ENCARTE 1 – TEORIAS E CONCEITOS PLANO DE GESTÃO APA do RIO SANTANA
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ................................................................................................... 1 ÁREAS DE PROTEÇÃO AMBIENTAL E O CONTEXTO DAS ÁREAS PROTEGIDAS .. 2 1. Contexto Internacional ................................................................................... 2 2. Contexto Nacional ........................................................................................... 6 2.1. Evolução do Sistema de Unidades de Conservação no Brasil ..................... 6 2.2. Áreas de Proteção Ambiental (APA) .......................................................... 15 O PROCESSO DE PLANEJAMENTO E GESTÃO DE APA ....................................... 17 1. Conceito de ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL (APA) ................................... 17 2. Planejamento e Gestão.................................................................................. 18 APA DO RIO SANTANA – CONTEXTO DE CRIAÇÃO E MARCO LEGAL................ 20 1. Histórico do Movimento Ambientalista Local como Base para a Conservação 20 2. Marco Legal para a Conservação ................................................................... 20 BIBLIOGRAFIA ................................................................................................... 22 ANEXO 1 – Lei de criação da APA DO RIO SANTANA................................................. 23
APRESENTAÇÃO Em junho de 2005, o Instituto Terra de Preservação Ambiental, como apoio da Associação Mico-Leão-Dourado (AMLD), Aliança para Conservação e CEPF (Edital de Fortalecimento Institucional das Entidades do Corredor da Serra do Mar) e em parceria da Rede Mata Atlântica, Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, Sebrae, Agenda 21 e Prefeitura Municipal de Paty do Alferes, promoveu o 1º WorkShop do Corredor de Biodiversidade Tinguá-Bocaina, evento que reuniu na Aldeia de Arcozelo cerca de 130 participantes, entre representantes da sociedade, empresas e poder público de nove municípios da região: Paty do Alferes, Miguel Pereira, Mendes, Eng. Paulo de Frontin, Vassouras, Paracambi, Barra do Piraí, Piraí e Rio Claro. Esse evento firmou-se como um marco inicial de um trabalho de gestão biorregional (Corredor de Biodiversidade TinguáBocaina) focado em três linhas prioritárias, discutidas e construídas participativamente, sendo: Conservação da Biodiversidade, Gestão Participativa e Geração de Trabalho e Renda. Especificamente em relação ao tema Conservação da Biodiversidade, ficou clara a ausência e o exíguo incentivo à criação e gestão de unidades de conservação na região. Tal ausência, inclusive, se coaduna com a constatação de que esta região se apresenta como a de maior degradação, fragmentação e ruptura do cordão de Mata Atlântica que ainda persiste nas vertentes da serra do Mar e que estabelece conexão desde o Paraná até o norte do Rio de Janeiro. Por esta razão, foi apontada como ação prioritária o desenvolvimento de mecanismos e metodologias que apóiem a criação e a implementação/gestão de unidades de conservação na região, especialmente aquelas sob responsabilidade municipal. Assim, com anuência e participação dos parceiros públicos e sociais da região, foi construído o projeto “Construindo Estratégias Participativas e Projetos Demonstrativos de Conservação da Mata Atlântica na Região do Corredor de Biodiversidade Tinguá Bocaina”, aprovado pelo MMA/PDA sob financiamento do GTZ e KFW. Dentre outras atividades previstas, sua meta nº 4, “Projeto Piloto de Implantação das Unidades de Conservação Municipais do Corredor (APA PALMARES E APA RIO SANTANA)”, visa à construção de uma metodologia simples e de baixo custo que permita às demais unidades de conservação municipais, e seus respectivos responsáveis, iniciar seu processo de implementação (Constituição do Conselho Gestor e construção do Plano de Manejo) rumo ao cumprimento de seus objetivos enquanto unidades de conservação. Este documento, portanto, trás a primeira proposta de planejamento para a implementação da APA Municipal do Rio Santana – APA DO RIO SANTANA, Miguel Pereira-RJ, colocando a disposição dos demais parceiros responsáveis pela evolução deste programa regional um referencial, até então inexistente, e que pode subsidiar seus futuros processo de planejamento e gestão de UCs municipais. O documento foi subdivido em quatro (4) encartes de forma a condensar e objetivar as informações, assim como, possibilitar maior praticidade, dinamismo e facilidades de utilização e atualização de informações. No primeiro encarte encontram-se reunidas as principais informações e discussões teórico/conceituais que embasaram e devem embasar a gestão das unidades de conservação da mesma categoria que a trabalhada. No segundo, são expostos os resultados dos diagnósticos e análises técnicas e participativas, fornecendo subsídios a uma correta interpretação dos processos ecológicos, culturais e de uso incidentes no 1-1
território da UC. Em seu terceiro encarte, é proposto o zoneamento e as normas de uso da unidade e no quarto encarte, seu plano operacional, composto por programas, ações e estrutura institucional para gestão e cumprimento dos objetivos propostos para a APA do Rio Santana. Temos certeza da relevância do resultado obtido, especialmente devido à construção contextualizada à evolução do movimento ambientalista local, estadual, nacional e planetário. O que se espera é que a partir deste primeiro passo de planejamento e articulação para a gestão de uma porção territorial do município de Miguel Pereira-RJ (FASE 1) a APA do Rio Santana e todos seus moradores e beneficiários possam se desenvolver e evoluir de uma maneira muito mais harmoniosa. Deixamos um agradecimento especial a todos os cidadãos e instituições locais, engajados e conscientes de seu papel na sociedade, e que como nós vêm se esforçando em busca de um novo modelo de gestão com mais oportunidades de desenvolvimento e com maior participação do cidadão. ÁREAS DE PROTEÇÃO AMBIENTAL E O CONTEXTO DAS ÁREAS PROTEGIDAS 1. Contexto Internacional “Uma área