Da literacia mediática à literacia científica francisco javier cervigon ruckauer

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Pr oj et o:


Índice 1

SUMÁRIO ............................................................................................................................... 1

2

A LITERACIA MEDIÁTICA........................................................................................................ 2

3

4

5

2.1

ENQUADRAMENTO GERAL ............................................................................................ 2

2.2

O CONCEITO .................................................................................................................. 2

2.3

VANTAGENS DA LITERACIA MEDIÁTICA ........................................................................ 7

2.4

PAPEL DA ESCOLA.......................................................................................................... 8

A LITERACIA CIENTÍFICA ........................................................................................................ 9 3.1

ENQUADRAMENTO GERAL ............................................................................................ 9

3.2

O CONCEITO ................................................................................................................ 10

3.3

A LITERACIA EM CIÊNCIA CLIMÁTICA .......................................................................... 14

3.4

VANTAGENS DA LITERACIA CIENTÍFICA ....................................................................... 14

3.5

PAPEL DA ESCOLA........................................................................................................ 15

O USO DOS MÉDIA PARA A PROMOÇÃO DA LITERACIA CIENTÍFICA EM SALA DE AULA .... 16 4.1

A COMPLEMENTARIDADE DA LITERACIA CIENTÍFICA E MEDIÁTICA ........................... 16

4.2

OS MÉDIA, A CIÊNCIA E A SALA DE AULA .................................................................... 17

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................................... 19


1

SUMÁRIO Na chamada Sociedade da Informação ou em Rede é crucial ter competências

que nos permitam não só interpretar a informação que recebemos diariamente através dos média, mas que nos ajudem também a criar conteúdos mediáticos, usando as Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC). A literacia mediática é um conceito que ganha um papel de destaque neste cenário. Esta define-se como a capacidade para aceder, analisar, avaliar e criar conteúdos mediáticos. De entre as várias competências que um cidadão literato a nível mediático deve ter, destaca-se a capacidade para avaliar a fiabilidade da informação que recebe dos média, sobretudo em ambiente digital. A literacia mediática ajuda-nos a compreender o papel dos média na sociedade e fornece os instrumentos necessários para o exercício de uma cidadania ativa e para a inclusão do indivíduo na Sociedade da Informação. A literacia científica é um conceito polissémico e difuso. Contudo, podemos afirmar que, de uma forma geral, se relaciona com a capacidade de os cidadãos compreenderem a natureza e os processos da Ciência, assim como de usarem esses conhecimentos de forma pragmática nas questões do dia a dia. Segundo o Programme for International Student Assessment (PISA), a literacia científica caracteriza-se por quatro aspetos interrelacionados: competências, conhecimentos, contextos e atitudes. Ou seja, um cidadão cientificamente literato deve ser capaz de explicar fenómenos cientificamente; avaliar e planear investigações científicas; e interpretar dados e evidências cientificamente. Estas competências requerem conhecimentos substantivo, processual e epistemológico e devem ser mobilizadas nos contextos pessoal, local, nacional e global. Também as atitudes que temos em relação à Ciência desempenham um papel fundamental no interesse e atenção que dedicamos às áreas científicas e tecnológicas. A Escola exerce uma função crucial no que toca a formação de estudantes com literacia mediática e científica.

Palavras-chave: literacia mediática; literacia científica; Sociedade da Informação ou em Rede; Educação. 1


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A LITERACIA MEDIÁTICA

2.1 ENQUADRAMENTO GERAL A Sociedade da Informação ou em Rede transformou a nossa interação com o mundo. Vivemos hoje numa sociedade pós-industrial alicerçada nas Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC), onde a informação é o pilar do desenvolvimento. As chamadas TIC estão a provocar um conjunto de transformações na vida cultural, política, social e comunicacional dos cidadãos, os quais podem agora também produzir e distribuir informação. Como sabemos, o avanço tecnológico modificou a maneira como comunicamos uns com os outros e provocou igualmente alterações na forma como os média1 transmitem as suas mensagens. Vivemos na sociedade mais mediatizada de que há memória e enfrentamos novas realidades e desafios. Como consequência, o volume e a diversidade de informação que recebemos diariamente é enorme. Assim, torna-se necessário ter um conjunto de competências que nos permitam não só interpretar criticamente a informação que lemos, vemos e ouvimos através dos média, mas que nos ajudem também a participar socialmente, criando novos conteúdos mediáticos, através das TIC. Neste cenário, é urgente desenvolver novas literacias relacionadas com o uso da tecnologia e dos média. Surge assim a literacia mediática e informacional, conceito que abrange um conjunto de competências essenciais para o exercício de uma cidadania ativa e para a inclusão do indivíduo na Sociedade da Informação, como veremos mais abaixo.

