabe citar a coloração de azul que tem marcado as últimas produções de Wilson e se tornado uma marca registrada. Outro artista visionário cujos desbravamentos prenunciaram o que Wilson faria no palco foi E. Gordon Craig. A fase inicial da vasta carreira desse irlandês foi um período de intenso questionamento sobre a representação, fosse ela pictórica ou cênica. Para esses artistas inquietos, a adesão ao realismo trouxera uma decadência criativa. Uma forma de expressão que as vanguardas passaram a investigar em prol do ressurgimento da magia nas artes foram as marionetes, consideradas um veículo capaz de transmitir ideias abstratas de forma sintética, permitindo o abandono da verossimilhança. As criações de Wilson utilizam a construção de perspectiva no cenário, enfatizando a proposta de se enxergar suas peças como paisagens. Em depoimento presente no documentário Bob Wilson & The Civil Wars, Wilson fala um pouco de sua inspiração para elaborar Einstein on the Beach (1976). Olhando para as águas que banham New Jersey, ele comenta sobre o impacto visual que aquela imagem lhe causa sempre, com barcos que passam em velocidade mediana, trens num movimento lento e carros velozes logo no plano seguinte (BROOKNER, DVD, 1987). Esses planos diversos foram usados nos cenários de Einstein on the Beach, por exemplo, em que há uma espaçonave e um trem em planos diferentes. Após as primeiras obras classificadas como colagens, Wilson opera uma mudança em direção ao paralelismo, desenhando o palco em linhas diagonais, aproveitando o espaço aéreo e privilegiando uma divisão vertical. A partir do uso de elementos como esses surgiu a alcunha “teatro de imagens” (PAVIS, 2013). De forma contrastante, Wilson usa planos verticais como quadros compostos, e profundidade, também muito valorizada. Em Wilson, nada é por acaso: cada centímetro do espaço é usado com algum propósito, sendo habitado artisticamente. Um exemplo de contraste no uso dos planos está em O retorno de Ulisses à pátria, ópera que montou em 2011 para o Scala de Milão, na qual Wilson coloca painéis que 14

A mão do próprio Wilson ganha destaque no monólogo Hamlet, de 1995, em que ele atua, numa sequência ao estilo “cabaré”, divertida, em que sua mão aparece antes de o restante do corpo ser iluminado. (SHEVTSOVA, 2007, p.64).

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remetem aos cenários oitocentistas, bidimensionais. Porém, desse enorme painel imóvel caem maçãs, objetos tridimensionais inseridos ali de forma surpreendente. Outro cenário contrastante foi criado em 1998 para Péleas e Melisande, em que a música evocativa e orquestral de Debussy ecoa sobre um cenário espartano, frio, composto por seu painel tipicamente azul e poucas linhas. O canto era puro, mas os movimentos realizados pelos atores, ameaçadores.

Figura 1 - Foto de "A dama do mar", 2013.

O artificialismo da atuação e dos elementos cênicos de Wilson também se choca com a busca pela verdade enquanto verdadeira presença teatral. Simples objetos fora de lugar ecoam ainda a noção de ruptura com o óbvio e com o real, como acontece com a rocha que eclode no cenário de A dama do mar (prólogo), obra de 1998 (Itália) que chega em 2013 ao Brasil. Nela Bob Wilson utiliza uma reescritura de Susan Sontag para a peça de Henrik Ibsen. O cenário criado pelo diretor, de poucos, mas marcantes elementos, traz um mastro e vela que sugerem, ao longo das quase 20 cenas, diversas situações relacionadas ao mar. O uso de diferentes materiais de revestimento no piso delimita como que o ambiente selvagem marítimo e o espaço doméstico, onde a protagonista Ellida vive sua perturbação. Uma opção que acrescenta lirismo ao espetáculo logo de início é o uso de um prólogo, com mais de 10 minutos, em que os personagens são apresentados sem palavras. Aqui a movimentação lenta e os gestos marcantes usados comumente pelo diretor já são introduzidos. No material usado por Wilson para pesquisa e documentação da cenografia, como sketches e storyboards, é usada a palavra “prólogo”. Nele, cada personagem faz sua entrada. O intruso, chamado de Estrangeiro e interpretado por um bailarino, entra por último e os demais personagens reagem a ele de formas diferentes, sendo que o conjunto poderia ser visto como uma cena de balé contemporâneo. O intruso então persegue Ellida e ela parece desejar acompanhá-lo, mas se interrompe. O som da maré sobe, aumentando a tensão, mas ele vai embora enquanto a luz é intensificada. Nesse momento, o marido de Ellida, Wangel, simula um grito e uma inesperada rocha irrompe pelo piso. Logo após o black-out e início dos diálogos da peça, essa rocha não está mais lá.

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O choque exercido pela presença de elementos inesperados e contrastantes ocorre também no uso de um candelabro barroco situado sobre uma pedra em seu Hamlet – e não num salão barroco, como seria de se esperar pelo estilo do objeto. É possível dizer que a tensão que emerge desses contrastes compõe uma característica dos trabalhos de Wilson. Uma recomendação dada pelo diretor é “escute os quadros” – para ele, o teatro nunca se distancia das artes plásticas. Em A encenação contemporânea (2013), Pavis define Wilson como precursor do teatro de imagens. Pavis destaca ainda o uso da sonoplastia, nomeando-o como um dos poucos criadores autorais cujas “experiências extremas e ‘apaixonantes’” permitem “considerar o texto como puro material sonoro”, já que tais artistas “não se impõem como missão ‘encená-lo’” (PAVIS, 2013, p.313). Além de Wilson, entrariam nessa categoria Romeo Castellucci, François Tanguy e Frank Castorf, de acordo com o teórico francês. Tornando-se dança e interpretação rítmica, a encenação da atualidade, de Wilson a [Tadeuz] Kantor, expulsa o significado muito bem compreendido para consagrar-se a imagens mudas e silenciosas, ou seja, à do significante recusando-se o mais longo tempo possível à interpretação e aos signos". (PAVIS, 2013, p. 377). 15

É interessante ressaltar que não seria adequado usar a expressão “quadros vivos” para Wilson, visto que o termo remete à montagem de cenas imóveis. “Em Wilson não são imagens fixas. Ele trabalha imagens no tempo, diferentemente de um pintor”, afirma o produtor Ivan Nagel no documentário Bob Wilson & The Civil Wars (BROOKNER, DVD, 1987). Mas falemos de Brasil. O uso de elementos cênicos que “se atravessam” no design do espetáculo e tomam parte eles mesmos na dramaturgia ocorre com certa frequência nos trabalhos do brasileiro Fernando Marés para a companhia brasileira de teatro. Em “Isso te interessa?” (2011), dirigida por Marcio Abreu, uma sala de estar sofre gradativas modificações, com móveis e luminárias que deixam a simetria e se entortam. A revelação do afastamento dos moradores da casa também ocorre de forma paulatina, como se a degradação ocorresse nas relações e ao mesmo tempo no ambiente ao redor. Numa escrita cênica que se desenrola visualmente e compõe junto com os demais elementos – palavras ditas, figurino, sonoplastia –, as escolhas de Marés trazem “signos atuantes” ou “objetos falantes”, para usar palavras suas. De forma análoga às pedras que irrompem no piso do cenário da Dama do Mar de Wilson, a luminária de Marés em “Isso te interessa?” se inclina para mais perto dos personagens num momento de intenso lirismo. Trata-se de um ponto em que a trilha sonora dilacerante soa forte. Não há palavras. O casal, ou seja, os personagens mãe e pai sentam-se no sofá. Ela reclina a cabeça no colo dele, talvez no único momento de afeto apresentado pelo casal, que, quase durante toda a peça, exibe um relacionamento conflituoso. A cena vem na sequência da partida do filho, e, pelo que é dito entre uma e outra, temos a nítida sensação da passagem do tempo em cena. A inclinação do móvel é rápida, nos pega de surpresa, e ocorre num momento que confere total protagonismo ao cenário.

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Esse termo vem à mente ao se pensar que seus cenários compõem uma série de quadros milimetricamente trabalhados.

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Figura 2 - Foto de "Isso te interessa?", de 2011.

Essa fala cênica sem palavras atravessa a dramaturgia, acrescentando aquilo que o texto falado não conseguiria dizer. Em outro momento, a personagem Filha derruba calmamente uma mesa enquanto está falando sobre o relacionamento com o marido. No momento seguinte é explicitada a separação dos dois, ficando o tombamento do móvel como substituto para uma ação dramática de briga de casal. Como se vê, o texto da francesa Noëlle Renaude (“Bon Saint Cloud”) abarca a deterioração dos relacionamentos de forma simbólica, e Marés une-se ao projeto de sua encenação pela companhia brasileira de forma a escrever a cena ao mesmo tempo, de maneira integrada, não apenas ilustrando o que é dito. O cenógrafo Fernando Marés teve seu trabalho analisado por Paulo Vinícius Alves em artigo publicado no livro “Questões de cenografia 2”. A escolha por elementos de cenário que se movimentam “em cena aberta” é vista ao longo de toda a colaboração de Marés com a companhia brasileira, como pontua Alves. Em “Vida” (2010), uma parede se desloca de forma a aumentar ou diminuir o espaço disponível aos atores. Num momento de clímax, um personagem se joga e atravessa outra parede, rasgando e rompendo o cenário. Em “Oxigênio” (2010), uma rampa sobre a qual os atores desenvolvem o enredo é erguida no final revelando um jardim contrastante com o design de cena proposto até ali. E “Esta Criança” (2012) traz o cenário construído em uma metade do palco, de forma lateral, contendo ainda uma plataforma que excede o tamanho do palco e avança sobre parte dos assentos nas primeiras filas da plateia. Quase sempre a proposta é levada a um palco italiano, desconstruído em sua frontalidade e rigidez. Em “Isso te interessa”, a peça estreou numa sala multiuso, mas sua encenação é bastante possível num palco italiano: A aceitação do palco italiano na contemporaneidade como uma possibilidade de ampliação do discurso cenográfico, ressignificando os lugares concretos da cena, expandindo a relação cena-público para outras camadas da recepção, é a investida do cenógrafo Fernando Marés como exemplo de escrita cenográfica para a efetivação de uma dramaturgia visual que dialogue com os desejos de criação teatral do artista contemporâneo. (ALVES, 2013, p.61)

Em exemplos como este e outros advindos da conjunção criativa entre a companhia brasileira e o trabalho de Marés, percebe-se que “a cenografia propõe seu próprio discurso além do ilustrativo” (ALVES, 2013, p.61). Ou seja, suas propostas para materializar a cena trazida pela dramaturgia criada pela companhia fogem de um esquema realista. Não enfatizam questões do texto nem são redundantes. Para Marés, expandir o espaço e o tempo, essas duas grandezas teatrais, é o que deve ser desenvolvido pela cenografia na contemporaneidade de acordo com os demais

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signos do espetáculo, articulando oportunidades e sabendo dialogar com a cena que se apresenta. (ALVES, 2016, p.62). O Brasil apresenta outros exemplos de “cenário coparticipante”, atuante lado a lado com a dramaturgia dos demais elementos. “Lovlovlov” (2016) é uma produção curitibana dirigida por Isabel Teixeira, em que uma cabine de metal e vidro enclausura dois atores. A estrutura de cerca de 500 quilos torna-se uma metáfora para os apanágios opressores de Carmen Miranda, cuja vida inspira o espetáculo. Particularmente, três cartas de amor escritas por ela a um amante brasileiro durante seu período passado em Hollywood, conforme relatado na biografia escrita por Ruy Castro (2005). O interesse dos atores Fernando de Proença e Diego Marchioro era atuar sob orientação de Isabel com dramaturgia própria (assinada pelos três). Ao longo dos encontros presenciais em Curitiba, surgiu a proposta de trabalhar com as cartas de amor. A cenografia pensada inicialmente envolvia um trajeto a ser percorrido pelo público, com estações onde a cena se desdobraria. A proposta de cenário como se efetivou surgiu durante a criação da dramaturgia, como um reforço do conceito a ser passado, com criação por Paulo Vinícius. A ideia da caixa que aprisiona os atores e é ao mesmo tempo uma vitrine permite realizar inúmeras leituras.

Figura 3 - Foto de "Lovlovlov", de 2016.

Em primeiro lugar, eles são como marionetes ali dentro, observados todo o tempo pelo restante da equipe artística, instalada nos dois lados da cabine. São eles a mesa de som e luz e a musicista em cena (Edith de Camargo). O objeto vai colocado preferencialmente num espaço de caixa preta, em que a plateia é dividida em duas. A cabine é dupla, cada lado sendo visto apenas por uma metade da plateia. Os atores passam metade do tempo em cada lado. As ações realizadas por eles dialogam com o momento da vida de Carmen conforme descrito por Ruy Castro na biografia. Outro aspecto em que o cenário constrói a dramaturgia lado a lado com o texto é no uso de adereços. Objetos como tinta vermelha e confete são disparados pelos demais artistas sobre os atores, que estão vulneráveis e à mercê de qualquer coisa que caia sobre suas cabeças. Os adereços de Carmen Miranda são lembrados nessa referência, em que há até mesmo menção a sangue e alusão à morte.

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Para o crítico Valmir Santos, o conjunto se mostra eficaz na medida em que torna a “intimidade palpável”, especialmente devido ao uso da fala como que transmitida pelo rádio, já que a “escuta aguça os ridículos do amante não correspondido” (SANTOS, 2017).

Figura 4 - Exemplo de instalação da cabine de "Lovlovlov".

Como se vê, a dramaturgia cênica se escreve com muitos elementos integrados, sem qualquer necessidade de redundância, e sim numa colaboração criativa. Seja no palco italiano ou numa caixa preta, há espaço infinito para a criação de novas propostas no teatro contemporâneo. Referências bibliográficas: ALVES. P.V. A escrita cenográfica no trabalho de Fernando Marés com a companhia brasileira de teatro entre os anos de 2010 e 2012. In: SCHEFFLER, I.; LANDAL, S. (orgs.). Questões de cenografia II: cenografia no teatro e em outros contextos. Curitiba: Arte Final, 2016. APPIA, A. A obra de arte viva. Tradução de: Redondo Júnior. Lisboa: Editora Arcádia, 1919. Disponível em <https://pt.scribd.com/doc/163992351/APPIA-Adolphe-A-obra-de-arte-vivapdf>. Acesso em: 1º jul. 2016. LEHMANN, H.T. Teatro pós-dramático. Tradução de: Pedro Süssekind. São Paulo: Cosac & Naify, 2007. PAVIS, P. A encenação contemporânea. Tradução de: Nanci Fernandes. São Paulo: Perspectiva, 2013. SANTOS, V. Peças atestam margem inventiva do Festival de Curitiba. In: Folha de S.Paulo. 11/04/2017. SARRAZAC, J.P. (org.) Léxico do drama moderno e contemporâneo. Tradução de André Telles. São Paulo: CosacNaify, 2012. SESC-SP. A dama do mar. Programa do espetáculo. São Paulo: 2013. SHEVTSOVA, M. Robert Wilson. London; New York: Routledge, 2007.

VÍDEOS A DAMA DO MAR. Direção: Robert Wilson. São Paulo, Sesc, 2013. 1 DVD (90 min), color. Bob Wilson & The Civil Wars. Direção: Howard Brookner. EUA, Aspekt Telefilm-Produktion GmbH/ Citifilmworks / Unisphere Pictures, 1987. 1 DVD (90 min), color.

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7. POSSIBILIDADES CENOGRÁFICAS PARA MAETERLINCK Joana Angélica Lavallé de Mendonça Silva - Doutoranda do Programa de Pós Graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (PPGAC UNIRIO). Resumo: O presente artigo propõe especular, a partir das relações espaciais sugeridas pela leitura de "Intérieur" do dramaturgo Maurice Maeterlinck (1862-1949), a respeito de possibilidades de espacialização cênica tendo em vista aspectos do estado da arte da cenografia na cena contemporânea. De fato observa-se a potência plástica e de espacialidade presentes nesta produção dramatúrgica. Lembramos que a própria função do cenógrafo já é, na história do teatro, uma atribuição moderna que surge a partir da valorização plástica da cena, afinada e concomitante ao desenvolvimento da ideia de mise-en-scène. Em Interior salta aos olhos o fato de ser uma criação teatral que suscita pensar o próprio teatro, questionamento que segue amplamente visado na contemporaneidade, o que inclui o âmbito material e visual da cena, o pensar teórico, a encenação como um todo. Palavras-chave: Maeterlinck. Cenografia. Encenação contemporânea.

Abstract: The present article proposes, based on spatial relations suggested by the reading of the "Intérieur" work of the playwright Maurice Maeterlinck (1862-1949), to speculate about possibilities of scenic spacialization in view of aspects of the state of art in the contemporary scene. Indeed, we observe the presence of plastic power and spatiality in this dramaturgical production. We recall that the role of the scenographer is, in the history of the theater, a modern attribution that arises from the plastic valorization of the scene, adjusted and concomitant to the development of the idea of mise- en- scène. In "Intérieur", it is striking that it is a theatrical creation that raises the thinking about the theatre itself, issues that are widely viewed in contemporary times, which include the material and visual scope of the scene, theoretical thinking and staging as a whole. Keywords: Maeterlinck. Scenography. Contemporary staging.

Introdução Há um trágico cotidiano que é bem mais real, bem mais profundo e bem mais conforme a nosso ser verdadeiro que o trágico das grandes aventuras. [...] Tratar-se-ia mais precisamente de fazer ver o que há de surpreendente no simples ato de viver. (MAETERLINCK, 1998:101)

O presente texto propõe especular, a partir das relações espaciais sugeridas pela leitura de "Intérieur" do dramaturgo Maurice Maeterlinck (1862-1949), a respeito de certas possibilidades de espacialização cênica tendo em vista aspectos do estado da arte da cenografia na cena contemporânea. Esta dramaturgia revela-se potencialmente múltipla de questionamentos e reflexões para a encenação, para a criação cenográfica e para pensar o lugar do espectador. Na virada do século dezenove para o século vinte, no mundo europeu ocidental despontam mudanças fundamentais nas relações entre arte e vida, aspectos amplamente presentes nas vanguardas do início do século vinte e que no entanto já transbordavam e tensionavam-se anteriormente na produção teatral do simbolismo e do naturalismo. De acordo com o historiador de cenografia Arnold Aronson, o desenvolvimento mais ou menos simultâneo da câmera e da imagem fotográfica, por um lado, e do campo da psicologia por outro, criaram tensões na arte do século dezenove. O advento da fotografia, naturalmente, incentivou a reprodução fiel dos aspectos externos da realidade. A crescente sofisticação das ferramentas científicas e o avanço do conhecimento do mundo e sua sociedade incentivaram a cenografia a uma tentativa de recriar fielmente ambientes vividos pelos personagens. Por outro lado, a psicologia e suas disciplinas correlatas sugeriam uma realidade interior mais efêmera, menos vinculada ao visível e concreto. (ARONSON, 2016:162)

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As referidas vertentes estéticas tiveram na historiografia do teatro ocidental suas produções quase simultâneas associadas posteriormente ao surgimento da encenação moderna. Em ambas a tridimensionalidade da cena foi explorada de maneiras distintas, e igualmente propiciada por mudanças de paradigmas no espaço do palco, observadas na encenação com a extinção do telão pintado como cenografia e com o fim da atuação declamatória. No entanto, delineava-se já em fins do século XIX uma profunda rejeição ao naturalismo no teatro. Segundo a análise de Evelyn Lima (2006:18), praticamente a totalidade dos movimentos que se seguiram às experiências de André Antoine se estruturaram como reação ao naturalismo. Conquistas técnicas como o advento da luz elétrica e consequentemente sua instalação nos teatros possibilitaram o uso artístico e desenvolvimento pleno da iluminação cênica, em parte aquilo que Jacques Rancière denominou utopia do novo mundo elétrico, sob o qual o simbolismo se desenvolveu (RANCIÈRE [b], 2013:9). As pesquisas de Adolphe Appia e Gordon Craig, cenógrafos e pensadores do teatro, incluíram o uso da luz para criar atmosferas e delimitar áreas de cena, algo que foi explorado em especial no teatro simbolista. A corrente simbolista-criando na fronteira da realidade uma outra realidade que se apoiava em símbolos-fazia crer que o novo teatro não poderia assemelhar-se a uma fotografia do cotidiano, como era a fórmula do teatro realista. O espaço do palco sofreu mudanças revolucionárias. O cenário não deveria mais reproduzir ambiências externas ou internas, mas sim evocar imagens, originando uma nova espacialidade. A função da luz no novo conceito de espaço cênico tornou-se primordial pois a partir dos jogos de luz criam-se volumes e sombras alterando o próprio espaço do palco. (LIMA, 2006:18)

Segundo Béatrice Picon-Vallin, foram as peças de Maeterlinck que levaram o encenador Vsevolod Meyerhold a se livrar, no contexto da encenação, da sobrecarga de objetos cênicos nos palcos naturalistas, o que acaba por introduzir a noção de composição plástica e rítmica em cena (PICON-VALLIN, 2006:18). O autor belga de língua francesa é tido como um dos expoentes desta vertente artística que surge como reação ao naturalismo na literatura, na pintura e nas artes cênicas. A produção artística teatral simbolista, a despeito da influência da pintura (Figura 1), abrigou a passagem da bidimensionalidade dos telões pintados para a tridimensionalidade da cenografia. Segundo Aronson, Appia, Craig e outros designers despojaram o palco do excesso de aparatos do século dezenove e iniciaram um processo de valorização do palco como espaço autônomo que enfatizava sua própria espacialidade. (ARONSON, 2016:164). A ideia da necessidade de uma composição cênica pode ser notada em propostas cenográficas e croquis destes artistas. Produziram questionamentos e teorias relativos à cenografia e à encenação moderna cujas contribuições e influências desenvolveram-se posteriormente e podem ser observadas até hoje. Lembramos que a própria função do cenógrafo já é, na história do teatro, uma atribuição moderna que surge a partir desta valorização plástica da cena, afinada e concomitante ao desenvolvimento da ideia de miseen- scène. Em sua "Teoria do Drama Moderno" Peter Szondi (2001) situou a primeira fase da produção de textos teatrais de Maeterlinck no que denominou como crise do drama. Esta dramaturgia, que se opõe à ideia aristotélica do drama como ação, Szondi considera como tendo conseguido estabelecer formas novas que apontaram para dramaturgias desenvolvidas posteriormente. Por sua vez, Rancière assinala que este drama sem ação, um drama imóvel, deve apresentar em cena suas próprias formas sensíveis (RANCIÈRE [a], 2013:156). De fato observa-se a potência plástica e de espacialidade presentes na produção 16 dramatúrgica de Maeterlinck . Em "Interior", peça a princípio escrita em 1894 para marionetes, salta aos olhos o fato de ser uma criação teatral que suscita pensar o próprio teatro. Este questionamento segue amplamente visado na contemporaneidade, não só no

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Cenógrafos brasileiros importantes de diferentes gerações como Tomás Santa Rosa (1909-1956) na encenação de Ziembinski e Os Comediantes em 1943 (Figura 2) e mais recentemente em 2012 Hélio Eichbauer (1941-) a partir de ópera de Debussy (Figura 3), realizaram criações cenográficas para Pelléas et Mélisande de Maeterlinck.

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âmbito material e visual da cena mas também no pensar teórico, na encenação como um todo, na dramaturgia, na performance, no trabalho do ator.

Sobre "Interior" de Maeterlinck e os espaços Na dramaturgia de Maeterlinck pode-se notar que a abordagem de relações entre arte e vida não se restringiram ao naturalismo. "Intérieur" é considerada pelos críticos como peça exemplar do que seria o trágico cotidiano a respeito do qual escreveu o dramaturgo e ensaísta belga, interessado tanto no drama da Antiguidade clássica quanto em 17 Shakespeare . O que seria este trágico cotidiano de Maeterlinck? De um modo simplificado, seria aquele que afeta a cada um, sem exceção, como a morte? Jean Pierre Sarrazac analisa que, paradoxalmente, é por meio da morte que Maeterlinck revela ao espectador o espanto que há no simples ato de viver (SARRAZAC [b], 2013:9). A aparente oposição vida-morte, nossa perplexidade diante dela, aspectos tematizados nesta peça, seriam comuns a toda humanidade, independe de cultura, período histórico, classe social, ou mesmo da condição efêmera do ser jovem ou idoso. Como demonstra a fala do Velho para uma das jovens netas: "Não chore minha filha...também conosco acontecerá... " Uma família no interior de uma residência é contemplada por um ancião e um estrangeiro, ambos cientes da morte recente de uma das filhas que ali habitavam. A tragédia é desconhecida pelos familiares até então, fato que acabará com a felicidade aparente destes que são observados pelos personagens que comentam os últimos acontecimentos. A menina morrera afogada em um rio enquanto caminhava para a casa da avó, nada indica se por suicídio assassinato ou acidente. O desenrolar -ou a imobilidade- da peça decorre em torno da hesitação do Velho em transmitir a notícia fatal, enquanto contempla através das janelas a família reunida. Os personagens Velho e Estrangeiro, que atuam como narradores, simultaneamente comentam cada movimentação dos componentes do núcleo familiar, em contraponto com detalhes do trágico acontecimento. Neste interim a população local carrega o caixão com o corpo da jovem rumo à casa da família. "Interior" efetivamente não apresenta uma conclusão. Suspende-se o clímax da ação, momento ápice do pathos, à semelhança do que analisou G. E. Lessing (1998) no "Laocoonte" a respeito da obra de arte. Aquilo que Lessing chamou de momento fecundo, considerado como propício a ser tematizado nas artes como a pintura e escultura no intuito de deixar algo em suspenso para o espectador e sua imaginação. Deste modo valoriza-se o princípio de igualdade de inteligências artista-espectador preconizado por Rancière (2012). Conforme analisou Szondi, em "Interior" observa-se uma divisão espacial entre a ação/drama e a fala dos personagens-narradores, ou seja, ocorre uma espécie de expansão do drama. Esta configuração traz de certo modo uma multiplicidade de espaços sugeridos, evocados, mencionados ou mesmo intuídos pelo espectador por meio de algumas observações do Velho, do Estrangeiro, de Maria e Marta. Com relação à importância das relações espaço-tempo, da materialidade e da iluminação cênica Rancière destaca na dramaturgia de Maeterlinck: A referência à pintura aqui é essencial: o trágico imóvel é uma tragédia interiorizada, porém esta interioridade somente se mostra por meio de elementos sensíveis não –humanos: uma poltrona, uma lâmpada, uma porta, umas janelas. Mais que um simples mobiliário, estes elementos definem uma relação de silêncio e ruído, movimento e imobilidade, luz e sombra, interior e exterior. Quanto mais interior é o drama, mais necessidade tem de encontrar sua analogia em [...] uma configuração de espaço [...]. O novo drama tenderá cada vez mais a confundir sua realidade sensível com a realidade material da cena, a conferir à luz o poder do drama que ela iluminava, e à disposição das portas e janelas a intensidade dramática anteriormente colocada nas mãos dos personagens [...]. 18 (RANCIÈRE [a], 2013:139-140)

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Maeterlinck traduziu Macbeth para a língua francesa. Tradução da autora a partir da tradução em espanhol do original de Rancière.

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Já nas didascálias iniciais do texto teatral evidencia-se a sugestão da divisão do palco em cenas simultâneas: um grupo de personagens silenciosos está no interior da casa (a família cuja morte da filha é o motivo principal da trama) enquanto outro grupo observa e comenta a família, personagens-narradores que situam o leitor-espectador. Estes estão localizados no jardim da residência familiar. As informações relativas aos espaços vão aparecendo no texto a partir das falas dos personagens, que não necessariamente se referem a uma ação propriamente dita e muitas vezes possuem teor descritivo. Por exemplo, a primeira fala do Velho é: "Estamos na parte do jardim que fica nos fundos." À semelhança da efemeridade da condição humana permeada por morte/vida, o dramaturgo sugere a fugacidade e a imprecisão da cena observada por meio da sua fragmentação e do teor da iluminação: a família é observada à distância pelos personagensnarradores através das três janelas do cômodo na qual está reunida, à luz de um candeeiro e do fogo de uma lareira acesa. Também estes não estariam sendo vistos com clareza talvez nem mesmo pelo espectador, conforme informa a própria fala do Velho: "Estamos sob a sombra das grandes árvores... " A revelação das circunstâncias e do local da morte da menina ocorre de modo indireto. Ficamos sabendo por um dos personagens, o Estrangeiro (ou seja, alguém de fora do núcleo familiar e daquela localidade), por meio de sua própria fala, que foi ele quem havia encontrado o corpo dela no rio: "Entrei na água até a cintura... " Como parte da problematização daquilo que está fora e aquilo que está dentro, são mencionados pelos personagens espaços que, embora fora de cena, são fundamentais para o acirramento das tensões. Como por exemplo o rio, local da morte da menina. Camadas de espaços cada vez mais externos à cena vão sendo mencionados: o rio. A aldeia. E em dado momento, inverte-se este percurso mental. A tensão vai se aproximando de um clímax, à medida em que a população se aproxima paulatinamente da residência da família supostamente trazendo o caixão e o corpo da menina. Ou seja, a despeito de ser considerado um teatro imóvel, fala de percursos, de movimento. Um teatro de ambiguidades. Este caminhar da população rumo à casa, cuja presença coletiva se deduz devido aos seus rumores, isto é, devido ao som de vozes que se aproximam cada vez mais. De modos variados, por meio de vários apelos ao sentidos ou ainda devido à caráter turvo da percepção dos mesmos, provoca-se a imaginação do espectador. Os personagens o Velho, o Estrangeiro, aqueles que articulam as falas, são tão imprecisos quanto tudo aquilo que supõe e expõe sob a forma de diálogo. Nas palavras de Artaud, os personagens de Maeterlinck são marionetes agitadas pelo destino. A fala do Velho demonstra contradições entre aquilo que se vê e a tragédia invisível: "Elas olham por aqui, e é por lá que a desgraça vem... " Apresentam suposições e posicionamentos críticos, ainda que aparentemente estejam em uma posição estática, passiva, contemplando a situação emoldurada pelas janelas. Seria uma forma de duplicação do lugar do espectador, aquele se estabelece no theatron- lugar de onde se vê- e contempla? Pode-se pensar na perspectiva do narradorespersonagens como metáfora do local do espectador de teatro que contempla a obra emoldurada pelo arco do proscênio. Entretanto, este lugar não é passivo. Assim como aos personagens- narradores, também ao público permanece confiada a missão de especular, preencher lacunas, cogitar possibilidades, acolher contradições. Vale ressaltar que o espaço da cena contemporânea é também espaço de criação do espectador (ROLLEMBERG, 2012).

Possibilidades para um Maeterlinck contemporâneo Quais seriam então as possibilidades cenográficas contemporâneas para esta obra? Existiria ainda algum interesse ou questão em encenar, hoje, esta dramaturgia da virada do século dezenove para o século vinte? Por outro lado, teria razão algo propalado pelo senso comum a respeito de que hoje pouco se escrevem novas dramaturgias?