de terra e/ou mar especialmente dedicada à proteção e manutenção da diversidade biológica e de seus recursos naturais e culturais associados, e manejada por meio de instrumentos legais ou outros meios efetivos” (IUCN, 1994), constitui-se em uma unidade de conservação. Este foi o conceito consolidado em 1994 durante a assembléia geral da IUCN em Buenos Aires, Argentina, depois de um longo percurso de experimentações iniciado a partir da criação do Parque Nacional de Yellowstone em 1872. Neste histórico relacionam-se as primeiras discussões teórico/conceituais que definiram duas linhas de atuação para a criação e manejo das unidades de conservação (preservacionistas e conservacionistas); a criação de novas categorias nos Estados Unidos (Florestas Nacionais, Refúgios de Vida Silvestre e Monumentos Naturais); a difusão da importância das áreas protegidas e a posterior criação em diversos países (Canadá em 1885, Nova Zelândia em 1894, Austrália e África do Sul em 1898, México em 1898, Argentina em 1903...); a realização de grandes reuniões internacionais para debate e intercâmbio científico, conhecimento mútuo entre pesquisadores e a proteção de determinados grupos de animais (Paris, 1883; Viena, 1884; Londres, 1900; Suíça, 1913; Paris, 1923; Londres, 1933; Washington, 1940); constituição da União Internacional para Proteção de Natureza -IUPN (1948) que posteriormente teve sua denominação alterada para União Internacional para Conservação da Natureza e Recurso Naturais (1956), atualmente União Mundial pela Natureza – IUCN; criação da Comissão de Parques e Áreas Protegidas – CNPPA (1960); organização da primeira listagem mundial de Parques e Reservas Equivalentes (Seattle, 1962); realização da Conferência da Biosfera (Paris, 1968); estabelecimento do primeiro conceito mundial de Parque (Nova Deli, 1969); assinatura da Convenção Ramsar (Ramsar, 1971); realização da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano (1972); construção do primeiro sistema internacional de classificação de Unidades de Conservação (Yellowstone, 1972), consolidação em 1978 de um sistema internacional (CNPPA/IUCN) para a classificação das áreas protegidas (ARAÚJO, 2007).
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Em 1992, no III Congresso Mundial de Parques, realizado na cidade de Caracas na Venezuela, a IUCN encaminhou para discussão e consolidação uma proposta contendo cinco categorias, tendo como base a proposta em 1978 sob a liderança de Kenton Miller. Os resultados do congresso definiram uma classificação em seis categorias (QUADRO 1) com base nos seguintes objetivos de manejo: a) investigação científica; b) proteção de zonas silvestres; c) preservação de espécies e da diversidade genética; d) manutenção dos serviços ambientais; e) proteção das características naturais e culturais; f) turismo e recreação; g) educação; h) utilização sustentável dos recursos derivados dos ecossistemas naturais; i) manutenção de atributos culturais e tradicionais. Quadro 1: Categorias de manejo de unidades de conservação propostas pela IUCN em 1994. Categoria Denominação Objetivo Principal Reserva Natural Estrita/ Fins científicos ou de proteção da natureza I Área Silvestre Conservação de ecossistemas e fins de II Parque recreação Conservação de características naturais III Monumento Natural específicas Santuário de Vida Conservação de hábitats e/ou para satisfazer as IV Silvestre necessidades de determinadas espécies Paisagem Conservação de paisagens terrestres e V Terrestre/Marinha marinhos com fins recreativos Protegida Área Protegida com Uso sustentável dos ecossistemas naturais. VI Recursos Manejados Até 2003, o sistema internacional de áreas protegidas contava com algo em torno de 102 mil unidades, abrangendo uma área de 18,8 milhões de Km2, equivalente a 12,65% da superfície terrestre. Deste total, 67% se enquadram dentro das categorias de manejo propostas pela IUCN em 1994, totalizando mais de 15 milhões de Km2. Também foram identificadas 436 áreas declaradas como Reservas da Biosfera, 172 como Patrimônio da Humanidade e 1305 como sítios Ramsar (Chape et. al. in ARAÚJO, 2007). Atualmente o sistema internacional que temos resulta de uma série de aperfeiçoamentos e adaptações quanto aos objetivos e foco das unidades de conservação. O que parece consenso, é que ao longo de seu desenvolvimento surgiram tendências que apontam para um novo paradigma na gestão (QUADRO 2), incorporando a possibilidade de gestão compartilhada e participativa com a sociedade beneficiária e interessada (IBAMA, 2001; ARAÚJO, 2007). Quadro 2: Antigo e Novo paradigma para a gestão Philips, 2003). Tema Paradigma Antigo Designadas para a Objetivos conservação; - Estabelecidas para a proteção
de áreas protegidas (Adaptado de Paradigma Atual - Razões científicas, econômicas e culturais; - Também possuem objetivos 1-3
da vida silvestre - Manejadas para visitantes e turistas; - Valorizadas como ambiente selvagem; - Relacionadas com a proteção. Administração População Local
Contexto Paisagem
Percepções
Técnicas Manejo
Capacidade Manejo Finanças
da
- Governo Central - Atua contra a unidade, requerendo um planejamento restritivo; - Opiniões irrelevantes. - Planejadas separadamente - Manejadas como “ilhas”.
- Consideradas principalmente como um patrimônio nacional; - Interesse nacional. - Manejada de forma reativa dentro de uma escala de tempo de limitada; Manejada de forma burocrática. - Geridas por cientistas e de especialistas em recursos naturais; - Dirigida por especialistas. - Tesouro nacional.
sociais e econômicos; Turismo contribuinte da economia local; - Valorizadas pela importância cultural dos “ambientes selvagens”; - Mantidas também para a restauração e reabilitação. - Descentralizada (parceiros) Possível parceira para planejamento e gestão compartilhada; - Manejo construído à luz das opiniões e demandas locais. - Planejadas como parte de sistemas internacionais, nacionais ou regionais; - Desenvolvidas como redes ou mosaicos. - Considerada também como patrimônio da comunidade; Também de interesse internacional. - Manejada de forma adaptativa; - Gerida com sensibilidade política.
