Revistas 8 e 9

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REVISTA DA ACADEMIA SUL-BRASILEIRA DE LETRAS

Pelotas

Outubro 2004-Abril 2005. No. 8 e 9

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REVISTA DA ACADEMIA SUL-BRASILEIRA DE LETRAS Fundada em 9 de maio de 1970

Presidente: Jandir João Zanotelli Vice-Presidente RS: Joaquim Moncks Vice-Presidente SC: Lauro Junkes Vice-Presidente PR: Ivo Arzua Pereira Secretário: Ivone Leda do Amaral Tesoureiro: Wilma Mello Cavalheiro CONSELHO EDITORIAL Ângela Treptow Sapper Ivone Leda T. Amaral Jandir João Zanotelli (organizador) Joaquim Moncks Lígia Antunes Leivas Pedro Baggio Sérgio Oliveira Wilma Mello Cavalheiro

Sede: Rua 3 de Maio 1060 – Conj.403 – Pelotas – RS– 96010-620 E-mail- jandir@atlas.ucpel.tche.br 2


SUMÁRIO Apresentação........................................................................5 EVENTOS............................................................................7 1.Posse de Manuel Jesus Soares da Silva.............................7 2.Homenagem a Sadi Maurente Azevedo...........................13 3.ASBL: Compromisso com a Feira do Livro...................15 4. Feira do Livro -Discurso de Abertura – Lígia A. Leivas16 5. Pozenato: Doutor porque romancista..............................23 6. Homenagem a Harly Clóvis Stocchero...........................38 7. Eleição na Academia......................................................46 8. Falece Heloísa Assumpção do Nascimento....................49 POESIA .............................................................................51 O Remador – José More3ira da Silva.................................51 Projeto de Conciliação – José Moreira da Silva.................52 Testamento - Roza de Oliveira .........................................54 Casa Oníria – Roza de Oliveira... ......................................55 Chove e não vens – Miguel Russowsky.............................56 Chove dentro de mim – Marilú Duarte..............................57 Hino à vida - Maria Amélia Gonçalves Hillal..................58 O mundo e a vida – Pedro Baggio......................................59 Divagando De...va...gar - Ivo Leda do Amaral..................60 Esperança – Wilma Mello Cavalheiro................................62 Desfazimento – Lígia Antunes Leivas................................63 De hora em hora – Lígia Antunes Leivas...........................63 Poema de Absolvição – Joaquim Moncks..........................64 30º Verso – Cheila Stumpf.................................................66 3


CRÔNICAS E CONTOS ..................................................67 Meu irmão o medo – Blau Souza.......................................67 Mulher... antes, agora e sempre – Lígia Antunes Leivas...71 Ressurgimento da soberana ordem do Sapo – Ivo Arzua Pereira .......74 ARTIGOS E ENSAIOS ....................................................79 Palavras sobre Poesia Brasisleira – Ir. Elvo Clemente......79 História memória e mestra da Humanidade – Ivo Arzua Pereira...........95 Questionamentos - Olga Maria Dias Ferreira..................100 Refletir é Preciso – Olga Maria Dias Ferreira.................103 O chasque do imperador e Simões Lopes Neto – Angela Treptow Sapper....107 Cultura e Comunicação – Kenia Maria Menegotto Pozenato e Loraine Stomp Giron..............112 Crítica Antiga e Crítica Nova – Luís Borges....................134 Análise discursiva de deficiências em língua portguguesa... – Angela Treptow Sapper..........149 As primeiras sociedades literárias de Pelotas – Angelo Pires Moreira.........166 RECENSÕES...................................................................171 ESTATUTO SOCIAL DA ASBL...................................172 ASBL: Cadeiras – Patronos – Titulares ..........................187

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APRESENTAÇÃO

A Revista semestral da ASBL , por motivos de viabilidade gráfica, vem à luz juntando os números 8 e 9 correspondentes ao segundo semestre de 2004 e ao primeiro de 2005. Mantém a

mesma estrutura e a riqueza das

contribuições literárias como o leitor poderá constatar. Contém, nas linhas e entrelinhas, a gravidade dos tempos atuais com a saudade de três estimados acadêmicos falecidos, Sady Maurente Azevedo,

Harley Clóvis

Stocchero e Heloísa Assumpção Nascimento, com o falecimento do papa João Paulo II e a eleição de Bento XVI que comoveram o mundo, a posse de Manuel Jesus Soares da Silva, em tempos de Natal e Ano Novo cada vez mais esvaziados no escoadouro do mercado e do papai noel, em tempos de Carnaval para esquecer as guerras estúpidas que

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assolam a Terra e a exclusão de tantos, mas também em tempos de Páscoa da Ressurreição que nos permite ver medrar a Esperança dentre as pedras de tantos destroços. Nossa Revista recolhe o labor de tantos, vigias, zeladores, cuidadores da palavra onde habita o homem e onde se manifesta o Ser, que nos apela para os caminhos éticos do servir, na economia, na política, na cultura. Palavra que se faz serviço e por isto se faz festa. Somos gratos aos apoiadores que permitiram o advento deste número duplo da Revista da Academia SulBrasileira de Letras.

Jandir João Zanotelli (org)

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EVENTOS 1. POSSE DE MANUEL JESUS SOARES DA SILVA A posse do professor e escritor Manuel Jesus Soares da Silva na cadeira N.2 da ASBL e que tem como patrono Francisca Marcant Gonçalves aconteceu no salão da Biblioteca Pública de Pelotas, com a afluência de cerca de 300 pessoas convidadas e foi saudado por sua paraninfa, a acadêmcia Olga Maria Dias Ferreira com o discurso que vem a seguir: Senhoras... Senhores... Amigos... Engalanado encontra-se este sodalício,/ na expressiva oportunidade em que acolhe mais um acadêmico,/ a cerrar fileiras,/ em defesa da cultura e das letras em nossa terra./ Sobremaneira felizes soam os corações dos pais, irmãos e demais familiares,/ bem como de alunos, colegas, companheiros, amigos e admiradores/ da figura singular do jornalista e escritor/ MANOEL JESUS SOARES DA SILVA,/ no momento em que,/ na Casa de João Simões Lopes Neto,/ ACADEMIA SUL-BRASILEIRA DE LETRAS,/ torna-se um IMORTAL. Sucedem-se as emoções ante a magnitude do momento. O muito querido amigo Manoel Jesus, filho do Senhor MANOEL RAULIN DA SILVA e da senhora FRANCELINA SOARES DA SILVA,/ natural de Canguçu,/ nascido a 5 de junho de 7


1955,/ jovem de nobre coração,/ defere-nos,/ mercê da generosidade que o caracteriza, bem como do intenso afeto que nos irmana,/ a honraria de paraninfá-lo, nesta hora de encantamento./ Inúmeros confrades e confreiras poderiam exercer tão honroso mister./ Quis a alma carinhosa e terna de MANOEL JESUS,/ aqui estivéssemos, a realizar esta apresentação,/ com certeza, movido pelo forte vínculo afetivo que nos envolve./ Tive a grata oportunidade de conhecer MANOEL JESUS, nas lides rotárias./ Desde então, algo muito estreito nos mantém unidos,/ na fraternidade do diálogo/, na cumplicidade do encontro, na dimensão de um sentimento verdadeiro. O fato de estar aqui,/ na sublimidade desta cerimônia, a paraninfá-lo,/ saberá ele aquilatar com sabedoria e serenidade./ Cumpre-nos, pois, a tarefa prazerosa de corresponder ao carinhoso convite,/ com a presteza de dissertar sobre um jovem idealista e justo,/ verdadeiro e honesto,/ trabalhador e religioso que, hoje, aquiesce adentrar as lides acadêmicas/ para dar continuidade a seu lavor. Aprendeu as primeiras letras na Escola Imaculada Conceição – Escola Paroquial e Assistencial de Santa Teresinha e/ no Seminário Diocesano São Francisco de Paula,/ onde concluiu o segundo grau. .Ao ingressar na Universidade Católica de Pelotas em 1977 – no Curso de Comunicação, chegou à conclusão, com habilitação em JORNALISMO, em 1979./ No afã de uma especialização/ realizou curso EDUCAÇÃO E SOCIEDADE, concluído em 1984./ Dando prosseguimento à formação universitária,/ realiza MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO SOCIAL, na Universidade

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Católica de Pelotas,/ cuja conclusão, com defesa de tese, verifica-se a 16 de julho de 2000, na qual obtém conceito A, com sugestão de que seja a mesma publicada./ Esta,/ caríssimos amigos,/ a brilhante trajetória acadêmica de nosso afilhado./ Profissionalmente, MANOEL JESUS vem-se destacando como Assessor de Comunicação da Diocese de Pelotas e da Rádio Universidade Católica; Produtor no Departamento de Jornalismo, ocupando cargo no Setor de Comunicação da Prefeitura Municipal de Pelotas; desempenhou a função de Coordenador do Setor de Comunicação, na Assembléia Legislativa do estado; foi Assessor Parlamentar e Assessor de Comunicação, nas Prefeituras Municipais de Pelotas e Morro Redondo, Mercê do conceituado desempenho frente a tais atividades, Manoel Jesus, cria a empresa J&C Comunicação para atuar na área de Editoração Eletrônica./ Em 1993,/ cria em sociedade,/ a Empresa Empório e Comunicação,/ passando a atuar, simultaneamente/ nas áreas de Jornalismo, Relações Públicas/ e Publicidade e Propaganda. Em 1995,/ ingressa como Auxiliar de Ensino na Escola de Comunicação Social da Universidade Católica de Pelotas,/ passando,/ dois anos após,/ a integrar o quadro de carreira do Magistério da mesma universidade,/ após criteriosa avaliação de seu desempenho no início da atividade docente./ Ao exercer a cátedra com a maior dedicação, mantém-se,/ permanentemente,/ atualizando conhecimentos atinentes à área de atuação/ fato que o leva a ser escolhido, diretor da Escola de Comunicação da UCPEL, em 2002,/ cuja recondução se verifica em 2004./ A interação do Mestre Manoel Jesus e seus discípulos comprovam/ eloqüentemente,/ sua verdadeira vocação./ De tal sorte, é escolhido Professor homenageado, das turmas de 1996, 1997/1 e 2,1998 e 1999. É, outrossim escolhido Patrono das turmas de Comunicação Social em 1998 e

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2000./ O reconhecimento dos alunos não cessara/ e, em 1999,/ fora guindado à condição de paraninfo dos formandos em Comunicação Social. Demonstrando alto grau de conhecimento e notável experiência,/ nosso afilhado tem mais de uma dezena de trabalhos publicados,/ tanto na área de Marketing Político,/ como na de Informática e Desenvolvimento Social, sendo articulista do DIÁRIO POPULAR bem como da ECOS,/ revista da universidade. Pessoa vastamente conhecida e das mais atuantes em nossa sociedade,/ vem brindando os amantes da arte literária com belas obras, como: / QUE SEJA EM NOME DE DEUS,/ NOS BRAÇOS DO DESCANSO ETERNO, / DESENVOLVIMENTO SOCIAL, CONHECIMENTO E TRABALHO/ e ainda/ REMENDOS E ARRANJOS, a ser lançado nos próximos dias, na FEIRA DO LIVRO./ . .-.-.-.-.-.-.-. Até este momento,/ amigos,/ apresentamos o homem,/ o cidadão Manoel Jesus,/ no desempenho fiel da missão que lhe foi outorgada./ Com brilhantismo... eficiência... sabedoria. Cumpre-nos,/ todavia,/ ressaltar o que de mais belo e expressivo ele nos tem a dar:/ a alma envolta na plenitude de uma espiritualidade ímpar./ Basta conviver pouco tempo com Manoel Jesus,/ ou Manojesu, ou ainda Mano,/ como o chamamos na intimidade do diálogo fraterno,/ para aspirar à grandeza de seu espírito. É isto mesmo, AMIGOS,/ todos nós, somos seus AMIGOS,/ que nos faz sentir a grandeza

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do Amor do Pai/ ao propiciar-nos tal convivência./ A cada encontro,nova oportunidade de crescimento,/ rica experiência de vida./ E,/ por mais que desejemos repassar,/ através de palavras,/ a profunda admiração que nutrimos por nosso querido empossando,/ seria pobre,/ muito pobre o esforço dispendido,/ pois em suas próprias palavras, ao endossar Exupéry “ O ESSENCIAL É INVISÍVEL AOS OLHOS”... “Há muita coisa que não conseguimos descrever./ São experiências íntimas,/ ligadas à nossa fé,/ que suplantam as descrições que somente alinham palavras,/ juntam parágrafos,/ dão seqüência a páginas e páginas./ Muitos o tentam/ e o que fica no papel não consegue ser o equivalente a um momento de silêncio,/ em que sopra a brisa em meio às árvores.” E prossegue: “Há muita coisa que não precisamos descrever.”/ E, justo neste ponto,/ somos nós a defender o que afirma./ Para conhecer bem o destacado da noite, não há como fazê-lo,/ na simplicidade do discurso. Ao contrário,/ a eloqüência reside tão somente, em seu estilo de vida,/ na afabilidade,/ na simpatia,/ na condição de filho dedicado e amoroso,/ na generosidade do coração a ver em todos nós,/ familiares, colegas e amigos,/verdadeiros irmãos. A excelência da espiritualidade de Manoel Jesus,/ desde logo,/ nos mantém cativados./ Sua companhia é um renovado prazer,/ sua presença, uma dádiva.../ Busquemos todos, pois,/ o silêncio/ e escutemos o som melodioso dos versos de nosso poeta: “UM POEMA DE CINCO LINHAS” Pensar num sorriso. Lembrar de um rosto. Acariciar um corpo. Fechar os olhos.

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E ser feliz por um instante./// Por mais que nos esforcemos em buscar a concretude das palavras,/ alcançamos apenas a expressão de sua infinitude... Ou ainda,/ quando somos impulsionados ao melhor devaneio, em: ‘RENOVANDO UM SONHO” Os primeiros ruídos da madrugada,/ O sol chegando mais cedo,/ A acácia voltando a florir/ E enchendo com seu perfume Cada canto,/ cada Um dos lugares que amamos. É tempo de Primavera./ Há sorrisos despreocupados,/ Há um calor que inebria,/ Há sonhos que se renovam./ Quero voltar a andar./ Mãos no bolso./ No rumo de um caminho,/ Sorvendo cada detalhe,/ Colhendo cada bom dia,/ Brincando com cada criança./ Renovo meu coração. E tenho certeza:/ É um novo dia,/ Um maravilhoso dia./

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Um sonho que se torna realidade.” Este,/ queridos amigos/ que aqui estão a iluminar esta noite/ e, certamente, inebriam nosso coração de amor e ternura,/ MANOEL JESUS, nosso mais novo acadêmico,/ ocupante da cadeira número dois,/ cujo patrono é a grande poetisa /– FRANCISCA MARCANT GONÇALVES./// Uma alma rica,/ com uma rica vivência de fraternidade;/ um espírito elevado/ a elevar-nos os pensamentos,/ no rumo do bem, do justo, do verdadeiro;/ uma pessoa simples/ a usar a simplicidade,/ na desmedida complexidade do ser./ Este o Manoel Jesus que tivemos todos a graça de encontrar,/ um dia,/ e privar de sua amizade para sempre. Este o intelectual de sobejo valor/ que/ a partir desta noite passa a vivenciar,/ na íntegra,/ a meta a que se propõe a Academia Sul-Brasileira de Letras,/ no compromisso maior de defendê-la,/ difundi-la/ e honrá-la./ Eis a síntese do que sabemos,/ pensamos e sentimos/ a respeito de Manoel Jesus./ A ele,/ nestes calorosos momentos de festa e júbilo/ apresentamos votos sinceros de boas vindas e endereçamos o mais veemente APLAUSO.! Olga Maria Dias Ferreira

2. Homenagem a SADI MAURENTE AZEVEDO 1. Não podemos abandonar nossos sonhos. Os sonhos de beleza, os sonhos de justiça, os sonhos para além dos 13


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padrões quadriculados de nosso senso comum que nos remetem à banalidade, à frivolidade, à tagarelice da vida cotidiana. Como um bom poeta mentias muito: dizias que eras descrente, ateu, sem religião para dizer que acreditavas no Deus que fez a beleza, que nos convida para a vida plena para além da moral e da religião. Aliás Cristo já dissera, para o espanto de tantos que o ouviam: o Sábado foi feito para o homem e não o homem para o Sábado. A moral, a religião foram feitos para o homem e não o homem para a moral e para a religião. Sadi nos ensinava que, sendo poeta até o fim, e não apenas meio poeta, arranjador de palavras para o efeito sonoro e para o ritmo, na poesia encontraríamos o mais significativo. Como diziam os astecas: a única estrada que foi dada ao homem nesta terra para chegar à verdade são a flor e o canto: a poesia. Assim como a flor absolutamente efêmera, é a epifania, a revelação da transcendência no perfume e na beleza; que nasce e explode em sua beleza pela manhã e à tarde murcha e se esvai; assim como o canto nos encanta e eleva para o divino num momento privilegiado e logo se esvai no silêncio, nas caladas das montanhas e vales; assim nosso acesso à verdade acontece na efemeridade encantadora da poesia que, se canta e declama e se vai. Tuas poesias ficaram entre nós para conclamar, convocar, sussurrar, insinuar a possibilidade da experiência da vida mais plena, da vida na transcendência, na beleza que é a ante-véspera do amor. Prenúncio de justiça, de coexistência na paz. Sadi, que no abraço quente de Deus, poesia e justiça elevada ao infinito, encontres a paz. Descansa em paz. Enquanto nós, na saudade de cada poesia, urdimos caminhos de esperança.

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6. Wilma Cavalheiro declamará, para encerrar esta homenagem a Sadi Maurente e a cada um de seus familiares. Jandir J. Zanotelli

3. ASBL: COMPROMISSO COM A FEIRA DO LIVRO A Academia Sul-Brasileira de Letras, fundada em 9 de maio de 1970, abrangendo intelectuais escritores dos 3 Estados mais meridionais do Brasil, e profundamente empenhada em promover a cultura, a arte, a literatura, companheira permanente na realização da tradicional Feira do Livro em Pelotas, declara que, para a Feira de 2004 pretende atuar com eventos como: -

oficina de “Arte e Técnica de Produção Poética”; oficina de “Arte e Técnica de Falar em Público”; oficina de “Produção Literária de contos”; oficina de “Produção Literária de Contos Infantis”; Palestras sobre a Literatura no Brasil e Rio Grande do Sul nos Tempos Atuais; Seções de declamação de poesias e narração de contos; Seções de autógrafos de escritores da Academia, destacando as obras de Wilma Mello Cavalheiro, Jandir João Zanotelli, Lígia Antunes Leivas, Solange Ferreira Pereira, Olga Maria Dias Ferreira e outros;

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É de destacar ainda que a Academia estará atuando também na Coordenação da Feira na pessoa da Acadêmica Solange Ferreira Pereira. As atividades desenvolvidas pela Academia na Feira não trarão custos adicionais à efeméride, uma vez que os participantes o fazem como “voluntários” ou a própria Academia cobrirá os gastos. Para cada oficina estão previstos cerca de 100 participantes. Pelotas, 3 de agosto de 2004. Jandir João Zanotelli – Presidente.

4. FEIRA DO LIVRO – PELOTAS – DISCURSO DE ABERTURA Lígia Antunes Leivas1 Excelentíssimas autoridades nominadas pelo protocolo Senhores e Senhoras Caríssimo público As palavras iniciais dirijo-as ao patrono desta 32ª Feira do Livro de Pelotas. Professor Walter:

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Lígia Antunes Leivas – membro da ASBL e Oradora Oficial da XXXII Feira do Livro de Pelotas - 29-10-2004

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Além de em muitos outros palcos, nos de Pelotas, ao longo do tempo, V. Sa. tem sido aplaudido de pé pelo sucesso e pela qualidade de suas peças teatrais que arrebatam platéias emocionadas ao assistirem, por exemplo, e entre tantas outras, – Em nome de Francisco – cujo enredo evoca nosso grande poeta Lobo da Costa. E hoje – novamente em pé – o público pelotense o aplaude como patrono da nossa Feira do Livro, a qual, por tê-lo nesta condição, já começa exitosa. Parabéns, prof. Walter: parabéns aos que o escolheram para tutelar este evento tão cheio de significado. Em seguida cumprimento também Gelso Lovatel – presidente da Câmara Pelotense do Livro e os que a integram, assim como os realizadores (Prefeitura Municipal e SESC), patrocinadores (RENOSUL, Conservas Schramm e Conservas Neumann), operadores, editores, livreiros e seus funcionários, os artistas, a imprensa em todas as modalidades, os autores (escritores, cientistas, literatos, prosadores, poetas) e mais aqueles que de alguma forma trabalham para a realização desta feira. Cumprimento a acadêmica Nair Solange Ferreira, que com denodo se desempenha nas tarefas que compõem este acontecimento. Presto homenagem especial à razão maior de estarmos aqui: o LEITOR – sem ele nada precisaria ter sido feito. Caro leitor: atenta para o lema desta Feira: QUEM LÊ, VIVE MAIS e eu acrescentaria – E MELHOR; porque não há amizade tão dedicada e complacente como a dos livros, e eles trazem ainda, no dizer de Mário Quintana, a vantagem de a gente poder estar só e ao mesmo tempo acompanhada. Aliás, São Jerônimo, em sua carta a Rústico,

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escreve ao amigo: “que nunca o livro fique longe da tua mão e dos teus olhos.” Autoridades, Srs. e Sras., Distinto público: Na mitologia grega, Zeus, o deus supremo, dominava tudo e todos; temia, porém, seriamente, dois adversários: o tempo e o destino. Mas o tempo e o destino, se às vezes nos pregam algumas peças, também nos proporcionam momentos de inusitada satisfação. As cenas da vida de cada um de nós se passam, predominantemente, nas circunstâncias do cotidiano. Há ocasiões, no entanto, em que elas se processam como se ficcionais fossem, tal a perplexidade que causam em quem por elas é envolvido. Na minha vida é o que ocorre hoje: a cena de agora me premia e se reveste de um valor tão especial que – de verdade – me emociona. Receber a honrosa homenagem de ser a oradora da 32ª Feira do Livro de Pelotas é um gesto dadivoso, uma espécie de surpreendente recompensa que o tempo põe no meu destino – gesto que acolho com gratidão, numa vez que nesta trajetória de algumas décadas, estive quase sempre em contato com os livros: quer folheando-os; quer os lendo ou no exercício de minha profissão. Garcia Marques escreveu que todos nós temos a nossa vida pública, a nossa vida privada e a nossa vida secreta. A compreensão dos Srs. e das Sras. que pacientemente me ouvem, vai por certo, possibilitar-lhes desculpar minha confissão um tanto intimista e já agora não mais fazendo parte da minha vida secreta: estou realmente orgulhosa da tarefa que me foi confiada pelos componentes 18


da Câmara Pelotense do Livro (tendo a destacar o nome do professor Manoel Luis Breener de Moraes – Diretor da Editora e Gráfica da UFPel). A eles confiro a responsabilidade pela festa que se instala em minha alma – festa que se estende para além do que me é possível imaginar: uma feira que traz para a praça livros – livros nos mais variados gêneros, para todos os gostos, para todas as idades; – uma feira como esta é uma festa para o povo; festa que soa marcante em meio a nobres e floridos jacarandás, magnólias, anacauítas, pau-brasil, palmeiras, grevíleas, folhagens, flores, perfumes, tudo a evocar a maravilha da criação ao nos oferecer a natureza exuberante na primavera de muitas cores que transforma a paisagem de Pelotas sob o azul denso deste céu. Mas, afinal, o que é o livro? Deixando de lado as considerações de Platão sobre o definir, referencialmente, para a ABNT – o livro é uma publicação impressa não periódica, que consta no mínimo de 48 páginas, sem contar as capas; para a UNESCO, a definição é a mesma, apenas com uma página a mais – 49; para algumas legislações, o número de páginas é 160, subindo, às vezes para 200, diferençando o livro do folheto. O livro é um produto industrial; mas é muito mais que um simples produto: é o veículo, o suporte de uma informação, constituindo-se uma das mais revolucionárias invenções humanas. Antes mesmo que o homem pensasse em usar certos materiais para escrever (como pedras, materiais inorgânicos e orgânicos à base de tintas, vegetais e minerais), as bibliotecas da Antigüidade estavam repletas de textos gravados em tabuinhas de barro cozido – eram os livros daquela época. Ainda na Antigüidade o homem experimentou outros suportes encontrados na natureza

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como forma de registrar a visualidade ou sua escrita: para tanto, usou argila, ossos, conchas, marfim, folhas de palmeiras, bambu, metal, cascas de árvores, madeira, couro, papiro, velino, pergaminho, seda e, finalmente, o papel. O papiro – usado pelos egípcios que escreviam com hieróglifos em rolos de cerca de 20 metros – atravessou séculos levando a cultura do Egito a outros povos, incluindo os gregos e os romanos. Os indianos faziam livros em folhas de palmeiras. Os astecas e os maias faziam-nos em forma de sanfona, com material macio que existe entre a casca da árvore e sua madeira. Os chineses usavam rolos de seda para fazer seus livros, e os romanos escreviam em tábuas de madeira revestidas de cera. Com o surgimento do pergaminho (que substituiu o papiro, pois este se tornava escasso e caro), os persas, em Pérgamo, na Ásia Menor, desenvolveram uma técnica que tornou o pergaminho mais flexível e apropriado para a escrita. Mas foi na China (no final do século 2º) que a história da impressão sobre papel começou, de modo que o primeiro livro propriamente dito de que se tem notícia apareceu naquele país, no ano 868 da nossa era. A Europa já conhecia, no início do século XV, o papel, a tinta e a matriz. Faltava apenas uma idéia a mais que juntasse isso tudo em um só equipamento. É quando entra em cena GUTEMBERG – um alemão nascido às margens do Reno, no final do século quatorze. Ourives e joalheiro de profissão, curioso por natureza, ele inventou a prensa tipográfica. Com a invenção de Johannes Gensfleisch (que ficou conhecido pelo sobrenome da mãe, Gutemberg), as informações e o conhecimento começaram a ser divulgados de forma sistemática.

