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Uma enciclopédia animal

Carlos Alberto tem 84 anos, mas a sua expressão ao falar dos animais e do Jardim Zoológico, ganha o brilho entusiasmado de uma criança.

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Carlos Alberto Rodrigues Augusto, mais conhecido por todos como Carlos Alberto, nasceu em Lisboa em 1935 e desde muito pequeno começou a acompanhar o pai, que trabalhava no Jardim Zoológico. Enquanto criança, o Zoo era o seu recreio, mais tarde, já adulto, tornou-se no seu local de trabalho. Um local pelo qual Carlos Alberto não imaginaria que se viria a apaixonar e ao qual hoje, com 84 anos de idade, ainda chamaria de segunda casa. ACOMPANHAR A EVOLUÇÃO Muito mudou desde o ano em que Carlos Alberto começou a trabalhar no Zoo. Decorria o ano de 1947 e o mundo tinha acabado de sair da Segunda Guerra Mundial. Em Portugal, davam-se os primeiros passos para a adesão a uma Organização Europeia de Cooperação Económica e no Jardim Zoológico, segundo Carlos Alberto, viviam-se tempos diferentes.

Em 1947, o Jardim Zoológico completava a tenra idade de 72 anos. O espaço era caracterizado pela pouca vegetação e um conjunto de jaulas, em fila onde habitavam os animais. Carlos Alberto é do tempo em que o elefante tocava o sino, os chimpanzés andavam de bicicleta, as crias de gorila passeavam em carrinhos de bebés e o orangotango passeava no espaço pela mão do tratador. Eram outros tempos.

Eram tempos de desconhecimento em que se acreditava estar a criar as melhores condições. Mas Carlos Alberto viu a mudança. Viu desaparecer cada uma das jaulas, que deram lugar a amplas instalações naturalistas que hoje caracterizam o espaço. Viu o adensar da vegetação e o aparecimento de conceitos como bem- -estar animal, conservação, investigação e educação.

As mãos, calejadas, não escondem os 62 anos que dedicou a este trabalho, onde teve tempo de passar por todos os setores. Foi jardineiro, tratador, cocheiro, chefe dos tratadores, e houve até um tempo em que tomava conta de tudo, até das bilheteiras. Assume que hoje em dia ainda aprende muito com todos os que passam por esta casa, mas todos os que com ele trabalham concordam que ensina ainda mais, com os seus largos anos de experiência. Hoje faz quase 20 anos que está reformado, mas mantém a rotina igual à que tinha quando “estava ao serviço”. Chega todos os dias por volta das 6h30/7h, e faz uma ronda pelas instalações para ver se algum animal precisa de assistência, comunicando prontamente à curadoria e veterinária. No entanto, como passa todos os dias no espaço, assume um conhecimento elevadíssimo sobre as mais variadas matérias que não se prendem apenas com o bem-estar animal, mas também com a arquitetura e com o transporte animal.

DEDICAÇÃO SEM IGUAL Em cadernos, Carlos Alberto foi assentando o registo de todos os nascimentos, mortes, saídas e entradas de animais. O QUE CARLOS ALBERTO NOS ENSINOU SOBRE OS ANIMAIS

Os estudos dão-nos a teoria, no entanto é a sensibilidade que vem do gosto pelos animais que faz a diferença e permite a um tratador saber ouvir e dar voz aos que não a têm.

• É crucial para este trabalho compreender o que os animais “falam” através do olhar e da postura corporal

Hoje em dia esses dados estão informatizados e disponíveis dentro de uma rede de zoos para partilha de informação. O transporte de animais, muitas vezes a cargo do próprio, correspondia às entradas e saídas que tão religiosamente assentava nos seus cadernos. Desde o primeiro animal que trouxe para o Zoo, o Chimpanzé Dari, que estava no Algarve em casa de uma senhora que o tinha trazido de Á f r ica , ao tra nspor te “de peso” de hipopótamos, elefantes e rinocerontes, Carlos Alberto terá feito um total de 50 destas viagens ao longo da sua vida. De todas as viagens, Carlos Alberto recorda em especial a que fez a África nos anos 90. O destino era o Kruger Park, na África do Sul, e o objetivo era o transporte da Shibula, uma fêmea de Rinoceronte- -negro, para reintrodução no habitat natural, com o objetivo de se reproduzir. Foram

18 dias de uma viagem bem sucedida. A fêmea chegou bem ao destino, contribuindo com uma descendência de onze novos animais. É um tempo saudoso para Carlos Alberto, que afirma com determinação que voltaria a fazer viagens de transporte de animais se precisassem dele. Gosta da aventura, de conhecer novos espaços e de observar os animais na natureza. Esse interesse levou-o a correr o mundo, esteve em África, Austrália, em vários países da Europa , “sempre a aprender”, como recorda. Uma vida inteira dedicada ao Jardim, aos animais e às pessoas que lá estão e às que lá passaram. E quando questionado sobre o que é preciso para tamanha dedicação, responde que quem trabalha no Jardim Zoológico tem que ter amor aos animais! Amor e sensibilidade, e quem lida diariamente com Carlos Alberto afirma que ele tem de sobra. No entanto, para Carlos Alberto tudo é natural e nem repara que talvez, mais que uma paixão, tenha um dom. Que se mantenha por muitos e bons anos a dar o seu enorme contributo. O Jardim Zoológico e os animais, agradecem.

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