- Geridas por indivíduos dotados de múltiplas capacidades; - Geridas levando-se em conta os saberes locais. - Múltiplas fontes.
No contexto internacional, nossas APAs podem ser enquadradas na categoria “V – Conservação de paisagens Terrestres e Marinhas, de Lazer e Recreação”, guardadas suas especificidades (QUADRO 3). Este grupo caracteriza-se pela missão de proteger a biodiversidade, a qualidade cênica e o componente cultural das paisagens, sendo constituídas em domínio público ou privado, contando com suporte público para gestão, financiamento e manutenção em longo prazo (IBAMA, 2001). Quadro 3: Relação entre categorias do Sistema Nacional de Unidades de Conservação e da IUCN (IBAMA, 2007). Categoria Categoria - SNUC IUCN Estação Ecológica Ia Reserva Biológica Ia 1-4
Parque Refúgio de Vida Silvestre Monumento Natural RPPN Área de Proteção Ambiental Reserva de Desenvolvimento Sustentável Reserva de Fauna Área de Relevante Interesse Ecológico Floresta Nacional Reserva Extrativista
II III III IV V VI VI IV VI VI
Pode-se estabelecer uma relação de semelhança entre as APAs e outros tipos de áreas protegidas existentes pelo mundo, especialmente em relação aos Parques Naturais existentes na França, Portugal, Espanha e Alemanha e as Reservas da Biosfera que, segundo CHAPE et al. (2003), totalizavam 436 áreas de diversos países (QUADRO 4). Quadro 4: APAs e Congêneres Internacionais. Área Protegida Definição "área em geral extensa, com um certo grau de ocupação humana, dotada de atributos abióticos, bióticos, estéticos ou culturais especialmente importantes para a qualidade de vida e o bem estar das APA populações humanas, e tem como objetivos básicos proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais" (SNUC, 2000). “área que se caracteriza por conter paisagens naturais, alteradas e humanizadas, de Parques Naturais interesse nacional, sendo exemplo de integração harmoniosa da atividade
Principais Semelhanças (IBAMA, 2001) i) objetivam a biodiversidade
conservação
da
ii) admitem o uso sustentável dos recursos naturais
iii) podem ser constituídas propriedade privada
em
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humana e da Natureza e que apresenta amostras de um iv) possuem sistema de bioma ou região natural.” ordenamento com zoneamento que contém zonas com diferentes graus de proteção, restrições e permissões
Reserva Biosfera
"modelo de gestão integrada, participativa e sustentável dos recursos naturais, adotado internacionalmente, com os objetivos básicos de preservação da diversidade da biológica, o desenvolvimento de atividades de pesquisa, o monitoramento ambiental, a educação ambiental, o desenvolvimento e a melhoria da qualidade de vida das populações" (SNUC, 2000).
v) sistema de gestão adotado de forma participativa e visa contribuir com a melhoria/manutenção da qualidade de vida local
2. Contexto Nacional 2.1. Evolução do Sistema de Unidades de Conservação no Brasil No Brasil, o histórico da proteção de áreas silvestres, também acompanha as lutas e tendências mundiais. Este caminho com origens um pouco mais antigas que a criação de nosso primeiro parque nacional, iniciou-se com instrumentos como o “Regimento do Pau-Brasil” de 1605 e a Carta Régia de 1797 mas, todavia, tem-se como consenso que a criação do Parque Nacional do Itatiaia configurou-se na materialização de longos anos de debates e mobilizações iniciados ainda durante o período colonial e imperial, mas que efetivamente não se traduziram em ações concretas pelo governo federal até 1937 (MEDEIROS, 2006). A partir da criação do Parque Nacional de Yellowstone nos Estados Unidos em março de 1872, também no Brasil surgiram movimentações de apoio à proteção de áreas naturais, sendo a primeira proposição, datada de 1876, atribuída ao engenheiro André Rebouças. Todavia, o conjunto de condições legais, políticas, sociais, econômicas e culturais que prevaleceram até o fim Primeira República (1889-1930), originárias de nossa herança lusitana de ânsia de prosperidade inconseqüente e sem custos, de riquezas fáceis, impediam qualquer efetivação de unidades de conservação por estarem incorporados na sociedade daquela época somente preceitos para a expansão econômica com a degradação da natureza. A criação do Parque Estadual de São Paulo em 1896, foi uma demonstração do anseio preservacionista que surgia na época, contudo o cenário nacional ainda permanecia congelado pela conjuntura econômica e política preponderante (MEDEIROS, 2006). No período seguinte foi criado o Instituto Florestal Brasileiro (1921) sob justificativas relacionadas à ótica de exploração dos recursos florestais, contudo, inaugurando a ação oficial para o uso racional e a preservação de porções do território 1-6
nacional. Dentre suas incumbências configurava a de estudar e propor ao governo as melhores situações para a criação dos parques nacionais, o que na prática não se verificou. Com o golpe em 1930, amparado pelo decreto nº 19.398, o governo de Vargas, além de suas atribuições executivas democráticas, passa também a ter uma intensa atuação legislativa. Neste contexto são promulgados importantes instrumentos relacionados à ordenação de uso para a preservação ambiental. Destaca-se o primeiro código florestal brasileiro (Decreto nº 23.793/1934), que previa a limitação do direito de propriedade em detrimento das florestas do território nacional, bens de interesse comum, e classificava as florestas como protetoras, remanescentes, modelo e de rendimento descrevendo a classe remanescente como aquelas que formassem os parques nacionais, estaduais e municipais. Por fim, com a Constituição de 16 de julho