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Dedico este trabalho Ă s minhas filhas, Ana Kaline e Ana Rafaela Costa, por tudo que representam em minha jornada como intelectual e como pessoa. Dedico ainda Ă professora Dra. Beatriz Maria Soares Pontes, minha orientadora, pelo exemplo moral e intelectual de vida acadĂŞmica.
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O teatro, os jogos, as farsas, os espetáculos, os gladiadores, os animais ferozes, as medalhas, os quadros e outras drogas semelhantes eram para os povos antigos a isca da servidão, o preço de sua liberdade, os instrumentos da tirania. Os tiranos antigos empregavam esses meios, essas práticas, esses atrativos para entorpecer seus súditos sob o jugo. Assim os povos, embrutecidos, achando belos esses passatempos, entretidos por um prazer vão que passava rapidamente diante de seus olhos, acostumavam-se a servir tão ingenuamente, e até pior, quanto as criancinhas que aprendem a ler vendo as imagens brilhantes dos livros coloridos. Étienne de La Boétie (1530-1563) Discurso da Servidão Voluntária (2009, p. 54-55)
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PREFÁCIO
O leitor tem em suas mãos a oportunidade de desfrutar dos resultados do trabalho de pesquisa acadêmica sobre o consumo cultural do gênero musical forró eletrônico no Rio Grande do Norte. O conhecimento produzido, porém, pode ser generalizado a outros lugares. O desenvolvimento e a difusão de novas tecnologias de informação e de comunicação permitiram a descentralização da indústria cultural em configurações regionais que exploram a produção de bens e gêneros culturais para consumo de massa. Com isso, fenômenos culturais semelhantes são comuns a outros estados nordestinos e, mesmo, a outras regiões brasileiras. O que causa espécie às pessoas mais sensíveis ao estudo dos fenômenos sociais próprios das sociedades contemporâneas, e que seguramente foi um dos motivos que despertou a curiosidade intelectual do autor, é a onipresença desse tipo de manifestação cultural em todas as classes e camadas sociais da população local. O nivelamento social do consumo de um produto típico da indústria cultural é algo que surpreende, quando o esperado seria a estratificação do consumo por grupos distintos. Esse tipo de audição musical está presente em quase todos os momentos de sociabilidade e lazer em espaços e ambientes sociais os mais diferenciados. Alguns capítulos são dedicados a explorar a forma de organização empresarial da produção do forró eletrônico e o conteúdo da produção musical, além das modalidades de recepção e de decodificação dessa produção cultural no consumo pelos seus ouvintes. O forró eletrônico é produzido e difundido por grupos musicais que são organizados a partir de uma lógica empresarial. O consumo desse gênero musical é feito simultaneamente como prática privada e como prática social festiva. São examinados também o conteúdo das letras das músicas que fazem sucesso e como essas músicas são decodificadas e qual o sentido prático que lhe atribuem os seus ouvintes. O que mais deverá surpreender o leitor deste livro não é a empiria resultante da pesquisa sociológica que lhe deu origem, mas a ousadia teórica da sua abordagem.
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As Ciências Sociais desenvolvidas hoje no ambiente acadêmico estão bastante influenciadas por diversas modalidades de irracionalismo pós-moderno, em um contexto mais geral de hegemonia do pensamento conservador. Há uma crença difusa mas generalizada de que a razão humana é incapaz de desvendar a lógica de estruturação e de reprodução da realidade social. Os seres humanos, por possuírem a capacidade inata de atribuir significados a si mesmos, aos seus atos, às suas interações sociais e ao mundo em que vivem, não seriam capazes de discernir a verdade na profusão de significados sem que estão imersos na cultura e na sociedade. As diferentes explicações produzidas pelo senso comum, pela religião, pela arte e pela ciência, dentre outras, consistiriam, no máximo, em formas igualmente legítimas de narrativas e discursos sobre o mundo. Acreditar nas possibilidades da razão humana em conhecer e transformar o mundo seria um dos principais mitos criados pela modernidade. Diante disso, restaria ao pensamento crítico a tarefa de fazer a crítica necessária, porém impotente, do poder em abstrato que se reproduz ad infinitum. Na contramão dessa doxa acadêmica, Jean Henrique Costa elege a dialética negativa de Theodor W. Adorno, um dos mais proeminentes pensadores da Escola de Frankfurt, como uma das principais referências teóricas para a investigação da produção, da circulação e do consumo de mercadorias culturais em uma região periférica da sociedade capitalista brasileira. A crítica da reificação das relações sociais, do fetichismo da música e da audição regressiva dos produtos da indústria cultural mobiliza com competência intelectual diversos momentos da obra adorniana. Para tanto, recupera o conceito de indústria cultural, formulado originalmente com Max Horkheimer no clássico Dialética do Esclarecimento, elucidando a sua atualidade teórica para desvelar uma das determinações estruturais da cultura nas sociedades capitalistas. Não satisfeito com isso, em chave igualmente crítica, propõe atualizar o contributo adorniano com a conjugação de contribuições teóricas adicionais para a compreensão de outras determinações que estão presentes na produção, na circulação e no consumo da cultura em nossa sociedade. Para tanto, revela grau elevado de
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erudição sobre as teorias sociais, buscando apoio fundamental na apropriação criativa do conceito de hegemonia feito pelos Estudos Culturais ingleses. A partir da teoria da hegemonia proposta por Antonio Gramsci, intelectual italiano que, ao dedicar-se ao estudo das novas dimensĂľes assumidas pelo Estado moderno nas sociedades capitalistas, descobriu que o ĂŞxito da supremacia burguesa devia-se Ă combinação de dominação/coerção (sociedade polĂtica ou Estado restrito) e hegemonia/direção moral e intelectual (sociedade civil), Richard Hoggart, Raymond Williams e E. P. Thompson, reunidos na Universidade de Birmingham (Inglaterra), fundam uma nova interpretação marxista da cultura. Os estudos sobre o cotidiano da classe trabalhadora inglesa, desde o consumo de produtos da indĂşstria cultural Ă s formas de organização e luta de resistĂŞncia Ă exploração e Ă dominação capitalista, sĂŁo fundamentais para se relativizar as determinaçþes ideolĂłgicas da indĂşstria cultural. A cultura em todas as suas manifestaçþes passa a ser vista como o espaço privilegiado para a disputa de hegemonia entre diferentes visĂľes de mundo, que lutam entre si para atribuir significados Ă s prĂĄticas e relaçþes sociais e, com isso, permitem que homens e mulheres deem sentido Ă s suas vidas na sua reprodução cotidiana. Esse esforço intelectual ĂŠ completado com mençþes a muitos outros autores clĂĄssicos e contemporâneos. Contudo, ganham proeminĂŞncia na sua abordagem teĂłrica a presença da teoria cultural de Stuart Hall e da sociologia praxiolĂłgica de Pierre Bourdieu. Stuart Hall renova e dĂĄ continuidade Ă tradição multivariada dos Estudos Culturais, com a proposição de um modelo interpretativo para a recepção e consumo cultural. O modelo de codificação/decodificação, tambĂŠm baseado na teoria da hegemonia gramsciana, identifica que hĂĄ trĂŞs diferentes modos de apropriação das mensagens da indĂşstria cultural, numa disputa entre visĂľes hegemĂ´nicas e contraKHJHP{QLFDV 1D ÂłOHLWXUD SUHIHUHQFLDO´ Ki D SUHYDOrQFLD GR FRQWH~GR H GR VHQWLGR KHJHP{QLFRV FRQWLGRV QD FRGLILFDomR GR SURGXWR QD ÂłOHLWXUD QHJRFLDGD´ predominam as formas compĂłsitas entre o conteĂşdo e os sentidos atribuĂdos na sua origem e na sua recepção, numa combinação de infindĂĄveis possibilidades, que ĂŠ o
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WLSR PDLV HQFRQWUDGR QR VHQVR FRPXP H SRU ~OWLPR Ki D ÂłOHLWXUD GH RSRVLomR´ HP que o conteĂşdo e o sentido sĂŁo reinterpretados numa perspectiva contra-hegemĂ´nica. Para compreender a recepção cotidiana dos ouvintes do forrĂł eletrĂ´nico, recorre-se Ă sociologia de Bourdieu para correlacionar suas preferĂŞncias musicais e seus hĂĄbitos de lazer com suas condiçþes sociais de existĂŞncia e a aquisição de disposiçþes e prĂĄticas duradouras (habitus), que resultam do acesso e do uso social do capital cultural, decorrente do compartilhamento de conhecimentos e valores originados, principalmente, nas experiĂŞncias vividas na famĂlia e na escola. Esse aporte teĂłrico permite que as anĂĄlises do consumo de massa do forrĂł eletrĂ´nico evitem dicotomias e reducionismos, porque considera que os indivĂduos nem sĂŁo soberanos nem constituem massas amorfas. O poder de prescrever o gosto popular da indĂşstria cultural ĂŠ muito forte e indiscutĂvel, mas convive com a capacidade de resistĂŞncia e ressignificação que ĂŠ inerente aos seres humanos. Todavia, seria ingenuidade supor que esse tipo de entretimento atravĂŠs do consumo nĂŁo estĂĄ enredado na reprodução da visĂŁo de mundo hegemĂ´nica e nas relaçþes de dominação que lhe dĂŁo suporte social. Espero que leitor deste livro possa aprender um pouco mais sobre as manifestaçþes culturais na sociedade em que vivemos, usufruindo a experiĂŞncia crĂtica da genuĂna educação adorniana em que superamos as nossas cegueiras iniciais e avançamos em nosso processo de formação cultural.
Prof. Dr. JoĂŁo Emanuel Evangelista de Oliveira Departamento de CiĂŞncias Sociais - UFRN Natal, 19 novembro de 2014
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SUMĂ RIO
INTRODUĂ&#x2021;Ă&#x192;O.......................................................................................... ........ As Querelas do Problema ..................................................................................... 2 3HUFXUVR 0HWRGROyJLFR ÂłFLUFXLWRV GH FDSLWDO FLUFXLWRV GH FXOWXUD´ ................... 1 THEODOR W. ADORNO E A POTĂ&#x160;NCIA DO CONCEITO DE INDĂ&#x161;STRIA CULTURAL.......................................................................... 5HYLVLWDQGR D Âł.XOWXULQGXVWULH´ e o Problema da Reificação ......................... 1.2 Discutindo o Fetichismo na MĂşsica e a RegressĂŁo da Audição....................... 2 HEGEMONIA E INDĂ&#x161;STRIA CULTURAL: UMA CONTRIBUIĂ&#x2021;Ă&#x192;O DOS ESTUDOS CULTURAIS BRITĂ&#x201A;NICOS ...... ÂłCultural Studies´ GH %LUPLQJKDP................................................................. $V Âł8WLOL]Do}HV GD &XOWXUD´ GH 5LFKDUG +RJJDUW ............................................ 2.3 Raymond Williams: um mergulho no conceito de cultura .............................. ( 3 7KRPSVRQ H R Âł)Dzer-VH´ GDV &ODVVHV 3RSXODUHV.................................... 2.5 Algo em Comum: o conceito de hegemonia em Antonio Gramsci.................. 6WXDUW +DOO H R 0RGHOR Âł(QFRGLQJ DQG 'HFRGLQJ´: por uma concepção plural de recepção ................................................................................................ 3 DO FORRĂ&#x201C; PĂ&#x2030;-DE-SERRA AO MERCADO DO FORRĂ&#x201C; ELETRĂ&#x201D;NICO .................................................................................................. 3.1 Luiz Gonzaga e o BaiĂŁo: o germinar de um gĂŞnero musical ........................... 3.2 O Surgimento das Bandas Eletrizadas de ForrĂł .............................................. Âł7+( EXPERIENCE ECONOMY´ PARA PENSAR A PRODUĂ&#x2021;Ă&#x192;O DO FORRĂ&#x201C; ELETRĂ&#x201D;NICO ..................... 4.1 As Estruturas Sociais do Mercado do ForrĂł EletrĂ´nico .................................. 4.2 Festa, Amor e Sexo: padrĂľes e clichĂŞs temĂĄticos ............................................ Âł1(0 ,1',9Ă&#x2039;'826 62%(5$126 1(0 0$66$6 81,)250(6´: PARA PENSAR O CONSUMO DO FORRĂ&#x201C; ELETRĂ&#x201D;NICO ....................... 5.1 Decodificaçþes no ForrĂł EletrĂ´nico: leituras negociadas, de oposição e preferenciais................................................................................... 5.2 Consumo Musical e Capital Cultural: uma leitura bourdieusiana ................... PARA (NĂ&#x192;O) CONCLUIR: AS VICISSITUDES DO CONSUMO FORROZEIRO.................................... REFERĂ&#x160;NCIAS...................................................................................................