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Esta avaliação por vezes se confunde com certa indignação pela recorrência, ao menos na cena brasileira da atualidade, em se montar os denominados clássicos. A respeito de releituras e reelaborações de obras do passado a partir das vanguardas europeias, Rancière entende que: Tal é a arte da era estética [...]. [...] Supõe que toda arte do passado esteja, doravante, à disposição, podendo ser relida, revista, repintada ou reescrita; mas, também, que qualquer coisa do mundo-objeto banal, manchas em um muro, ilustração comercial, ou outro- esteja disponível para a arte como duplo recurso: como hieróglifo criptografando uma época, uma sociedade, uma época, uma sociedade, uma história e, ao inverso, como pura presença, realidade nua, ornada com o novo esplendor do insignificante. (RANCIÈRE [b], 2013:14)

Ao ter em vista estas premissas, tomadas como reafirmação do interesse nesta obra como inspiradora de novas encenações e releituras, lembra-se que, para Patrice Pavis, a cenografia hoje é indistinta da encenação. Portanto, pensar possibilidades cenográficas incide necessariamente em possibilidades para encenação e vice versa. (PAVIS, 2013:84) Algumas tendências das cenografias contemporâneas foram analisadas por Andréa Renck Reis (2016) no artigo "Em busca do palco legível". No intuito de pensar em possíveis abordagens cenográficas para "Interior", destacamos: a predominância da frontalidade ainda hoje nos palcos, a desmaterialização da cenografia e o som como cenografia. Estes últimos aspectos estão intimamente atrelados ao desenvolvimento de recursos tecnológicos do palco a partir do início do século vinte até a atualidade. Uma analogia do período analisado com a época barroca é levantada por Pavis pelo fato de um excesso de recursos anteriores serem utilizados e recriados a partir de suas possibilidades de aperfeiçoamento. Em "Um teatro de androides", Maeterlinck refletiu que seria necessário talvez afastar completamente o ser vivo da cena, embora considerasse difícil prever por meio de qual ausência de vida o homem deveria ser substituído. Possivelmente o fato de "Interior" ter sido escrita pelo autor a com a indicação de ser encenada com marionetes, pode aparentar uma provocação de Maeterlinck quanto à efetiva necessidade da presença física do ator, da mesma forma que a ideia de supermarionete preconizada por Craig. Na atualidade recursos tecnológicos possibilitam esta desmaterialização ainda mais radical no que se refere ao trabalho do ator. Segundo Aronson, o teatro hoje tem a possibilidade de nos confrontar com uma experiência sensorial polivalente que combina mídias, presença e ausência: A nova mídia rompe tempo e espaço. A definição fundamental de teatro sempre foi a da presença do artista de frente para o espectador. A presença física mutua sempre significou o aqui e agora – um artista ao vivo fazendo algo em tempo real no mesmo local físico que o espectador. Mas mídias como gravações, vídeos e filmes trazem consigo um novo tempo e espaço para o presente. Um vídeo ao vivo de um local fora do palco, por exemplo, é sincronizado porem distorce o espaço. Uma gravação ao vivo do palco puxa o olhar do espectador em duas direções: a ao vivo e a mediada, com a mediada frequentemente triunfando. Gravações ao vivo do palco também criam o equivalente teatral do cubismo, permitindo que o público veja a ação 19 ou imagem de múltiplos ângulos simultaneamente. (ARONSON, 2014:15)

A ação dramática em "Interior" é conduzida pelos diálogos de personagensnarradores quase estáticos, que não apresentam necessariamente uma fisicalidade ou presença em cena. Na atualidade estes personagens podem constar apenas como projeções, ou ainda, de modo indireto, por meio do recurso da reprodução de vozes off. O advento das tecnologias possibilita maneiras de viabilizar hoje certas conjecturas apenas intuídas pelo dramaturgo: vozes off podem vir a ser em cena aqueles mortos que parecem nos falar com vozes solenes. Como afirmou o cenógrafo norte americano Rajesh Westerberg, em uma das inúmeras definições elaboradas por designers da cena transcritas por Pamela Howard em "O 19

Tradução não publicada de Roberta Monteiro.

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que é cenografia", para o artista esta pode ser considerada como a alquimia dos elementos sensoriais para um espetáculo (WESTERBERG apud HOWARD, 2015:23), ou seja, não se restringe à visualidade e à materialidade. 20

Desta forma, pode-se pensar hoje o som também como elemento cenográfico (sound design), alusivo de modo literal ou não à algum aspecto espacial da cena que pode vir a ser potencialmente expressivo. O uso do som tem se firmado como um fértil território de investigações ainda a ser explorado, designado por Howard como paisagem sonora (HOWARD, 2015:43). Por exemplo, o rumor da multidão que se aproxima gradativamente da casa da família trazendo o corpo da menina morta é um elemento de grande tensão, no limiar da descoberta da tragédia desconhecida pela família. Howard lembra ainda que as palavras também viajam através de um espaço dramático (HOWARD, 2015:44), recurso este que "Interior" apresenta recorrentemente. Algumas sonoridades, mencionadas pelos personagens, remetem a determinados espaços que a princípio não aparecem naquele momento efetivamente em cena e no entanto são fundamentais. O Velho fala a respeito da referida multidão que se aproxima e cuja presença transbordaria o segredo da morte:

Eles virão, apesar de tudo, e eu também os vejo. Caminham através dos campos. Parecem tão pequenos que quase não se pode vê-los através da vegetação ...[...] Cada passo os aproxima e a desgraça cresce há mais de duas horas e eles não podem impedi-la de crescer, os que a trazem não podem mais estancá-la...

Diversos questionamentos foram suscitados pelo teatro produzido no "proscenium arch stage" a partir da virada do século dezenove para o vinte, pelas vanguardas europeias e posteriormente pelas influências das práticas da performance art a partir dos anos sessenta. Observa-se também a crítica à esta tradição do "proscenium arch stage" a partir da radicalização ou no teor irônico do uso da frontalidade deste mesmo palco como moldura, simulacro da realidade. Por exemplo, em "Interior" sugere-se uma fragmentação da cena frontal que pode vir a ser explorada pela cenografia, como a ideia da cena familiar vista de modo tripartido através das janelas da casa. Rancière destacou em Maeterlinck a importância de elementos materiais como estas janelas (RANCIÈRE [a], 2013: 140), por exemplo, que delimitam o ponto de vista dos personagens-narradores e o do espectador. Seria uma imagem difusa, porém ainda frontal desta cena dentro da cena. Verifica-se o teor estático do teatro de Maeterlinck, no dizer do próprio autor. Para Rancière trata-se da influência da pintura (RANCIÈRE [a], 2013:139). No que se refere às suas possibilidades cênicas, este traço pictórico da cena pode ser enfatizado na organização das relações palco-plateia. Neste sentido a proposta cenográfica pode enfatizar a presença de uma moldura dentro da moldura. Ou seja, o contorno do proscênio emoldura a cena do jardim que é comentada por meio das falas dos personagens narradores, uma outra cena, esta silenciosa, a da casa de família, por sua vez devidamente emoldurada. Interior sugere ainda possibilidades cênicas similares a certas relações espaciais presentes no quadro "Las meninas" de Velásquez (Figura 4). Em "Looking into the abyss" (2016), Aronson estabelece uma analogia do espaço da cena hoje com a análise deste quadro empreendida por Michel Foucault. "Las meninas"" tematiza a feitura de um quadro e que, neste caso, devido ao posicionamento da figura do espelho ao fundo voltada para o ponto de vista daquele que está fora, nos confronta com a nossa condição de espectador intrigado diante da obra em curso. Pode-se pensar na presença dos personagens-narradores como aquela do próprio 20

Na Quadrennial of Perfomance Design and Space da edição de 2015, evento maior da área do design da cena, segundo Renck Reis (2016:63) uma das obras premiadas, da Finlândia, foi uma espécie de parede de material flexível que emitia sons aleatórios a partir de contatos táteis.

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espectador, aquele que contempla frontalmente o palco e especula a respeito da encenação. Sarrazac chama a atenção para o fato da arte do século vinte já não oferecer ao espectador uma ilusão, e sim a observação crítica de um simulacro (SARRAZAC [a], 2013: 57). Esta duplicação da cena, mantida sua frontalidade, pode evidenciar as relações palco-plateia da tradição à italiana ainda hegemônica e, de certo modo, chamar à consciência de seu caráter histórico, e não algo absoluto, dado. Um exemplo de encenação que apresenta simultaneamente o uso irônico da frontalidade do palco, a desmaterialização da cena e o som como elemento cênico primordial é a montagem da companhia teatral escocesa Vanishing Point de 2009, denominada "Interiors" (Figura 5). Neste espetáculo premiado optou-se por enfatizar a dupla frontalidade que o texto já sugere. O cenógrafo e iluminador Kai Fischer apresentou o espaço da casa (nesta encenação, local onde reúne-se um grupo de amigos) como uma espécie de vitrine hiper iluminada, quase um peep show expandido ocupando praticamente toda a extensão do palco. Situa-se alinhada junto ao proscênio, com contornos bem acentuados e apresenta-se repleta de detalhes realistas pertencentes a um ambiente doméstico. Por outro lado, o que seria o espaço externo à residência, no qual se desenrolam os diálogos dos personagens-narradores, é preenchido alternadamente pela iluminação cênica e por projeções de imagens de pessoas. Vozes off comentam os últimos acontecimentos e as circunstâncias que se apresentam dentro da vitrine. A cenografia sugere a confusão entre real e ilusão. Figuras fantasmagóricas gigantescas projetadas em cena tomam o espaço do palco. Estabelece-se o jogo entre o inalcançável, o fantasmal no entorno da vitrine e os corpos dentro dela, presentes, bastante visíveis, embora enclausurados. Atores, corpos e sombras mesclam-se e jogam com a percepção e imaginação do público. A simultaneidade de imagens, o jogo entre ilusão e real, os deslocamentos de corpos e cenografias, a iluminação, o som, todos esses elementos juntos revigoram a encenação do universo de Maeterlinck hoje, longe de esgotar o assunto, já que este aponta para um infinito de possibilidades e questões ainda não levantadas. Segundo Pavis, “as novas experiências cenográficas contam muito mais do que antes com o imaginário do espectador” (PAVIS, 2010:102). A encenação deve evidenciar, também, as lacunas deixadas para aquele que observa o palco e seus respectivos fantasmas, assim como as reticências entre as palavras de Maeterlinck. Deixar-se contagiar pela experiência artística pode gerar estado de exaltação que produz cadeia de pensamento e, por fim, conforme comentou Paulo Pinheiro a respeito do teor filosófico da Poética de Aristóteles, pressupõe e estimula a necessidade constante e sempre incompleta de conhecer-se a si mesmo.

Figura 1. Reflection (1905), pintura simbolista de Odilon Redon.

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Figura 2. Cenografia de Tomás Santa Rosa para Pélleas et Mélisande de Maeterlinck, montagem de Os Comediantes, direção de Ziembisnski, Teatro Municipal do Rio de Janeiro, 1943. Fonte: A cenografia de Santa Rosa: espaço e modernidade, de Niuxa Dias Drago

Figura 3. Cenografia de Hélio Eichbauer para a ópera de Claude Debussy baseada em Pélleas et Mélisande de Maeterlinck, direção Iacov Hillel, Teatro Municipal de São Paulo, 2012. Disponível em: http://www.escritoriodearterio.com.br/blog/wp-content/uploads/2012/09/%C3%93pera-3.jpg. Acesso em 20/08/2016.

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Figura 4. Las meninas (1656), pintura de Diego Velázquez analisada por Michel Foucault na introdução de As palavras e as coisas. Imagem disponível em: http://mentalfloss.com/article/68209/14-things-know-about-velazquezs-las-meninas. Acesso em 20/08/2016.

Figura 5. Interiors, montagem do grupo Vanishing Point (2009) inspirada em Interior de Maeterlinck, direção de Matthew Lenton, cenografia e iluminação cênica de Kai Fischer. Disponível em: http://www.vanishing-point.org/our-work/interiors/. Acesso em 20/08/2016.

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8. CARACTERIZAÇÃO DE PERSONAGENS: O Figurino e a Maquiagem na Quadrilha Estilizada Arraiá do Cabaço em 2015 Joseane Silva, Lic. – UFRN. José Sávio Araújo, Dr. - UFRN, professor. Resumo: O presente trabalho de pesquisa tem como finalidade analisar como se deu o processo de caracterização de personagens na quadrilha junina estilizada Arraiá do Cabaço em 2015. A partir dos conhecimentos adquiridos ao longo do curso de licenciatura em teatro, analisou-se o processo de criação cênica desse grupo. Através de uma reflexão sobre a teatralidade nessas relações cotidianas que têm caráter espetacular, traz-se a quadrilha junina como objeto de estudo. Entendendo-se, também, a teatralidade que adentra esse fenômeno cultural. A partir de uma coleta de informações com entrevistas abertas e semiestruturadas, procura-se compreender a dinâmica do grupo junino mais antigo de Natal/RN, e, por meio de uma observação participante, busca-se elucidar como o figurino e a maquiagem são pensados dentro do espetáculo junino. Com isso, a pesquisa desenvolvida consiste em elaborar uma análise sobre a temática da quadrilha junina estilizada Arraiá do Cabaço no ano de estudo, refletindo sobre o processo de construção da caracterização dos personagens na quadrilha, percebendo como os elementos teatrais participam diretamente desse fazer artístico. Palavras-Chave: Espetáculo, Caracterização de Personagens, Quadrilha Junina

CHARACTERIZATION PROCESS: Costume Design and Make up of the Etylized Quadrille “Arraiá do Cabaço” in the year of 2015 Abstract : This research paper aims to analyze how the characterization process of the stylized quadrille “Arraiá do Cabaço” in the year of 2015 was executed. It also goes through this group's process of creation and development of the scene. Via a thought process on the theatricality of those daily relationships that have a spectacular slant, it brings the junine quadrille as its study object. Also examining the theatricality that is part of this cultural phenomenon. Through information gathering with open, semi-structured interviews, it seeks to comprehend the dynamic of the oldest junine group from Natal/RN, and, through a participative observation, it seeks to clarify how costume design and make up are thought in a junine spectacle. Finally, this work consists of elaborating an analyze on the stylized quadrille “Arraiá do Cabaço”'s theme on the year of study, bethinking about its characters construction, showing how the theatrical elements are a direct part of this creating theater. Keywords: Spectacle, characterization, junine quadrille

Introdução As quadrilhas juninas estão longe de ser apenas uma manifestação popular, que retrata a vida de migrantes ou pessoas do campo. Embora tenha nascido com esse caráter simbólico dos meios populares, percebe-se que, ao longo dos anos, as quadrilhas reinventaram-se, transformando esse cenário e resignificando-se. Deixaram de ser somente manifestações espontâneas da tradição cultural do calendário junino brasileiro, que abrange celebrações a Santo Antonio, São Pedro e São João, passando a configurarem, também, complexas manifestações envolvendo diversos mecanismos e veículos da industria cultural, do turismo e dos setores de eventos espetaculares. As chamadas “Quadrilhas estilizadas” espetáculos com grandes produções coreográficas e cenográficas envolvendo um grande contingente humano e material. Percebe-se que a teatralidade da quadrilha junina é um recorte de pesquisa pouco 21 explorado no Rio Grande do Norte , haja vista que a maioria dos trabalhos produzidos aponta para a dimensão festiva da quadrilha. Por essa razão e por percebermos o circuito das festas juninas e o espetáculo da quadrilha como algo que pode ser estudado no âmbito da pesquisa em Artes Cênicas, buscamos ressaltar o caráter espetacular desse fazer artístico, relacionando os processos de construção desta manifestação enquanto um 21

O Rio Grande do Norte é um dos 27 estados do Brasil, e fica situado na região Nordeste. Ao longo do trabalho utilizarei a abreviação RN para denomina-lo.

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processo de encenação e seus respectivos elementos cênicos. 22

Como foco desta investigação, trazemos a quadrilha estilizada “Arraiá do Cabaço” 23 como objeto de análise. Esta quadrilha pertence ao Bairro do Alecrim e foi fundada no dia 25 de março de 1988. A escolha se deu por ser a mais antiga de Natal e que está ativa até os dias atuais. Consequentemente, possui uma longa história, sendo objeto de diversos processos de transformação. Construída a partir do estilo tradicional de se dançar a quadrilha junina, a “Arraiá do Cabaço” passou por gradativas modificações, incorporando elementos estranhos às formas tradicionais, o que lhe rendeu a classificação de “estilizada”. Neste trabalho analisamos alguns aspectos de como vem se dando o processo de caracterização de personagens no “Arraiá do Cabaço”, refletindo sobre a construção do figurino e da maquiagem, e como são interligados no espetáculo da quadrilha, assim como problematizar o conceito de espetáculo ampliando as discussões sobre os fazeres artísticos, observando o objeto de estudo enquanto uma possibilidade investigativa para as artes cênicas.

Para isso, busca-se inicialmente refletir sobre o conceito de teatralidade a partir dos 24 estudos de Patrice Pavis , descobrindo como a teatralidade se faz presente na quadrilha junina. Através de uma investigação etnográfica e observação participante, compreende-se a espetacularização do Arraiá do Cabaço, destacando a construção do espetáculo em 2015.

A Teatralidade Para entender o processo de caracterização na quadrilha junina, antes se faz necessário compreender o que é teatralidade e espetáculo, percebendo como essas definições se interligam com outros elementos cênicos. Sobre teatralidade, cabe destacar a definição de Patrice Pavis (2008, pág.372), onde ele diz que é “aquilo que, na representação ou no texto dramático, é especificamente teatral (ou cênico)”. Mas, logo a seguir, fala que “o conceito tem algo de idealista e etnocentrista”. No entanto, Silvia Fernandes (2009, pág.167), menciona que posteriormente Pavis revê seu conceito apresentado no dicionário de teatro, relatando que discrimina a ideia de puramente teatral. Silvia Fernandes (FERNANDES, 2011, pág.12) fala ainda que para Pavis, a teatralidade é um termo com vários significados, dependendo inteiramente da leitura do espectador para que possa se constituir. Partindo desse princípio, percebe-se que teatralidade é um termo amplo, podendo estar presente em diversas formas de espetáculo, assim como em nosso cotidiano, em um universo amplo de possibilidades dentro das relações sociais. O olhar que estabelece o jogo da relação espectador/cena é o fio condutor para que a teatralidade aconteça, atribuindo um sentido a ação observada, bem como significando o conjunto de elementos que compõem esses sistemas de significantes e que provocam uma pluralidade de leituras. Assim sendo, o conceito de espetáculo definido por Patrice Pavis ((PAVIS, 2008, p. 141), diz que “é tudo que se oferece ao olhar”, aplicando-se não só ao fazer teatral, mas a “todas as formas de artes da representação (dança, ópera, cinema, mímica, circo, etc.) e a outras atividades que implicam uma participação do público, em suma, a todas as cultural performances das quais se ocupa a etnocenologia”. Partindo desta definição, afirmamos que a quadrilha junina estilizada é um espetáculo, cuja representação cênica consiste de um conjunto de elementos visuais, musicais e gestuais, interligados por uma proposta temática. O público tem fundamental importância no processo de reconhecimento da teatralidade existente nesse fenômeno cultural, já que é para ele que o espetáculo é produzido.

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O Arraiá do Cabaço foi fundado em 25 de março de 1988. É uma das quadrilhas estilizadas do RN, sendo a mais antiga de Natal. 23 Alecrim – O Alecrim é um dos bairros mais populares e antigos de Natal, capital do RN, onde se concentra o principal comércio popular da cidade. 24 Patrice Pavis (1947) - professor de estudos teatrais da Universidade de Paris, e autor de várias obras relacionadas aos estudos teatrais.

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A espetacularidade da quadrilha Junina A quadrilha, como menciona Luciana Chianca (2007), se originou de uma contradança nos grandes bailes europeus. Inicialmente era uma dança palaciana, que, após passar por um processo de popularização, adentra os centros urbanos, instaurando elementos das culturas locais, variando suas formas de execução e passos de acordo com os lugares em que se dançava. Quando ela se desloca dos centros urbanos para o interior das cidades, ganha novos significados com elementos inseridos pela cultura popular. Tendo sua tradição ligada ao religioso, a quadrilha passou a ser dançada no mês de junho, permitindo a inserção de Santo Antônio, São João e São Pedro. A inclusão dos santos permitiu que a quadrilha ganhasse novos sentidos, sendo dançada em comemoração ao casamento, envolvendo um jogo e conflito entre os 25 personagens, tornando-se dança dramática, como define Mario de Andrade em seu livro Danças Dramáticas do Brasil. Além do casamento, elementos como os próprios personagens, a música, e a forma de caracterizar-se adentraram a quadrilha junina a partir desse processo de popularização. Com essa brincadeira, a quadrilha passa a ser praticada como uma forma de reinventar por meio da representação cênica as tradições e a cultura. Por ter sua base ligada à tradição, as quadrilhas passaram a ser chamadas de tradicionais/matutas. Ainda segundo os estudos de Luciana Chianca, as quadrilhas tradicionais tinham passos simples, a formação que se prevalecia eram as fileiras de casais, e a representação fortemente ligada ao povo do campo. Sua essência ainda se prevalece atualmente. Com o tempo, as quadrilhas passaram a inserir elementos como coreografias mais elaboradas e o figurino com tecidos mais trabalhados, tudo isso para retratar o luxo das 26 quadrilhas estilizadas . Esse desenvolvimento pode ser visto como algo processual, pois assim como afirma Roque Laraia (LARAIA, 2001, Pág. 50), “qualquer sistema cultural está num contínuo processo de modificação”. As quadrilhas passaram por essas ressignificações, deixando de serem tradicionais, dando lugar a espetacularização com a reinvenção da tradição. No âmbito do recorte estabelecido nesta pesquisa, os festivais de quadrilhas 27 promovidos pela prefeitura de Natal, pela antiga TV Cabugi (atual InterTV) e pela TV Ponta 28 Negra , foram estimulando e divulgando a produção destas quadrilhas, que buscam inovar, a cada ano, trabalhando temas voltados tanto ao São João quanto a outros temas transpondo para o universo junino. Os elementos cenográficos destas quadrilhas vão se tornado cada vez mais elaborados, suas coreografias mais complexas, repletas de efeitos cênicos, bem como, seu acompanhamento musical passa a ser executado ao vivo, com trio de sanfona, triangulo e zabumba, popularmente chamados de “trio regional”, amplificados por meio de equipamento de som.

A quadrilha Estilizada Arraiá do Cabaço A quadrilha estilizada Arraiá do Cabaço foi fundada por um grupo de amigos, no dia 25 de março de 1988. Pertencente ao bairro do Alecrim, o Arraiá do Cabaço é a quadrilha mais antiga de Natal, tendo surgido como uma brincadeira, que logo teve a participação do conselho comunitário e de vizinhos.

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Mario de Andrade nasceu em 9 de outubro de 1893, foi um poeta, escritor, crítico literário, folclorista brasileiro. Realizou diversas pesquisas folclóricas, resultando em muitas obras, dentre as mais conhecidas podemos destacar Danças Dramáticas do Brasil 26 Não foi possível localizar com precisão a origem do termo “quadrilha estilizada”, porém sua acepção se contrapõe claramente às formas mais tradicionais desta manifestação e seu uso e popularização advêm de programas de TV da década de 80 e concursos promovidos por veículos de mídia durante o período das festas juninas. 27 Antiga TV Cabugi, atual InterTV é uma emissora de televisão brasileira sediada em Natal, capital do estado do Rio Grande do Norte, afilada à Rede Globo. 28 TV Ponta Negra é uma emissora de televisão brasileira sediada em Natal, capital do estado do Rio Grande do Norte, afiliada ao SBT.

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Segundo José Silva , um dos fundadores da quadrilha, no início não se tinha a preocupação de criação, pois tudo era feito pelo divertimento. Para a caracterização de personagens, por exemplo, cada brincante era responsável por sua vestimenta, sendo feita com base no improviso, utilizado o que tinham ou que pediam emprestado dos colegas para se transformarem nos personagens como o padre, freira, soldado, marinheiro, noivo, noiva, e outros que surgiam ao longo do ensaio do casamento. A primeira mudança no Arraiá do Cabaço foi na vestimenta, ocorreu por volta do início dos anos de 1990, quando eles se inspiraram em um modelo de vestido de uma embalagem de canjiquinha da São Braz. Esse foi o primeiro ano em que a quadrilha teve o figurino padronizado, com tecido de xadrez e acabamento simples. Além da vestimenta, as coreografias também eram improvisadas, sendo desnecessário dedicar dias para ensaios. Tudo seguia ao comando do marcador com passos que conhecemos até hoje, como o “sangê”, “annavantour”, “anarriê”, “grande círculo”, “caminho da roça”, não existindo uma preocupação com a coreografia ou inserção dos elementos cênicos. As maiores mudanças na quadrilha aconteceram depois do surgimento dos festivais de quadrilhas televisivos. O Arraiá do Cabaço passou a se preocupar em coreografar, fazer um figurino com acabamento mais elaborados e utilizar outros elementos cênicos que eram necessários para a compreensão do tema, além de dedicar meses aos ensaios e preparação. Com isso, a quadrilha passou a investir mais, chegando a contratar um coreógrafo de outro estado, assim como inovar o estilo de figurino com as influências das quadrilhas do Ceará em 2004, passando a ser o principal elemento do Arraiá do Cabaço.

Caracterização dos personagens no Arraiá do Cabaço em 2015 No teatro, para Patrice Pavis (apud A. Veinstein, 1955: 9), “o termo encenação designa a atividade que consiste no arranjo, num certo tempo e num certo espaço de atuação, dos diferentes elementos de interpretação cênica de uma obra dramática” (PAVIS, 2008, pág. 122). Dialogando com essa definição, pode-se dizer que a quadrilha junina se constrói com base em uma encenação, tendo seu conjunto de elementos e signos que dialogam entre si, trazendo diversas leituras para o público. O espetáculo da quadrilha surge a partir de uma proposta temática estruturando a dramaturgia através do roteiro musical e das falas do marcador, tendo sua apresentação marcada em até 25 minutos. Os elementos cênicos são pensados com base no tema, assim como toda gestualidade e movimentos coreográficos, transformando o espaço de cena. O Arraiá do Cabaço em 2015 trouxe como tema “Era uma vez no São João, o fruto do amor de Maria Bonita e Lampião”, tendo como proposta falar do amor e romantismo vivido pelo casal, deixando de lado as características violentas da história do cangaço, resultando no roteiro a seguir: ... Fugindo da volante, acampados em plena caatinga, Maria bonita, Lampião e seu bando descansam à noite em algum lugar no meio do sertão. Sentindo-se protegidos, naquela noite o casal se envolve num clima de romance até serem interrompidos por Corisco, que anuncia a chegada da volante. Para evitar o confronto, Lampião ordena que todo o bando levante acampamento e siga viagem rumo à novas terras. O que o rei do cangaço e sua amada não esperavam, é que a partir daquela noite, carregariam com eles o fruto de uma das histórias de amor mais bonitas e conhecidas do Nordeste Brasileiro. Com o passar do tempo, o casal descobre que Maria Bonita está grávida e percebem que ficará difícil conciliar a vida no cangaço com um período bastante delicado. ... Nove meses se passaram e a caminhada se tornou cada vez mais difícil com uma criança prestes a nascer. Cansada e sem a menor condição de caminhar, Maria Bonita passa mal e desmaia.... Aflito, o rei do cangaço faz uma promessa aos céus: se for bem acolhido na cidade mais próxima de forma que possa realizar com segurança o parto da criança que está para chegar, ele promete dedicar toda a 29

José Silva foi um dos fundadores do Arraiá do Cabaço, permaneceu na diretoria da quadrilha até o início dos anos 2000.

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riqueza do bando para a realização de uma festa junina naquele lugar. Lampião sempre foi um homem de muita fé, é tanto que seu pedido foi atendido. Justamente em período junino, Maria bonita dá à luz a uma criança linda. ... A alegria do casal é tão grande, que eles decidem aproveitar o momento tão especial para oficializar sua união decidindo chamar o pároco do lugar (Padre Cícero), para realizar a cerimônia de casamento. Dadá, cangaceira responsável pelas vestimentas do bando, dá de presente para Maria, o vestido de noiva que ela usará na cerimônia de casamento. Após o nascimento e a cerimônia, todo o bando comemora os últimos acontecimentos com uma festa junina, quadrilha ao som de forró, xaxado e arrasta-pé que só termina com o fruto do amor sendo batizado por São João Batista. Como de costume, após os últimos fatos, o bando levanta acampamento dando continuidade a sua rotina peregrina, agora com Maria Bonita e Lampião levando consigo o fruto do amor deles dois... (Roteiro por Leonardo Pereira)

Para elaborar a narrativa do espetáculo e trazer a história para a quadrilha, o roteirista utilizou os personagens Maria Bonita e Lampião, como o casal de noivos. Dadá e Curisco, cangaceiros que, segundo a história eram confidentes do casal, ganhando lugar sendo o rei e a rainha do arraiá. Os demais componentes dançarinos adentraram a história como o bando de cangaceiros, acompanhando o casal ao longo de toda a trajetória. Outros personagens adentraram a história, como o Padre Cícero enquanto personagem muito forte para a fé nordestina; o prefeito e a primeira Dama donos da cidade em que o Bando de cangaceiros descansa, a parteira que traz ao mundo o filho de Maria Bonita e Lampião, São João o santo que adentra como uma figura simbólica da fé, e o vidente Manoel Valença que era o narrador da história, representado pelo marcador da quadrilha. Cada personagem tem sua característica na representação da quadrilha, mas, assim como diz Renata Pallottini (PALLOTTINI, 1989, pág. 15), “sua caracterização total necessita de todos os outros recursos (signos, portadores de signos) do conjunto que faz a cena”, como figurino e maquiagem, além de acessórios de cena. Para a construção em 2015, esses recursos podem ser notados a partir da utilização de alguns acessórios (a cartucheira, lenço, caneca, cabaça, anéis, sandália em couro, e também a utilização da espingarda), que fazem parte da caracterização dos cangaceiros. Concordamos com a ideia de Patrice Pavis (PAVIS, 2005, pág. 163), quando ele fala que “o figurino constitui muitas vezes o primeiro contato, a primeira impressão, do espectador do ator e sua personagem”, pois é ele quem chega primeiro e quem indica para o público sobre as características ou época, através da caracterização, compondo a estética visual da quadrilha proporcionando diversas leituras. O figurino de quadrilha estilizada atualmente segue um modelo comum entre todas as quadrilhas, com a utilização de tecidos mais elaborados e acabamento mais trabalhado, retratando o luxo. Para as damas é utilizado um modelo de vestido em saia godê com babados na ponta, além do arranjo, sapato e armação utilizada por baixo da saia. Para os cavalheiros calça, camisa, chapéu e sapato. Mesmo tendo um modelo estético em comum, as quadrilhas tentam inovar seu estilo com originalidade e acabamentos diferenciados. O figurino na quadrilha compõe a estética visual, indo além de vestir para a representação cênica, que apesar de ser um elemento de composição do personagem, funciona como uma segunda pele e extensão do corpo do ator/dançarino. O figurino ganha novos significados em cena com a gestualidade corporal de quem dança e interpreta, relacionando-se com o espetáculo de forma compositiva na execução das coreografias. O processo de criação do figurino na quadrilha em 2015 partiu de um estudo sobre o tema da quadrilha, depois se foi pensado nos materiais que iriam utilizar. A elaboração do desenho não é uma prática comum da quadrilha, geralmente o figurinista realiza uma pesquisa de materiais, pensando no vestir para a dança, e, a partir daí, constrói o figurino. A construção em 2015 resultou nos seguintes figurinos. Os noivos utilizavam dois figurinos, o primeiro (figura 1) utilizado por toda a peregrinação dos cangaceiros, demarcado como uma transição do tempo e de momentos, e o segundo figurino (figura 2) foi utilizado desde o casamento até o final da apresentação, trazendo uma estética de vestido de noiva. O figurino, por ser de personagens destaque da

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quadrilha, tem um acabamento mais elaborado, com bordado de pedrarias e pérolas.

Figura 1 – Figurino Maria Bonita e Lampião. Fonte: Bruno Martins

Figura 2– Os Noivos dançando em comemoração. Fonte: Bruno Martins

O casal de reis da quadrilha também foi pensado em dois figurinos, seguindo a mesma base de figurino dos noivos, ajudando a compor a dramaturgia e momentos da quadrilha. O figurino também tem um acabamento mais elaborado para diferenciar dos demais componentes, como podemos ver nas figuras abaixo (figuras 3 e 4)

Figura 3 – Figurino Dadá e Corisco. Figura 4 – Reis do Arraiá. Fonte: Bruno Martins

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O primeiro figurino dos reis se sobressai em relação aos demais componentes, no entanto, o segundo figurino, por terem utilizado um padrão de cores de tecido próximo do figurino dos demais componentes, não surte o efeito de se destacar (figura 5), pois mesmo que ele tenha um acabamento mais trabalhado com bastante pedrarias, notamos que somente isso não é o suficiente para um figurino de destaque.