de 1934, onde em seu artigo 10 foi atribuída ao poder público a responsabilidade pela proteção das “belezas naturais e monumentos de valor histórico ou artístico” estava criada a base legal para a criação das unidades de conservação no Brasil. Em 1937 é criada primeira unidade de conservação brasileira o Parque Nacional do Itatiaia, resultado de alguma mobilização de setores da sociedade e do contexto legal agora estruturado. Nos anos que finalizam a década de 30 ocorreram ainda a criação do Parque Nacional de Foz do Iguaçu em janeiro de 1939 e em outubro do mesmo ano o Parque Nacional da Serra dos Órgãos. No período entre 1940 e 1959 com atenções voltadas para a guerra e depois para a redemocratização do país, com o surto de desenvolvimento promovido pelo governo Kubitschek poucos avanços quanto a evolução da estrutura para a existências de áreas protegidas em nosso país foram alcançados. Com exceção da Floresta Nacional do Araripe-Apodi, criada em 1940 no Ceará, somente após um período de 20 anos sem novas unidades de conservação é que o Brasil teve novos processos para o estabelecimento de áreas protegidas. Em 1959 são criados os Parques nacionais de Aparados da Serra, no Rio Grande do Sul e Santa Catarina; Araguaia (Ilha do bananal), em Tocantins; e Ubajara, no Ceará. Em 1961 foram criados os Parques nacionais das Emas (GO), Chapada dos Veadeiros (GO), Caparaó (MG e ES), Sete Cidades (PI), São Joaquim (SC), Tijuca (RJ), Sete Quedas (PR), de Brasília (DF) e Monte Pascoal (BA) (ARAÚJO, 2007). Até este período, prevalece o caráter protecionista signatário de uma tradição de proteção vinculada essencialmente à ótica da administração florestal, onde a floresta é encarada como recurso econômico ou resguardada em função dos serviços ambientais por ela prestados. Todavia, deve-se valorizar um importante aspecto do modelo de proteção experimentado, que foi a sua capacidade de ter estabelecido desde o início, distintas tipologias e categorias de áreas protegidas objetivando, ao menos conceitualmente, a preservação e intocabilidade de áreas estratégicas assim como a conservação através da utilização controlada dos recursos naturais em áreas específicas (MEDEIROS, 2006). Nos anos que se seguiram, passando-se pelo período de golpe militar a partir de 1964, curiosamente, todos os instrumentos que possibilitaram a criação de áreas protegidas no Brasil foram mantidos em um primeiro momento e até mesmo aperfeiçoados posteriormente. O QUADRO 5 sistematiza os principais instrumentos legais instituídos durante a República, destacando sua evolução que subsidiou a criação e gestão das áreas protegias no Brasil (MEDEIROS, 2006).
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Quadro 5: Evolução dos principais instrumentos de criação de áreas protegidas no Brasil. (Fonte: MEDEIROS, 2006) INSTRUMENTOS PERÍODO INSTRUMENTOS TIPOLOGIAS CATEGORIAS INCORPORADOS Parque Nacional; Floresta Floresta Protetora; Floresta Código Florestal (Dec. Nacional; Reserva de X Remanescente; Floresta de 23793/1934) Proteção Biológica ou rendimento; floresta modelo De 1934 até Estética 1964 Parque de Reserva, Refúgio Código de Caça e Pesca Parques de Criação e Refúgio X e Criação de Animais (Dec. 23793/1934) de Animais Sillvestres ParqueNacional; Floresta Novo Código Florestal (Lei Código Florestal (Dec. 23793/ Nacional; Área de Preservação x 4771/1965) 1934) Permanente; Reserva Legal Lei de Proteção aos Animais Lei de Proteção aos Animais Reserva Biológica; Parque de (Dec. x (Lei 5197/1967) Caça Federal 24645/1934) Programa MaB, 1970 (Dec. Áreas de Reconhecimento 74685/74 e Dec. Pres. X Reserva da Biosfera Internacional 21/09/99) Convenção sobre Zonas De 1965 até Áreas de Reconhecimento Úmidas, 1971 (promulgada X Sítios Ramsar 1999 Internacional pelo Dec. 1905/96) Conv. Patrimônio Mundial, Áreas de Reconhecimento Sítios do Patrimônio Mundial 1972 (promulgada pelo Dec. X Internacional Natural 80978/1977) Reserva Indígena, Parque Estatuto do Índio (Lei nº Indígena, Colônia Agrícola X Terras Indígenas 6001 de 19/12/1973) Indígena e Território Federal Indígena Lei de Criação das Estações x
Estação Ecológica
x
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Ecológicas (Lei 6902/1981) Lei de Criação das Áreas de Proteção Ambiental (Lei 6902/1981) Decreto de Criação das Reservas Ecológicas (Dec. 89336/1984) Lei de Criação das ARIEs (Dec. 89336/1984) Lei de Criação das RPPNs (Lei 1922/1996)
X
Área de Proteção Ambiental
x
X
Reserva Ecológica
x
X X
Área de Relevante Interesse x Ecológico Reserva Particular do x Patrimônio Natural
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A partir de 2000
Novo Código Florestal (Lei Código Florestal 4771/1965) 23793/1934)
(Dec. Área de permanente
1) ao longo dos rios ou de qualquer curso d’água; 2) ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d’água; 3) nas nascentes e “olhos d’água” num raio de 50m de largura; 4) no topo de morros, montes, montanhas e serras; 5) nas encostas ou partes destas, com declividade superiora 45o, equivalente a Preservação 100% na linha de maior declive 6) nas restingas, como fixadoras de dunas ouestabilizadoras de mangues; 7) nas bordas dos tabuleiros ou chapadas, a partir da linha de ruptura dorelevo, em faixa nunca inferior a 100m em projeçõeshorizontais; 8) em altitude superior a 1800m, qualquerque seja a vegetação.
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1) 80% da PR3 na Amazônia Legal; 2) 35% na PR em área de cerrado localizada na Amazônia Legal; 3) 20% na PR em área de floresta ou vegetação nativa nasdemais regiôes; 4) 20% na PR em área de campos gerais em qualquer região.