09 09 21 33 33 60 73 73 76 81 87 91 101 110 110 125 137 137 176 197 197 235 258 270
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INTRODUĂ&#x2021;Ă&#x192;O
Âł7RGR DTXHOH TXH VH GHL[a seduzir pela crescente respeitabilidade da cultura de massa, acreditando que uma canção de sucesso ĂŠ arte moderna unicamente porque XP FODULQHWH HPLWH QRWDV IDOVDV H TXH XP WUtWRQR FRP ÂľGLUW\ QRWHVÂś p P~VLFD DWRQDO Mi FDSLWXORX GLDQWH GD EDUEiULH´ Theodor W. Adorno (2001, p. 125) Primas: CrĂtica Cultural e Sociedade
AS QUERELAS DO PROBLEMA Mais do que performance acadĂŞmica ou elitismo intelectual, uma preferĂŞncia teĂłrica ĂŠ, ipsis verbis, razĂŁo e emoção. Racionalmente significa uma escolha objetiva que, ao reconhecer o contratempo hipotĂŠtico de submersĂŁo numa desordem entre episteme (conhecimento teĂłrico) e doxa (juĂzo de valor), mede cada passo de sua caminhada. Na superfĂcie da emoção, expressa uma visĂŁo de mundo que, para alĂŠm da oblĂqua dicotomia entre emancipação versus dominação, procura denunciar determinadas armadilhas do status quo. Entrementes, visando se esquivar dessa tensĂŁo entre a realidade de fato e o valor, a presente tese estĂĄ ancorada, em significativa forma-conteĂşdo, nos escritos da primeira geração de pensadores do que se convencionou chamar Escola de Frankfurt (Teoria CrĂtica), particularmente em Theodor W. Adorno. NĂŁo obstante, o seu questionamento capital encontra guarida numa inquietação sistematicamente posta por John B. Thompson no inĂcio dos anos 1990, ao estudar a teoria social crĂtica na era dos meios de comunicação de massa. Logo, Thompson (2002, p. 18) estava LQWHUHVVDGR HP VDEHU Âłse, em que medida e como [...] formas simbĂłlicas servem para estabelecer e sustentar relaçþes de dominação nos contextos sociais em que elas sĂŁo produzidas, transmitidas e recebidas´ Para Terry Eagleton (1997, p. 19) essa questĂŁo tem relação direta com o conceito de ideologia LVWR p ÂłRV PRGRV SHORV TXDLV R VLJQLILFDGR FRQWULEXL SDUD manter as UHODo}HV GH GRPLQDomR´ 7UDWD-se provavelmente da definição mais
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amplamente aceita para o conceito de ideologia, apesar de, todavia, nĂŁo ser algo consensual. Prontamente, indo para alĂŠm dos muros das relaçþes de sujeição, por ideologia entende-se nĂŁo apenas as ilusĂľes socialmente construĂdas, mas, tambĂŠm, as IRUPDV SHODV TXDLV RV KRPHQV FRPSUHHQGHP H PRGLILFDP D YLGD VRFLDO ÂłFRQFUHWDV´ H ÂłYHUGDGHLUDV´ 7DO GLDOpWLFD p FHQWUDO SDUD HYLWDU RV H[FHVVRV Go pessimismo da dominação, bem como o romantismo das formas de resistĂŞncia. Logo, em meio a tanta amplitude questionadora, esse problema de pesquisa substancialmente dilatado nos revelou uma possibilidade de estreitamento empĂrico, RX VHMD GH DFRUGR FRP 3LHUUH %RXUGLHX S GH FRQYHUVmR GH ÂłSUREOHPDV PXLWR DEVWUDWRV HP RSHUDo}HV FLHQWtILFDV LQWHLUDPHQWH SUiWLFDV´ EHP FRPR WDPEpP no nĂvel das demonstraçþes do concreto Âą diferentemente de um mundo da pseudoconcreticidade, conforme alerta Karel KosĂk (2002)1. De tal modo, buscou-se saber, com alento na questĂŁo contida em J. B. Thompson, se, em que medida e como (se for o caso) o forrĂł eletrĂ´nico atualmente em foco no mercado musical norte-rio-grandense serve para estabelecer e sustentar relaçþes de dominação nos contextos sociais em que ĂŠ produzido, transmitido e recebido. Em outras palavras, desmembrando a indagação: como ĂŠ produzido esse forrĂł eletrĂ´nico? Como se dĂĄ a sua comercialização? O que ĂŠ transmitido por esses grupos musicais e seus repertĂłrios musicais? Que visĂŁo de mundo oferece aos ouvintes? Como se dĂĄ o consumo desse gĂŞnero? A partir das possibilidades de recepção, como pensar o estabelecimento de relaçþes de dominação em determinados contextos empĂricos?2 Reforçando o problema com os questionamentos presentes em Richard Johnson (2000, p. 1 ÂłWHQGHP HVVDV IRUPDV FXOWXUDLV D UHSURGX]LU DV formas existentes de subordinação ou opressĂŁo? Ou elas sĂŁo formas que permitem um TXHVWLRQDPHQWR GDV UHODo}HV H[LVWHQWHV H VXD VXSHUDomR HP WHUPRV GH GHVHMR"´ (VVDV 1
Para KosĂk (2002), o mundo da pseudoconcreticidade ĂŠ um claro-escuro de verdade e engano, no qual o fenĂ´meno indica sua essĂŞncia, mas, ao mesmo tempo, esconde-a. Na pseudoconcreticidade a essĂŞncia coincide com a aparĂŞncia do fenĂ´meno, o que termina por retirar-lhe seu carĂĄter de mediação. 2 &RPSOHPHQWDQGR FRP 0DWWHODUW H 1HYHX S ÂłFHQWUDO p FRPSUHHQGHU HP TXe a cultura de um grupo, e inicialmente a das classes populares, funciona como contestação da ordem social ou, FRQWUDULDPHQWH FRPR DGHVmR jV UHODo}HV GH SRGHU´
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questĂľes nĂŁo podem, grosso modo, serem simplesmente respondidas considerando apenas as formas de produção da indĂşstria cultural, nem tampouco apenas os textos midiĂĄticos. Ă&#x2030; preciso, no dizer de Johnson, entrar no circuito da produção, dos textos (produtos), das leituras (recepção) e das culturas vividas. Para tanto, visando esse intento johnsoniano e, de quebra, revigorar parte do projeto crĂtico-adorniano, recorreu-se sistematicamente Ă s contribuiçþes dos Estudos Culturais (fundamentalmente, Richard Hoggart, Raymond Williams, Edward P. Thompson, Stuart Hall e Richard Johnson) e da sociologia de Pierre Bourdieu, REMHWLYDQGR XPD PHOKRU FRPSUHHQVmR GHVVH FKDPDGR Âłcircuito de capital/circuito de cultura´ (JOHNSON, 2000). Dos Estudos Culturais interessa, alĂŠm de pensar a comunicação do ponto de vista do circuito (produção, produto, recepção e cultura vivida, tomados indissociavelmente), ter tambĂŠm uma possibilidade de teorização da polĂtica e de politização da teoria, Ă maneira descrita por Lawrence Grossberg (1998, p. 66 ÂłI want to defend a different practice of theorizing, a different way of politicizing theory DQG WKHRUL]LQJ SROLWLFV 7KLV LV ZKDW , FDOO ÂľFXOWXUDO VWXGLHVϫ3. De Bourdieu, por sua vez, recorre-se a sociologia enquanto conhecimento praxiolĂłgico, ou seja, uma sociologia da prĂĄtica, baseada na tentativa de reequacionamento da dicotomia entre estrutura e ação, sociedade e indivĂduo, o todo e as partes. Assim, no cerne da dialĂŠtica entre prĂĄxis questionadora e conformismo, tenciona-se observar, na produção, na circulação e na recepção do forrĂł eletrĂ´nico atualmente em moda no mercado musical norte-rio-grandense, elementos que demonstrem algo para alĂŠm das possibilidades festivas de utilização desse gĂŞnero musical de massa, isto ĂŠ, seu lado nĂŁo-transparente. Vale lembrar, nas palavras de Albuquerque JĂşnior (1999, p. 23), que as OLQJXDJHQV P~VLFD FLQHPD WHDWUR SLQWXUD HWF ÂłQmR DSHQDV UHSUHVHQWDP R UHDO PDV LQVWLWXHP UHDLV´ 3URFXUD-se, desta forma, apreender o fenĂ´meno musical para alĂŠm de seu efeito lĂşdico, buscando entendĂŞ-lo tambĂŠm como elemento de (re)produção de 3 &RQWXGR p LPSRUWDQWH OHPEUDU FRP $GRUQR TXH Âłni la praxis transcurre independientemente da la teorĂa, ni esta es independiente de aquella´ $'2512 S
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realidades sociais (conservando ou modificando-as). Muito similarmente ao estudo de Jacks (2003) sobre a cultura gaĂşcha sob o domĂnio da indĂşstria cultural, a questĂŁo em anĂĄlise nĂŁo ĂŠ classificar ou diagnosticar o forrĂł eletrĂ´nico como bom ou ruim, avançado ou retrĂłgrado, tradicional ou moderno. NĂŁo se trata de um estudo valorativo. Trata-se, pois, de um levantamento das possibilidades desta produção simbĂłlica estar ligada a representação de uma realidade que oculta Ă s contradiçþes mais profundas de sua estruturação, ao invĂŠs de elucidĂĄ-las. Nesse tipo de pesquisa nĂŁo estĂĄ em disputa o bom ou ruim, mas sim, segundo David Harvey (1994), a anĂĄlise de uma produção cultural que, conseqĂźentemente, cria a formação de juĂzos estĂŠticos mediante um sistema organizado pela reprodução do capital. Os julgamentos ficam a critĂŠrio do leitor. Adentrando nas querelas do problema, atualmente tem sido episĂłdio corriqueiro ouvir de alguns setores sociais reclamaçþes acerca da degradação do gosto popular, freqĂźentemente associadas a um presente arrasado e um passado HQDOWHFLGR $GRUQR S Mi DILUPDUD HP TXH DV ÂłTXHL[DV DFHUFD GD decadĂŞncia do gosto musical sĂŁo, na prĂĄtica, tĂŁo antigas quanto esta experiĂŞncia ambivalente que o gĂŞnHUR KXPDQR IH] QR OLPLDU GD pSRFD KLVWyULFD´ H TXH D VDEHU ÂłWRGD YH] TXH D SD] PXVLFDO VH DSUHVHQWD SHUWXUEDGD SRU H[FLWDo}HV EDFkQWLFDV SRGHVH IDODU GD GHFDGrQFLD GR JRVWR´ Essa nostalgia, que nĂŁo ĂŠ exclusividade prosaica do senso comum, mas tambĂŠm adjacente de algumas anĂĄlises sociais Âą aquilo que Bourdieu (2003) chamou de senso comum douto Âą, tem se convertido em recursos interpretativos de uma realidade muito mais rica do que o mero olhar valorativo do passado. HĂĄ algo maior do que juĂzo de valor e maior do que saudosismo que precisa vir Ă tona. Por um lado, o forrĂł eletrĂ´nico enquanto gĂŞnero musical tem sido na realidade potiguar um alvo bem repreendido nos Ăşltimos anos, nĂŁo apenas por uma parte da mĂdia, mas tambĂŠm jĂĄ por uma parcela da população, independentemente de classe, sexo, nĂvel educacional, local de residĂŞncia e faixa etĂĄria. Por outro lado, ĂŠ tambĂŠm assĂduo encontrar quem diga que o gĂŞnero musical faz parte da cultura nordestina e que, mesmo com letras de grande padronização e com um elevado
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esquematismo rítmico, possibilita entretenimento e probabilidade de encontros amorosos. No emaranhado desses dois lados da moeda um grande desassossego se introduz: o esquecimento de que a música, longe de ser mero recurso motriz ou de relaxamento, possui também função de educação. Numa conjuntura em que as pessoas não percebem que a música que escutam, além de potencialmente promover a manutenção do status quo, ainda apresenta grande capacidade de regressão das capacidades humanas, é mister apontar os limites de tal audição. Não se trata de pensar a arte simploriamente como manifesto revolucionário. Apenas deve-se pensála, por exemplo, como Ernst Fischer, isto é, uma arte que, apoderando-se da platéia não através da identificação passiva, mas através de um apelo à razão, aponta, ao lado de sua origem mágica, também sua função de realidade. Seu papel é capacitar o KRPHP D ³incorporar a si aquilo que ele não é, mas tem possibilidade de ser´ (FISCHER, 1987, p. 19). Muitos desses discursos sobre o forró eletrônico, longe de serem críticos, contribuem fortemente para a obscuridade do fenômeno. Existem afirmações que atestam que o forró massificado de hoje é expressão das vontades individuais. Ledo engano! 6REUH D ³DXWRQRPLD´ GR JRVWR R UHIHUHQFLDO WHyULFR Ga Escola de Frankfurt já pôs em xeque há quase 100 anos. Também se encontra o argumento que as pessoas não ouviriam o forró, mas o usariam apenas como meio de dança e como entretenimento. Esse argumento é um dos mais aventureiros analiticamente, já que, além de sonegar o caráter constrangedor da indústria cultural, ainda mascara o lado heterônomo da recepção musical popular. Um terceiro e último argumento, bem menos elaborado, colocaria o forró eletrônico no epicentro das tradições regionais, inclusive como memória dos festejos juninos. Nova argumentação sem fundamento, pois as canções de sucesso em ³PRGD´ estão muito distantes de qualquer tematização junina de caráter regional. Nas paradas de sucessos das grandes emissoras de rádio potiguares não se ouve, nem no topo, nem na base, nenhum forró eletrônico elaborado no sentido representar o Nordeste por meio da música regional. Enfim, os argumentos existem e, na essência de cada um, vêm triunfando estratégias, ora abertas, ora ocultas, da indústria cultural.
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Deste modo, buscando reelaborar esses discursos a partir da Teoria CrĂtica, ou seja, quebrar o carĂĄter partidĂĄrio de suas formulaçþes, bem como reconhecer os prĂłprios limites do mĂŠtodo CrĂtico Âą como propĂľe Max Horkheimer (1991) Âą, a presente proposta de tese se justifica mediante a anĂĄlise do quadro conjuntural aqui tracejado, visando desobscurecer alguns discursos acrĂticos acerca da produção e do consumo do forrĂł. A pesquisa possui, entĂŁo, duas justificativas delineadas, uma no plano teĂłrico, outra no nĂvel empĂrico: 1. Ă&#x2030; preciso discutir o projeto teĂłrico-crĂtico acerca do problema da indĂşstria cultural, pois se observa com freqßência, ora seguidores ortodoxos de uma dialĂŠtica marxista que necessita de maior atenção, ora o esquecimento de um projeto teĂłrico muito frutuoso para ser simplificado/condenado. Ă&#x2030; preciso tambĂŠm reexaminar, a partir de perspectivas diversas, parte da chamada Primeira Teoria CrĂtica (fundamentalmente Theodor W. Adorno), observando que hoje, apesar da indĂşstria cultural estar plenamente consolidada, alguns dos elementos conceituais postos pelo debate naquele perĂodo carecem de revisĂŁo Âą por exemplo, o conceito de massa. 2. No plano empĂrico, ĂŠ preciso mostrar os limites do forrĂł eletrĂ´nico mais consumido atualmente, pois, segundo serĂĄ ressaltado ao longo deste escrito, nĂŁo observa-se nenhuma capacidade educativa nas mĂşsicas de sucesso (e nas que tambĂŠm nĂŁo fazem sucesso). Ă&#x2030; imperioso mostrar os riscos de uma audição sem engajamento e sem condiçþes crĂticas. Necessita-se ajuizar, assim como observou Bertoni (2001, p. TXH ÂłD P~VLFD p D H[SUHVVmR GR SHQVDU H GR VHQWLU GDV SHVVRDV GH XPD determinada ĂŠpoca. AlĂŠm de proporcionar prazer, ela tambĂŠm pode informar e FRQVFLHQWL]DU´ (VSHUD-se, entĂŁo, render com a renovação do projeto crĂtico e com a construção do objeto empĂrico aqui apresentado, jĂĄ que se nota presentemente pouca publicação que escape do carĂĄter panfletĂĄrio da temĂĄtica. Intenta-se uma pesquisa que, mesmo na tentativa extenuante de afastamento das prĂŠ-noçþes (DURKHEIM, 2001) e dos juĂzos de valor (WEBER, 2001a), assume o seu compromisso polĂtico. NĂŁo significa engajamento social prĂĄtico, mas sim, uma DWLWXGH DSUHHQVLYD GLDQWH GR FKDPDGR SHOD 7HRULD &UtWLFD GH ÂłMundo Administrado´
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(verwaltete Welt). Assim como bem reconhece Snyders (1997), nĂŁo se ignora aqui os riscos de elitismo acadĂŞmico que a pesquisa incorre. Arte e indĂşstria cultural, educação e diversĂŁo, lazer e trabalho, etc., nĂŁo podem ser tratados simplesmente como fenĂ´menos adversĂĄrios e antagĂ´nicos. Algo a mais deve ser mostrado. PorĂŠm, nĂŁo dĂĄ para ser tĂŁo otimista. Ă&#x2030; importante considerar, assim como alertou Roberto Da Matta (1983), que lutar contra o sistema ĂŠ tambĂŠm uma ideologia, jĂĄ que facilmente se pode demonstrar que o lutador tambĂŠm representa uma parte da sociedade que luta consigo mesma. Assim, todo grande homem comete os grandes enganos e realiza as grandes proezas de seu tempo. Ă&#x2030; assim que aqui se percebe, exemplarmente, Theodor W. Adorno 4. Adorno foi considerado um intelectual paradoxal, segundo ponderação de DurĂŁo (2003). Ao mesmo tempo em que ĂŠ reconhecida a sua trĂade influĂŞncia/ecletismo/interdisciplinaridade,
contrariamente,
jĂĄ
existe
certo
reconhecimento que suas idĂŠias nĂŁo dĂŁo mais conta Âą com a potĂŞncia de tempos pretĂŠritos Âą da realidade atual, inclusive na Alemanha. Sua anĂĄlise do capitalismo monopolista, seu freudismo, sua anĂĄlise dos meios de comunicação de massa e sua idĂŠia de sociedades simples jĂĄ seriam indĂcios de que sua obra necessita de revisĂŁo. No entanto, discordando desse diagnĂłstico e mantendo-se firme ao espĂrito adorniano, justamente propĂľe-se neste espaço perpetrar um exercĂcio crĂtico de sua obra para pensar a produção e o consumo do forrĂł eletrĂ´nico hoje. Assim, retomando adornianamente o problema estĂŠtico-crĂtico, neste cenĂĄrio dominante de arte-mercadoria, qual seria o papel da mĂşsica enquanto dimensĂŁo criativa humana? Qual a diferença entre a arte, no sentido convencional do vocĂĄbulo,
4 (P DSUHFLDomR D REUD GH $GRUQR *DEULHO &RKQ S QRV DOHUWD SDUD R IDWR TXH Âł$GRUQR p WLGR FRPR DXWRU GH OHLWXUD SDUWLFXODUPHQWH GLItFLO´ 3DUD &RKQ ÂłTXHP JRVWD GH WXGR SUonto e arrumado, nĂŁo deve ler Adorno. Essa leitura ĂŠ para quem estĂĄ disposto a uma experiĂŞncia instigante, Ă s vezes exasperante, mas VHPSUH IHFXQGD´ &2+1 S 7HUU\ (DJOHWRQ DVVLP UHIRUoD WDO DVVHUWLYD Âł&DGD IUDVH GH VHXV WH[WRV ĂŠ, por assim dizer, obrigada a trabalhar em excesso; cada sentença deve tornar-se uma obra-prima ou um milagre da dialĂŠtica, fixando um pensamento um segundo antes que ele desapareça em suas prĂłprias contradiçþes [...] Todos os filĂłsofos marxistas devem ser pensadores dialĂŠticos, mas com Adorno pode-se sentir o esforço e a dificuldade desse estilo vivo em cada frase, numa linguagem construĂda contra o silencio, QD TXDO WmR ORJR R OHLWRU SHUFHEH D XQLODWHUDOLGDGH GH XP DUJXPHQWR R VHX RSRVWR p LPHGLDWDPHQWH SURSRVWR´ (EAGLETON, 1993, p. 247-248).