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Nas chamadas sociedades de consumo, o livro pode ser considerado uma mercadoria cultural, com maior ou menor significado no contexto socioeconômico em que é publicado. E enquanto mercadoria, pode ser vendido, comprado, trocado. Isso não ocorre, porém, com sua função intrínseca: ou seja, ser instrumento cultural de difusão de idéias, transmissão de conceitos, documentação, entretenimento e ainda condensação e acumulação de conhecimento. A palavra escrita venceu o tempo e o livro conquistou espaço. Teoricamente toda a humanidade pode ser atingida por textos que difundem idéias que vão de Sócrates e Horácio a Sartre e Mcluhan; de Marx a Adam Smith; de Camões a Fernando Pessoa; de Gregório de Matos a Drummond; de Machado de Assis a Érico Veríssimo – apenas para exemplificar. A história do livro confunde-se, pois, com a história da humanidade e o conteúdo do livro integra a estrutura intelectual dos grupos sociais. O avanço das técnicas eletrônicas, notadamente a internet, faz, hoje, alguns teóricos da comunicação pensarem em um futuro sem os livros tradicionais. A palavra escrita, porém, dificilmente deixará de ser considerada uma das mais importantes heranças culturais entre todos os povos. Livro e leitura são, pois, gêmeos – e usufruir o bem deles advindo significa construir os sentidos, os sentimentos, os valores – um processo cognitivo que tem tudo a ver com a cultura de um povo. Ler é um grande remédio; e como o hábito da leitura, no Brasil, começa na escola e não na família (como deveria ser, mas esta em geral tem renda que mal dá para suprir as necessidades básicas, quanto mais para comprar um livro) – urge que se façam projetos que incentivem a

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leitura na sala de aula e se ponha, em cada quarteirão da cidade, uma biblioteca, uma escola, com professores bem assistidos, bem remunerados. Desta forma, quem sabe, possamos evitar que as estatísticas cheguem ao absurdo de revelar que até mesmo em nível universitário, 76% dos estudantes jamais chegaram a ler um único livro, mas, por mais mediana que seja nossa mente, não temos, porém e por causa disso, de sentarmo-nos à mesa dos céticos... Livros, leitura, educação, tecnologia, cultura são investimentos inestimáveis para o desenvolvimento do povo; para o aperfeiçoamento do ser – investimento este capaz de transformar o indivíduo em cidadão, na melhor concepção semântica deste sintagma. E não adianta contemporizar e fazer de conta que se faz: é preciso fazer mesmo – só assim o povo ganhará sabedoria e senso crítico suficientes para ser eticamente consciente e tecnicamente competente; para saber distinguir entre um discurso verdadeiro, um discurso aparentemente verdadeiro ou um discurso flagrantemente enganoso. Enfim, o encantamento da leitura... ler, ler, ler sempre para se viver mais e melhor. Antes de finalizar, minha homenagem à Elfriede Jelinek, escritora austríaca que neste ano de 2004 ganhou o Prêmio Nobel de Literatura (Prêmio entregue a apenas nove mulheres desde que foi criado em 1901). Parece que na aurora do Século 21 felizmente as mulheres firmam sua voz pública na escrita a ponto de se fazerem novamente merecedoras de prêmios, na maioria das vezes, concedidos aos homens. Por fim, cumprimentos reiterados aos organizadores da Feira com a certeza de que ela será um sucesso; e já tomando a liberdade de solicitar aos autores que aqui autografarem que doem um exemplar de sua obra a uma escola pública de Pelotas; as escolas por certo agradecerão.

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À população, faço o convite para que participem da 32ª Feira do Livro porque os livros nos melhoram e, se estamos melhores, estamos em paz – paz que não é apenas um simples período no tempo ou um achado do destino – mas uma forma de se viver em harmonia com o nosso semelhante.

5. POZENATO: ROMANCISTA.

DOUTOR

PORQUE

Está de parabéns a PUC-RS. Mostrando descortino, liderança, lucidez e competência o doutorado em Letras da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, conferiu o título de Doutor ao escritor, romancista e acadêmico da ASBL José Clemente Pozenato que apresentou como Tese seu romance “a Babilônia”, da Trilogia composta por “O Quatrilho” e “A Cocanha”. Com isto, a PUC-RS mostra que a Universidade não é apenas o lugar do controle burocrático do conhecimento, mas pode ser também o lugar onde o conhecimento encontra chancela, estímulo e parceria. Ou, como diz Pozenato: “Concordo contigo que a PUC dá uma lição com esse gesto de aceitar um romance como tese: é a demonstração de que conhecimento válido não é apenas o dito "científico". O romance e a poesia podem ensinar muitos mais coisas sobre o homem do que o pensamento positivista nem ousa suspeitar”.

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Para que sirva de sugestão e para a alegria de todos nós, transcrevemos o Memorial que a douta comissão examinadora usou para justificar essa elogiável atitude

MEMORIAL ACADÊMICO E PROFISSIONAL José Clemente Pozenato 1. MINHA FORMAÇÃO Nasci em 1938, na pequena localidade de Santa Teresa, no município de São Francisco de Paula, com os campos de Cima da Serra à frente e a Serra do Mar às costas. A localização podia ser dita ao contrário, mas na minha imaginação a saída para o mundo, e portanto a frente, era pelo lado dos campos. Meu pai era professor municipal, mas fui alfabetizado por minha mãe, por volta dos quatro anos de idade. Não tenho por isso lembrança de algum dia de minha vida não ter sabido ler. Ler para mim sempre foi algo natural, no sentido estrito de algo inato. E foi na cartilha de João de Deus que decorei o poema “Andava um dia / nos arredores / de Nazaré...”, que pôs dentro de mim a música que podem ter as palavras. Sendo meu pai professor, tinha regular quantidade de livros em casa, que ele chamava orgulhosamente de biblioteca. Ali travei conhecimento com Monteiro Lobato, com as “Trezentas onças” de Simões Lopes Neto, com a “Pele de Asno” e as “Mil e uma noites”. Aos 12 anos, fui estudar no Seminário Diocesano, em Caxias do Sul. Duas coisas me marcaram profundamente, logo na chegada: a existência dos 24


“italianos”, que falavam e sentiam diferente de mim, e o tamanho da biblioteca. O contato com a cultura dos meus colegas, quase todos das colônias da região serrana, não se fez sem atritos. De língua, em primeiro lugar, e também nos hábitos e na ordem dos valores. Meu pai, embora de origem italiana, se afastara completamente dessa tradição e enfatizava que éramos brasileiros. Minha mãe, de origem açoriana, formou minha sensibilidade e também educou meu paladar com cuscuz, pamonha e paçoca. Eu, mergulhado no mundo dos “gringos”, tratei de entender como eles eram e por que eram assim. O que passei depois a escrever sobre eles nasceu dessa curiosidade e não, como alguns podem imaginar, de tradições ou mitos de família. A biblioteca do seminário foi outra fonte de descobertas. Foi ali, no início dos anos 50, com meus 14 anos, que descobri a poesia moderna, na Apresentação da poesia brasileira, de Manuel Bandeira: não podia ter tido melhor guia. Logo li seu Itinerário de Pasárgada, onde fiquei sabendo que qualquer coisa comum pode entrar na poesia, não só as estrelas e o firmamento. A descoberta seguinte foi Poesia liberdade, de Murilo Mendes, que me tirou o fôlego: então era possível com palavras criar outra imagem do mundo? Feito isso, encontrei Machado de Assis: eu olhava como ele amarrava as frases, e zombava das certezas, e ficava abismado. Era melhor do que qualquer dos outros que eu lia. Também as aulas do seminário, não só a biblioteca, foram importantes na minha formação. Ensinaram-me latim o suficiente para ler Horácio, Virgílio e Ovídio no original. O francês abriu-me outras portas para me forrar de leituras. E das aulas de italiano saltei para ler Dante também no original: empenhei três meses de férias nessa aventura.

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Aos 17 anos, concluído o ensino médio, fui para Viamão estudar filosofia. As aulas eram dadas em latim e a orientação do curso era dentro do maior rigor escolástico, quase medieval. Por sorte, havia também uma biblioteca. Nela terminei de ler os clássicos gregos, as grandes obras da literatura ocidental, de Cervantes a Flaubert, de Dostoiévski a Proust. e o que me faltava ler da literatura brasileira. Não só os autores – Lins do Rego, José Geraldo Vieira com toda a geração de 30 – mas também os críticos: todo Álvaro Lins, todo Alceu Amoroso Lima, mais Augusto Meyer e Agripino Grieco. A biblioteca de Viamão tinha ainda revistas européias em quantidade. Foi numa delas que descobri que a física quântica era uma questão séria, ao contrário do que dava a entender meu professor de filosofia. E foi por causa da biblioteca, e não dos professores, que escolhi fazer minha monografia de graduação sobre o livro Être et Avoir, do existencialista cristão Gabriel Marcel. O final do curso de Filosofia e o início do de Teologia coincidiram com a ventania do papa João XXIII varrendo o pó milenar da Igreja Católica. Era um projeto tão empolgante que me vi mergulhando fundo no estudo da teologia do Concílio Vaticano II e decidindo encarar ser padre. Era o ano de 1963 e eu estava com 25 anos. Mas bastaram três anos de um novo pontificado para perceber que, cessada a ventania, tudo voltava ao que era na Igreja. Terminava um sonho da juventude. Decidi então renunciar ao sacerdócio, no qual atuei de modo pleno durante sete anos. Dessa experiência ficou pelo menos um conhecimento melhor da natureza humana e das (muitas) razões do pecado. Nesse momento, acredito agora, terminava minha fase de formação.

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2. ATIVIDADE ACADÊMICA Em 1966 comecei a dar aulas no Curso de Letras da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Caxias do Sul. Eram aulas de Teologia, mas que tomavam como base textos literários: o silêncio de Deus em Erico Veríssimo, por exemplo, ou a concepção de mundo demoníaco de Guimarães Rosa. E jogava em sala de aula Graham Greene, Paul Claudel, Georges Bernanos, Jorge de Lima, Murilo Mendes. Um ano depois, a pedido dos próprios alunos, assumi as aulas de Literatura Brasileira e de Teoria da Literatura. No ano seguinte era criada a Universidade de Caxias do Sul, onde exerço atividades até hoje. No ano de 1972, sem qualquer tipo de apoio institucional, um grupo de colegas da UCS iniciou o Curso de Mestrado em Letras na PUC-RS. Eram eles Jayme Paviani, Cleodes Piazza Ribeiro, Vitalina M. Frosi, Ary N. Trentin, Lígia Cademartori e eu. Optei, obviamente, pela Teoria Literária. Foi então que travei contato com o estruturalismo e os nomes de Roland Barthes, Todorov, Propp, Lévi-Strauss, entre tantos. Para quem vinha de uma formação filosófica, essa perspectiva era ao mesmo tempo uma provocação e uma frustração: ensinava a ler por pares opositivos, o que ajuda a ver com mais clareza, mas se negava a estabelecer conexões com a história e a sociedade, o que parecia tornar inútil a leitura feita. Até hoje alguns processos mentais típicos do estruturalismo (ou seriam apenas aristotélicos?) conduzem meu modo de pensar, mais talvez do que eu próprio imagine. Em 1973, fui admitido no mestrado em Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em sua primeira turma. A orientação do curso preenchia para mim uma lacuna. Na linha de Antônio Candido, os estudos se voltavam para as relações da Literatura com a história e a

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sociedade. Foi nesse ano que, a partir de um seminário, passei a discutir a questão do “regionalismo” da literatura gaúcha. Oriundo das discussões estruturalistas, busquei contrapor a esse conceito o conceito de “regionalidade”, menos histórico e sociológico, mais estrutural (ou essencial, na linguagem aristotélica). Dessas reflexões nasceu o pequeno ensaio O regional e o universal na literatura gaúcha, que teve um prefácio elogioso de Guilhermino César e foi publicado em 1974 pelo Instituto Estadual do Livro do Rio Grande do Sul. Quando se esgotou o livro, Carlos Appel me propôs reeditá-lo, com o que não concordei, dizendo que se tratava de uma obra datada, muito presa a conceitos estruturalistas. Teria que rescrever tudo. Appel propôs-me então publicar o texto com um apêndice crítico, que não escrevi até hoje. Não estou convencido de que seja necessário. Uma série de acontecimentos, particulares e profissionais, ocorridos nesse período fizeram com que não pudesse concluir o curso de mestrado. A Universidade de Caxias do Sul passara por um processo de intervenção do Ministério da Educação e fui chamado a ajudar a redefinir os rumos da instituição. Teve início aí meu envolvimento progressivo com a administração universitária. Um dos projetos de que participei, então, foi o da implantação do Ciclo Básico, numa concepção que buscava valorizar uma formação geral para o aluno, antes de entrar nas especificidades de cada curso profissional. No conjunto, o projeto foi abandonado. Mas em decorrência dele publiquei, com Jayme Paviani, um ensaio com o título de Introdução à Universidade (1977), em que buscávamos provocar a discussão sobre o verdadeiro papel da universidade. Da discussão surgiu um novo texto, editado agora com o título mais modesto, e mais realista, de A Universidade em debate (1978), também em co-autoria com Jayme Paviani.

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Assim, entre 1975 e 1980, desempenhei diversas funções administrativas junto à Reitoria, com eqüivalente afastamento das atividades acadêmicas. A partir de 1980, passei a trabalhar de modo mais intenso num programa da UCS voltado para o estudo da cultura da imigração italiana na região: o Projeto Ecirs, do qual participo ainda. Além da motivação pessoal, vinda desde a infância, para buscar compreender essa cultura, via nisso a oportunidade para continuar pensando a questão da identidade e da diversidade, abordada no ensaio de 1974. Nesse programa, coordenei diversos seminários de estudos sobre o tema. Um deles resultou na publicação Processos culturais na região de imigração italiana, de 1990. (Em 2004, na comemoração dos 25 anos do Projeto Ecirs, o texto foi revisto e reeditado junto com outros textos dispersos, com o título de Processos culturais: reflexões sobre a dinâmica cultural.) Foi enquanto examinava e discutia essas questões que formulei o projeto de escrever uma trilogia sobre a história e a cultura da imigração italiana na Serra Gaúcha, a partir da idéia de que o romance é talvez a forma mais adequada de fazer um ensaio de interpretação da cultura. Mas isso fica para o item das atividades literárias. Foi também no contexto do Projeto Ecirs que formulamos a proposta de criação de um programa de pós-graduação em Cultura Regional, que só viria à luz cerca de 20 anos mais tarde. Em 1986 realizei um novo esforço para concluir o Curso de Mestrado na Ufrgs. Tive que refazer créditos e, com isso, tive acesso a preocupações novas no âmbito dos estudos literários. A maior delas era a questão do gênero, a que me dediquei com bastante interesse. A perspectiva sociológica, da época de Guilhermino César, fora substituída pela ênfase no comparatismo, o que não era uma mudança de pequena monta. Mas os acontecimentos

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políticos na UCS outra vez engolfaram minha atenção e meus esforços, num processo que iria durar três anos. Fui outra vez obrigado a renunciar à conclusão do Mestrado. De 1990 a 1997 exerci, sem interrupção, durante quase 8 anos, o cargo de Pró-Reitor de Planejamento da UCS. Coordenei todo o processo de regionalização da universidade, a partir do princípio de que havia uma demanda não atendida por acesso à formação de nível superior, o que os números viriam comprovar: a universidade passou da faixa de 6 mil alunos para mais de 20 mil nesse período. Ao mesmo tempo, com o objetivo de qualificar o corpo docente para essa expansão quantitativa, ajudei a articular um projeto de cursos de mestrado e de doutorado em convênio, mas realizados na própria instituição. A proposta foi aprovada pelos órgãos oficiais e o primeiro convênio foi realizado entre a UCS e a Universidade Federal de São Carlos, que realizou na UCS um curso de mestrado e um de doutorado em Educação, cada um deles para 10 candidatos. Foi então que obtive, em 1995, o título de Mestre. Não em Literatura, mas em Educação. E a dissertação estava diretamente vinculada ao meu trabalho de então, como deixa ver o título: Universidade e região: a regionalização como estratégia de acesso ao conhecimento (1995). Afastando-me da administração universitária no final de 1997, passei a dedicar-me ao projeto de pósgraduação que o Projeto Ecirs tinha em mente desde quase uma década. Foi então que elaboramos, o Dr. Flávio Loureiro Chaves e eu, o projeto de mestrado em Letras e Cultura Regional, reconhecido pela Capes e implantado em 2002. Sem o doutorado, meu nome não foi aceito como membro do corpo docente.

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3. ATIVIDADE LITERÁRIA Não considero que a atividade literária tenha sido uma atividade paralela à profissional. As duas estiveram sempre muito relacionadas na minha biografia. Pelo menos são as mesmas idéias e os mesmos anseios que motivaram as duas linhas de trabalho, pelo menos no plano intelectual. Faço exceção para os sete anos vividos como pró-reitor. Se vi, e apalpei com as mãos, como se constrói uma região, o que serviria para alargar minha visão política, a atividade literária nesse fase desceu ao limbo. Toda a capacidade criativa foi “vampirizada” pela instituição. Já descrevi no item “Minha formação” de que modo fui arrastado para dentro da literatura. Das leituras passei para os ensaios de escrita. Meu primeiro prêmio literário, aos 17 anos, foi o de melhor conto. Logo depois recebi também o de melhor poesia. Mas foi à poesia que me dediquei, levado sem dúvida pelo fascínio de Manuel Bandeira e Murilo Mendes, a que se somaria logo Carlos Drummond de Andrade, com o lastro, facilmente perceptível nos meus versos, da dicção lírica lusitana. É de 1967, salvo publicações dispersas, o início do que seria minha carreira literária, com a coletânea de poemas Matrícula, ao lado de Oscar Bertholdo, Jayme Paviani e Ary Trentin. O livro foi bem acolhido, com um comentário elogioso de Nelson Werneck Sodré, na Revista Civilização Brasileira, e outro ainda mais favorável de Manoelito de Ornellas no Correio do Povo. O passo seguinte foi Vária figura (1971), que é uma homenagem ao mundo rústico da minha infância, dominado pelo cavalo e o vento, ao lado de outros temas. Está lá uma série de líricas sobre o mundo contido no bairro aos quais, não sei por qual motivo, ninguém deu importância. Somente uma década depois, por razões que só a falta de

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mercado para a poesia explicam, saíram quase juntos Carta de viagem (1982) e Meridiano (1983). São dois livros gêmeos, um editado pela editora da UCS e o outro num concurso da Prefeitura Municipal de Caxias do Sul. O livro de poesia seguinte saiu com o título de Cànti Rùsteghi (1993). São cantos rústicos não pela linguagem nem pelo olhar, mas pelo tema. No ano de 2000, fui homenageado pela Educs com a publicação de minha poesia reunida, sob o título de Mapa de viagem. Considero que meus exercícios de poesia foram fundamentais para aprender a manusear a construção de imagens com palavras. Esse aprendizado me seria extremamente útil quando passei para a prosa de ficção. Meu ingresso na narrativa de ficção em prosa deveuse a dois fatores principais, entre outros. Um, pela constatação de que se queria atingir um público maior, como desejava, a poesia não era o caminho. Segundo, se queria fazer um ensaio de interpretação global da cultura que me rodeia, a forma mais adequada seria o romance: ficaria livre e eqüidistante das disciplinas acadêmicas. Ou seja, num romance é possível fazer ao mesmo tempo história, sociologia, economia, antropologia, psicologia, sem ter de prestar contas a nenhuma dessas áreas de conhecimento. Ao contrário, criando estímulos para todas elas. Um terceiro fator talvez tenha sido o fato de estar então chegando aos 40 anos, que a tradição diz ser a idade ideal para o romancista. O projeto inicial surgiu, como relatei, da convivência com um grupo de pesquisa voltado para investigar a cultura rural da imigração italiana, o que me fornecia o material de que ia necessitar. Por outro lado, sabia haver uma lacuna na ficção riograndense sobre o tema. Além disso, desejava pôr em toalha limpa tudo o que tinha aprendido em anos de observação, em que se

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misturava simpatia e certa dose de atrito. Formulei então o plano de uma trilogia, que me veio ao natural. Hoje penso que as trilogias são algo natural quando se quer abarcar a trajetória de um grupo cultural que migra para outro país. Há sempre três momentos críticos nessa trajetória: o rompimento com o mundo de origem, marcado pela travessia, a implantação de um projeto novo nesse mundo novo e, por fim, a dispersão das tradições construídas ou buscadas. Resumindo: as origens, a construção, a dispersão. Comecei por escrever O quatrilho (1985), que corresponde ao segundo momento. Tinha o material todo disponível para isso. Depois de publicá-lo hesitei entre voltar atrás e escrever o primeiro momento ou seguir com a sua continuação. Cometi o erro de prosseguir e ter depois que interromper: não era possível amarrar as situações sem a referência dos “mitos de origem”. Esse impasse coincidiu com o período de deserto na administração universitária, como pró-reitor. Ao voltar dos infernos, enfrentei o desafio de escrever o momento primeiro, do qual desafio resultou A Cocanha (2000). Imediatamente retomei o trabalho para concluir a trilogia com o período próximo à Segunda Guerra Mundial. Foi uma tarefa difícil, porque todas as narrativas referentes ao período são de algum modo partidárias, e eu precisava encontrar o ponto de vista das pessoas comuns: a vida não tem partido. O resultado desse esforço, cujo resultado ainda não sei bem avaliar, está no terceiro volume da trilogia: A babilônia. Fazendo as contas, vejo que o projeto demorou nada menos que 20 anos para ser executado. Mas ao mesmo tempo em que esse projeto amadurecia e cumpria suas etapas, dediquei-me a escrever novelas policiais. Também elas, para os menos avisados, são pequenos ensaios de análise e interpretação de algum

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contexto humano particular: o enredo e o suspense são apenas recursos para prender a atenção do leitor. A primeira dessas novelas, O caso do martelo (1985), foi escrita no vácuo deixado pela escrita de O quatrilho. A novela foi publicada alguns meses antes do romance por uma dessas curiosas histórias editoriais, mas foi escrita depois dele. De todas as minhas obras, é certamente a que despertou mais simpatia entre os leitores e o público. Talvez o responsável disso seja o lirismo que permeia as suas páginas: havia quem sabe um poeta em recesso escondido atrás do narrador. Essa novela foi adaptada para a televisão, com uma direção sensível do gaúcho Paulo José, e é a única de minhas obras que foi traduzida, para o espanhol e para o italiano. O caso do loteamento clandestino (1989) é também um ensaio de análise de comportamentos, agora de um bairro de periferia de Caxias do Sul. São migrantes vindos os campos de Cima da Serra, onde passei a infância, tentando entender a dureza do mundo urbano e usando de todas as armas de sobrevivência, a começar pela mentira. Outra vez, o enredo policial é apenas pretexto. Como o livro foi editado em São Paulo, sua circulação no Rio Grande do Sul foi bem menor. É mais um desses fenômenos editoriais que nenhum escritor consegue entender. Ao sair do deserto, no final de 1997, e antes de me abalançar ao tour de force de escrever o que seria A Cocanha, escrevi outra novela policial intitulada O caso do e-mail (2000). É a mais despretensiosa de minhas obras, em que eu precisava fazer um ajuste de contas comigo mesmo. Se há um tom de humor mais saliente do que em outros textos, é porque estou rindo de mim mesmo, sob a figura do detetive Pasúbio que, vindo de outro tempo, sente-se desajeitado diante da civilização eletrônica.

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Para não excluir nada de minha trajetória literária, falta fazer alusão a dois livros que escrevi para crianças: O jacaré da lagoa (1990) foi escrito para a classe de alfabetização de minha filha caçula e ilustrado pelas crianças. O pisca-tudo (2000), editado em São Paulo, foi incluído em dois programas de divulgação: do canal Futura de televisão, e do projeto Rumos Itaú. Cultural. Para concluir, caberia relatar algo mais a respeito da recepção de minha obra literária, em especial a de ficção narrativa, pela crítica e pelos leitores. De um modo geral, diria que a crítica tem dado mais atenção, ou atenção quase exclusiva, ao aspecto temático de meus textos, confrontando-os com o que seria a história ou a realidade social de onde sai a matéria deles. Já os processos narrativos utilizados raramente são referidos, o que não deixa de causar em quem escreve certa dose de frustração. O mais difícil no escrever uma história é descobrir qual a melhor maneira de narrá-la. O leitor comum não vai se dar conta da engenharia que está por trás das situações narradas, ele simplesmente gosta ou não gosta do efeito resultante. O escritor gostaria, portanto, que ao menos os especialistas dessem atenção a esse aspecto de seu trabalho, e que chamassem a atenção do leitor comum sobre eles. Mesmo nos estudos universitários a que tive acesso – monografias de graduação, dissertações de mestrado – essa dimensão propriamente literária do texto não tem sido explorada. A tendência mais comum é a de estabelecer relações diretas entre o que está representado no romance e o que seria a realidade histórica e social. No caso, mostrar relações entre as situações e personagens criadas e a história e as características culturais da região de imigração italiana, às vezes supondo que o autor está relatando sua própria história ou a de sua tradição familiar. Tenho

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observado também o tipo de questões formuladas sobre meu romance em provas de vestibular, onde igualmente o aspecto temático é posto em realce. Esse modo de ler o meu romance faz sentido, penso eu, num momento em que o debate sobre as identidades étnicas e culturais estão em primeiro plano, em função até mesmo do processo de globalização, e portanto de homogeneização cultural, pelo qual todos passamos. No entanto, não quero deixar sem registro que as técnicas que utilizo são bem mais complexas do que a aparente simplicidade, ou até linearidade, do texto possa dar a entender. Há técnicas aprendidas com os mestres, entre os quais sempre cito Flaubert, Machado de Assis, Mario Vargas Llosa e Clarice Lispector, cada um deles com um contributo particular: Flaubert com a aparente objetividade da narrativa, Machado com a sutileza irônica que evita qualquer tipo de exaltação, Vargas Llosa com sua habilidade em lidar com o ponto de vista, Clarice com a técnica de captar um estado de alma às vezes apenas com um verbo, outras vezes apenas com um advérbio. Mas tenho dívidas também com as técnicas de narrativa visual, como as do cinema e as da televisão. As técnicas oriundas do cinema são mais perceptíveis, e já foram usadas por Hammett e Hemingway, e também por Erico Verissimo, com maestria. As marcas da televisão são mais sutis. Na literatura brasileira atual, apenas em Rubem Fonseca vejo o aproveitamento consciente dos processos televisivos. Esse modo de narrar, além de atender a um gosto pessoal, acredito que vá ao encontro da sensibilidade moderna (ou pós-moderna?), cada vez mais centrada na imagem. Não é para mim surpresa, portanto, que quem produz narrativas visuais, para o cinema ou para a televisão, diga que meus livros “são um roteiro pronto”. É verdade, mas é também uma ilusão. Uso processos que visam a

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efeitos semelhantes aos buscados pelo cinema e pelo vídeo, mas que não se limitam a eles. Basta examinar a transposição de meus textos para essas outras linguagens para se perceber a diferença. Mesmo realizada com extrema competência técnica e, posso atestar, com grande sensibilidade artística, a adaptação de O caso do martelo, feita para a televisão, linearizou a narrativa literária. Jamais vou esquecer a sensação de estupor que senti quando vi o resultado na tela. A história narrada na tevê não “lia” a história escrita. Quando da adaptação de O quatrilho para o cinema, essa lição estava já aprendida: o autor monta seu sistema de sinalização para conduzir a leitura, mas quem lê tem sua maneira própria de ler e, portanto, de tirar do texto um sentido ou significado. Mas, se houve perdas emotivas na transposição, houve ganhos do ponto de vista profissional: o sucesso obtido pelo filme chamou a atenção do público para a obra em que teve origem, numa demonstração de que o livro também se beneficia da publicidade. Ao chegar ao final desta breve memória de meu percurso acadêmico e literário, fico procurando uma frase que defina, mesmo que a posteriori, os rumos por onde segui. No momento, a melhor frase que me ocorre é esta: quanto mais se consegue ver, e mostrar, a particularidade de um ser humano, mais se contribui para se conhecer a humanidade. No fundo, todos temos imensa curiosidade de saber como o outro sente e decide a sua vida. E o motivo é um só: sempre estamos em dúvida com relação à vida que nos coube a cada um. Isso pode ser traduzido em outra verdade: estamos sempre precisando aprender. Porto Alegre, dezembro de 2004

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6. HOMENAGEM A HARLEY CLÓVIS STOCCHERO O Acadêmico Luís Renato Pedroso enviou-nos este precioso texto sobre Harley: HARLEY, O POETA DE TAMANDARÉ E DO PARANÁ Renato Pedroso2

O dia 23 de março pareceu-nos cinzento, triste, azíago até. De inopino, a infausta notícia: Harley Clóvis Stocchero, acometido de derrame cerebral, falecera. Foi um duro golpe que atingiu, não só os amigos e admiradores, como toda a cultura paranaense. Natural de Almirante Tamandaré, município e comarca da Grande Curitiba, onde residia, Harley se

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Luís Renato Pedroso é desembargador jubilado, presidente do Centro de Letras do Paraná, vice-presidente do Movimento PróParaná e membro da Academia Sul-Brasileira de Letras, Seção Paraná.