Reserva Legal
Lei de Proteção aos Animais (Lei5197/1967); Lei de Criação dasEstações Ecológicas e APAs (Lei6902/1981); Decreto de Sistema Nacional de Criaçãodas RESECs e ARIEs Unidades de Conservaçãoda (Dec. 89336/1984); Lei de Natureza (Lei 9985/2000) Criação das RPPNs(Lei 1922/1996); parte do NovoCódigo Florestal (Lei 4771/1965)
Programa MaB, 1970 (Dec. 74685/74 e Dec. Pres. X 21/09/99) Convenção sobre Zonas Úmidas, 1971 (promulgada X pelo Dec. 1905/96)
PI: Estação Ecológica; Reserva Biológica; Parque Nacional;Monumento Natural; Refúgio de Vida Silvestre.US: Área de Unidades de Proteção Integral Proteção Ambiental; Área de (PI) eUnidades de Uso RelevanteInteresse Sustentável (US) Ecológico; Floresta Nacional; ReservaExtrativista; Reserva de Fauna; Reserva de DesenvolvimentoSustentável; Reserva Particular do PatrimônioNatural. Áreas de Internacional
Reconhecimento
Áreas de Internacional
Reconhecimento
Reserva da Biosfera Sítios Ramsar
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Conv. Patrimônio Mundial, 1972 (promulgada pelo Dec. X 80978/1977) Estatuto do Índio (Lei nº X 6001de 19/12/1973)
Áreas de Internacional
Reconhecimento Sítios do Patrimônio Mundial Natural
Terras Indígenas
Reserva Indígena, Parque Indígena, Colônia Agrícola Indígena e Território Federal Indígena
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A estrutura de gestão também experimentou diversas adaptações e evoluções destacando-se os principais acontecimentos que impulsionaram este processo (MEDEIROS, 2006; ARAÚJO, 2007):
1965 – instituição do novo Código Florestal (Lei nº 4771 de 15/09/1965); 1966 – 1º diagnóstico abrangente sobre UCs da Brasil e proposição dos princípios para a criação de parques, assim como para o zoneamento e uso da unidades de conservação; 1967 – criação da FUNAI, criação do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF); 1968 – Conferência da Biosfera; 1970 – lançamento do programa “O Homem e a Biosfera - MaB”; 1971 – criação da Convenção sobre Zonas Úmidas (RAMSAR); 1972 – criação da Convenção sobre o Patrimônio Mundial, Conferência de Estocolmo; 1973 – criação do estatuto do Índio, Criação da Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA); 1977 – lançamento do 2º Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND); 1979 – apresentação da primeira proposta para criação de um “Sistema de Unidades de Conservação” para o Brasil; 1981 – proposição de novas tipologias de UC: Estação Ecológica (ESEC) e Área de Proteção Ambiental (APA), promulgação da Política Nacional de Meio Ambiente (Lei nº 6938 31 de agosto de 1981); 1982 – apresentação da etapa 2 da primeira proposta para criação de um “Sistema de Unidades de Conservação” para o Brasil; 1988 – promulgação da nova constituição, criação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama); 1991 – início da execução do Programa Nacional do Meio Ambiente (PNMA I), Estabelecimento da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica; 1992 – criação do programa PPG7; 1996 – criação do Programa Nacional da Diversidade Biológica (PRONABIO), sendo representado em nível governamental pelo Projeto de Conservação e Utilização Sustentável da Diversidade Biológica Brasileira (Probio) e pelo Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio) relacionado à iniciativa provada, proposição do projeto e Corredores Ecológicos.
Em 2007 contávamos com um total aproximado de 115 milhões de hectares de áreas protegidas no território nacional (QUADRO 6), contando com um sistema instituído pela Lei nº 9985 de 18 de julho de 2000, que contempla dois grupos, Proteção Integral e Uso Sustentável, e doze categorias de manejo (ARAÚJO, 2007). Esse novo instrumento mostrou-se de grande valia ao contexto nacional, pois conseguiu integrar de uma única vez parte das áreas protegidas prevista pela legislação brasileira, viabilizando a possibilidade de que novas categorias fossem criadas ou incorporadas a partir de experiências originais desenvolvidas no país além de ter incluso em seu texto um capítulo específico dedicado às Reservas da Biosfera, que ganharam o status de categoria especial (MEDEIROS, 2006). 1-13
Quadro 6: Unidades de Conservação no Brasil em Março de 2007. (Fonte: ISA, 2007) Categoria Número Área (ha) Proteção Integral Federal Estação Ecológica 32 7.006.908 Parque Nacional 62 21.632.419 Reserva Biológica 30 3.901.063 Reserva Ecológica 1 109 Refúgio de Vida Silvestre 3 145.245 Subtotal 128 32.685.744 Uso Sustentável Federal Área de Proteção Ambiental 30 8.914.920 Área de Relevante Interesse Ecológico 13 30.047 Floresta Nacional 63 16.752.067 Reserva de Desenvolvimento Sustentável 1 64.735 Reserva Extrativista 49 9.845.531 Subtotal 156 35.607.300 Total de UCs Federais 284 68.293.044 Proteção Integral Estadual Estação Ecológica Monumento Natural Parque Nacional Reserva Biológica Reserva Ecológica Refúgio de Vida Silvestre Subtotal Uso Sustentável Estadual Área de Proteção Ambiental Área de Relevante Interesse Ecológico Floresta Estadual Floresta Extrativista Floresta de rendimento Sustentável Reserva de Desenvolvimento Sustentável Reserva Extrativista Subtotal Total de UCs Estaduais
51 6 164 36 13 3 273
600.800 32.605 8.267.562 169.386 116.666 102.543 9.289.562
177 15 24 3 18 14 24 257 548
23.877.173 20.167 2.162.463 1.438.907 1.470.759 9.498.626 1.393.586 38.390.922 47.680.484
Total de UCs Brasileiras 814 Área de Sobreposição entre UCs Área de Sobreposição entre UCs e Terras Indígenas Área das UCs descontadas as sobreposições
115.735.528 3.631.742 8.819.569 104.992.976