2.2 O CONCEITO A literacia mediática, também designada frequentemente como “Educação para os média” ou de “literacia para os média”, define-se como a capacidade para aceder, analisar, avaliar e criar média (MLP, S.d.). De uma forma geral, tem como objetivo despertar no cidadão um sentido crítico relativamente à informação que recebe dos diversos meios de comunicação. Como sabemos, nem toda a informação é 1

O termo média é utilizado para descrever todos os meios de comunicação, que permitem emitir e trocar mensagens. A televisão, a rádio, a imprensa e a Internet são exemplos de média.

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credível e as mensagens mediáticas não refletem exatamente a realidade tal como ela é, pelo que importa saber desconstruí-las. Assim, pretende-se que o indivíduo se questione relativamente ao que vê, ouve e lê nos média, mas também que seja capaz de criar/produzir conteúdos, através do uso das TIC. Em suma, um cidadão com literacia mediática deve ser capaz de: 1) aceder aos diferentes meios de comunicação, desde a imprensa, à televisão, passando pela rádio e Internet. 2) avaliar e interpretar criticamente os média e a informação que eles veiculam, o que implica compreender que: a) os média são construções sociais. Os meios de comunicação não refletem a realidade tal como ela é. A informação apresentada resulta de uma construção cuidadosa que reflete muitas decisões/opções, as quais resultam da conjugação de vários fatores. A literacia mediática procura desconstruir essas construções, mostrando como é que as mensagens foram elaboradas (Pungente et al., 1999 in CML, 2002a). b) as mensagens possuem implicações comerciais. Um cidadão com literacia mediática tem de entender que os média são influenciados por interesses comerciais, que podem determinar o seu conteúdo, técnica e distribuição. Além do mais, deve ter em mente que os meios de comunicação estão inseridos em grandes grupos económicos que procuram, principalmente, o lucro, o que pode influenciar as mensagens a transmitir (Pungente et al., 1999 in CML, 2002a). c) as mensagens contêm diferentes valores e ideologias. Todos os produtos mediáticos promulgam valores e estilos de vida. (Pungente et al., 1999 in CML, 2002a). d) as mensagens têm implicações sociais e políticas. Os média têm uma grande influência na vida política e na mudança social. A televisão, por exemplo, pode influenciar a eleição de um determinado político, com base no poder da imagem (Pungente et al., 1999 in CML, 2002a). e) cada

meio

de

comunicação

possui

a

sua

própria

linguagem.

Concretamente, existem meios que, pelas suas características, são mais 3


adequados para comunicarem um determinado acontecimento do que outros. Por exemplo, o vídeo pode ser mais indicado quando se quer transmitir imagens fortes e o áudio quando se pretende despertar a emoção do ouvinte (Pungente et al., 1999 in CML, 2002a). f) os anúncios publicitários transmitidos pelos média utilizam técnicas de marketing que procuram tornar um determinado produto aliciante aos olhos do consumidor. Importa, pois, compreender o que está a ser vendido e qual o objetivo do anúncio (Pungente et al., 1999 in CML, 2002a). g) as mensagens mediáticas podem omitir deliberadamente determinados aspetos de um assunto. h) as pessoas utilizam o seu sistema de crenças e experiências pessoais para darem significado às mensagens mediáticas, o que significa que uma mesma mensagem pode ser alvo de diferentes interpretações. i) as mensagens mediáticas influenciam crenças, atitudes, valores, comportamentos e, até, o processo democrático. j) muita informação que consultamos na Internet pode não ser fiável. Como hoje em dia qualquer pessoa pode publicar conteúdos online, desde que tenha as ferramentas adequadas para tal, é necessário saber avaliar se a informação a que acedemos é de facto credível, ou se, por outro lado, a devemos excluir. 3) Criar mensagens mediáticas e comunicar em diferentes contextos e meios de comunicação. A educação para os média não se debruça apenas na compreensão dos textos mediáticos e nas suas implicações para a nossa cultura e sociedade, mas também na criação de conteúdos por parte dos cidadãos. Como vimos, um indivíduo com literacia mediática deve ser capaz de avaliar a fiabilidade da informação que recebe dos média, sobretudo em ambiente digital. Devido à importância desta competência nos dias que correm, vamos debruçar-nos sobre os principais critérios usados para determinar se uma informação é ou não