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H D FKDPDGD ÂłDUWH OLJHLUD´ GD LQG~VWULD FXOWXUDO" 4XDO R VHX SDSHO QDV VRFLHGDGHV capitalistas atuais? Em suas Notas de Literatura PDLV HVSHFLILFDPHQWH QR WH[WR ÂłLĂrica e Sociedade´ $GRUQR DSRQWD TXH R WHRU GH XP Soema - da arte em geral - nĂŁo ĂŠ a simples demonstração de emoçþes, experiĂŞncias individuais e sensaçþes subjetivas. Âł3HOR FRQWUiULR HVWas sĂł se tornam artĂsticas quando, justamente em virtude da especificação que adquirem ao ganhar forma estĂŠtica, conquistam sua participação no XQLYHUVDO´ $'2512 S Para Adorno, a arte nĂŁo pode ser reduzida ao domĂnio do irracionalismo, do mero subjetivismo. Tal concepção seria similar Ă s estratĂŠgias da indĂşstria cultural, jĂĄ que nela permaneceria a consciĂŞncia reificada (ZUIN; PUCCI; RAMOS-DEOLIVEIRA, 2001). A concepção adorniana de arte Âą aquela que busca escapar da produção da indĂşstria cultural Âą reside em sua universalidade, essencialmente social, FDSD] GH DSUHVHQWDU D ÂłYR] GD KXPDQLGDGH´ DWUDYpV GD FRQVWUXomR HVWpWLFD 3DUD HOH D DUWH DR LQYpV GH VHU PHUD H[SRVLomR GH SDODYUDV H HPRo}HV WHP GH ÂłHVWDEHOHFHU HP vez disso, como o todo de uma sociedade, tomada como unidade em si mesma contraditĂłria, aparece na obra de arte; mostrar em que a obra de arte lhe obedece e em TXH D XOWUDSDVVD´ $'2512 S $ DUWH GHYH ÂłIDODU´, pois, o que a ideologia silencia. NĂŁo pode ser algo puramente individual. Para Adorno, o carĂĄter social da arte deve mostrar, para alĂŠm de sua individualidade estĂŠtica, o anĂşncio de uma situação diferente (conforme jĂĄ lembrado por Fischer); deve possibilitar uma reação Ă coisificação do homem e do mundo. Segundo mostram Zuin, Pucci e Ramos-de-Oliveira (2001, p. 44), em Adorno nĂŁo se trata de uma arte pura, mas sim, XPD ÂłDUWH FRPR HVFULWXUD GD KLVWyULD OHPEUDQoD GH XPD SRVVLELOLGDGH GH OLEHUGDGH H SURPHVVD GH XPD IXWXUD OLEHUWDomR´ Freitas (2008), tambĂŠm ancorada no pensamento adorniano, afirma que o carĂĄter fetichista da arte sĂŠria ĂŠ necessĂĄrio Âą expresso pelo preceito da arte pela arte (OÂśDUW SRXU OÂśDUW) Âą, uma vez que assegura o seu princĂpio anti-social e assegura o desprezo por normas e cĂłdigos prĂŠ-estabelecidos. Por outro lado, paradoxalmente, Adorno recusa a idĂŠia da arte pela arte, dizendo que esta esteriliza o seu potencial
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crĂtico. A arte possui, entĂŁo, um forte vĂnculo com a sociedade, mas nĂŁo aquele HVWDEHOHFLGR ÂłSHOD VXD IXQFLRQDOLGDGH VRFLDO H VLP GHYido ao fato de que a dinâmica histĂłrica da relação entre os homens [...] reflete-se nos problemas inerentes das IRUPDV GD DUWH FRQWHPSRUkQHD´ )5(,7$6 S $VVLP D DUWH VH DIDVWD H VH aproxima da sociedade para, deste modo, fazer falar o seu sigilo. Como estĂĄ expresso na Teoria EstĂŠtica ÂłD DUWH QHJD DV GHWHUPLQDo}HV FDWHJRULDOPHQWH LPSUHVVDV QD HPSLULD H QR HQWDQWR HQFHUUD QD VXD SUySULD VXEVWkQFLD XP HQWH HPStULFR´ (ADORNO, 2006b, p. 15); ou seja: ÂłD DUWH p R SDUD VL H QmR R p´ (ADORNO, 2006b, p. 17). A arte sĂł pode pretender ser vĂĄlida se carregar implicitamente uma crĂtica Ă s condiçþes de produção, e se se recorda a distância privilegiada que ela guarda dessas condiçþes, esse valor se invalida instantaneamente. Inversamente, a arte sĂł pode ser autĂŞntica se reconhece, silenciosamente, o quĂŁo profundamente estĂĄ comprometida com aquilo a que se opĂľe; mas, ao levar essa lĂłgica muito longe, enfraquece precisamente a sua autenticidade (EAGLETON, 1993, p. 253).
Por conseguinte, conforme nos enfatiza Terry Eagleton (1993, p. 255), a arte p ÂłDR PHVPR WHPSR XP ser-para-si e um ser-para-a-sociedade´ Deste fundamento bĂĄsico os produtos da indĂşstria cultural, sobretudo os mais massificados, padronizados e racionalizados, distinguem-se radicalmente. Perpetram exatamente o oposto, ou seja, aproximam-se da sociedade para, em seguida, silenciĂĄ-la. Novamente de acordo com Zuin, Pucci e Ramos-de-Oliveira, a teoria estĂŠtica adorniana vem mostrar que as obras de arte, alĂŠm de despertarem o belo e o ĂŞxtase, devem SURYRFDU LJXDOPHQWH R HVSDQWR D GRU D HVSHUDQoD D QHJDomR Âł,PSUHVVLRQDP QRVVD VHQVLELOLGDGH H SUHVVLRQDP QRVVD UDFLRQDOLGDGH´ S 'HYH KDYHU assim, um momento mimĂŠtico no conceitual e um momento racional na arte. Na leitura dos autores, nem a filosofia deve ser estetizada, nem a arte se racionalizar. A experiĂŞncia estĂŠtica ĂŠ, por conseguinte, a tensĂŁo entre esses dois pĂłlos. HĂĄ na DialĂŠtica Negativa uma passagem sinĂłptica dessa tensĂŁo: Arte e filosofia nĂŁo tĂŞm o seu elemento comum na forma ou no procedimento configurador, mas em um modo de comportamento que proĂbe a pseudomorfose. As duas permanecem incessantemente fiĂŠis ao seu prĂłprio teor atravĂŠs de sua oposição; a arte, na medida em que se enrijece contras as suas significaçþes; a filosofia, na medida em que nĂŁo se atĂŠm a nenhuma imediatidade (ADORNO, 2009, p. 21-22).
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Essa perspectiva renovadora de Adorno ĂŠ observada na Teoria EstĂŠtica, obra publicada postumamente em 1971, no qual, em um contexto marcado por conflitos, a arte pode interiorizĂĄ-los e elaborĂĄ-los como experiĂŞncia estĂŠtica, e, ao provocar perturbaçþes e transtornos de percepção, mostrar condiçþes de percepção de uma realidade conflituosa (GINZBURG, 2003). A mĂşsica pode ser e ter essa possibilidade de expressĂŁo de uma estĂŠtica crĂtica, nĂŁo plenamente a mĂşsica ligeira, mas a mĂşsica que permite uma experiĂŞncia musical distinta do mero relaxamento e da pueril diversĂŁo. No tocante ao elemento diversĂŁo, atualmente tudo Âą no sentido de entretenimento, prazer, etc. Âą ĂŠ colocado pelos apologistas da indĂşstria cultural, PHQRV R IDWR TXH VHULD SRVVtYHO ÂłTXH LQHVSHUDGDPHQWH D VLWXDomR >GH GRPLQDomR@ VH modificasse, se um dia a arte, de mĂŁos dadas com a sociedade, abandonasse a rotina GR VHPSUH LJXDO´ (ADORNO, 1991, p. 104). Para essa possibilidade a sociedade criou a mĂşsica, nĂŁo efetivamente a da indĂşstria cultural, mas a mĂşsica que resiste a audição regressiva. A mĂşsica sĂŠria possui uma potencialidade crĂtica Âą todavia, um vir-a-ser, Werden do alemĂŁo Âą, na medida em que pode ser expressĂŁo do sofrimento humano diante do Mundo Administrado. Contudo, a mĂşsica ligeira, alĂŠm de ser muito fortemente distração, contribui potencialmente para a regressĂŁo da capacidade de perceber algo alĂŠm do imediato. Para Adorno (2006a), na seleção de textos reunidos em Educação e Emancipação, mais especificamente no texto homĂ´nimo, vivemos numa ĂŠpoca de educação nĂŁo-emancipadora, mais voltada para a manutenção das instituiçþes do que para a busca da formação de indivĂduos autĂ´nomos. Essa condição nĂŁoemancipadora, chamada por Adorno de semiformação 5, compreende-se, nas palavras de Zuin (2001, p. 10), pela tentativa de oferecimento de uma formação educacional 'H DFRUGR FRP *UXVFKND ÂłD H[SUHVVmR VHPLIRUPDomR IRL FXQKDGD PRGHUQDPHQWH QR DQR GH nascimento de Adorno Âą 1903 pelo neo-humanista Friedrich Paulsen, no livro Halbbildung. Significava o indigesto conteĂşdo da escola secunGiULD TXH PDVVDFUDYD RV DOXQRV´ (P $GRUQR D H[SUHVVmR DGTXLUH XP sentido mais largo, ou seja, de adaptação acrĂtica Âą embora potencialmente competente Âą ao mundo social. 3DUD $GRUQR ÂłHO VHXGRFXOWR VH GHGLFD D OD FRQVHUYDFLyQ GH Vt HQ Vt PLVPR´ E S. 194).
5
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que se camufla da real condição de emancipação dos indivĂduos quando, DGYHUVDPHQWH ÂłFRQWULEXL GHFLVLYDPHQWH tanto para a reprodução da misĂŠria espiritual como para a manutenção da barbĂĄrie social. E o contexto social no qual a barbĂĄrie ĂŠ FRQWLQXDPHQWH UHLWHUDGD p R GD LQG~VWULD FXOWXUDO KHJHP{QLFD´ 'H DFRUGR FRP %iUEDUD )UHLWDJ S D ÂłVHPL-educação representa a educação deturpada, PDVVLILFDGD WUDQVIRUPDGD HP PHUFDGRULD´ Logo, as massas sĂŁo semiformadas afirmativamente para a confirmação da reprodução do vigente, para a perpetuação de um mundo da adaptação (MAAR, 2003). Ricardo Bahia (2004, p. 125) ĂŠ EHP GLUHWR DR DILUPDU TXH ÂłQmR VH SRGH confundir escolaridade com capacidade de compreensĂŁo do mundo 6Âł Mi TXH D escolaridade nos termos dessa educação semi-formadora mais confunde do que esclarece. A semicultura ĂŠ, pois, semiformação cultural que deforma e que limita o indivĂduo, trazendo obstĂĄculos Ă uma formação crĂtica (ZUIN; PUCCI; RAMOS-DEOLIVEIRA, 2001). Assume-se, deste modo, seguindo o projeto teĂłrico adorniano, a tese da educação como um estado de consciĂŞncia crĂtica ao status quo, capaz de pensar em suas contradiçþes e imaginar algo para alĂŠm dessa situação7. Reforçando com a sinopse de Silva (2009), a educação em Adorno ĂŠ uma educação negativa no confronto com a realidade: educação para a crĂtica, para a contradição e para a resistĂŞncia. DaĂ que a emancipação nĂŁo pode ser tratada como uma categoria vazia, capaz de elevar o indivĂduo a um mundo que nĂŁo existe em concretude. Trata-se, aliĂĄs, da formação de um sujeito que, alĂŠm de saber jogar, conhece as regras do jogo. Para Adorno, deve-se alertar DRV KRPHQV R FDUiWHU GH VXD LOXVmR SHUPDQHQWH ÂłSRLV KRMH
³8P SHQVDPHQWR FRQVHUYDGRU SRGHULD DGX]LU TXH D GLIXVmR GD LQG~VWULD FXOWXUDO Vy VH YHULILFD QR PHLR GRV LOHWUDGRV FRPR VH RV SRGHURVRV HVWLYHVVHP LVHQWRV GR FRQWDWR FRP RV SURGXWRV VHPLFXOWXUDLV /HGR HQJDQR´ (ZUIN; PUCCI; RAMOS-DE-OLIVEIRA, 2001, p. 63). 7 Um esclarecimento deve ser posto, baseado no pensamento adorniano problematizado por Freitag: ³2EYLDPHQWH XPD HGXFDomR DXWrQWLFD TXH SUHVHUYDVVH VHX FDUiWHU FUtWLFR H VXD IXQomR DR PHVPR WHPSR libertadora e repressora, não poderia, por si só, romper com essas estruturas objetivadas que se opþem de IRUPD LPSODFiYHO DR LQGLYtGXR´ )5(,7$* S 1R HQWDQWR XPD HGXFDomR DXWrQWLFD DLQGD TXH tenha um sentido, ora elitista, ora utópico, jå Ê um requisito para evitar o avanço da semi-cultura, da semiformação. 6
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em dia o mecanismo da ausĂŞncia de emancipação ĂŠ o mundus vult decipi em âmbito SODQHWiULR GH TXH R PXQGR TXHU VHU HQJDQDGR´ $'2512 D S A educação autĂŞntica em Adorno tem um duplo sentido: adaptação, mas tambĂŠm um estado de crĂtica, um momento de possibilidade de autonomia. Nele, a educação verdadeira, ou seja, aquela que difere da semiformação ou semicultura, ĂŠ sumariamente o mesmo que emancipação. NĂŁo se trata de pensar o conceito de emancipação como uma categoria estĂĄtica, mas sim, como um vir-a-ser, jĂĄ que ĂŠ preciso ver efetivamente as enormes dificuldades que se opĂľem ao conceito na atual organização do mundo e, tambĂŠm, nĂŁo ser possĂvel pensar num indivĂduo existindo na sociedade simplesmente conforme suas prĂłprias determinaçþes. Mesmo este suposto homem emancipado permanece arriscado a se tornar nĂŁo-emancipado, uma vez que qualquer tentativa de crĂtica ĂŠ submetida a resistĂŞncias. Para Adorno (2006a), os defensores do status quo procurarĂŁo sempre demonstrar que essa emancipação estĂĄ superada; ĂŠ utĂłpica. Assim, VHJXQGR =XLQ S ÂłGLILFXOWD-se a sobrevivĂŞncia do pensamento crĂtico numa VRFLHGDGH HP TXH RV LQGLYtGXRV VH WUDQVIRUPDP HP ÂľFDL[DV GH UHVVRQkQFLDϫ Deste modo, Ă moda de objetivar a pesquisa e conter esta problematização, a presente tese procurou entender o forrĂł eletrĂ´nico atualmente veiculado no RN a partir da relação entre a produção de uma forma simbĂłlica e as representaçþes sociais possĂveis, embora nĂŁo mensurĂĄveis, de suas mensagens. Especificamente, foi imperioso para o alcance desse objetivo geral: a) Efetuar uma revisĂŁo teĂłrica no âmbito do conceito de indĂşstria cultural, buscando expor seus limites e possibilidades de diagnĂłstico para o sĂŠculo XXI (objetivo teĂłrico); b) Reconstituir o aparecimento do forrĂł eletrĂ´nico enquanto gĂŞnero musical institucionalizado, buscando compreender suas caracterĂsticas constituintes, sua variabilidade musical e a estruturação atual de seu mercado (objetivo histĂłrico); c) Analisar as formas de produção, comercialização e consumo do forrĂł eletrĂ´nico no RN, visando demonstrar seus percalços e potencialidades enquanto manifestação popular na realidade potiguar (objetivo empĂrico).