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graduara em Direito e era diplomado em desenho e artes plásticas, além de técnico em contabilidade e professor normalista, desfrutando de merecida aposentadoria como dedicado servidor publico estadual. Sobre ele, o renomado historiador Tulio Vargas escreveu para a Revista da Academia Paranaense de

Letras,

que

preside

e

onde

Harley

ocupava,

brilhantemente, a Cadeira nº 6, verbis: “No campo literário, embora com antecedentes criativos na revista “Tingui”, produção de contos, estudo histórico e premiação em concurso na cidade de Apucarana, somente em 1983 passou a dedicar-se mais intensamente à atividade cultural, após obter láurea em concurso promovido pela Academia de Letras José de Alencar. Exerceu a presidência do Centro de Letras do Paraná no período 1986-87 e é membro da Sala do Poeta, União Brasileira dos Trovadores

e Instituto Histórico e

Geográfico do Paraná. Foi eleito em 1995 para a Academia Sul Brasileira de Letras do Rio Grande do Sul, com sede na cidade de Pelotas. Oito livros publicados e uma vasta coleção de diplomas e condecorações. Consta da sua bibliografia: Ermida Pobre, Os Dois Mundos, O Pouso dos Guaraipos, Recordações de Clevelândia,

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Andanças na Terra Tingui, Seleções Poéticas de Novas Cantigas”. Poder-se-ia acrescentar a sua mais recente produção “A Vingança da Terra”, coletânea de poemas enfocando os problemas ecológicos da humanidade, como bem define, no prólogo, concluindo com a assertiva de que, “O poeta, além de crítico social, deve, também, profetizar”. No ofício religioso de sétimo dia, sua família fez distribuir dos sonetos de rara sensibilidade, um deles com o sugestivo título “Escrevam que fui poeta” e outro “O Terço”, ambos reveladores de suas firmes convicções religiosas, como católico praticante, fato exaltado na celebração pelo piedoso Vigário, que muito o estimava e admirava. Por tudo isso e muito mais, Harley Clóvis Stocchero sempre será lembrado, jamais esquecido, deixando-nos uma grande saudade! Curitiba, em 05 de abril de 2005.

ESCREVAM QUE FUI POETA “Descansem o meu leito solitário / Na floresta dos homens esquecida, /À sombra de uma cruz, e escrevam nela: / - Foi poeta – sonhou – e amou na vida.”

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Álvares de Azevedo Quando eu morrer, escrevam que fui poeta, que muito amei e fui temente a Deus; e que fiz da Poesia a flor dileta para brindar aos nobres e aos plebeus... E procurei cumprir a minha meta: - servir a todos não somente aos meus; levando a vida sempre em linha reta, sem ofender aos crentes ou ateus... Vou repousar aos pés da magnólia junto os meus pais, no alto da colina, sentindo a brisa com a força eólia... Quando lá fores visitar-me um dia, e ao perceber a flor os seus olores, lembrai de mim rezando a Ave-Maria! Harley Clovis Stocchero Almirante Tamandaré, 16.11.1998

O TERÇO “Reza melhor quem melhor sabe amar”

Coleridge Quando vou pela estrada caminhando, à refletir nos dilemas desta vida, para meu Deus, com fé, sigo implorando a proteção, o amparo e a acolhida.

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Na caminhada toda confirmando a devoção à Virgem Aparecida, o terço do rosário vou rezando para nela encontrar doce guarida. Eu sei que à cada terço que se oferta nosso bom Deus retribuirá na certa com graças e com bênçãos especiais. O terço vai deixar a porta aberta para o poder de Deus que se liberta na proteção de todos os mortais. Harley Covis Stocchero A. Tamandaré, 08.09.98

E o prezado Vice-Presidente da ASBL, Seção Paraná Ivo Arzua Pereira nos escreve:

Meu caro Presidente Zanotelli 42


Saudações! Profundamente consternado, estou transmitindo o texto sobre as homenagens póstumas ao caro e saudoso amigo Harley Clovis Stocchero, que foram realizadas no Centro de Letras do Paraná, no dia 19 do corrente mês, com a participação de todas as entidades acadêmicas das quais fez parte o finado confrade. Muito agradeceria se fosse publicado o referido texto sob o título "Requiem para Harley Clovis Stocchero". Antecipadamente grato, subscreve-se com um fraternal abraço o amigo

-

Ivo Arzua Pereira

REQUIEM PARA HARLEY CLOVIS STOCCHERO

No início dos tempos os valores e as obras primas do Criador estavam entesourados em sua Casa Celestial. Então, um dia, o Senhor preocupado com o que estava acontecendo na Terra, recomendou à Luz, ao Verbo, 43


ao Amor, à Beleza, à Misericórdia, à Justiça e à Paz, que olhassem pelo nosso Planeta. A Luz olhou lá da imensidão celestial e viu a Terra coberta de trevas e escuridão ; o Verbo observou a Terra e apenas

encontrou

desentendimentos,

falsidades e hipocrisia ; o Amor

incompreensões,

expiou lá de cima e

somente percebeu antipatias, ressentimentos e angústias ; a Beleza mirou lá do alto e apenas conseguiu enxergar deformidades e desarmonias ; a Misericórdia fitou a Terra lá do espaço sideral e somente pode perceber miséria e sofrimento ;

a Justiça sondou tudo lá das alturas e

somente avistou opressão e injustiças ;

a Paz baixou seu

olhar inquisidor e somente divisou ódios, conflitos, guerras e morte. Então todos eles, cumprindo a suprema vontade do Senhor, decidiram descer à Terra . Veio a Luz e deslumbrantemente iluminou toda a Terra ; veio o Verbo, se fez carne e habitou entre nós pregando : “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida”; veio o Amor e gerou a plenitude da Vida : corpo e alma ;

veio a Beleza e

transformou a deformidade e a desarmonia em encanto e formosura ; veio a Misericórdia e docemente acolheu e cuidou dos carentes e dos excluídos ; veio a Justiça e

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estabeleceu o primado do respeito às liberdades e aos direitos

humanos; veio a Paz e gerou a compreensão, a

tranqüilidade e a fraternidade entre todos os povos e nações do Mundo. Como seus arautos e promotores Deus enviou também os missionários da fé e os literatos, poetas, trovadores e artistas, entre os quais pontificou você, meu caso e saudoso amigo, Poeta Harley Clovis Stocchero. Para homenagear reverentemente

sua memória,

estão hoje aqui reunidos sua querida esposa e seus queridos familiares, juntamente com seus mais chegados confrades e confreiras das instituições acadêmicas que você enobreceu e engrandeceu com a sua dedicação e superlativo talento poético e artístico. “Requiescat in pace frati !” Mas saiba,caro e inesquecível Amigo Harley, que não morre jamais quem vive no coração de seus entes queridos. Acadêmico Ivo Arzua Pereira Academia Sul Brasileira de Letras - Vice-Presidente Subseção do Paraná - Presidente

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7. ELEIÇÕES NA ACADEMIA

Wilma - Jandir

A

Academia

Sul-Brasileira

de

Letras,

em

Assembléia Ordinária realizada no dia 26 deste mês de abril, elegeu e empossou sua Diretoria para o biênio 20052007.

Foram

eleitos:

Presidente:

Wilma

Mello

Cavalheiro; Vice-Presidente RS: José Clemente Pozenato; Suplente de Vice-Presidente: Lígia Antunes Leivas; Secretária e suplente: Ivone Leda do Amaral e Ângela Treptow Sapper; Tesoureiro e suplente: Jandir João Zanotelli e Nair Solange Pereira Ferreira; Conselho Fiscal com respectivo suplente: José Anélio Saraiva e Jorge Moraes, Maria Amélia Hilall e Olga Maria D. Ferreira, Pedro Baggio e Manuel Jesus Soares da Silva. Votaram por correspondência acadêmicos do Paraná, Santa Catarina e Porto Alegre. Por outro lado as Seções do Paraná e Santa Catarina, obedecendo os Estatutos Sociais e as determinações que 46


julgarem necessárias, elegerão seus respectivos VicePresidente, Secretário e Tesoureiro até o dia 9 de maio, festa de aniversário da Academia. Houve também a prestação e aprovação das contas do biênio concluído e que era presidido por Jandir João Zanotelli. O relatório final chegará às mãos dos sócios acadêmicos no jantar de confraternização que a ASBL realizará na noite de 10 de maio, quando também será lançado o número 8 em conjunto com o número 9 da Revista da ASBL. Os sócios acadêmicos mostraram-se entusiasmados com as perspectivas de novas atividades culturais previstas, acentuadamente sua revista eletrônica que, em breve estará à disposição do público leitor. A ASBL publicou também nos jornais de Pelotas em sua coluna semanal homenagem ao acadêmico José Anélio Saraiva: A ASBL sente-se feliz ao comemorar o sonho e a luta de seus acadêmicos. Basta lembrar que há mais de 30 anos o confrade José Anélio Saraiva vinha lutando, quase sozinho, para evidenciar ao governo brasileiro a viabilidade

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de prospecção de petróleo na bacia de Pelotas e que hoje se torna uma das realidades mais alvissareiras para a região Sul do RS. São milhões de investimento e milhares de empregos à vista. É o mesmo lutador que mostra a possibilidade de Urânio em nossa região, bem como a riqueza do óleo de babaçu para múltiplas utilidades. Este autodidata, honra sobremaneira o nome da Academia fazendo da palavra um arado atrelado a uma estrela e que arranca do chão o pão e o futuro de todos nós. A palavra, em sua precariedade, limitação e relatividade se faz a casa,

não apenas das ansiedades,

desejos e memórias do homem, das lutas por pão, por justiça e por paz, mas se faz sempre, provisoriamente e por isso mesmo, a casa do Ser, a casa da Transcendência, a casa da esperança. A palavra, é nossa tarefa, nossa faina, o lugar de encontro de todos e de cada um de nós. Enquanto diálogo primordial, ela é o lugar das coisas, o nome e o sentido de tudo. Ela nos constitui humanos, à caminho da verdade que está sempre além, acima de todos os nossos passos e, por isso mesmo, é o horizonte de cada passo, muito embora trôpego, coxo, titubeante. Ela nos constitui peregrinos.

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Felizmente ela não é propriedade minha, tua, ou de quem quer que seja, ela não cabe no bolso de ninguém. Ela nos ultrapassa, nos convoca e nos enraíza. Ela é a nossa dor e a nossa festa. De parabéns a nova Diretoria da ASBL. De parabéns Pelotas e a Região Sul do Brasil. De parabéns a inspiração e a transpiração de tantos artífices da palavra. Jandir João Zanotelli.

8. Falece HELOÍSA NASCIMENTO

ASSUMPÇÃO

DO

Neste último 4 de maio faleceu nossa co-irmã Heloísa Assumpção do Nascimento. Considerada a mais importante pesquisadora da história de Pelotas das últimas décadas, na senda de Alberto Cunha e Fernando Osório, era graduada em Direito, pós – graduada em História da Arte, foi , por 40 anos professora da Escola Normal (Sociologia e Português), do curso de Direito (a primeira no RS e uma das primeiras mulheres do Brasil a lecionar Direito), do curso de Jornalismo da Universidade Católica de Pelotas que ajudou a fundar, Heloísa marcou profundamente seus alunos com a simpatia, a simplicidade, a profundidade e competência. Autora de: Harmonia Excelsa – romance 1936; História das mil ilusões – contos 1936; Três crônicas, Dois sonetos e um Poema – crônicas 1940; Furna Encantada – 49


romance histórico 1954; Praça da Matriz 1964; Haragano – romance que recebeu a medalha de ouro do Clube do Livro de São Paulo e da União Brasileira de Escritores, núcleo São Paulo ...1965. De sua pesquisa histórica é de destacar: a Arquitetura neo-renascentista em Pelotas – a Santa Casa de Misericórdia (1975); O realismo fantástico na pintura – Goya (1979); Yolanda Pereira, Miss Universo (1980); História da Santa Casa de Misericórdia de Pelotas (1984); a Saga dos Açorianos (1999); Nossa cidade era assim vol. 1, 2 e 3 (1994); Coletânea – viagens, contos e história (1982) Escrevia inexcedíveis artigos sobre a vida e história de Pelotas até o final da vida. Intelectual honesta e talentosa, escritora brilhante e de uma beleza leve e jovial como era sua presença. Amigável companhia que ninguém queria perder, na comunhão dos santos, será certamente nossa perene e feliz companhia, na tarefa da palavra, da pesquisa, do magistério e da solidariedade. Era titular da cadeira 24 da Academia Sul-Brasileira de Letras, cujo patrono é Antônio José Gonçalves Chaves. Pertencia também à Academia Literária Feminina do Rio Grande do Sul, ao Instituto Histórico e Geográfico de Pelotas.

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POESIA O REMADOR José Moreira da Silva 3 Há em nossa vida um rio. Águas correm limpas, serenas, na superfície. No leito, há lama e pedras. O bom navegador haverá de livrar-se do que há no fundo do rio. Perturbadoras emoções que lhe toldariam a alma, furtando a paz de espírito. A chave da felicidade é o despertar das energias escondidas, abrir portas e janelas para o mundo, urdir novas dimensões no interior. 3 Oficial do Exército Brasileiro, na reserva. Advogado. Cronista. Poeta. Ativista cultural. Publicou “PAIXÃO – FRUTO MADURO – INFINITO”, Edicom, Porto Alegre, 1999, poesia. Idealizador e presidente da Academia Literária Gaúcha - ALGA, desde a sua fundação, em 1994. Sócio ativo da Sociedade Partenon Literário e da Casa do Poeta Riograndense. Nascido em Pau D’ Alho, Pernambuco, em 1927, chegou ao RS no final da década de 50. Aqui estudou e constituiu família. Humanista por vocação, é um dos maiores estimuladores do associativismo literário. Reside em Porto Alegre. (JM)

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Quando, na bússola, trepida a agulha, perde-se o rumo da estrela-guia. Apagam-se os faróis, desorienta-se o nauta. Após tempestades e calmarias, sempre há um novo rumo. Novas descobertas além do curso, que se julga único. Não deixes o barco à deriva, é preciso remar e remar!... E ajudar os outros a fazer o mesmo, quando não há ventos favoráveis.

PROPOSTA DE CONCILIAÇÃO José Moreira da Silva Amanhã, quando não mais for possível sonhar, não venhas buscar o sonho, a ingratidão terá me matado. O acontecer condena ao sofrimento. Haverá algum dia, paz no revolto mar das paixões? Nem ainda nos amamos e já somos inimigos, com se feras fôssemos. Isto é racional, se somos cristãos?

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Há muitas perguntas a fazer, mas mesa e cama são encontros de ausências. Palavra não vem, rostos se contraem, fecha-se o mundo em abismos. Soluçam e morrem esperanças. Assim, somos pedras, matéria apagada, sequer servimos à produção da energia, fogo, calor e luz. Ainda não foi jogado o último barco. Quem o jogará primeiro? O mais puro ou o mais humilde? Não esperemos, o tempo é surdo. Amanhã tudo será mais difícil na superfície das águas de amar.

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TESTAMENTO

Roza de Oliveira

Eu sei que o meu momento vai chegar. Que, das limitações eu sairei. E tudo que eu colhi hei de deixar Pois noutra perfeição me integrarei. Quero deixar minh’alma congelada Nas imagens sonhadas com ardor Quero ser luz na escuridão da estrada Quero ser sal nas vidas sem sabor. Quero deixar pra mente torturada O passaporte para a liberdade De contar, na terrena caminhada Com a riqueza do sonho e da poesia Que dão de brinde a toda a humanidade Luz própria, Paz, Conforto e Alegria.

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CASA ONÍRICA

Bem no pico dos meus sonhos Construí minha morada, Sem paredes, sem telhados, Sem limites Nos seus lados. Bem que o telhado varia Varia Conforme o dia: Há telhado de gaivotas, De estrelas, De andorinhas... Minha cama - é uma nuvem. Minha mesa - a lua cheia. O vento - o meu cavalo! Sou turista do infinito!

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CHOVE E NÃO VENS Miguel Russowsky

Chove a chuva e tu não vens... (Tristeza!) ... e os talheres... e os cálices de vinho sobre a toalha, alvíssima, de linho... e as velas.... (mas nenhuma foi acesa!) ... e as flores como parte da surpresa... e alguém ansioso pelo teu carinho.... e a música ambiente... e o som baixinho... e as duas taças de cristal na mesa... ... e as dobras, com amor, nos guardanapos, cheias de ardis para teus dedos guapos... e as iniciais bordadas num cantinho... ...e a lareira onde o fogo já não arde... Chove e faz frio... e tu não vens...(É tarde!) Soubesses como dói jantar sozinho?!...

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CHOVE DENTRO DE MIM Marilu Duarte. Chove em minha solidão, lavando ressentimentos, transmutados de perdão. Chove chuva em todo o meu corpo, inerte, indiferente e quase morto. Chove chuva abafando os meus gemidos e calando todos os meus sentidos. Chove chuva derrubando mitos, verdades e preconceitos. Chove chuva, caindo bem dentro do peito, esmagando a ilusão e os sonhos desfeitos. Chove em cada retalho de memória, nas pegadas de minha trajetória, na minha ilusão adolescente, no meu passado e no meu presente. Chove chuva nas minhas esperanças, renovando meus sonhos, restaurando os versos que componho, para a minha alma criança. Chove chuva dentro de mim, inundando minha existência, anulando minha consciência, afogando os meus desencantos,

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HINO À VIDA Maria Amélia Gonçalves Hillal

O sol entrando em casa... as flores na janela... Olhar e poder ver. Devo um hino fazer. Cantar, em hino, a vida e meu amor por ela. Gozar tranqüilidade... a ventura... o lazer... Afastar a tristeza e afastar a querela. O destino é a morte. Aceitar o morrer Em paz, serenamente, aceitação singela, Como a tudo o que tem de um dia acontecer! Usar da consciência. Agir com a razão Quando for decidir. (Dá calma ao coração); Ter a alma sempre em paz; jamais se arrepender... A leitura, o escrever... Como esta vida é bela! Os pássaros cantando, as flores na janela... Como este mundo é bom e como é bom viver!!...

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O MUNDO E A VIDA Pedro Baggio

Espaço, mundo, terraço entre o céu e a terra. Palco, tablado formado para as cenas da vida, onde os homens dançam obrigados. No ar, no mar, na terra todos à espera do inesperado, palhaços cansados de rir e de chorar!

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DIVAGANDO DE...VA...GAR Ivone Leda do Amaral

I O amanhecer erotizava a noite num orgasmo planetário. II As tartarugas amarinhavam as ondas, que envergonhadas, bejavam as praias. III O dia e a noite amavam-se, à distância, num abraço eterno. IV O buraco negro versejava na brancura das nuvens, cantando hinos ao sol. V Os pirilampos iluminavam a noite do meu bem. VI A árvore, que aninhava os pássaros, detestava a negrura dos besouros. Besouro, tanque de guerra, que busca paz na luz. VII Pode a gota formar o rio? O rio não se avoluma só de lágrimas, mas de desejos impensáveis... São os nenúfares medalhões do infinito? Sua beleza é eterna sem eternidade.

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VIII O sapo piscinou com fúria. IX A janela quebrada avermelhava de inveja do rosado das azaléias descoloridas. X O bem-te-vi amordaçou o canto, quando viu a cobra assanhar-se para ao gaturamo. XI As glicínias guirlandavam-se contra o vento, que gemia no desfolhar das pétalas. XII E, o sol, dissolvendo-se na saudade, me anoiteceu...

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ESPERANÇA4

Wilma Mello Cavalheiro

Enquanto a esperança dourar o meu caminho e o coração bater uma canção no peito, e o sol despontar entre os lábios da aurora para beijar a natureza em flor, enquanto as libélulas em metamorfose se transformarem em lindas borboletas, enquanto meus olhos se extasiarem ante a luz dos poentes coloridos, enquanto no horto da vida eu sustentar a fé que me conduz e acreditar que o amor pode redimir a humanidade, bendirei a vida que me fez poeta!

4

Primeiro lugar no Concurso Estadualo RS promovido pelo Rotary Clube Pelotas Norte e Club Pan-Americano (2004). 62


DESFAZIMENTO Lígia Antunes Leivas

Em minhas veias já não corre mais o sonho. Deserta de esperança desperto para um novo dia... Em um segundo em mim esgota-se a crença em um mundo melhor.

DE HORA EM HORA As horas de todos os dias sabem de mim... Em suas entranhas maceram incessantemente minhas venturas e desventuras. As horas de todos os dias são sábias... No tic-tac do tempo brincam de esconde-esconde à espreita do meu fim.

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POEMA DE ABSOLVIÇÃO (OU EXERCÍCIO DA IRA)5

Joaquim Moncks6

Em nós a necessária busca. O mal prevalece na medida dos passos. Lenço de nuvens em que escondemos o rosto. (Pobre do que avalia a profundidade das iracundas visões) No exercício da ira o silvo do outono sobre os frutos, é poema de absolvição. A alegoria dos ausentes foge na canção dolorosa. 5

Do Livro O poço das almas. Pelotas: Edit. Univ. Federal, 2000, p.81

6

Oficial PM, na reserva, advogado, poeta, declamador, conferencista, ensaísta e ativista cultural. Nascido em Pelotas, em 1946. Seis livros individuais desde 1973, no gênero Poesia. Mais de uma centena de participações em antologias e coletâneas, em prosa e verso. Membro da Academia Sul Brasileira de Letras, em Pelotas e da Academia Literária Gaúcha, em Porto Alegre. Da Sociedade Partenon Literário, da Estância da Poesia Crioula e das Casas do Poeta Brasileiro-POEBRAS e da Riograndense-CAPORI, todas sediadas na capital, onde reside. E-mail: joaquimmoncks@ig.com.br

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A solidรฃo carpe o tempo das esperas. Sรณ Deus sabe dos achados e perdidos. O que a vista alcanรงa morre ajoelhado no horizonte.

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30º VERSO Cheila Stumpf

Passei pelo espelho e me vi, m ais parecia vestígio de caminho no mato, tinha boca, mas fizera dos cabelos cortina, tão densa, que os olhos que de lá me consultavam, o faziam como tochas num caminho escuro.

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CONTOS E CRÔNICAS

MEU IRMÃO, O MEDO Blau Souza Parece que foi ontem. As estações de rádio alternavam

composições

marciais

com

discursos

inflamados a incitarem os sentimentos patrióticos dos gaúchos. A perplexidade pela renúncia de Jânio Quadros, que cedera a forças ocultas, foi substituída pelos percalços a serem enfrentados por João Goulart. Despreocupado visitante da China, Jango teria de vencer forças nada ocultas se quisesse assumir o poder. Era preciso empolgar o povo na defesa da legalidade, e Brizola fez isso como ninguém: seu cunhado teria de assumir o poder como exigência da constituição  O povo do Rio Grande assim o queria. Apresentavam-se

voluntários

das

mais

diversas procedências e gerações. Jovens, com ou sem afinidades partidárias, preparavam-se para a luta em favor da legalidade e o faziam com o entusiasmo e o

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desprendimento dos inocentes. O restaurante universitário fervilhava. Lá se organizavam forças auxiliares, ao som de dobrados e com um material bélico semântico, verbal. Como estudante de Medicina, eu classificava medicamentos ou ajudava na tipagem sangüínea de centenas de voluntários. Eles vinham prontos a darem seu sangue de maneira civilizada, transfundido; ou derramado de forma heróica em hipotéticos campos de batalha. A

expectativa

nervosa

aguçava

a

sensibilidade para fatos onde o cômico aliviava a tensão crescente. Não esqueço o gauchão enorme, pilchado a caráter, aguardando na fila para o exame de sangue e que logo virou referência obrigatória. Ao ter o dedo picado por minúscula lanceta, o homenzarrão desabou, suando frio e revirando os olhos. Quando isso aconteceu, lembrei do velho gaúcho, rezinguento, que visitara o restaurante universitário pela manhã e perguntara com voz irritante:  Onde estão os combatentes, os homens de briga? E quando indicamos os muitos homens a circularem, pilchados, quase dançando pelas dependências do centro de resistência, ele concluiu:  Não, esses são de trova e dança... Eu quero os de peleia.

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Os sentimentos eram intensos e exigiam pressa. O amor à causa não era exclusivo e a convivência com o medo estreitava laços, agregava incertezas solitárias. Afinidades instantâneas facilitavam amores em casais dispostos a dar e a retirar tudo da vida em perigo. Namoros acelerados nasciam nos percursos entre o restaurante na Azenha, os centros acadêmicos e a Praça da Matriz. Também aí, não contrariei a regra e me restaram ternas lembranças. Não foram muitos os dias de lavagem cerebral. Chegou a hora decisiva na Praça da Matriz, mais cheia de expectativa que de gente... E eu estava lá. Os olhos fixavam-se nas sacadas do Palácio Piratini, onde um Brizola tresnoitado surgia de tempos em tempos. Ouvidos assustados adivinhavam barulhos. Gargantas secas, vazio no estômago, o coração disparando e ali estávamos a arrastar os bancos da praça na tentativa de armar barricadas. Não era conhecida a posição do exército e os boatos se multiplicavam. Firmava-se a sensação de estarmos vivendo momentos sem

volta, históricos. O crescendo

era

intolerável e momentos de uma infância feliz, bucólicos, teimavam em saltar da memória diante das incertezas de um futuro transformado em presente, ali e sem alternativas

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honrosas. De repente, foi anunciado que o General Machado Lopes, comandante da Terceira Região militar, apoiava a posse do vice-presidente: era pela legalidade. Abraçados, olhos úmidos, todos cantamos o Hino Nacional. Por muito tempo os aspectos semicômicos ocupavam todo o espaço quando eu falava da participação na Campanha da Legalidade. Filtros de conduta, individuais e públicos, resistiam a admitir o medo. O passar dos anos, a valorização das paixões da mocidade, a análise das reações pessoais e das massas mudaram o discurso. Eles me ensinaram que o medo educa, amadurece, é inato ao homem e exige de nós a coragem, até para admiti-lo. Vencê-lo como velho conhecido, tenho certeza...é bem mais fácil.