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credível. A Georgetown University Library2 (GUL, 2015) elenca um conjunto de normas que nos ajudam a avaliar a qualidade/fiabilidade dos recursos que encontramos na Internet e que iremos apresentar de seguida. Assim, antes de utilizar recursos online é conveniente considerar uma série de questões relacionadas com o autor; o propósito da criação da página/conteúdo online; a objetividade da informação; a precisão; a fiabilidade e a credibilidade; a atualidade dos conteúdos; e a existência de hiperligações para outras páginas. Autor 

O nome do autor está presente na página?;

A sua ocupação, anos de experiência e educação são apresentados?;

O autor está qualificado para escrever sobre o tópico que aborda?;

O endereço de e-mail do autor está presente na página?;

Há alguma hiperligação para a sua homepage?;

O autor aparece identificado com alguma organização? De que forma surge essa associação?;

No caso de o autor da página/informação não estar identificado, o que podemos dizer da origem do website, a partir do seu URL?.

Propósito 

Qual é a audiência-alvo da página?;

Visa, por exemplo, informar ou ensinar?;

Procura persuadir?;

Quer vender um produto?.

Objetividade 

A informação veiculada é um facto, uma opinião ou propaganda?;

O ponto de vista do autor é objetivo e imparcial?;

A linguagem é isenta de pendor emotivo?;

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Website oficial: http://www.library.georgetown.edu/. Página referente à fiabilidade da informação na Internet: http://www.library.georgetown.edu/tutorials/research-guides/evaluating-internet-content, a qual serviu de base para a enumeração das normas apresentadas neste trabalho.

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A filiação do autor a uma instituição ou organização parece influenciar a objetividade da informação?.

Precisão 

Existem fontes externas para que a informação possa ser verificada?;

Há alguém identificado para fazer a revisão do conteúdo apresentado?;

A informação foi revista por alguém?;

É possível verificar toda a informação através de fontes independentes ou mediante o nosso conhecimento?;

A informação possui erros gramaticais ou tipográficos?.

Fiabilidade e Credibilidade 

Por que razão devemos confiar na informação do website?;

A informação parece ser válida? Resultou de investigação? É suportada por evidências?;

Que instituição (empresa, universidade, etc.) apoia a informação?;

Se se trata de uma instituição, já ouvimos falar sobre ela antes? Conseguimos encontrar mais informação sobre a mesma?;

Existe material exterior à web que permita verificar a legitimidade dos conteúdos apresentados?.

Atualidade 

Há alguma indicação da última atualização do website?;

A informação do website é atualizada frequentemente?.

Hiperligações 

A página contém ligações relacionadas com o tema discutido?

As ligações são úteis para o propósito do website?;

Os links continuam atuais?.

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Em suma, ter literacia mediática implica:

Interpretar criticamente os média

Literacia Mediática

O que implica questionar, por exemplo:

Aceder aos vários meios de comunicação

Saber criar /produzir conteúdos

1) Quem criou a mensagem e com que propósito? 2) Que técnicas foram usadas para captar a atenção do público? 3) Que estilos de vida ou pontos de vista são transmitidos? 4) Como é que diferentes pessoas podem interpretar a mensagem? 5) O que é omitido?

Figura 1 - Síntese das competências de um cidadão “média competente”.