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Antes de passar a narrativa das condiçþes da pesquisa empĂrica, ĂŠ preciso lembrar que nĂŁo hĂĄ estudo de maior ou menor relevância, mas sim, com maior ou menor objetividade. Umberto Eco (2006, p. 29) traz uma advertĂŞncia basal acerca do estudo de alguns objetos considerados, na ciĂŞncia social dominante, de menor YHHPrQFLD Âł8PD GDV REMHo}HV TXH VH PRYHP D SHVTXLVDV GHVVH JrQHUR > @ p D GH terem acionado um aparelhamento cultural exagerado para falarem de coisas de PtQLPD LPSRUWkQFLD FRPR XPD HVWyULD HP TXDGULQKRV RX XPD FDQoRQHWD > @´ (&2 2006, p. 30). Ă&#x2030; necessĂĄrio, pois, fugir dessa ideia prĂŠ-concebida e, portanto, romper com a valoração, reconhecendo que entre objeto e mĂŠtodo deve existir uma adesĂŁo orgânica para uma maior objetividade do conhecimento. O PERCURSO METODOLĂ&#x201C;GICO: ÂłCIRCUITOS DE CAPITAL/CIRCUITOS DE CULTURA´ O presente trabalho ĂŠ fruto de um investimento qualitativo de pesquisa. NĂŁo se buscou, em si, caracterizar a globalidade do mercado forrozeiro estruturado no RN, nem tampouco descrever representativamente Âą sob o carĂĄter probabilĂstico-amostral Âą os tipos de consumo desse gĂŞnero musical. Tratou-se aqui de, basicamente, compreender determinadas facetas do forrĂł eletrĂ´nico hegemĂ´nico no Rio Grande do Norte a partir do relato de alguns de seus sujeitos constitucionais, ou seja, por um lado, indivĂduos que auferem materialmente a vida nesse mercado musical (mĂşsicos e empresĂĄrios) e, de outro, indivĂduos que sĂŁo sua razĂŁo de ser (ouvintes de toda natureza). Esta ĂŠ a primeira observação metodolĂłgica a ser ressaltada: trata-se de um estudo de caso. NĂŁo possui nem a intenção, nem a potĂŞncia de se alargar para todo o RN. NĂŁo obstante, ĂŠ correto pressupor que algumas consideraçþes empĂricas aqui esboçadas sĂŁo tambĂŠm indĂcios, ora substanciais, ora parciais, de uma realidade maior. As observaçþes nĂŁo-mensurĂĄveis ficam por conta da ponderação do leitor. A segunda nota metodolĂłgica diz respeito a diferença entre o consumo do forrĂł eletrĂ´nico como mĂşsica de cultivo privado e como consumo festivo (espetĂĄculo pĂşblico), embora tal distinção nĂŁo se verifique plenamente em realidade. A reserva se refere ao consumo do forrĂł eletrĂ´nico sob duas vertentes, isto ĂŠ, como uma prĂĄtica
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festiva, ou seja, como uma festa vivida (espaço de entretenimento coletivo), e tambĂŠm, de forma delimitada, como um consumo musical privado: audição de CDs e DVDs. Consumo privado de mĂşsica e consumo pĂşblico de festa sĂŁo prĂĄticas quase que indissociĂĄveis, sobretudo num gĂŞnero musical dançante como o forrĂł. AliĂĄs, tomar o forrĂł eletrĂ´nico apenas como mĂşsica ou dança seria minimizar muito o fenĂ´meno. Trata-se, em vez disso, de um Mix de mĂşsica, dança, festa, humor, moda, linguagem, etc., ou seja, toda uma teatralização de uma nordestinidade urbanoindustrial. Mesmo assim, a presente tese possui uma maior inclinação para o consumo privado das cançþes, embora tambĂŠm preste certa atenção Ă festa de forrĂł eletrĂ´nico como fenĂ´meno marcante da sociabilidade de parte significativa da população potiguar, independentemente de classe social, sexo, local de residĂŞncia, educação e/ou faixa etĂĄria. ApĂłs as duas advertĂŞncias metodolĂłgicas elencadas, procurou-se, no presente campo empĂrico, especificamente: a) entender a natureza empresarial dos grupos musicais; b) descrever o conteĂşdo dominante presente nas letras de determinadas mĂşsicas de forrĂł eletrĂ´nico captadas pelo recorte musical selecionado; c) compreender como os ouvintes decodificam parte do forrĂł eletrĂ´nico mais veiculado no Rio Grande do Norte; d) perceber a ligação e o sentido prĂĄtico que essas mĂşsicas desempenham na vida de cada ouvinte (em VXDV ÂłFXOWXUDV YLYLGDV´ 2 HQWURVDPHQWR desses quatro objetivos, aparentemente bem especĂficos, mas entrelaçados Âą feitos em ÂłQy´ Âą, permitiu a compreensĂŁo do problema geral deste escrito, ou seja, apreender que visĂŁo de mundo o forrĂł eletrĂ´nico oferece aos ouvintes e, a partir das possĂveis formas de recepção, pensar o estabelecimento de relaçþes de dominação em determinados contextos empĂricos. Assim, no intuito de dar conta de parte objeto e, concomitantemente, de escapar das armadilhas da valoração e dDV FHUWH]DV GD SURSDODGD ÂłREMHWLYLGDGH´ cientĂfica, elegeu-se para este estudo uma investigação de cunho qualitativo. &RQFRUGDPRV FRP ( 3 7KRPSVRQ E S TXH Âłp SHUIHLWDPHQWH SRVVtYHO TXH mĂŠdias estatĂsticas e experiĂŞncia humanas conduzam a direç}HV RSRVWDV´ 1HVVH sentido, pela descrença quase que efetiva na quantificação de uma experiĂŞncia
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humana tĂŁo incrustada na dicotomia objetivismo/subjetivismo como ĂŠ o gosto musical, optou-se pela pesquisa qualitativa 8. A abordagem qualitativa recorre a indicadores nĂŁo frequenciais susceptĂveis de permitir inferĂŞncias, jĂĄ que a presença (ou a ausĂŞncia) de determinados elementos pode constituir um Ăndice tanto (ou mais) frutĂfero que a freqßência demasiada da aparição. Interessou, por conseguinte, observar tanto os aspectos mais Ăłbvios e esperados quanto ressaltar determinados elementos nĂŁo tradicionalmente cĂŠlebres do mercado forrozeiro e de seu consumo. Assim, nas vicissitudes da busca pela legitimidade do mĂŠtodo, a opção pelo estudo qualitativo se deu pelas prĂłprias razĂľes estruturais do objeto. Diante disso, apĂłs a definição qualitativa da investigação, adotou-se como terceira referĂŞncia metodolĂłgica basal a idĂŠia de que nĂŁo se pode compreender o problema posto atravĂŠs de uma visĂŁo fragmentada do processo de comunicação; isto ĂŠ, para a apreensĂŁo da produção/consumo GH XP JrQHUR PXVLFDO GH ÂłPDVVD´ p QHFHVViULR HQWUDU QR Âłcircuito´ da produção, da circulação e da recepção cultural, atentando tanto para os momentos estruturados, quanto para os estruturantes do processo comunicacional. Hall (2003, p. 387) afirma que tradicionalmente a pesquisa em comunicação de
massa
tem
freqĂźentemente
sido
criticada
pela
sua
linearidade
²
Âłemissor/mensagem/receptor; por sua concentração no nĂvel da troca de mensagens; e pela ausĂŞncia de uma concepção estruturada dos diferentes momentos enquanto FRPSOH[D HVWUXWXUD GH UHODo}HV´ 3DUD WDQWR 5LFKDUG -RKQVRQ apresenta uma construção metodolĂłgica que procura romper com essa linearidade e, conforme sua recomendação, entender os fenĂ´menos comunicacionais a partir de seus quatro momentos estruturantes (e indissociĂĄveis): 1. Produção da mensagem; 2. Mensagem WH[WR /HLWXUDV SRVVtYHLV H Âł&XOWXUD YLYLGD´
8
NĂŁo obstante, as inferĂŞncias empĂricas da anĂĄlise descritiva do conteĂşdo musical do estudo de caso estĂŁo RUJDQL]DGDV VRE D IRUPD TXDQWLWDWLYD WRGDYLD VRPHQWH QD Âłforma´ H QmR QR WUDWDPHQWR UHFHELGR &RQIRUPH DGYHUWH $GRUQR Âł1mR hĂĄ nenhuma intelecção quantificada que nĂŁo receba de inĂcio seu sentido, seu terminus ad quem QD UHWUDGXomR SDUD R HOHPHQWR TXDOLWDWLYR´ $'2512 S
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Johnson nessa reflexão assume uma postura essencialmente lúcida em relação a pesquisa científica, já que não cai na armadilha da chamada objetividade a todo custo. O modelo intitulado ³circuito de capital/circuito de cultura´ representa uma possibilidade de captar a totalidade da produção e do consumo cultural sem, contudo, abafar as particularidades dos processos comunicativos ± sem perder de vista, por exemplo, os chamados outliers às vezes marginalizados em um box-plot estatístico. Conforme também sugere Janotti Júnior (2006, p. 06): Traçar a genealogia de uma canção popular massiva envolve localizar estratégias de convenções sonoras (o que se ouve), convenções de performance (regras formais e ritualizações partilhadas por músicos e audiência), convenções de mercado (como a música popular massiva é embalada) e convenções de VRFLDELOLGDGH TXDLV YDORUHV H JRVWRV VmR ³LQFRUSRUDGRV´ H ³H[FRUSRUDGRV´ HP determinadas expressões musicais). Assim, o crítico e/ou analista, pode partir das relações que vão do texto ao seu entorno midiático, dos músicos à audiência, do gênero aos relatos críticos, dos intérpretes ao mercado para dar conta das questões que envolvem a formação dos gêneros musicais.
Deste modo, não há como isolar os momentos de produção e de consumo midiáticos. Uma abordagem multiperspectívica ± da maneira pensada por Kellner (2001) ± se torna, pois, mais competente do que análises focadas em momentos distintos do diagrama. Logo, para o entendimento da produção do forró eletrônico (primeiro momento do diagrama), realizou-se um programa9 de doze (12) entrevistas estruturadas com músicos, ex-músicos e empresários 10 do mercado do forró norterio-grandense, a saber: 1) Cavaleiros do Forró 2) Naldinho Ribeiro Forró Pé-de-Serra 3) Calcinha de Menina 4) Balança Bebê 5) Balanço de Menina 6) Forró Zabumbaço 7) Meirinhos do Forró 8) Forró Marotto 9) Forró Bagaço 10) Cláudio Sanfoneiro (2UTXHVWUD ³6DQI{QLFD´ GH 0RVVRUy) 11) Regente Valdier Ribeiro11 (Orquestra Petrobrás de Guamaré/RN) 12) Damião (músico freelancer). 9
Programa de entrevistas realizado por acessibilidade, isto é, por disponibilidade dos músicos/empresários e acesso possível do pesquisador. Três dos músicos entrevistados não estavam, na ocasião da entrevista, mais ligados profissionalmente ao mercado do forró eletrônico, embora ainda exercessem a atividade de músico profissional, somente eventualmente voltada ao forró. Uma das bandas, na ocasião, estava desativada. 11 Ex-Músico de Forró Eletrônico. 10
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Visando manter o pleno anonimato de cada informante, optou-se por nĂŁo identificar os entrevistados durante a pesquisa. Por conseguinte, durante as transcriçþes das falas obtidas, cada informante teve seu nome substituĂdo por outra identificação (categorização numĂŠrica progressiva 12). AlĂŠm disso, a ordem dos entrevistados foi tambĂŠm alterada, de modo a nĂŁo haver nenhum tipo de correspondĂŞncia entre o nome concreto e a aludida numeração progressiva. Assim, o leitor nĂŁo encontrarĂĄ a identificação real de nenhum dos doze informantes acima mencionados durante a anĂĄlise empĂrica nos capĂtulos 4 e 5. Cada entrevista estruturada consistiu, segundo Gil (2007), numa relação fixa de perguntas (lista prĂŠ-fixada de questĂľes), na qual a ordem e a redação permaneceram invariĂĄveis para todos os entrevistados, permitindo assim, no momento da oUJDQL]DomR GRV GDGRV XPD PHOKRU ÂłREMHWLYLGDGH´ GDV UHVSRVWDV As entrevistas Âą desse primeiro momento do diagrama Âą foram realizadas entre o mĂŞs de julho de 2010 e fevereiro de 2011, nas cidades de Natal, Parnamirim, CearĂĄ-Mirim, JoĂŁo Câmara, Nova Cruz e MossorĂł. No geral, abordaram-se os seguintes aspectos: a) b) c) d) e) f) g) h) i) j) k)
Criação das bandas de forró eletrônico Percepção sobre a variabilidade do forró Diferenciação tÊcnica das bandas de forró eletrônico Gravação das cançþes (CDs, DVDs...) Composição temåtica das músicas Informalidade ¹ ³3LUDWDULD´ ¹ no setor Meios de lucratividade das bandas Recursos humanos no forró eletrônico Papel do músico freelancer no forró Competitividade do mercado ³SXFHVVR´ PXVLFDO e durabilidade das cançþes
Avançando, para a compreensão do segundo momento do diagrama johnsoniano, ou seja, dos textos produzidos (isto Ê, o conteúdo musical propriamente dito), realizou-se uma anålise descritiva do conteúdo da discografia oficial13 da banda Garota Safada, grupo cearense de forró eletrônico atualmente muito difundido no RN
12
Informante Forrozeiro 01, Informante Forrozeiro 02, Informante Forrozeiro 03... E assim por diante... Enfatiza-se a discografia oficial em razão GDV PXLWDV JUDYDo}HV HP IRUPDWR ³DR YLYR´ TXH VmR ODQoDGDV semanalmente por quase todas as bandas de forró.