Figura 5 – Segundo figurino dos reis comparado ao dos demais componentes. Fonte: Bruno Martins

Figura 4 – Reis do Arraiá.

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Para o figurino do cangaço, os figurinistas Arlane Chiarelly e Antônio Marcos pensaram em trazer um padrão de cores que se remetesse ao sertão, aproximados do marrom, laranja, amarelo, tons de cores que é comum ser observado para o figurino do cangaço. A combinação de cores estava em harmonia, trazendo um destaque em tons vermelho com o lenço e a meia, como podemos ver na figura 6.

Figura 6 – Figurino dos Cangaceiros. Fonte: Bruno Martins

O marcador, que no momento inicial representava o personagem Manoel Valença, e por isso houve a necessidade de utilizar dois figurinos, um do vidente no momento da narração inicial (Figura 7), e para o segundo utiliza o figurino do marcador (Figura 8). Essa transição de figurino demarca dois momentos de um mesmo personagem, um enquanto narrador de uma história, e o outro enquanto condutor dessa história, assim como do espetáculo como um todo.

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Arlane Chiarelly nasceu na cidade de Natal – RN, no ano de 1987. Designer gráfico, atuante como produtora juninoa na quadrilha estilizada Arraiá do Cabaço como vice diretora e figurinista. 31

Antônio Marcos nasceu em Natal-RN, no ano de 1982. Promotor em vendas, e atuante como produtor junino desenvolvendo atividade de figurinista na quadrilha estilizada Arraiá do Cabaço.

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Figura 7 - Figurino do vidente Manoel Valença. Fonte: Bruno Martins

Figura 8 - Marcador da quadrilha. Fonte: Bruno Martins

A parteira foi inspirada na caracterização da enfermeira Florence (figura 9), com acabamento simples, pois, nesse momento, estava sendo enfatizado um aspecto natural ao figurino. A mudança da cor do cabelo foi utilizada para retratar uma mulher mais velha do sertão, porém essa característica poderia ser melhor demarcada na maquiagem (figura 10).

Figura 9– Enfermeira Florence: Inspiração para a criação do figurino Fonte: www.mundoespirita.com.br da personagem.

Figura 10– Figurino da Personagem Parteira. Fonte: Bruno Martins

Para os personagens vivenciados pelo Padre Cícero e pelo São João, seguem uma estética que já é comum observar em outras quadrilhas, pois busca-se partir das imagens real do personagem para construir a caracterização na quadrilha, trazendo um pouco do simbolismo com elementos como a halo para retratar o São João Batista. Para a caracterização surtir um efeito mais realista, poderia ter enfatizado mais na maquiagem dos personagens.

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Figura 11 – Figurino São João Batista. Fonte: Bruno Martins.

Figura 12 – Figurino Padre Cícero. Fonte: Bruno Martins.

Para o figurino do prefeito e da primeira dama, se buscou priorizar o realismo através da caracterização, embora se traga algum acessório para dar ênfase que são personagens de quadrilha, como a faixa que o prefeito carrega, ou um penteado mais elaborado da primeira dama, como podemos perceber na figura 13.

Figura 13 – O prefeito e a Primeira Dama. Fonte: Bruno Martins.

O figurino na quadrilha é mais que um elemento de caracterização do personagem, ele reflete no conjunto da construção cênica, proporcionando um efeito visual através da movimentação da saia, ou do chapéu, interferindo na representação como um todo, sendo um dos elementos essenciais para a quadrilha. Outros elementos que ajudam na caracterização do personagem são os arranjos para a cabeça das damas, assim como a maquiagem, pois como afirma Mona Magalhães (MAGALHÃES, 2009, pág. 211), “é um recurso importantíssimo para o ator, pois irá ajudá-lo a revelar seu personagem” para si e para o público. Pavis apresenta cinco funções da maquiagem teatral, que, como coloca Mona Magalhães, são as seguintes: “embelezar, acentuar ou reforçar os traços, codificar o rosto, teatralizar a fisionomia e estender a maquiagem” (MAGALHÃES, 2009, pág. 213). Dentre essas funções apresentada, a que interessa para a quadrilha é a maquiagem como meio de

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embelezar o rosto, onde são destacados os olhos com sombras marcantes, ou até mesmo para disfarçar algumas imperfeições da pele. Partindo da realidade observada, para a caracterização do personagem da quadrilha, a maquiagem é o último elemento a ser pensado, e, por não ter a mesma atenção, parece não ser considerado tão importante quando os demais. O figurino e a maquiagem são fundamentais no processo de construção para a quadrilha, pois possibilita diversas leituras para o espetáculo, e por isso devem pensados em conjunto, para trazer o efeito demonstrado em cena.

Conclusão A partir dos descobrimentos acerca da teatralidade e sua aplicabilidade, perpassando o universo das quadrilhas juninas, investigando sua contextualização histórica e dinâmica do Arraiá do Cabaço, como os elementos cênicos foram adentrando a quadrilha, compreendendo sua espetacularização e os motivos que ocasionaram esses processos de ressignificações. Na perspectiva de compreender como se deu o processo de caracterização da quadrilha, buscou-se analisar a partir da construção do espetáculo no ano de 2015, percebendo os personagens que adentram a história e como o figurino e a maquiagem são pensados dentro da narrativa da quadrilha. Contudo, percebe-se que a maquiagem pode ser melhor trabalhada para causar maior impacto e melhor caracterização dos personagens. Destaco a importância desse estudo para a formação dos Licenciandos em Teatro, pois percebo a quadrilha junina como uma possibilidade do ensino de teatro na escola, por ser uma atividade artística que os alunos têm maior facilidade de acesso, se fazendo presente na comunidade, sendo um universo amplo para as diversas discussões presentes nesse fenômeno cultural. A quadrilha também pode ser uma possibilidade investigativa para as artes cênicas, ampliando as discussões para os demais elementos que compõem o espaço da cena, sejam visuais, musicais, ou gestuais, observando como são pensados, produzidos e quais tecnologias envolvem em sua produção.

Referências Bibliográficas: CHIANCA, Luciana de Oliveira. A festa no interior : São João, migração e nostalgia em Natal no século XX. Natal, RN : EDUFRN – Editora da UFRN, 2006. ______.Quando o Campo está na Cidade: migração, identidade, e festa. In: Sociedade e cultura. Goiânia, UFG. V.10, n.1, p.45-59, jan./jun. 2007. ______.Devoção e diversão: Expressões contemporâneas de festas e santos católicos. In: Anthropológicas. Goiânia, UFG.Ano. 11, v. 18, p.49-74, 2007. ______. Teatralidade e Performatividade na Cena Contemporânea. In: repertório: teatro e dança. Salvador.UFBA/PPGAC.Ano 14, n. 16. 2011. ______. Teatralidade e textualidade. A Relação Entre Cena E Texto Em Algumas Experiências De Teatro Brasileiro Contemporâneo. In: Artefilosofia. OuroPreto. n.7. 2009. LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 14. Ed. Rio de Janeiro: Jorge “Zahad. Ed. 2001. MAGALHÃES, Mona. Caracterização teatral: uma arte a ser desvendada. In: FLORENTINO, Adilson & TELLES, Narciso (orgs.). Cartografias do ensino do teatro. Uberlândia: EDUFU, 2009. pp.: 209-220. PALLOTTINI, Renata. Dramaturgia: a construção do personagem. São Paulo: Ática, 1989. PAVIS, Patrice. Dicionário de Teatro. São Paulo: Perspectiva, 2008. ______. A análise dos espetáculos: teatro, mímica, dança, dança-teatro, cinema. São Paulo: perspectiva, 2005.

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9. O GESTO CINTILANTE – REMODELANDO O CORPO QUE DANÇA POR INTERMÉDIO DA LUZ Kyrie Lucas Isnardi, graduando – UFRGS. Rubiane Falkenberg Zancan, Mestre – UFRGS.

Resumo: Este estudo propõe uma reflexão acerca dos modos como a iluminação afeta um corpo que dança para além de tornar o gesto visível. Através da relação entre iluminação cênica e recepção estética, pretende-se averiguar as modificações sugeridas por intermédio da luz ao corpo dos bailarinos e de que maneiras isso afeta a apreensão do gesto expressivo pelo espectador. Para isso foram examinados alguns recursos de iluminação utilizados em dois fragmentos do espetáculo de dança contemporânea Null, da Vertigo Dance Company, e analisadas as interferências causadas por esses elementos a partir do olhar do próprio pesquisador. Através da produção de discurso crítico, este trabalho tencionou verificar os sentidos provocados ao olhar do espectador levando-se em conta as transformações promovidas na cena através dos recursos de iluminação. Para desenvolver essa investigação foram organizadas cinco categorias de análise, inspiradas na obra do iluminador gaúcho João Castro Lima. Recorrendo a articulação entre os conceitos básicos da recepção estética em dança e as análises de fragmentos de Null, elaborou-se a discussão desta pesquisa, que almeja colocar a iluminação cênica em evidência, como suporte para a sugestão de sentidos na obra cênica de dança. Palavras-chave: iluminação cênica, recepção estética, dança contemporânea.

THE SCINTILLANT GESTURE. REMODELING THE BODY THAT DANCES THROUGH THE LIGHT Abstract: This study proposes a reflection concerning the manners how the illumination affects a body that dances more than turned into a visible gesture. Through the relationship between scenic illumination and aesthetic reception, this work intends to discover the modifications suggested by the light to the dancers bodies and that in what ways that affects the apprehension of the expressive gesture for the spectator. For that some, were examined illumination resources used in two fragments of the contemporary dance work Null, by Vertigo Dance Company, and were also analyzed the interferences caused by those elements starting from the own researcher's glance. Through the production of critical speech, this work intended to verify the senses provoked to the spectator's glance being taken into account the transformations provoked in the scene through the illumination resources. To develop that investigation, they were organized in five analysis categories, inspired in the work of the brazilian lighting designer João Castro Lima. Going through the articulation between the basic concepts of the aesthetic reception in dance and the analyses of fragments of Null, the discussion of this research was elaborated, that longs for putting the scenic illumination in evidence, as a support for the suggestion of senses in the scenic work of dance. Keywords: stage lighting design, aesthetic reception, contemporary dance.

ENTRANDO EM CENA Predominantemente podemos constatar, através da leitura de diversos artigos na área, que a iluminação cênica foi introduzida a fim de que o espectador pudesse visualizar o que acontecia na cena. Isso acontece em um determinado momento histórico quando as obras de artes cênicas deixam os espaços abertos à luz do dia, e passam a ocupar os teatros, à noite. Associada à sua função primordial – tornar o espaço cênico visível – a iluminação passou a conferir uma ambiência a cena, provocando uma atmosfera e, desse modo, servindo como uma espécie de proponente do espaço cênico e definindo-o em sua especificidade (FISCHER-LICHTE, 2014). A recepção, segundo Pavis (2008, p. 329), é a “atitude e atividade do espectador diante do espetáculo; maneira pela qual ele usa os materiais fornecidos pela cena para fazer deles uma experiência estética”. Pode-se dizer que é através do movimento dos bailarinos conjuntamente a outros recursos cênicos – figurinos, trilha sonora, cenário, luz, etc. – que o espectador estabelece a relação que elabora a experiência estética. Alguns estudos

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apontam a relevância dos recursos de iluminação na apreensão do espetáculo pelos espectadores. Em seus estudos Sampaio (2011, p. 75) afirma que “as recorrências de sensação do público ao assistir uma dança estão vinculadas à ambiência percebida que por sua vez é composta por uma iluminação específica. Muda-se a luz, muda-se tudo”. Quando tratamos da dramaturgia no campo coreográfico, estamos falando de movimento. A apreensão de sentido pelo espectador, nesse caso, talvez seja mais sensorial. Diferente, por exemplo, da palavra “cadeira”, ao levantar um braço lentamente, subindo pelo cotovelo até a altura das orelhas pode trazer múltiplos sentidos para quem enxerga, e cada um vai estabelecer um sentido de acordo com o momento em que acontece na cena, com a iluminação que está posta no bailarino, com o momento (ou ausência) da trilha sonora durante a execução do gesto, ou se ele enxerga o movimento executado por um bailarino sozinho ou por um grupo de 25 bailarinos. O que se deve levar em consideração neste caso é pensarmos que sem a iluminação, executando exclusivamente sua função mais básica, ou seja, tornar a cena visível, não seria viável ver o gesto, condenando então o trabalho de dança. Nesse caso, estamos falando de impedir o espectador de visualizar o recurso disponível para que ele processe e elabore um sentido, quer dizer, estamos falando diretamente de imagem. A imagem é aquilo que o espectador usa como material a ser processado e completado por ele. Essa imagem fornecida para o espectador é formada por um conjunto de elementos que, juntos, passam por um processo de elaboração. E a partir dessa elaboração gera-se uma imagem virtual, ou seja, uma imagem que somente o próprio espectador consegue obter, uma vez que ele é o responsável por completar o sentido de cada signo disponível na cena. Céline Roux (2007) destaca que a imagem no campo coreográfico se dá pela relação entre corpo e espaço, ou seja, existe a imagem que é sugerida pelo corpo em movimento e a imagem sugerida pelo corpo que ocupa o espaço. Fica claro aqui que, a imagem que chega no espectador é uma combinação de símbolo. Duarte Junior (2000) destaca que a combinação de símbolos arranjados não transmite mensagem, mas é expressivo. Nesse caso, a obra de dança (pensando-a como um conjunto de signos arranjados) não comunica, mas indica. Através dessa perspectiva, propõe-se pensar a iluminação como o meio pelo qual o espectador vai conseguir chegar à obra de dança, uma vez que em palco italiano não há luz senão aquela colocada artificialmente. Essa luz tem como função levar a imagem ao espectador e, a partir daí, não se trata mais apenas de tornar a cena visível, mas de propor espaços, esculpir o corpo, colocá-lo ou tirá-lo de cena, deixando-o pequeno ou grande em relação ao espaço ou em relação aos outros corpos. A iluminação cênica na dança pode servir como forte colaboradora para coreógrafos e diretores quando se trata de alterar a imagem do corpo e do movimento do bailarino através do uso da luz. Nesse contexto e, para podermos avançar no assunto, foi preciso estabelecer parâmetros de análise dos efeitos provocados através do uso da luz. Em 1998, na sua obra Cartilhas de Teatro, o iluminador João Castro Lima (1998) baseado na obra de Francis Reid (1973), divide as funções da iluminação cênica em sete. São elas: iluminação, escultura, seletividade, atmosfera, interação, fluidez e estilo. Tendo esse material como ponto de partida para examinar uma obra de dança contemporânea, foram estabelecidas cinco categorias de análise. São elas: tridimensionalidade, seletividade, ambiência, fluidez e interação. A noção de tridimensionalidade é entendida como a capacidade da iluminação de conferir ao espaço, objetos e corpos em cena, a terceira dimensão, quer dizer, a iluminação como agente capaz de dar ou tirar volume daquilo que o espectador enxerga. A seletividade é a categoria que se refere a analisar a capacidade da iluminação de dar destaque para determinado espaço, corpo e/ou objeto em cena. Seletividade é entendido aqui como um recurso cênico possível para evidenciar algo que acontece no palco, contribuindo para a dramaturgia. Ambiência é a categoria que faz alusão ao emprego da iluminação como forma de elaborar um espaço em cena, podendo este espaço ser construído a partir de uma atmosfera capaz de sugerir um ambiente à cena ou então a construção do espaço físico propriamente dito através, por exemplo, de recortes de luz. Na categoria fluidez abordaremos o movimento da luz ao longo das cenas. Nessa categoria serão feitas elaborações a partir da estaticidade ou dinâmica da luz ao longo de uma coreografia, a partir da análise das transições de luz e como elas

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acontecem, se de forma consciente para o espectador ou inconsciente. A última categoria, interação, aponta a maneira como os recursos cênicos estabelecem relações entre si de forma simultânea, ou seja, como cada componente, mais especificamente da luz, atua em conjunto com outros componentes da iluminação e como isso afeta a dramaticidade da cena. Para a escolha da obra coreográfica foi eleito um trabalho em que coreógrafo e iluminador não fossem a mesma pessoa, enfatizando um possível diálogo entre ambos para a elaboração do trabalho cênico. Para isso a iluminação deveria ser um elemento cênico proeminente, mas não o mote para a criação do espetáculo. Esse critério de escolha evidencia a não utilização da luz como mote para a criação coreográfica, ou seja, a luz não é o elemento que propõe a criação do espetáculo, mas um recurso cênico pensado com o propósito de provocar sensações no espectador, sendo colocado em evidência ao longo da peça. Contemplando esses critérios foi escolhido o trabalho Null, da israelense Vertigo Dance Company. O espetáculo foi lançado em julho de 2011 e tem coreografia de Noa Wertheim e iluminação de Dani Fishof. LUZ E CORPO EM CENA – ESTABELECENDO RELAÇÕES Começaremos articulando ideias sobre tridimensionalidade. O jogo de luz proposto pelo iluminador nestes trechos do espetáculo é um bom exercício para articularmos ideias sobre o volume dos corpos em relação a luz que os banha. Em detalhe, na figura 1, observamos como, ao caminhar para frente, os bailarinos parecem sair de um enorme túnel de luz. Olhando a figura, imaginamos que os corpos tridimensionais das bailarinas aparecem assim na cena, o que não é real. A proximidade do recorte da imagem faz com que o corpo apareça com volume, mas a relação do espectador com a cena é diferente e, nesse caso, a iluminação é lançada diretamente no sentido do olhar do espectador. Isso faz com que a sensação de que os bailarinos estejam saindo de dentro de um túnel de luz aumente, porém, os corpos que saem de dentro dessa luz são mais próximos dos corpos que vemos na figura 2, mais especificamente dos corpos dos bailarinos mais próximos do painel de cenário ao fundo, de onde emana a luz. O uso da contraluz provoca, nessa cena, dois tipos de sensação em relação aos corpos. Essas sensações estão vinculadas a posição do bailarino em relação a fonte de luz, ou seja, temos que observar de onde é emitida a luz e que relação espacial o corpo que estamos observando estabelece com essa fonte.

Figura 1

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A primeira sensação que podemos observar é a dos corpos mais próximos da parede de cenário, no fundo da cena. A imagem sugere que o corpo do bailarino está sendo engolido pela luz. É como se fosse um corpo se desintegrando. Os figurinos brancos favorecem isso, principalmente se tiverem algum grau de transparência. Essa transparência facilita a passagem da luz, que numa intensidade muito alta, pode provocar a ilusão de que parte do tecido sumiu. Além disso, o branco reflete muito bem a luz. Quanto maior for a quantidade de luz refletida, mais pele e tecido se misturam a luz projetada pelo painel, conferindo ao corpo aquele aspecto semelhante ao de ser engolido pela luz. A outra sensação que podemos observar de forma clara é a que se estabelece a partir dos corpos que mantêm uma relação de distância com essa parede cênica. O que acontece nesse caso é um corpo maciço servindo como obstáculo à passagem da luz. A parte iluminada do corpo está do lado oposto ao da plateia, restando para o espectador o lado sombreado. Ambas as sensações podem ser observadas na figura 2, para isso basta observarmos cada bailarino em relação a fonte de luz.

Figura 2

Na figura 3 as coisas mudam um pouco de perspectiva. Além da mudança na relação corpo-fonte de luz, temos os homens com figurinos pretos, o que afeta completamente a forma como a luz altera a imagem do corpo e, portanto, o movimento. A cor preta tende a absorver mais a luz, demandando uma intensidade muito maior para, por exemplo, conferir tridimensionalidade ao corpo que veste os figurinos nessa cor. É possível observar como a luz se comporta esculpindo o corpo da bailarina entre os três rapazes, ao lado direito da imagem, e como os rapazes, mesmo mais próximos da fonte de luz não adquirem o mesmo volume. Observe agora as bailarinas mais ao centro e a esquerda, onde a uma menor intensidade de luz. A posição de cada uma delas em relação a parede direita – principal fonte de luz nessa cena – confere um aspecto diferente para cada um dos corpos, variando

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de corpos bidimensionais à corpos delineados tridimensionalmente e, passando até por corpos com volume de um lado e bidimensional de outro.

Figura 3

Ao mesmo tempo, é muito difícil observar o mesmo efeito nos rapazes, uma vez que seus figurinos mascaram um pouco o serviço da luz nesta posição e intensidade. Mas além de esculpir e remodelar os corpos em cena, a luz também propõe espaços para os bailarinos, como é evidente na figura 3, em que temos um espaço completamente diferente do espaço percebido na figura 2. Na figura 3 a iluminação mais intensa na lateral e fundo do cenário sugerem uma grande diagonal no espaço, transformando o palco em um espaço assimétrico, diferente da figura 2 em que o espaço é mais equilibrado, sugerindo um enorme túnel de luz, onde os bailarinos entram e saem ao longo da coreografia. Além de servir como propositora de espaço, a iluminação do trecho representado na figura 3 também serve para selecionar aquele lado do palco, de certo modo, destacando os três bailarinos que ocupam aquela área. Em ambos os trechos do espetáculo a luz é dinâmica, algumas vezes adotando movimentos rítmicos e regulares, como se estivesse respirando junto com os bailarinos. Além desse movimento, que aparece algumas vezes ao longo do espetáculo, existe um trecho em que os bailarinos ficam imóveis, sentados sobre os joelhos, e somente a luz tem movimento. Um chase - programação feita em mesas digitais que grava uma sequência de movimentos de luz, determinando com precisão o momento em que um refletor acende e outro apaga e a duração, tanto da sequência como do intervalo, entre um movimento e outro de luz – faz com que um corredor de luz se desloque do fundo para a frente do palco. Esse movimento de luz faz com que a fonte luminosa mude de posição, alterando também a posição da sombra dos bailarinos o que, por consequência, lhes confere movimento. E tudo isso só tem esse sentido devido a forma como esses elementos interagem entre si. Na figura 3, por exemplo, se o reforço que as luzes das varas dão na cena, possivelmente os bailarinos do lado mais claro da cena seriam sombras, enquanto os demais

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– de acordo com que se afastam do painel de cenário iluminado – ganhariam contornos em meio corpo. Assim como o uso dos figurinos pretos pelos rapazes também favorecem a modelação dos corpos de modos bem diversos.

FECHAM-SE AS CORTINAS Através desta análise tornou-se possível relacionar alguns sentidos expressos na cena à efeitos provocados através do uso de alguns artifícios de iluminação, demonstrando a importância dos mesmos na estruturação poética do espetáculo, que por sua vez, oferece uma pluralidade de sentidos ao espectador. Esse argumento só foi possível em consequência de uma análise dos recursos de iluminação utilizados, bem como dos efeitos provocados pelos mesmos ao espectador. Este campo de pesquisa está longe de se esgotar, sugerindo que mais pesquisas nessa esfera sejam feitas a fim de buscar novas referências e perspectivas para essa área do conhecimento.

Referências bibliográficas: DUARTE JÚNIOR, João-francisco. Nos domínios do sentimento: arte e experiência estética. In: DUARTE JÚNIOR, João-francisco. Fundamentos estéticos da educação. 6. ed. Campinas: Papirus, 2000. Cap. 3. p. 73-94. FISCHER-LICHTE, Erika. Que haja luz! A construção do espaço cênico a partir da luz: a luz como meio da encenação teatral. Urdimento, [s.l.], v. 2, n. 23, p.244-250, dez. 2014. Tradução de: StephanArnulfBaumgärtel. Disponível em: <http://www.revistas.udesc.br/index.php/urdimento/article/viewFile/1414573102232014244/40 55>. Acesso em: 17 ago. 2016. LIMA, João Castro. Cartilhas de Teatro: iluminação cênica. Porto Alegre, EU/Porto Alegre, 1998. 51p. PAVIS, Patrice. Recepção. In: PAVIS, Patrice. Dicionário de Teatro. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 2008. p. 329-332. ROUX, Céline. Danse(s) performative(s). Enjeux ET développements dans le champ choréographique français. (1993-2003). Paris: L’Hartmattan, 2007. Livre Tradução de Helena Maria Mello. SAMPAIO, Flaviana Xavier Antunes. Ver/Sentir Luz na Dança: Idéias em ambiência e percepção; Tessituras & Criação. No. 2 Dez 2011 [suporte eletrônico] Disponível em: <http://revistas.pucsp.br/index.php/tessitura>. Acesso em: 16 ago. 2016.

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10. COMISSÃO DE FRENTE: EXIBIÇÃO E RECEPÇÃO DOS DESFILES DE CARNAVAL Lisete Arnizaut de Vargas, Drª - Professora da Licenciatura em Dança da UFRGS. Resumo: O carnaval é uma festa popular que surgiu ainda na Antiguidade com intuito de celebrar os deuses pagãos e a natureza. Foi reconhecida pela igreja e incluída no calendário cristão depois de muitos séculos e ainda hoje é comemorada no mundo inteiro. O Carnaval brasileiro é um dos fenômenos culturais mais importantes do país e considerado o maior espetáculo da terra. Neste trabalho abordaremos o desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro, desenvolvendo em especial a apresentação do quesito “Comissão de Frente”, devido ao entrelaçamento entre música, dança e figurino que vêm integrando nossos interesses de pesquisa. A grandiosidade deste espetáculo, a qualidade artística que a cada ano se supera, a participação de diversas agremiações e envolvimento da comunidade tornam este evento extremamente competitivo, exigindo grandes investimentos e muita criatividade. A comissão de frente é a grande entrada que a agremiação faz no sambódromo. Formada por dez a quinze pessoas apresentam o enredo da escola, dando boas vindas ao público e aos jurados, buscando impressionar, surpreender e emocionar a todos. No início as comissões de frente apresentavam os integrantes da direção da escola, mais tarde a Portela inovou, levando para a passarela do samba os integrantes mais bem vestidos, com fraque e cartola, fazendo coreografias ritmadas com o samba. A maior transformação das comissões de frente veio a partir da contratação de artistas plásticos, coreógrafos e bailarinos que enriqueceram a cena. Através de entrevistas e observações discorreremos sobre o impacto que as comissões de frente causam no público no momento do desfile, através de seus figurinos, cenários e coreografias, criados para apresentar o enredo da escola e como estes espectadores produzem sentidos e sensações a partir da articulação destes elementos. Palavras-chave: Comissão de frente, Desfile de Carnaval, espectador.

Abstract: The carnival is a popular celebration that arose even in antiquity with the intention of celebrating the pagan gods and nature. It was recognized by the church and included in the Christian calendar after many centuries and is still celebrated today throughout the world. The Brazilian Carnival is one of the most important cultural phenomena in the country and considered the greatest spectacle on earth. In this work we will focus on the parade of the samba schools in Rio de Janeiro, developing in particular the presentation of the "Front Commission", due to the interweaving between music, dance and costumes that have been integrating our research interests. The greatness of this spectacle, the artistic quality that is surpassed each year, the participation of diverse groups and community involvement make this event extremely competitive, demanding great investments and a lot of creativity. The front committee is the grand entrance that the club does in the sambódromo. Formed by ten to fifteen people present the plot of the school, welcoming the public and jurors, seeking to impress, surprise and thrill everyone. At the beginning the front commissions presented the members of the school board, later Portela innovated, taking to the samba catwalk the best dressed members, wearing a top and top, performing rhythmic choreographies with the samba. The biggest transformation of the commissions from the front came from hiring plastic artists, choreographers and dancers who enriched the scene. Through interviews and observations we will discuss the impact that the front commissions cause on the public at the time of the parade, through their costumes, settings and choreography, created to present the plot of the school and how these spectators produce senses and sensations from the articulation These elements. Keywords: Commission of the front, Carnival parade, spectator.

Considerações iniciais Justificamos a temática deste trabalho sobre as apresentações das comissões de frente dos desfiles das escolas de samba do carnaval brasileiro pelas indagações que temos tido ao longo de nossa pesquisa sobre figurino de dança e performance. Em nossos estudos nos deparamos com a fantasia que os elementos constituintes da cena como figurino, a cenografia, iluminação e demais tecnologias hoje presentes no espetáculo, exercem sobre os espectadores nos diferentes contextos onde são apresentados, levando-nos a buscar entender melhor este fenômeno e seus desdobramentos. A presença de tantos elementos artísticos como a dança, as artes plásticas, a

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música e a tecnologia que se juntam na performance da comissão de frente, apresentando o enredo da escola, vêm cada vez mais constituindo um show a parte e encantando a plateia. Para nós que nos dedicamos à pesquisa de figurino e cena esta apresentação se torna um universo de estudo rico e emocionante. Contextualizando o carnaval como uma festa popular que surgiu ainda na Antiguidade com intuito de celebrar os deuses pagãos e a natureza relatados nas celebrações ao deus Baco ou Dionísio e consagrada à fertilidade e ao vinho nos chamados bacanais da Grécia e de Roma antiga. Foi reconhecido pela igreja e incluído no calendário cristão depois de muitos séculos e ainda hoje é comemorado no mundo inteiro. Sabemos que a cultura popular não se resume em um conjunto coerente e homogêneo de atividades, mas sua principal característica é a heterogeneidade, o hibridismo e a mescla de diferentes culturas e gentes. O Carnaval brasileiro é um dos fenômenos culturais mais importantes do país e considerado o maior espetáculo da terra. Derivado do Entrudo, festa popular realizada no Brasil colonial no período anterior à quaresma, caracterizada pela violência e agressividade nos atos realizados, onde a desordem a bagunça e o barulho eram a regra, este sofreu várias perseguições e normatizações até tomar a forma que tem hoje como desfile artístico originado nas comunidades e grupos sociais onde se insere. “As manifestações da cultura popular se modificam juntamente com as mudanças da sociedade em que estão inseridas, sendo parte fundamental dos diversos modos de pensar, sentir e agir de um povo, presentes em seu contexto sociocultural historicamente construído.” (CÔRTES, 2000, p.13). Assim vimos ao longo dos dois últimos séculos a transformação do carnaval, passando de suas origens religiosas à celebração pagã e hoje ao espetáculo artístico, modernizado pela tecnologia e com a participação densa de figurantes, músicos, bailarinos, artistas e anônimos da comunidade. As comissões de frente dos desfiles carnavalescos têm atualmente papel bastante destacado na apresentação das escolas de samba, sendo quesito importantíssimo e decisivo no resultado final na apuração de pontos na competição. É a primeira oportunidade que a escola tem de surpreender e emocionar a plateia. É formada por dez a quinze pessoas que apresentam o enredo da escola com a função de saudar o público e os jurados, abrindo alas para a passagem da agremiação. Os demais quesitos considerados no julgamento do desfile são: bateria, samba-enredo, harmonia, evolução, enredo, alegoria e adereços, fantasias, mestre-sala e porta bandeira. As comissões de frente mais antigas apresentavam os integrantes da direção da escola carregando bastões, como se estivessem armados para protegê-la. A Portela foi a primeira escola de samba a inovar nessas apresentações, levando para a passarela do samba os integrantes mais bem vestidos, com fraque e cartola, fazendo coreografias ritmadas com o samba. Nos anos trinta algumas escolas tentaram inovar, colocando na comissão de frente carros alegóricos, o que foi criticado pelos jurados, que acreditavam que não havia necessidade para tanto, mas as grandes transformações das comissões de frente vieram depois que as escolas contrataram artistas plásticos e coreógrafos. A união das duas classes causou uma verdadeira virada nos desfiles por tanta beleza e surpresa nas apresentações. Atualmente os trajes são ricos, criativos e impactantes de acordo com o enredo da escola. "Difícil entender o carnaval sem máscaras ou fantasias (...) é o reino do faz de conta, dos personagens inesperados, da troca de papéis na sociedade e na vida cotidiana. A magia do carnaval sempre se fez presente no binômio máscaras-fantasias". (COSTA, 2001, p.39). Os integrantes das comissões ensaiam coreografias e encenam performances relacionadas à história a ser apresentada. Muitas vezes a comissão de frente é enriquecida com bailarinos profissionais, a fim de apresentar um desfile de maior qualidade, além do emprego cada vez maior de tecnologias.