2.3 VANTAGENS DA LITERACIA MEDIÁTICA A literacia mediática ajuda-nos a compreender o papel dos média na sociedade e fornece os instrumentos necessários para que possamos expressar-nos corretamente em democracia. É, sem dúvida, uma capacidade de enorme relevância para o indivíduo do século XXI. Vejamos quais as suas principais vantagens: 

estímulo ao pensamento crítico;

menor probabilidade de ser manipulado por informação propagandística ou enganosa; 7


conhecimento das diferentes técnicas de persuasão utilizadas;

compreensão de omissões presentes nas mensagens mediáticas;

compreender como a interpretação das mensagens mediáticas varia em função das crenças e valores;

aptidão para fazer escolhas responsáveis com base na informação recebida;

desenvolvimento da criatividade, através da produção de conteúdos mediáticos;

maior compreensão do ambiente digital, o qual é cada vez mais predominante;

capacidade de criar e de partilhar as próprias mensagens no universo online;

maior exigência em relação aos conteúdos que são produzidos pelos média;

disponibilidade para exigir adaptações do sistema mediático a uma sociedade multicultural;

compreensão do modo como as mensagens mediáticas moldam a nossa cultura e a sociedade;

maior capacidade para exercer uma cidadania ativa na atual Sociedade da Informação.

2.4 PAPEL DA ESCOLA A literacia mediática propõe uma nova abordagem para a educação neste século (CML, 2002b). A Escola, enquanto agente que promove a educação dos futuros cidadãos de uma nação, deve agir no sentido de criar alunos “média competentes”. É fundamental que os professores expliquem aos estudantes como é que os meios de comunicação criam narrativas, qual a razão de o fazerem e de que forma o fazem. Como? Utilizando, por exemplo, recursos mediáticos em sala de aula para ensinar determinados conteúdos. Na tabela abaixo, apresentamos algumas sugestões de educação para os média.

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Tabela 1 – Sugestões de educação para os média Recurso Documentário

Reportagem escrita ou televisiva

Internet

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Atividade em sala de aula Ao usar este recurso, que serviria para ilustrar um conteúdo programático relevante, o professor deveria também explicar o processo de produção de um documentário. Seria útil explicar, por exemplo, que as imagens exibidas resultam de um longo processo de recolha, que pode levar vários meses ou até anos. Também deveria transmitir que, antes de se partir para as filmagens, é necessário efetuar uma pesquisa sobre o tema a tratar e elaborar um guião prévio, que oriente o trabalho no campo de ação. Além do mais, era também necessário explicar que o documentário comporta sempre a visão que o autor tem sobre a realidade. Desta forma, o aluno compreenderia o processo de produção de um documentário e as dificuldades inerentes à sua realização. Poderão ser utilizadas duas reportagens que abordem o mesmo assunto, sob pontos de vista diferentes. Assim, os alunos teriam a oportunidade de perceber que um mesmo acontecimento pode ser tratado sob perspetivas diferentes. Esta é uma excelente ferramenta para a criação de conteúdos. Os professores poderão incentivar os estudantes a criarem uma página web ou um blog para o trabalho de uma disciplina, dando enfoque à componente noticiosa. Desta forma, estarão a incentivá-los a usar as novas tecnologias para a produção de mensagens mediáticas.

A LITERACIA CIENTÍFICA

3.1 ENQUADRAMENTO GERAL A relação da sociedade com a Ciência é complexa. Um número cada vez maior das nossas decisões quotidianas está baseado em dimensões de Ciência e Tecnologia (C&T). O desenvolvimento destas áreas conduziu a uma maior preocupação política e institucional pela perceção social da Ciência. Como resultado, desde os anos 50 que se iniciaram estudos sobre a relação dos cidadãos com a Ciência. O conceito de literacia científica e o seu estudo surgem neste contexto3. Um novo interesse pelo conceito emergiu na década de 80 do século passado, com o reconhecimento da importância da C&T para o desenvolvimento económico, cultural e social das sociedades ocidentais (Carvalho, 2009). Interesse este que se mantém nos 3

Bauer, Allum e Miller (2007) falam-nos em três períodos que incorporariam três paradigmas da compreensão pública da Ciência: Science literacy, Public Understanding of Science (PUS) e Science and Society. Esta última abordagem tem vindo a ser substituída pela denominação Public Engagement with Science and Technology (PEST). A discussão sobre a conceptualização tem sido extensa (Bauer, Shukla & Allum, 2012; Brossard & Lewenstein, 2010; Miller, 2012; entre muitos outros), mas encontra-se fora do âmbito deste módulo.