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e no mercado nacional. Deste modo, foram analisados os cinco (05) primeiros ĂĄlbuns da banda Garota Safada, lançados, efetivamente, entre os anos de 2004 e 2008 14. A anĂĄlise descritiva do conteĂşdo musical objetivou a categorização sistemĂĄtica da substância empĂrica expressa em cada mĂşsica veiculada no recorte musical especificado, procurando observar os elementos mais freqĂźentes nas mĂşsicas em apreciação. Apesar das vĂĄrias e reconhecidas objeçþes a essa tĂŠcnica de anĂĄlise, faz-se aqui seu uso basicamente como recurso descritivo, isto ĂŠ, como sistematização do material empĂrico, jĂĄ que interessa, para alĂŠm da aparição numĂŠrica de determinadas informaçþes, observar tambĂŠm elementos nĂŁo tĂŁo presentes em termos de repetição. Um sutil refrĂŁo pode significar muito mais do que a exaustiva repetição de uma palavra em si. O terceiro momento do diagrama se fundamentou no uso das categorias de anĂĄlise presentes em Hall (2003) para a compreensĂŁo do consumo do gĂŞnero musical supracitado (conceitos discutidos no capĂtulo 2). O uso das categorias leitura preferencial, leitura negociada e leitura de oposição foi, conseqĂźentemente, a base metodolĂłgica para a interpretação da recepção Âą consumo Âą do forrĂł eletrĂ´nico. Significam, todavia, categorias tĂpico-ideais, Ă maneira weberiana, na qual propĂľem formar um juĂzo de atribuição. NĂŁo sĂŁo hipĂłteses, mas pretendem Âłapontar o caminho para a formação de hipĂłteses. Embora nĂŁo constitua uma exposição da realidade, pretende conferir a ela meios expressivos unĂvocoV´ :(%(5 S 137a). Buscou-se,
por
conseguinte,
uma
aplicação
desse
modelo
codificação/decodificação Âą encoding/decoding Âą em quatro grupos distintos de informantes (obtidos, igualmente os grupos musicais, por acessibilidade). Foram eles: a) 10 estudantes do ensino mĂŠdio de uma escola pĂşblica estadual localizada no municĂpio de SĂŁo Gonçalo do Amarante, regiĂŁo metropolitana de Natal (a escola se localiza numa ĂĄrea limĂtrofe, estando a poucos metros da zona norte da capital); Informaçþes coletadas no site oficial da banda: http://bandagarotasafada.com/multimidia/discografia
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b) 10 estudantes de uma instituição pĂşblica de ensino superior, localizada na cidade de MossorĂł, aproximadamente 280 km de Natal; c) 12 estudantes do ensino mĂŠdio de uma distinguida escola privada situada em Natal; d) 13 estudantes tambĂŠm do ensino mĂŠdio de uma escola pĂşblica estadual na cidade de Touros, distante aproximadamente 90 km da capital. Ao final da coleta de dados com o pĂşblico potencialmente exposto ao forrĂł eletrĂ´nico, 45 pessoas fizeram parte deste programa de entrevistas de preferĂŞncia musical15. Optou-se novamente por manter em sigilo o nome dos informantes e qualquer informação que pudesse conduzir a identificaçþes, buscando, assim como %RXUGLHX S SURWHJHU ÂłRV GHSRLPHQWRV TXH KRPHQV H PXOKHUHV QRV FRQILDUDP D SURSyVLWR GH VXD H[LVWrQFLD´ 3URQWDPHQWH WRGDV DV LGHQWLficaçþes sĂŁo, por conseguinte, codinomes arbitrariamente escolhidos. Qualquer semelhança serĂĄ mera coincidĂŞncia. A coleta de dados com os ouvintes se deu efetivamente entre os meses de fevereiro e abril de 2011, especificamente, em 24 e 25 de fevereiro e 07, 16 e 18 de abril. Por ordem de concretização, o programa de entrevistas foi realizado na Escola Estadual Padre JosĂŠ Maria Biezinger (MunicĂpio de SĂŁo Gonçalo); no Centro de Educação Integrada Âą CEI (Natal); na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (Campus Central, MossorĂł); e na Escola Estadual TabeliĂŁo JĂşlio Maria (MunicĂpio de Touros). O contato inicial com os estudantes se deu sempre atravĂŠs de um intermediador, geralmente alguĂŠm da Âłsuposta´ confiança dos informantes (professores das instituiçþes). Esses intermediĂĄrios foram escolhidos de modo a facilitar, por meio de certa proximidade social, uma comunicação menos violenta, isto ĂŠ, menos passĂvel de exercer certos efeitos indesejĂĄveis para a pesquisa, Ă maneira aludida por Bourdieu (1997): reduzir no mĂĄximo a violĂŞncia simbĂłlica que se pode exercer atravĂŠs da pesquisa, procurando diminuir, na medida do possĂvel, a 15
Somados com os doze informantes anteriores (mĂşsicos e empresĂĄrios de forrĂł), 57 entrevistados foram ouvidos ao longo da pesquisa.
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dissimetria entre pesquisador e informante Âą mesmo sabendo que, estruturalmente, ÂłWRGRV RV SURFHGLPHQWRV H WRGRV RV VXEWHUI~JLRV Tue podemos imaginar para reduzir D GLVWkQFLD WrP VHXV OLPLWHV´ %285',(8 S Cada entrevista foi realizada individualmente (em espaço separado). AlĂŠm disso, a escolha do informante nĂŁo teve interferĂŞncia do pesquisador. Os entrevistados foram captados, essencialmente, por convite direto do intermediador. No mais, participaram da pesquisa nĂŁo apenas os ouvintes mais cativos de forrĂł, mas qualquer indivĂduo exposto ao gĂŞnero musical, independentemente de preferĂŞncia musical. Nesse segundo roteiro de entrevista foram abordados os seguintes temas: a) b) c) d) e) f) g) h) i) j) k) l) m) n) o)
Perfil: sexo, faixa-etåria e renda familiar mensal Preferência musical Sentidos das letras de forró Utilidade do forró no cotidiano Bandas preferidas Percepção sobre os distintos tipos de forró Freqßência a shows Aquisição de CDs e DVDs 'HILQLomR GH P~VLFD GH ³VXFHVVR´ Locais de audição (escuta) do forró Forró e consumo Forró e redes de relacionamentos Håbitos de lazer Preferência musical familiar Avaliação da qualidade musical do forró eletrônico atual
O quarto momento da pesquisa, indissociavelmente ligado aos demais, encerrou o circuito Âą a depender do ponto de vista tambĂŠm pode iniciĂĄ-lo Âą com uma anĂĄlise compreensiva do cotidiano do ouvinte (cultura vivida), ora associando sua preferĂŞncia musical e seus hĂĄbitos de lazer Ă s condiçþes materiais de existĂŞncia, ora ao acesso a determinados cĂłdigos e seus respectivos meios de leitura (capital cultural). A sociologia de Pierre Bourdieu, nesse quarto momento, ocupou lugar de destaque16. Por fim, realizou-se uma breve e assistemĂĄtica coleta de dados documentais (fontes secundĂĄrias) em jornais, blogs e sites de bandas de forrĂł, objetivando uma 16 Embora a adesĂŁo orgânica entre Bourdieu e Adorno seja bem mais difĂcil de ser obtida. O diĂĄlogo entre ambos nem sempre possui boa justaposição, fato que aumentou o desafio desta comunicação entre os autores.
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maior caracterização do objeto a partir de relatos nĂŁo captados pela pesquisa de campo. Entrementes, jĂĄ principiando a entrada na discussĂŁo teĂłrica que logo terĂĄ inĂcio, foi freqĂźente encontrar quem distinga e torne conflitantes a tradição crĂtica dos estudos dos efeitos (Teoria CrĂtica) e a tradição dos estudos da recepção (Estudos Culturais). No mais, de fato sĂŁo epistemologicamente diferentes, com graus de desenvolvimento distintos e, ainda, com visĂľes de mundo particulares. AtĂŠ aĂ tudo bem! O que de fato nĂŁo ĂŠ metodologicamente viĂĄvel ĂŠ tornĂĄ-las incompatĂveis. O estudo frankfurtiano dos efeitos da indĂşstria cultural sobre a recepção, embora distinto dos Estudos Culturais, pode ser compatĂvel com uma abordagem cultural da recepção, desde que se tornem claros os objetivos e os mĂŠtodos de cada problema de pesquisa. A ideia do Âłmodelo integrado´ presente em Porto (2003) ĂŠ, nesse sentido, muitĂssimo relevante, uma vez que para o estudo das audiĂŞncias um enfoque integrado deve ter lugar atravĂŠs da combinação de diferentes mĂŠtodos: estudos dos efeitos e pesquisas de recepção. Assim, conforme diretamente adverte Douglas Kellner, ÂłGevemos tentar evitar as abordagens unilaterais da teoria da manipulação e GD UHVLVWrQFLD´ Mi TXH, metodologicamente, ÂłFHUWDV WHQGrQFLDV GD (VFROD GH )UDQNIXUW podem corrigir algumas limitaçþes dos estudos culturais, assim como os estudos culturais britânicos podem ajudar a superar algumas limitaçþes da Escola de )UDQNIXUW´ .(//1(5 S Interessa, desta forma, mostrar que a Escola de Frankfurt nĂŁo ĂŠ incompatĂvel com os Estudos Culturais britânicos e que o modelo de integração nĂŁo ĂŠ sĂł possĂvel como viĂĄvel, a depender de uma combinação de metodologias e um pressuposto bĂĄsico geral: da Escola de Frankfurt deve-se centrar na força da indĂşstria cultural, basilarmente pelos novos mecanismos de sedução do pĂşblico; e dos Estudos Culturais na resposta dos indivĂduos, concebendo a hegemonia gramscianamente como uma arena de lutas pela significação cultural; isso tudo, ĂŠ claro, sem perder de vista a idĂŠia de heteronomia na Teoria CrĂtica e a noção de hegemonia nos Cultural Studies. Ambos, Teoria CrĂtica e Estudos Culturais, complementados por Bourdieu,
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expressam a presente DERUGDJHP ÂłmultiperspectĂvica17´ SDUD R IHQ{PHQR FRPXQLFDFLRQDO ÂłTXDQWR PDLV WHRULDV VH WrP D GLVSRVLomR PDLV WDUHIDV SRGHUmR VHU cumpridas e mais especĂficos serĂŁo os objetos e temas que SRGHUmR VHU WUDWDGRV´ (KELLNER, 2001, p. 40). Assim, como mapeamento sinĂłptico para a entrada nas seçþes seguintes, ĂŠ importante destacar que no capĂtulo primeiro estĂĄ esboçada uma discussĂŁo adorniana acerca da atualidade do conceito de indĂşstria cultural e sua repercussĂŁo na mĂşsica popular. Em seguida, no capĂtulo dois, faz-se um ligeiro histĂłrico dos Estudos Culturais britânicos juntamente com o conceito de hegemonia em Antonio Gramsci, GHVHPERFDQGR QR PRGHOR Âłencoding and decoding´ SURSRVWR SRU 6WXDUW +Dll como recurso para instrumentalizar as leituras possĂveis presentes no consumo forrozeiro potiguar. No capĂtulo terceiro, descreve-se um breve histĂłrico do mercado comercial do forrĂł, do baiĂŁo gonzagueano dos anos 1940 ao forrĂł eletrĂ´nico atual. Nos capĂtulos quatro e cinco estĂŁo expostos os dados empĂricos da pesquisa de campo. No quarto capĂtulo, a empiria estĂĄ subdivida em dois momentos: o da produção empresarial do forrĂł eletrĂ´nico (4.1) e o da codificação do material musical, isto ĂŠ, a tematização das cançþes (4.2). No capĂtulo cinco novamente hĂĄ duas divisĂľes: a primeira arquiteta a aplicação do modelo de decodificação proposto por Hall aos informantes ouvintes apreendidos pela pesquisa de campo (5.1); a segunda expressa uma leitura do consumo do forrĂł eletrĂ´nico a partir da sociologia de Pierre Bourdieu, basicamente atravĂŠs dos conceitos de habitus, capital cultural e capital social (5.2). Nas consideraçþes finais do estudo, visando nĂŁo tornar enfadonho um resgate do que jĂĄ foi extenuantemente dito, tem-se uma anĂĄlise da produção e do consumo do IRUUy HOHWU{QLFR FRPR FUtWLFD GD LGHRORJLD UHDILUPDQGR R FRQFHLWR QmR FRPR ÂłIDOVD
17 Embora tal modelo multiperspectĂvico em Kellner faça a opção nĂŁo por Bourdieu, mas sim por um diĂĄlogo crĂtico com algumas teorias denominadas pĂłs-modernas.
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FRQVFLrQFLD´ PDV VLP FRPR HVSHFtILFDV UHODo}HV GH VLJQLILFDGRV TXH FRQWULEXHP para a manutenção de determinadas relaçþes de dominação. Por fim, ĂŠ bom lembrar que essa alongada descrição metodolĂłgica acima visou nĂŁo unicamente vislumbrar os distintos caminhos percorridos, mas, essencialmente (no sentido de essencial), tornar nĂtido o aturado e honesto trabalho empenhado durante toda a pesquisa, uma vez que, Âł QD HQWUDGD SDUD D FLrQFLD Âą como na entrada do Inferno Âą p SUHFLVR LPSRU D H[LJrQFLD´ 0$5; S
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THEODOR W. ADORNO E A POTĂ&#x160;NCIA DO CONCEITO DE
INDĂ&#x161;STRIA CULTURAL
³A diversão Ê o prolongamento do trabalho sob o capitalismo tardio´ Theodor W. Adorno & Max Horkheimer (1985, p. 113). DialÊtica do Esclarecimento
5(9,6,7$1'2 $ Âł.8/785,1'8675,(´ E O PROBLEMA DA REIFICAĂ&#x2021;Ă&#x192;O
A expressĂŁo IndĂşstria Cultural (Kulturindustrie) foi cunhada pela primeira vez em 1947 por Theodor W. Adorno e Max Horkheimer nos fragmentos filosĂłficos reunidos sob o tĂtulo de Âł'LDOpWLFD GR (VFODUHFLPHQWR´, termo que viria contrapor o conceito cultura de massa por tratar de um fenĂ´meno distinto quanto a sua natureza. 3UHIHULUDP HQWmR ÂłXVDU D H[SUHVVmR ÂľLQG~VWULD FXOWXUDOÂś SDUD HYLWDU D FRQIXVmR FRP uma arte que surgisse espontaneamente no meio popular, que ĂŠ algo bastante GLIHUHQWH´ )5(,7$6 S 1D DSUHFLDomR GH :ROIJDQJ /HR 0DDU R termo cultura de massas parece indicar uma cultura solicitada pelas prĂłprias massas, fora do alcance da totalização. Contrariamente, o termo indĂşstria cultural ressalta o mecanismo pelo qual a sociedade como um todo ĂŠ construĂda, sob o escudo do capital, reforçando as condiçþes vigentes. Segundo Gabriel Cohn, trata-se de um conceito elaborado como resposta direta ao conceito de cultura de massa. Ambos FRPSDUWLOKDP D UHIHUrQFLD j FXOWXUD Âł0DV p VLJQLILFDWLYR TXH HQTXDQWR QD H[SUHVVmR ÂľFXOWXUD GH PDVVDÂś HOD DSDUHFH como nome, na sua contrapartida crĂtica ela esteja na FRQGLomR GH SUHGLFDGR´ &2+1 S De tal modo, o texto A IndĂşstria Cultural: o Esclarecimento como Mistificação das Massas [tambĂŠm traduzido como engodo das massas] tornou-se um capĂtulo singular da DialĂŠtica do Esclarecimento. Ă&#x2030; nele que aparece formalmente a discussĂŁo elaborada da indĂşstria cultural.