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Mulher... antes, agora, sempre Lígia Antunes Leivas7 Através dos tempos, preconceitos e convenções sociais (sem serem garantias de justiça) contiveram o pleno crescimento da mulher, impossibilitando sua atuação em igualdade de condições com os homens. Antes, o lugar adequado para a mulher era bem restrito: ou ficava sob a tutela do marido (este até poderia ser gentil, mas também ser um bruto, um tirano – comportamento, infelizmente, ainda encontrado hoje), ou ia para um convento ou para a prostituição. Ficar sob a tutela de um homem significava ser uma serviçal: cuidar dele, das lides domésticas e da prole... e assim considerar-se feliz, já que outros sonhos não poderiam existir. O homem é quem protegia a mulher (também do assédio de outros homens!...) uma vez que sem ele a mulher ficava à mercê da maior solidão. Na viuvez a vida da mulher era de desamparo e tristeza. O homem, porém, ao viuvar, curtia a tristeza por pouco tempo: em seguida tratava de encontrar outra mulher que o cuidasse e também o lar. A literatura nos relata que o Romantismo (séc. XVIII) e a difusão dos romances escritos trouxeram para a mulher o despertar de uma mudança de conduta: ela vislumbrou outros 7

Lígia Antunes Leivas: Professora, escritora, poetisa, sócia acadêmica da ASBL – CLIPE - CBC

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horizontes além do doméstico e começou a sonhar com novas emoções. Surgiram, assim, as primeiras profissionais liberais, as universitárias, as escritoras assinantes de seus próprios textos. As barreiras de submissão e dependência gradativamente iam se rompendo. Autonomia e estabilidade – até então apanágio dos homens – incorporaram-se à vida das mulheres, permitindolhes a expectativa de uma vivência criativa e feliz. Ainda no início do séc. XX foi imenso o esforço das mulheres para poderem ajustar-se ao mundo reservado aos homens. Mas elas tornaram-se ativas política e socialmente; elas lutaram para fazer um mundo melhor, sendo ainda cedo para saber se conseguiram ou não. Como resultado de uma luta difícil, árdua em meio a uma cultura tradicionalmente dominada pelo homem, a mulher hoje está ocupando seu lugar como ser capaz de, com responsabilidade

e

competência,

desempenhar

múltiplas

atividades (quase todas, aliás!...). Para tal, vale-se de suas qualidades

inestimáveis:

auto-suficiência,

coragem,

racionalidade, versatilidade, disponibilidade... tudo isso sem perder o olhar amistoso, a sensibilidade, o dom maternal, a habilidade para contornar conflitos e desarmonias e perceber, com os olhos da perspicácia, quando é preciso pôr panos quentes sobre os fatos que assim o exigem. A situação da mulher séc. XXI já é diferente: ela não depende mais do homem para ter a comida na mesa; ela escolhe se é melhor casar ou não, ter filhos ou não; ela não precisa mais

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ser a mulher do Sr. fulano... Enfim, a mulher ganhou o respeito – senão de todos – de quase todos. A luta, no entanto, segue em frente. Ainda há sofrimento... e muito!... Há mulheres, pelo mundo afora, cerceadas até em sua liberdade de ir e vir; há mulheres com inúmeras jornadas de trabalho; há mulheres menosprezadas, desconsideradas; há discriminação salarial para elas. E o pior: a ideologia machista segue apostando suas fichas no retrocesso, promovendo as patricinhas, as tiazinhas, as popozudas, as boas, as feiticeiras (semanticamente este item permite grande número de sinônimos). E tudo isso para convencerem as mulheres de que elas só podem ter sucesso se for esta a trilha seguida. Lembrando, pois e mais uma vez, o dia internacional da mulher, vale dizer que a mulher é um ser humano que ama, trabalha, se preocupa e ocupa com os outros, consigo mesma, com os filhos dela e os filhos do mundo; se preocupa com a qualidade de vida, com a natureza, o ar, a água, a saúde, a educação; se preocupa com as emoções, os sentimentos e a vivência plena. Neste 8 de março – e por que não todos os dias?... – sucesso, sorte, muita paz e felicidade para todas as Mulheres.

Ressurgimento da Soberana Ordem do Sapo 73


Ivo Arzua Pereira8 Sempre questionei-me para saber porque os insignes e saudosos intelectuais Leocádio Correia, Leite Júnior, Gabriel Ribeiro e Thales Saldanha, nos idos de 06/03/1898, há portanto 107 anos, criaram um periódico intrigante denominação “O Sapo”,

sob a

que existiu até

21/09/1902, somente ressurgindo em 06/11/1976 sob a magistral direção e editoração do saudoso Acadêmico/APL Vasco José Taborda Ribas, também fundador da Soberana Ordem do Sapo em 15/08/1977, da qual recebeu o título nobiliárquico de Conde das Araucárias, e que, até o seu falecimento em 23/03/1997 , dirigiu com excepcional zelo e proficiência . Recentemente,

em

31/07/2004,

Tatuquara, o Acadêmico/APL

o

Barão

de

Apollo Taborda França,

dotado de acendrado idealismo e indômita coragem, na qualidade de Chanceler titulado, com o apoio dos demais titulares, investiu-se nas funções de Grão-Mestre da Soberana Ordem do Sapo, assim fazendo-a ressurgir, do

8

Acadêmico da ASBL - Subseção do Paraná - Presidente

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que resultou esta esplendorosa solenidade de investidura de 14 ( quatorze) novos titulares . Tudo bem, mas por que foi adotada a figura do sapo como insígnia desta centenária entidade poética e literária? . Pois bem! É de todos sabido que “sapo” é o nome comum dos “anuros”, ou seja, dos animais vertebrados desprovidos de cauda, espécime dos batráquios. Até aqui menos mal, pois que, neste mundo onde grassa o deletério vírus da corrupção, o sapo jamais poderá ter “ o rabo preso” . Além de tudo o sapo, cujo “habitat” são os charcos, os terrenos alagadiços e os banhados, é bem o símbolo da humildade, pois

jamais

intentou

viver

nas

alturas

montanhosas para brilhar à luz do Sol e ser notado, admirado e aplaudido, bastando-lhe ser alvo da simpatia dos

seres

humanos

e,

principalmente,

dos

bravos

ecologistas. A humildade, virtude desenvolvida por nós, os seres-humanos, em nosso íntimo relacionamento espiritual com Deus, e que tem como fundamentos o Amor, a Verdade e a Justiça, nos faz compreender e aceitar nossa ínfima importância em comparação com a infinita dimensão do Universo, que abriga mais de 100 bilhões de galáxias,

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cada uma com bilhões de estrelas, sendo que, somente em nossa galáxia-a Via Láctea, existem cerca de 100 bilhões de sistemas solares semelhantes ao nosso. Eis

porque

a

humildade,

ajudando-nos

a

compreender a nossa real pequenez, ajuda-nos a refrear, e até eliminar, a tendência inata a todo ser humano de superestimar-se, quando dominado pelo egoísmo, pela vaidade, pelo orgulho e pela ambição. A História da Humanidade é prenhe de magníficos exemplos de humildade entre os luminares de todas as áreas do saber humano, bastando citar para representá-los todos, o imortal filósofo grego Sócrates (470-399 a.C.) e o erudito e eloqüente tribuno Rui (1849 -1923) - o “Águia de Haia”, os quais , com insuperável sabedoria, respectivamente afirmaram: “Só sei que nada sei” e “Quanto mais largas as vastidões do saber , mais razões de serem modestos os seus cultores” . Daí

porque

a

humildade,

sendo

um

dom

característico das pessoas mais sapientes e também um atributo genético do sapo, paradoxalmente criou uma conotação entre os vocábulos sapo e sapiência, o que, muito

provavelmente,

tenha

inspirado

os

eméritos

76


fundadores da Soberana Ordem do Sapo na seleção e adoção da sua insígnia. Também inspirada nesta lírica concepção é que a Subseção do Paraná da Academia Sul-Brasileira de Letras- ASBL, em sua reunião de 16/02/05, decidiu formalizar o seu voto de louvor e gratidão ao conspícuo Barão Mestre

de Tatuquara Apollo Taborda França, Grãoda

Soberana

Ordem

do

restabelecimento das meritórias atividades entidade cultural, com

Sapo,

pelo

desta vetusta

um troféu dominado pela

inconfundível e simpática imagem de um sapo coroado, fleumaticamente assentado sobre um espelho simbolizando uma pequena lagoa, oferenda que, neste momento, será solenemente entregue pelas novéis Baronesas de Santa Terezinha- Maria Alice Pedroso

e das Misericórdias -

Maria Helena Sottomaior Pereira. Curitiba, 05/03/2005

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ARTIGOS

PALAVRAS SOBRE POESIA BRASILEIRA Ir. Elvo Clemente

LINGUAGEM DA POESIA Henri Bremond, no prefácio de seu livro Prière Et Poésie, toma a palavra de Middleton Murry, grande crítico inglês: “Para reencontrar a via da salvação, o caminho para salvar a humanidade é preciso tomar a sério a grande poesia. Para conseguir isso é preciso antes de tudo fazer o passo heróico, o salto mortal, admitir a legitimidade, o valor de um conhecimento que não se exprime, que não pode traduzir-se em palavras”. A poesia vai além da palavra racionalizada, manifesta-se no silêncio, na intuição daquele ritmo ou na sonoridade daquela rima. Somos demasiadamente racionais, filhos cartesianos que tudo avaliamos pela lógica das frases

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e dos períodos. A linguagem poética vive na intuição, desperta no silêncio, vive nas reticências da semântica. Pretendo convidar a seleta assistência que me ouve a percorrer o mapa de alguns poetas sul-rio-grandenses. Procuremos sentir como e com eles como a poesia, sabedoria se manifesta no escandir dos versos ou no ritmo das estrofes. DESENVOLVIMENTO Começamos pelo nosso Poeta recitado e cantado há um século: Francisco Lobo da Costa. Nascido nesta cidade em 12 de julho de 1853 e falecido a 18 de junho de 1888. Seu peregrinar de 35 anos, caracteriza o andejar de cada ser humano por este vale de lágrimas. Era romântico o grande lírico, dedilhava soberbamente as cordas dos sentimentos mais caros e mais profundos do ser humano. O grande poema - O Solitário de Tapes, de Lucubrações, em seus 765 versos, ouve-se outra voz que não a do poeta. É a voz misteriosa das cordas da harpa, numa intuição, meditada e profunda se encerra em nove versos:

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Tem horas em que vaga silencioso Soltando aos frios ventos o cabelo... quando solta porém a voz cadente, Tênue vapor soergue-se da terra, E sombra de mulher, também fantasma, Corre a seus braços nus por encanto Vão fugindo p’ra o céu bem como nuvens, Enquanto que no fundo do arvoredo Escuta-se o tinir de harpa perdida. Os

poemas

cantam

amigos,

celebram

datas

nacionais, choram pesares e mortes, exaltam vitórias, sorriem na caminhada pelos campos em flor, em tudo é Poesia, as palavras são pobres sons, os silêncios revelam e falam profundamente. Do “Adeus do Poeta” pode-se ler a estrofe: Tu és a linfa que corre Por entre vergel em flores; És a estrela que não morre Nadando sempre em fulgores A densidade lírico-romântica plena de religiosidade beirando o misticismo é A última confissão de Eugênia Câmara. O padre era um tipo venerando, Mais pálido que o marmor’ de Carrara; Ela a seus pés - de uma beleza rara, Tinha os olhos no chão - o seio arfando. Deserto estava o templo, - mas quando A voz do sacerdote se escutara, 81


Abriu-se a porta da secreta ara, E um arcanjo de luz – passou chorando; - Crê em Deus, minha filha? – Eu o idolatro. - De que se acusa? Que pecado há feito? - Meu padre, perdoai-me...eu tenho quatro. - Credo em cruz; brada o velho a mão no peito. - Amo a glória, o prazer...amo o teatro, E Castro Alves morreu por meu respeito. (Lobo da Costa, EDIPUCRS, IEL, FAPERGS, 1991) De Pelotas vamos a Rio Grande, do século XIX vamos ao século XX, sempre embalados nos ritmos da Poesia. Encontramos o poeta Ernani Fornari, filho do imigrante italiano Aristides Fornari, homem de circo e de teatro. Ernani andarilho esteve em escola em Garibaldi, em Porto Alegre e Faculdade de Direito de Pelotas que não concluiu. Em 1923, publicou o seu primeiro livro de poemas - Missal da Ternura e da Humildade. Nos alvores do Modernismo, editou Trem da Serra, em 1928, quando Carlos Drummond de Andrade publicava seu famoso poema – No meio do caminho tinha uma pedra... divisor de águas entre Simbolismo do poetas decadentes e a era modernista, daí vem a dedicatória

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significativa a Vargas Neto, Augusto Meyer, André Carazzoni, Rui Cirne Lima e Olmiro Azevedo. A curiosidade e a novidade do Trem da Serra, os poemas vão-se apresentando com o suceder de estações na viagem ferroviária de Porto Alegre a Caxias do Sul. Cada local é homenageado com harmoniosos versos.

ESPERANDO O TREM Nas vilas pobres, com estação na frente, há festa duas vezes diariamente - nas horas do trem chegar. E – Ave Maria! – quanto aceno de mão, quanta alegria, quanta alegria solta pelo ar! O trem investe pela vila, protestando nos mancais, bisbilhotando os interiores e os quintais das casas coloniais, modestas, asseadas e com ninhos nos beirais. As moças comprometidas (se não vão à estação é que o noivo não deixa) ficam de papelotes, atrás das cortinas de cassa das janelas, espiando o trem passar. As mais faceiras, as mais bonitas, 83


mal contendo a excitação, em seus vestidos domingueiros uns de seda, outros de chita vão ao footing na estação. Feira ingênua das vaidades vilarengas!

PROFECIA Firmes, erectos, em linha indiana, vão os moirões varando os horizontes, dando-se as mãos farpadas uns aos outros, e acompanhando o trem. Cada moirão marginal é o alicerce seguro de uma casinha de barro... - que o aramado, afinal, é a artéria principal da cidade sem fim dos joões-de-barro... (Por certo, um dia, nós também seremos um povo construtor, como os joões-debarro! Ah! nesse dia, então, nossas estradas todas Também hão de se dar as mãos sem fim, e a nossa pobre terra agora descuidada, tão isolada em sua vastidão, será uma Pátria só, a Grande Pátria, enfim, única, unida, tal e qual, assim!)

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A CONQUISTA DA SERRA O gringo veio do mar... A bugra morena estava na terra quando o gringo chegou, dourado de luz, acordando a floresta com a voz empostada e fazendo calar os inhambus: “O sole mio...” Ela não compreendia mas advinhava, naquela toada feliz, que ele trazia para a Terra Nova, transformada em esperança, a desilusão do seu país. E enternecida ao som daquela voz, a bugra ficou espreitando por detrás do pinheiral o gringo que chegava, louro e alegre como o sol – que era o deus de seus avós. E o gringo Construiu uma casa com telhado de tabuinhas! (O rancho da bugra era de santa-fé...) E o gringo plantou trigo na montanha, plantou linho, plantou vinhas,

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pelo vale botou roça, milagrando aquele chão que era só pedra e areia grossa. Mas um dia, quando o trigo já alourava, embalada na canção bonita e estranha do estrangeiro que plantara também cabelos louros no cocuruto da montanha, a bugra, embevecida, se deitou sobre o trigal - e adormeceu. Foi aí que o italiano, que já vinha sentindo qualquer coisa diferente derredor, como a presença de alguém, foi até lá, de gatinha, e deu com a bugra nuinha, ferrada no sono bom.

em

Per bacco! Houve um estremecimento mais violento no trigal... ------------------------------------------------------ Cala o bico, bem-te-vi! Faz que não viu! ------------------------------------------------------ Dandá, dandá pra ganhá tem-tem! - Figlio mio!

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Ernani Fornari celebrizou-se com a biografia – O Incrível Padre Landell de Moura. Sua fama cresceu e afirmou-se com as peças teatrais: Iaiá Boneca, Sem rumo, Sinhá Moça Chorou. Esteve presente no jornalismo do Estado - Correio do Povo, Diário de Notícias, Revista do Globo. Em 2002, a IDEPUCRS publicou livro de contos Teoria da Bengalada, textos preparados pelo Prof. Ir. Elvo Clemente. Faleceu a 8 de junho de 1964, no Rio de Janeiro. De Rio Grande vamos às ribanceiras do rio Uruguai, a Itaqui, ali nasceu no dia 19 de julho de 1898 Paulo Corrêa Lopes, filho do engenheiro José Corrêa Lopes e de Dona Maria Dolores Musa Lopes. Órfão aos 11 anos mudou-se com sua mãe para São Paulo, aprendeu a ler aos 12 anos. Diplomou-se em 1918 na Escola Normal. Até 1929 lecionou em escola estadual, transferiu-se depois para Porto Alegre, sendo funcionário da Secretaria do Interior do Rio Grande do Sul. Nesse tempo exerceu várias atividades além do magistério, jornalista, redator do jornal do Estado. Converteu-se ao catolicismo em 1933. Em 19 de julho de 1939 casou-se com a Doutora Íris Potthoff. Do casal houve dois filhos: José Paulo e Antonio Luís.

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A produção poética de Paulo começou em 1919, em São Paulo, Penumbra, seguiram-se: em 1931 Poemas de mim mesmo; em 1932 - Caminhos; Em 1938 - Poemas da vida e da morte; em 1943 - Canto de libertação; em 1958 - Novos Poemas. Em 1959, Guilhermino César e Santiago Naud promoveram a edição de Obra Poética, pela Divisão de Cultura do Rio Grande do Sul. Em 1991 realizou-se a edição crítica da Obra Poética de Paulo Corrêa Lopes orientada por nós, pela Profª Mirna Dietrich e editada pela EDIPUCRS, Instituto Estadual do Livro e FAPERGS. Paulo Corrêa Lopes perambulou em sua poesia pelos vastos ambientes da natureza, do gosto das coisas naturais com seu sabor sensual e mórbido. Deixando as estepes mornas e traiçoeiras voltou-se ao misticismo, à procura do senso mais profundo da poesia que reside no âmago do ser. Aí ouvimos o seu convite: “Vamos sentir a alma das coisas num beijo mais longo que nos faça acreditar que fomos nós que acendemos, as estrelas do céu. (Convite, Obra Poética p. 50)

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Pela intuição penetra fundo na natureza, no mundo do eterno. “Intuição, olhar de Deus em nós, deixa-me penetrar o meu ser até o âmago” (Intuição, Obra Poética, p.181) No silêncio vai desafiando a profundidade dos seres: “Quem quiser saber o que dizem os elementos terá que se debruçar sobre o nosso abismo, irmãos. Temos o segredo da vida porque ouvimos a voz de Deus e benedizemos o seu nome no silêncio de nossa alma”. ( A noite não nos ouve, Obra poética, p.195) Lança um olhar sobre a tarefa do crítico e mostra como não se faz análise e crítica dos poemas impunemente: “O crítico esquartejou o poeta e depois ficou, sem perceber, com as mãos, com a boca, com as ventas inundadas de poesia...” Não posso encerrar estas palavras sobre o poeta, sem transmitir o seu grande desafio:

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LARGAI AS VELAS Largai as velas que o mar é largo! Para longe, para o fim de tudo! Largai as velas E vereis como é mais bela a vida Entre relâmpagos e abismos! Largai as velas que o mar é largo e embala os corações que não tremem diante do mistério. (Obra Poética, p.75) Do Itaqui vamos a Santa Maria, coração do Rio Grande, a cantar. Encontramos o poeta Armindo Trevisan, nasceu em 1933. Doutorou-se em Filosofia na Universidade de Friburgo (Suíça). Estudou e defendeu o problema da Criação em Bergson (1963). Em 1964 recebeu o Prêmio Nacional de Poesia “Gonçalves Dias”, da União Brasileira de Escritores com o livro “A Surpresa do ser”. O júri estava constituído por Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira e Cassiano Ricardo; Armindo publicou: Abajur de Píndaro, 1972; O Ferreiro harmonioso, em 1978; A Dança de Fogo, em 1996, Prêmio APLUB; Os olhos da noite, em 1997. Os livros dele foram traduzidos em alemão, italiano e espanhol.

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Hoje apresento ao distinto público - O Canto das Criaturas, uma biografia lírica de São Francisco de Assis, da UNIPROM, 1998. O poeta percorre a vida poética do Poverello de Assise, recitando relatos e pequenos casos. Interpela o Santo – Nas ruas de Assis. De tantos amigos. Ó Francisco, o que restou? Para onde foram? De tantos amigos de noitadas nas ruas de Assis, sob o luar, de companheiros sem rei nem lei, o que restou? Suas cinzas voam sobre o campanário da Basílica onde, num sarcófago de pedra, tu mesmo repousas. Estarão contigo, na pátria suspirada. em que as mãos de dão, multiplicadas livres dos que as prende aos nossos sonhos? De tantos amigos, Ó Francisco, restou um cometa rutilante que trespassa o céu, e aflora a terra, por onde o carinho sobe e desce, enquanto Bernardo, João, Felipe,

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e um medieval cruciferário (antigo leproso), te acompanham às fontes mortas da extroversão. Para onde foram os teus amigos que faziam corar a bela Assis com trajes de luxo, com pedaços de saco entre as sedas elegantes? Restou teu semblante! E a lição que a amizade dá aos solitários quando ao gato, ao cão, e às prostitutas confiam o abismo da solidão.

A DESPEDIDA Sê bem-vinda, Irmã Morte! Já morri Quando a meu pai lhe devolvi as vestes! Outras vezes ganhei a vida, dando-a em troca da nudez maravilhosa da luz! Agora o nosso Pai Altíssimo quer que este frágil corpo se ilumine com o gelo da pedra que cobriu a sua sepultura. Sê bem-vinda, Irmã Morte, que foste derrotada pelo nardo do vaso que quebrou nossa irmã Madalena! Brevemente, ungido pelo óleo da partida, também eu, filho pródigo, voarei

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até ao palácio do Senhor meu Rei. Com minha nudez total, deitai-me à terra: Da terra vim, e à terra tornarei. Mas antes de partir, mostrai-me Assis! Ó cidade bendita onde nasci! Eu te abençôo, pois em ti resplende a glória do Senhor que te escolheu para reino de todos os que buscam perfumes de uma vida santa e pura. Abençoada Assis! Cidade bela! Que sobre ti repouse a mão de Deus! E não te falte, nunca, nos caminhos, a luz, a água, o amor...e os passarinhos! No andejar por este mundo de Deus e das criaturas o poeta vê, contempla, ouve e escuta, penetra os segredos numa louvação intérmina que vai além do firmamento, dos astros e do infinito, o reino “l’ amore que move il sole ed altre stelle”. (Paradiso XXXIII, 145) Referências -

BREMOND, Henri. Preghiera e poesia.

-

COLLI, Giorgio. O Nascimento da Filosofia, editora UNICAMP, Campinas, 1988.

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-

FORNARI, Ernani. Trem da Serra. Livraria Editora Acadêmica, Porto Alegre, 1987.

-

MOREIRA, Alice Campos. Lobo da Costa Obra Poética. EDIPUCRS/IEL - Porto Alegre, 1991.

-

LOPES,

Paulo

Corrêa.

Obra

Poética.

EDIPUCRS/IEL, Porto Alegre, 1991. -

TREVISAN. Armindo. O Canto das Criaturas – uma biografia de São Francisco de Assis, UNIPRON, Porto Alegre, 1991.

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A História: Memória e Mestra da Humanidade Ivo Arzua Pereira9 Um Ideal Olímpico : “Mens Sana In Corpore Sano” (Mente sã em corpo são)

Leitor e admirador do famoso historiador inglês Toynbee (Arnold Joseph- 1889...? ), autor da celebre obra “ A Study of History ” ( 1934-54) todavia, apoiado nas lições da Olimpíada 2004, ouso discordar de sua afirmação de que : “ Retirai dos homens a vaidade e a ambição e estareis acabando com os heróis e os patriotas ”. Provavelmente Toynbee escreveu esse pensamento em um momento de desilusão e pessimismo, de que ninguém está livre, ou talvez mesmo por uma incorreta acepção da palavra herói. Sempre acreditei que o conhecimento da língua para o uso correto das palavras-a semântica, e a adequada expressão dos pensamentos e sentimentos, não é apenas um requisito lingüístico, literário, científico ou de comunicação mas, o que é talvez mais importante, é condição primordial 9

Fundador da Academia de Cultura de Curitiba-, 1ºPresidente e Presidente de Honra .Academia Sul- Brasileira de Letras – VicePresidente – presidindo a Seção do Paraná.

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para o bem-estar pessoal, familiar, social e igualmente para a Paz Mundial. Eis porque, relembrando um artigo que publiquei 25 anos atrás ( 13/08/1979) , sob o título “Quem Precisa de Heróis ? ”, no Jornal Gazeta do Povo, decidi fazer uma breve digressão sobre o significado e a importância da palavra herói, com base nas seguintes perguntas: que é um herói ? ; o mundo moderno precisa de heróis? O escritor S.L.A. Marshall, autor de “ We Must Have Heroes ? ” (Devemos Ter Heróis?), argumenta que: “Se a vida neste planeta chegar a degenerar a um tal grau , que os grandes riscos

pelo bem dos demais já não

parecem dignos de serem assumidos por alguém, teríamos então a imagem perfeita da total rendição ao egoísmo, que eventualmente

resultaria

em submissão

passiva à

tirania”. Josef Pieper,

que escreveu “Heroism and

Fortitude”, adota idéias semelhantes às de Marshall e defende a necessidade permanente de atos de heroísmo e, em conseqüência, do continuo surgimento de heróis, em uma gama variada, desde o mártir até o herói anônimo: O mártir é verdadeiramente um herói , como também o é todo o indivíduo modesto ou desconhecido, que arrisca sua vida

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pela verdade e pelo bem, seja no categoricamente dramático ato de martírio ou na dedicação de toda uma vida, em submissão à absoluta vontade de Deus, à custa do próprio bem-estar mundano”. Esposando a idéia de que uma verdadeira democracia não deve apegar-se à idéia exclusiva de que herói é apenas aquele que oferece sua vida em holocausto aos seus ideais, o escritor Sidney Hook (“ The Hero and Democracy”) defende a tese de que,

“ em uma

democracia , os heróis devem ser as grandes figuras do panteão do pensamento, os homens de ideais , de visão social, de realizações científicas e de poderio artístico. Pois são estes homens os que dão forma aos idéias intelectuais e atitudes dos cidadãos , os quais sem adequados conhecimentos, percepção rápida e vontade educada, não conseguem compreender nem alcançar a promessa da Democracia”. Compartilhando de tais pensamentos, em essência, resta ressaltar o de A.M. Schlesinger Jr. (“The Decline of Greatness”): “Se nossa Sociedade perdeu seu desejo e inclinação por heróis e sua habilidade para produzi-los, é bem possível que também já tenha perdido tudo o mais”.