Dados mais recentes, publicados do site do Cadastro Nacional de Unidades de Conservação, apontam um número inferior de unidades de conservação já validadas, totalizando 370 unidades em todo o território nacional sendo 281 de gestão federal, 83 estadual e 6 municipais (Portal Áreas Protegidas-MMA, 2008). Segundo MERCADANTE (2007) as unidades brasileiras protegem cerca de 20% da Amazônia, 6% do Cerrado, 1-14
6% da Caatinga, 6% da Mata Atlântica, 2% do Pantanal, 3% dos Campos Sulinos e 0,15% da zona Costeira e Marinha. Mais recentemente, por força da Medida Provisória 366 de 27 de abril de 2007, o governo federal instituiu o novo órgão, Instituto Chico Mendes, com a atribuição de executar as ações da política nacional de unidades de conservação da natureza, responder pelas políticas relativas ao uso sustentável dos recursos naturais, apoiar as populações tradicionalmente extrativistas, incentivar programas de pesquisa e proteção da biodiversidade, além de exercer poder de polícia ambiental para a proteção das unidades de conservação (www.agenciabrasil.gov.br). Esta nova estrutura, que busca atender antigas recomendações e rentes anseios sociais de termos uma instituição exclusivamente direcionada às unidades de conservação no Brasil, todavia vem passando por turbulências neste período de implementação de seu funcionamento, visto a resistência e o descontentamento quanto ao processo e contexto de criação assim como pela conseqüente desestabilização da já deficiente estrutura organizacional do IBAMA. Como incitado por ARAÚJO (2007), o histórico da gestão das UCs no Brasil já provou que a simples criação, extinção, fusão ou sub-divisão de órgãos de gestão não soluciona os problemas, sendo o grande desafio proposto aos gestores atuais a modernização da gestão com foco na eficiência e qualidade das unidades de conservação rumo ao cumprimento de seus objetivos de criação. 2.2. Áreas de Proteção Ambiental (APA) Especificamente, as Áreas de Proteção Ambiental (APA) foram instituídas pela Lei no 6.902, de 27 de abril de 1981, sendo provável que o termo tenha sido usado pela primeira vez, em legislação brasileira, na Lei de Zoneamento Industrial - Lei nº 6.803/80 (CÔRTE, 1997). Tal categoria de unidade poderia ser criada pelos Governos Federal, Estadual e Municipal, segundo a própria necessidade e interesse em proteger um ou mais atributos ambientais de relevância tal, que diferencia a área das demais. Esta mesma lei, em seu artigo 9º, inicia um dos grandes percausos que esta nova categoria teria que superar para seu efetivo reconhecimento: a compatibilização dos usos com a conservação dos atributos ambientais, ou seja, a restrição à propriedade privada. A Lei no 6.902/81 foi regulamentada pelo Decreto nº 88.351 de 01 de junho de 1983, pela Resolução CONAMA nº 10, de 14 de dezembro de 1988 e, posteriormente, pelo Decreto no 99.274, de 06 de junho de 1990. Acrescente-se, ainda, a Lei Federal no 6.938, de 31 de agosto de 1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, que estabelece, dentre outros, as APAs como um de seus instrumentos, consolidando o arcabouço legal para a existência das Áreas de Proteção Ambiental no Brasil (CÔRTE, 1997). Consolidando toda a legislação federal vigente sobre critérios e normas para a criação, implantação e gestão das unidades de conservação, foi aprovada na câmara dos deputados em 18 de julho de 2000, a lei 9.985 que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC. Atualmente temos algo entorno de 30% da área das unidades de conservação representados pela categoria APA contabilizando um total de 207 unidades, não contabilizadas aquelas criadas em esfera municipal onde se constata uma lacuna de informação recente. Os dados mais recentemente sistematizados sobre áreas de proteção ambiental municipais do Brasil foi apresentado por BRUCK, FREIRE e LIMA em 1995 (QUADROS 7 1-15
e 8). Certamente esta informação encontra significativamente defasada, especialmente pelo incremento de unidades de conservação desta categoria, sobretudo em estados onde se instituiu o ICMS Ecológico (QUADRO 9). Quadro 7: Áreas de Proteção Ambiental do Brasil por regiões e nível de governo. Esfera de Gerência TOTAL União Estado Município Região n° n° de n° de Há ha de ha ha APAs APAs APAs Norte 21600 1 21600 Nordeste 93740 5 154116 17 247856 Sudeste 964388 8 1870494 23 65613 19 2900495 Sul 612500 3 2222 11 614722 Centro 116200 2 9005300 3 9121500 Oeste TOTAL 1808428 19 11029910 43 67835 30 12906173 Quadro 8: Criação de Áreas de Proteção Ambiental no Brasil. Período de Esfera de Gerência Criação União Estado Município 1981 a 1985 10 13 12 1986 a 1990 6 30 18 1991 a 1995 3 TOTAL 19 43 30
n° de APAs 1 22 50 14 5 92
TOTAL 35 54 3 92
Quadro 9: Criação de Áreas de Proteção Ambiental no estado de minas Gerais. (Fonte: adaptado de Euclydes, 2006) Esfera de Até Até TOTAL Gestão Dez/1995 Dez/2005 Federal 4 0 4 Estadual 6 7 13 Municipal 6 149 155 TOTAL 16 156 172 o *Obs: a Lei Robin Hood (Lei Estadual n 12.040), que instituiu o ICMS Ecológico no estado de Minas Gerais foi criada em 28 de dezembro de 1995. No atual contexto do sistema nacional de unidades de conservação, verifica-se alta importância biológica e socieconômica para as APAs e uma mediana efetividade de gestão dos territórios abrangidos por esta categoria de unidade. A vulnerabilidade desta categoria também se demonstra alta, originada uma vez suas características permissivas, a dificuldade de estruturação e recursos humanos, a grande demanda e o elevado valor de mercado dos recursos naturais e a dificuldade de monitoramento de possíveis atividades ilegais (IBAMA, 2007).