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Segundo o manual do julgador, as considerações dos jurados para dar as notas à comissão de frente são: a) o cumprimento da função de saudar o público e apresentar a escola, sendo obrigatória a exibição em frente às cabines de julgamento; b) a coordenação, a sintonia e a criatividade de sua exibição, que será obrigatória em frente às cabines de julgamento, podendo evoluir da maneira que desejar; c) a indumentária da comissão de frente, que poderá ser tradicional (fraques, casacas, ternos, smokings etc., estilizados ou não) ou realizada de acordo com o enredo, levando em conta, neste caso, sua adequação para o tipo de apresentação proposta. O contexto e o local do desfile também são determinantes para a apresentação e evolução. Atualmente na cidade do Rio de janeiro o desfile de carnaval, escolhido para este trabalho, é realizado no Sambódromo Darcy Ribeiro, também conhecido como passarela do samba. Foi projetado pelo arquiteto Oscar Niemayer e inaugurado em 1984, visando a dotar a cidade de um equipamento urbano permanente para a exibição do tradicional espetáculo do desfile das escolas de samba. A altura acentuada das arquibancadas e os 700 metros de comprimento também fazem com que coreógrafos e demais artistas criadores realizem performances grandiosas, ocupando todo o espaço cênico. Sobre a exibição e a recepção estética Sabemos que a entrada das escolas de samba na passarela é sempre um momento de suspense e de muita expectativa por parte da plateia para ver como será apresentado o enredo da escola e como será transmitida a história a ser contada. A primeira impressão é bastante importante para empolgar o público e fazer com que o desfile seja mais brilhante e leve para os integrantes da agremiação, e para que a assistência participe e interaja com a escola. Cada vez mais as escolas empregam recursos para que esta entrada seja triunfal. Profissionais de várias áreas atuam em conjunto para atingir um resultado em que a surpresa e o êxtase do publico seja atingido. Esta reação dos espectadores à performance realizada é que queremos analisar. Vamos considerar, sobretudo a performance coreográfica e o corpo do bailarino como mais um instrumento da cena, para isso nos apoiamos em alguns autores que vêm tratando o tema em pesquisas sobre recepção estética. Para Zancan (2009) quando fala do bailarino na cena nos convida a pensar que ...tanto o corpo do bailarino, quanto do espectador, quando considerados como sistema dinâmico, produzem conexões, isto é, afetam e são afetados pelo fenômeno artístico. Na dança, o corpo adota técnicas e tem conexão com as motivações que o levam à criação. Cada indivíduo está carregado de leis, usos, intenções e tradições, que se articulam de forma dinâmica. A produção de sentido de um espetáculo deve compartilhar de um pensamento relacional, considerando a multiplicidade de fatores implicados tanto na produção artística, quanto na reflexão sobre o corpo enquanto sistema. Observar o corpo em uma prática artística requer um olhar atento sobre a coexistência de diferentes vias de acesso à compreensão de nós mesmos e do mundo em que vivemos. Tanto o corpo que está em cena como o corpo que observa carregam ideias, crenças, cultura. Dessa forma, palavras como relação, conexão, articulação, correlação, encadeamento, ligação, contextura, rede, indicam a orientação escolhida para pensar o fluxo presente na recepção do espectador em um ambiente de dança...(p. 44)

Considerando os bailarinos como emissores de imagens podemos então tratar os espectadores como receptores em um processo dinâmico de troca. Céline Roux define recepção como “a ação de receber e acolher e de se apropriar do que foi emitido. Globalmente, se trata de um ir e vir incessante entre a intenção de dar sentido e reconhecimento, espécie de diálogo entre emissor e receptor” (ROUX, 2007: p.206). No desfile das comissões de frente das escolas de samba assistimos aos movimentos dos corpos dos bailarinos, evoluindo em todo espaço da passarela,

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acompanhados do samba enredo de cadência forte e repetitiva, empolgando a plateia com alegorias, figurinos, cenários e tecnologias, aguçando a percepção dos espectadores, que a partir de suas impressões acionam seu repertório de experiências e sensações, associando e interpretando a cena e atribuindo significado. É fundamental que ocorra uma interação entre obra e espectador para que haja produção de sentido. Sobre isso afirma De Marinis (2005) que: ...é completamente impossível separar da experiência do espectador os aspectos cognitivos e emotivos, interpretação e emoção, conhecimento e sentimento. Estes aspectos (como demonstram, também, as verificações experimentais existentes sobre esse assunto) interatuam e interferem entre si, sem cessar, e com os outros processos receptivos, a saber, a avaliação e a memorização (DE MARINIS, 2005, p.99).

Quando Michel Bernard nos fala sobre percepção, aprofunda a questão sobre o impacto sensorial e afetivo de um estímulo exterior e afirma que no julgamento deste estímulo o espectador depara-se com pelo menos três níveis: "O primeiro puramente sensorial e afetivo, o segundo essencialmente cognitivo e o terceiro, fundamentalmente avaliativo ou axiológico" (BERNARD, 2001, p. 206). Assim a percepção busca significados na relação entre os estímulos sensoriais e as experiências colecionadas pelo espectador, envolvendo memória, interpretação e avaliação. No processo de percepção, o corpo, enquanto sistema, estará associando, selecionando e categorizando, ininterruptamente, as informações. “A experiência perceptiva, fenomenal, nasce de correlações estabelecidas através de uma memória conceitual sobre um conjunto de categorizações perceptivas que estão em curso. Isso quer dizer que conceituamos a partir de experiências de percepção” (GREINER, 2005: 42). Christine Greiner ilustra muito bem esta afirmação quando fala da percepção que ocorre de modo geral na relação do corpo biológico com o ambiente e vice-versa: A percepção nada mais é do que um processamento de informações, ou seja, uma relação ad infinitum de ordem e desordem. As categorias são sempre relacionais. Distinções interativas são construídas dentro de pareamentos sensoriomotores e percepto-conceituais. Contatar ou como se diz habitualmente “acessar” uma informação é estruturar um pareamento (GREINER,2005,p.115).

As performances dos desfiles das comissões de frente, assim como os demais espetáculos artísticos deixam espaços para serem preenchidas pela sensibilidade do espectador. A atividade produtiva realizada pelo público na relação com a apresentação consiste em preencher os espaços do espetáculo, produzindo diferentes significados. Zancan (2009) acrescenta que: No processo associação, seleção e categorização das informações, o espectador cria, interruptamente, linhas de articulação e linhas de fuga. As relações estabelecidas entre o interior e o exterior do corpo revelam uma rede complexa de conexões dinâmicas, sempre em ação, num processo de relação, de ação e de modificação (p.96). A partir destas pistas oferecidas pelos estudiosos do tema nos propomos ao estudo de assistir aos desfiles e analisar os diferentes processos de recepção operados nos diferentes grupos e atores como reataremos a seguir.

Sobre a relação do espetáculo com o espectador Realizamos nossa pesquisa de análise da recepção do espectador a partir da exibição dos desfiles das comissões de frente de quatro escolas de samba do grupo especial do carnaval do Rio de Janeiro. A primeira escolhida foi a Escola de Samba Mocidade Independente de Padre Miguel com o enredo ”As mil e uma noites de uma mocidade para lá

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de Marrakesh” com a coreografia e criação de cena de Jorge Teixeira e Saulo Finelon de 2017 que obteve nota 10, ilustrada nas figuras 01 e 02. A segunda escola de samba selecionada para nossa análise foi a Portela com o enredo “Foi um rio que passou em minha vida” de 2017 com criação de Leo Senna e Kelly Siqueira com nota 9.9 conforme figuras 03 e 04.. Salientamos que no desfile de 2017 as agremiações Portela e Mocidade Independente empataram em primeiro lugar no resultado final do carnaval do Rio de Janeiro. A terceira escola escolhida foi Acadêmicos da Grande Rio ilustrada nas imagens 05 e 06 com o enredo nota 10 sobre a vida de Ivete Sangalo "Ivete do rio ao Rio" com coreografia de Priscila Mota e Rodrigo Neri e quinta colocada também em 2017. A última escola de nosso estudo foi a Unidos da Tijuca representada nas figuras 07 e 08 com o enredo “É Segredo” campeã de 2010 também com coreografia de Priscila Mota e Rodrigo Neri. Para nos auxiliar neste processo de análise da exibição dos desfiles buscamos ajuda no trabalho de Zancan (2009) quando elabora um roteiro de entrevista para os espectadores, ressaltando alguns pontos a serem observados ao assistir um espetáculo como: a) Motivação para assistir ao espetáculo. b) Informações prévias sobre o espetáculo. c) Expectativa em relação ao espetáculo. d) Elementos que chamaram a atenção nesse espetáculo. e) Sensações e interpretações provocadas pelo espetáculo. Selecionadas as escolas de samba passamos para a fase de exibição e discussão sobre a recepção dos espectadores no contexto da sala de aula. Realizamos o primeiro exercício assistindo ao vídeo dos desfiles com os alunos da disciplina de Estudos em Estética e Dança do Curso de Licenciatura em Dança da Universidade Federal do Rio Grande do Sul que se mostraram bastante surpresos com o nível técnico das performances. Consideramos muito importante salientar que nosso primeiro exercício de análise se passou em sala de aula através de vídeos, o que em nossa visão aponta do quanto seria diferente ao vivo no local do desfile que constituirá a próxima fase desta pesquisa. O grupo de espectadores formado por universitários da área de artes também qualifica as experiências estéticas vividas neste trabalho e vamos relatar a seguir. A grande maioria dos alunos não havia acompanhado os desfiles no período do carnaval. Ao propormos o trabalho e os objetivos que teríamos com a exposição vimos logo a interação do grupo com a proposta da pesquisa. Ao serem apresentadas as performances notamos a surpresa e a satisfação de estarem assistindo a um espetáculo que engloba música, dança, figurinos, cenários e também recursos tecnológicos. Muitos não acompanharam a evolução deste quesito e se mostraram surpresos e sensibilizados com o nível atingido pelas cenas apresentadas. Logo alguns alunos demonstraram maior interesse pelo tema até mesmo como possibilidade de atuação profissional. Alguns se sentiram diretamente afetados pelo figurino que em grande parte das vezes também passava a compor o cenário. A articulação e o dinamismo das trocas de cena, os recursos tecnológicos empregados também foram destacados pelo grupo. No segundo exercício de recepção estética das performances das comissões de frente desfiladas por estas escolas de samba foi realizado com um grupo de pesquisadores em elementos constituintes da cena, tivemos resultado semelhante ao do primeiro exercício. A maioria também se sentiu surpresa e afetada pela beleza e riqueza das evoluções apresentadas pelas agremiações. Um dos pesquisadores salientou a história das apresentações das comissões de frente das escolas de samba, onde sempre foram modestas e com a participação apenas de indivíduos da comunidade da agremiação. Trouxe à baila uma transformação artística e também social. Falamos sobre esta transformação como algo natural e necessário na evolução do espetáculo do carnaval na passarela do samba. Fatores econômicos que envolvem todo o evento, premiação em dinheiro e profissionalização dos desfiles influenciaram para uma nova cultura onde o amadorismo já não tem espaço. Mudanças importantes e profundas na festa popular, mas que não vamos nos aprofundar por não ser o foco da pesquisa.

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Em um terceiro exercício realizado com um grupo de pesquisadores em dança também foi significativo. Neste momento a exibição dos desfiles afetou bem mais o grupo na passagem de algumas escolas escolhidas para este estudo. Alguns colegas bastante envolvidos com o carnaval e participantes de algumas escolas de samba mostraram-se apaixonados e integrados com as cenas apresentadas. Alguns relataram experiências que tiveram ao vivo no desfile de carnaval como aromas e outros recursos usados para transportar o espectador para a cena. Nesta discussão ficou claro que aqueles espectadores que participaram do desfile, seja como bailarino na cena ou como espectador in loco, haviam operado diferentes conexões na recepção estética que apenas à assistência do vídeo. Realmente o grandioso espetáculo do carnaval sensibiliza o público e se estabelece como o maior espetáculo artístico e popular. Nos três exercícios realizados tivemos resultados bastante parecidos no tocante à sensibilização dos espectadores, sendo que o relato dos que estiveram ao vivo no desfile foi muito significativo. Pretendemos dar continuidade à pesquisa, mas no próximo exercício, acompanhar o desfile na passarela do samba e captando as sensações do público in loco.

Figura 01 – Comissão de frente da Escola de Samba Mocidade Independente de Padre Miguel – “1001 noites de uma mocidade pra lá de Marrakesh” 2017. Uso do Drone para o vôo de Aladim.

Figura 02 – Comissão de frente da Escola de Samba Mocidade Independente de Padre Miguel – 1001 noites de uma mocidade pra lá de Marrakesh 2017. Uso do Drone para o vôo de Aladim no tapete mágico esculpido em 3d para ilusão da platéia.

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Figura 03: Desfile da Portela 2017 “Foi um rio que passou em minha vida”, representando a Piracema.

Figura 04: Desfile da Portela 2017 “Foi um rio que passou em minha vida”. O vestido da bailarina convertido em água do rio abriga os peixes.

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Figura 05: Desfile da Escola de Samba Grande Rio 2017. “Ivete do rio ao Rio”, apresentando o figurino da lavadeira que depois revelará a estrela cantora.

Figura 06: Desfile da Escola de Samba Grande Rio 2017. “Ivete do rio ao Rio”, onde o figurino a converte na cantora e os barcos do cenário inicial compõem o palco da estrela.

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Figura 07: Apresentação da comissão de frente da escola de samba Unidos da Tijuca 2010 com o enredo “É Segredo”. Troca de roupas em poucos segundos cobrem de mágica a passarela do samba.

Figura 07: Apresentação da comissão de frente da escola de samba Unidos da Tijuca 2010 com o enredo “É Segredo”. Figurinos mágicos se transformam em uma dezena de aparições instantâneas e inusitadas, levando o público ao delírio.

Considerações finais Ao realizarmos esta pesquisa tínhamos em mente a vontade de dar visibilidade e destaque ao espetáculo realizado pelas comissões de frente das escolas de samba nos desfiles de carnaval. Trabalhamos por muitos anos com a dança e suas diversas possibilidades artísticas, pedagógicas e culturais e pensamos que não poderíamos desconsiderar a grande festa popular que é o

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carnaval. Temos orgulho de termos o maior espetáculo da terra, onde reunimos dois milhões de pessoas nas noites de desfile no sambódromo do Rio de Janeiro e ainda pouco escrevemos e pesquisamos sobre este fenômeno. Este espetáculo torna-se cada vez mais grandioso e profissionalizado, envolvendo diversas áreas das artes para atingir um resultado estético quase perfeito. Sensibiliza a platéia e revela o trabalho minucioso e criativo de bailarinos, coreógrafos, cenógrafos e diversos outros atores. Para os profissionais da dança se revela um campo de trabalho a ser considerado. Em nossos exercícios realizados nesta pesquisa buscamos as respostas do público a estas apresentações. Como a platéia recebe estas criações e como reage aos estímulos por elas disparados, relacionando com suas experiências e repertório artístico. Cremos que estas relações que se estabelecem legitimam o trabalho dos artistas e reforçam o quesito “Comissão de Frente” da escola de samba como o abre alas da agremiação que chega encantando, apresentando o enredo e encantando o público.

Bibliografia : BERNARD, Michel. De La création choregrafique. Paris, Centre National de La Danse, Livre tradução de Helena Maria Mello. 2001 BARROS, Jussara de. "Comissão de Frente"; Brasil Escola. Disponível em <http://brasilescola.uol.com.br/carnaval/comissao.htm>. Acesso em 28 de marco de 2017. CÔRTES, Gustavo. Dança Brasil: festas e danças populares. Belo Horizonte: Editora Leitura, 2000. COSTA, Haroldo. 100 anos de carnaval no Rio de Janeiro. São Paulo: Editora Irmãos Vitale, 2001. DE MARINIS, Marco. Em busca del actor y del espectador: compreender el teatro II. Buenos Aires. Editorial Galerna, 2005. GREINER, Christine. O corpo: pistas para estudos indisciplinares. São Paulo: Annablume, 2005. ROUX, Céline. Danse(s) performative (s). Enjeux ET développements dans le champ choréographique français. (1993-2003). Paris : L’Harmattan, 2007. Livre Tradução de Helena Maria Mello. ZANCAN, Rubiane Falkenberg. Motivação criadora e recepção estética no espetáculo resintos da Muovere Companhia de Dança / Rubiane Falkenberg Zancan; orientador: Clóvis Dias Massa. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Instituto de Artes. Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas – Porto Alegre, 2009.

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11. A CENOGRAFIA NA DANÇA: CONCEITOS E CARACTERIZAÇÃO DO ESPETÁCULO ‘CASA’ DA COMPANHIA DE DANÇA DEBORAH COLKER Marina Luíse Paixão de Oliveira, Graduanda de Arquitetura e Urbanismo - Universidade de Brasília. Ana Suely Zerbini, Mestre - Arquiteta e Urbanista e Cenógrafa.

Resumo: Este ensaio tem como objetivo discutir o espetáculo ‘CASA’ de Deborah Colker e Gringo Cardia, analisando os conceitos influenciadores, o processo criativo dos autores e a arquitetura do espetáculo. Para a análise, abordam-se, primeiramente, as funções e as características da cenografia e dos elementos cênicos para a dança, por meio da observação e da análise de espetáculos citados em um breve panorama. Palavras-chave: Cenografia. Dança. Espetáculo.

The scenography in dance: Concepts and characterization of the show 'CASA' From Company of Dance Deborah Colker

Abstract: This article aims to discuss the 'CASA' show by Deborah Colker and Gringo Cardia, analyzing the influential concepts, the creative process of the authors and an architecture of the show. For an analysis, they are addressed, primarily, as functions and characteristics of scenography and scenic elements for a dance, through the observation and analysis of shows cited in a brief overview. Keywords: Scenography. Dance. Show.

1. FOYER | INTRODUÇÃO Segundo Stefanovicz (2014), a arquitetura e a dança dialogam e expressam o contexto social de um período, porém com linguagens e formas diferentes. Mesmo em formatos particulares, essa relação se concretiza a partir do momento em que olhamos para o paralelo que elas constrõem com o corpo e com o espaço, tornando-se um só espetáculo. Compreende-se que, dentro de um espetáculo, coreógrafos e arquitetos compartilham a mesma preocupação, qual seja, o espaço onde se fundem a dança dos corpos e a cenografia. Desta maneira: A função básica dessa composição engloba localizar, elucidar e identificar visualmente a ação num ambiente que trará significado aos elementos dramáticos do trabalho escolhido, enfatizando o tema, o enredo e o ambiente emocional. (SILVA, 2007, p. 21).

A cenografia tem papel significativo dentro de um espetáculo, mas sabe-se que o mesmo não pode ser completamente compreendido somente pela sua composição de cena. Ela ocorre nos mais diversos espaços de entretenimento, todavia, no âmbito deste trabalho, a mesma será analisada quando composta em espaços teatrais, mais especificamente espaços compostos por palcos italianos. Procura-se também trazer uma nova visão de arquitetura, mais diretamente da cenografia, pois esta última não é ainda ministrada nas Faculdades de Arquitetura e Urbanismo do país como disciplina obrigatória. Todavia, o interesse entre os alunos cresce cada vez mais e é necessário tratar do tema para ampliar as áreas de conhecimento e a atuação do profissional dos estudantes de Arquitetura.

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2. OS BASTIDORES | A CENOGRAFIA NA DANÇA 2.1 Panorama Histórico Segundo Silva (2007), a cenografia para dança foi, por natureza, um objeto estético sem autonomia, de caráter puramente decorativo, condicionado ao significado do conjunto a que pertencia, bem como aos elementos com que se articulava. A partir do momento em que as danças populares foram trazidas para a corte no século XV passando a ser entretenimentos dos nobres, a dança começou a tomar novas feições de espetáculo. O Ballet de Cour era uma fórmula de mídia mista na qual a poesia, a pintura, a música e a dança desempenhavam papéis iguais, com a consideração adicional de que os personagens principais espelhavam a pirâmide do poder. Logo após, a partir do século XVIII, a dança, em conjunto com a ópera, sai das cortes e alcança as salas teatrais (Figura 1), sendo essa maquinaria substituída pela pintura de telões e por alguns objetos complementares em cena.

Figura 1: Interior do Teatro Régio de Turim durante apresentação de uma ópera no século XVIII. Fonte: http://www.revistadehistoria.com.br/secao/educacao/tempos-espetaculares

O modelo das danças narrativas atinge seu clímax no século XIX com os balés românticos. Histórias povoadas de fadas, bonecas e princesas faziam o deleite da audiência, demandando uma cenografia compatível com o clima de sonho, conforme o que ocorre em ‘O Lago dos Cisnes’, ‘Giselle’, ‘O Quebra-Nozes’, entre outros.

Figura 2: “The Secret of Swan Lake's Magic”. Fonte: http://www.oocities.org/vienna/strasse/7362/d_txt18.html

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Pode-se vincular o surgimento dos espetáculos ao das performances. Construtivistas russos, futuristas, dadaístas realizavam atos de produção de arte no início do século XX que podem ser considerados percussores das performances. Silva (2007) menciona o trabalho de Diaghilev (Figura 3), diretor dos Ballets Russes e revolucionário no panorama do ballet, especialmente no que diz respeito à concepção de cenografia e figurino. Diaghilev trabalhou em colaboração com alguns dos maiores artistas plásticos do século passado, como Picasso, Matisse e Miró, além de compositores como Debussy e Ravel, e de dançarinos como Nijinsky e Danilova.

Figura 3: Bailarina inglesa Alicia Markova (1910-2004), do Ballets Russes, em figurino para o balé Aurora's Wedding, de Sergei Diaghilev. Fonte: http://www.brasilpost.com.br/2014/11/09/historia-do-bale_n_6116964.html

Figura 4: “Dançarino russo Vaslav Nijinsky (1890-1950), em performance de 1911, em Paris, no papel de Petrouchka, composto por Igor Stravinsky. Fonte :http://www.brasilpost.com.br/2014/11/09/historia-dobale_n_6116964.html

De acordo com Urssi (2006), os espetáculos teatrais na Bauhaus também têm sua importância no panorama histórico. Eles caminharam em direção a um teatro abstrato em que a geometria definia as relações do corpo com o espaço. O ator no centro do espetáculo com todos os outros elementos ao seu redor e os figurinos buscavam novas possibilidades de percepção, ora restringindo o livre movimento, ora exigindo novas atitudes e gestos diante da atuação. Assim, a Bauhaus se posicionava contra as propostas naturalistas.

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Figura 5: Oskar Schlemmer, “Ballet Triádico”, 1926. Fonte: https://makeyeah.files.wordpress.com/2011/12/bauhaus.jpg

Silva (2007) afirma que a utilização da iluminação e de objetos cênicos como elementos de design cenográfico ampliou-se com os experimentos de Alvin Nikolais a partir de 1960. Nikolais compôs através da manipulação de objetos, tecidos, estruturas tubulares, esculturas e iluminação, sendo um dos precursores da tecnologia visual para a cena da dança. 
Desta maneira, a iluminação para coreografia não só fornece o clima desejado, mas também pode delimitar espaços e definir cenas com muita precisão.

Figura 6: “Trio from Vaudeville of the Elements”, de Alvin Nikolais. Fonte: http://bearnstowjournal.org/historicalphotos.htm

A fim de contextualizar obras contemporâneas, Silva (2007) cita como exemplo de cenário brasileiro que se modifica o ambiente criado para a coreografia para o espetáculo de dança ‘CASA’ (1999), da Companhia de Dança Deborah Colker, sendo esta cenografia o foco deste estudo. Uma estrutura em madeira, montada em palco tradicional ‘italiano’ que mostra o corte de uma casa.

2.2 Conceitos Segundo PAIVA (2011), a cenografia é composta por vários componentes. Alguns deles são figurino, movimento (dança) e cenário. 2.2.1 Figurino Para o ator (bailarino), o figurino é como uma segunda pele, seu personagem o veste dos pés à cabeça. Quando aparece em cena, já envia uma série de informações que

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estão contidas na forma visual. Cada pedaço da roupa e da maquiagem, cada acessório que o personagem usa ou deixa de usar envia sinais do conceito da peça, do partido estético tomado e de outros elementos mais subjetivos (PAIVA, 2011). Além disso, o figurino deve ser pensado para o ator ou bailarino que irá usar a roupa, prevendo todos os movimentos que ele poderá fazer. 2.2.2 Movimento (Dança) A a ex-bailarina, pesquisadora e professora de história da dança Eliana Caminada a definiu como cópia ou interpretação de movimentos e ritmos inerentes ao ser humano, mas que pouco a pouco, começou a ser submetida a regras disciplinares e a assumir a preocupação com a coordenação estética dos movimentos que eram até então naturais e instintivos do corpo, colocando o homem diante das chamadas danças espetaculares ou do espetáculo. (CAMINADA, 1999). 2.2.3 Cenário O cenário deve ser prático o suficiente para que possa ser executado pela equipe técnica disponível. Precisa ser facilmente manuseado e movido em cena em se que se danifique ou danifique sua estrutura portante, que é o espaço estrutural que abriga a cenografia. Deve-se também pensar em múltiplas funcionalidades para uma única peça, facilitando mutações de cenas. A estocagem também deve ser considerada quando criamos a cenografia (PAIVA, 2011). O cenógrafo Gringo Cardia (2013) afirma: “porque eu acho que a luz na verdade é um componente de 50% do cenário. Ela faz o cenário se transformar.” A partir desta visão, o artigo desenvolverá a metodologia de análise do cenário junto a iluminação. Outros elementos também são responsáveis por essa compreensão cenográfica dentro de Espetáculos. São eles: 2.2.4 Narrativa e Dramaturgia Tanto a ficção narrativa quanto a dramática contam uma história. A narrativa o faz por meio do texto e a dramática por meio da ação concreta, encarnada na presença física do ator, no caso, o bailarino. (ASSUMPÇÃO, 2010). A dramaturgia é a arte de compor e representar uma história em cena. 2.2.5 Sonoplastia Os sons e a música em um espetáculo podem motivar as ações na cena e indicar eventos fora dela; localizar a ação em um lugar específico; estimular diversas emoções no espectador e construir transições entre as cenas. (URSSI, 2006, p. 92).

3. O ESPETÁCULO | ‘CASA’ 3.1 EQUIPE TÉCNICA Criação, Coreografia e Direção: Deborah Colker. Direção Executiva: João Elias. Direção de Arte e Cenografia: Gringo Cardia. Direção Musical: Berna Ceppas, Alexandre Kassin e Sérgio Mekler. Figurinos: Yamê Reis. Desenho de Luz: Jorginho de Carvalho. Duração: 60 minutos. Fotos: Flávio Colker.

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3.2 CARACTERIZAÇÃO DO CENÁRIO

Figura 7: Croqui – Estrutura cenográfica para o espetáculo ‘CASA’, de Gringo Cardia. Fonte: Acervo pessoal de Gringo Cardia, enviado por e-mail.

Tipologia de palco – Palco Italiano

Materiais da estrutura: Madeira – Compensado para vedação e divisórias; Metal – Utilizado nos mastros das laterais da casa, escada e barras de apoio. Rusticidade no acabamento.

Técnicas:

- Luminotécnica, cria atmosferas diferentes para cada ato/ambiente, usando as qualidades da luz: intensidade, distribuição, cor e movimento (PAIVA, 2011) e ajudando na compreensão do espaço. - Portas e divisórias: essenciais para o cenário “estático” proposto, embora ele se torne dinâmico tanto pela exploração que a coreografia traz quanto pelas portas que abrem e fecham, bem como pela rampa que desce e sobe. - Planos: Proposta de três pavimentos

Figura 8: Representação dos 3 planos – Pavimentos inferior, intermediário e superior. Fonte (foto): http://www.gringocardia.com.br/fotos.aspx?p=dance&id=439

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3.3 CARACTERIZAÇÃO DOS ATOS 1º

MOVIMENTO

CENA 1 Introdução | Jardim Narrativa: Ação fora da casa, no plano 1 (pavimento inferior) à frente da estrutura. A primeira cena inicia com um duo de bailarinos. Cenário: A iluminação nos primeiros minutos é de foco seletivo no casal, cor amarela. Após os dois primeiros minutos, a iluminação muda, tornando–se homogênea, distribuída por todo o espaço frente à casa, delimitado por uma pintura verde, possibilitando a interpretação do jardim. Movimento (dança): Os movimentos também contribuem para a interpretação. Os bailarinos utilizam o chão para se arrastar, rastejar, pular numa grama imaginária etc. Figurino: Percebe-se a predominância da paleta de cores neutras e de tons pastel nos figurinos. Peças de roupas: calças, saias e camisetas, respeitando a intimidade das pessoas em suas próprias casas. Sonoplastia: Instrumentos como baixo acústico, simulação eletrônica de sinos ao fundo. Duração: 00:00 até 07:35 – transição para o próximo ato 08:10.

Figura 9: 1º MOVIMENTO – Cena 1 “Introdução | Jardim”. Fonte: http://www.gringocardia.com.br/fotos.aspx?p=dance&id=439

Figura 10: 1º MOVIMENTO – Cena 1 “Introdução | Jardim”. Fonte: http://www.gringocardia.com.br/fotos.aspx?p=dance&id=439

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CENA 2 Gatos | Telhado Narrativa: O segundo ato se passa nos planos 1 e 3. Um dos bailarinos fica no térreo, enquanto outros escalam a estrutura da casa. Cenário: Efeito de iluminação feito com a luz negra para propiciar a interpretação do movimento dos animais ao anoitecer, nos telhados das casas. Movimento (dança): Ocupam a cobertura como fazem os gatos, realizando várias acrobacias e movimentos perigosos, nos dando a possibilidade de criar paralelo com as sete vidas dos gatos. Figurino: Shorts curtos, sunga, camisetas e regatas. Sonoplastia: Músico convidado: Bacalhau finger drum. Bateria marcando o ritmo e composição eletrônica semelhante ao ronronar de gato. Duração: 08:00 até 12:00 – Transição para o próximo ato 12:30.

CENA 3 Comida | Cozinha. Narrativa: Ato ocorre inicialmente nos planos 1 e 3, porém, explorando mais o interior da casa. A movimentação se concentra no entra e sai, na circulação pelos ambientes, no abre e fecha das portas. Após 3 minutos, o térreo (plano 1) se torna o único plano onde a cena passa, com um grupo de 11 bailarinos “imitando” o preparo da comida e gesticulando a ação de comer algo. Colker comunica que a cozinha é o local onde tudo acontece, onde todos se reúnem, durante todo o plano 1. Cenário: A luz acende e apaga, enfatizando espaços em que a coreografia tem relação com as ações de cozinhar. A cor predominante durante o ato é o amarelo. Movimento (dança): Os bailarinos fazem movimentos de lavar as mãos, as louças, preparar comida e mais ações relacionadas ao ato de cozinhar. Figurino: Cores pasteis. Mulheres de vestido, homens de calças e camisas sociais. Sonoplastia: String Quartet nº 4 Op. 44/2 in E minor Allegro assai apassionato (Felix Mendelsohn) // Sorrel Quartet. Água pingando se funde com a sonoplastia clássica, simulando a atmosfera de cozinha. Duração: 12:30 até 22:20 – Transição para o próximo ato 22:50.

Figura 11: 1º MOVIMENTO – Cena 3 “Comida | Cozinha” . Fonte: http://www.gringocardia.com.br/fotos.aspx?p=dance&id=439

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Figura 12: 1º MOVIMENTO – Cena 3 “Comida | Cozinha”. Fonte: http://www.gringocardia.com.br/fotos.aspx?p=dance&id=439

MOVIMENTO

CENA 4 Roupas | TV | Banheiro Narrativa: O ato 4 preenche os planos 1 e 3. No início do ato, bailarinos no pavimento superior se despem. No inferior, chuveiro ao fundo, uma cena de banho não realista, em que a bailarina se lava com suas roupas. É onde Colker demonstra que a casa não pretende ser real e apresenta sua licença poética. Quanto ao espaço de TV, bailarinos se posicionam no térreo para assistir ao que acontece na casa. Cenário: Janelas aparecem e aumentam a exploração do espaço. Iluminação: luz negra por toda a casa, com foco seletivo somente nos movimentos de percepção dos espaços. Na cena da TV, a luz negra predomina. Movimento (dança): O tirar e vestir de roupas continua, com movimentos acrobáticos e interação entre os bailarinos formados em duos. Ao assistirem a TV, deitam, sentam, cruzam e descruzam as pernas. Figurino: Diversificado, blusas e camisas longas, shorts e meia calça, calças compridas. Muda de acordo com o que vestem e desvestem. Na cena da TV, são confortáveis, como calças folgadas, blusas maiores e folgadas. Sonoplastia: Symphonique #6 (Good for Goodie) // Moondog (Louis Hardin Moondog)) // Músico convidado: BACALHAU finger drum. Ritmo compassado, bateria e programação eletrônica. Duração: 22:50 até 29:50 – Transição para o próximo ato 31:00.