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dias de hoje. De facto, a C&T permeiam a nossa sociedade e é, por isso, desejável que os cidadãos detenham um conhecimento considerável nestas áreas. Assim, poderão não só avaliar de forma crítica as decisões políticas de cariz científico-tecnológico, mas estarão, também, aptos para tomar decisões adequadas a nível pessoal e social. E como vivemos na chamada Sociedade da Informação ou em Rede, é igualmente relevante saber interpretar e questionar criticamente a informação que recebemos diariamente dos vários meios de comunicação e que tenha por base um conhecimento científico. Como vemos, a literacia científica é uma necessidade das sociedades democráticas contemporâneas. As competências de um cidadão literato cientificamente podem ser desenvolvidas em contextos diversificados, mas daremos particular destaque à educação em contexto escolar, devido aos objetivos de aprendizagem do presente curso. Analisaremos de seguida o conceito de literacia científica, cuja definição não é consensual.

3.2 O CONCEITO A literacia científica, também frequentemente designada de “compreensão pública da ciência” ou “cultura científica” (Carvalho, 2009), é um termo que tem recebido várias definições, sendo, por isso, um conceito polissémico e difuso. De uma forma geral, relaciona-se com a capacidade de os cidadãos compreenderem a natureza e os processos da Ciência e de usarem esses conhecimentos de forma pragmática nas questões do dia a dia (Fives, Huebner, Birnbaum & Nicolic, 2014). Concretamente, refere-se ao conjunto de capacidades que permitem que um cidadão formule um juízo crítico sobre, por exemplo, uma notícia científica que leu num jornal ou sobre um programa televisivo, no qual se debateram assuntos de cariz científico. Neste manual, iremos adotar a definição de literacia científica avançada pelo Programme for International Student Assessment (PISA) em 20134. O PISA é um estudo internacional trienal lançado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) em 1990, que visa avaliar a mobilização de competências de 4

PISA 2013: http://www.oecd.org/pisa/pisaproducts/Draft%20PISA%202015%20Science%20Framework%20.pdf

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matemática, ciências e leitura na resolução de problemas do quotidiano por jovens de 15 anos, originários de diversos países. Na edição de 2015, participam 70. A escolha da definição proposta pelo PISA prende-se não só com o facto de a literacia científica surgir frequentemente associada aos objetivos da educação em Ciência (Bybee, 2012), mas também porque o sentido dado ao conceito no programa foi validado por uma equipa internacional de investigadores em educação, o que lhe confere credibilidade. Apesar de os aspetos que abaixo vamos mencionar estarem sobretudo relacionados com a avaliação da literacia científica em jovens, estes podem também ser aplicados a adultos. De acordo com o programa PISA, o conceito de literacia científica caracteriza-se por quatro aspetos interrelacionados: competências, conhecimento, contextos e atitudes. Vejamos como estes aspetos se relacionam entre si. Um cidadão cientificamente literato deve conseguir mobilizar um conjunto de competências científicas no seu dia a dia e em diversos contextos, tanto pessoal, como local, regional ou global. Mas para ter competências científicas, é necessário que possua conhecimentos de Ciência a vários níveis. Referimo-nos, por exemplo, a conteúdos de Matemática ou Biologia e ao próprio processo de construção do conhecimento científico. Por fim, o interesse natural que temos pela Ciência e o valor que lhe atribuímos, no fundo, as nossas atitudes em relação à C&T, influenciam a forma como usamos as nossas competências. Examinemos em pormenor cada um destes quatro aspetos. 1) Um cidadão cientificamente literato deve mobilizar as seguintes competências (OECD, 2013): 

explicar fenómenos cientificamente, ou seja, reconhecer, propor e avaliar explicações para fenómenos naturais e tecnológicos;

avaliar e comentar resultados de investigação e propor formas de abordar questões cientificamente;

interpretar dados e evidências cientificamente, isto é, analisar e avaliar dados, afirmações e argumentos, numa variedade de representações (por exemplo, gráficos, figuras e esquemas) para chegar a conclusões apropriadas.