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Com fundamento nessas primorosas concepções sobre o heroísmo e sua importância nas democracias, poder-se-ia complementar a definição de Sidney Hook da seguinte maneira: “em uma Democracia, os heróis devem ser os cidadãos idealistas, que apresentam qualidades exponenciais nos âmbitos do civismo, do patriotismo, da política, da literatura, da ciência e - porque não? - do esporte, que põe em prática o ideal da antiga Grécia : “ Mens Sana In Corpore Sano ” (mente sã em corpo são) Poder-se-ia também dizer que herói é, antes de tudo, um perfeccionista que aspira a melhorar sempre mais tudo aquilo que, para os outros, já é muito bom. Nesta ordem de idéias nós brasileiros devemos estar sumamente jubilosos porque, nestas Olimpíadas 2004, a nossa democracia testemunhou a existência de heróis brasileiros que conquistaram dez medalhas olímpicas, sendo : a)- medalhas de ouro (4):

vôlei

masculino, Giba, paranaense; vela-star: T. Grael/Marcelo Ferreira; vôlei de praia: Ricardo/Emanuel , paranaense; vela-laser: Robert Scheidt; b)- medalhas de prata (3): hipismo-Rodrigo Pessoa; futebol feminino; vôlei de praia feminino: Adriana Behar/Shelda ; c)- medalhas de bronze (3): judô meio-médio: Flávio Canto; judô-leve- Leandro

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Guilheiro;

maratona-Vanderli

Cordeiro

de

Lima,

paranaense, um verdadeiro supercampeão. E jamais poderia esquecer, é claro, a incomparável ginasta Daiane, exemplo de persistência, amor e sacrifício pelo seu ideal esportivo e artístico. Esses gloriosos

campeões olímpicos, verdadeiros

exemplos para as novas gerações, nos trazem à mente um dos magistrais pensamentos de Rui-Barbosa em sua “Oração aos Moços”: “essa mocidade não seguia partidos, nem militava em facções. Amava no Universo a Ciência, no Homem o Bem, na Pátria o Direito. Só se inflamava pela Verdade, pela Liberdade, pela Humanidade ” e, poder-se-ia dizer também, pela Perfeição . Para recompensar essas gloriosas conquistas desses campeões olímpicos, seria justo perpetuar seus nomes em centros esportivos de todo o Brasil e, até mesmo, em panteões em Brasília e em seus Estados de.origem. Honra a quem nos honra!

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QUESTIONAMENTOS Olga Maria Dias Ferreira10

Às vezes me ponho a pensar, se os questionamentos que me assaltam, nos dias de hoje, são frutos da maturidade ou, se a vida está mesmo difícil de entender, em uma “primeira pensada”. Confesso não entender bem a atualidade e isto me faz lembrar, com extrema nitidez, palavras de meu saudoso Salvador, quando me dizia: -

Olga, há um momento certo para morrer. Os valores sofrem tantas modificações, invertem-se de tal maneira que se torna difícil acompanhar a “onda” dos tempos.

Isto, em absoluto, queria dizer que estava predisposto a partir. Eu o entendia como ninguém e sabia tratar-se de um desabafo, apenas, de um ser altamente espiritualizado, a encontrar-se ante DÚVIDAS incessantes a conturbar-lhe a alma. Hoje, mais do que então, compreendo suas “catarses” ao presenciar os fatos. Exemplificando. Em um país, onde se apregoa aos quatro cantos o preceito constitucional de 10

Membro da ASBL – cad.27, cujo patrono é LANDELL DE MOURA

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que somos todos iguais perante a lei, ou seja, execrando o preconceito de qualquer natureza, como podem “legislar”, regulamentando a concessão de tal ou qual porcentagem a negros, quer nas universidades, quer na oferta de empregos. Por acaso esta não é a manifestação concreta da discriminação? Existe tal dispositivo legal em relação a brancos? Se não, cabe observar. Eu jamais me questionei a respeito

de colegas,

alunos, amigos,

companheiros,

subalternos, no que se relaciona a cor de sua pele. Sempre me detive em sua capacidade intelectiva, principalmente, nas escolas onde trabalhava, fossem brancos ou pretos. E, saibam , eu os tive em grande quantidade, ao longo de trinta anos de magistério. Jamais me passou pela cabeça fazer qualquer distinção. Isto seria contra meus princípios éticos e religiosos, sem estar preocupada com a imposição legal.Nem nunca ouvi apregoar algo a respeito. Dirão que falo de um fato isolado. Correto. Que, no Brasil, a discriminação não existe de direito, mas de fato. Concordo. Isto, lamentavelmente, ainda ocorre, nos dias de hoje, em pleno século vinte e um. Tal é o fato TÁCITO. Mas e daí, decretar determinado número de vagas

nos meios

universitários e no mercado de trabalho para negros, não o é, de forma EXPRESSA? Sob minha ótica, desvirtua-se,

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LEGALMENTE, o preceito da CARTA MAGNA. Outro agravante

se

constitui,

indubitavelmente,

na

institucionalização do DIA DO NEGRO. Existe o DIA DO BRANCO? O, do Índio, bem como os demais,(da mãe, do pai, da criança, do trabalhador, dos avós) interpreto como homenagem.Em relação ao DIA DA MULHER, sou, pelos mesmos motivos, frontalmente, contra.

Francamente, está

sendo complicado entender os valores de hoje e a forma como são interpretados. E, para agravar esta questão dúbia, o Chefe do Executivo infla o peito, clamando pelo desarmamento. Não me deterei no mérito e declaro não ser a favor das armas, pois me considero pacifista por índole e formação. Mas, permitam-me,

apenas, uma pergunta: -

Como ficam os bandidos, os infratores, os delinqüentes (que antes de tudo são doentes)? Serão desarmados? Quando, como e onde? Com a resposta quem se considerar apto a proporcionar-me qualquer esclarecimento. Obrigada, desde já.

REFLETIR É PRECISO 102


Olga Maria Dias Ferreira Há momentos em que nos sentimos predispostos a um questionamento incessante. Pode ser resultado da maturidade, é claro, mas também ocorre, freqüentemente, pela simples observação do cotidiano. Basta engajar-nos em um grupo para se nos depararem situações as mais esdrúxulas. Em qualquer lugar, meio, nível ou classe social. Tantos, os desacertos, as frustrações, os desencontros, que, de pronto se nos parece incrível a assertiva filosófica de que o homem é o ser social por excelência. É certo de que nos buscamos uns aos outros com

necessidades as mais

variadas. Um ideal comum, por exemplo, o sentido da fé, a ânsia de proteção, o desejo de compartir, a busca da felicidade, o encontro do amor ou a fuga da solidão. Sejam quais forem os motivos propulsores das aproximações mostram, desde logo, sua fragilidade, na maioria das vezes. Ao estabelecer-se uma relação, percebemos apenas a aparência das intenções, não raramente encobertas de objetivos bem diversos. Podemos exemplificar melhor, se

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nos valermos dos grupos agregados em nome da fé. De início tudo vai bem. Tudo corre conforme apregoam os mandamentos daquela determinada seita. Todos comungam do mesmo ideal. Reverenciam a divindade com igual convicção. Defendem

seus valores com semelhante

determinação e confiança. Até que, como em qualquer relacionamento animal, racional ou não, surge a imperiosa necessidade da hierarquia. Todos a respeitam. Equívoco. Inicia-se, lamentavelmente, a situação de conflito, pura e exclusivamente, pela “fogueira inexcedível das vaidades”. A liderança se sente ameaçada, inesperadamente, pela falta de escrúpulo de muitos que não aceitam ser comandados, ainda que, por um pequeno período de tempo. As falsas estrelas, os diamantes enganosos, os oportunistas do momento, buscam disseminar a contenda, a discórdia e o engodo, motivados pelo mais terrível defeito: A INVEJA. Corroem-se

as

estruturas,

esvaziam-se

os

templos,

dispersam-se os adeptos, dissolvem-se as crenças. A certeza de um BEM MAIOR que se sobreponha aos mesquinhos interesses pessoais é relegada a segundo plano, dada a incompatibilidade de ver apregoada A VERDADE e praticada A FANTASIA. Se existe uma realidade aquilatada como um bem verdadeiro, deve ser, sempre, sem oposições

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ou disputas, defendida de modo coeso, em defesa do bem comum a que deve corresponder. Lamentavelmente, não é o que constatamos no dia a dia de nossas realidades. Somos imperfeitos. Dirão que isso é natural. Com o que concordamos. Discordamos, veementemente, todavia, na negligência e omissão na busca do crescimento. Se aqui estamos, nesta passagem, deverá ser, justamente, para empreender o esforço de conquistarmos nossa melhoria espiritual, para crescermos, enquanto seres humanos, dotados de razão e vontade, matéria e espírito e, com isso, a valiosa capacidade de discernir entre o bem e o mal. Não nos basta haver sido concedido o livre arbítrio, se nos deixamos levar pela ganância do poder e o devaneio da vaidade. Se Deus, em sua Infinita Misericórdia nos proporcionou a faculdade de decidir, façamos jus a Sua Benevolência,

na preponderância do bom, do certo, do

justo e do verdadeiro. Roguemos para que possamos enxergar no outro, nosso irmão, no convívio, a fraternidade, na entrega, o amor. Sejamos dignos de havermos sido criados à Sua imagem e semelhança, a fim de que possamos legar, um dia, exemplo de dignidade e honra a nossos descendentes. Não tem sido isto, infelizmente, o que nos tem mostrado a história universal e que ainda, nos dias

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atuais, reproduzimos, vivenciando o estado confusional da Torre de Babel. Praza aos Céus, possamos, em algum tempo, em qualquer lugar, sentir que somos iguais, amandonos e respeitando-nos como apregoou Cristo em sua passagem entre nós, fazendo-se nosso Irmão e, mais do que tudo,

sintamos que

apenas na humildade e no amor

poderemos viver a PAZ

e estabelecer a verdadeira

compreensão entre os homens.

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O Chasque do Imperador e Simões Lopes Neto Ângela Treptow Sapper

João Simões Lopes Neto nasceu em Pelotas em 9 de março de 1865 e faleceu em sua cidade natal em 14 de junho de 1916. Manteve contato com a vida campeira somente durante sua infância, mas seu grande interesse pelo resgate da cultura gaúcha e sua linguagem regionalista induzemnos a crer que ele fazia o tipo do gaúcho tradicionalista. Foi colaborador do jornal Diário Popular, redator de A Opinião Pública e editor do Correio Mercantil. Escreveu várias peças teatrais e publicou Contos Gauchescos (1912), obra que o imortalizou, além de

Casos do

Romualdo (1952) e outras publicações póstumas. Não podemos estudar a obra de Simões Lopes Neto sem nos reportarmos à questão do regionalismo, utilizado essencialmente em sua linguagem. Podemos afirmar que ele foi um grande coletor de lendas e casos do imaginário gaúcho e

seu mérito reside especialmente na forma de

contar e na retratação fiel da linguagem do homem do 107


campo. Sua narração é dinâmica, em primeira pessoa do singular, com um narrador-personagem e testemunhas. Blau Nunes tem um papel importantíssimo em Contos Gauchescos e, em especial, no conto Chasque do Imperador, objeto de nosso presente estudo. Será ele, Blau, quem irá narrar os casos, ora de forma onisciente, ora participando como personagem. Será o responsável pela unidade da obra e a tornará um relato típico da cultura riograndense, carregada de dialetismos e de elementos essenciais do imaginário gaúcho. Blau é o “guasca sadio, a um tempo leal e ingênuo, impulsivo na alegria e na temeridade, precavido, perspicaz, sóbrio e infatigável e dotado de uma memória de rara nitidez”. Outro fator importante no conto é a oposição herói / anti-herói. O herói sempre é o gaúcho, com qualidades evidenciadas: moreno, forte, honesto, valente, leal, franco e que gosta de comer carne.

Em oposição, o anti-herói

representa o forasteiro, que é loiro ou ruivo, olhos claros, dissimulado, frágil, covarde, vegetariano. Essa oposição é forte no conto em questão, que se passa durante a visita do Imperador D. Pedro II ao Rio

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Grande do Sul, por ocasião da Guerra do Paraguai e do cerco de Uruguaiana. Assim, podemos notar que Blau, dito por ele mesmo, era extremanente leal, valente, forte e tendo todas as características já enumeradas anteriormente: “Quando foi do cerco de Uruguaiana pelos paraguaios em 65 e o imperador Pedro II veio cá, com toda a frota da sua comitiva, andei muito por esses meios, como vaqueano, como chasque, como confiança dele; era eu que encilhava-lhe o cavalo, que dormia atravessado na porta do quarto dele, que carregava os papéis dele e as armas dele.” “... sou um gaúcho mui cru; mas, para cumprir ordens e dar o pelego, tão bom haverá, melhor que eu, não!” Os outros companheiros de Blau, também gaúchos, tinham características semelhantes: “Cada um, firme como um tarumã; as guascas, das melhores, as garras, bem postas, os metais, reluzindo; os fletes tosados a preceito, a cascaria aparada ... e em cima de tudo – tirante eu – uma indiada macanuda, capaz de bolear a perna e descascar o facão até pra Cristo, salvo seja!”

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“Tudo isto é indiada coronilha, criada a apojo, churrasco e mate amargo ... Não é como essa cuscada lá da Corte, que só bebe água e lambe a ... barriga!...” Já o imperador é visto como um forasteiro: “Na testa, vinha um homem alto, barbudo, ruivo, de olhos azuis, pequenos, mas mui macios. ...o ruivo, assim a modo um gringo, vinha todo de preto, com um gabão de pano piloto, com veludo na gola e de botas russilhonas, sem esporas. Pela pinta devia ser mui maturrango.” “O imperador – esse era meio maricas, era! ...” “O imperador, com toda a sua imperadorice, gurniu fome!... “... Quê! Pois vossa majestade come carne? Disseram-me que as pessoas reais só se tratavam a bicos de rouxinóis e doces e pasteizinhos!...Vamos já a um churrasco ... que eu, também, não agüento estas porquerias!...” Como se verifica no trecho anterior, existe o contraste entre os hábitos requintados da corte de D. Pedro e a rusticidade do gaúcho. O imperador é caracterizado como requintado, claro, voz fina, jeito de maricas; já o

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gaúcho é simples, forte, moreno, viril, qualidades importantes na cultura rio-grandense. Outro aspecto importante do conto é a valorização da paisagem do pampa. O gaúcho é um amante da natureza e da vida e a sua simplicidade, honestidade e rusticidade são também exaltadas. Em toda a narrativa, existe um resgate do regionalismo, supervalorizando o tempo passado em detrimento do presente. Simões é, sem dúvida, um dos grandes expoentes da literatura gaúcha e sua contribuição estende-se à literatura brasileira, pois vê o regionalismo sob outro prisma; aproveita-se da paisagem típica, do linguajar tradicionalista, da construção das personagens para construir o seu regional. Mas o aspecto primordial de sua obra é a exploração dos conflitos vivenciados pelo gaúcho, que são situações, na verdade, experimentadas por todos os homens e, nesse sentido, Simões Lopes Neto torna-se universal e eterno. NETO, João Simões Lopes. Contos gauchescos. São Paulo: Editora Globo, 2001.

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CULTURA E COMUNICAÇÃO

Kenia Maria Menegotto Pozenato

✴Τ

Loraine Slomp Giron

Os nexos entre comunicação e cultura tornam-se fundamentais na medida em que se ampliam as redes de energia elétrica e se vulgariza o uso da telefonia, e, ainda, a utilização dos novos

meios de comunicação como a

televisão e a Internet. Estes meios passam a ser utilizados em regiões antes isoladas, como a zona rural. Na medida em que se amplia a utilização desses meios, as culturas notadamente marcadas pelo tempo e pelo espaço, passam a ser permeadas por eles, colocando em cheque o princípio de estabilidade dessas culturas. São vínculos interculturais que possibilitam mudanças significativas. Drª em Ciências da Informação e da Comunicação pela Université D’Aix-Marseille, França e Professora do Departamento de Comunicação da Universidade de Caxias do Sul. Τ✴ Drª em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade de São Paulo e Professora no Departamento de História e Geografia da Universidade de Caxias do Sul. Τ

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Entendendo a cultura como fenômeno histórico e fenômeno regional, e não apenas como um

conceito

teórico, no mundo contemporâneo ela está sujeita a um impacto cada vez maior na medida em que aumentam os apelos da comunicação e do mercado. O objetivo deste artigo é o de identificar como a cultura é marcada pelos meios de comunicação, através da análise bibliográfica sobre dois temas fundamentais e intervenientes na questão: cultura e comunicação. SOBRE A CULTURA Entende-se por cultura o resultado de um conjunto de saberes e de fazeres que vão se transformando na medida em que crescem as necessidades humanas, o que afeta de forma direta as instituições sociais, que se tornam cada vez mais complexas, quer sejam construídas de baixo para cima ou de cima para baixo, ou seja, a partir da infra ou da superestrutura. Com o aumento das necessidades, e estas aumentam de forma constante e inequívoca, há o surgimento de novas tecnologias

e a criação

de novas

instituições

ou

organizações que se tornam parte integrante da sociedade.

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A mudança nos meios de comunicação e a criação de novas organizações como a Internet, ao mesmo tempo em que mudam as necessidades, podem alterar também a cultura. Parte-se do pressuposto de que o processo cultural, sendo de construção e de transmissão, também o é de mudanças. Foi

Lévy-Strauss,

através

de

sua

análise

antropológica, que ocasionou profundas mudanças

na

interpretação da cultura através do reconhecimento das estruturas simbólicas do pensamento dos povos ágrafos. Segundo estudos antropológicos atuais, a cultura pode ser vista como sistema: cumulativo, estrutural e simbólico, ou seja, um código de símbolos partilhados pelos membros da cultura11. O sistema cognitivo “consiste de tudo aquilo que alguém tem de conhecer, ou acreditar para operar de maneira aceitável dentro de sua sociedade”.12 Para LévyStrauss, cultura, como um sistema simbólico, “é uma criação acumulativa da mente humana. O seu trabalho tem sido o de descobrir na estruturação dos domínios culturais – mito, arte, parentesco e linguagem - os princípios da 11

LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997. p.64 12 LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997. p.62 114


mente que geram essas elaborações culturais.”13 E, finalmente, segundo

De Geertz, a cultura deve ser

considerada “não um complexo de comportamentos concretos mas um conjunto de mecanismos de controle, planos, receitas, regras, instruções (que os técnicos de computadores chamam de programas) para governar o comportamento” 14. Segundo Pinker,” a cultura é um fundo comum de inovações tecnológicas e sociais que as pessoas acumulam para ajuda-las na vida e não um coleção de papéis e símbolos arbitrários que por acaso surgem para elas”15. Este fundo é apreendido de forma individual através sob o ponto de vista informacional, e de forma coletiva pela normativa e pelo convencionalismo, ou seja, a cultura resulta da imitação, das normas e das convenções. Desta forma, estaria afetada diretamente pelo convívio individual, social e pela tradição. Tais conceitos representam agenciamentos espaçotemporais. A cultura está marcada pela região, inclusive 13

LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997. p.62 14 LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997. p.63 15 PINKER, Steven. Tábula Rasa: a negação contemporânea da natureza humana. Traduação Laura T. Mota. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. p.99 115


pelo espaço geográfico. A herança cultural de um povo que vive nas regiões frias como os esquimós não é nem pode ser a mesma dos nativos da floresta amazônica ou

a dos

habitantes de São Paulo. “Esse caráter geográfico define certos costumes, artes, religiões etc. como pertencentes às regiões em que eles existem”16. Cada grupo de indivíduos possui marcas espaciais da cultura, como modo e materiais para erguer as habitações, alimentos que consomem, vestuário, modos de locomoção. Por outro lado, há ainda as heranças culturais, valores, hábitos, costumes, religiões que os identificam e os diferenciam dos demais. Cada região, portanto, tem uma identidade própria, que se revela pelos seus traços culturais. Cada grupo social representa uma cultura única e os elementos dessa cultura têm significados diferenciados dentro de cada contexto espacial e temporal. Há na cultura, por outro lado, uma forma de resistência às mudanças, uma certa força centrífuga que garante sua sobrevivência. Santaella17 chama esta forma de resistência princípio de estabilidade: Entretanto, para se processar,

a

mudança

enfrenta

a

resistência

da

16

SANTAELLA, Lucia. Culturas e artes do pós-humano: da cultura das mídias à cibernética. São Paulo: Paulus, 2003. p. 44. 17 SANTAELLA, Lucia. Culturas e artes do pós-humano: da cultura das mídias à cibernética. São Paulo: Paulus, 2003. p. 45. 116


estabilidade, um princípio também necessário como garantia de coesão para sobrevivência da cultura. Já a cultura para Hegel constitui um caminho na construção do saber que depende do Estado no qual se vive Tal princípio vem a ser, na história, a determinação do espírito um espírito nacional. É aqui que ele exprime

concretamente

todos

os

aspectos de sua consciência e da sua vontade, a sua realidade plena, isto é, que confere um cunho comum à sua religião, à sua criatividade, à sua política, à sua ética social, à sua ordem política e aos seus costumes, mas também à sua ciência e às aptidões técnicas.18

O que levou Goombrich a concluir: Agrada-me representar em diagrama o conteúdo

deste

parágrafo,

extremamente importante, como uma roda, de cujo eixo irradiam oito raios, que

representam

as

várias

manifestações concretas do espírito 18

GOMBRICH,E.H. Para uma história cultural. Tradução de Maria Carvalho Lisboa: Gradiva, 1994. pp. 24 -25 117


nacional,

(...)

São

a

religião,

a

constituição, a moral, as leis, os costumes, a arte e a tecnologia da nação.19

Usando a imagem da roda, a cultura seria dotada de uma força centrífuga que amarraria suas partes em torno do eixo central, sua força centrípeta seria menor, dependendo da fragilidade dos eixos.

SOBRE A COMUNICAÇÃO Enquanto o conceito de cultura evolui teoricamente, não havendo um consenso entre os vários autores com suas diferentes posições ideológicas, a comunicação evolui no mundo real de forma surpreendente. No século XX ocorreram mais modificações nesta área do que em todos os séculos anteriores. A comunicação realmente tem início com a utilização da língua com a qual o homem passa a nomear o mundo. Segundo Hegel a grande transformação humana foi o uso da língua, pois “sem

a língua, as atividades de

19

GOMBRICH, E. H. Para uma história cultural. Tradução de Maria Carvalho Lisboa: Gradiva, 1994. p.24 -25 118


recordação e da fantasia são apenas exteriorizações imediatas”20. Com a utilização da língua e da escrita pode o homem finalmente atingir a história. Foi o uso da escrita que fez com que o homem deixasse a oralidade e o mito e entrasse para o mundo da história através do

registro

escrito de seu passado. Um exemplo clássico é o

da

escritura da Bíblia pelos judeus, onde sua cultura e suas crenças foram preservadas. Sem a Bíblia a história do povo judeu provavelmente seria outra. Passados muitos séculos, foi

a invenção de

Gutemberg que permitiu a divulgação maior do sabe, através da impressão de livros. Outros tantos séculos se passariam até que o combate ao analfabetismo permitisse a leitura e o entendimento das obras impressas. O século XIX foi pródigo em invenções que facilitaram as comunicações. Entre elas a máquina a vapor, uma das causas da Revolução Industrial que possibilitou sua utilização em trens e em navios, facilitando a conexão entre regiões distantes e culturas diferentes. O telégrafo e o telefone outras invenções técnicas que mudaram a história do mundo, interligando-o, acelerando a recepção das mensagens e superando distâncias espaciais. 20

HEGEL. G.W.F. Textos dialéticos. Tradução Djacir Menezez. Rio de Janeiro: Zahar, 1969. p. 61 119


No último quartel do século XX houve um incremento nos meios de comunicação, com o avanço da televisão e, mais recentemente, da Internet. A televisão exigiu novos hábitos do espectador, muito diversos daqueles exigidos ao ouvinte de rádio. Para acompanhar os programas de televisão não é possível realizar tarefas fora do recinto onde ela se encontra, ao contrário do que acontece com o rádio, que pode ser levado pelo ouvinte para o local das suas atividades, inclusive a lavoura. Tal forma de manter o espectador preso aos programas propiciou condições para estabelecer comparações entre a sua vida e a daquelas apresentadas pelo programa. Mais radical ainda é o contato através da Internet, onde o usuário permanece de certa foram plugado ao computador para garantir o acesso ao meio. O rádio trouxe mudanças marcantes com sua instantaneidade

nas

informações,

alterando

comportamentos e ritmo de vida. A fotografia trouxe consigo a discussão sobre o que é ou não arte e libertou o artista da reprodução da natureza, levando-o a tentar captar a luz, o movimento, as sensações de cada momento único. O telefone, unido à vulgarização do uso da eletricidade, permitiu a comunicação à distância. O cinema criou uma

120


nova linguagem, a linguagem cinematográfica, que serviu de base para a linguagem da televisão e do vídeo. A televisão introduziu mudanças ainda mais profundas, atingindo comportamentos individuais e sociais, alterando e globalizando culturas de tal forma que permitiu a McLuhan21 denominar o mundo de “aldeia global”. Da Internet, não se conhecem ainda todas as possibilidades, muito menos todos os efeitos, mas, como os demais meios de comunicação, age sobre a sociedade, globalizando-a ainda mais com a velocidade na difusão mundial da comunicação,

levando

a

novas

linguagens

e

comportamentos, sobretudo entre os jovens. Segundo Santaella22, a televisão, com seu apetite voraz, devoradora de quaisquer formas e gêneros de cultura, tende a diluir e neutralizar todas as distinções geográficas e históricas, adaptando-as a padrões médios de compreensão e absorção. A Internet, tal qual a teia que a identifica, atrai e fascina novos usuários, prendendo-os no uso de suas incontáveis possibilidades, entre as quais o acesso imediato ao saber. 21

MCLUHAN, Marshall. La galaxie Gutemberg. Montréal: H.M.H./Paris: Mame, 1972. 22 SANTAELLA, Lucia. Culturas e artes do pós-humano: da cultura das mídias à cibercultura. São Paulo: Paulus, 2003. 121


CULTURA E COMUNICAÇÃO Nos tempos atuais há um evidente avanço da mídia, tanto em termos de expansão de sua influência como em sua variedade. Não é por outro motivo que Bairon afirma: Propiciada, entre outros pelas mídias digitais,

a revolução tecnológica

que

estamos atravessando é psíquica, cultural e socialmente muito mais profunda do que foi a revolução provocada pela invenção de Gutemberg. E ainda mais profunda do que foi a explosão da cultura de massas, com seus meios técnicos

mecânico-

eletrônicos de produção e transmissão de mensagens. Tais transformações são tão vastas a ponto de atingir proporções antropológicas. 23

Desta forma, segundo alguns autores, nos dias que correm a mídia tem importância até nas transformações antropológicas, sendo tais mudanças tão profundas quanto a do advento da imprensa na sociedade européia moderna. As mudanças midiáticas são ainda mais amplas, estendendo-se 23

BAIRON, Sérgio; PETRY, Luis Carlos. Hipermídia, psicanálise e história da cultura. São Paulo: EDUCS/Mackenzie, 2000. p.7. 122


a todas as regiões da terra, podendo, pois, atingir as mais profundas regiões da psique humana. Segundo outros, porém, o papel da mídia não é considerado tão importante, tão decisivo a ponto de ser o fator principal dessas transformações. As posições dos autores com relação à influência da mídia, portanto, diferem em muitos aspectos. Há os que acreditam na influência externa dos meios de comunicação e aqueles que não acreditam (como Bosi) em mudanças culturais profundas a partir da sua influência em uma sociedade marcada pela indústria cultural. A explicação se encontra dividida entre os teóricos da Escola de Frankfurt, que defendem que a indústria cultural vai se abater de cima para

baixo

nos

consumidores

dos

produtos

delas

provenientes e os que acreditam que as idéias não podem ser impostas, mas se constróem no fazer do homem. Tal era a posição de Marx24 na introdução da Crítica à ideologia alemã. Enquanto a Escola de Frankfurt acredita no crescimento da cultura de massa a partir do crescimento do capitalismo, Marx, Engels e Gramsci defendem uma posição inversa. Os adeptos da primeira acreditam que a superestrutura pode modificar a cultura, portanto, as 24

MARX, Karl; ENGELS, F. Crítica à ideologia alemã. Martins Fontes, s/d.