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A expressĂŁo Teoria CrĂtica, por sua vez, surgiu como conceito sui generis, de acordo com Marcos Nobre (2008), em um texto de Max Horkheimer (1895-1973) de QRPH ÂłTeoria Tradicional e Teoria CrĂtica´ GH (VVH WH[WR IRL SXEOLFDGR originalmente na Revista de Pesquisa Social - Zeitschrift fĂźr Sozialforschung, editada de 1932 atĂŠ 1942 pelo prĂłprio Horkheimer. Essa revista era a publicação oficial do Institut fĂźr Sozialforschung [Instituto de Pesquisa Social Âą tambĂŠm conhecido posteriormente como Escola de Frankfurt], fundado em 1923 na cidade alemĂŁ de Frankfurt (NOBRE, 2008). Segundo OlgĂĄria Matos (2005, p. 18), o texto em questĂŁo ÂłSDVVRX D VHU R Yerdadeiro manifesto18 da Escola de Frankfurt. Nele, a forma FDQ{QLFD GR SHQVDPHQWR WUDGLFLRQDO p D ILORVRILD GH 'HVFDUWHV´ (P $GRUQR S FKHJD D DILUPDU TXH DR TXH WXGR LQGLFD ÂłR termo indĂşstria cultural foi empregado pela primeira vez no livro Dialektik der AufklĂŁrung TXH +RUNKHLPHU H HX SXEOLFDPRV HP HP $PVWHUGm´ Tal oposição conceitual se deveu ao fato da cultura de massa remontar a uma cultura espontaneamente surgida da prĂłpria massa, da forma contemporânea da arte popular. Todavia, algo efetivamente distinto ocorre com a indĂşstria cultural. HĂĄ quem situe essa suposta cultura de massa (popular) como tendo o papel de resistĂŞncia contra a dominação de classe19, conforme lembra Arantes (1981). Em complemento, seria uma suposta manifestação cultural mais distanciada da ideologia 18 De acordo com Nobre (2008, p. 09-10), Teoria CrĂtica significa, entre outras coisas, a demarcação de um campo teĂłrico que valoriza e estimula a pluralidade de modelos crĂticos em seu interior. Um segundo sentido GH FUtWLFD LQGLFD TXH ÂłR VHQWLGR IXQGDPHQWDO p R GH TXH QmR p SRVVtYHO PRVWUDU ÂľFRPR DV FRLVDV VmRÂś VHQmR D SDUWLU GD SHUVSHFWLYD GH ÂľFRPR GHYHULDP VHUÂś ÂľFUtWLFDÂś VLJQLILFD DQWHV GH PDLV QDGD GL]HU R TXH p HP YLVWD GR TXH DLQGD QmR p PDV SRGH VHU´ 8P WHUFHLUR H DPSOR VHQWLGR GH FUtWLFD GHQWUH HVWHV LQWHOHFWXDLV p ÂłXP SRQWR de vista capaz de analisar os obstĂĄculos a serem superados para que as potencialidades melhores presentes no H[LVWHQWH SRVVDP VH UHDOL]DU´ 7HRULD &UtWLFD p HQWmR HP VHQWLGR SUHFLVR WRGR PRGHOR FRQVWUXtGR QR WH[WR de Horkheimer de 1937. Assim, a Teoria CrĂtica sĂł se confirma na prĂĄtica transformadora das relaçþes sociais (NOBRE, 2008, p. 31). NĂŁo significa abandono da teoria em prol da prĂĄtica. Significa, pois, por em ÂłVXVSHQVR TXDOTXHU MXt]R VREUH R PXQGR SDUD VXa prĂŠvia interrogação. O pensamento se coloca a si mesmo em julgamento, procurando as condiçþes segundo as quais ĂŠ possĂvel o conhecimento na ciĂŞncia, na moral e QD DUWH´ 0$726 S 1DV SDODYUDV GH $GRUQR Âł6H RV VHQKRUHV PH SHUJXQWDUHP R TXH D Sociologia afinal deveria ser, eu diria que deve ser a compreensĂŁo da sociedade, isto ĂŠ: do que ĂŠ essencial na sociedade. CompreensĂŁo do que ĂŠ, mas no sentido em que tal compreensĂŁo ĂŠ crĂtica, no sentido em que o que Âľp R FDVRÂś VHJXQGR H[SUHVVmR GH :LWWJHnstein, seja medido de acordo com o que reivindica ser, para se poder detectar nessa contradição os potenciais, as possibilidades de uma transformação da constituição geral GD VRFLHGDGH´ $'2512 D S 19 De acordo com Arantes (1981), o termo cultura popular estĂĄ distante de ser um conceito bem definido pelas ciĂŞncias humanas. Possui muitos significados, que vĂŁo desde concepçþes ligadas Ă tradição atĂŠ o extremo de atribuir-lhe o papel de resistĂŞncia contra a dominação de classe.
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da indĂşstria cultural, ainda nĂŁo canalizada por seus veĂculos de dominação. Esta cultura popular de massa desempenharia o papel de elemento mediador das relaçþes sociais, evitando, com isso, determinadas desagregaçþes no nĂvel da integração comunitĂĄria. A indĂşstria cultural, por sua vez, teria extenuadamente uma função instrumental, meramente utilitĂĄria para o grande pĂşblico (CALDAS, 1977). O que importa reiterar ĂŠ que, dessa imaginĂĄria arte popular a indĂşstria cultural se distingue radicalmente: enquanto a cultura popular teria um carĂĄter mais espontâneo e nasceria internamente numa dada comunidade, a indĂşstria cultural constitui uma manifestação maquinal produzida exteriormente (sob a ĂŠgide do capital). A indĂşstria cultural ĂŠ fruto da oportunidade de expansĂŁo da lĂłgica do capitalismo sobre a cultura. NĂŁo somente esse avanço progressivamente ocorre no domĂnio do cultural, mas tambĂŠm, cada vez mais, nas esferas da biologia (corpo), da natureza, das relaçþes humanas, do conhecimento, etc. Como enfatizou Ernest Mandel, existe no capitalismo tardio uma tendĂŞncia Ă industrialização das atividades superestruturais e muitas dessas atividades jĂĄ se organizam hoje em termos industriais, produzidas para o mercado e para a PD[LPL]DomR GR OXFUR ÂłD SRS-arte, os filmes feitos para a televisĂŁo e a indĂşstria do disco sĂŁo fenĂ´menos tĂpicos da cultura FDSLWDOLVWD WDUGLD´ 0$1'(/ S Nesse sentido, o tema do avanço da racionalidade instrumental foi, na primeira geração da Teoria CrĂtica, central. Longe de pensĂĄ-lo simplesmente como baluarte da civilização ocidental, ou ainda, como libertação do homem dos infortĂşnios naturais e espirituais, Adorno, em seu conhecimento freudiano e marxiano, prefere pensĂĄ-lo dialeticamente. Zuin, Pucci e Ramos-de-Oliveira (2001) nos relembram adornianamente que o progresso nĂŁo caminhou numa rua de mĂŁo Ăşnica, pois a humanidade cada vez mais esclarecida ĂŠ forçada a regredir a estĂĄgios mais primitivos20.
³> @ D VRFLHGDGH desenvolve tendências de uma progressiva irracionalidade simultaneamente ao avanço de sua racionalização, porque a totalidade da sociedade não se mantÊm viva solidariamente, mas atravÊs dos interesses antagônicos dos homens, atravÊs de suas contraposiçþes e não porque existe um sujeito social FRQMXQWR XQLIRUPH´ $'2512 D S (LV Dt R VLJQLILFDGR UHDO GD 'LDOpWLFD GR (VFODUHFLPHQWR 20
36 Parece que enquanto o conhecimento tĂŠcnico expande o horizonte da atividade e do pensamento humanos, a autonomia do homem enquanto indivĂduo, a sua capacidade de opor resistĂŞncia ao crescente mecanismo de manipulação das massas, o seu poder de imaginação e o seu juĂzo independente sofreram aparentemente uma redução. O avanço dos recursos tĂŠcnicos de informação se acompanha de um processo de desumanização (HORKHEIMER, 2007, p. 07).
Adorno (2006a, p. 119), no texto Educação apĂłs Auschwitz, lembra que dos conhecimentos dados por Freud Ă cultura e Ă sociologia, um dos mais perspicazes ĂŠ o que afirma que a civilização origina e fortalece progressivamente o que ĂŠ anticivilizatĂłrio21 6HJXQGR R SUySULR )UHXG ÂłXPD JUDQGH SDUWH GD FXOSD SHOD QRVVD misĂŠria ĂŠ de nossa chamada cultura; serĂamos muito mais felizes se desistĂssemos GHOD H UHWRUQiVVHPRV jV FRQGLo}HV SULPLWLYDV´ )5(8' S $VVim, a indĂşstria cultural possui uma certa dimensĂŁo de progresso (massificação do consumo), mas que, ao mesmo tempo, expressa-se no indivĂduo atravĂŠs do consumo de sua prĂłpria dominação. Schweppenhäuser (2003, p. 393) relembra uma suposição bĂĄsica da DialĂŠtica GR (VFODUHFLPHQWR TXH GL] ÂłD UHDOL]DomR XQLYHUVDO GR SHQVDPHQWR HVFODUHFLGR p REVWDFXOL]DGD SRLV D UHIOH[mR QmR VH UHDOL]D QR VHX ODGR VRPEULR´ 3DUD HOH conceitos como os de liberdade, imparcialidade, justiça e atenção tĂŞm vinculação exatamente com o seu reverso. A liberdade se confunde com a liberdade de venda da força de trabalho; a imparcialidade significa a tomada de partido pela ordem vigente; a justiça 21 6HJXQGR %XHQR UHOHQGR )UHXG ÂłD LPHQVD GHIDVDJHP HQWUH RV VDFULItFLRV SXOVLRQDLV IHLWRV SRU FDGD indivĂduo para tornar-se civilizado e a mediocridade dos benefĂcios que a sociedade fornece a cada indivĂduo HP WURFD GDTXHOHV VDFULItFLRV SRWHQFLDOL]D D KRVWLOLGDGH GH FDGD XP IUHQWH j SUySULD FLYLOL]DomR´ =XLQ 3XFFL e Ramos-de-Oliveira (2001, p. 59) ajudam neVVD FRPSUHHQVmR H DILUPDP TXH ÂłD GLItFLO UHODomR HQWUH KRPHP e sociedade, baseada na produção cultural que impinge a privação da satisfação imediata dos desejos mais SURIXQGRV >UHVXOWD@ QD FRQVHT HQWH VHQVDomR GH LQVDWLVIDomR´ 6HJXQGR R SUySULR )UHXG Âł&omo se percebe, o que estabelece a finalidade da vida ĂŠ simplesmente o programa do princĂpio do prazer. Esse princĂpio comanda o funcionamento do aparelho psĂquico desde o inĂcio; nĂŁo cabem dĂşvidas quanto Ă sua conveniĂŞncia, e, no entanto, seu programa estĂĄ em conflito com o mundo inteiro, tanto com o macrocosmo quanto com o microcosmo. Ele ĂŠ absolutamente irrealizĂĄvel, todas as disposiçþes do universo o contrariam; VHULD SRVVtYHO GL]HU TXH R SURSyVLWR GH TXH R KRPHP VHMD ÂľIHOL]Âś QmR ID] SDUWH GR SODQR GD Âľ&ULDomRÂś $TXLOR que em seu sentido mais estrito ĂŠ chamado de felicidade surge antes da sĂşbita satisfação de necessidades represadas em alto grau e, segundo sua natureza, ĂŠ possĂvel apenas como fenĂ´meno episĂłdico [...] Muito menores sĂŁo os obstĂĄculos para H[SHULPHQWDU D LQIHOLFLGDGH´ )5(8' S -63). Na compreensĂŁo adorniana contida em Silva (2009) desta anticivilização, alĂŠm das razĂľes subjetivas apontadas por Freud, WDPEpP R TXH $GRUQR FKDPRX GH ÂľIDOrQFLD GD FXOWXUDÂś GHYH VHU DSRQWDGR FRPR FDXVD Rbjetiva, isto ĂŠ, os IUDFDVVRV SHVVRDLV QR LQWHULRU GD FXOWXUD TXH JHUDP IUXVWUDo}HV H VHQWLPHQWRV GH LPSRWrQFLD Âł([LVWH XPD razĂŁo objetiva da barbĂĄrie, que designarei bem simplesmente como a falĂŞncia da cultura. A cultura, que conforme sua prĂłpria nature]D SURPHWH WDQWDV FRLVDV QmR FXPSULX D VXD SURPHVVD´ $'2512 D S 164).
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significa que alguĂŠm ³Ê´ apenas aquilo que lhe compete sob as relaçþes sociais existentes; e a atenção nĂŁo pode ser separada de duas linhas condutoras do comportamento: medo e obediĂŞncia. Ă&#x2030; neste terreno de semi-formação que triunfa a kulturindustrie. DaĂ que, para Hullot-Kentor (2008, p. 21), o conceito de indĂşstria cultural em $GRUQR ÂłQRV OHYD D FUHU TXH IRL SDUD HOH XP DFKDGR SUHFLVR UHVXOWDGR GH XPD auscultação minuciosa das tendĂŞncias histĂłricas, mais do que um neologismo KLVWRULFDPHQWH RSRUWXQR´ HĂĄ, contudo, quem ateste hoje em dia as limitaçþes do conceito e, inegavelmente, a realidade atual ĂŠ bem distinta daquela vigente no perĂodo vital dos frankfurtianos. Todavia, suas limitaçþes nĂŁo invalidam, nem o fenĂ´meno, nem tampouco o mĂŠtodo crĂtico. A indĂşstria cultural estĂĄ aĂ! Todos os dias seus produtos, dentre best-sellers, games, Cds e Dvds, invadem o cotidiano de bilhĂľes de pessoas. O que dizer, entĂŁo, dessas cifras? Sumariando com Costa (2001, p. 110), a heteronomia cultural; a transformação da arte em mercadoria; a hierarquização das qualidades; a incorporação de novos suportes de comunicação pelos setores que jĂĄ detinham os meios de reprodução simbĂłlica; o carĂĄter de montagem dos produtos; a capacidade destes prescrever a reação dos receptores; a reprodução tĂŠcnica comprometendo a autenticidade da arte; o consumidor passivo; a falsa identidade entre o universal e o particular; a tĂŠcnica como ideologia; R ÂłQRYR´ FRPR PDQLIHVWR GR LPHGLDWR; e a IUDTXH]D GR ÂłHX´ apontam para a continuidade da administração da cultura. Desta forma, o conceito nĂŁo ĂŠ apenas atual como empiricamente demonstrĂĄvel. Como DILUPD &URFKtN S ÂłFHUWDPHQWH $GRUQR HVFUHYHX HP RXWUR WHPSR H HP outros lugares, mas a regressĂŁo individual como fruto do avanço da sociedade da DGPLQLVWUDomR SURVVHJXH´ 2 FDSLWDOLVPR FRQWLQXD D OLTXLGDU QmR FRP R WUDEDOKR mas com o trabalhador, e, para alĂŠm disso, a criação de necessidades supĂŠrfluas vem se ampliando. Parte importante das limitaçþes impostas ao debate deriva mais do fundamento nĂŁo-dialĂŠtico dos que apontam sua restrição do que da prĂłpria energia da
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teorização. Os crĂticos Âą precariamente crĂticos! Âą suprimem a dialĂŠtica em Adorno e, ingenuamente, acreditam estar o autor superado. Uma vez que ela [a crĂtica cultural] retira o espĂrito da dialĂŠtica que este mantĂŠm com as condiçþes materiais, passa a concebĂŞ-lo unĂvoca e linearmente como um princĂpio de fatalidade, sonegando assim os momentos de resistĂŞncia do espĂrito (ADORNO, 2001, p. 13).