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O PROCESSO DE PLANEJAMENTO E GESTÃO DE APA 1. Conceito de ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL (APA) A APA é uma Unidade de Conservação de Uso Direto dos recursos naturais, segundo categorização da IUCN ou ainda Unidade de Conservação de Uso Sustentável, conforme expresso no SNUC. Segundo a Resolução CONAMA nº 10/88, artigo 1º, as APAs “são unidades de conservação, destinadas a proteger e conservar a qualidade ambiental e os sistemas naturais ali existentes, visando a melhoria da qualidade de vida da população local e também objetivando a proteção dos ecossistemas regionais”. A Lei do SNUC, em seu artigo 15, define as APAs como “uma área em geral, extensa, com um certo grau de ocupação humana, dotada de atributos abióticos, bióticos, estéticos ou culturais especialmente importantes para a qualidade de vida e o bem-estar das populações humanas, e tem como objetivos básicos proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação, assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais” (BRASIL, 2002). Deste conceito geral, CÔRTE (1997), destaca algumas constatações primordiais a cerca da categoria: i. buscam conciliar o desenvolvimento de atividades humanas com a conservação dos recursos naturais (objetivo geral); ii. buscam proteger o solo, subsolo, a cobertura vegetal e a fauna local, promover a melhoria da qualidade dos recursos hídricos, recuperar áreas degradadas (objetivos específicos); iii. são áreas submetidas ao planejamento e à gestão ambiental; iv. são áreas de uso múltiplo, controladas através do zoneamento, fiscalização e educação ambiental; v. podem conter outras unidades de conservação mais restritivas; vi. podem ter uso urbano; vii. propiciam a experimentação de novas técnicas e atitudes que permitam conciliar o uso da terra e o desenvolvimento regional com a manutenção dos processos ecológicos essenciais (CÂMARA, 1993, p.4); viii. permitem que a população residente e do entorno seja integrada nas medidas práticas conservacionistas, através de ações de Educação Ambiental ou participação no processo de planejamento e gestão; ix. permitem o estabelecimento de um processo de co-gestão entre órgãos governamentais, não-governamentais e setores organizados da sociedade. Todavia, até os dias atuais, não tem sido fácil o entendimento e aceitação a esta categoria de Unidade de Conservação. Problemas causados pela criação e gestão equivocada das primeiras APAs, regidas por fundamentos preservacionistas que as assemelhavam com Parques ou outras categorias mais restritivas, ainda são proferidos como justificativa ou argumentação contrária às APAs. Sob esta ótica, tentava-se que as atividades e equipamentos de caráter urbano, ou ainda a própria dinâmica urbana fossem ignorados ou, às vezes, excluídos do território da APA e assim, a proposta conservacionista trazida por esta categoria de unidade de conservação ganhou contestadores ferrenhos, especialmente aqueles que defende o direito de propriedade e o desenvolvimento aquém a manutenção do ambiente (CÔRTE, 1997; IBAMA, 2001).
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Com o passar do tempo, os conceitos base para a gestão e os processos de criação das APAs têm amadurecido e, atualmente, buscam origens nas demandas e anseios locais, de forma a permitir a utilização sustentável do território, juntamente com a constante mediação e gestão das expectativas dos diferentes atores envolvidos. Esse exercício vem consolidando e cristalizando o conceito dessa unidade de conservação de uso sustentável, conforme proposto ideologicamente pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação, cumprindo importante papel complementar de suporte às UCs de proteção Integral, como corredores ecológicos, zonas de amortecimento ou mesmo possibilitando a conservação de atributos ambientais em locais cuja condição de ocupação humana não permitiria a existência de uma unidade de proteção integral. Resta portando o desafio associado ao conceito em consolidação, de se viabilizar esta proposta de um papel complementar a ser desempenhado pelas unidades de conservação da categoria de Uso Sustentável como as APAs, emergindo, daí, a importância da implantação de um eficiente processo de gestão que leve em conta os diversos aspectos envolvidos (CÔRTE, 1997). 2. Planejamento e Gestão O pleito do estabelecimento de uma categoria de unidade de conservação que permitisse a pesquisa e a conservação em terras privadas e, ao mesmo tempo, contornasse uma das grandes barreiras que é a desapropriação de terras, a partir dos anos 80, se materializou na complexidade de uma efetiva gestão das Áreas de Proteção Ambiental. A conservação de bens coletivos em domínios da propriedade privada trouxe desafios e contestações às tímidas, mas necessárias ações restritivas compatíveis com as APAs. Ademais, visto que o uso é permanente e os diversos atores participam e influenciam ativamente na conservação ou degradação do ambiente da unidade torna-se necessário o estabelecimento de um sistema de gestão que permita gradual integração e participação social no processo de gestão da unidade. Com tais características, para a administração das APAs, deve-se ter claro, conceitual e praticamente, os conceitos de manejo e gestão, onde no caso das Áreas de Proteção Ambiental é sugerido pelo IBAMA a utilização do termo gestão. Entende-se por manejo “o conjunto de ações e atividades necessárias ao alcance dos objetivos das áreas protegidas; ou seja, em um sentido técnico, as atividades fins, (...), aquelas que dizem respeito ao manuseio, controle ou direção de processos nas unidades de conservação, tais como proteção, recreação, educação, pesquisa e manejo de recursos” e gestão “o conjunto de atividades administrativas e seu próprio controle, ou seja, atividades relacionadas à gerência, gestão ou administração dos negócios e atos necessários à efetiva realização do manejo, tais como controle de pessoal, licitação, contabilidade, aquisição e manutenção de bens, entre outras” (MILANO, BERNARDES e FERREIRA, 1993). De acordo com IBAMA (2001), o processo de implementação das APAs deve evoluir em fases, mediante o acúmulo de conhecimento, aumento na mobilização e participação social e desenvolvimento de ações demonstrativas (FIGURA 1).