Lisboa:

123


mentalidades, enquanto os segundos acreditam na força da infra-estrutura sobre a superestrutura. Na verdade, não é possível

ignorar a força da

indústria de comunicação e a de entretenimento, o que leva Swingewood25 a considerar que a cultura comercial no século XIX não teve êxito em “integrar todos os estratos sociais numa base comum universal”. Esta situação se modifica no século XX, onde: (..) em muitas sociedades capitalistas modernas, monopólios gigantescos

e

empresas multinacionais controlam hoje a rádio difusão

e a televisão, a produção

cinematográfica e a distribuição e edições em todos os níveis: o efeito mais notório destas tendências é que as revistas, os jornais e os programas de televisão não são produzidos por prestarem uma contribuição importantes à educação e à cultura, mas, antes, porque são os meios de atração de receita de propaganda .26

25

SWINGEWOOD, Alan. O mito de cultura de massa. Tradução de José R. B. Azevedo. Rio de Janeiro: Interciência, 1978. p. 92. 26 SWINGEWOOD, Alan. O mito de cultura de massa. Tradução de José R. B. Azevedo. Rio de Janeiro: Interciência, 1978. p. 92. 124


Segundo Morin27, A

cultura

de

massa

essencialmente

responde

a

esse

“hiperindividualismo” privado. Mais ainda: contribui para enfraquecer todos os corpos intermediários – desde a família até a classe

social

para

constituir

um

aglomerado de indivíduos, - a massa – aos pés

da

Super-Máquina

social.

(...)

Paralelamente, a perpétua incitação a consumir e a mudar (publicidade, modas, vogas e ondas), o perpétuo fluxo dos flashes e do sensacional conjugam-se num rimo acelerado em que tudo se usa muito depressa, tudo se substitui muito depressa (...) Um incessante esvaziamento opera-se pela renovação das modas, vogas e “ondas”.

De acordo com tal ótica, a indústria cultural se prestaria menos à difusão da cultura do que ao papel de propagandista e de vendedora de produtos cujo descarte é cada vez maior, para que o consumo se torne também cada 27

MORIN, Edgar. Cultura de massas no século XX. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997. pp. 175, 177. 125


vez maior. Assim, é possível que hajam mais vendas e divulgação de produtos do que profundas mudanças culturais. Logo, torna-se importante colocar as posições de alguns teóricos sobre a cultura de massa, e as influências que ela pode sofrer sob o impacto externo. Segundo Bosi, O andamento dos meios de massa acerta o passo com a produção e o mercado próprios de uma sociedade capitalista de feições

internacionais.

O

imperativo

categórico desse tempo social é o da fabricação ininterrupta de signos com vista ao consumo total, TV e rádio 24 horas por dia, como os postos bancários. Já há muito o cinema (a primeira grande arte da Era Industrial)

se

apresenta

em

“sessão

corrida”. A imprensa desdobra-se nas edições matutina e vespertina. O telefone, polivalente, acha-se hoje em conexão diurna

e

noturna

com

informáticos, que na opinião de

sistemas alguns,

estariam revolucionando não só a prática como o sentido de cultura28.

28

BOSI, Alfredo. Cultura brasileira: temas e situações. São Paulo: Ática, 1987. p. 9. 126


Bosi complementa sua análise afirmando que o rápido andamento da cultura de massa impede que seja absorvido pela memória, pois é descartável. “O sujeito só guarda o que a sua própria cultura vivida lhe permite filtrar (...) se não houver a crítica e a seleção das mensagens é preciso que o espírito do consumidor conheça outros ritmos que o da indústria apenas. Se isso não ocorrer, ter-se-á no limite do sistema o homem, o “homem unidimensional” proposto por Marcuse29. Seguindo ainda o raciocínio de Bosi, tal influência não se concretizaria, já que “o que singulariza a cultura superior” é a possibilidade que ela tem de avaliar a si mesma; em última instância, é sua autoconsciência30. Malinowski acredita que a cultura é produto das necessidades humanas e delas depende. Com o aumento das necessidades haveria por conseqüência uma mudança cultural. Esta análise é de um lado funcional e de outra institucional.

29

MARCUSE, Herbert. A ideologia da sociedade industrial. Rio de Janeiro: Zahar, 1982. 30 BOSI, Alfredo. Cultura brasileira: temas e situações. São Paulo: Ática, 1987. p. 14. 127


A cultura é um conjunto integral de instituições em parte autônoma, em parte coordenadas. Ela se integra à base de uma série

de

princípios,

tais

como:

a

comunidade de sangue por meio da procriação;

a

contigüidade

espacial,

relacionada à cooperação; a especialização de atividades, e por fim, mas não menos importante, o uso do poder na organização política. 31

Sendo a cultura resultado de um conjunto de instituições, à medida que crescem as necessidades crescem também o número e a complexidade das instituições. Com o aumento das necessidades, e estas aumentam de forma constante e inequívoca, há o surgimento de novas necessidades e a criação de novas instituições ou organizações que são integradas na nova cultura. E a mudança nos meios de comunicação e a criação de novas organizações como a Internet, ao mesmo tempo em que mudam as necessidades, podem alterar também a cultura. Essas possíveis mudanças culturais podem ser quase irrisórias, como as evidenciadas no modo de vestir, no 31

MALINONOWSKI, Bronislaw. Uma teoria científica da cultura. Tradução de José Auto. Rio de Janeiro: Zahar, 1975. p. 46.

128


modo de falar, nos hábitos de consumo, nos valores éticos e morais e nas relações familiares.

ÚLTIMAS CONSIDERAÇÕES Durante muitos séculos o transporte das mercadorias do Nordeste brasileiro dependia do jegue. O jegue e o nordestino formavam um elemento cultural que marcava a região. A utilização do jegue deixou de ter utilidade com o advento das motos e dos bugs. Hoje a paisagem e a cultura estão mudando. Os jegues estão ou abandonados pelas praias e estradas ou sendo mortos, para que não consumam o parco alimento existente. Hoje um E-mail substitui um telegrama, a carta e até o telefone. Desta forma, a comunicação entre as pessoas mudou. Não é mais necessário sair de casa para levar uma carta ao correio ou passar um telegrama, muito menos sair para conversar com alguém. São mudanças que parecem pequenas mas que afetam a vida e a profissão de muitas pessoas como a do telegrafista, cuja função deixou de ter tanta importância.

129


Assim, são muitas as mudanças que vão afetando a curto prazo o cotidiano das pessoas e a longo prazo afetam a sua cultura. Segundo Pinker, é espantosa a forma como as culturas podem mudar. (...)

“longe se ser monólitos

autopreservativos, as culturas são porosas e fluídas”32. A imitação de soluções que deram certo para problemas comuns é uma constante nas várias culturas no decorrer do tempo. O ferro dos hititas serviu para tornar os egípcios vencedores de muitas batalhas. Da mesma forma a Internet, que passou a ser utilizada por tantos

povos e lugares,

mudando o cotidiano das pessoas. Pincker, ainda se referindo ao aproveitamento de elementos entre as culturas, diz

que,

Quando

notam,

a

história

nos

mostra,

despudoradamente tomam de empréstimo o que quer funcione melhor. A troca

de tecnologias entre as várias culturas

possibilita avanços culturais, enquanto

os homens

solitários perdem as técnicas e podem até morrer de inanição. No ciberespaço as culturas deixam o seu isolamento e podem conviver, visto que os espaço temporais podem ser vencidos. Os homens mudam, utilizam as melhores 32

PINKER, Steven. Tábula rasa: a negação contemporânea da natureza humana. São Paulo: Cia das Letras. 2004. p 101 130


soluções para os problemas específicos. E se os homens mudam, a cultura também muda. Em síntese, ninguém vai usar uma carreta se puder usar um caminhão. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAIRON, Sérgio; PETRY, Luis Carlos. Hipermídia, psicanálise

e

história

da

cultura.

São

Paulo:

EDUCS/Mackenzie, 2000. BOSI, Alfredo. Cultura brasileira: temas e situações. São Paulo: Ática, 1987. GEERTZ,Clifford. As

interpretações culturais. Rio de

Janeiro: LTC, 1989. GOMBRICH, E. H. Para uma história cultural. Tradução de Maria Carvalho Lisboa: Gradiva, 1994. HEGEL. G.W.F. Textos dialéticos. Tradução Djacir Menezez. Rio de Janeiro: Zahar, 1969. LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997.

131


MALINONOWSKI, Bronislaw. Uma teoria científica da cultura. Tradução de José Auto. Rio de Janeiro: Zahar, 1975. MARCUSE, Herbert. A ideologia da sociedade industrial. Rio de Janeiro: Zahar, 1982. MARX, Karl; ENGELS, F. Crítica à ideologia alemã. Lisboa: Martins Fontes, s/d. MCLUHAN, Marshall. La galaxie Gutemberg. Montréal: H.M.H./Paris: Mame, 1972. MORIN, Edgar. Cultura de massas no século XX. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997. PINKER, Steven. Tábula rasa: a negação contemporânea da natureza humana. Tradução Laura T. Mota. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. SANTAELLA, Lucia. Culturas e artes do pós-humano: da cultura das mídias á cibernética. São Paulo: Paulus, 2003. SWINGEWOOD, Alan. O mito de cultura de massa. Tradução de José R. B. Azevedo. Rio de Janeiro: Interciência, 1978.

132


Crítica antiga & crítica nova Luís Borges♣

♣ Poeta, tradutor, licenciado em Filosofia (UCPEL), pós-graduado em Literatura Contemporânea (UFPEL), mestrando em História da Literatura (FURG), coordenador adjunto do GPS/UCPEL e membro do NEL/CEFET-RS. Crítico literário com artigos publicados na imprensa e em periódicos especializados. Coordenador adjunto do GPS/UCPEL. Publicou: Consolos e saudades, poesia, 1991; Mãos de seda, poesia, 1992; O amor em cinco tempos, crônicas, 1995; O dia das horas minguantes, crônicas, 1996; História, resistência e projeto em Simões Lopes Neto, ensaio, 2001; Travessia do pampa, ensaio, 2003. Estes dois últimos em parceria com o prof. Agemir Bavaresco.

133


Crítica quando é boa não caduca. No máximo,

sofre

aprofundamentos

que apontam

para

horizontes apenas intuídos ou tangenciados. Mas o principal, o que faz uma crítica literária consistente, e por essa razão perene para a compreensão da obra, já deve estar ali, ainda que em germe. É o que acontece, por exemplo, com muitos artigos de Machado de Assis, Otto Maria Carpeaux, Sérgio Milliet ou Antônio Cândido, só para citar alguns dentre os grandes. Muitos trabalhos destes críticos estão tão frescos quanto no dia em que foram escritos. Não se depreenda daí, contudo, que a crítica feita no calor da hora, às vezes, cegada para elementos fundamentais pela ausência da distância histórica, a qual dilui o elogio afoito ou a incompreensão diante da novidade, seja destituída de valor pelo seu caráter, por assim dizer, datado. Ao contrário, se soubermos olhar com mais atenção poderemos perceber que seu valor reside justamente em nos ofertar um recorte do passado, ao invés da melhor critica, intemporal por definição. Uma crítica antiga nos dá um instantâneo da recepção de uma obra no momento de seu aparecimento. Os retratos não representam a eterna juventude, embora

134


algumas pessoas mantenham certos traços de beleza juvenil ao longo de toda a vida – igual à melhor crítica. Nessa medida, me apraz ler crítica antiga e compará-la com a nova. É interessante notar o quanto um grande livro ou um grande autor (nem sempre já afinado ou percebido em suas primeiras obras) diz coisas diferentes a diferentes leitores em épocas diferentes. Esta é a chamada obra de fôlego, requisito básico, segundo Ítalo Moriconi, para que venha integrar o cânone. Um autor canônico pode ser definido como aquele a quem os professores obrigam seus alunos a ler, e estes o lêem porque vai cair no vestibular. Estar citado em sofisticados manuais de história literária também é sinal de ser canônico. Porém, quanto mais ralé for o manual em que ele aparece, mais canônico é o autor. No fundo, ser canonizado é o desejo, consciente ou não,de todo autor. Pensa só: alguém ser obrigado a nos ler é a glória. Ser lido por prazer é quase uma veleidade. Li, de Paulo Becker, As faces do feiticeiro (1996), sobre Mário Quintana, e me dei conta do quanto sou leitor de crítica antiga. O mais recente estudo crítico que eu havia lido sobre o autor de Sapato florido (1947) era

135


de 1982. Fui vasculhando na memória quais os textos anteriores a essa data que conhecia. O primeiro do qual me lembrei foi A poesia impura, de Sérgio Milliet, incluso em Panorama da moderna poesia brasileira. O ano é 1952. Exatamente 12 anos após a estréia literária de Mário Quintana. Paralelamente, mais ou menos na mesma época – da segunda metade dos anos 50 até o início da década seguinte -, surge a obra coletiva organizada por Afrânio Coutinho, A literatura no Brasil. Quintana é citado nela, em estudo assinado por ninguém menos que Péricles Eugênio da Silva Ramos. Na mesma trilha, em 1965, Augusto Meyer publica O fenômeno Quintana, estudo incluso em seu livro de

ensaios

A

forma

secreta

(1965).

Tomando

aleatoriamente este exemplo, podemos encontrar nos anos 60 do século passado vários textos críticos sobre o poeta de A rua dos cataventos (1940), levados a efeito por críticos importantes, tais como Fausto Cunha e o já citado Meyer. Sua consagração literária, todavia, só se daria mesmo a partir de 1980. Eis aí a importância da crítica antiga: o que terá acontecido na obra de Quintana, na recepção dos

136


leitores e críticos decorridos 40 anos desde sua estréia como poeta? Observamos ainda nos dias atuais o quão raros são os trabalhos mais alentados ou que se proponham a dar conta do conjunto da obra do Poeta. Reside aí a importância maiúscula do livro de Becker, além do mérito da segurança e lucidez de seus juízos críticos, alicerçados em sólido conhecimento da obra do Anjo-Poeta. Becker se ocupou de maneira profunda, sem precedentes na história da fortuna crítica de Quintana, da primeira década de sua atividade literária, isto é, do período compreendido entre A rua dos cataventos e O aprendiz de feiticeiro. Não caberia nos limites despretensiosos deste artigo comentar em minúcias o livro de Paulo Becker. O que me interessa é, sumariamente, mapear na recepção feita no calor da hora aquilo que permanece válido, ainda que equivocado, e aquilo que caducou. Encontro no Jornal de crítica (1ª série, 1941), de Álvaro Lins, um de nossos críticos mais cultos, o longo artigo Poesia, 1940, dividido em quatro partes. Na primeira, ele faz considerações gerais sobre a poesia, aproveitando para comentar Rimbaud, Mallarmé, Valéry e Baudelaire.

137


Tudo isso para, nesse mesmo bloco, comentar a publicação das Poesias , de Manuel Bandeira. Na segunda parte, trata do lançamento de Estrela solitária, de Augusto Frederico Schmidt, a quem o crítico atribui uma importância idêntica a de Bandeira. Ironia! Em 8-7-2003 apresentei no Encontro Sem Palavras, evento promovido semanalmente pela Secretaria municipal de cultura de Pelotas, leituras e comentários sobre a poesia de Schmidt para uma platéia que rigorosamente o ignorava, enquanto dentre os presentes, Bandeira gozava – não sem merecimento, é claro – de total popularidade. Na terceira parte, Lins refere-se rapidamente a autores estreantes, uma vez que possui uma dezena de livros de versos para devorar. Analisando o saldo da Semana, 20 anos depois, declara que o Modernismo, após Schmidt, Drummond, Murilo Mendes, Vinicius e Jorge de Lima,

um

movimento

esgotado

em

sua

faceta

revolucionária. Deste modo, procura verificar as influências desses autores nas novas gerações. Entre os novos por ele analisados naquele artigo de 1940, um dos poucos que vingou como escritor foi – honrando a tradição paterna – o filho de Alphonsus de Guimaraens, com seu Lume de estrelas (livro de sonetos). Será nesta mesma parte que, ao

138


comentar poetas estreantes, dedica-se a analisar A rua dos cataventos, de Mário Quintana. O crítico do Correio da Manhã foi um dos mais importantes fixadores do valor do movimento modernista. Ora, em 1940 escrever um soneto (lembremos que A rua dos cataventos compõem-se de 35 sonetos) já é um pecado mortal, cuja remissão só se dará com a geração de Tasso da Silveira, João Cabral de Melo Neto, Péricles Eugênio da Silva Ramos, entre outros tantos, naquele grupo que será batizado estranhamente como de 45 pelo crítico e poeta português, depois emigrado para a capital paulista, Domingos Carvalho da Silva. Essa volta à disciplina, à preocupação formal, ao agudo senso de medida, intelectualismo estetizante, etc, encontrou eco em periódicos espalhados por todo o território nacional, do que os exemplos mais importantes são Revista brasileira de poesia , de São Paulo, Orfeu, do Rio de Janeiro, Joaquim, de Curitiba, Edifício, de Belo Horizonte, José e Clã, de Fortaleza, Região, do Recife e Quixote, de Porto Alegre. O denominador comum, e aqui não cabe aprofundar o assunto, dessa assim designada Geração de 45, mais pela época de estréia literária do que por traços de

139


uma escola estética, é o recuo ideológico ao lado de um apuro do artesanato poético. Sob esse ponto de vista, os livros de sonetos de Alphonsus de Guimaraens Filho e de Mário Quintana representam não exatamente um atraso relativamente às conquistas formais e temáticas da primeira dentição modernista, o período da orgia literária iniciada em 22 e que Álvaro Lins declarara esgotada já em 1930, mas uma transição – para não dizer uma antecipação – daquilo que seria a Geração de 45, inaugurada em 1944, com Mundo submerso, de Bueno de Rivera. A questão que mais me chamou a atenção no artigo de Álvaro Lins foi o elogio a um poeta da melhor espécie dentro dos processos da velha poética, conforme afirmou o analista de Jornal de crítica, apesar de declarar explicitamente sua predileção pelas formas da poesia moderna. O crítico observa que o poeta não se permite a mínima liberdade com esta forma secular de 14 versos, uma vez que antes já dissera que Quintana se mostrara um indiferente ao que se passou, entre nós, de 1922 para cá (refere-se a 1940). Álvaro Lins procura encontrar razões para o suposto descompasso estético de Mário Quintana. Para tanto, entende que sua poesia é simples, limitada, repetida,

140


como os próprios decassílabos dos seus sonetos. E acrescenta: A poesia do sr. Mário Quintana é toda intimista [...]. pois, neste poeta gaúcho, tudo é delicadeza, é simplicidade, é humildade. Percebo – não é Álvaro Lins quem faz a aproximação – que a recepção de outros poetas mais infensos à revolução modernista, do que é exemplo Raul de Leoni, morto em 1926, portanto forjado sob a égide do parnasianismo, é semelhante em alguns aspectos a que se faz a Quintana, especialmente quanto a certos vícios herdados do neo-simbolismo português ou do helenismo bilaquiano. Vejamos o que nos diz Agripino Grieco em sua Evolução da poesia brasileira (1932) a respeito do autor de Luz mediterrânea (1922): Sua mão possuía a leveza quase alada das mãos rendeiras que se dão às suas rendas como a trabalhos de joalheria branca, fazendo filigranagem em linho ou seda como outros em ouro ou prata. Nesse sentido, quanto a Mário Quintana, o maior defeito de A rua dos cataventos não é a forma passadista,

mas

a

sombra

ostensiva,

generalizada,

dominante e absorvente de Antônio Nobre. Apesar de Quintana no soneto XI chamar o Só de “nosso livro santo”, aproximando-se do poeta

141


português através do timbre coloquial, da idealização da infância e do passado, do tom confessional e delicadamente magoado dos versos, isso não corrobora a primeira impressão de Álvaro Lins. É Gilka Bittencourt, em 1983, em sua dissertação de mestrado que mostrará com precisão o liame e a distância entre os dois artistas. Quintana diferencia-se naquilo que é essencial à poesia de Antônio Nobre, isto é, o lacrimoso, o desiludido das coisas amorosas, o sentimento derramado permeado por uma auto-piedade infantil, numa permanente impotência diante da vida. Nada disso encontramos em Mário Quintana, ainda que ele diga Eu sei chorar... Eu sei sofrer... Só isto!. Em A rua dos cataventos, a despeito da inegável influência de Antônio Nobre, não há o ressaibo de ultra-sentimentalismo presente no Só. Anteriormente a Gilka Bittencourt, Fausto Cunha, em 1978, em seu Poesia e poética de Mário Quintana, incluso no livro de ensaios A leitura aberta, possui a forte convicção de que o poeta em seu livro de estréia não é um ingênuo, nem um retardatário no campo estético. Álvaro Lins diz nada saber sobre as relações de Quintana com o Modernismo, mas ao descrever seus

142


recursos como tão limitados, nada de grandes gestos, grandes palavras, grandes sentimentos, tudo sussurrado, identifica – guardadas as diferenças técnicas e temáticas de Raul de Leoni – essa delicadeza da voz poética que tanto impressionou Agripino. O soneto, forma empregada por Quintana em A rua dos cataventos, tinha para a crítica da época uma forte vinculação com as estéticas passadistas, de sabor tardo-simbolista ou parnasiana. Na atualidade, transcorridos mais de 80 anos da Semana, percebemos não somente a permanência, mas também a vitalidade e a renovação do soneto, conforme mostrou tão bem Suzana Tust em seu interessante ensaio Questionando o cânone: o soneto enquanto releitura e ruptura (1999). A crítica antiga entendia que todo livro de sonetos era passadista e que todo sonetista era avesso ou indiferente às conquistas do Modernismo. No caso de Quintana não era assim, mas apesar disso os juízos de muitos críticos sobre ele, consideram A rua dos cataventos como um acontecimento pré-modernista na trajetória literária do poeta. Devemos descontar no julgamento de Álvaro Lins, dois aspectos: o de incorrer, como confesso adepto do

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Modernismo, nos preconceitos contra as formas fixas, em especial o soneto, e o de, morando no Rio, pouco saber sobre um poeta do RS. Talvez tenha sido através de outro gaúcho, Augusto Meyer, já então imortal da ABL, residente na Cidade Maravilhosa, que A rua dos cataventos tenha chegado às mãos do crítico do Correio da Manhã. Um dado insólito nos leva a uma insólita conclusão. Meyer escreve o ensaio O fenômeno Quintana (1965), no qual esclarece e retifica a opinião de Álvaro Lins,

que

relativamente

colocava às

Quintana

novidades

como

estéticas

um

atrasado

trazidas

pelo

movimento modernista. Augusto Meyer revela o fato de que Quintana ter estreado como sonetista não se deveu a que ele não tivesse poemas compostos noutros moldes, pois já teria inclusive prontos vários poemas em verso livre que viriam a integrar O aprendiz de feiticeiro (1950). Quintana não ignorava, como pareceu a Álvaro Lins, as conquistas e os preceitos do Modernismo, uma vez que o seu amigo Augusto Meyer, havia publicado em 1929, os Poemas de Bilu, livro de acentuado sabor modernista. Além disso, desde 1934, Quintana trabalhava na editora Globo, traduzindo Proust, Vigínia Wollf e tantos outros nomes importantes para a moderna literatura mundial.

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A estréia de Quintana é muito mais uma forma de independência que de atraso ou ignorância em face das novas correntes estéticas. As explicações de Paulo Becker em As faces do feiticeiro são muito pertinentes. Quintana não só reconhecia as conquistas da revolução modernista, sobretudo a invasão que o cotidiano faz no terreno da arte, quebrando a distinção entre assuntos poéticos e não-poéticos, coisa totalmente estranha à poética de Raul de Leoni, sendo o único elo a os unir, a sutil sensibilidade que o aproximava do Quintana de A rua dos cataventos. Raul de Leoni era, de fato, no melhor sentido, um atrasado, mas Quintana não. Quem aproxima, muito forçadamente, Raul de Leoni e Mário Quintana é o crítico cearense Herculano Gastão nos ensaios de seu Últimos gritos (1991), por confundir, conforme já dissemos, a delicadeza, o tom sussurrado e o verso metrificado, em especial disposto em soneto, como uma rejeição ou alheamento do Modernismo. Mais próximo da verdade, se quisermos estabelecer paralelos que permitam a compreensão para transição que desembocará na Geração de 45, com a qual Quintana não terá qualquer ligação programática, técnica ou temática, é entre o autor de O aprendiz de feiticeiro e

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Ribeiro Couto. Este último, na mesma linha de Álvaro Moreyra, nitidamente influenciados pelo simbolismo, a que nesse período a crítica costumava chamar de penumbrismo, estréia em 1921, com O jardim das confidências, e se firmará como significativa promessa, três anos mais tarde, com Poemetos de ternura e de melancolia, bem recebido por Agripino Grieco no Evolução da poesia brasileira (1932). O mesmo Agripino dirá de Ribeiro Couto: [...] Mas, penumbrista ou não, no seu livro [referese a Poemetos] há versos para todos os paladares, embora esse moço sensibilíssimo, que às vezes até as carícias magoam, nada tenha de eloqüente e chegue a dizer-nos em confidência: Minha poesia é toda mansa, Não gesticulo, não exalto... Meu tormento sem esperança Tem o pudor de falar alto. [...] Neste poema de Ribeiro Couto há todo o clima de A rua dos cataventos, muito mais do que na poesia de Raul de Leoni. Mário Quintana percebe que o verso livre, técnica

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que já conhecia e dominava, não era a expressão adequada para a mensagem que pretendia anunciar. São claros os indícios, que Álvaro Lins afastado do RS desconhecia, de que Quintana já era dotado de procedimentos caros ao Modernismo e outros que ele incorporaria à revolução literária desencadeada pelo movimento, entre os quais a poesia epigramática e o poema em prosa, cuja forma estava ainda muito presa a uma retórica lírico-arcaizante nos moldes de Guilherme de Almeida e Murilo Araújo. Esses indícios de renovação artística não escaparam ao olhar atento de um descobridor de talentos como Monteiro Lobato, o qual, em 1939 ficou encantado ao ler seus quartetos publicados na revista Ibirapuitan, de Alegrete, cidade natal do poeta. Os quartetos que revelaram o escritor gaúcho ao criador de Jeca Tatu só seriam editados em livro em 1948, sob o título de Espelho mágico. Todas essas constatações contradizem a crítica antiga sobre A rua dos cataventos e a tradição interpretativa que dela derivou, a qual a despeito das retificações de Augusto Meyer já nos anos 60 do século passado, ainda lança sua sombra de equívocos até os dias atuais, inclusive sobre muitos segmentos do público especializado.

147


Além das análises, entre outras, de Meyer, Fausto Cunha e Gilka Bittencourt, a posição de A rua dos cataventos veio a ser esclarecida pelo próprio Mário Quintana quando, em 1987, declarou numa entrevista concedida a Edla van Steen que assim quis estrear apenas para provar que os sonetos também são poemas.