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2) Todas estas competências requerem conhecimentos de ordem diversa, concretamente (OECD, 2013): 

conhecimento substantivo, ou seja, o conhecimento dos factos, dos conceitos, das ideias e das teorias sobre o mundo natural propostos pela Ciência. Referimo-nos, por exemplo, ao entendimento do processo de efeito de estufa e ao reconhecimento da fórmula química do dióxido de carbono. No fundo, o conhecimento substantivo diz respeito ao conhecimento sobre os conteúdos da Ciência;

conhecimento processual, isto é, a compreensão das práticas e dos conceitos em que a investigação científica se baseia, tais como o controlo de variáveis e a repetição de medições para reduzir o erro e a incerteza;

conhecimento epistemológico, ou seja, o entendimento do processo de construção do conhecimento em Ciência. Concretamente, inclui o reconhecimento da função que as questões, as observações, as teorias, as hipóteses, os modelos e os argumentos desempenham na Ciência. Engloba também a reflexão sobre a importância da revisão dos trabalhos científicos pelos pares.

3) As competências científicas devem ser mobilizadas em diversos contextos, a saber (OECD, 2013): 

pessoal, quando, por exemplo, recorremos ao conhecimento científico para fundamentar as nossas escolhas, como trocar lâmpadas de filamento de tungsténio por lâmpadas de baixo consumo ou separar resíduos para reciclagem para reduzir a necessidade energética da nossa sociedade;

local, sempre que precisamos de tomar decisões que envolvam a nossa comunidade próxima. A título de exemplo, se tivermos conhecimento sobre espécies ameaçadas que vivam perto da nossa zona de residência, podemos procurar preservá-las. O lobo ibérico é um desses casos para quem vive no distrito de Bragança;

nacional, quando necessitamos de estar informados para participar em assuntos políticos relacionados com decisões ambientais, como a instalação de novas infraestruturas para centrais hidroelétricas;

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global, por exemplo, para conseguirmos construir uma posição fundamentada sobre as alterações climáticas.

4) As atitudes que temos em relação à Ciência desempenham um papel fundamental no interesse e atenção que dedicamos às áreas científicas e tecnológicas. O PISA avalia o interesse dos alunos nas seguintes áreas (OECD, 2013):  interesse científico, concretamente, o interesse por determinados assuntos relacionados com a C&T. Estudos anteriores do PISA constataram que os jovens que têm um elevado interesse por Ciência têm maior probabilidade de seguirem carreiras científicas no futuro;  valorização da abordagem científica, o que implica valorizar formas científicas de recolher dados; pensar de forma criativa e racional; valorizar a crítica como meio de estabelecer a validade de qualquer ideia; entre outros aspetos;  consciência ambiental, o que engloba uma preocupação pelo ambiente e pela vida sustentável e a disposição para empreender e promover comportamentos ambientais sustentáveis. Em suma, ter literacia científica implica: Conhecimento: . Substantivo; . Processual; Competências: Contextos: . Pessoal; . Local/nacional;

.Global

Exigem o uso de

. Explicar fenómenos cientificamente; . Avaliar e planear investigações científicas;

. Interpretar dados e evidências cientificamente.

. Epistemológico.

Influenciam o uso de

Atitudes: . Interesse científico; . Valorização da abordagem científica; . Consciência ambiental.

Figura 2 – Literacia científica, segundo o PISA (OECD, 2013, p. 12).