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Figura 1: Visão processual do processo de planejamento e gestão de APAs (Adaptado de IBAMA, 2001). Dessa maneira, o planejamento das APAs deve se constituir em um processo contínuo e dinâmico, pois, à medida que evolui o conhecimento da situação em questão, novas ações podem ser propostas e implementadas para se chegar à situação desejada. Os objetivos apontados pelo Roteiro Metodológico para a Gestão de APAs para cada fase do planejamento podem ser observados na FIGURA 2. Fase 1 Sistematizar o conhecimento existente sobre a APA Definir áreas estratégicas e homogêneas no território e estabelecer as normas Implementar o sistema de gestão Priorizar ações em caráter piloto Estruturar o sistema de gestão
Fase 2 Ampliar o conhecimento e as ações de proteção da biodiversidade Ampliar ações prioritárias para toda a APA Definir o Zoneamento e as Normas Ambientais Estabelecer programas de ação para gestão
Fase 3 Aprofundar o conhecimento e as ações de proteção da biodiversidade Promover o aperfeiçoamento do Zoneamento e das Normas Ambientais Consolidação do Plano de Gestão para a proteção da biodiversidade e o desenvolvimento sustentável com alcance regional
Ampliar a descentralização e a Aperfeiçoar o sistema de gestão autonomia do Processo de Gestão Promover a capacitação dos agentes socias envolvidos
Promover o avanço institucional e criar mecanismos de geração de recursos econômicos
Figura 2: Objetivos do planejamento e gestão das APAs em cada fase. Para CÔRTE (1997), visto o caráter de compatibilidade com a propriedade privada e exigüidade de recursos para viabilização da gestão, o caminho para o estabelecimento do processo de gestão das APAs deve superar o caráter impositivo e restritivo, que já se mostrou ineficiente, orientando-se com base em uma gestão em parceria ou co-gestão, cuja principal característica é a descentralização de atribuições e atividades de manejo e de gerenciamento das unidades, envolvendo na gestão os principais atores sociais (institucionais e sociedade civil). Por esta razão, deve-se orientar a gestão das Áreas de Proteção Ambiental por uma abordagem complementar baseada na gestão participativa, integrando a 1-19
comunidade nas diversas ações de planejamento e gestão de APAs facilitando a mediação de conflitos entre uso do solo e a conservação dos recursos naturais; no planejamento estratégico, que propricia a análise da situação vigente e propõe cenários desejáveis, direcionando e facilitando a tomada de decisão; e na gestão da qualidade, que agrega o constante monitoramento e avaliação do planejamento e das ações implementadas (IBAMA, 2001). APA DO RIO SANTANA – CONTEXTO DE CRIAÇÃO E MARCO LEGAL 1. Histórico do Movimento Ambientalista Local como Base para a Conservação As riquezas naturais singulares do rio Santana e a necessidade de proteger os ecossistemas locais do impacto das atividades humanas e, em especial, manter a qualidade e quantidade de água que verte para o rio Guandu e consolidar uma zona de amortecimento para a Reserva Biológica do Tinguá e Araras, acabou culminando na proposta de criação da Área de Proteção Ambiental do rio Santana. Esta iniciativa teve o objetivo de promover uma integração harmoniosa entre as atividades produtivas da região e a conservação da natureza. A proposta de criação da Unidade de Conservação encontra sua base no Plano de Manejo da Rebio Tinguá em diversos estudos técnico-científicos que apontam esta bacia hidrográfica como de relevante interesse para a manutenção dos recursos hídricos. Reivindicação antiga de organizações não governamentais, com destaque para o Instituto Terra de Preservação Ambiental e a Sociedade de Cavaleiros do Alto Santana, encontrou aceitação política pela Câmara de Vereadores de Miguel Pereira em 27/12/04. Sua criação reforçou a legislação estadual que já apontava o Rio Santana como Reserva de Mananciais Classe I e, sobretudo, atendeu anseios da comunidade miguelense que tem no rio Santana seu principal patrimônio natural e fonte de lazer. 2. Marco Legal para a Conservação A Área de Proteção Ambiental municipal do Rio Santana – APA DO RIO SANTANA, em Miguel Pereira – RJ, foi criada pela lei municipal nº 2018 de 27 de dezembro de 2004 (ANEXO 1). Como ressaltado no histórico de consolidação legal das Áreas de Proteção um extenso arcabouço legal foi desenvolvido nas diferentes esferas de governo, e deve ser observado na gestão da unidade. Em breve listagem busca-se ressaltar os principais instrumentos existentes: a) Federais - Constituição Federal - Lei 6.902 de 27 de abril de 1981 - Lei 6.938 de 31 de agosto de 1981 - Lei 9.795 de 27 de abril de 1999 - Lei 9.985 de 18 de julho de 2000 - Lei 10.257 de 10 de julho de 2001 - Decreto 99.274 de 06 de junho de 1990 - Decreto 88.351 de 01 de junho de 1993 - Resolução CONAMA nº 011 de 03/12/87 1-20
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Resolução Resolução Resolução Resolução Resolução Resolução
CONAMA CONAMA CONAMA CONAMA CONAMA CONAMA
nº 010 de 14/12/88 nº 013 de 06/12/90 nº 010 de 01/10/93 nº 06 de 04/05/94 nº 302 de 20/04/2002 nº 303 de 20/04/2002
b) Estaduais - Constituição Estadual c) Municipais - Lei Orgânica - Plano Diretor Municipal
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ANEXO 1 – Lei de criação da APA DO RIO SANTANA.
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