ANÁLISE DISCURSIVA DE DEFICIÊNCIAS EM LÍNGUA PORTUGUESA DE PROFESSORESESTUDANTES: (ESTUDO DE CASO EM ALUNOS DE PEDAGOGIA DA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PELOTAS) Ângela Treptow Sapper33

33

Da ASBL – professora, doutora da UCPEL e CEFET. 148


Este é o título de minha pesquisa que tem como proposta de trabalho a análise discursiva processada em textos produzidos por alunos do Curso de Pedagogia da UCPel, os quais já se encontram na condição de professores de séries iniciais do Ensino Fundamental. Tais professoresestudantes apresentam deficiências de formação em Língua Portuguesa,

conforme

constatação

decorrente

de

observações do Curso de Pedagogia da UCPel. A pesquisa propõe-se a identificar tais deficiências e como elas podem comprometer os processos enunciativos a partir de instrumentos próprios da análise do discurso. Trata-se, em última análise, de relacionar as deficiências da formação em Língua Portuguesa dos sujeitos da pesquisa (os estudantesprofessores) com suas produções enunciativas, funcionando aquelas como barreiras a estas, ou seja, constrições, bloqueios e distorções ao ato individual de utilização da língua. Os textos a serem analisados serão percebidos como discursos, onde se procurará identificar as marcas enunciativas das deficiências de formação. Este

trabalho

encontra

sua

mais

consistente

sustentação teórica a partir da análise do discurso. Essa é uma área ampla e, embora inicialmente se possa entendê-la, de maneira genérica, como a própria análise do uso da

149


língua, a presente proposta de trabalho está comprometida em trazer a questão para o estudo real da linguagem, por sujeitos reais e em situações reais, de modo que o problema de pesquisa – conquanto sempre possa partir de uma construção teórico-acadêmica - não padece de algumas artificialidades que, muitas vezes, a investigação não consegue evitar. A idéia de análise discursiva aplicada à pesquisa ainda pode ser afinada se a considerarmos – mesmo que partindo de análises lingüísticas de textos em si mesmos – como compreensão de seu contexto, o que supõe articular sua enunciação com um determinado lugar (social ou de fala), sejam os sujeitos, no caso, estudantes ou docentes. Uma análise discursiva pode apontar para várias direções, dependendo do que se queira mostrar, da corrente teórica a que estamos mais

afiliados e até mesmo dos

produtos a serem analisados. A esta altura, é importante ter presente dois outros conceitos próximos, representados pela tipologia dos discursos e os gêneros discursivos. No primeiro caso, trata-se de idéia ligada à classificação dos discursos, o que não é o caso da proposta deste trabalho. No segundo caso, o interesse é maior em ter presente a questão dos gêneros

discursivos enquanto elementos

sócio-

150


históricos que circulam na sociedade e que supõem uma elasticidade maior em sua concepção. Assim, para os efeitos desta pesquisa, vai-se considerar a produção acadêmica dos alunos de Pedagogia enquanto tais como o gênero discursivo

a ser analisado, constituído por suas

redações, provas e trabalhos graficamente representados (escritos), bem como pelos materiais que produzem enquanto professores (planos, textos, esquemas, provas e outros documentos). Os materiais a serem analisados correspondem a resultados textuais de práticas pedagógicas que não podem prescindir da construção de enunciados que vão sendo socializados por docentes e discentes; tais enunciados, que portam os discursos do ensinar/aprender são precedidos por enunciações que, no melhor dizer de Emily Benveniste, é o mecanismo de colocação em funcionamento da língua, a partir de um ato individual de utilização (Benveniste, 1974:80). Corresponde a entendê-la como instância produtora, lugar desencadeador do processo de manufaturamento da significação, isto é, do próprio processo discursivo. Constitui a enunciação o pivô da relação entre língua e mundo, na medida em que permite representar fatos, mas ela mesma constitui um fato,

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enquanto acontecimento único, plasmado no tempo e no espaço (Maingueneau,1996:42-3). O ponto de partida de qualquer análise de discursos que não pretenda ser hermética deve partir de produtos culturais empíricos, produzidos por eventos de linguagem, que se pode conceber genericamente como “textos” (mesmos para os que não têm a forma escrita). É necessário, como assinala Milton Pinto, que o analista empreste especial atenção à “textura” dos textos, quer quanto ao uso da linguagem verbal, quer quanto ao uso de outras semióticas (Pinto, 1999:22-3). Assim, a análise discursiva aqui proposta se interessa não só pelo que os textos dizem ou mostram (embora não se reduza à mera interpretação semântica), mas sim em como e por que o diz ou mostra, o que supõe uma espécie de prévia “gramática” discursiva e é em tal perspectiva que devem ser valorizadas as deficiência de formação em Língua Portuguesa como condicionantes do uso da linguagem. Sobre a valorização de uma “gramática do discurso”, vale a pena ter presente o que tem sido assinalado por José Luiz Fiorin: “Atualmente, os estudiosos da linguagem estão começando a desenvolver uma série de

152


teorias do discurso, em que se mostra que existe uma gramática que preside à construção do texto. Assim como ensinamos aos alunos, por exemplo, a coordenação e a subordinação como processos de estruturação do período, é preciso ensinar-lhes a gramática do discurso, para que eles possam, com mais eficácia, interpretar e redigir textos” (Fiorin, 2001:9). Tal “gramática” não se encontra pronta. Ao contrário, ela se constrói sempre, porém em condições bastante diversas, de situação para situação. Assim, neste projeto se busca perceber seus mecanismos de conformação em face das deficiências de formação em Língua Portuguesa dos alunos-professores, o que os coloca em posição estratégica em tal relação, não apenas do ponto de vista profissional e de formação, mas como agentes de práticas culturais onde se dá a construção de tal “gramática”. Alex Grijelmo, em sua obra “Sedução das palavras”, lembra que é o conhecimento de um idioma que permite, mesmo com letras e regras limitadas, que se possa construir uma infinitude de idéias e uma eternidade de frases (Grijelmo, 2000:17). Ora, quanto maior e melhor o nível de formação na língua que se está utilizando, maiores

153


e melhores são as possibilidades de construção enunciativa, ou seja, o sujeito não pode articular palavras se desconhece os dois níveis essenciais aí imbricados: o sentido e o uso das palavras e as regras de articulação pré-construídas e consagradas. Observe-se, por fim, que esta pesquisa, subsidiariamente, levará em conta algumas reflexões propostas por Paulo Freire em sua “pedagogia da autonomia”, que supõe uma indissociabilidade das práticas do aprender e do ensinar (Freire, 1997), com evidentes repercussões e influências de uma sobre a outra, de modo que os discursos dos sujeitos da pesquisa, ainda que situados em lugares diferentes e alternados e produzidos em contextos

diferentes

(ora

como

alunos,

ora

como

professores), guardam evidente relação entre si. A pesquisa teve início em março de 2004, tendo sido prevista para dois anos. O trabalho, em seu andamento, desenvolve-se dentro do cronograma proposto. Os objetivos específicos da pesquisa

(identificar os mecanismos

lingüísticos de transposição de deficiências de formas em Língua Portuguesa para os discursos; perceber a enunciação e

a

constituição

discursiva

como

dependentes

de

determinados níveis de conhecimento da língua utilizada;

154


identificar as principais deficiências em Língua Portuguesa apresentadas pelo público / alvo; categorizar / hierarquizar tais deficiências de formação sob o ponto de vista das repercussões que

podem

discursividade; utilizar os

acarretar na enunciação / resultados da pesquisa como

forma de orientar futuras ações de áreas afins (Pedagogia, Letras), visando a suprir as deficiências identificadas)

começarão a ser atingidos nas etapas seguintes da presente pesquisa. Os contatos iniciais com os sujeitos objetos da pesquisa confirmam a hipótese ajustada para este estudo e permitem perceber que se trata de um trabalho útil e atual para a área de educação da UCPel, em especial para os cursos de Pedagogia e Letras. Houve um primeiro contato da pesquisadora com as referidos alunos, através de reunião explicativa dos objetivos, metodologia, envolvimento e participação no projeto. Foram marcadas datas individuais para o preenchimento de uma ficha de Dados Pessoais e a assinatura do Consentimento Informado, o qual estabeleceu o compromisso referente à confidencialidade e privacidade dos dados levantados, sendo garantida a impessoalidade dos mesmos para todos os procedimentos referentes ao trabalho. Esse documento revisado e aprovado pelo Comitê

155


de Ética foi assinado em duas vias, uma ficando com o pesquisado e outra com a coordenadora do projeto. A seguir, em novo encontro, foi entregue um questionário com vinte e uma perguntas, a fim de que se tornasse possível tomar conhecimento sobre a vida estudantil pregressa de cada participante, suas preferências, frustrações e deficiências. Foram obtidos, posteriormente, produtos textuais dos pesquisados, como provas acadêmicas, dissertações. Após, foram realizados encontros consecutivos e, neles, gravadas entrevistas com cada participante, a fim de colher dados para a análise da linguagem oral e identificação de deficiências. Concomitantemente, foram observadas atividades docentes e discentes dos participantes. Como se trata de projeto iniciado em 2004 e em face da

inclusão prevista de novos alunos

em 2005, não há a materialização de resultados; entretanto, os vários encontros realizados com os pesquisados, a aplicação do material preparado, as

entrevistas

evidenciam

e

desde

a logo

constante a

observação

relevância

e

a

oportunidade do estudo.

156


Numa conclusão preliminar, podemos detectar as seguintes deficiências de formação em Língua Portuguesa nos alunos investigados: 1-

uso incorreto de flexões verbais referentes à

segunda pessoa do singular, especialmente no Presente do Indicativo e Pretérito Perfeito do Indicativo; 2-

uso inadequado dos verbos Haver, Fazer e

Ser, quando impessoais; 3-

erros de regência verbal e nominal;

4-

inadequações de concordância nominal;

5-

problemas na grafia de palavras, tais como:

a- j / g em geito, ageitar, ageitasses, lisongeiro, regeitasses; b- s /z em quizera, quizeram, puz,

puzeram,

propuz, propuzeram; c- x / ch em enchergar, encherguei, enchugar, enchuto; d- s / x em expontâneo, extático; e- s / c em ancioso, pretencioso; f- ss / c em socego, socegar; g- ss / ç em exceço, escaço; h- s / ç em descança, descanço; i- sc / c em acensorista; acensor;

157


j- xc / c em eceção, eceto; k- ç / s em excesão; l- am / ão na terceira pessoa do plural de verbos, como em passão, estudão, venção, comprão; 6-

quanto à vírgula, foram observadas os

seguintes situações: a- o sujeito da oração aparece, às vezes, separado por vírgula; b- o adjunto adverbial de alguma extensão, quando anteposto, não recebe vírgula; quando intercalado, apenas a recebe depois; c- a expressão deslocada só recebe vírgula, quando posposta; d- o vocativo recebe vírgula, quando no início ou no fim da oração; intercalado, às vezes, recebe apenas uma vírgula; e- o aposto recebe vírgula, quando no início ou no fim da oração; intercalado, às vezes, recebe apenas uma vírgula; f- as

orações

comparativas

podem

aparecer

separadas por vírgula ou não; g- ocorre, às vezes, vírgula após a conjunção mas; as orações coordenadas assindéticas, de um modo geral,

158


não vêm separadas por vírgula ou qualquer sinal de pontuação; 7-

problemas com a crase;

8-

falta de acento agudo em diversas palavras e

especialmente nas conjugações verbais; 9-

colocação inadequada dos pronomes átonos.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA BENVENISTE, E. Problemas de Lingüística General II. Buenos Aires: Siglo XXI, 1974. FIORIN, J.L. Elementos de análise do discurso. São Paulo: Contexto, 2001. FREIRE, P. Pedagogia da autonomia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997. GRIJELMO, Alex. La sedución de las palavras. Madri: Santillana, 2002.

159


MAINGUENEAU, D. Términos claves del análises de discurso. Buenos Aires: Nueva Visión, 1999. PINTO, Milton José. Comunicação e discurso. São Paulo: Hacker Editores, 1999. Palavras-chave: análise do discurso, deficiências

PETRÓLEO E URÂNIO

José Anélio Saraiva Quando a Petrobrás anuncia pesados investimentos na prospecção de petróleo na Bacia de Pelotas abrangendo o litoral sul do RS e fronteira com o Uruguai, é interessante transcrever as conclusões a que chegou José Anélio

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Saraiva, titular da cadeira n. 8 de nossa Academia SulBrasileira de Letras, que, há mais de meio século vem anunciando a riqueza petrolífera desta bacia e sua viabilidade de prospecção, com o descrédito de muitos, e com a persistência de quem sabe ver bem além dos horizontes cotidianos. Poeta, escritor, autodidata em questões de geologia ele diz da bacia sedimentar de Pelotas (jjz): “A Bacia Sedimentar de Pelotas abrange – mais ou menos – uma extensão de 45 mil quilômetros quadrados em Terra e 200 mil quilômetros quadrados no mar. O perímetro mais importante situa-se dentro do mar, num afastamento de 80 a 100 quilômetros da costa, entre as cidades de Rio Grande e Chuí. Minhas conclusões apontam a presença de jazidas de Petróleo regionais pelo simples fato de a Bacia de Pelotas se enquadrar em todas as exigências e pressupostos clássicos da pesquisa científica: 1- Possui camadas sedimentares formadas pela lenta acumulação de depósitos capazes de conter o óleo; 2- A idade das camadas é idêntica à idade já apurada nas camadas em produção efetiva;

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3- Os sedimentos revelam teor de matéria orgânica suficiente para formar jazidas; 4- Existem camadas bastante porosas para permitir a acumulação petrolífera nos poros; 5- Estas

camadas

porosas

alternam-se

com

camadas impermeáveis, de tal sorte que o petróleo não possa espalhar-se e ser absorvido pela Terra; 6- Não são observáveis condições suscetíveis de produzir a destruição das eventuais jazidas; 7- Consideradas

globalmente

as

camadas

favorecem apreciáveis acumulações; 8- As águas subterrâneas, pela natureza de seu efeito, não poderão impedir a acumulação de petróleo nos interstícios porosos. Como se pode ver, trata-se de uma Bacia de significativa importância nos planos da Petrobrás.” Depois de muita carta, muito contato incluindo os presidentes do Brasil desde Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek de quem guarda correspondência amistosa e estimuladora, depois de muita descrença de lideranças e de cientistas conterrâneos, mas com o apoio dos mais lúcidos, José Anélio vê, agora, o sonho do petróleo da Bacia de Pelotas virar realidade. Realidade que não é apenas

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econômica, mas também estímulo à identidade regional e esperança para muitos. Como nunca a palavra em José Anélio é um arado atrelado a uma estrela cavando a profundidade do solo para que surja o pão, a pátria e a paz. E sobre o URÂNIO, ele diz: “O Urânio foi encontrado em 1780, época em que se falava da descoberta do planeta que lhe empresta o nome. Mas só foi isolado em 1842. Encontra-se em vários minerais: a Pechblenda, a Uranimita, a Chalcolita, a Cornita, o Uranofânio e outros. Como velho estudioso e tendo estagiado com velhos e abalizados mestres em mineralogia, muito aprendi para dedicar-me a uma série de estudos em benefício de minha querida e respeitável Pátria – tão mal interpretada por muitos de nós e tão cobiçada pelo estrangeiro. Conheço vários métodos práticos capazes de tirar dúvidas

mineralógicas.

Não

é

possível

revelá-los

publicamente, mas tudo o que tenho proclamado, modéstia à parte, pelo menos até o momento, ninguém conseguiu e nem conseguirá desfazer.

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Mesmo assim, tenho notícias de críticas amargas contra mim. Em mineralogia sou prático e objetivo. Um dia os homens e a história far-me-ão justiça. Há Urânio nos seguintes municípios do Rio Grande do Sul: Bagé, Lavras do Sul, Caçapava do Sul, Encruzilhada do Sul, Canguçu e Pinheiro Machado pelo menos. Desde 1957 venho defendendo a possibilidade de se encontrar Urânio no município de Canguçu.” Desde esta data o jornal de Pelotas D. Popular, realizou reportagens e entrevistas com José Anélio sobre isto. Cada vez mais, este grande lutador, faz da pesquisa uma palavra e faz da palavra um arado e uma espada (JJZ).

164


AS PRIMEIRAS SOCIEDADES LITERÁRIAS DE PELOTAS Ângelo Pires Moreira

A idéia de fundação de uma biblioteca pública, em Pelotas, trazia em seu bojo a criação de uma sociedade literária. (1) A instalação da Biblioteca Pública Pelotense, em 5 de março de 1876 (2), fundada em 14 de novembro de 1875, (3), pelos “obreiros do progresso”, na retrospectiva do “Correio Mercantil”, de 6 de janeiro de 1877, foi

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considerada um dos grandes acontecimentos ocorridos no ano pretérito, comparada com a transposição da barra do São Gonçalo, em 11 de fevereiro, pelo primeiro navio estrangeiro de longo curso, o palhabote americano Tampico. Na reunião de diretoria da Biblioteca Pública, de 19 de março de 1876, por iniciativa de Napoleão de Arruda, foi proposta e aprovada a criação de uma sociedade literária, e, concomitantemente, foi nomeada uma comissão composta pelos doutores J. J. Afonso Alves, Epaminondas P. de Almeida e Joaquim Augusto de Assumpção, para elaborar o estatuto. (4) Na sessão seguinte do hoje centenário sodalício,que ocorreu no dia 26, a comissão nomeada apresentou o estatuto

da nascente sociedade que recebeu o nome de

Culto às Letras, o qual, depois de discutido, foi aprovado. Foi marcado o próximo dia 2 de abril para a eleição da primeira diretoria. (5) No dia aprazado, em sessão presidida por Joaquim Afonso Alves e secretariada por João Cândido Ribeiro, disputada e tumultuada, foi realizada a eleição e, ao que tudo indica, cindiu o mundo intelectual pelotense. Os eleitos foram os seguintes: presidente Saturnino Epaminondas de Arruda; vice-presidente Joaquim J. Afonso

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Alves; 1° secretário Artur Lara Ulrich; 2° secrertário Anacleto da Costa Barcelos; orador F. de P. Azevedo Souza; orador adjunto Francisco de P. Ibirapuitan Ourique. Comissões: história Saturnino Epaminondas de Arruda e Francisco Lobo da Costa; filosofia Bernardo Taveira Júnior e Siqueira Canabarro; versão de idiomas Carlos André Laquintinie e Lara Ulrich; literatura Alberto Cunha e Francisco Lobo da Costa; redação Bernardo Taveira Júnior e Epaminondas Piratinino de Almeida. (6). Pouco ou nada se sabe das atividades da primeira sociedade literária pelotense e, ao que parece, teve vida efêmera. Decorridos poucos meses (no dia 21 de novembro), na sala de sessões da Biblioteca Pública Pelotense, “alguns sócios” deste sodalício, sob a presidência do capitão Antônio José Rodrigues de Araújo, reuniram-se para fundar uma sociedade literária que recebeu o nome de Íris Brasílico. Na mesma ocasião foi discutido e aprovado o estatuto elaborado por Francisco de Paula Ibirapuitan Ourique. Foi marcado para o próximo dia 26 a eleição da primeira diretoria. (7). No dia, no mesmo local, realizou-se o ato previsto. Os eleitos foram: presidente Serafim José

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Rodrigues de Araújo; vice-presidente Augusto Joaquim de Siqueira Canabarro; 1º secretário João Cândido Ribeiro; 2º secretário Fernando Antônio Pimentel; 1º orador Joaquim Napoleão Epaminondas de Arruda; 2º orador Joaquim Inácio Arnizaut Furtado; membros de comissões: Antônio Joaquim Dias, capitão Antônio José Rodrigues de Araújo, Francisco de Paula Ibirapuitan Ourique, João da Silva Silveira e Mariano Joaquim de Sequeira. Proclamado o escrutínio, foi designado o dia 17 de dezembro para se proceder a posse. Ela foi realizada à noite daquela data. As solenidades e os festejos foram inexcedíveis. Na época, a cidade era iluminada a querosene. Só as noites dos grandes eventos eram iluminados a gás carbônico e a posse da diretoria da Íris mereceu essa distinção. Para que se tenha uma visão perfeita do que foram os festejos da posse, arrematados com um baile, recomendase a leitura do “Correio Mercantil” de 19 de dezembro. Nessa época, a Biblioteca Pública Pelotense funcionava em sobrado, de propriedade de Visconde da Graça, gentilmente cedido, situado à rua General Neto, esquina Anchieta.

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Íris era a deusa do arco-íris e mensageira dos deuses, também sinal de paz e de alegria, promessa de felicidade. Íris Brasílico não seria um convite à paz e à concórdia entre o mundo cultural pelotense? No dia 4 de fevereiro de 1877 apareceu o “Progresso Literário”, hebdomadário dominical literário e recreativo sob a direção de Teodoro Garcia e de João José César, franqueado ao mundo cultural pelotense. Estávamos sob a influência negativa da cultura francesa e o “Progresso Literário” manifestava-se assim: ”Contra os imitadores de estranhas literaturas é nacionalizar o quanto possível as produções de atividade intelectual. Não há literatura própria, sem cunho verdadeiramente nacional”. (9). Não tardou para que o hebdomadário a 25 do mesmo mês, aceitasse o encargo de ser o porta-voz da Íris Brasílico, passando a publicar as atas da literária, tornando-se o veículo, por excelência, dos beletristas locais bem como os das zonas onde Pelotas exercia a sua influência cultural, para darem vazão aos seus talentos. (10) FONTES (1) (2)

“Correio Mercantil”, 13 novembro de 1875 “Correio Mercantil” 7 de março de 1876

169


(3) (4) (5) (6) (7) (8) (9) (10)

“Fernando Osório” a Cidade de Pelotas, 1ª edição, pg 181. “Jornal do Comércio”, 21 de março de 1876 “Diário de Pelotas”, 28 de março de 1876 “Diário de Pelotas”, 4 de abril de 1876 “Correio Mercantil”, 23 novembro de 1876 “Correio Mercantil”, 28 novembro de 1876 “Progresso Literário”, 4 de fevereiro de 1877 “Progresso Literário”, 25 fevereiro de 1877.

RECENSÕES

AGORA DEUS VAI TE PEGAR LÁ FORA – Carlos Moraes. Record, Rio de Janeiro, 2004. Deliciosa memória, ou “anotações de um padre preso numa cidade sem zoológico”, é, na verdade um conjunto de crônicas da época em que Carlos Moraes, sacerdote em Bagé RS, foi preso por subversão e lá ficou até que, por falta de prova, o judiciário o soltou. Desde o interior da cadeia, na convivência com os outros presos que Moraes descreve com a fina compreensão de quem exerce apaixonadamente a função pastoral de cuidar de cada pessoa, ele reflete num misto de fino humor e profundidade humana e teológica, o tragicômico da época da ditadura militar. Faz bem a cada leitor, vê-lo envolto com o drama de cada preso, de cada visitante e desmascarando o cinismo dos donos do senso comum. Obra bem feita, não apenas no estilo leve, simples e profundo, como também memória de tempos de seriedade com as coisas do homem e de Deus. Faz bem à alma e ao 170


coração ver esse ex-colega de estudos guardar a memória de raízes que contêm a esperança. (JJZ).

ADEMIA SUL-BRASILEIRA DE LETRAS ESTATUTO SOCIAL Título I Da Denominação, Sede, Símbolos e Abrangência Art.1º - A ACADEMIA SUL-BRASILEIRA DE LETRAS a qual utilizará a sigla ASBL e, doravante neste Estatuto Social simplesmente como ASBL, com objetivos culturais e educacionais é uma associação civil sem fins econômicos, com duração por prazo indeterminado, rege-se por este Estatuto Social e pelas disposições legais atinentes, estando sediada na Rua 3 de Maio, número 1060, conjunto 403, Pelotas – RS, com foro neste município. Art. 2º - São símbolos da ASBL: a) O Brasão; 171


b) A Bandeira; c) A Flâmula; d) A Pelerine; e) O Sinete. Parágrafo único – Os símbolos da ASBL são descritos de forma minuciosa no Regimento Interno. Art. 3º - A ASBL, para fins de congregação de sócios acadêmicos, abrange os Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná § 1º – Em cada um dos Estados nominados haverá uma seção da ASBL administrada por um vice-presidente. § 2º - A Seção 1 será a do Rio Grande do Sul, a Seção 2 será a de Santa Catarina, a Seção 3 será a do Paraná. TÍTULO II Dos Objetivos Art. 4º - São objetivos da ASBL: a) Congregar literatos e intelectuais de sua área de abrangência; b) Incentivar a investigação, o desenvolvimento das atividades culturais, a criação, elaboração e a divulgação de obras literárias na região; c) Instituir concursos, prêmios e outros incentivos; d) Manter intercâmbio e colaborar com as entidades congêneres em âmbito local, regional, nacional e internacional; e) Associar-se e colaborar com instituições educacionais públicas ou privadas no incentivo ao ensino e aprendizagem da língua pátria.