Figura 13: 2º MOVIMENTO – Cena 4 “Roupas | TV | Banheiro”. Fonte: http://www.gringocardia.com.br/fotos.aspx?p=dance&id=439

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Figura 14: 2º MOVIMENTO – Cena 4 “Roupas | TV | Banheiro”. Fonte: http://www.gringocardia.com.br/fotos.aspx?p=dance&id=439

CENA 5 Portas | Corredor Narrativa: Plano 1, onde bailarinos batem nas portas. As divisórias funcionam como paredes e criam a experiência de corredor. Cenário: Movimentação de entra e sai para enfatizar o uso das portas, criando também espaços com essa dinâmica. Além da luz focada, foi utilizada a luz negra nesse ato para “apagar” os ambientes maiores e realçar os corredores. Movimento: Interação entre os bailarinos numa formação de duos, utilizando-se do equilíbrio mais uma vez para enriquecer as cenas. Figurino: Homens de calça, sem camisa e mulheres com camisa social e shorts curtos. Sonoplastia: Bateria, composição eletrônica com ranger, abrir e fechar de portas. Duração: 31:00 até – Transição para o próximo ato 34:15.

Figura 15: 2º MOVIMENTO – Cena 5 “Portas | Corredor”. Fonte: http://www.gringocardia.com.br/fotos.aspx?p=dance&id=439

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CENA 6 Insônia | Rampa Narrativa: Pela primeira vez o plano 2 aparece. Novo espaço no pavimento intermediário se abre no espetáculo (rampa), junto com a coreografia. Bailarinos iniciam deitados na rampa. Cenário: luz negra para criar semelhança com o período noturno, foco seletivo no pavimento intermediário durante as cenas e luz distanciada que transforma o corpo físico dos bailarinos em silhuetas. Movimento (dança): Os bailarinos ficam em posições que causam desconforto para o espectador, pois muitas vezes aparecem se pendurando das estruturas sem apoio nenhum abaixo. A coreografia nos mostra o incômodo que sentimos ao não conseguirmos dormir. A movimentação continua acrobática. Nesse ato, a ocupação horizontal se dá ao mesmo tempo que as ocupações verticais, criando um emaranhado de informações referentes aos nossos pensamentos que não pausam quando passamos por momentos de insônia. Figurino: Inicialmente social para mulheres (do ato anterior), shorts, camiseta/regatas que se assemelham a pijamas. Sonoplastia: Bateria compassada, composição eletrônica “irritante”, aguda, analogia ao ruído dos nossos ouvidos de madrugada, em que o silêncio e os nossos aparelhos de audição ressoam o barulho do dia. Duração: 34:15 até 39:45 – Transição para o próximo ato 40:00.

Figura 16: 2º MOVIMENTO – Cena 6 “Insônia | Rampa”. Fonte: http://www.gringocardia.com.br/fotos.aspx?p=dance&id=439

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Figura 17: 2º MOVIMENTO – Cena 6 “Insônia | Rampa”. Fonte: http://www.gringocardia.com.br/fotos.aspx?p=dance&id=439

MOVIMENTO

CENA 7 Relax | Quarto Narrativa: Planos 1, 2, 3. O relax de Deborah é composto de movimentos ousados e essa é sua característica marcante. A cenografia desse ato brinca com os planos, criando várias áreas que se tornam os quartos da casa. Cenário: Iluminação amarela dispersa por todo o palco. Movimento (dança): O sentar dos bailarinos já transmite o relaxamento da cena. O posicionamento dos bailarinos também, ao assistir a outra movimentação, traz a pausa necessária para o “relax”. Figurino: Calças, camisas longas, shorts e camisetas. Paleta segue o protocolo com tons pastel e vermelho de destaque. Sonoplastia: Gaita, baixo acústico, oboé. Auxilia na compreensão do ambiente mais relaxado, sendo mais harmoniosa do que ritmada, ou seja, é melódica e calma. Duração: 40:00 até 44:00 – Transição para o próximo ato 44:30.

Figura 18: 3º MOVIMENTO – Cena 7 “Relax | Quarto”. Fonte: http://www.gringocardia.com.br/fotos.aspx?p=dance&id=439

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CENA 8 Sala | Casais Narrativa: Ato se passa nos Planos 1, 2 e 3. Clareia o ambiente, os movimentos se alternam entre rápido e lento. Exploram-se todos os espaços, tudo acontece de forma simultânea. Constroi-se analogia aos pensamentos numa briga, gerando uma atmosfera confusa e cheia de informações. Cenário: Iluminação de foco seletivo nos casais dentro da casa. Movimento (dança): Mais uma vez, duo contemporâneo com movimentos de luta, com empurrar, chutar, torcer, mortais, cruzar os braços. Figurino: Calças e blusas longas, paleta em tons pasteis se mantém. Sonoplastia: Bateria ritmada, percussão forte, oboé, guitarra. Ao final, uma composição clássica de bossa nova. Caroline No // Beach boys (Brian Wilson) // Gasn Nign // Alicia Svigals (tradicional) // Transcendence / U’mipney Khat’aeyene // Frank London & Greg Wall (Firma Ephron/ tradicional) // Al – Osfour Al – Manjoun (The Crazy Bird) // Frank London & Greg Wall (Frank London) // Lament I “Bird`s Lament” Remix // Moondog (Louis Hardin Moondog) // Músicos: Harold Hemert oboé // Domenico Lancelotti. Duração: 44:30 até 52:40 – Transição para o próximo ato 53:00. Escuro total com micropontos de luz. CENA 9 Crianças | Playground Narrativa: Planos 1, 2, 3. O ato começa no escuro total com micropontos de luz e sonoplastia de natureza e pássaros, dando espaço para interpretação do amanhacer. A iluminação passa a ser vermelha na casa, e, pela primeira vez, a parte de trás é completamente iluminada, possibilitando ver telas ao fundo. O espetáculo deixa de ser monocromático e passa a ser policromático (azul, verde, vermelho, amarelo, roxo). Cenário: Iluminação aumenta e diminui de acordo com os locais de uso. As luzes vermelha, amarela, azul, verde e negra se alternam. Movimento (dança): Alegria, clima de bricadeiras e exploração total do espaço, principalmente na área externa do térreo, próximo ao jardim. Os bailarinos tomam todas as áreas em todos os planos. Balançam, engatinham, escalam, sentam, deitam, levantam, pulam, dançam, se penduram. A cada momento, descobrem a diversidade e a riqueza dos movimentos, situação semelhante ao aprendizado infantil. Figurino: Infantil, uso de shorts, meias, calças, saias, blusas de frio, regatas, camisetas polo, bermudas, tecidos leves e tênis. Sonoplastia: Inicialmente natureza (pássaros e aves ao fundo). Depois da entrada dos bailarinos, bateria, guitarra, baixo acústico criam uma composição diversificada que mescla com o arranjo eletrônico imitando video games, jogos e canções de ninar. Ao final do espetáculo, portas se fecham indicando o fim da apresentação. Músicos convidados: Pedro Sá guitarra // Jean Louis hammond // Mauricio Pacheco guitarra // Yuca bateria // Domenico Lancelotti bateria. Duração: 53:00 até o final – 60 min.

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Figura 19: 3º MOVIMENTO – Cena 9 “Crianças | Playground”. Fonte: http://www.gringocardia.com.br/fotos.aspx?p=dance&id=439

4. A CRÍTICA | CONCLUSÃO Deborah Colker disse evitar a mímica; contudo, ao assistir ao espetáculo, nos deparamos com isso, pois acaba-se interpretando essas ações como um jogo de “imagem e ação” que se passa dentro da casa. E é isso que torna o ‘CASA’ engraçado e prazeroso de ver. A compreensão do espetáculo é fácil por conta de o seu conjunto (cenário, figurino, movimento, sonoplastia e dramaturgia) ser claramente a imitação de uma casa. Porém, ‘CASA’ não é uma simulação da realidade nem pretende sê-lo. A companhia se dispôs a fazer uma obra não realista e o conceito é reforçado em vários momentos, principalmente na cena 4 onde a bailarina toma banho vestida, causando espanto nos espectadores. O espetáculo exigiu da equipe grande dramaturgia do espaço e o roteiro do espetáculo foi assim determinado. Sua complexidade compreendeu a estrutura de três pavimentos, vários espaços diferentes formados por grandes portas, rampas, divisórias e também por outros elementos isolados, como canos (mastros de descida) e a grande surpresa do espetáculo, o chuveiro. Este trabalho buscou trazer nova percepeção de arquitetura, pois Cenografia ainda não é uma disciplina ministrada na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Nesse sentido, este ensaio pode auxiliar alunos e professores a avançar em um espaço fora do campo de atuação tradicional. Ademais, este trabalho tem como objetivo contribuir para que existam mais pesquisadores nessa área a fim de desenvolvermos estudos e pesquisas relacionados a esse tema tão enriquecedor.

Referências Bibliográficas: ASSUMPÇÃO, Maria Elena. Teatro x Narrativa: Gêneros intercambiáveis? Disponível em: http://www.revistas.usp.br/linhadagua/article/view/62341/65145. Linha D`água, 2010. CAMINADA, Eliana. História da dança: evolução cultural. Rio de Janeiro: Sprint, 1999. pp. 120. GAVRILOU, EVELYN. Inscribing structures of dance into architecture, National Technical University of Athens, Greece. PAIVA, Sônia. Encenação: percurso pela criação, planejamento e produção teatral, Editora Universidade de Brasília, 2011. SILVA, Eliana Rodrigues. Encenação e Cenografia para Dança, Diálogos possíveis, disponível em: www.fsba.edu.br/dialogospossiveis, 2007.

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SORIMA, Roberto Carlos. O design de Gringo Cardia no espetáculo “Tatyana” de Deborah Colker. Dissertação (Mestrado em Design – Universidade Anhembi Morumbi), São Paulo, 2013. STEFANOVICZ, Laiana Santos Wawzyniak. A sinergia entre moda, arquitetura e arte. 10º Colóquio de Moda – 7ª Edição Internacional 1º Congresso Brasileiro de Iniciação Científica em Design e Moda, 2014. SUQUET, Annie. O corpo dançante: um laboratório da percepção, in CORBIN, Alain; COURTINE, Jean-Jacques; VIGARELLO, Georges (org.). História do corpo: as mutações do olhar: o século XX. trad. Ephraim Ferreira Alves. Petrópolis: Editora Vozes, 2008. p. 509-540. URSSI, Nelson José. A Linguagem Cenográfica, USP, 2006.

Sites BAUHAUS. Archiv/Museum für Gestaltung, disponível em: http://www.bauhaus-archiv.de/ Acesso 18 de novembro 2016.
 CARDOSO, Ciro Flamorion. Tempos Espetaculares: Óperas, balés e filmes musicais ensinam mais sobre as sociedades em que foram produzidos do que sobre as épocas que buscam retratar. disponível em: http://www.revistadehistoria.com.br/secao/educacao/ tempos-espetaculares Acesso em 28 de setembro de 2016. CASA – Gringo Cardia Design, disponível em: http://www.gringocardia. com.br/fotos.aspx?p=dance&id=439>. Acesso em 18 de outubro de 2016. Companhia de Dança Deborah Colker – Site Oficial, disponível em: http://www.ciadeborahcolker.com.br/#!projetos/cya5/. Acesso em 24 de agosto de 2016. PLSEK, P. E. Creativity, innovation and quality, Milwaukee: ASQ Quality Press, 1998. Disponível em: http://directedcreativity.com. Acesso em 11 de novembro de 2016.

Entrevistas Fórum de Ideias: AUDITIONS 2014: GRINGO CARDIA. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=MjzP64ksav0. Acesso em 20 de setembro de 2016. Fatos e Dados Petrobras: Entrevista participativa com Deborah Colker – Parte 1. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=fjc8 asw270U. Acesso em 21 de setembro de 2016. Fatos e Dados Petrobras: Entrevista participativa com Deborah Colker – Parte 2. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=yfTw Hd54lt8. Acesso em 21 de setembro de 2016. Fatos e Dados Petrobras: Entrevista participativa com Deborah Colker – Parte 3. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=omu w56tvP_o. Acesso em 21 de setembro de 2016. Fatos e Dados Petrobras: Entrevista participativa com Deborah Colker – Parte 4. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=mVvJ oqMPo-o. Acesso em 23 de setembro de 2016. GRINGO CARDIA: NOMES DA MODA JAN 2011. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=MdP4kAnZDLM. Acesso em 21 de setembro de 2016.

DVD JE Produções: Episódio Casa (60 minutos), Extra Montando a CASA (18:46 minutos). Companhia de Dança Deborah Colker.

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12. ARARA BRASILEIRA: PROCESSO E CRIAÇÃO DA BODYPAINTING PARA A COMISSÃO DE FRENTE DO GRÊMIO RECREATIVO ESCOLA DE SAMBA PARAÍSO DO TUIUTI - CARNAVAL 2017 Mona Magalhães, Doutora – Unirio. Resumo: Este trabalho é parte da pesquisa institucional O Corpo e a Cidade: pesquisa sobre bodypainting. Nele é feita uma reflexão acerca das transformações da bodypainting e a análise do processo de criação de Johannes Stoetter, artista italiano, conhecido pelas camuflagens realistas e ilusões de animais cujos corpos suportes desaparecem sob as formas, cores e texturas, como em Chameleon, Frog, Parrot, Angelfish e The Wolf. O foco será no processo da bodypainting Arara Brasileira, constituída por doze corpos femininos, criada por Stoetter, a pedido do coreógrafo Jaime Aroxa, para a comissão de frente do Grêmio Recreativo Escola de Samba Paraíso do Tuiuti, Rio de Janeiro, no carnaval de 2017. A abordagem é feita a partir de conceitos semióticos, da observação e da posterior assistência na execução da pintura corporal. Analisam-se as referências, o esboço do projeto, a seleção dos corpos, os materiais, a articulação entre imagem e movimento e o modo como o referido bodypainter trabalhou. Palavras-Chave: Bodypainting, Corpo, Johannes Stoetter.

Résumé : Ce travail fait partie de la recherche institutionnelle O corpo e a cidade: pesquisa sobre bodypainting. Il est fait une réflexion sur les transformations de bodypainting et une analyse du processus de création de Johannes Stoetter, artiste italien, connu pour des illusions de camouflage réalistes et des animaux dont les corps déteteurs disparaissent sous les formes, les couleurs et les textures, comme en Chameleon, Frog, Parrot, Angelfish et The Wolf. L'accent sera mis dans le processus de bodypainting Arara Brasileira, composé de douze corps féminins, créé par Stoetter à la demande du chorégraphe Jaime Aroxa, pour la comission d’avant du Grêmio Recreativo Escola de Samba Paraiso do Tuiuti, Rio de Janeiro, carnaval 2017. L'approche est fait à partir des concepts sémiotiques, de l'observation et de l'assistance ultérieure, mise en exécution de la peinture corporelle. Analyser les références, les grandes lignes du projet, la sélection des corps, les matériaux, la relation entre l'image et le mouvement et la façon dont le bodypainter a travaillé. Mots-cléfs : Bodypainting, Corp, Johannes Stoetter.

A bodypainting me atraiu de forma arrebatadora durante os estudos para a pesquisa de doutorado, quando fui descobrindo as potencialidades artísticas desta forma de arte, considerada como fine art, ou seja ,”uma arte praticada principalmente por seu valor estético e intelectual e julgada por sua beleza e significado, tal com a pintura, a escultura, o desenho, a aquarela” (Cambridge Dictionary, 2017), entre outras. A partir de então, fui conhecendo diversos estilos e artistas dedicados à “mais antiga e sedutora forma de arte”, conforme define o artista americano Craig Tracy (2012). A bodypainting está presente em todos os continentes do mundo há milhares de anos, contudo sofreu diversas modificações nos tempos atuais. Mas, em comum, entre a realizada pelos povos pré-letrados e a feita pelos artistas contemporâneos, há o suporte e as cores exuberantes. A efemeridade inerente a essa arte seria outro ponto comum, não fosse o registro fotográfico que é, via de regra, o objetivo final das pinturas corporais atuais, mesmo que a intensidade da semiose sensível aconteça no aqui e agora, no ato da aplicação das cores sobre o corpo. A evolução cosmética e tecnológica colaborou com as transformações da bodypainting, propiciando, desse modo, o desenvolvimento de diversos estilos e múltiplas possibilidades de fraturar o sentido cotidiano. O modo como o corpo suporte é utilizado também se modificou consideravelmente. Atualmente as propriedades de conexão e compactação dos invólucros corporais 32 podem ser preservadas e/ou deformadas, muitas vezes promovendo o desaparecimento do corpo sob a pintura, numa revolução semiótica que produz sentidos inesperados.

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Jacques Fontanille estabelece três propriedades de base do invólucro (como superfície de inscrição) : conexidade, compacidade e filtro de triagem. (FONTANILLE, 2017, p.123)

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Os povos das culturas pré-letradas possuem um corpo sacro que é entendido como pertencente à natureza e é valorizado por essa condição. Segundo a antropóloga belga Viviane Baeke (1997, p. 19), a pintura corporal, as tatuagens e as escarificações, como as vestimentas, são maneiras de valorizar e/ou mudar o sentido do corpo. Além da busca estética nessa transformação, os motivos principais da metamorfose corporal são as relações sociais, religiosas ou políticas. De modo geral, essas culturas procuram preservar tanto a compactação e a conexão do corpo (corpo e cabeça) quanto a conexão dele com o mundo natural. São corpos que possibilitam uma leitura polissensorial, a partir da força de ligação entre eles e o grupo, como também com o entorno e o cosmos, que fazem deles um espaço de semiotização durante toda a vida. São redes de leitura das ocorrências do dia a dia. Um corpo cujas formas e transformações esclarecem, de acordo com o semioticista francês Jacque Fontanille (2004, p. 17), o percurso “fenomenológico e encarnado” da significação. Quanto aos corpos contemporâneos, para o sociólogo francês David Le Breton (2003) eles ou são cultuados ou são desprezados nesses tempos de exibição de músculos tonificados, de beleza estética acima de qualquer coisa, que produzem imagens corporais constantemente reversíveis, às quais se atribuem incertezas de significados que acabam parecendo ser inatingíveis. Um corpo que, tal como o rosto, acentua a sua situação de projeto, como define o linguista Jose Luiz Fiorin (2008). O corpo contemporâneo não é nada mais que um projeto, um corpo inacabado. O corpo que antes era pertencente à natureza, hoje é da ordem da cultura. Um indivíduo de antigamente se resignava ao corpo com que nascera; agora, diante dos avanços da cosmética, da produção dermatológica, das cirurgias plásticas, o corpo possui uma imagem idealizada “e em relação a ela, o corpo de cada um é sentido como uma falta” (FIORIN, 2008, p. 149). A maioria dos seres humanos contemporâneos perdeu a ligação com a natureza e faz dos seus corpos projetos enunciativos culturais e, de acordo com o filósofo francês Deleuze, restritos ao rosto. Deleuze e Guattari (1996) perguntam o que fazer para reiventar o corpo contemporâneo como multiplicidade heterogênea e polivalente. Seria, então, preciso levar o rosto a um “desfazimento”, “encontrar ou fazer surgir a cabeça sob o rosto” (DELEUZE, 2007, p. 28) e descobrir um “corpo sem órgãos”, em que seria necessária a arte, com todos os seus recursos, como instrumento para liberar no corpo todos os “devires” reais. Apenas a arte provocaria a junção dos corpos contemporâneos com a natureza, liberandoos, desse modo, apenas do sentido social para criar novos efeitos de sentido. Vale ressaltar que nem todas as bodypaintings contemporâneas primam pela relação com a natureza, como nas pinturas dos pré-letrados; mas para alguns bodypainters contemporâneos, como Stoetter, a conexão com a natureza é essencial e a bodypainting seria como uma ponte entre terra, corpos e almas. 1 - Johannes Stoetter: conexão perfeita entre natureza, corpos e arte Chameleon, Frog, Parrot, Angelfish, The Wolf são algumas das bodypaintings que fizeram com que Johannes Stötter se tornasse conhecido no mundo inteiro. Stötter é um artista autodidata que nasceu e vive nas montanhas da Itália. Formado em Educação e Filosofia pela Universidade de Innsbruck, Áustria, é também músico e pintor, e um dia teve a ideia de usar o corpo como suporte, sem nunca ter ouvido falar da bodypainting contemporânea. Não tinha visto fotos; sem saber se havia material apropriado para a pintura corporal, pintou um corpo e, a partir de então, nunca mais parou. Ganhou prêmios nos diversos festivais de pintura corporal pelo mundo, mas foi no World Bodypainting Festival, na Áustria, em 2012, que ele chegou ao topo entre os melhores do mundo com as bodypaintings Avantgarde e Inner Fears. Hoje em dia ele é um mestre das ilusões e camuflagens e trabalha quase que exclusivamente com as pinturas corporais no próprio estúdio, onde produz bodypaintings que são oferecidas para venda em forma de pôsteres, 33 por meio do seu site . Além de viajar pelo mundo para ministrar workshops, para cumprir contratos de publicidade e para participar de eventos.

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http://www.johannesstoetterart.com

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No mês de julho de 2015 estive na 18ª edição World Bodypainting Festival, com o intuito de recolher dados para a pesquisa O Corpo e a Cidade: pesquisa sobre bodypainting, que desenvolvo desde a defesa da minha tese de doutorado, em 2010, também sobre esse tema. Foi quando tive a possibilidade de conhecer Stoetter pessoalmente e, em dezembro de 2016, o privilégio de acompanhá-lo na criação da Arara Brasileira para a comissão de frente do Grêmio Recreativo Escola de Samba Paraíso do Tuiuti, trabalho artístico inédito apresentado durante o carnaval 2017 para o desfile do Grupo Especial das escolas de samba do Rio de Janeiro, e que impressionou pela grandiosidade, beleza, poesia em forma de corpos pintados em movimento. A ideia de trabalhar com a bodypainting foi do coreógrafo da comissão de frente, Jaime Aroxa, que já era um admirador dos trabalhos de Stoetter. O enredo da Paraíso de Tuiuti, desenvolvido por Jack Vasconcelos, foi o Carnavaleidoscópio Tropifágico, em homenagem ao tropicalismo, movimento na arte brasileira que surgiu no final dos anos 60, cujas principais características, nas artes visuais, eram o uso de cores psicodélicas e a valorização dos elementos da realidade cultural brasileira, entre eles os papagaios e araras. Assim começou a surgir a Arara Brasileira (Fig. 1), formada pela articulação das formas de doze corpos femininos, dispostos como asas abertas em pleno voo e cobertos pelas cores características da ave. Ela deu ao bodypainter italiano a oportunidade de trabalhar com o maior número de corpos com que ele já havia trabalhado, para criar a ilusão de um animal, uma vez que até então o artista havia trabalhado com no máximo cinco corpos na pintura Frog.

Figura 1: Arara Brasileira, bodypainting Johannes Stoetter. Fonte: WBproduction.

2. Revolução Semiótica: o jogo de Stoetter a partir da manipulação das propriedades dos corpos. Das propriedades dos invólucros corporais destacadas por Fontanille (2004), Stötter explora magistralmente duas: - Conexidade: a pintura aplicada sobre a pele pode reforçar e realçar a propriedade de conexão do corpo, deixando-o como um todo único e contínuo; ou ela pode ser uma

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pintura que promova descoordenadamente.

a

segmentação,

dividindo-o

coordenadamente

ou

- Compacidade: a pintura, por meio de aplicação de próteses e/ou outros corpos, elementos supérfluos e inesperados, se ajusta ao corpo, assumindo, desse modo, a característica de compactação. Quando provoca espaços vazios, por meio de cores intensas, despreza essa propriedade corporal, provocando a ilusão de um corpo oco. Na Arara Brasileira os corpos de doze dançarinas são utilizados como elementos que se ajustam mutuamente. Todavia, eles estão ao mesmo tempo segmentados, por exemplo: os braços de uma dançarina são utilizados para formar o bico da Arara, o restante do corpo fica escondido atrás dos demais corpos. Do mesmo modo, o tronco, o quadril e as coxas de outra dançarina servem de suporte para parte do corpo, para os pés (formados pelas mãos de duas outras dançarinas) e o rabo da ave e assim por diante. Tais articulações aumentam a complexidade do conjunto e promovem o recuo total dos corpos na composição final. Os corpos fracionados funcionam de modo articulado dentro de uma totalidade que é a Arara, mas a noção do corpo contínuo se afasta, comprometendo a propriedade de conexão. Simultaneamente, o artista italiano espessa a composição com outros corpos que se encaixam perfeitamente sobre uma base de apoio preparada anatomicamente para suportar e acomodar os corpos adequada e confortavelmente. Eles guardam a memória uns dos outros, um corpo se antecipa ao outro, como também ao contato entre eles. São ergonômicos, os corpos e a base de apoio, guardam as formas dos outros corpos e se completam. Desse modo, a compactação ressalta a oscilação dos modos de presença já provocada pelo comprometimento da propriedade de conexão, isto é, aumentando o desaparecimento dos corpos para que a Arara possa aparecer. Além da multiplicação de corpos segmentados, temos um complexo variado de cores que formam texturas e estas impedem a visão dos espaços vazios da divisão entre os corpos. Assim, a virtualização do corpo ocorre pela articulação das cores, texturas, espessuras e descontinuidades de corpos, tornando-os, desse modo, mais que superfície de inscrição, mas uma presença virtualizada, a fim de que possa criar uma ilusão de realidade do pássaro. A revolução de sentidos (Fig.2) se dá pelo movimento de percepção do observador diante da Arara Brasileira pintada por Stoetter: segue do ato de ascendência (Atualizado → Realizado : Arara) , no qual a Arara recebe uma expressão e um estatuto de realidade, para o ato decadente (Potencializado →Virtualizado: Corpo) que culmina no desaparecimento do corpo. É o aparecimento de uma forma que estabelece uma relação mútua com desaparecimento de outra. Todavia, o corpo não é apenas uma superfície que pode ser pintada, cujas propriedades podem ser ressaltadas ou descompostas; ele é também movimento: “uma interação entre forças e substâncias, entre uma energia e uma matéria” (FONTANILLE, 2004, p.127). Já que o próprio corpo não é apreendido como uma massa material e inerte ou como um instrumento exterior, mas como o invólucro vivo de nossas ações, o princípio destas não precisa ser uma força quase física. Nossas intenções encontram nos movimentos sua vestimenta natural ou sua encarnação e exprimem-se neles como a coisa se exprime em seus aspectos perspectivos. (MERLEAU-PONTY, 2006, p. 292)

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Figura2: Sequencia da apresentação da Arara Brasileira durante a apresentação da Comissão de Frente da Escola de Samba Paraíso do Tuiuti – Fevereiro de 2017. Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=Vd9gKwb1ioY

Assim, a segunda fase do jogo proposto para a comissão de frente ficou a cargo do coreógrafo Jaime Aroxa. Ao ser revelada, inerte dentro de um tronco, a Arara Brasileira

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começa a ganhar movimentos: balança as asas, move a cabeça para um lado e para outro e, de repente, os braços e troncos das dançarinas se elevam revelando os corpos que a compõem. Depois, as dançarinas saem da base de apoio para, em seguida, remontarem o enorme pássaro. A coreografia se configura numa nova revolução semiótica, na qual o movimento de percepção do observador diante dos corpos coreografados por Aroxa segue do ato de ascendência (Atualizado → Realizado : corpos) , no qual os corpos recebem uma expressão e um estatuto de realidade, para o ato decadente (Potencializado →Virtualizado: Arara) que culmina no desaparecimento da Arara. O jogo, ou melhor, os jogos continuam pela avenida para provocarem mais revoluções de sentido em novos observadores.

3 - O processo de criação da Arara Brasileira Durante o processo de criação da bodypainting (Fig.3) para a comissão de frente da Paraíso de Tuiuti aconteceram apenas quatro encontros presenciais e diversos virtuais. Em dezembro foi feita a seleção dos dozes corpos que comporiam a imagem da Arara: quatro para o corpo e oito para as asas, que exigiam corpos semelhantes em estatura e volumes, por conta da simetria. Nesse primeiro encontro também foi elaborada a base de apoio sobre a qual se disporiam os corpos que formavam as asas e o bico. Foi a partir dessa base e da formação corporal que foram estabelecidas as cores e incorporados os movimentos. A bodypainting propriamente dita foi feita apenas duas vezes: o teste em dezembro e a segunda vez para o desfile na Sapucaí.

Figura 3: Processo da Arara Brasileira, bodypainting Johannes Stoetter. Fonte: WBproduction.com

4 - O ritual da pintura Foi emocionante ver ao vivo a preparação do que o próprio Stoetter define como um ritual não planejado por ele, mas que acontece e se desenvolve por si mesmo: diante dos corpos expostos ele se concentrava, tendo na tela do notebook a imagem referência da arara de asas abertas, em pleno voo, e o croqui (Fig.4). Ele se posicionou em frente aos corpos, numa distância de cerca de cinco metros, amarrou uma faixa branca nos cabelos e, ao som de uma música selecionada especialmente para esse momento, que o motiva e lhe proporciona um estado diferente, acompanhou o processo das marcações das áreas de

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cores. Há uma conexão divina entre os corpos, a música e o artista. Em transe, ele se aproximava e se afastava da formação de corpos, os olhos atentos, sem possibilidade de desvio; havia apenas a obra e o artista. Stötter voava junto com o pássaro, braços abertos, os olhos percorrendo todos os pontos de cada corpo. Ia e voltava no ritmo pulsante comandado pela música. Ao fim desse ritual, os primeiros traços estavam perfeitamente equilibrados, definindo as áreas que receberiam os tons de fundo: o azul, o verde claro e o vermelho. Ele retirou a faixa dos cabelos, desligou a música e, a partir desse momento, os corpos suportes já puderam sair das posições e se movimentar para reativar a circulação após um período em posições desconfortáveis. Após essas primeiras marcações, cada corpo foi pintado individualmente. Depois os corpos foram reconectados para novos rituais, para os acertos e para os detalhes. Cada etapa foi fotografada, observada e, caso houvesse necessidade de alterações, o processo era retomado até que corpos, cores, texturas, intensidade tivessem composto plenamente a imagem da Arara Brasileira. Para a execução da pintura corporal, Stoetter contou com a colaboração de três assistentes: a austríaca Sabbi Solderer e a italiana Elisa Hochreiner, assistentes habituais às quais eu me juntei.

Figura 4: Croqui da Arara Brasileria, bodypainting Johannes Stoetter. Fonte: WBproduction.com

Stoetter procura estar sempre em contato com a natureza; é dela que vem a sua inspiração. Ele estuda, pesquisa e observa os animais, e procura conhecê-los ao vivo. Agilidade e rapidez são características do trabalho dele, e não é qualquer produto que 34 atende a essa necessidade. Ele utiliza a acquacolor , que dispõe de cores intensas, desliza facilmente sobre os corpos e ainda permite sobreposição de camadas. Outro destaque importante nos trabalhos é a não utilização de qualquer tipo de próteses ou extensões, apenas corpos e a manipulação das propriedades corporais. Sobre os cabelos presos das dançarinas da comissão de frente, foi utilizada apenas argila, que deu unidade a todas as cabeças. Apesar de ficar escondido sob as cores, o corpo é o protagonista da obra e ao mesmo tempo uma grande surpresa, como a que se deu na passarela do samba, quando o

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Produto solúvel em água bastante utilizado para as pinturas corporais.