Certamente o grande entrave do conceito de indĂşstria cultural, no âmbito das ciĂŞncias sociais, deva-se a nĂŁo mensurabilidade dos efeitos advindos dessa produção FXOWXUDO GH PDVVD $GRUQR UHFRQKHFH HVVD LPSRVVLELOLGDGH 3DUD HOH FRP UD]mR ÂłQmR ĂŠ possĂvel estabelecer com clareza um nexo causal, por exemplo, entre as ÂľUHSHUFXVV}HVÂś GDV P~VLFDV GH VXFHVVR H VHXV HIHLWRV SVLFROyJLFRV VREUH RV RXYLQWHV´ (ADORNO, 1991, p. 93). Apesar desse impasse entre a especulação filosĂłfica e a verificação empĂrica, a contenda acerca do problema em tese nĂŁo invalida sua autoridade, nem tampouco suas propriedades relacionais. Algumas teorias sociais hoje, embora reconheçam o peso de determinados arranjos sociais para a explicação sociolĂłgica, apregoam certa reflexividade do sujeito no direcionamento de suas vidas, baseando-se, ora no avanço dos processos de racionalização e secularização, ora em perspectivas fenomenolĂłgicas (mundos vividos). Algumas teorias derivam mais da ĂŞnfase do papel do indivĂduo na vida social; outras destacam mais a prĂłpria sociedade como estrutura coercitiva, que prĂŠexiste ao indivĂduo. Individualismos metodolĂłgicos afirmam, em certo sentido, que o conceito de indĂşstria cultural possui forte dimensĂŁo determinista, pois coloca o indivĂduo como ente muito passivo frente as suas escolhas. Ora, tais posiçþes sĂŁo parciais, uma vez que nĂŁo hĂĄ determinismo unilateral no conceito de indĂşstria cultural. NĂŁo hĂĄ simplesmente imposição de cima para baixo. Estrategicamente, a indĂşstria cultural lança no mercado coisas que sĂŁo representaçþes dos prĂłprios consumidores, criadas antes por prescrição e fortalecidas pelo cerco sistemĂĄtico de sua exposição22. O prĂłprio Adorno reconhece que os consumidores nĂŁo sĂŁo tĂŁo Âł3HOD YLD GR IHWLFKLVPR GD PHUFDGRULD R PRGR GH SURGXomR LPS}H IRUPDV GHWHUPLQDGDV TXH FRPR ÂľFRQVFLrQFLDÂś VXMHLWDGD UHSURGX]HP D VXMHLomR DR PHVPR WHPSR HP TXH JHUDP H[SHULĂŞncias substitutivas SHODV TXDLV DSDUHQWDP VH FRQVWLWXLU FRPR VXMHLWRV OLYUHV´ 0$$5 S
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estĂşpidos. A indĂşstria cultural sempre conta com um pouco de bom senso por parte de seus consumidores (FREITAS, 2005). A aceitação sem resistĂŞncia Âą ou com pouca Âą nĂŁo deriva simplesmente das necessidades intrĂnsecas ao indivĂduo, jĂĄ que seria uma explicação muito banal. Prescreve-se, logicamente, R TXH FRQMXQWXUDOPHQWH D ÂłPDVVD´ SHUPLWH VHU ODQoDdo. Todavia, nĂŁo se cria o produto e se joga para o consumidor. Pelo contrĂĄrio, estuda-se o consumidor e se lança a mercadoria (sugerem-se necessidades). NĂŁo hĂĄ puramente uma questĂŁo de autonomia, mas sim, um jogo entre quem sabe as regras e quem nĂŁo as coQKHFHP RX QmR TXHU FRQKHFHU Âł$ YHUGDGH HP WXGR LVVR p TXH R SRGHU GD LQG~VWULD FXOWXUDO SURYpP GH VXD LGHQWLILFDomR FRP D QHFHVVLGDGH SURGX]LGD´ (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 113). Zuin (2006) problematiza sobre esse impulso conformista, sobre essa educação para a condição de vida de inseto (ADORNO; SIMPSON, 1994). Para Zuin (2006), o que possibilita essa aceitação dos produtos da indĂşstria cultural, mesmo que a concordância nĂŁo seja tranqĂźila (revolta latente), ĂŠ o fato da indĂşstria cultural assumir a tarefa de interpretação dos cĂłdigos do desejo, prometendo o prazer pleno, sem obstĂĄculos, ao mesmo tempo em que os nega. Ă&#x2030; mister lembrar, ainda, que essa situação se perpetua num contexto em que a: ExigĂŞncia da ausĂŞncia de reflexĂŁo, o elogio do fazer pelo fazer sem que haja TXDOTXHU KHVLWDomR R UHFRQKHFLPHQWR GRV ÂľIRUWHVÂś TXH QmR VHQWHP PHGR H TXH ultrapassam todos os obstĂĄculos para suas açþes, reaparecem nos princĂpios ÂľSHGDJyJLFRVÂś GD QRYD HGXFDomR SHOD GXUH]D =8,1 S
Essa educação pela dXUH]D SRVVXL FRPR SULQFtSLRV EDVLODUHV R ³LQFHQWLYR j VHQVDomR GH RQLSRWrQFLD j GHVVHQVLELOL]DomR H j DXVrQFLD GH UHIOH[mR´ =8,1 p. 85). Com ela, as pessoas ao invÊs de se esforçarem para sair da vida de inseto, viciam-se ainda mais nos produtos da indústria cultural. E, mesmo que queiram sair, dificilmente deixam sua própria submissão: precisam de mais prazer sadomasoquista, isto Ê, o prazer que promete, mas muito pouco concede. Freitas (2005), problematizando sobre a psicanålise na obra adorniana, alerta para um ponto nevrålgico dessa aceitação. Segundo afirma, os desejos de um ego enfraquecido são sempre satisfeitos e estimulados pela indústria cultural, todavia, ao
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mesmo tempo em que o sujeito ĂŠ iludido permanentemente ao pensar que o prazer obtido no consumo coincide com o que o faz um ser livre. Nesse pensar psicanalĂtico, o desejo frustrado jamais encontra sossego, pois toda satisfação que consegue ĂŠ ilusĂłria. Resultado: novo consumo novamente ilusĂłrio. Essa necessidade produzida ĂŠ controversa. Segundo Ricardo Bahia (2004) Âą tambĂŠm aportado no pensamento adorniano Âą, as massas passam a necessitar, na verdade, algo de que realmente nĂŁo necessitam, negando suas verdadeiras necessidades, resultado de sua semiformação23. Umberto Eco (2006, p. 25) vem vivificar essa argĂźição DR DILUPDU TXH ÂłD FXOWXUD GH PDVVD R PDLV GDV YH]HV representa e propĂľe situaçþes humanas sem conexĂŁo alguma com as situaçþes dos consumidores, e que, todavia, se transformam em situaçþes-PRGHOR´ Pensa-se que aĂ reside uma grande questĂŁo que fica obscura em certas teorias com foco na ação. DĂĄ-se muita autonomia, quando, praticamente, a heteronomia ĂŠ que ĂŠ dominante. Adorno e Horkheimer (1985) na DialĂŠtica do Esclarecimento abrem o problema da indĂşstria cultural afirmando que o declĂnio da religiĂŁo no mundo ocidental, decorrente do avanço dos processos de racionalização e secularização (reflexĂŁo weberiana por excelĂŞncia), nĂŁo causou um caos cultural pela falta de uma unidade de referĂŞncia coletiva, pois o cinema, o rĂĄdio e as revistas se constituĂram num substituto para ela. De tal modo, com o avanço da produção e do uso desses sucedâneos, o nĂşcleo essencial da discussĂŁo reside em torno da problematização acerca da indĂşstria cultural e seu carĂĄter mistificador (fetichista) da realidade e coisificador24 do homem.
23 0DDU FLWD ÂłO Direito Ă Preguiça´ GH 3DXO /DIDUJXH FRPR REUD TXH Mi DWHQWDULD j VHPLIRUPDomR dos homens, voluntariamente mantidos dominados pela ordem do trabalho mesmo quando nĂŁo trabalham. 1DV SDODYUDV GR SUySULR /DIDUJXH Âł8PD HVWUDQKD ORXFXUD GRPLQRX DV FODVVHV RSHUiULDV GDV QDo}HV RQGH reina a civilização capitalista [...] Essa loucura ĂŠ o amor ao trabalho, a paixĂŁo moribunda que absorve as forças vitais do indivĂduo e de sua prole atĂŠ o esgotamento [...] O proletariado, traindo os seus instintos, esquecendo-se da sua missĂŁo histĂłrica, deixou-se perverter pelo dogma do trabalho. Dura e terrĂvel foi a sua SXQLomR´ /$)$5*8( 3 -23). 24 Âł[...] Em Marx por razĂľes diversas, as mercadorias passam a ser ativas e o indivĂduo se isola e se IUDJPHQWD SHOD GLYLVmR VRFLDO GR WUDEDOKR´ WUDQVIRUPDQGR R KRPHP HP HVWDWXWR GH FRLVD 0$726 S 18). Eric Fromm (1965, p. 82) tambĂŠm partilha desse arJXPHQWR XPD YH] TXH ÂłR KRPHP WUDQVIRUPRX D VL PHVPR QXPD PHUFDGRULD H VHQWH VXD YLGD FRPR XP FDSLWDO D VHU LQYHVWLGR FRP OXFUR´
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Adorno e Horkheimer constatam que o cinema e o rĂĄdio, por exemplo, nĂŁo precisam mais se camuflar de arte, uma vez que o carĂĄter de mercadoria jĂĄ estĂĄ estampado em cada um deles. MĂşsica, cinema, literatura magazine, etc., tudo estĂĄ a VHUYLoR GR PHUFDGR Âł$ YHUGDGH GH TXH QmR SDVVDP GH XP QHJyFLR HOHV D XWLOL]DP FRPR XPD LGHRORJLD GHVWLQDGD D OHJLWLPDU R OL[R TXH SURSRVLWDOPHQWH SURGX]HP´ (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 100). Para eles o novo nĂŁo ĂŠ a atitude comercial da obra de arte, mas o fato de hoje serem, de fato, indĂşstrias como tal, renegando a prĂłpria Ideia de arte. Um primeiro norte metodolĂłgico deve ser colocado, neste momento, em WHUPRV GH RULHQWDomR WHyULFD 6HJXQGR 'XUmR S ÂłXPD GDV DUPDGLOKDV PDLV traiçoeiras no estudo contemporâneo da indĂşstria cultural estĂĄ na facilidade de adotar XPD SRVWXUD PRUDOL]DQWH´ GLDQWH GR DVVXQWR QD WHQGrQFLD D ODPHQWDU DFHUFD GD qualidade dos produtos culturais ofertados. Opondo-se a esta visĂŁo, deve-se lembrar que o que determina o funcionamento da indĂşstria cultural a princĂpio nĂŁo possui OLJDomR GLUHWD FRP R WHUPR ÂłTXDOLGDGH´ PDV VLP FRP D DFXPXODomR GH FDSLWDO 1mR se trata em si de considerar a dimensĂŁo qualitativa, mas essencialmente a sua extensĂŁo quantitativa. O que puder ser transformado em venda, serĂĄ, pois, objeto da indĂşstria cultural: do forrozĂŁo eletrĂ´nico atual Ă massificação das vendas de Cds de Beethoven. AtĂŠ mesmo a morte, isto ĂŠ, a exposição de situaçþes-limites, torna-se objeto de venda, conforme problematização de Zuin (2008) ao refletir sobre o projeto do filme holandĂŞs Necrocam25. Faz-se mister apontar uma segunda orientação teĂłrica: a crĂtica Ă PHUFDQWLOL]DomR GD FXOWXUD QmR GHYH VHU IHLWD GR SRQWR GH YLVWD GD ÂłLQIHULRULGDGH FXOWXUDO´ &RQWUD WDO SRVWXUD moralizante, deve-se dar um enfoque dialĂŠtico aos fenĂ´menos. A dialĂŠtica adorniana ĂŠ uma dialĂŠtica negativa (conforme sua obra-prima Prova de que na sociedade atual, atĂŠ mesmo a morte se metamorfoseia em espetĂĄculo: projeto de um filme em que o cadĂĄver teria uma micro-câmera no caixĂŁo e, on line, os internautas poderiam controlar, via termostato, o processo de decomposição do corpo (ZUIN, 2008). Costa (2001, p. 112) complementa DILUPDQGR TXH D ÂłH[SRVLomR FRQWLQXDGD GH YLROrQFLDV VtJQLFDV HOLPLQD R FKRTXH D capacidade da audiĂŞncia reagir e de se indignar diante do grotesco [...] AtĂŠ mesmo a violĂŞncia de uma imagem forte, nos telejornais, por exemplo, tem maior capacidade de criar o desejo pela sua repetição, que propriamente mobilizar sentimentos de indignaçmR GRU´
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de 1966), que, afirmando e negando Hegel, consegue dar primazia ao momento de negatividade da anĂĄlise. Segundo Zuin, Pucci e Ramos-de-Oliveira (2001, p. 76-77), a dialĂŠtica tradicional significa elementos contraditĂłrios que se negam num dos momentos do processo lĂłgico, mas que se compĂľem, no momento posterior. HĂĄ, portanto, a idĂŠia de conciliação de contrĂĄrios. Utiliza-se do elemento negativo a serviço de um resultado positivo. Em Adorno hĂĄ uma proeminente diferença. Segundo afirma, mais especificamente no prefĂĄcio da DialĂŠtica Negativa: deve-VH ÂłOLEHUWDU D GLDOpWLFD GH WDO QDWXUH]D DILUPDWLYD VHP SHUGHU QDGD HP GHWHUPLQDomR´ (ADORNO, 2009, p. 07). Adorno darĂĄ um peso maior ao elemento negativo. Nele, a negatividade ĂŠ o momento propulsor da dialĂŠtica, ponto de partida de crĂtica do princĂpio da identidade e ponto final como possibilidade de uma nova situação. Trata-se de um mĂŠtodo para se pensar e agir sobre a consciĂŞncia reificada. Dentre aqueles autores que realizaram uma crĂtica nĂŁo-dialĂŠtica da ÂłWULYLDOLGDGH´ GRV EHQV FXOWXUDLV UHFRQKHFLGRV SRU $GRUQR GHVWDFD-se Aldous Huxley. De acordo com Almeida, Adorno e Horkheimer perceberam Huxley como um nome importante no conjunto de pensadores, da primeira metade do sĂŠculo XX, que realizaram uma crĂtica nĂŁo-dialĂŠtica da cultura. Huxley, mesmo tratando o tema sob a Ăłtica da vulgaridade dos bens de massa, trouxe uma distinção muito clara entre ÂłR VHQWLGR WUDGLFLRQDO GD ÂľFXOWXUDÂś H RV DYDQoRV Mi KLVWRULFDPHQWH YLVtYHLV GD ÂľPDVVDÂś GD ÂľEDUEiULHÂś RX PHVPR GD ÂľYXOJDULGDGHÂś FRPR SUHIHUH +X[OH\ ´ (ALMEIDA, 2008, p. 140). Adorno (2001, p. 92), no texto Aldous Huxley e a utopia, reconhece que o ponto de partida de Brave New World ÂłSDUHFHU VHU D SHUFHSomR GD VHPHOKDQoD universal de tudo o que ĂŠ produzido em massa, sejam coisas ou homens. A metĂĄfora VFKRSHQKDXHULDQD GD PDQXIDWXUD GD QDWXUH]D p WRPDGD DR Sp GD OHWUD´ Huxley estava atento Ă s modificaçþes no âmbito da cultura, contudo, de acordo Almeida (2008), percebeu-as atravĂŠs de simples oposiçþes entre civilização contra barbĂĄrie; elite contra massa; prazer real contra prazer administrado; liberdade contra submissĂŁo Ă diversĂŁo industrializada. Carece a Huxley, portanto, assumir o carĂĄter histĂłrico,
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IXQGDPHQWDGR SHOR PRGR GH SURGXomR HFRQ{PLFR GHVVDV RSRVLo}HV Âł(ODV VmR GH DOJXPD IRUPD ÂľQDWXUDOL]DGDVÂś WUDQVIRUPDGDV HP ÂľGHVWLQRÂś VHP TXH KDMD QHQKXP modo de reação que nĂŁo seja o puramenWH LQGLYLGXDO > @´ $/0(,'$ S +X[OH\ HQWmR Âłfetichiza o fetichismo da mercadoria´ (ADORNO, 2001, p. 110) ao separar as relaçþes de produção de seu modo de produção. Slavoj äLĂĽHN (2003) igualmente ressalta a necessidade de nĂŁo se reduzir algumas perspectivas mais enĂŠrgicas a uma mera crĂtica cultural. Para ele, esse tipo de crĂtica tem sido feita atĂŠ mesmo pelos conservadores da sociedade de consumo. Retomando as implicaçþes do problema, o resultado desse processo de tentativa de fetichização do mundo, seja da consciĂŞncia em si, seja do prĂłprio mĂŠtodo de anĂĄlise Âą nĂŁo hĂĄ como esquecer Agnes Heller (1991) e a sociologia como desfetichização da modernidade26 Âą, ĂŠ a Âłliquidação´ da idĂŠia de indivĂduo. O conceito de reificação nĂŁo ĂŠ sĂł relevante como ampliação do conceito de alienação como concretamente observĂĄvel na aceitação naturalizada das mercadorias surgidas sob o rĂłtulo de culturais. Reforçando com as palavras de Erich Fromm (1965, p. 85): ÂłRV KRPHQV VmR FDGD YH] PDLV DXW{PDWRV TXH ID]HP mĂĄquinas que agem como KRPHQV H SURGX]HP KRPHQV TXH DJHP FRPR PiTXLQDV´ Lucien Goldmann (1980, p. 172) vem afirmar categoricamente que uma das ÂłcaracterĂsticas fundamentais da sociedade capitalista ĂŠ a de mascarar as relaçþes sociais entre os homens e as realidades espirituais e psĂquicas, dando-lhes o aspecto GH DWULEXWRV QDWXUDLV GDV FRLVDV RX GH OHLV QDWXUDLV´ 'HVWH SULQFtSLR p TXH HPHUJH D reflexĂŁo marxista da reificação HP DOHPmR Âł9HUGLQJOLFKXQJ´. Segundo Tom Bottomore (2001, p. 314): Reificação ĂŠ o ato (ou resultado do ato) de transformação das propriedades, relaçþes e açþes humanas em propriedades, relaçþes e açþes de coisas produzidas pelo homem, que se tornaram independentes (e que sĂŁo imaginadas como originalmente independentes) do homem e governam sua vida. Significa igualmente a transformação dos seres humanos em seres semelhantes a coisas [...] 26 Em Agnes Heller (1991, p. 208), diga-VH GH SDVVDJHP ÂłQmR Ki VRFLRORJLD VHP XPD FHUWD PHGLGD GH UHLILFDomR D PHWRGRORJLD FLHQWtILFD LQFOXL D UHLILFDomR´ Mi TXH WUDEDOKD-se com categorias analĂticas que sĂŁo exteriores aos sujeitos e a investigDomR Âł$GRUQR SRU H[HPSOR DILUPRX TXH DV PHQWHV GRV VXMHLWRV individuais na sociedade capitalista moderna jĂĄ tinham sido reificadas e, portanto, o sociĂłlogo empĂrico incorre numa dupla reificação: a do mĂŠtodo de pesquisa e a que decorre da aceitação de sujeitos reificados FRPR IRQWHV GH LQIRUPDo}HV YHUtGLFDV´ +(//(5 S
44 $ UHLILFDomR p XP FDVR ÂľHVSHFLDOÂś GH DOLHQDomR VXD IRUPD PDLV UDGLFDO H generalizada [...].