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3.3 A LITERACIA EM CIÊNCIA CLIMÁTICA Uma vez que este curso é dedicado ao uso dos média para a comunicação das alterações climáticas, é conveniente abordar o conceito de literacia em ciência climática, termo que traduzimos do inglês climate science literacy, ou apenas literacia climática. A literacia em ciência climática é uma das vertentes da literacia científica e caracteriza-se pela compreensão da influência que os seres humanos exercem sobre o clima e do efeito que este exerce, por sua vez, sobre as pessoas e a sociedade (CLN, 2014). Uma pessoa com literacia em ciência climática deve (CLN, 2014): 

compreender os princípios essenciais do sistema climático da Terra, o que inclui entender também os fatores naturais e humanos que o afetam;

avaliar informação científica credível sobre o clima;

comunicar sobre o clima e sobre as alterações climáticas;

perceber como é que os registos de observações climáticas e as modelações computadorizadas contribuem para o conhecimento científico do clima;

tomar decisões fundamentadas e responsáveis no que diz respeito às ações que podem afetar o clima.

Não se espera que a pessoa literata em ciência climática compreenda todos os detalhes relativos aos conceitos fundamentais desta área. Contudo, o clima é um tema interdisciplinar a que o cidadão será exposto e que convém que estude ao longo da vida, uma vez que, em sociedades democráticas, pode ser chamado a participar em debates de tomada de decisão com o objetivo de redução das alterações climáticas e dos seus impactos (CLN, 2014). Como podemos constatar, as características de um cidadão literato, a nível do clima, acabam por enquadrar-se nos parâmetros mencionados pelo programa PISA.

3.4 VANTAGENS DA LITERACIA CIENTÍFICA Se bem que a relação entre alta literacia e o apoio a políticas não seja um dado adquirido, e envolva uma complexidade maior do que inicialmente previsto pelos 14


educadores, cientistas e políticos, parece haver um consenso no sentido de promover a literacia científica das populações. As vantagens habitualmente associadas a essa maior literacia são: 

nível social:  potencial contributo para o desenvolvimento económico do país através de incorporação de valor nos bens e serviços transacionáveis;  maior compreensão do conhecimento envolvido em algumas situações e subsequente apoio a políticas públicas de Ciência;  maior capacidade para responder a futuros desafios tecnológicos;  maior participação democrática na vida pública/exercício da cidadania pela melhor compreensão do que está em causa;

nível individual:  acesso a empregos de maior qualificação e maior empregabilidade;  maior conhecimento para tomar decisões adequadas no dia a dia (sobre saúde, bem-estar e lazer);  perceção da importância da Ciência nas nossas vidas;  enriquecimento da vida individual através da incorporação da Ciência com as Artes e com as outras áreas da cultura;  menor suscetibilidade à manipulação;  maior integração na Sociedade da Informação e Comunicação.

3.5 PAPEL DA ESCOLA A literacia científica é frequentemente apontada como um dos objetivos fundamentais da educação em Ciência (Carvalho, 2009). Assim sendo, a Escola desempenha um papel de extrema importância no que toca à formação de estudantes cientificamente literatos. Sabe-se que as atitudes que temos para com a Ciência se formam nas fases iniciais da vida (Eshach, 2006), pelo que é durante esse período que se deve apostar em atividades diversificadas que permitam aos estudantes estabelecerem contacto com os ambientes científicos.

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De que forma pode a Escola contribuir para o incremento da literacia científica dos estudantes? Existem várias metodologias que podem ser implementadas, mas, tendo em conta os propósitos do presente curso, iremos dar destaque ao ensino da Ciência através dos média.

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O USO DOS MÉDIA PARA A PROMOÇÃO DA LITERACIA CIENTÍFICA EM SALA DE AULA

4.1 A COMPLEMENTARIDADE DA LITERACIA CIENTÍFICA E MEDIÁTICA Conforme vimos anteriormente, o importante papel da C&T para o desenvolvimento das sociedades e a subsequente necessidade de divulgação encontram-se na ordem do dia. Os progressos e transformações da Ciência apresentam uma aceleração sem precedentes, muitos dos quais com potencial para transformar radicalmente a existência humana. Consequentemente, as notícias sobre Ciência são cada vez mais importantes (Weigold, 2001). Afinal, as comunidades e os indivíduos são frequentemente confrontados com escolhas que exigem informação e conhecimento relativos à Ciência (Nelkin, 1995). Em tempos de acelerada mudança nas relações sociais, as transformações verificadas nos média e nas regras de comunicação têm desempenhado papéis determinantes. Estas transformações têm vindo a desencadear novas necessidades e exigências comunicativas que se traduzem, entre outros, numa crescente diferenciação e acessibilidade da informação e do conhecimento, para públicos distintos. No caso específico da comunicação da Ciência, e tendo em conta que a Ciência é dependente da legitimação pública, importa compreender a perceção pública da Ciência, através de um melhor entendimento da relação dos processos mediadores presentes na construção destes discursos com a apropriação destes mesmos discursos por audiências ativas (Azevedo, 2007). A desconfiança da opinião pública em relação a projetos científicos e tecnológicos (como, por exemplo, em relação aos alimentos geneticamente modificados) tem vindo 16