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público, após a desconstrução da imagem da arara, ovacionava e aplaudia ao descobrir que não se tratava de uma escultura, mas de corpos vivos e dançantes. Outra inovação em relação à bodypainting é que ela vem saindo do estático, da bidimensionalidade da fotografia, e começa a se inserir em espetáculos variados. Apesar de a movimentação das ilusões não ser uma novidade para Stötter, que já movimentava os corpos pintados em Angel Fish, Chameleon, The Wolf e Frog, essas são obras constituídas por um, dois, três e cinco corpos respectivamente e disponibilizadas em vídeos. A Arara Brasileira foi composta por doze corpos e apresentada ao vivo em um desfile de carnaval. As revoluções semióticas só foram possíveis para os que estiveram presentes durante a apresentação da comissão de frente. Parte do jogo proposto está na fotografia oficial (Fig. 1) divulgada na internet: encontrar os corpos sob as camadas de cores e texturas. Apesar de haver vídeos que circulam pela internet, a movimentação e o impacto promovido por ela ficaram na memória de quem assistiu.

Referências bibliográficas: BAEKE, Viviane. Pintar o Corpo. In: O Correio da UNESCO, n.2, ano 25, Fevereiro 1997. p. 19-21. http://dictionary.cambridge.org/pt/dicionario/ingles-portugues/fine-art. Fonte: Cambridge Dictionary: http://dictionary.cambridge.org/pt/dicionario/ingles-portugues/fine-art Acesso em 03 de Junho 2017 DELEUZE, Gilles. Francis Bacon: lógica da sensação. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007. __________; GUATTARI, Félix. Mil Platôs - capitalismo e esquizofrenia. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1996. LE BRETON, David. Adeus ao corpo: antropologia e sociedade. Campinas: Papirus, 2003. FIORIN, José Luiz. O corpo representado e mostrado no discurso. In: OLIVEIRA, Ana Claudia de (org.). Corpo e Moda: por uma compreensão do contemporâneo. São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2008. p. 137-149 FONTANILLE, Jacques. Soma et Séma; figures du corps. Paris: Maisonneuve & Larose, 2004. MAGALHÃES, Mônica Ferreira. As articulações entre o corpo e a maquiagem corporal de Craig Tracy. Estudos Semióticos. [on-line] Disponível em:〈 http://www.fflch.usp.br/dl/semiotica/es> . Editores Responsáveis: Francisco E. S. Merçon e Mariana Luz P. de Barros. Volume 7, Número 1, São Paulo, junho de 2011,p. 48–55. _____________. Maquiagem e pintura corporal: uma análise semiótica / Mônica Ferreira Magalhães. – 2010. 236 f. Orientadora: Lucia Teixeira. Tese (Doutorado) – Universidade Federal Fluminense, Instituto de Letras, 2010. Bibliografia: f. 214-222. MERLEAU-PONTY, Maurice. A estrutura do comportamento. São Paulo: Martins Fontes, 2006. STOETTER, Johannes. http://www.johannesstoetterart.com/ Acesso em 01/05/2017. TRACY, C. The Fine Arte bodypainting of Craig Tracy. Atglen: Schiffer Publishing, 2012.

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13. BENJA NA BIENAL INTERNACIONAL DAS ARTES DO CIRCO E RESIDÊNCIA ARTÍSTICA EM MARSEILLE: IMPRESSÕES DO PALCO Nadia Moroz Luciani, Mestre - UNESPAR – Campus de Curitiba II – FAP, Designer de Luz.

Resumo: Apesar de atuar e pesquisar quase que exclusivamente na área da iluminação cênica, a oportunidade de experimentar uma nova atividade, também relacionada às tecnologias teatrais, me permitiu um novo olhar, de um novo ponto de vista, das artes da cena e seus elementos sensoriais. Este artigo pretende, assim, relatar a experiência internacional de participação do espetáculo Benja na Bienalle Internacionalle des Arts du Cirque de Marseille, na França, em janeiro de 2017, e minha atuação como diretora de palco, uma função muito valorizada na Europa, durante os processos de criação, montagem e apresentação da peça que narra, de forma poética e cênica, a vida e obra do primeiro palhaço negro do Brasil, Benjamim de Oliveira, natural de Pará de Minas, cuja relevância está no fato de ter introduzido, em pleno século XIX, o samba e o teatro nas artes do circo. O relato inicia-se com a residência artística na Gare Franche, um espaço de convivência e criação em arte equipado e preparado para fomentar a experiência criativa de forma intensa e profunda de grupos artísticos do mundo todo. Após o período de residência, no qual a criação do espetáculo foi concluída e foram feitas duas sessões de pré-estréia para crianças das escolas publicas do bairro, a montagem foi tranferida para a tenda de circo do Cirque Electrique, montada no Village Chapiteaux, na Praia do Lido, onde realizamos a temporada de três apresentações com muito sucesso e receptividade por parte do publico francês e demais participantes da Bienal. Os aspectos mais importantes do relato deverão concentrarse nos recursos técnicos e humanos da experiência e na expertise da estrutura de montagem e preparação da cena, tanto na pré-montagem no espaço cênico na Gare Franche quanto na montagem na tenda de circo para as apresentações finais, bem como na experiência de uma profissional de iluminação cênica como diretora de palco e contra regra de um espetáculo teatral/circense, com seus resultados, dificuldades e êxitos. Palavras-chave: Direção de palco; residência artística; experiência internacional

Abstract: In spite of work and research almost exclusively in the lighting design area, the opportunity to experience a new activity, also related to theatre technologies, allowed me a new look, from a new point of view, of the different artistic expressions of theatre and its sensorial components. This article aims to relate the international experience of presenting Benja in the Bienalle Internacionalle des Arts du Cirque de Marseille, in France, this january 2017, and my first practice as stage manager, a new function, very respected in Europe, during the creation, setting and presentation process of the play that tells, in a very poetic and theatrical way, the life and work of the first black Brazilian clown, Benjamim de Oliveira, born in Pará de Minas. His importance is due to the fact that he introduced, in the XIX century, the samba and the theatre to the circus arts. The report starts with the artistic residence in Gare Franche, a living space to coexistence and creation in art specially prepared and equipped to encourage and instigate the creative experience of artistic groups from all over the world in an intense and profound manner. After the residence period, in which the creation of the show was achieved and two special premiers had place to the local community and students from the public schools of the neighbourhood, the show had been transferred to the Cirque Electrique circus tend, set in the Village Chapiteaux, on the Lido Beach in Marseille, where had place three very successful presentations, received with a good reception by the French public and others Biennale participants. The most important aspects of the report are related to the technical and human resources of the whole experience and the high expertise of the Festival structure for stage preparing and setting in either situations, the preview in Gare Franche and the final presentations in Village Chapiteaux, but also the latest experience of a lighting designer as a stage manager and prop assistant in a theatre/circus show and its results, difficulties and success. Keywords: Stage managing; artistic residence; international experience

O convite para participar do Projeto Benja, da Companhia carioca Borogodó, em sua apresentação na 2ª Bienal Internacional das Artes do Circo foi, desde o início, inusitado e surpreendente, considerando que se tratava de um convite para atuar não como iluminadora ou tradutora técnica, atividades que desempenho há mais de 25 anos, mas como diretora de palco, algo que eu já havia experimentado informalmente em outras circunstâncias, mas

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nunca efetivamente exercido profissionalmente, sobretudo em uma realidade internacional com um espetáculo que mal conhecia. Aceito o desafio, parti para a descoberta das funções e dos papéis que me seriam propostos nessa experiência.

Como forma de organizar o relato e apresentar, o mais objetivamente possível, seus fatos, procurei organiza-los em quatro diferentes abordagens, considerando cada um dos aspectos marcantes da experiência, que considerei relevantes e dignas de serem compartilhadas nesta comunicação: 1. o espetáculo Benja; 2. a residência artística na Gare Franche / Cosmos Kolej; 3. as novas funções de diretora de palco e contra-regra; 4. as montagens do espetáculo considerando a estrutura e a organização do BIAC. BENJA O espetáculo Benja, com concepção, dramaturgia e direção geral de Karen Acioly, une teatro, música e artes circenses para contar a história da vida e obra de Benjamim de Oliveira, o primeiro palhaço negro do Brasil e, quem sabe, do mundo (ABREU, 1963). Nascido em 1870 na cidade de Pará de Minas, abandou sua casa com apenas 12 anos para seguir a vida no circo como acróbata e trapezista, mas no qual acabou por introduzir, com graça e astúcia, as artes do samba e do teatro, dando início, por volta de 1920, ao gênero do teatro de pavilhão ou circo-teatro (SILVA, 2003). A narrativa lúdica e a inserção de números circenses no espetáculo lhe renderam o convite para participar da Bienal Internacional das Artes do Circo, mas o charme de apresentar a chegada de um menino negro e pobre ao sucesso e reconhecimento como artista e a excentricidade do samba com sua musica e dança envolventes foi a fonte do sucesso e da admiração por parte do público francês, principalmente o infantil. O elenco era integrado por apenas três artistas: o ator, bailarino, capoeirista e músico Alan Rocha interpretando Benja, a atriz, bailarina, contorcionista e acróbata Natasha Jascalevich e o ator, músico e maestro Roberto Burguel, que, além de interpretar o dono do circo, também foi responsável pela composição das músicas e direção musical do espetáculo. Além dos artistas brasileiros, a equipe contava também com dois integrantes nativos, o cenógrafo francês David Bartex e o videomaker Thomas Pachaud, este último também responsável pela pré-produção do espetáculo junto à Bienal.

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Capa do Dossier do Projeto Benja – Cia. Borogodó

RESIDÊNCIA ARTÍSTICA Apesar de ouvir cada vez com mais frequência o termo, até ingressar no projeto Benja eu nunca havia vivido a experiência de uma Residência Artística e fui surpreendida pela intensidade e profundidade possível neste tipo de interação criativa, na qual artistas e técnicos responsáveis pela concepção e realização de um espetáculo ficam imersos no processo criativo num ambiente de convivência e de criação ininterruptas. Definida como ambiente de formação, criação e difusão pelo pesquisador Marcos Moraes, a residência artística destaca-se, na atualidade, como uma instituição de relevante papel para o apoio, fomento e desenvolvimento das práticas artísticas contemporâneas e pode-se identificar a sua proliferação, em todas as partes do mundo, a partir da década de 1990, como um fenômeno a ser estudado sob as diferentes perspectivas relativas ao processo de produção (MORAES, 2009). O espaço definido para este trabalho da Cia. Borogodó foi o La Gare Franche – Cosmos Kolej, um espaço de residência artística no 15º arrondissement de Marseille, um bairro popular habitado por imigrantes e população de baixa renda. Criado pelo diretor polonês Wladyslaw Znorko em 2001 para abrigar a companhia de teatro Cosmos Kolej, logo começou a acolher outras companhias e artistas de diferentes lugares e linguagens artísticas. La Gare Franche é um lugar atípico, que encerra atividades ligadas à arte, ao social, à ecologia, jardinagem, estudo e civilidade, ou seja, um laboratório de criação amplo e abrangente. Ela disponibiliza, em seus domínios, condições e ferramentas para a criação e produção de toda sorte de arte: espaço físico, equipamento técnico e uma habitação para receber e alojar a equipe durante este processo. A experiência na Gare Franche foi extremamente rica e importante por me permitir conhecer profundamente o espetáculo, que foi trazido à França inconcluso, ainda em processo, e cujos elementos sensoriais estavam, apesar de delineados, bastante indefinidos. Como eu era a única da equipe que não havia participado da primeira fase dos ensaios, ainda no Rio de Janeiro, esse fator colaborou muito para minha atuação como diretora de palco, pois realmente pude me sentir parte da equipe de criação, mesmo não sendo responsável por nenhuma linguagem, especificamente, mas podendo participar, opinar e compreender cada elemento da criação na sua essência, desde a marcação e direção das cenas, até a concepção dos personagens, criação da luz e demandas de instalação do cenário, composto por três grandes telas de projeção, alguns elementos de arte circense e uma estação musical.

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Outro aspecto importante do processo de residência foi a decisão coletiva da tradução e interpretação do espetáculo na língua francesa. A primeira proposta era de que o texto original seria representado em português com legendas em francês projetadas nas telas do cenário, considerando principalmente que, de todo o elenco, apenas o maestro falava francês e, mesmo assim, sem muita fluência. Ao longo do processo de ensaios da residência artística, no entanto, foi surgindo, lentamente e muito provavelmente motivada pelo clima de imersão em território francês, a sugestão de traduzir e representar o espetáculo na língua local. Todos os membros da equipe com domínio da língua, franceses ou não, colaboraram com este processo, o que gerou uma integração extra de seus membros. O desafio foi grande, mas bravamente vencido pelo elenco, apoiado por toda a equipe de forma colaborativa e muito participativa.

Espaço de Residência Artística La Gare Franche – Marseille/França

DIREÇÃO DE PALCO E CONTRA-REGRAGEM Atuar na função de diretora de palco, reconhecida internacionalmente como stage manager e, na França, como directeur de scène, régisseur plateau ou directeur technique, me fez vislumbrar uma situação nova com a qual eu já havia me confrontado em espetáculos amadores, acadêmicos ou informais, mas nunca de forma profissional assim nominada e cujas especificidades práticas ou conceituais eu desconhecia, apesar da obviedade dos títulos. É importante destacar que, depois desta experiência, mesmo tendo plena consciência da importância do cargo e das funções relacionados a esta atividade, pude constatar o quanto elas são mal compreendidas e executadas tanto por coletivos teatrais quanto pelos próprios profissionais envolvidos, ao ponto de haver pesquisas acadêmicas a nível de graduação e pós-graduação, no Brasil e no exterior, que se ocupam de defini-las ou, ao menos, compreendê-las, a exemplo do trabalho do pesquisador Rafael Augusto Bicudo de Souza, coordenador geral do Projeto Diretores de Cena Brasil e pesquisador que investiga a 35 formação e o papel do diretor de cena enquanto criador dentro de processos teatrais .

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Informações contidas no http://lattes.cnpq.br/7608213843015307

Currículo

do

Sistema

Lattes

disponível

no

endereço

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Um pouco do que eu consegui encontrar, em pesquisas posteriores, para entender melhor essas particularidades, foi o que estabelece o Quadro Anexo ao Decreto nº 82.385 da Lei nº 6.533 – TÍTULOS E DESCRIÇÕES DAS FUNÇÕES EM QUE SE DESDOBRAM AS ATIVIDADES DE ARTISTAS E TÉCNICOS EM ESPETÁCULOS DE DIVERSÕES, de 5 de outubro de 1978, que dispõe sobre a regulamentação das profissões de artistas e técnicos em espetáculos no Brasil e traz a descrição da profissão regulamentada de diretor de cena, nestes termos: Diretor de Cena – Encarrega-se da disciplina e andamento durante a representação; faz cumprir as normas e horários para o bom andamento do trabalho, elabora tabelas de avisos, notificando os corpos técnico e artístico do andamento e alterações do trabalho; comunica ao contra-regra as irregularidades ou problemas de manutenção de objetos, cenários e figurinos. Não há descrição ou menção ao termo diretor de palco, mas na oportuna relação com o universo circense, cabe observar as descrições das funções de diretor circense e mestre de pista, que parecem apontar alguns caminhos para verificar as diferenças e similaridades existentes entre elas, o que contribui também para a dificuldade em compreende-las e distingui-las com mais precisão. Diretor circense – Programa o espetáculo, dirige o ensaio e a apresentação e é responsável pela organização e boa ordem do espetáculo. Mestre de Pista – Encarregado de espetáculo circense obedecendo e fazendo obedecer à programação do Diretor Artístico, através do programa interno; fixa avisos em tabelas, apresentando e auxiliando a apresentação, quando há apresentador. As atividades a mim designadas na experiência com o espetáculo Benja eram, além da importante atuação como tradutora técnica, uma função que mereceria um capítulo a parte pela complexidade do seu desempenho, que extrapola em muito a habilidade ou capacidade linguística para traduzir um diálogo ou processo de trabalho de uma língua para outra, mas envolve e requer extensos conhecimentos da profissão, atividade e área em que se insere, não foram bem esclarecidas nem explicadas num primeiro momento, o que só aumentou minha curiosidade e ansiedade em relação ao trabalho. Logo entendi que deveria coordenar as montagens técnicas do espetáculo, cuja criação se encontrava em processo e seria concluída durante a residência artística de 10 dias na França, mais especificamente do cenário e da luz, mas também do som, além de alguns movimentos e orientação da contraregragem do cenário durante o espetáculo e da coordenação, junto à equipe francesa e da Bienal, do transporte, logística e outros aspectos que se apresentassem no percurso. Foi gratificante vencer o desafio e perceber que tudo correu bem e que o que parecia impossível no início foi realizado a contento, segundo a opinião geral. EQUIPES E MONTAGENS TÉCNICAS Alguns aspectos específicos também foram responsáveis pelo bom desempenho e êxito do trabalho, dentre eles o domínio da língua e o ótimo relacionamento estabelecido tanto com a equipe brasileira quanto com a francesa do projeto e da Bienal. A convivência em residência artística também favoreceu este aspecto pelo clima de intimidade que acabou por se instalar entre as pessoas a partir da coabitação cotidiana e da cumplicidade gerada no processo intenso de trabalho. Outro aspecto digno de destaque tem relação direta com a organização do festival e profissionalismo com que os aspectos técnicos são considerados, em geral, na Europa e nos EUA, diferente do Brasil onde condições de qualidade e seguranças são muitas vezes preteridas em detrimento do barateamento dos custos ou das dificuldades de produção com equipamentos ou recursos humanos. Apesar do período de residência artística não fazer parte da programação da Bienal, nós fomos atendidos, na primeira montagem feita no teatro laboratório da Gare Franche, pelas mesmas equipes de montagem, já com vistas à programação e organização da montagem definitiva no Village Chapiteaux, local da representação oficinal na Bienal. A equipe organizadora da Bienal era, conforme publicado no site do evento, bastante enxuta e, para as questões técnicas, limitada a um responsável geral em cada área, a saber: Diretor Técnico – Hervé Bigey, Coordenadora Técnica – Ysa Tomaso, Gerente Principal de Palco e Gerente Geral – Ulrich Lopez, Gerente Principal de Iluminação – Laurent Blanchard e Gerente Principal de Som – Alexandre Pax. Como estávamos no Village Chapiteaux, ambiente principal da programação, fomos atendidos por esta equipe, mas imagino que houvessem outros profissionais atendendo os demais espaços da Bienal, mas certamente sob a coordenação desses Gerentes Principais de cada área. É importante destacar ainda o

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esforço dispendido na pré-produção e na programação de tudo o que seria usado, pois cada pequena modificação tinha sempre que ser muito bem negociada e explicada. Quase que não eram admitidas mudanças ou enganos, o que, para nós, representa um grande esforço e aprendizado. O cronograma de atividades nos palcos e tendas também seguia uma programação prévia revisada e confirmada diversas vezes antes da montagem para que pudesse ser respeitada e seguida à risca por todos.

Equipe da Organização da Biennale Internationale des Arts du Cirque de Mareseille

O processo de montagem nas duas situações foi tratado com o mesmo rigor e profissionalismo, mesmo que a primeira fosse apenas para os ensaios prévios e conclusão do processo de concepção e criação do espetáculo. Nós levamos um mapa de luz e a elaboração prévia do cenário do Brasil, mas como o espetáculo Benja foi elaborado a partir de uma cooperação entre os criadores brasileiros e franceses, tudo ainda estava por definir e construir. A primeira montagem foi feita com a equipe integral do festival no Teatro Laboratório da Gare Franche, chamado de Usine, mas foram feitas diversas alterações e mudanças por uma equipe que ficou à nossa disposição, bem como o técnico da casa, até que os projetos de iluminação e cenário pudessem ser dados como concluídos. Nesse momento, alguns dias antes da montagem definitiva no Chapiteau, foi realizada uma reunião de fechamento do mapa de luz e do esquema de montagem do cenário, que foram entregues à equipe técnica na Bienal em uma visita técnica ao espaço, na qual nos encontramos com os gerentes principais de cada área. A partir daí a programação e relação de equipamentos já não poderia ser alterada. O processo de residência permitiu tanto a conclusão do processo de criação quanto o amadurecimento necessário para a estreia segura do espetáculo na Bienal, pois a imersão no processo era total, com várias reuniões gerais e parciais do elenco, equipe de criação e técnica, ensaios técnicos, gerais e específicos de contra-regragem, interpretação, cenário, luz e som como raramente temos a oportunidade de fazer, pois naquelas condições tanto o espaço quanto o palco e os recursos técnicos estavam 24 horas por dia à nossa disposição.

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Montagens – Fotos de cima na Usine da Gare Franche | Fotos de Baixo no Village Chapiteaux

Todo o trabalho foi intenso, imersivo e gratificante, resultando na estreia de Benja na Bienal Internacional das Artes do Circo no Village Chapiteaux em Marseille.

Cenas do Village Chapiteaux – entardecer no dia da vista tÊcnica | durante o dia de montagem | fachada do Village Chapiteaux na abertura da Bienal na Praia do Lido em Marseille | fila na tenda do Cirque Electrique no dia da Estreia

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Com esta inusitada proposta de trabalho, cuja atividade permitiu, em todos os aspectos, um novo olhar, de um novo ponto de vista, do palco, das artes do teatro, do circo e da cena, eu pude experimentar e vivenciar também uma nova profissão, ou melhor, duas: a de diretora de palco e a de contra-regra. Pude ainda perceber e me aventurar pela pesquisa e investigação das sutilezas desta atividade, como afirma Paulo Soares (2011), que define o diretor de cena como uma espécie de maestro (o que explica o nome régisseur, usado em francês) que dá as deixas para todos e é responsável por assegurar todo o funcionamento técnico de um espetáculo (SOLMER apud SOARES, 2011). No meu caso, mais do que reger essas tarefas e até mesmo executar algumas delas, eu deveria orquestrar a montagem, os ensaios e todo o cronograma durante o processo de criação, planejamento, montagens e estreias, uma em cada espaço previsto, coordenando as equipes brasileira e francesa da companhia e equipe técnica do festival, fazendo a mediação, garantindo a comunicação, bom entendimento e execução eficiente de todas a tarefas necessárias. A missão não era pequena e, confesso, até um pouco assustadora num primeiro momento, mas muito gratificante ao ver, no final, o sorriso das crianças, o aplauso do público e a satisfação de todas as equipes envolvidas.

Novo ponto de vista – uma experiência imersiva nas entranhas do palco e do teatro, literal e figurativamente

Narrar todo este processo parecia importante para eu me dar conta da dimensão que ele representou para minha vida pessoal e profissional, para o entendimento do teatro numa profundidade maior, se é que isso é possível, da já adquirida em 30 anos de profissão e docência na área das artes cênicas, e confirmou que, mesmo depois de tantas outras experiências, espetáculos, montagens e estreias, ainda há muito o que aprender e saber sobre o fascinante mundo do teatro. Este artigo trata, então, da experiência imersiva nas entranhas do palco, nas trocas de cenário e figurino, na agitação das coxias e neste novo olhar sobre a cena, que certamente contribuirá, em muito, tanto para as antigas e frequentes atividades quanto para as novas e futuras que eventualmente ainda estejam por vir, mas sempre com a mesma paixão e dedicação pelo teatro.

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Referências bibliográficas: ABREU, Brício de. Esses Populares tão desconhecidos. Rio de Janeiro: Raposo Carneiro Ed., 1963. MORAES, Marcos José Santos. Residências Artísticas: ambientes de formação, criação e difusão. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Tese de Doutorado, São Paulo, 2009 PORTO, Sérgio. Benjamim de Oliveira – o palhaço. in Revista Manchete. Rio de janeiro: seção “Um Episódio pro semana”, 19 de junho de 1954. SILVA, Ermínia. As múltiplas linguagens na teatralidade circense. Benjamim de Oliveira e o circo-teatro no final do século XIX e início do XX. Campinas: Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP. Tese de Doutorado, São Paulo, 2003. SOARES, Pedro António. A Direção de Cena: um cargo de subtileza artística. in European Review of Artistic Studies. Vol. II, nº 3, p 15-24. 2011. Biennale Internacionale des Arts du Cirque de Marseille, disponível em http://www.biennalecirque.com/fr/, acessado em 20/05/2017. Quadro Anexo ao Decreto nº 82.385 da Lei nº 6.533 de 5 de outubro de 1978, disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1970-1979/D82385.htm, acessado em 12/06/17.

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14. O LABORATÓRIO TRANSDISCIPLINAR DE CENOGRAFIA (LTC) E A QUADRIENAL DE PRAGA Sonia Paiva, professora, Dr.ª - Universidade de Brasília. Criadora e Organizadora do Projeto de Extensão de Ação Continuada (PEAC) – LTC. Resumo: Este artigo trata-se, primeiramente, do Laboratório Transdisciplinar de Cenografia (LTC), Programa de Extensão de Ação Continuada (PEAC), da Universidade de Brasília (UnB), lócus observacional de minha tese de doutorado. Construído como uma reação natural ao sistema de ensino fragmentado das universidades, o LTC foi criado para ser um espaço aberto de saberes transdisciplinares e multiculturais, um local de colaboração entre arte, culturas, comunicação, ciências, tecnologias, educação, ecologia, economia criativa e humanidade; pensado para criar e viabilizar projetos educacionais e artísticos com potencial de mudanças humanas, culturais, sociais e políticas. Os principais fundamentos do laboratório são: colaboração, transdisciplinaridade, diversidade, economia criativa e desenho da cena. Em seguida, é apresentada a campanha curatorial das duas mostras realizadas com a equipe do LTC: a Mostra das Escolas Brasileiras do Desenho da Cena, evento de cinco dias em Brasília, etapa seletiva da Mostra dos Estudantes brasileiros do Desenho da Cena na Quadrienal de Praga de 2015 (PQ'15): BRASIL LABirintos Compartilhados. Quando fiz parte da comissão curatorial da representação brasileira na PQ'15, coordenada pelo curador geral Ronald Teixeira. O artigo se finaliza afirmando a necessidade de promovermos nas universidades uma educação colaborativa e holística como forma de modificar os paradigmas fragmentados, que não cabem mais em nossa realidade complexa. Palavras-chave: Colaboração; Desenho da Cena; Transdisciplinaridade.

Title: The Transdisciplinary Laboratory of Scenography (LTC) and the Prague Quadrennial Abstract: Firstly, This article relates to the Transdisciplinary Laboratory of Scenography (LTC in Portuguese) with is an Extension Programme of Continued Action of the Institute of Art from the University of Brasilia, where my PhD thesis was developed. Built up as a natural reaction to the fragmented teaching system of all Brazilian universities, the LTC has been aimed to be an open space for multicultural transdisciplinary knowledge. A place where there is a collaborative effort by people to link together art, cultures, communication, science, technologies, education, ecology, creative economy and humanity, in order to create a feasible and artistic projects with the potential for human, cultural, social and political changes. The main fundamentals are: collaborative transdisciplinarity, diversity, creative economy and performance design. Secondly, I would like to introduce you to the two curatorial shows that I organized together with the LTC staff: The show of the Brazilian Schools of Performance Design, a five-day event, and the 2015 Selection of Brazilian Students for Performance Design in Prague (PQ’15), also called “Brasil Shared Labyrinths”. I was part of the Brazilian curatorial commission for the PQ’15 during this event, which was coordinated by the general curator Ronald Teixeira. Finally, I urge that holistic and collaborative education should be encouraged at universities, so that we can change our fragmented paradigms, which do not belong in our complex reality any longer. Keywords: Collaboration; Transdisciplinarity; Performance design.

Introdução O Laboratório Transdisciplinar de Cenografia (LTC), Programa de Extensão de Ação Continuada (PEAC) do Departamento de Artes Cênicas, do Instituto de Artes da Universidade de Brasília (UnB), foi criado para promover experienciações holísticas, diante da necessidade de se criar conexões – objetivando religar pensadores, técnicos, cientistas e criadores –, em uma prática acadêmica voltada à realização de projetos culturais e educacionais, com enfoque no Desenho da Cena. Idealizado para: formar um espaço de saberes transdisciplinares – por meio das artes, comunicação, ciências, tecnologias, educação, ecologia, economia criativa e ciências humanas –, em função de projetos que possam ter o potencial de mudança cultural, social, política e humana. Pensado para: ser um território multicultural, que aceita a diversidade como campo fértil para a criação de projetos que resgatem a “universalidade” do espaço acadêmico.

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As metas do LTC visam: criar um núcleo de desenvolvimento de cultura criativa, sustentável e duradoura em Brasília – como forma de aproveitar os recursos humanos disponíveis na universidade e fora dela – em ações colaborativas e inclusivas entre pessoas, departamentos, faculdades, institutos, universidades e sociedade; desenvolver estratégias comunicacionais, econômicas e de difusão – necessárias à realização e à manutenção – dos projetos acadêmicos, educacionais, artísticos e culturais; usar as várias tecnologias – manuais, mecânicas e digitais – para unir o fazer artesanal com o tecnológico, trabalhando, assim, com as tradições mais antigas mescladas com as questões da atualidade.

Desenho da Cena: um campo aberto multicultural Desenho da Cena traduz o conceito de cenografia tratada como uma linguagem holística, como proposto pelos organizadores da Quadrienal de Praga, que desde 1999 empreendem esforços para reaproximar no mesmo campo: espaço arquitetônico, cenografia, figurino, iluminação, utilização de tecnologias digitais de projeção e interação. Para o LTC, o Desenho da Cena apresenta-se como um campo aberto, no qual todas as linguagens podem se encontrar e no qual não existe expressão dominante nem dominada, apenas um local de potencialidades em função de projetos coletivos. Um espaço de encontro multicultural. Os Desenhistas da Cena, no LTC, posicionam-se como inventores de mundos complexos, mundos estes que podem ser imaginários, mas que também se realizam no âmbito social, real – local e globalmente. Um grupo que busca a ressignificação entre o espaço e o humano e que trabalha colaborativamente, religando os conhecimentos. Criadores, pensadores e produtores abertos às novas tecnologias e diferentes processos, que são permeáveis uns aos outros, mas que, ao mesmo tempo, não abandonam suas origens e nem abrem mão das antigas tradições artesanais.

Reação natural ao ensino fragmentado Este trabalho iniciou-se nas salas de aula laboratoriais – de cenografia, figurino e iluminação – ministradas na Graduação do Departamento de Artes Cênicas da UnB, entre os 36 anos de 1998 a 2010 , e se expandiu como uma reação natural ao sistema de ensino disciplinar das universidades brasileiras, especialmente no que se refere ao ensino da cenografia nos cursos de Teatro e Artes Cênicas – normalmente voltados à licenciatura em teatro e à formação de intérpretes criadores –, em cujos currículos observamos a ausência dos conhecimentos específicos de fundamentos artísticos, científicos, técnicos e tecnológicos, necessários para o desenvolvimento do Desenho da Cena. Este fato empobrece, de maneira geral, o entendimento da linguagem cênica como um todo, como um organismo multifacetado que constitui uma estrutura complexa. Reconhecemos que é extremamente difícil a compartimentação do conhecimento em nosso pensar e buscamos uma prática coletiva que nos cure desse pensamento fragmentado e desconectado, o qual nos impede de trabalhar com e na realidade. Uma realidade que se mostra sempre em sua totalidade, em todas as dimensões e simultaneamente. O pensamento disciplinar é um arranjo normativo dos conhecimentos, que estabelece uma “ordem”, deixando de lado outras manifestações de conhecimento que não obedecem àquelas normas. “Admitindo que a fonte primeira é a realidade na qual estamos imersos, o conhecimento se manifesta de maneira total, holisticamente e não seguindo qualquer diferenciação” (D’AMBRÓSIO, 1990, p. 8). Em toda a minha vida, jamais pude me resignar ao saber fragmentado, pude isolar um objeto de estudo de seu contexto, de seus antecedentes, de seu devir. Sempre aspirei a um pensamento multidimensional. Jamais pude eliminar a contradição interna. Sempre senti que verdades profundas, antagônicas umas às outras, eram para mim complementares, sem deixarem de ser antagônicas. 36

Os trabalhos realizados nesse período podem ser vistos em: PAIVA, Sonia. Encenação: percurso pela criação, planejamento e produção teatral. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2011.