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TÍTULO III Do Patrimônio Art. 5º - O Patrimônio da entidade é constituído de: a)direitos de qualquer natureza suscetíveis de serem apreciados economicamente; b) bens imóveis e móveis; c) biblioteca, fototeca, pinacoteca, hemeroteca e demais recursos audiovisuais; d) montante oriundo da contribuição do quadro social; e) doações e quaisquer rendas eventuais. Parágrafo único – A biblioteca, cuja organização e funcionamento serão regulados por Regimento Interno, reúne em seu acervo livros, jornais, revistas, fotografias, arquivos e museu adquiridos com recursos próprios ou recebidos em doação; para constituição de seu acervo, são priorizadas as obras dos acadêmicos, dos autores da área de abrangência da ASBL. TÍTULO IV Da Organização Deliberativa e Administrativa Art. 6º - A organização deliberativa e administrativa da ASBL compreende: a) a Assembléia Geral; b) a Diretoria; c) o Conselho Fiscal. d) as Seções Estaduais

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CAPÍTULO I Dos Sócios Art. 7º - A ASBL congrega as seguintes categorias de sócios: a) Fundadores b) Acadêmicos; c) Beneméritos; d) Honorários; e) Correspondentes. § 1º - São sócios Fundadores aqueles que assinaram a Ata de Fundação da Academia Sul-Brasileira de Letras, em 09 de maio de 1970. § 2º - São sócios Acadêmicos os literatos dos três Estados sulinos que, tendo, pelo menos, um livro publicado em qualquer gênero literário e que, apresentados por membro do sodalício, tenham o seu ingresso aprovado pela Assembléia Geral. § 3º - São sócios Beneméritos as pessoas físicas ou jurídicas que prestarem relevantes serviços à Academia, independentemente de naturalidade ou nacionalidade, a juízo da Assembléia Geral. § 4º - São sócios Honorários as pessoas físicas ou jurídicas que se destacarem na difusão da cultura, independentemente de naturalidade ou nacionalidade a juízo da Assembléia Geral. § 5º - São sócios Correspondentes as pessoas físicas ou jurídicas, com residência ou sede fora do município de

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Pelotas e que, constantemente trocarem informações de interesse da ASBL e/ou da cultura, e tiverem o nome aprovado pela Diretoria. § 6º - A proposição à Diretoria de nomes para sócio Benemérito, Honorário e Correspondente é atribuição dos Sócios Acadêmicos, acompanhando a indicação curriculum vitae e circunstanciada exposição de motivos. Art. 8º - O quadro de Sócios Acadêmicos se compõe de até 60 (sessenta) membros, cujas cadeiras têm um patrono específico; o de sócios Beneméritos, Honorários e Correspondentes não tem limite prefixado. Parágrafo único – A Direção da Academia cuidará de uma adequada distribuição de vagas que contemple a representatividade dos três Estados. CAPÍTULO II Dos Direitos e Deveres dos Sócios Art. 9º – São direitos dos sócios de todas as categorias: a) Participar das atividades da Academia, utilizar o seu patrimônio, freqüentar os espaços da sede, referir em suas obras e publicações sua pertinência à entidade; b) Sugerir, propor, discutir políticas e medidas que visem ao engrandecimento do ASBL; Art. 10 – São direitos dos sócios Acadêmicos: a)Ocupar cadeira numerada do Quadro Acadêmico; b) Usar o sinete acadêmico; c) Mencionar em suas obras o título de membro da ASBL, referindo o número da cadeira que ocupa e o nome do patrono, se assim desejar;

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d) Votar e ser votado para os cargos eletivos da ASBL, conforme as normas da entidade; e) Ocupar cargos e desempenhar atividades nos Departamentos, a convite do Presidente; f) Representar a ASBL, quando autorizado para isso, por procuração do presidente; g) Vitaliciedade; h) Renunciar à vitaliciedade. Parágrafo único – O sócio que perder a cadeira na entidade conforme o disposto no parágrafo 3º do Art. 12, não poderá, a partir de então, referir sua pertinência à ASBL. Art. 11 – São deveres dos sócios de todas as categorias: a) Cumprir e fazer cumprir o Estatuto Social, o Regimento Interno, as normas e deliberações da ASBL; b) Contribuir para o bom nome da entidade; c) Incentivar a cooperação com as entidades congêneres e outras instituições culturais; d) Zelar pela imagem e moralidade pública da ASBL. Art. 12 – São deveres dos sócios Acadêmicos, além dos especificados no artigo anterior: a) Participar de reuniões, assembléias, solenidades e eventos promovidos pela ASBL. b) Pagar mensalmente, ou em outras modalidades oferecidas pela Diretoria, as contribuições financeiras estipuladas; § 1º - É condição para participar das Assembléias Gerais, ordinárias ou extraordinárias, com direito a voto, estar quite com a tesouraria. § 2º - O sócio que não cumprir seus deveres será submetido

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a julgamento por uma comissão, designada pela Diretoria, e com atribuições estabelecidas pelo Regimento Interno, garantidos ao acusado direito de ampla defesa e de contraditório. § 3º São previstas as seguintes penalidades: a) Advertência – Será aplicada ao sócio que infringir os deveres previstos nas letras a), b, e c do Art. 11, e as letras a) e b) do Art. 12. b) Suspensão Será aplicada ao sócio que descumprir o previsto na letra d) do Art. 11 ou reincidir na infringência dos deveres para o que se prevê pena de advertência. c) Perda da cadeira – Será aplicada a penalidade de perda da cadeira ao sócio que, advertido e suspenso, reincidir em suas faltas, bem como ao sócio condenado judicialmente por atos considerados desabonatórios e indignos de participação na Academia, assegurada a postulação de nova cadeira no quadro. § 4º - As penas de advertência e suspensão são de alçada da Diretoria; a aplicação da pena de perda da cadeira proposta ao final do processo pela comissão julgadora, é de competência da Assembléia Geral, sendo que de qualquer penalidade será notificado o infrator através de documento escrito expedido pela Diretoria. CAPÍTULO III Da Assembléia Geral. Art. 13 – A Assembléia Geral, órgão soberano da entidade, é constituída pelos sócios acadêmicos em pleno gozo de seus direitos estatutários.

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Art. 14 – A convocação para as Assembléias Gerais, com a especificação da ordem do dia, será feita pelo Presidente, com antecedência mínima de 15 (quinze) dias, mediante edital afixado no local da sede e/ou em órgão de divulgação, bem como através de correspondência pessoal enviada a cada acadêmico, comprovando-se a data de remessa pelo carimbo de postagem. Art. 15 – A Assembléia Geral Ordinária, bem como a Extraordinária, serão abertas pelo Presidente ou por seu substituto legal que, se assim o decidir a Assembléia, passará a direção dos trabalhos ao sócio que for escolhido por maioria, convidando auxiliares para o desempenho das tarefas inerentes à reunião. Art. 16 – As Assembléias Gerais funcionarão, em primeira convocação, na hora marcada, com a presença mínima de 20% dos acadêmicos com direito a voto e, em segunda convocação, trinta minutos após a hora marcada, com a presença mínima de 10% dos sócios habilitados. Art. 17 – Para deliberar sobre a destituição do Presidente ou a alteração dos Estatutos Sociais da ASBL, a Assembléia especialmente convocada para este fim, não poderá deliberar, em primeira convocação, sem a maioria absoluta dos associados aptos a votar, ou com menos de um terço nas convocações seguintes, exigindo-se o voto concorde de, no mínimo 2/3 dos presentes. Art. 18 – Nas Assembléias de caráter eletivo será facultado o voto por correspondência aos acadêmicos residentes fora da sede, sendo o assunto regulado pelo Regimento Interno, vedada a modalidade de voto por procuração.

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Art. 19 – São atribuições da Assembléia Geral: a) Eleger a Diretoria da ASBL e os integrantes do Conselho Fiscal; b) Aprovar o estatuto social e o regimento interno, assim como suas modificações; c) Apreciar, aprovando ou rejeitando o relatório financeiro da Diretoria acompanhado de parecer do Conselho Fiscal; d) Apreciar, homologando ou rejeitando as propostas de ingresso de novos sócios acadêmicos, bem como o de sócios beneméritos e honorários, mediante exposição de motivos exarada pela Diretoria; e) Decidir pela aplicação ou não da penalidade de perda da cadeira ao sócio julgado conforme o parágrafo 3º do Art. 12. f) Destituir o Presidente com a concordância e o quorum previstos no art. 17. g) Decidir pela extinção da ASBL conforme o disposto no Art. 35. CAPÍTULO IV Da Diretoria Art. 20 – A Diretoria da ASBL compreende os seguintes cargos e funções: a) Presidente; b) 1º Vice-presidente (RS); c) 2º Vice-presidente (SC); d) 3º Vice-presidente (PR); e) Secretário Geral; f) 1º Secretário (RS);

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g) 2º Secretário (SC); h) 3º Secretário (PR) i) Tesoureiro Geral; j) 1º Tesoureiro (RS); k) 2º Tesoureiro (SC); l) 3º Tesoureiro (PR). § 1º – A Diretoria contará ainda, para auxiliá-la, com o Departamento de Imprensa e Relações Públicas, bem como com os cargos de Diretor do Patrimônio e outros que julgar necessários, todos os titulares de livre escolha do Presidente e segundo normatização exarada por ele. § 2º - Os cargos da Diretoria são eletivos, conforme art. 19, a), havendo para cada cargo, excetuado o de Presidente, um suplente que auxiliará o titular em suas funções e o substituirá em seus impedimentos. §. 3º - O mandato da Diretoria é de 2 (dois) anos. Art. 21 – Compete à Diretoria: a) Aprovar e pôr em prática as políticas a serem implementadas pela Academia; b) Decidir quanto aos valores e formas de cobrança das contribuições financeiras dos sócios acadêmicos; c) Auxiliar a presidência na administração da entidade; d) Apreciar a indicação de nomes para sócios acadêmicos, beneméritos, honorários encaminhando os nomes aprovados à homologação da Assembléia Geral; e) Autorizar contratos de locação ou os que implicarem comprometimento financeiro por parte da ASBL; f) Conceder licença ou aceitar a demissão de

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associados, quando solicitadas por escrito pelo interessado em documento com firma reconhecida; g) Aprovar a admissão ou demissão de funcionários com suas obrigações e salários especificados; h) Autorizar o ingresso de Sócio Correspondente. Art. 22 – O Presidente será eleito pela Assembléia Geral, para um mandato de 2 (dois) anos e podendo ser reconduzido para um segundo mandato. Parágrafo único – Em caso de vacância do cargo de Presidente, com menos de 50% do mandato, far-se-á nova eleição. Art. 23 – Compete ao Presidente: a) Escolher, empossar e dispensar os titulares de Departamentos e de cargos não eletivos, dentre os sócios da ASBL; b) Representar a ASBL ativa e passivamente, judicial e extrajudicialmente, em todos os atos de administração e gestão, podendo para tanto, quando necessário, nomear procurador com poderes específicos para representá-lo. c) Assinar juntamente com o Tesoureiro os documentos da tesouraria e especificamente os cheques bancários; d) Admitir e demitir funcionários; Resolver “ad referendum” da Diretoria, os assuntos considerados de urgência, dando ciência aos demais diretores na sessão imediata; e) Convocar e dirigir a Assembléia Geral e os atos solenes realizados pela entidade; f) Convocar e presidir as reuniões de Diretoria; g) Prestar contas de sua gestão através de relatórios financeiros apreciados pelo Conselho Fiscal e pela

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Assembléia Geral. Art. 24 – Aos vice- presidentes, eleitos com o presidente, e com igual mandato, compete: a) Auxiliar o presidente no exercício de suas funções; b) Substituir o presidente em seus impedimentos e concluir o mandato, em caso de vacância do cargo, obedecida a ordem de precedência sucessivamente; Participar das reuniões da Diretoria; c) Organizar e executar o protocolo das solenidades; Presidir e administrar a Seção do respectivo Estado, auxiliado por um Secretário e um Tesoureiro, desenvolvendo as atividades da ASBL que melhor julgar oportunas e relevantes, em representação do Presidente. Parágrafo único – A administração econômicofinanceira, a contabilidade e a prestação de contas das atividades da Seção cabem ao Vice-Presidente. Art. 25 – Compete ao Secretário Geral: a) Assinar, com o Presidente os documentos relativos à Secretaria; b) Lavrar, em livro próprio, as atas de todas as sessões da Diretoria; c) Manter em dia os registros da entidade. Art. 26 – Compete aos Secretários auxiliar o Secretário Geral em suas atividades e manter em dia o registro da respectiva Seção. Art. 27 – Compete ao Tesoureiro Geral: a) Assinar, com o Presidente, documentos;

cheques

e

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b) Conservar sob sua guarda os valores da entidade; Manter em dia os registros atinentes a seu cargo; c) Manter em dia o registro de imóveis e móveis da Academia. Art. 28 – Compete aos Tesoureiros das Seções auxiliar o Tesoureiro Geral fornecendo-lhe os dados para a prestação geral de contas da ASBL e auxiliar o Vice-Presidente em tudo o que diz respeito às atividades de tesouraria na Seção à semelhança das tarefas exercidas pelo Tesoureiro Geral em relação à ASBL. Art. 29 - As funções de Diretor de Patrimônio, de Assessor de Imprensa e de Relações Públicas serão especificadas no Regimento Interno, de acordo com o estabelecido no presente Estatuto Social. CAPÍTULO V Do Conselho Fiscal Art. 30 – O Conselho Fiscal é composto por 3 (três) membros efetivos e 1 (um) suplente, tendo a função de examinar os relatórios financeiros e contábeis da Diretoria e das Seções, emitindo parecer para encaminhamento à Assembléia Geral. Parágrafo Único – A função de conselheiro fiscal é prerrogativa dos sócios acadêmicos, eleitos, pela Assembléia Geral para um mandato de 2 (dois) anos. CAPÍTULO VI Das Seções estaduais

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Art. 31 – Às seções estaduais compete: a) Promover o congraçamento dos sócios de seus respectivos Estados e o entrosamento com os dos demais Estados; b) Indicar à Diretoria da ASBL nomes de acadêmicos a serem apreciados pela Assembléia Geral, para o preenchimento de cadeiras vagas. c) Indicar, dentre os acadêmicos do respectivo Estado, candidatos a Vice-Presidente, secretário e tesoureiro para a Seção, e seus respectivos suplentes a serem eleitos pela Assembléia Geral. § 1º - Respeitadas as normas do Estatuto Social e do Regimento da ASBL, cada seção organizará seu regimento interno; § 2º - Cada seção, além de participar das atividades gerais da ASBL, administrará suas atividades, mantendo contabilidade própria e arcando com seu ônus financeiro. TÍTULO V Das Disposições Gerais e Transitórias Art. 32 – A ASBL comemorará o aniversário de sua fundação em 9 de maio, data em que serão empossados os membros da Diretoria e do Conselho Fiscal eleitos na Assembléia Geral. Art. 33 – Os sócios não respondem, nem pessoal nem solidariamente, pelas obrigações contraídas pela ASBL. Art. 34 – Os sócios acadêmicos poderão requerer, por escrito , licença por um ano das atividades da ASBL.

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Art. 35 – A ASBL somente será extinta por deliberação da Assembléia Geral Extraordinária, convocada para este fim, com a presença de ¾ dos associados acadêmicos em pleno gozo de seus direitos e com votos favoráveis de, no mínimo, ¾ dos participantes, destinando-se o patrimônio a outra entidade congênere ou ao município em que estiverem sediadas a sede da ASBL e suas respectivas seções na proporção dos bens nelas localizados. Art. 36 – As regras decorrentes deste Estatuto Social serão disciplinadas pelo Regimento Interno ou Interno e por resoluções da Diretoria. § 1º - A Diretoria elaborará o Regimento Interno no prazo de 120 (cento e vinte) dias. § 2º – Na falta do Regimento, e os casos omissos serão resolvidos pela Diretoria. Art. 37 – O presente Estatuto Social, aprovado pela Assembléia Geral, entrará imediatamente em vigor, revogados as disposições em contrário e o Estatuto até agora vigente, registrado sob o nº 1.280, a fls. 43v/44 do Livro A5, em 12 de novembro de 1973, no Registro de Pessoas Jurídicas em Rocha Brito Serviço Notarial e Registral, de Pelotas. Aprovado na Assembléia Geral de 06/12/2003 e adequado às novas normas da legislação federal.

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ASBL :CADEIRAS-PATRONOS-TITULARES CADEIRA No.1 Patrono: Jorge Salis Goulart Titular I: SADY MAURENTE AZEVEDO Titular II: Endereço: Rua Carlos de Carvalho, 400/101 CEP 96030-270 – Pelotas RS CADEIRA No.2 Patrono: Francisca Marcant Gonçalves Titular: MANUEL JESUS SOARES DA SILVA Endereço: CADEIRA No.3 Patrono: Manoelito de Ornellas 186


Titular: IVONE LEDA DO AMARAL Endereço: R. Gonçalves Chaves, 805/502 CEP 96015-560 Pelotas RS CADEIRA No.4 Patrono: Nelson Abott de Freitas Titular: JOAQUIM MONCKS Endereço:R. Lima e Silva, 116/401 CEP 90050-100 Porto Alegre RS E-mail: joaquimmoncks@ig.com.br CADEIRA No.5 Patrono: Érico Veríssimo Titular: VALTER SOBREIRO JÚNIOR Endereço: R. Prof. Araújo, 2149/102 CEP 96020-360 Pelotas RS CADEIRA No.6 Patrono: Fernando Luis Osório Titular: MÁRIO OSÓRIO MAGALHÂES Endereço: Av. Domingos de Almeida 3030 CEP 96085-470 Pelotas RS CADEIRA No.7 Patrono: Paula Correa Lopes Titular: CATARINA SCHENINI CUNHA Endereço: R.Vicente Lopes dos Santos, 200/301 CEP 90103-140 Menino Deus, P. Alegre cyrinobrutus@.uol.com.br

RS

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CADEIRA No.8 Patrono: Francisco de Paula Pinto Magalhães Titular: JOSÉ ANÉLIO SARAIVA Endereço: R. João da Silva Silveira, 211- B. Na. Sra.

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Fátima CEP 96080-000 Pelotas RS CADEIRA No.9 Patrono: Francisco Antônio Vieira Caldas Júnior Titular: SUELLY CORRÊA GOMES Endereço: R. Heinrich Hosang, 165/303 CEP 89012-190 Blumenau SC CADEIRA No.10 Patrono: Francisco Lobo da Costa Titular I: José Vieira Etcheverry Titular II: IRMÃO ELVO CLEMENTE Endereço: Av. Ipiranga, 6681 Reitoria CEP 90610-001 Porto Alegre RS CADEIRA No 11 Patrono: Álvaro José Gomes Porto Alegre Titular: FELIPE ASSUMPÇÃO GERTUM Endereço: Av. A A Assumpção, 9805 CEP 96090-240 Pelotas RS CADEIRA No.12 Patrono: Marieta Mena Barreto Costa Amador Titular: ANA LUIZA TEIXEIRA Endereço: Av. Borges de Medeiros, 1141/193 CEP 90020—25 Porto Alegre RS CADEIRA No. 13 Patrono: João Simões Lopes Neto Titular: ÂNGELO PIRES MOREIRA

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Endereço: R.Andrade Neves, 2364/201 CEP 96020—080 Pelotas RS CADEIRA No l4 Patrono: Aurora Nunes Wagner Titular I: LYDIA MOMBELLI DA FONSECA Titular II: CADEIRA No.15 Patrono: Irajá Moraes Nunes Titular: SÉRGIO OLIVEIRA Endereço: R. Leonardo Colares, 137/101 CEP 96020-190 Pelotas RS CADEIRA No 16 Patrono: Raul de Leôni Titular I: Ivo Caggiani Titular II: LÍGIA ANTUNES LEIVAS Endereço: R. Dr. Franklin Olivé Leite, 323 CEP 96055-520 Pelotas RS Liluleivas@starmedia.com CADEIRA No. 17 Patrono: Demerval Araújo Titular: HARLEY CLÓVIS STOCCHERO Endereço: R. João Cândido Oliveira, 244 CEP 83501-970 Almirante Tamandaré PR CADEIRA No .18 Patrono Alberto Coelho da Cunha

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Titular: RONALDO CUPERTINO DE MORAES Endereço: R. Gen. Osório, 938 CEP 96020-000 Pelotas RS CADEIRA No. 19 Patrono: João Cruz e Sousa Titular I: Rondon Soares Titular II: LAURO JUNKES Endereço: R.Capitão Romualdo de Barros, 251. CEP 88015-000(Carvoeira)Florianópolis SC CADEIRA No. 20 Patrono: Maria Alzira Freitas Taques Titular: ZENIA DE LEÓN (Licenciada) Endereço: R. Bernardino Santos, 74 CEP 96080-030 Pelotas RS CADEIRA No. 21 Patrono: Victor Russomano Titular: JORGE MORAES Endereço: R. Manoel Caetano da Silva, 16 CEP 96025-230 Pelotas RS CADEIRA No.22 Patrono: Januário Coelho da Costa Titular: CLÓVIS ALMEIDA ALT Endereço: R. Cel. Alberto Rosa, 268 CEP 96010-770 Pelotas RS CADEIRA No. 23 Patrono: Adalberto Guerra Duval Titular: CLÓVIS P. ASSUMPÇÃO Endereço: Av. 16 de Julho, 165 CEP 90550-220 Porto Alegre RS

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CADEIRA No. 24 Patrono: Antônio José Gonçalves Chaves Titular I: HELOISA ASSUMPÇÃO NASCIMENTO Titular II:

CADEIRA No.25 Patrono: Guilherme de Almeida Titular: OSÓRIO SANTANA FIGUEIREDO Endereço: R. Procópio Mena, 975 CEP 97300-000 São Gabriel RS CADEIRA No. 26 Patrono: Ceslau Mario Biezanko Titular: ANTENOR PEIXOTO DE CASTRO Endereço: R. 15 de Novembro, 666/1110 CEP 96015-000 Pelotas RS CADEIRA No. 27 Patrono: Roberto Landell de Moura Titular I: ENRIQUE SALAZAR CAVERO Titular II: OLGA MARIA DIAS FERREIRA Endereço: 15 de Novembro 303/901 CEP 960015-000 Pelotas RS E-mail: olgadf@uol.com.br CADEIRA No.28 Patrono: José Xavier de Freitas

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Titular: MIGUEL RUSSOWSKI Endereço: Av. Sta. Terezinha, 321 CEP 89600-000 Joaçaba SC CADEIRA No. 29 Patrono: Aureliano Figueiredo Pinto Titular: FRANCISCO PEREIRA RODRIGUES Endereço: R. Vasco Alves, 435 CEP 90010-410 Porto Alegre RS CADEIRA No. 30 Patrono: Alberto Pereira Ramos Titular: ANTÔNIO KLEBER MATHIAS NETTO Endereço: R. Castro Alves, 950 CEP 25959-075 Teresópolis, RJ CADEIRA No. 31 Patrono: Dionélio Machado Titular: DANILO UCHA Endereço: R. Lopo Gonçalves, 172 CEP 90050-350 Porto Alegre RS CADEIRA No. 32 Patrono: Tristão Veloso Nunes Vieira(MárcioDias) Titular: MARIA ALICE ESTRELA Endereço: Largo Gomes da Silva, 3635/201 CEP 96020-240 Pelotas RS CADEIRA No. 33 Patrono: José Vieira Pimenta Titular I: JOSÉ BACCHIERI DUARTE

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Titular II: CADEIRA No. 34 Patrono: Josué Guimarães Titular: JOSÉ TÚLIO BARBOSA Endereço: Av. João Pessoa, 1784/803 CEP 90040-001 Porto Alegre RS CADEIRA No. 35 Patrono: Hipólito José da Costa Titular I: Edgar José Curvello Titular II: ÂNGELA TREPTOW SAPPER Endereço: Rua Paulo Alcides Porto Costa, 205 Cep 96090-000 Email: angelatreptow@terra.com.br Fone: 53- 2264122. CADEIRA No. 36 Patrono: Juliné da Costa Siqueira Titular: PEDRO BAGGIO Endereço: R. Cel. Porto, 80 CEP 96090-000 Pelotas RS CADEIRA No. 37 Patrono: Antônio Gomes de Freitas Titular: MARIA AMÉLIA GONÇALVES HILLAL Endereço: R. D. Pedro II, 692/101 CEP 96010-300 Pelotas RS CADEIRA No. 38 Patrono: Ramiro Barcelos Titular: HUGO RAMIREZ

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Endereço: R. Barão do Amazonas, 1995 CEP 90630-001 Porto Alegre RS CADEIRA No. 39 Patrono: Arquimedes Fortini Titular: PÉRICLES AZAMBUJA Endereço: R.7 de Setembro, 1561 CEP 96230-000 Santa Vitória do Palmar RS CADEIRA No. 40 Patrono: Darci Azambuja Titular: ANSELMO AMARAL Endereço: R. Gen. Osório, 2279 CEP 96230-000 Santa Vitória do Palmar RS CADEIRA No. 41 Patrono: Mário Quintana Titular: WILMA MELLO CAVALHEIRO Endereço: R. 15 de Novembro, 1078/103 CEP 96015-000 Pelotas RS

CADEIRA No. 42 Patrono: Oscar Bertholdo Titular: JANDIR JOÃO ZANOTELLI Endereço: R. Jaguarão, 643 CEP 96090-350 Laranjal – Pelotas RS jandir@atlas.ucpel.tche.br – fone 53-2262662

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CADEIRA No. 43 Patrono: Noemi Assumpção Osório Caringi Titular: NAIR SOLANGE PEREIRA FERREIRA Endereço: General Telles, 358 CEP 96010-310 - Pelotas RS E-mail: nspf@ig.com.br

CADEIRA No. 44 Patrono: Delminda Silveira de Souza TitularI: CHEILA STUMPF Titular II: JÚLIO DIAS DE QUEIROZ Endereço:

CADEIRA No. 45 Patrono: Noemi Vale da Rocha Titular: BLAU FABRÍCIO DE SOUZA Endereço: Av. Carlos Gomes, 1801/103-C CEP 90480-005 Porto Alegre RS Blausouza@.c.povo.net

CADEIRA No. 46 Patrono: Magda Costa (Circe de Moraes Palma Monteiro) Titular: NEUSA MARILÚ DUARTE Endereço: Av. Independência, 1196 CEP 96300-000 Jaguarão RS

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CADEIRA No. 47 Patrono: Carlos Drummond de Andrade Titular: LUIZ DE MIRANDA Endereço: José do Patrocínio, 95/405 CEP 90050-001 Porto Alegre RS CADEIRA No. 48 Patrono: Guilhermino Cezar Titular: JOSÉ CLEMENTE POZENATO Endereço: R. Conselheiro Dantas, 1290/301 CEP 95054-000(S.Família)Caxias do Sul RS E-mail: pozenato@terra.com.br

CADEIRA No. 49 Patrono: Luiz Delfino Titular I: PASCHOAL APÓSTOLO PÍTSICA Titular II: JOSÉ ISAAC PILATI Endereço: A Bittencourt, 89/901 CEP88020-060 Florianópolis SC E-mail: jipilati@matrix.com.br CADEIRA No. 50 Patrono: Virgílio Várzea Titular: HOYÊDO DE GOUVÊA LINS Endereço: R. D. Joaquim, 132 CEP 88015-310 Florianópolis SC

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CADEIRA No. 51 Patrono: Brasílio Itiberê Titular: CLORIS CASAGRANDE JUSTEN Endereço: R. Des. Otávio do Amaral 57/142 CEP 80730-400 Curitiba PR

CADEIRA No. 52 Patrono: Scharffenberg de Quadros Titular: CLOTILDE DE QUADROS CRAVO Endereço: R. XV de Novembro 1630 CEP 80050-000 Curitiba PR

CADEIRA No. 53 Patrono: Luiz Carlos Pereira Tourinho Titular: IVO ARZUA PEREIRA Endereço: Cons. Laurindo, 890/702 CEP 80060–100 Curitiba – Pr Ivo@arzua.com.br CADEIRA No. 54 Patrono: Oscar Joseph de Plácido e Silva Titular: JOÃO DARCY RUGGERI Endereço: R. Nestor Vistor, 227 CEP 80620-400 Água Verde – Curitiba - Pr. E-mail: HYPERLINK mailto:ruggeri@uol.com.br ruggeri@uol.com.br

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CADEIRA No. 55 Patrono: João Cândido Titular: LAURO GREIN FILHO Endereço: Av. D. Pedro II, 571/701 CEP 80420-060 Curitiba -Pr CADEIRA No. 56 Patrono: Assad Amadeo Titular: LUÍS RENATO PEDROSO Endereço: R. Carlos de Campos, 482/62 CEP 85540-110 Curitiba - Pr CADEIRA No. 57 Patrono: Emílio de Menezes Titular: ROZA DE OLIVEIRA Endereço: R. João Negrão, 140/71 CEP 80010-200 Curitiba PR CADEIRA No. 58 Patrono: Ruy Wachowicz Titular: SEBASTIÃO FERRARINI Endereço: R. XV de Novembro 1050 CEP 80060-000 Curitiba PR CADEIRA No. 59 Patrono: Telêmaco Borba Titular: TÚLIO VARGAS Endereço: R. Coronel Dulcídio 1239/5

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CEP 80250-100 Curitiba PR E-mail: tulio@netpar.com.br CADEIRA No. 60 Patrono: Ildefonso Pereira Correia Titular: VALTER MARTINS DE TOLEDO Endereço: Av. Pres. Getúlio Vargas,3737/33 CEP 80240-041 Curitiba – Pr E-mail: v.toledo@terra.com.br

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