a ser alvo de uma cada vez maior cobertura por parte dos órgãos de comunicação social. Assim sendo, torna-se relevante que exista uma análise de como os média estabelecem a mediação da Ciência, assim como das técnicas que são empregues para o fazer de uma forma efetiva. Nesta linha, alguns autores incluem no conceito de literacia científica a componente de science media literacy (literacia mediática científica) (Fives et al., 2014), para designarem a capacidade crítica que cada indivíduo deve ter para com as conclusões

científicas

presentes

nas

notícias.

Esta

componente

refere-se

especificamente às capacidades de: 

colocar questões para avaliar a validade do relato científico presente nos vários meios de comunicação, sabendo que: a) toda a investigação científica se baseia em trabalhos anteriores; b) os resultados dos estudos são sempre sujeitos a incertezas; c) é necessário conhecer as fontes de financiamento do estudo, pois estas podem forçar o enviesamento dos resultados; d) é importante prestar atenção ao que é dito, mas também ao que é omitido;

avaliar a qualidade e a pertinência das fontes utilizadas na peça jornalística.

4.2 OS MÉDIA, A CIÊNCIA E A SALA DE AULA Uma das formas de fomentar a literacia científica dos jovens passa pela introdução de produtos mediáticos na sala de aula. De facto, as notícias são uma forma divertida de captar a atenção dos estudantes e de auxiliá-los no desenvolvimento dos seus conhecimentos e competências (Jarman & McClune, 2007). Além do mais, dado que vivemos na Sociedade da Informação ou em Rede, onde os fluxos de informação são constantes, torna-se necessário fornecer aos estudantes conhecimentos para que estes percebam se as notícias estão ou não a transmitir conteúdos com informação científica correta e se as suas fontes são fidedignas. Além disso, à medida que os jovens vão abandonado a Escola, os média tornam-se a sua principal fonte de informação sobre Ciência (Jarman & McClune, 2007), pelo que

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prepará-los para saberem “ler” os dados científicos que recebem dos média afigura-se uma opção justificada. Introduzir os média em sala de aula para explicar certos conceitos científicos, como por exemplo, o efeito de estufa, pode ser uma oportunidade para desenvolver simultaneamente a literacia mediática e a literacia científica dos estudantes. Colocamos abaixo uma tabela com algumas aspetos a ter em consideração quando analisamos notícias sobre Ciência (notícia 1 e notícia 2, sobre o mesmo evento, mas de diferentes meios noticiosos, por exemplo, uma notícia do jornal “Público” e outra do “Correio da Manhã”). A resposta a estas perguntas ajuda-nos a perceber se a informação noticiosa é ou não credível e permite-nos comparar o tratamento que o mesmo assunto recebeu em notícias diferentes (Jarman & McClune, 2007).

Tabela 2 – Comparação entre a informação noticiosa Informação mencionada Fonte utilizada (cientista, organismo, etc.)

Notícia 1

Notícia 2

Âmbito do estudo Como foi realizado o estudo Quando foram os resultados tornados públicos Onde foi o estudo publicado Qual a metodologia utilizada

Em síntese, de acordo com Jarman & McClune (2007), podemos dizer que estudar a Ciência nos média tem o potencial de: 

ilustrar a relevância da Ciência;

aumentar o envolvimento dos jovens na Ciência;

auxiliar a aprendizagem da Ciência;

encorajar a aprendizagem ao longo da vida;

promover as literacias mediática e científica.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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