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Jamais quis reduzir à força a incerteza e a ambiguidade (MORIN, 2002, p. 7).

Desse modo, a criação de um Programa de Extensão – transdisciplinar, colaborativo, aberto para a participação da comunidade – veio preencher as lacunas (de pesquisadores, técnicos, artistas, artesãos e cientistas) detectadas ao longo de anos de docência e possibilitar uma educação que se relacione com a complexidade de nossa atualidade, ao invés de ignorá-la. Sobre a prática de trabalho do LTC, destaco abaixo parte do depoimento pessoal de 37 Patrícia Meschick, coordenadora de Design Gráfico do LTC entre 2010 e 2016. O trabalho do LTC valoriza e potencializa as áreas de atuação e interesses individuais de cada um. Eu me reconheço nos processos e começo a entender cada vez mais meu papel no grupo e na sociedade. Hoje, defendo as práticas colaborativas em diversos níveis e em diferentes meios de atuação. Todo este aprendizado e vivência me ensinou uma nova forma de pensar, de entender o mundo e, principalmente, de me relacionar com o meio onde vivo. O processo transdisciplinar colaborativo do LTC, defendido por Sonia, é mais do que uma metodologia de ensino, é um estilo de vida. Destaco aqui cinco conceitos que considero fundamentais para o processo colaborativo: a SIMPATIA entre os membros envolvidos, a SINCERIDADE e a TRANSPARÊNCIA nos processos e a CONFIANÇA no próximo. Para juntar tudo isso, é necessário o DESEJO de ser parte e de se reconhecer dentro de um todo (Patrícia Meschick, 2016).

O LTC na Quadrienal de Praga de 2011 Como projeto de extensão, o Laboratório Interdisciplinar de Cenografia nasceu voltado para o mundo, com suas raízes aéreas, mirando a participação na Quadrienal de Praga de 2011. Em 2010, Fausto Viana, professor de cenografia e figurino da USP, curador da Mostra das Escolas Brasileiras de Cenografia da Quadrienal em Praga 2011, convocou professores para compartilharem com seus alunos um processo pedagógico – de criação de projetos cenográficos (cenários e figurinos separadamente) – para a participação na etapa seletiva da Mostra ECA-USP, no final de 2010. Artistas múltiplos: fronteiras de linguagens e espaços cênicos era o tema da mostra. O edital solicitou que trabalhássemos com as fronteiras entre linguagens teatrais – cenografia, figurino, luz, som e arquitetura teatral – com outras manifestações artísticas do mundo contemporâneo, que interagem na formação do aluno-artista-criador. Desejou-se também identificar projetos nos quais o aluno elaborasse suas criações cênicas em espaços alternativos da própria escola, rompendo com formatos tradicionais – notadamente na relação palco/plateia. Nessa ocasião, orientei cinco grupos, em sete projetos, totalizando 20 alunos. Na seletiva de São Paulo, fomos surpreendidos com nossos resultados: cinco projetos foram selecionados para a exposição em Praga. Dois deles destacaram-se: o primeiro lugar foi para o projeto “A terceira margem do rio” e o projeto “Família à moda da casa” recebeu a terceira colocação. Após a seletiva de São Paulo, fui procurada por Viktor Dolista, Cônsul da Embaixada da República Tcheca no Brasil, que havia lido uma matéria do Correio Brasiliense sobre a nossa seleção para a Quadrienal de Praga, nos convidando para realizarmos uma mostra dos projetos escolhidos na Embaixada da República Tcheca, como forma de divulgar o evento de seu país em Brasília. Com o convite da embaixada, vimos uma oportunidade para atrairmos patrocinadores e obtermos recursos para levar o grupo para Praga. Fizemos um projeto de captação de recursos: um livreto de 34 páginas apresentando os trabalhos selecionados. A Exposição na Embaixada da República Tcheca, em 2011, foi um sucesso, e saímos de lá com a promessa do Reitor da Universidade de Brasília, José Geraldo de Souza, de custear a 37

Coletado para a tese de doutorado: PAIVA, Sonia. Laboratório Transdisciplinar de Cenografia (LTC): lócus do espaço e do desenho da Cena no Brasil – Disponível em: http://repositorio.unb.br/handle/10482/20602.

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ida de seis alunos para Praga. Também conseguimos apoio do Itamaraty para levarmos duas componentes do laboratório que já não eram mais alunas da UnB. Somados ao prêmio viagem, dado pela FUNARTE para a melhor aluna do projeto vencedor, conseguimos levar nove alunos para a PQ’11.

O LTC e a curadoria da Mostra das Escolas Brasileiras de Cenografia na PQ15. Em 2012, renomeei o laboratório para Laboratório Transdisciplinar de Cenografia, transformando-o de projeto de extensão (de tempo limitado) para Programa de Extensão de Ação Continuada (PEAC), ampliando a abrangência e o alcance das áreas participantes. Tornei o LTC o lócus observacional de minha tese de doutorado, com o objetivo de desenvolver uma metodologia processual transdisciplinar entre as diversas linguagens. No início de 2014, uma reunião foi convocada pela representação brasileira da Quadrienal de Praga de 2011, liderada pelo curador geral Antônio Grassi, com a participação dos curadores-adjuntos Aby Cohen e Ronald Teixeira (da Mostra Nacional), Rosane Muniz (de figurinos radicais), Fausto Viana (da Mostra das Escolas), para definir a comissão curatorial da 13ª edição. Ronald Teixeira foi nomeado curador-geral da Quadrienal de Praga de 2015 e eu apresentei o projeto do LTC de levar para Brasília a Mostra das Escolas de Cenografia com o apoio da Universidade de Brasília. A curadoria da Mostra dos Estudantes para a PQ15 representou uma ação ideal para “estudo de caso” e para a consolidação da metodologia processual do LTC na minha tese de doutorado. O Projeto BRASIL LABirintos Compartilhados é, para nós, exemplo de como um grupo universitário, transdisciplinar e colaborativo, é capaz de promover ações de âmbito nacional e internacional, para representar o país, ultrapassando todas as dificuldades de recursos financeiros, tecnológicos e humanos. O trabalho desenvolvido pelo LTC, entre os anos de 2014 e 2015, foi totalmente laboratorial e voluntário. Durante todo o processo, trabalhamos buscando a excelência, apesar da falta de recursos. Contávamos somente com o apoio e a colaboração da Universidade de Brasília, principalmente do Decanato de Extensão, e com a Embaixada da República Tcheca. Acreditávamos na potência de uma mostra ampliada em Brasília para difundir o trabalho realizado com as escolas, debatermos sobre o ensino de cenografia no Brasil e discutirmos sobre o conceito da edição da Quadrienal de Praga de 2015 – Espaço Compartilhado: Música, Atmosfera Políticas.

Da viabilidade da mostra Para a realização dessa empreitada, sabíamos que não contaríamos com o apoio financeiro da FUNARTE, instituição que historicamente patrocina o evento em Praga. Em função da coincidência da Quadrienal de Praga com o calendário eleitoral brasileiro e do prazo de cerca de um ano e meio para a tramitação dos recursos da Funarte no governo, a experiência mostrava que a seletiva da Mostra das Escolas sempre se realizava antes de o recurso financeiro chegar para a comissão curatorial, o que constantemente ocorre sempre no último instante. Em um cenário de dificuldades, no qual a política acaba por solapar a cultura e a educação brasileiras, tivemos o desafio de levantar o projeto enfrentando a total falta de recursos financeiros para a realização da Mostra Seletiva de Brasília, na forma desejada pelo LTC – um evento de cinco dias, na Casa da Cultura da América Latina da UnB (CAL), com uma programação que incluía: exposição de todos os trabalhos enviados para a seleção dos projetos pelo júri, mesas de conversas com professores e alunos convidados, sobre a educação do Desenho da Cena nos núcleos de ensino. Também foram oferecidos para a comunidade três workshops: de cenografia, ministrado pelo professor Dr. Sávio Araújo da UFRN; de iluminação, ministrado pela professora Nadia Luciani da UNESPAR, e de maquiagem, ministrada pela professora Cynthia Carla da UnB. Também tivemos um espaço de venda de livros e apresentação teatral de Ori e Ari ou a simples história de Orides e Aristóteles: espetáculo de diplomação dos bacharéis em Artes Cênicas da UnB, de 2014.

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A campanha para a realização da mostra foi feita pelos componentes do laboratório. Porém, a concretização desse projeto só foi possível graças à participação da sociedade via financiamento coletivo, iniciativa produzida pelo LTC para arrecadar recursos financeiros. As tarefas multiplicaram-se ao longo do processo. Todos fizeram um pouco de tudo, e muito em suas especialidades. Tivemos que lidar com a comunicação entre as instâncias hierárquicas – organizadores de Praga, curador-geral da representação brasileira, professores e alunos dos núcleos de ensino, instâncias internas da UnB e todos os alunos e profissionais envolvidos no processo. Tivemos que produzir: conteúdo para convocatória nacional; edital; conceito das duas mostras; espaços expositivos de Brasília e de Praga; identidade gráfica coletiva e colaborativa; planejamento da campanha nacional via plataforma digital; produção das mostra na CAL e da mostra em Praga; plano de comunicação e marketing do projeto; divulgação; planejamento de orçamento; contabilidade; criação e execução dos materiais gráficos para a exposição em Brasília e em Praga; além de pesquisar, registrar e planejar todas as etapas.

O conceito de Brasil: LABirintos Compartilhados A elaboração da convocatória nacional foi realizada articuladamente com o curadorgeral, professor e pesquisador Ronald Teixeira, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, com o apoio da equipe do Laboratório Transdisciplinar de Cenografia. Brasil: LABirintos Compartilhados foi o título e o conceito que pretendeu desencadear a reflexão sobre a multiplicidade do labor cênico no Brasil, bem como fomentar o compartilhamento das experiências, descobertas e entendimentos realizados em sua origem nos laboratórios de ensino, assim como sugerido por uma das etimologias da palavra labirinto, que deriva de “labor” (trabalho) e “intus” (interior ou lugar fechado), aludido por Isidoro de Sevilla na Idade Média. Nossa proposta foi dar voz aos núcleos de produção, ensino e pesquisa de cenografia no Brasil, construindo um campo aberto para que cada um se manifestasse em sua diversidade. Com o objetivo de mapear os núcleos de ensino brasileiros, orientar o processo de inscrição e produção do processo pedagógico, o laboratório, também incluso no processo como núcleo de ensino, realizou uma campanha para concretizar a seletiva nacional em Brasília. Para tanto, utilizou uma plataforma interativa, horizontalizando as ações da curadoria no território brasileiro. Os projetos deveriam ser apresentados em cadernos, fotos e vídeos, rastros do processo de criação do Desenho da Cena. O primeiro passo dessa campanha foi pensar na criação de um jogo digital com uma base modular, para formar uma identidade visual colaborativa que representasse a unidade nacional a partir da relação entre os símbolos distintos dos núcleos de ensino.

Figura 1. Jogo da Identidade Visual, Game: Carlos Praude, 2014.

O segundo passo foi fornecer uma paleta as cores, com tons terrosos, para a finalização da identificação das instituições.

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Figura 2. Paleta cromática do Jogo da Identidade Visual, 2014.

Figura 3. Símbolos das escolas criados a partir do Jogo da Identidade e da paleta de cor fornecida.

A mostra em Brasília apresentou projetos de alto nível vindos de todos os núcleos de ensino, revelando os resultados positivos do mapeamento e da comunicação entre os núcleos, bem como o trabalho realizado nas salas de aula com os professores, ao longo do processo. A mostra instalada em Praga condensou o processo de pensamento e construção da cena e explicitou o modo como cada núcleo de ensino opera. A realização da mostra constituiu um território que abrigou a diversidade cultural do Brasil em uma cabana “em um lugar qualquer, num estado mutável que convidou o visitante a experienciar [...] um complexo labirinto: o horizonte das paisagens internas brasileiras”.

Figura 4. Vista panorâmica do estande, foto: Helano Stuckert, 2015.

Este projeto mostrou como é necessário promover uma formação transdisciplinar e diversa, que tenha projetos colaborativos como objetivo comum. Uma formação que prepare as gerações para trabalhar de forma potencializada com os recursos humanos disponíveis,

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planejando e visando uma ação expandida nas comunidades e nas relações entre as pessoas. É no entrecruzamento de arte e realidade que podemos alcançar e ampliar a potência desse espaço de encontro humano, que é próprio do teatro; “um dos últimos possíveis” como afirmado pelos organizadores da Quadrienal de Praga de 2015.

Referências bibliográficas: BONDÍA, Jorge Larrosa. Notas sobre a experiência e o saber de experiência In: I Seminário Internacional de Educação de Campinas, 2001. CASTANHEIRA, José Manuel. Cenografia. Lisboa: Caleidoscópio, 2013. D’AMBRÓSIO, Ubiratan. Da realidade à ação: reflexões sobre educação e matemática. São Paulo: Summus, 1986. ______. Educação matemática: da teoria à prática. Campinas: Papirus, 2012. ______. Elo entre as Tradições e a Modernidade. São Paulo: Summus, 2001. ______. Etnomatemática: arte ou técnica de explicar ou conhecer. São Paulo: Ática, 1990. ______. Transdisciplinaridade. São Paulo: Palas Athena, 2012. DOMINGUES, Ivan (Org). Conhecimento e Transdisciplinaridade II: aspectos metodológicos. Belo Horizonte: UFMG, 2005. FROEBEL, Friedrich. The education of man. Trad.: W. N. Hailmann. Mineola; Nova Iorque: Dover, 2005 [1898]. GARDNER, Howard. Intelingências múltiplas: a teoria na prática. Tradução: Maria Adriana Veríssimo Veronese. Porto Alegre: Artmed, 2012 (reimpressão). ______; CHEN, Jie-Qi; MORAN, Seana. Inteligências múltiplas ao redor do mundo. Tradução: Roberto Cataldo Costa; Ronaldo Cataldo Costa. Porto Alegre: Artmed, 2010. GERDES, Paulus. Da etnomatemática a arte-design e matrizes cíclicas. Belo Horizonte: Autêntica, 2010. HOWARD, Pamela. What is Scenography? Londres; Nova Iorque: Routledge, 2002. HUIZINGA, Johan. Homo Ludens. São Paulo: Editora Perspectiva, 2001. MORIN, Edgar. O problema epistemológico da complexidade. Lisboa: Publicações EuropaAmérica, 2002. ______. Saberes globais e saberes locais: o olhar transdisciplinar. Rio de Janeiro: Garamond, 2000. MUNIZ, Rosane (Org.). Brasil PQ'11 – Quadrienal de Praga: espaço e design cênico. Rio de Janeiro: Funarte, 2011. ______. Brasil: tudo por recomeçar: Quadrienal de Praga – espaço e design da Performance 2015. Rio de Janeiro: FUNARTE, 2015. PAIVA, M. C. Sonia (Coord.). Brasil: LABirintos Compartilhados. Brasília: Laboratório Transdisciplinar de Cenografia, 2015. ______. A encenação pictórica: uma abordagem transdisciplinar. Dissertação (Mestrado em Arte). Universidade de Brasília, Brasília, 2006. ______. Encenação: percurso pela criação, planejamento e produção teatral. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2011. ______. O Laboratório Transdisciplinar de Cenografia (LTC): lócus do espaço e desenho da cena no Brasil. 2016. 224 f., Tese (Doutorado em Artes), Universidade de Brasília, Brasília, 2016.

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SALLES, Cecília A. Crítica genética: fundamentos dos estudos genéticos sobre o processo de criação artística. São Paulo: Intermeios, 2008. ______. Gesto inacabado: processo de criação artística. 6. ed. São Paulo: Editora Intermeios, 2014. VIANA, Fausto (Org.). Diário das escolas: cenografia PQ’11 – School diary: scenography PQ’11. Rio de Janeiro: FUNARTE, 2011.

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15. COMPOSIÇÃO DA TRILHA SONORA DO ESPETÁCULO “ESPERANÇA”: PROCESSO DE CRIAÇÃO MUSICAL NO TEATRO GESTUAL Ismael Scheffler, Doutor em Teatro - diretor teatral e professor na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). Leticia Grockotzki Goularte - Bacharel em Composição e Regência pela Escola de Música e Belas Artes do Paraná – Campus Curitiba I da Universidade Estadual do Paraná (EMBAP/UNESPAR). Resumo: Nesse artigo, apresentam-se alguns aspectos sobre a criação da trilha sonora do espetáculo Esperança, apresentado na cidade de Fazenda Rio Grande (PR), em 2016. Primeiramente são realizadas algumas considerações sobre teatro gestual, esclarecendo o termo e características deste tipo de espetáculo. A seguir, são apresentados os contextos de produção do espetáculo e indicadas algumas características do mesmo. Por fim, são abordadas questões relativas à composição musical com a elaboração da dramaturgia gestual, revelando a interdependência dos elementos no processo de criação do espetáculo. São destacados três aspectos influentes nesta relação cena-música: a sincronia, o caráter e a adaptação. Palavras-chave: Sonoplastia; Teatro gestual; Trilha sonora; Processo de criação. Résumé: Dans cet article, ils sont presenté certains aspects de la création de la bande sonore du spectacle Espoir, présenté dans la ville de Fazenda Rio Grande (PR), en 2016. D'abord, quelques considérations sur le théâtre gestuel sont faites, clarifiant le terme et les caractéristiques de ce type de spectacle. Ensuite, les contextes de production du spectacle sont présentés et certaines caractéristiques sont indiquées. Enfin, des questions liées à la composition musicale avec l'élaboration de la dramaturgie gestuelle sont abordées, révélant l'interdépendance des éléments dans le processus de création du spectacle. Trois aspects influents de cette relation scène-musique sont mis en évidence: la synchronicité, le caractère et l'adaptation. Mots clés : Sonoplastie; Théâtre gestuel; Bande sonore ; Processus de création.

1) Introdução Nesse artigo, pretende-se, a partir do memorial de processo da criação da trilha sonora do espetáculo teatral Esperança, estudar a relação da composição musical com a dramaturgia gestual em seus desenvolvimentos concomitantes. É visto que no Brasil, a bibliografia a respeito da temática de sonoplastia e trilhas sonoras para teatro é ínfima, bem como no campo da composição musical original para espetáculos teatrais. Assim, este artigo tem o objetivo de procurar identificar alguns elementos que pautaram o processo de criação deste espetáculo em questão. Assim, o artigo é inciado com uma revisão bibliográfica e conceitual procurando esclarecer o termo teatro gestual na forma como o espetáculo Esperança é considerado por seus criadores. A seguir, são descritas algumas características do contexto de produção do espetáculo e suas especificidades, para assim então, tecer uma reflexão e considerações sobre o foco deste estudo que a composição musical em sua relação com a criação dos diferentes quadros do espetáculo.

2) Teatro gestual A terminologia empregada para referir um teatro feito sem texto é variada. Na França, onde há uma tradição de espetáculos neste sentido, os termos mimo e pantomima são empregados de forma mais clara, conforme conceituou Jacques Lecoq junto à Grande Enciclopédia Larousse (1975) e em Le Théâtre du Geste: mimes et acteurs (1987). Da tradição do teatro gestual podemos voltar aos primórdios do teatro grego e romano em formas que privilegiavam o movimento corporal. Na França, de maneira mais específica, se pode identificar a pantomima clássica com seu apogeu no século XIX, com Jean Gaspard Deburau (1796-1846) como seu principal representante. No século XX, esta linguagem foi

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em parte retomada e difundida mundialmente por Marcel Marceau, algo que no Brasil é frequentemente reportado como mímica. Nesta genealogia, Jacques Copeau é apontado como tendo papel central a partir da Escola do Velho Pombal [Vieux-Colombier], na década de 1920, que, atribuindo grande valor pedagógico à expressão do corpo na formação do ator, influenciou sobremaneira as pesquisas posteriores de Étienne Decroux (PINOK e MATHO, 2016) e de vários outros artistas, dentre eles também Jacques Lecoq (Lecoq, 1987). No contexto inglês, o termo Teatro Físico (Physical Theatre) passou a ser empregado desde as últimas três décadas do século XX, a partir da Inglaterra. Este termo no Brasil foi empregado pela primeira vez em 1993, por ocasião do Festival Cultura Inglesa de Teatro Físico/Visual, realizado em São Paulo, conforme esclarece Lúcia Romano, no livro O teatro do corpo manifesto: Teatro físico (2005). A autora também comenta sobre diversos outros termos que são eventualmente empregados para este tipo de espetáculo: Teatro do gesto; Teatro corporal; Teatro do movimento; Teatro visual; Teatro de imagens. Também o pesquisador brasileiro Luis Louis, com formação inglesa, utiliza o termo Teatro Físico, como aparece em A mímica total (2014). Louis traduz o termo francês mime, por mímica, assim como o fez Marcelo Gomes ao traduzir o livro de Lecoq O corpo poético: uma pedagogia da criação teatral, ao português (2010). Traduzir mime por mímica, e não utilizar o termo mimo, como existe em português, parece ser uma opção que dá margem a uma compreensão parcial ou distorcida deste tipo de teatro, uma vez que a palavra mímica em português remete fortemente ao sentido da pantomima clássica da cara branca. A mímica é muitas vezes compreendida com uma arte silenciosa que se expressa principalmente pelo movimento de mãos e rosto, sendo o mimo bem mais amplo do que 38 isto , especialmente quando se considera produções contemporâneas diversas. Possivelmente parte da crise de nomenclatura provém justamente pelo fato de os espetáculos utilizarem diferentes linguagens, por vezes se parecendo mais com dança contemporânea que com teatro, ou remetendo mais ao circo, ao uso de formas animadas ou tecnologias de projeção de imagens. A característica principal do Teatro Gestual, ou Teatro Físico, é a importância que é dada ao corpo e à imagem e seus processos de criação do espetáculo, no qual a base é o movimento, frequentemente sem texto ou com texto utilizado de forma secundária ou em pequena proporção. Na ausência de palavras faladas, cabe aos demais elementos do espetáculo estabelecer formas visuais e sonoras de relação com o espectador, criando vinculações que envolvam e colaborem na construção do olhar e do sentido atribuído pelo público. Assim, o teatro se assume com maior ênfase como uma arte visual e, muitas vezes musicalcoreográfica. É importante salientar que não se trata de um teatro descritivo por meio de gestos, como a pantomima de cara branca muitas vezes o faz. Embora haja uma narrativa (às vezes mais abstrata ou simbólica), ela é estabelecida no jogo da cena. Partindo de um argumento ou sequencia de ações iniciais, muito da cena vai sendo construído pelo processo de exploração do movimento pelo conjunto dos criadores.

3) O espetáculo Esperança Esperança foi realizado no segundo semestre de 2016 e produzido com recursos do Programa Estadual de Fomento e Incentivo à Cultura (PROFICE), da Secretaria da Cultura do Estado do Paraná. O objetivo era levar o teatro a locais não teatrais para dar oportunidade de acesso a diversas pessoas que nem sempre tem oportunidade de vê-lo, quer seja por questões culturais, econômicas ou geográficas. No Estado do Paraná, significativa parte da produção cultural se concentra na capital como na maioria dos estados brasileiros. Desta forma, foi escolhido realizar as apresentações na cidade de Fazenda Rio Grande, cidade da região metropolitana. O local definido para as apresentações foi o Terminal Metropolitano de ônibus, importante meio de acesso e circulação entre Fazenda Rio Grande e Curitiba por onde passam milhares de pessoas diariamente.

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Este aspecto é discutido na tese de Scheffler (2013).

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A peça foi criada para este ambiente que possui características muito próprias uma vez que corresponde a um local de passagem restrito a usuários do sistema de transporte metropolitano. O ambiente possui plataformas cobertas, fluxo rápido e intenso de pessoas intercalado por momentos de baixo fluxo e espera, bem como intenso ruído de motor dos ônibus. O local e o orçamento enxuto foram determinantes para o processo de criação do espetáculo. Tudo deveria ser bastante prático e compacto de forma a facilitar a inserção do espetáculo no ambiente do terminal. No que se refere a trilha sonora da peça, ela deveria ser executada ao vivo por meio de um instrumento musical melódico de potência, tendo sido escolhido o acordeão. A proposta era de um teatro sem fala, gestual, tendo a trilha sonora um papel importante no espetáculo também como forma de atrair a atenção dos passantes para à cena. Sendo um espetáculo não criado a partir de um texto dramático, toda a 39 dramaturgia para esta peça foi criada originalmente .

Foto 1: Local de apresentação no Terminal Metropolitano do município de Fazenda Rio Grande. Quadro A seu lado. Autor: Ismael Scheffler.

O elenco foi composto por dois atores, uma atriz e uma musicista que realizava ao vivo a sonoplastia sem o apoio de sistemas de amplificação eletrônica. Considerando o fluxo de circulação acelerado do local de apresentação, o espetáculo foi concebido em cenas curtas nas quais não houve a utilização de fala. A temática proposta foi a das relações humanas abordando situações que tratassem sobre esperança. Foram então criadas seis pequenas histórias explorando diferentes situações e personagens, histórias não contínuas nem com personagens constantes. Os quadros variavam entre gêneros cômicos e sérios, explorando diferentes linguagens corporais e cênicas, tendo durações variadas entre 4 e 12 minutos. As seis cenas receberam os seguintes títulos: Te esperarei para sempre (três irmãos se despedem do pai e aguardam, em meio a labuta, seu regresso); Não te abandonarei, irmão! (dois irmãos em migração que enfrentam um naufrágio); Conseguiremos juntos! (família de retirantes em uma jornada a um destino melhor); Eu posso ver algo novo! (inspirado na cronofotografia e no stop motion, várias “fotografias” em sequencia apresentavam uma situação de violência gratuita que convergia para a perspectiva de que ainda pode haver espaço para o perdão); Amar (um amor perdido, um casamento arranjado e a possibilidade de um recomeço); A seu lado (cena cômica de uma sombrinha animada e sua dona que se relacionam em um dia de calor). As propostas dramatúrgicas para a criação dos quadros provieram da direção, tendo como base elementos dos estudos de Laban (1978) e aspectos da pedagogia de Jacques Lecoq (2010; SCHEFFLER, 2013). 39

Ficha técnica: Direção e dramaturgia: Ismael Scheffler; Sonoplastia: Leticia Grockotzki Goularte; Elenco: Karina de Souza, Fabiano Timmermann, Cleverson Modesto; Preparação corporal: Caroline Pellegrini; Figurino e cenografia: Paulo Vinícius; Maquiagem: Marcelino de Miranda; Produção: Márcia Suzuki.

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O desafio estabelecido no projeto era de, em um período de dois meses, desenvolver uma proposta corporal coerente entre os quatro sujeitos da cena, todos com formações distintas e sem terem desenvolvido um trabalho em conjunto anteriormente. Parte do trabalho de criação prescindia do desenvolvimento de uma linguagem comum e do reconhecimento dos domínios corporais e cênicos de cada atuante. Pelo caráter itinerante, optou-se por uma cenografia compacta, portátil, versátil e que colaborasse para o movimento corporal e criação das cenas oferecendo diferentes possibilidades de uso. As caixas de madeira da cenografia além de servirem para a interação corporal dos atores (como banco e plataformas), eram carregadas e manipuladas pelos atores, tendo também função de guardar adereços e objetos de cena. As personagens também utilizavam um único figurino, alternado pontualmente adereços.

Foto 2: Quadro Conseguiremos juntos!. A musicista em alguns quadros atuava e, em outros, compunha a cena desempenhando a música. Autor: Ismael Scheffler.

4) Relações entre a composição musical e a criação das cenas O teatro, sendo uma linguagem que acontece no tempo e espaço reais é irremediavelmente artesanal, em escala humana. Ele possibilita uma atuação mais crítica e independente do elemento sonoro, que ganha um espaço e importância criativa maior que o contexto industrial da cultura de massa (Tragtenberg, 1999). Muitas vezes, principalmente no cinema, a criação da trilha sonora se dá após a conclusão da criação dramática. No caso descrito nesse trabalho a elaboração musical e dramática aconteceu simultaneamente, o que provocou outra visão também a respeito da metodologia da criação. Revisando o processo de composição da trilha sonora desse espetáculo, podem ser apontadas três categorias para reflexão: sincronia, caráter e adaptação. Partindo destes, é possível reconhecer elementos que tornaram particularmente desafiante o trabalho compositivo musical. Com relação à sincronia, foi proposto em determinados momentos que a sonoplastia direcionasse a atuação como, por exemplo, nas delimitações de inicio e fim da cena. O caráter refere à “atmosfera” da cena, desencadeado a partir da decisão quanto à harmonia, ritmo e melodia da trilha. E, em adaptação, tem-se a junção da música com a dramaturgia, analisando os pontos de ajuste de ambas as partes. Quanto aos momentos de sincronia, em primeira instância, foi acordado entre o diretor e a compositora que a música teria a função de delimitar claramente o início e o fim

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da cena. Para isso foi definido utilizar um acorde com longa duração, de dinâmica crescente, anunciando o início de um novo quadro. Em outros momentos, foram também propostos pontos de sincronia no meio da cena. Aconteceu, por exemplo, no quadro Eu posso ver algo novo!, da música definir uma sequência rítmica clara para a mudança de posição dos três atores demarcando o acento dos movimentos. Em outras situações, essa sincronia estava relacionada ao caráter, o que em algumas circunstâncias partia da música e em outras, partia da atuação. De forma que a mudança em algum aspecto musical era um código para a mudança na atuação ou então, a mudança na atuação demandava a mudança na trilha. Neste sentido, a execução musical ao vivo exigia atenção e sensibilidade em relação à atuação. No processo de criação das músicas, a base era estabelecer o ambiente onde os personagens estariam inseridos. Por exemplo, na cena Conseguiremos juntos! utilizou-se a temática de retirantes. A partir disso, na criação da música, buscou-se elementos sonoros que remetessem à música nordestina. A escolha foi do modo mixolídio, muito comum nas canções de Luiz Gonzaga, por exemplo. Desta feita, a música criou uma cenografia sonora (décor sonore, conforme PINOK; MATHO, 2016), induzindo a cena a um ambiente brasileiro específico embora visualmente os elementos cênicos (figurino, maquiagem e objetos de cena) não se referissem a isto.

Foto 3: Cena final do quadro Conseguiremos juntos! Autor: Ismael Scheffler.

Como na atuação não havia falas, a significação dos gestos estava sujeita à música. Não que a música fosse ser unicamente responsável pelo significado, mas, no resultado, ela carregava essa associação, complementando o gesto. Como exposto em Carlson, “a representação física, no teatro, envolve normalmente a expressão simultânea de diversas linhas psíquicas de ação, ensejando ao espectador uma opção de enfoque e variedade no processo combinatório” (1997, p. 502). Portanto, foi tomado esse cuidado de deixar claro qual seria o ambiente e o caráter que almejava-se passar. Quanto a caráter, podemos observar também as características emocionais e sentimentais dos personagens: alegria, tristeza, raiva, paixão ou saudade, que já carregam, por si só, signos sonoros pré-definidos em nossa cultura, como, por exemplo, uma tonalidade menor para algo triste e uma tonalidade maior para algo feliz. Signos esses que formam uma textura polifônica junto à narrativa, num cruzamento de códigos, no qual insere-se a narrativa sonora (Tragtenberg, 1999). Pinok e Matho (2016) se referem a este processo de colagem da música e da ação como paráfrase (em oposição ao uso da música desvinculada das ações, criando efeitos insólitos). Ponto muito importante nessa criação foi o ritmo, que estabeleceu uma relação intrínseca na cena havendo nesta produção uma influência recíproca entre som e gesto. A cena gestual possui ritmo tanto quanto a música e na fusão da trilha com o drama é necessário analisar se ambas terão o mesmo desenvolvimento rítmico ou não. Esse processo de adaptação aconteceu muito paralelamente durante os ensaios.

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O ritmo é um dos elementos em que se percebe claramente o processo de influências, seja o andamento da música ditando o movimento da cena ou então a aceleração do movimento dos personagens sobre a criação sonora. Há uma tendência dos atores em caminhar e realizar seus movimentos no ritmo da música, havendo uma predisposição de inter-relação muito forte entre a atuação, o movimento e a música. Por outro lado, como no quadro Conseguiremos juntos!, a partitura corporal da cena tinha um ritmo ralentado com as personagens tendo movimentos lentos em determinados momentos, o que foi definitivo para que a música tivesse também essa característica. No quadro Não te abandonarei, irmão!, ocorria de o tempo de um único gesto (o soltar de mãos das duas personagens) ser realizado em câmera muito lenta para depois as ações retornarem ao tempo normal da cena. Com isto, a música também ralentava e sublinhava a volta do tempo sincronizada com a dramaturgia. Sincronismos, caráter, ritmo ganharam desenvolvimento nos ensaios, onde foram sendo feitos ajustes na composição de ambos. Um aspecto interessante foi que não estavam envolvidos na criação só o diretor e a compositora, mas também os atores que participavam colocando suas demandas e sugestões assim como a preparadora corporal.

Foto 4: Quadro Não te abandonarei, irmão! Autor: Ismael Scheffler.

Durante a criação nos ensaios também foi sendo percebida a necessidade da trilha sonora não ser uma composição “fechada”, isto é, ela precisava de pontos de improviso e/ou repetições. Isso porque a cena não tinha uma minutagem específica (como no caso das trilhas para audiovisual) devido à modificações da cena até o dia da estreia, por conta de adaptações e justes diversos. Também durante as apresentações que, estando em ambiente externo, estavam suscetíveis a interferências como a travessia de alguém no meio da cena ou um ruído muito forte. Como esclarece Tragtenberg: “no universo da música cênica, boa parte dos conceitos estético-estilísticos aplicados à composição musical pura não dão conta ou ainda não se aplicam, em sua essência conceitual-sistêmica, às necessidades específicas e às novas funções às quais o meio sonoro deve responder no contexto da narrativa cênica. (1999, p. 22). Tragtenberg ainda pontua que o elemento sonoro é composto de diversas camadas qualitativas, cujo jogo de forças transcende as suas próprias naturezas como fenômenos acústicos, uma vez que está inserido num contexto narrativo para onde fluem signos de diferentes ordens. A trilha sonora, nesse caso, envolta de uma função referencial e de uma função performativa, assim como a atuação dramática. Ou seja, ela transita entre uma posição de elemento base, de referência e também como um elemento que articula com um todo homogêneo.

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5) Considerações finais O espetáculo Esperança enfrentou diversos desafios em sua temporada, visto o local escolhido para sua realização e à enxuta estrutura de produção. O ambiente não era convidativo à permanência das pessoas, pois é justamente um local de rápida passagem apurada pelo tempo de chegada e partida dos ônibus; é deveras ruidoso com o som dos motores dos ônibus em aceleração ou estacionados ligados e, na disputa sonora do acordeão com os motores, a vitória geralmente era dos ônibus; ainda, apesar de as plataformas de embarque serem cobertas, o espetáculo estava sujeito às influências climáticas como vento, frio e chuva que determinavam o comportamento dos usuários do terminal. A ausência de fala concede maior responsabilidade à imagem em sua plasticidade e aos gestos do elenco, sendo a visão do espectador fundamental para uma apreensão do espetáculo. A sonoplastia, assim, desempenhou papel fundamental em atrair o olhar e dar unidade ao conjunto gestual. Não havendo bastidores, a música era o principal elemento que delimitava, juntamente com a atitude dos atores, o momento espetacular da vida vulgar dos atores, a ficção e o cotidiano. O processo de criação da sonoplastia simultaneamente ao de criação do espetáculo exige tempo e disponibilidade criativa do compositor, uma vez que neste processo há uma submissão de todos os criadores do espetáculo às necessidades da obra artística que suplanta elementos simplesmente justapostos. As dificuldades encontradas se tornaram também elementos criativos e ressignificaram conceitos. Somente ao final da redação deste artigo tomamos conhecimento de um interessante estudo de Marcelo Amalfi (2015) no qual o autor apresenta o processo de composição de Jean-Jacques Lemêtre junto ao grupo francês Théâtre du Soleil, dirigido por Ariane Manouchkine. Um estudo atento deste livro abriria novas perspectivas para continuar esta reflexão e inspirar futuras práticas neste campo.

Referências bibliográficas: AMALFI, Marcelo. A macro harmonia da música do teatro: um novo olhar sobre a relação criativa do compositor Jean-Jacques Lemêtre com a encenadora Ariane Mnouchkine no Tháêtre du Soleil. São Paulo: giostri, 2015. CARLSON, Marvin. Teorias do Teatro: estudo histórico-crítico, dos gregos à atualidade. São Paulo: Unesp, 1997. LABAN, Rudolf. Domínio do Movimento. São Paulo: Summus Editorial, 1978. LECOQ, Jacques (Org.). Le Théâtre du Geste: mimes et acteurs. Paris: Bordas, 1987. ______. O corpo poético: uma pedagogia da criação teatral. Trad.: Marcelo Gomes. São Paulo: SENAC São Paulo; SESC SP, 2010. ______. Mime et Pantomime. In: La Grande Encyclopédie. Paris: Larousse, 1975, v. 13, p. 8007-8009. LOUIS, Luis. A mímica total: um inédito e profundo mapeamento desta arte no Brasil e no Mundo. São Paulo: Giostri, 2014. PINOK; MATHO. Une saga du mime: des origines aux années 1970. Paris : Rivenueve ; Archimbauld, 2016. ROMANO, Lúcia. O teatro do corpo manifesto: teatro físico. São Paulo: Perspectiva, 2005. SCHEFFLER, Ismael. O Laboratório de Estudo do Movimento e o percurso de formação de Jacques Lecoq. 2013. 591 f. Tese (Doutorado em Teatro) – Universidade do Estado de Santa Catarina, Programa de Pós-Graduação em Teatro, 2013. TRAGTENBERG, Livio. Música de cena: dramaturgia sonora. São Paulo: Perspectiva, 1999.

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16. A LINGUAGEM VISUAL LÚDICA E O DESIGN NA CENOGRAFIA DO CASTELO RÁ-TIM-BUM 40 Ana Lucia Rosendo Cintra, Graduada em Tecnologia em Design Gráfico - Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) Orientação: Ismael Scheffler, Doutor em Teatro - diretor teatral e professor na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR).

Resumo: O presente estudo versa sobre uma pesquisa que busca relacionar conceitos de Design à construção da cenografia lúdico-pedagógica apresentada pelo programa televisivo Castelo Rá-tim-bum, durante a década de 1990. A pesquisa é de cunho documental e bibliográfico, e aborda estudos das áreas de Comunicação, Pedagogia e Psicologia, considerando temas de design, cenografia e ludicidade. Além do levantamento de referencial teórico, esta pesquisa também realizou entrevistas com uma colaboradora do programa, a fim de aprofundar o conhecimento através de fontes primárias que participaram ativamente da concepção do Castelo Rá-tim-bum. A necessidade deste trabalho surgiu a partir de pesquisas prévias sobre o assunto e da constatação de falta de estudos abrangendo a linguagem visual do programa. Alguns estudos na área de Comunicação correlacionam a semiótica e a cenografia do Castelo, mas não se aprofundam na área de linguagem visual. Palavras-chaves: Cenografia; Castelo Rá-tim-bum; Programa infantil brasileiro; Design Cênico THE PLAYFUL VISUAL LANGUAGE AND THE DESIGN IN THE SCNOGRAPHY OF CASTELO RÁTIM-BUM Abstract: The present study is about a research that correlates Design concepts in the construction of the ludic-pedagogic scenography presented by the television show Castelo Rá-tim-bum, on its 90 episodes that aired during the 1990s. Of a documental and bibliographic nature, the relation between design, scenography and entertainment appeared in the reading of researches, thesis and books by researchers in areas of Communication, Pedagogy and Psychology that had a link with the object studied. In addition to the theoretical reference survey, this research also carried out interviews with one collaborator of the program in order to deepen the knowledge through a primary source, a source that participated actively in the design of Castelo Rá-tim-bum. Tthis work based itself on the lack of studies covering the visual language of the program that the author noted on a previous research of the subject studied. Some studies in the area of Communication correlates the semiotics and scenography of the Castelo Rá-tim-bum series, but do not carry a deep analysis of its visual language. Keywords: Scenography; Castelo Rá-tim-bum; Brazilian children’s series; Stage design.

1. INTRODUÇÃO No decorrer dos anos, as formas de educar entram em metamorfose assim como os meios de comunicação de massa também influenciam nas formas de percepção e na linguagem das crianças. Nas gerações dos anos 70, 80 e meados dos anos 90, os programas de televisão tiveram grande papel na educação e formação de valores das crianças. Causando comoção nostálgica nos dias atuais, o programa Castelo Rá-tim-bum acumulou prêmios e fãs durante sua exibição na televisão, chamando à atenção dos acadêmicos e teóricos nas áreas que estão, de algum modo, intimamente ligadas ao programa: pedagogia, psicologia e comunicação. Dentre estas, há poucas pesquisas com ênfase na cenografia ou na linguagem visual adotada pelo programa, deixando uma carência teórica sobre esses aspectos visuais. Segundo Cardoso (2006): “Se dependesse tão-somente do cenário, o Castelo Rátim-bum já mereceria reconhecimento como melhor programa infantil da televisão brasileira. Mas o Castelo não é só concepção cenográfica. O Castelo é também um bom roteiro, uma boa direção, boas atuações; o Castelo é diversão, é cultura, é educação. Nesse contexto, o cenário é elemento”.

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O artigo aqui apresentado é parte da pesquisa realizada como Trabalho de Conclusão de Curso em Tecnologia em Design Gráfico, defendido na Universidade Tecnológica Federal do Paraná, em Curitiba, em 2017.

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Tendo em mente que a significação estabelecida acontece entre o cenário e outros fatores como atuação, texto e narrativa visual, a cenografia, como contexto narrativo, deve dar suporte para a contextualização de uma determinada história criada para o teatro, a televisão ou o cinema. Tendo isto em conta, decidiu-se relacionar conceitos de design e linguagem visual com a construção da cenografia lúdica e pedagógica presente na história e no fio narrativo do programa Castelo Rá-tim-bum. Para chegar às respostas sobre correlações entre design e cenografia, foram feitas pesquisas bibliográficas de ordem histórica e, posteriormente, pesquisas de ordem analítica, embasada teoricamente em fundamentos de linguagem visual, utilizando, como objeto de análise, imagens retiradas de episódios do programa. Primeiramente, a contextualização do objeto de estudo se deu através dos teóricos Vânia Quintão Carneiro (1999), sendo a principal pesquisadora na área de comunicação e educação, relacionando o Castelo como interlocutor da informação; e João Batista Cardoso (2006), pesquisador também da área de comunicação com ênfase em semiótica. Posteriormente para entender melhor a correlação entre cenografia e design e também sobre conceitos de linguagem visual, utilizou-se como embasamento autores como Rudolf Arheim, Donis Dondis e Luiz Henrique da Silva Sá, aplicados à análise da linguagem visual do programa Castelo Rá-tim-bum. Por meio de entrevista com Luciene Grecco, uma das cenógrafas do programa televisivo, foi possível obter informações para compreender o processo de criação.

2. DESIGN E CENOGRAFIA [...] a definição de um problema traz em si a chave para uma solução. Um bom design é tanto uma questão de se fazer as perguntas certas, quanto de reponde-las. [...] Um bom design não é tão somente a solução de um problema, mas também a sua definição apropriada. É isto é uma arte tanto quanto técnica. (BERNSEN, 1995. p. 14-15)

Há certa necessidade da discussão sobre terminologias no campo da cenografia e direção de arte, já que as terminologias em português se diferenciam dos termos em inglês e podem causar divergências errôneas sobre algumas competências. O termo design deriva originalmente do termo designare, do latim, significando desenvolver, conceber. Teve surgimento no século XVIII, na Inglaterra, como tradução do termo italiano disegno, que carrega o significado de projeto e, a partir do progresso da produção industrial, a expressão passou a carregar o significado de uma nomenclatura específica para uma profissão. Com o advento da modernidade e da escola de Bauhaus, os designers que seguiam a linha funcionalista de pensamento defendiam que para um bom design ser concebido, os ornamentos eram desprezíveis de preocupação. Assim, muitos objetos ornamentados que realizavam bem sua função foram rejeitados pelos funcionalistas por serem ornamentados. O princípio “A forma segue a função” acabou, então, permeando todo o período modernista, abrangendo as áreas de arquitetura e design defendendo a ideia de que o ornamento se opõe à funcionalidade. (CARDOSO, 2011) Cardoso levanta um questionamento sobre essa discussão, formulando uma pergunta que permeou por toda a pesquisa deste trabalho:

A pergunta é: como se opera esse processo de transpor qualidades perceptíveis visualmente para juízos conceituais de valor? Formulada de maneira mais simples, porém passível de gerar interpretações confusas: de que modo as formas expressam significados? Não é por ser uma questão difícil que devemos descartá-la, pois seu dimensionamento é

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muito importante para compreendermos o papel do design no mundo. (2011, p. 30)

Neste ponto, é passível salientar que a conexão entre essa pergunta que Cardoso (2006) discute relacionado com a terminologia da palavra design é que, através dos anos e principalmente depois do advento da modernidade e dos designers funcionalistas, a ideia de que design é projeto passou a ser de que o design existe para resolver problemas da sociedade usando metodologias ideais para se projetar. Luiz Henrique Sá afirma em sua dissertação de mestrado sobre relações entre cenografia e design que: Os projetos de cenografia e design de interiores não se preocupam, necessariamente com beleza, formosura, encanto, graça, elegância. Preocupar-se-ão com isso caso seja necessário um ambiente onde queira passar tais qualidades, porém são conceitos relativos e abstratos, que variam de pessoa para pessoa. A beleza desses projetos estará exclusivamente no fato de cumprir com a função semântica, mesmo sendo para demonstrar o grotesco, se este for o conceito necessário. (2008, p. 43)

Levando em consideração, então, que a cenografia tem a função de representar algo com significação e reproduzir a função semântica necessária assim como o design de interiores, por que a cenografia não pode ser categorizada também como uma função projetual dentro do contexto de narrativas audiovisuais? A pesquisadora Carolina de Moura (2008) comenta sobre a questão de nomenclaturas, tanto no cenário nacional como no cenário internacional, e faz um comparativo das nomenclaturas nos dois pontos. Nota-se que em algumas funções são atribuídas aà palavra design. Uma delas é para designar a função do cenógrafo, visto no cenário internacional como Set Designer. A direção de arte também está nesse âmbito do design, assim como o figurinista.

Figura 1 - Comparação entre nomenclaturas no cenário nacional e internacional. Fonte: MOURA, 2008

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Para enfatizar melhor a ligação entre design e cenografia, seria ideal retornarmos à citação de Bernsen (1995), no início desse capítulo: “Um bom design não é tão somente a solução de um problema”, afirmação que poderíamos relacionar com o conceito modernista de que “forma segue a função”. Ele ainda segue dizendo que um bom design é “também a sua definição apropriada. E isto é uma arte tanto quanto uma técnica.” (BERNSEN, 1995, p. 14-15) A partir dessa afirmação, Luiz Henrique de Sá sustenta que: O artista plástico trabalha com conceitos. Mas também o diretor de arte, e os atores, e o figurinista, e o iluminador e o cenógrafo, enfim, e equipe criadora de um espetáculo. E também o designer. A cenografia pode participar desta concepção de design, uma vez que trabalha ativamente na definição apropriada de um problema – um problema cênico, definido em conjunto pelos profissionais criadores – antes mesmo de buscar soluções. Na verdade, pode-se mesmo dizer que a definição e um problema – cênico para cenógrafos, informacionais para designers gráficos, etc. – já é parte integrante de sua própria resposta projetual. (2008. p. 46)

Para Cardoso (2011), em termos históricos, o maior trabalho do design tem sido fazer um ajuste em coisas que antes eram desconexas, chamando isso de projetar interfaces. Trata, contudo, de um processo muito maior e mais abrangente do que imagina um projetista solitário sentado em frente à sua estação de trabalho. Para fechar a correlação entre cenografia e design, citar-se-á mais uma vez Luiz Henrique de Sá: “Para o Teatro Moderno, a Cenografia pode ser vista como uma manifestação de Design. Um design, porém, voltado para uma manifestação artística, seguindo sua própria história, funções e paradigmas”. (SÁ, 2008, p. 46)

3. ANÁLISE DA LINGUAGEM VISUAL Neste estudo, foi realizada uma análise de alguns elementos de linguagem visual considerando também aspectos do processo de criação do projeto cenográfico do Castelo Rá-tim-bum. Será considerado a seguir: linhas, formas e movimento; fluxo visual; direção e dimensão; cores; texturas e regularidade. 3.1 Linhas, formas e movimento Quando significados de linhas formas e movimentos são transportados para a cenografia do programa Castelo Rá-tim-bum, ao analisar certas partes deste cenário, agregando conceitos de linhas e formas, torna-se mais clara a intenção que a equipe cenográfica teve ao pensar principalmente no estilo artístico que iria seguir. Segundo Luciene Grecco: Escolhemos Gaudí porque tivemos como partido que tudo era orgânico, tudo em forma sinuosas, não tendo ângulos retos, com linhas retas no castelo, em lugar nenhum, sendo tudo arredondado, sinuoso, tudo orgânico. Isso também ajudava a dar movimento, porque o olhar não tem muito onde parar, então parecia que tudo era maior, parecia que tudo era mais movimentado. Por isso que tudo fica mais harmonioso, porque tudo é muito orgânico e eu acho que é por isso que a gente gosta. Porque é muito próximo da natureza então, eu acho que é por isso que mesmo a misturada toda, fica agradável, a gente se identifica, com toda essa organicidade. Ainda mais no nosso mundo contemporâneo que é tão duro, principalmente quem vive longe da natureza. (2017)

Contando com toda essa organicidade, a equipe cenográfica do Castelo Rá-tim-bum aderiu às formas e linhas do artista e arquiteto Gaudí na concepção do seu projeto inicial, dando movimento ao olhar do telespectador.

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Sobre o movimento, Dondis (1991, p. 81) afirma que “o olho explora continuamente o meio ambiente em busca de seus inúmeros métodos de absorção das informações visuais”, sendo assim, ao criar uma cenografia orgânica com traços remetentes à natureza, tendo como inspiração o artista Gaudí (um adepto a fase do movimento Art Nouveau), o Castelo tornou-se mágico e misterioso ao mesmo tempo.

Figura 2 e 3 – Interior da Casa Batló, Barcelona, Espanha. Arquiteto: Antoni Gaudí, 1904 – 1906. Comparação com o interior do Castelo Rá-tim-bum, à direita. Fonte: site CASA BATLÓ, 2017 e acervo pessoal Luciena Greco.

Como citado por Luciene Grecco, a intenção com essa organicidade era a exploração do olhar pela criança. Sendo o programa uma narrativa seriada, e como Luciene Grecco mesmo afirma para entrevista a esta pesquisa, a constante visualização de episódios do programa - atitude comum à faixa etária do público alvo - a falta de cantos, arestas e retas fazia com que o olhar do telespectador continuasse caminhando pela cena. Assim, a cada episódio um objeto novo era descoberto pela criança. Criou-se então um cenário mais fluido, com a possibilidade de inserção de objetos que anteriormente poderiam não estar presentes naquele cômodo, por exemplo.

3.2 Fluxo visual As linhas e formas do artista Gaudí incrementam ao cenário um fluxo visual orgânico, como citado antes por Luciene Grecco. Esse fluxo, porém, também é feito através da construção do cenário em si e através do fluxo de atuação dos atores durante a cena. O cenário do Castelo foi construído em 360º, em apenas um dos estúdios da TV Cultura. Nele, era possível estar presente dentro do Castelo, o que causava uma sensação imersiva à criança sentindo-se assim, presente na cena. Neste cenário acontecia a narrativa do núcleo principal, e a ele todos os cômodos eram ligados como em uma casa, por exemplo, sem o uso de artifícios de cenografia televisiva ou cinematográfica. As câmeras captavam as imagens de dentro do cenário que não obtinha frontalidade como nas filmagens normais de teledramaturgias, por exemplo. Outros cenários como, por exemplo, o quarto da bruxa Morgana ou os esgotos onde moravam Mau e Godofredo, eram filmados em outros estúdios, porém, como a linguagem espacial do cenário principal era tão dinâmica, criava-se a ilusão de que estes cenários também estavam ali acoplados ao cenário principal. Em algumas ocasiões, por exemplo, quando a bruxa Morgana sai de seus aposentos, ela desce a escada como se tivesse acabado de sair do seu quarto, e retornava a subir quando queria voltar. Mesmo com o corte da cena, a sensação de continuidade permanecia e não havia ruptura no fluxo da história. Além da estrutura do cenário em 360º, percebe-se uma ambientação dos cômodos que são voltados todo para o Hall de entrada, causando uma impressão de palco principal onde, na maioria das vezes, a trama começa a se desenrolar e na maioria dos casos, acaba se finalizando também ali.

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A aproximação causada pela imersão do cenário e pelo movimento de câmeras durante as atuações está, segundo Luciene Grecco (2017), diretamente ligada ao movimento da criança. A questão do cenário circular também é um movimento orgânico, que tem a ver com o design do cenário e tem a ver com o movimento da criança. Imaginamos: vai ter muita ação de corre e corre, de brincadeiras, de monte de criança indo de lá para cá, então essa dinâmica é muito afinada com a dinâmica física das crianças. (GRECCO, 2017)

Dessa forma, é visível através da organicidade do cenário que paira sobre suas linhas e formas - através do movimento do fluxo dos personagens e também do cenário como foi concebida essa imersão e de que forma ela foi causada. O Castelo tem cenários que ligam o mundo imaginário ao mundo cotidiano das crianças que assistiam ao programa. Essa ligação se dava também através dos conflitos diários que as personagens passavam, o que aproximava a criança ainda mais do mundo fantástico do Castelo, sendo o fluxo de cenário uma das escolhas com formas efetivas também de imersão.

3.3 Dimensão e direção Para criar uma atmosfera mágica, os produtores utilizaram-se de artifícios de espaço com pés direitos altos no hall principal, além de um grande espaço vazio entre a entrada até o centro deste, onde encontra-se a árvore da cobra Celeste. Por todas as paredes, há ornamentos, enfeites, ladrilhos e tubulações que enfatizam as gigantescas possibilidades de aventuras que os visitantes e, consequentemente os telespectadores, obterão ao entrar nessa atmosfera mágica. A árvore vista logo de início na entrada do Castelo Rá-tim-bum, além de causar estranhamento de início, mostra a imponência de um castelo no meio da urbanização de uma cidade como São Paulo. “Formas tortuosas, torcidas, em expansão dos troncos, ramos, folhas, e flores de árvores retêm e remetem movimentos de crescimento” (ARNHEIM, 1960). Partindo dessa afirmação, é certo dizer que, além de toda organicidade do cenário através das linhas e formas de Gaudí, que por sua vez vem através do movimento de Art Nouveau, a presença da árvore no hall principal demonstra crescimento, movimento, e imponência, pegando-se como base à medida do ser humano. Dondis (1991) coloca que, nas questões de design que envolvem adequação, conforto e estabilidade, tudo o que é concebido tem como base o tamanho médio das proporções humanas. A árvore central traz, então, uma imensidão para o olhar, já que a medida que o movimento se ascende, mesmo que tortuosamente, ela volta a equilibrar-se no seu eixo, seus galhos espalham-se através do espaço ao redor, começando a se fazer universal, e gradualmente ela some de vista. Assim como a escada postada atrás dela, que também ascende tortuosa e organicamente, sumindo gradualmente de vista.

Figura 4 – Hall de entrada do Castelo. Fonte: Frame do vídeo CASTELO RÁ-TIM-BUM, 1994.

Ao estabelecer planos horizontais e verticais, o Castelo organiza-se em volumes, traz a tridimensionalidade para sua cenografia, fazendo com que os atores pudessem explorar essa plenitude do cenário assim como, de certa maneira, era feito nos cenários teatrais construtivistas no início do século XX, considerando a verticalidade e a profundidade através da árvore, da escada e dos cômodos acoplados ao hall principal.

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Equiparados ao hall principal, os outros cômodos como cozinha, sala de música e sala da lareira têm pé direito menor, pois é mostrado os lustres desses locais. Na Biblioteca, as dimensões do espaço mudam para apresentar a grandiosidade da biblioteca. As dimensões do espaço ajudaram o cenário a ter mais amplitude e profundidade visual. O hall passava imponência, a biblioteca experiência e conhecimento, o quarto do Nino, por sua vez, aconchego. Através de artifícios dimensionais, uma estrutura também pode ser criada para que o Castelo tivesse vida dentro da cidade. Com ajuda desses aspectos, o cenário pode abranger melhor o contexto narrativo dando perspectiva maior aos personagens e oportunidade dos atores utilizarem esse espaço de forma mais dinâmica.

3.4 Cores Um breve olhar inicial e a primeira percepção ao adentrar o cenário do hall é a predominância do amarelo e do laranja. Amarelo simboliza expansão e alegria. Amarelo é a cor da recreação, do otimismo e da jovialidade. A cor mais próxima da luz do sol que temos é o amarelo e, como cor do sol, a cor age de modo revigorante e alegre. O amarelo, o vermelho e o laranja criam a ambientação do lúdico (HELLER, 2013). Contrastando com o vibrante hall, a cozinha combina três tons pastéis. A suavidade da ausência de cor deixa-a mais tranquila, destoando do restante do cenário do Castelo. Quando indagada sobre esta questão, Luciene Grecco (2017), que trabalhou diretamente com a concepção da cozinha, comenta que uma das inspirações que teve foi a década de 1950. Luciene afirma que o estilo art nouveau ou medieval empregado no Castelo não faria sentido em uma cozinha onde existiriam utensílios domésticos funcionais. Uma saída que encontrou foi colocar ela mais modernizada, porém ainda com cara de diferente. O espaço se tornou assim mais limpo e é visto o uso formas mais geométricas, diferente de outros cômodos do castelo onde se tem predominância de formas orgânicas.

Figuras 5 e 6 – Hall de entrada do Castelo com paleta de cores lúdica e cozinha com paleta de cores em tons pastéis. Fonte: Frame do vídeo CASTELO RÁ-TIM-BUM, 1994.

Outro exemplo mais prático da aplicação de cores fazendo alusão às sensações ou a personalidades é o quarto da bruxa Morgana. Como dito anteriormente, a cor brinca com simbolismos e, principalmente neste cômodo em especifico, observa-se o emprego de alguns estereótipos de cores. As cores que podemos identificar em primeira vista na bruxa Morgana são, claramente, o roxo, o dourado e o violeta. Adelaide, sua gralha de estimação, também é violeta, o que cria um vínculo com sua dona. Segundo Heller (2013), as cores referentes à magia são, por sua vez, o preto, o violeta e o dourado. Nos aposentos de Morgana, é possível observar em vários momentos objetos em ouro ou dourado, assim como no figurino da bruxa também encontramos essas cores em específico. O tom verde musgo na parede pode remeter a combinações de cores que Heller (2013) coloca como sendo cores referentes à fantasia (azul, violeta, laranja e verde).

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Figuras 7 e 8 – Paleta de cores da personagem Morgana e interior de seu quarto. Fonte: Frame do vídeo CASTELO RÁ-TIM-BUM, 1994.

A paleta de cores do Castelo é diversa e representa várias sensações distintas. Cores quentes, amareladas, avermelhadas, e até o emprego de nuances amadeiradas, deixam o castelo com sensações expansivas de alegria e harmonia. Da mesma forma que a organicidade traz um fluxo ideal para a narrativa que o programa constrói, as cores ajudam a dar personalidade para o Castelo. A composição harmoniosa que ela traz acrescenta efeitos visuais que, além de trazerem alguns sentimentos e sensações, compõe a cena e entram em contato com as personagens.

3.5 Texturas e regularidade Na linguagem visual cenográfica a textura é utilizada geralmente para adicionar outras características a materiais que geralmente não são confeccionados como os objetos reais, além, claro, de ser usada para trazer algum tipo de significação para o cenário conversando sempre com o contexto narrativo da produção/espetáculo. No Castelo é possível identificar alguns padrões de regularidade principalmente nos pisos que também possuem características falseadas de texturas, já que em muitas vezes, o piso parece visualmente ladrilhos ou mármore, mas é confeccionado de madeira e revestido de fórmicas que tinham aparência dos respectivos.

Figuras 9 e 10 – Vista aérea do Hall de entrada e chão da sala de música. Fonte: Frame do vídeo CASTELO RÁTIM-BUM, 1994.

A sala da lareira e a sala de músicas seguem também um padrão de regularidade no piso, assemelhando-se a um tabuleiro de xadrez. Na sala da lareira, a própria lareira cria uma textura visual de mármore, porém também foi revestida com fórmicas. As texturas na cenografia nos ajudam a imaginar a sensação tátil que os objetos nos proporcionam, além de diminuir os custos para a cenografia, já que a empregabilidade de

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certos materiais fica fora de questão em cenários fictícios que geralmente não são utilizados durante muito tempo.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS A mistura entre o real e o artificial no Castelo, primeiramente, enfatiza a personalidade do dono do Castelo que, além de bruxo, é também inventor. O artificial pode aguçar a imaginação da criança que acompanha o programa do Castelo. Isso tudo pode ser concretizado graças ao dinamismo dado à linguagem visual do Castelo Rá-tim-bum como um todo. O trabalho de referências artísticas, de relações simbólicas da percepções (que a criança percebe apenas inconscientemente), ajudou a construir e concretizar essa atmosfera fantástica. Correlacionando os conceitos de design e cenografia colocados por Luiz Henrique de Sá com as considerações da análise da linguagem visual feita, conclui-se que uma cenografia bem estruturada é aquela que cumpre com seus objetivos, assim como um bom design é aquele que não somente soluciona um problema, mas o define apropriadamente. A cenografia necessita que os espectadores acreditem na construção de um mundo, (tanto real, quanto simbólico, metafórico ou abstrato) e que seja palpável. Isso pode ser considerado tanto arte como técnica.

REFERÊNCIAS: ARNHEIM, Rudolf. Arte e Percepção Visual: uma Psicologia da Visão Criadora. São Paulo: Thomson Pioneira, 2002. BERNSEN, Jens. Design: Defina primeiro o problema. Florianópolis: Senai/LBDI, 1995. CARNEIRO, Vânia Lúcia Quintão. Castelo Ra-tim-bum o Educativo Como Entretenimento. São Paulo: Annablume, 1999. CARDOSO, João Batista de Freitas. As formas de representação do Castelo: uma análise semiótica do cenário do programa Castelo Rá-Tim-Bum. In: UNIrevista, v.01. UNISINOS: São Leopoldo, 2006. Disponível em: <http://www.unirevista.unisinos.br/_pdf/UNIrev_Cardoso.PDF>. Acesso em: 10 de outubro de 2015. Repositório Digital Universidade Municipal de São Caetano do Sul. CARDOSO, Rafael. Design para um mundo complexo. São Paulo: Cosac Naify, 2013 Cintra, A. L. R. Castelo Rá-tim-bum: A contribuição do design na construção de uma linguagem visual lúdico pedagógica. 2017. 167 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Tecnologia em Design Gráfico). Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Curitiba, 2017. DONDIS, Donis. A. Sintaxe da Linguagem Visual, 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997. HELLER, Eva. Psicologia das cores: como as cores afetam a razão e a emoção. São Paulo: Gustavo Gili, 2013. MOURA, Carolina Bassi de. A direção e a direção de arte: construções poéticas da imagem em Luiz Fernando Carvalho. 473p. 2015. Tese (Doutorado em Artes Cênicas). Escola de Comunicações e Artes / Universidade de São Paulo, 2015. SÁ, Luiz Henrique da Silva. Histórias de Cenografia e Design: a experiência de Hélio Eichbauer. 2008. 230p. Dissertação (Mestrado em Design) Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2008.

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