Nesse sentido, o clĂĄssico ensaio de Georg LukĂĄcs Âą a reificação e a consciĂŞncia do proletariado Âą ĂŠ expressĂŁo da maior vitalidade no estudo da dialĂŠtica PDU[LVWD H FRP HOD R GHEDWH VREUH D UHLILFDomR 3DUD HOH ÂłR KRPHP p FRQIURQWDGR com sua prĂłpria atividade, com seu prĂłprio trabalho como algo objetivo, indHSHQGHQWH GHOH H TXH R GRPLQD SRU OHLV SUySULDV TXH OKHV VmR HVWUDQKDV´ (LUKĂ CS, 2003, p. 199). Como lembra Max +RUNKHLPHU S ÂłD PiTXLQD H[SHOLX R PDTXLQLVWD HVWi FRUUHQGR FHJDPHQWH QR HVSDoR´ LukĂĄcs reforça que, assim como o capitalismo se produz e reproduz incessantemente, a reificação penetra na estrutura da consciĂŞncia humana de maneira cada vez mais profunda. Deste modo, a reificação se amplia com o progresso, substituindo relaçþes originais que antes eram mais transparentes em termos de relaçþes humanas por relaçþes mais parcelizadas e mais fragmentadas. O essencial ĂŠ UHWHU TXH D UHLILFDomR DWLQJH D WRGRV Âł1mR Ki XPD GLIHUHQoD TXDOLWDWLYD QD HVWUXWXUD GD FRQVFLrQFLD´ /8.Ă&#x2C6;&6 S David Harvey (1994, p. 308) realça esse carĂĄter de ocultação da realidade HVVHQFLDOPHQWH OLJDGR DR DYDQoR GD UHSURGXomR GR FDSLWDO ÂłR SURFHVVR PDVFDUD H fetichiza, alcança crescimento mediante a destruição criativa, cria novos desejos e necessidades, explora a capacidade do trabalho e do desejo humaQRV´ $VVLP R resultado ĂŠ a exaustĂŁo do indivĂduo. Vale lembrar que em Adorno a reificação nĂŁo GHYH VHU VLPSOHVPHQWH HOLPLQDGD PDV SHQVDGD FRPR IRUPD GHWHUPLQDGD ÂłO real nĂŁo deve ser eliminado como absoluto, mas negado em sua determinação, VXSHUDGR´ (MAAR, 2002, p. 03). OlgĂĄria Matos (2005, p. 50), de tal modo, com base na Teoria CrĂtica, lembra TXH R ÂłLQGLYtGXR DXW{QRPR FRQVFLHQWH GH VHXV ILQV HVWi HP H[WLQomR HP GHVDSDUHFLPHQWR´ 'RPLQJXHV S WDPEpP OHPEUD TXH $GRUQR H Horkheimer constatam analiticamente
pouca
importância ao indivĂduo na
modernidade (devido ao bloqueio estrutural da pråxis transformadora ³QD YHUGDGH GHVFUHYHP R TXH YLDP FRPR GHFOtQLR GD LQGLYLGXDOLGDGH´ Reforçando com o
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pensamento adorniano contido HP +DEHUPDV Âła experiĂŞncia individual apĂłia-se necessariamente no antigo sujeito Âą historicamente jĂĄ condenado Âą ÂľTXH DLQGD p SDUD si, mas nĂŁo mais em siϫ +$%(50$6 S 1DV SDODYUDV GH $GRUQR H +RUNKHLPHU S SRU XP ODGR ÂłD individuação jamais chegoX D VH UHDOL]DU GH IDWR´ &RQWXGR PHVPR DVVLP D VRFLHGDGH EXUJXHVD ÂłFRQWUD D YRQWDGH GH VHXV VHQKRUHV´ WUDQVIRUPRX RV KRPHQV GH crianças em pessoas, mas Ă custa de uma individualidade muito indigente e ilusĂłria. Para Freitas (2005), trata-se de uma individualidade frustrada diante de si mesma, jĂĄ que estĂĄ muito aquĂŠm de seus projetos. Precisamente, Zuin (2001, p. 11) lembra que ÂłWDO GHELOLWDomR GD LQGLYLGXDOLGDGH p R UHVXOWDGR GH XP SURFHVVR VRFLDO TXH WHP FRPR principal caracterĂstica a universalização do princĂpio da lĂłgica da mercadoria, tanto QD GLPHQVmR REMHWLYD FRPR QD VXEMHWLYD´ 1HVWH VHQWLGR /XNiFV Mi DOHUWDUD WDO IDWR D reificação ocorre tanto na realidade objetiva quanto na subjetiva. Tanto as relaçþes mercantis quanto a consciĂŞncia se tornam naturalizadas. A indĂşstria cultural, que nĂŁo deve ser entendida no sentido estrito da expressĂŁo, progrediu graças ao avanço tĂŠcnico do capitalismo. Segundo Morin (1967, S Âłsin el impulso prodigioso del espĂritu capitalista, esas invenciones [novas artes tĂŠcnicas] no hubieran conocido sin duda un desarrollo tan radical y masivamente orientado´ &RPR UHIRUoD $GRUQR ÂłQR FDSLWDOLVPR Âą isso ĂŠ uma lei essencial Âą o que existe sĂł pode ser considerado na medida em que se amplia e se H[SDQGH´ $'2512 D, p. 122). Os elementos constitutivos da indĂşstria cultural, ou seja, diversĂŁo, entretenimento, prazer, etc., jĂĄ existiam antes mesmo dela vir Ă tona. Contudo, o que o sĂŠculo XX viu surgir foi uma imensa maquinaria voltada Ă comercialização da cultura. Neste meio, o prĂłprio interior de uma obra artĂstica foi encerrado, ou seja, a IdĂŠia de DXWRU R VHX FDUiWHU GH LQGLYLGXDOLGDGH HVWpWLFD Âł$ LQG~VWULD FXOWXUDO desenvolveu-se com o predomĂnio que o efeito, a performance tangĂvel e o detalhe tĂŠcnico alcançaram sobre a obra, que era outrora veĂculo da IdĂŠia e com essa foi OLTXLGDGD´ $'2512 +25.+(,0(5 S -104).
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Destarte, os bens da indĂşstria cultural, grosso modo pensando as maiores cifras (racionalizadas, massificadas e padronizadas), sĂŁo essencialmente mercadorias. SĂŁo criados para cumprirem a função de valor de troca. A racionalidade estĂŠtica ĂŠ abandonada em prol da racionalidade instrumental. Logo, Zuin (2001, p. 10) afirma, VXPDULDPHQWH TXH XPD SURGXomR FXOWXUDO VXEPHWLGD ÂłTXDVH TXH SRU FRPSOHWR ao seu carĂĄter de valor afasta-se de si prĂłpria, ou seja, termina por negar toda possibilidade GH IHOLFLGDGH DR GLVVLPXODU XP YHUGDGHLUR HVWDGR GH OLEHUGDGH´ Padilha (2002) menciona que essa industrialização crescente e suas caracterĂsticas mais importantes na produção de mercadorias estĂŁo tambĂŠm presentes na produção cultural desde o final do sĂŠculo XIX. O cinema e a televisĂŁo, por exemplo, obedeceram as mesmas regras da grande indĂşstria: produção em sĂŠrie, divisĂŁo racional do trabalho e a padronização. MRULQ S WDPEpP UHDOoD HVVH DVSHFWR DR DILUPDU TXH Âłel gran arte nuevo, arte industrial tipo, el cine, ha instituido una rigurosa divisiĂłn del trabajo, anĂĄloga a la que se opera en una fĂĄbrica >ÂŤ@´ DaĂ que a cultura produzida pela indĂşstria cultural ĂŠ padronizada e baseia-se num gosto mĂŠdio de um pĂşblico que nĂŁo tem tempo nem interesse em questionar o que consome. Os meios de comunicação de massa procuram, atravĂŠs de um mundo mĂĄgico, naturalizar as regras do jogo social, veiculando cĂłdigos serializados para qualquer um em toda a parte do planeta27 (PADILHA, 2002). DiagnĂłsticos substanciais acerca das dimensĂľes mecânica e ideolĂłgica da arte, em sentido convencional, possuem Walter Benjamin e Herbert Marcuse, em dois textos que influenciaram substancialmente a redação da DialĂŠtica do Esclarecimento, na avaliação de Duarte (2004 Âł$ REUD GH DUWH QD HUD GH VXD UHSURGXWLELOLGDGH WpFQLFD - ´ %(1-$0,1 H Âł6REUH R FDUiWHU DILUPDWLYR GD FXOWXUD - ´ (MARCUSE, 2001). Abrindo um breve parĂŞntese: algumas posiçþes teĂłricas atestam que a indĂşstria cultural nĂŁo deve ser pensada em todos os contextos capitalistas, independentemente de seu desenvolvimento estrutural. No mais, essa afirmação ĂŠ, alĂŠm de pertinente, importante. Segundo Goldenstein (1987, p. 23), para que a indĂşstria FXOWXUDO SRVVD DVVXPLU SOHQDPHQWH WRGDV DV FDUDFWHUtVWLFDV TXH OKH VmR LQWUtQVHFDV p SUHFLVR TXH R ÂłPRGR GH produção capitalista jĂĄ tenha atingido um certo grau de amadurecimento, tanto pela concentração de capital e GHVHQYROYLPHQWR WHFQROyJLFR TXDQWR SHOD IRUPD DVVXPLGD QDV UHODo}HV VRFLDLV´ 2 %UDVLO KRMH Mi GLVS}H GH todas essas condiçþes estruturais, apesar de seu capitalismo perifĂŠrico. Assim, segundo BĂĄrbara Freitag, ÂłSRGHPRV GL]HU TXH R PRGHOR WHyULFR GD ÂľLQG~VWULD FXOWXUDOÂś > @ DSOLFD-se sem restriçþes ao contexto EUDVLOHLUR DSHVDU GD HVSHFLILFLGDGH GR FDSLWDOLVPR GHSHQGHQWH´ )5(,7$* S 27
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Walter Benjamin (1994), ao analisar a obra de arte na era de sua reprodutibilidade tĂŠcnica, mostra o atrofiamento da aura artĂstica (sua existĂŞncia Ăşnica) sob as condiçþes tĂŠcnicas atuais. A arte sob o predomĂnio da indĂşstria cultural perde sua aura e se metamorfoseia em um produto massificado. Para Benjamin, em essĂŞncia, a obra de arte sempre foi reprodutĂvel (por discĂpulos, mestres, pessoas interessadas apenas no lucro, etc.). Todavia, a reprodução tĂŠcnica representa um processo novo, marcado pelo avanço da perda da autenticidade da obra e pela inexistĂŞncia de seu testemunho sĂłcio-histĂłrico. Em suma, cria-se uma existĂŞncia serial para os bens culturais. Para Duarte (2004, p. 22-23), a contribuição mais importante de Benjamin para esse debate ĂŠ a elaboração do conceito de aura, uma YH] TXH ÂłPHVPR QD PDLV perfeita reprodução, falta o aqui e agora da obra de arte Âą sua existĂŞncia singular no ORFDO QR TXDO HOD VH HQFRQWUD´ 'XDUWH DLQGD DOHUWD TXH R HQWXVLDVPR GH Benjamin pelo cinema, por exemplo, nĂŁo era ingĂŞnuo, jĂĄ que sabia que a indĂşstria cinematogrĂĄfica dos anos 30 estava majoritariamente nas mĂŁos do grande capital, e a esse nĂŁo interessava educação, nem tampouco crĂtica. A indĂşstria cinematogrĂĄfica negava, portanto, qualquer função revolucionĂĄria que o cinema poderia vir a ter28. Essa foi uma idĂŠia basilar para a DialĂŠtica do Esclarecimento. Em Marcuse, por sua vez, as obras de arte mais nobres servem como uma espĂŠcie de compensação para a falta de acesso das classes subalternas aos bens sublimes postos pela modernidade, que, a partir da ascensĂŁo da burguesia e a idĂŠia de igualdade por ela prometida quando era ainda uma classe revolucionĂĄria, passa a desenhar o mundo como reino das liberdades. Como o advento do capitalismo apenas aprofundou as desigualdades jĂĄ existentes, a cultura afirmativa passa a desempenhar o papel de sinalizar que todos podem usufruir dos valores supremos, entre os quais a beleza se enquadra perfeitamente (DUARTE, 2004). Igualmente, segundo Zuin (2001, p. 12), a mercantilização da produção simbĂłlica possui a tarefa de sinalizar a 28
Freitag (1989) observa uma posição mais progressista de Benjamin, isto ĂŠ, embora fosse do cĂrculo LQWHOHFWXDO GH $GRUQR R PHVPR QmR DGHULX HP WXGR DV IRUPXODo}HV DGRUQLDQDV Âł$ REUD GH DUWH H FXOWXUD ÂľSyV-DXUiWLFDVÂś WrP QRYDV SRVVLELOLGDGHV GH PRELOL]DomR FRQWHVtação, articulação com o real, permitindo a FUtWLFD GH XP QRYR kQJXOR QmR QHFHVVDULDPHQWH DOLHQDGR´ )5(,7$* S
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integração e a reconciliação forçada entre os grupos sociais desiguais entre si, EDVHDGDV ÂłQD IDOVLGDGH GH TXH D PDVVLILFDomR GD FXOWXUD UHDOPHQWH SRVVLELOLWD D HPDQFLSDomR FROHWLYD´ Cultura afirmativa ĂŠ aquela cultura pertencente Ă ĂŠpoca burguesa que no curso de seu prĂłprio desenvolvimento levaria a distinguir e elevar o mundo espiritualanĂmico, como uma esfera de valores autĂ´noma, em relação Ă civilização. Seu traço decisivo ĂŠ a afirmação de um mundo mais valioso, universalmente obrigatĂłrio, incondicionalmente confirmado, eternamente melhor, que ĂŠ eternamente diferente do mundo de fato da luta diĂĄria pela existĂŞncia, mas que qualquer indivĂduo pode UHDOL]DU SDUD VL ÂľD SDUWLU GR LQWHULRUÂś VHP WUDQVIRUPDU DTXHOD UHDOLGDGH GH IDWo (MARCUSE, 2001, p. 17).
A discussĂŁo de Marcuse abraça o conceito em torno da manutenção do status quo pelo carĂĄter afirmativo da cultura: manutenção de uma situação vigente atravĂŠs do discurso de uma suposta liberdade que em nada libertou. Para ele, a burguesia nascente trouxe a idĂŠia de uma universalidade e uma validade geral da cultura, no qual rompeu com a idĂŠia antiga, de perĂodos prĂŠ-FDSLWDOLVWDV TXH DILUPDUD ÂłGH ERD consciĂŞncia que a maioria dos homens sĂŁo obrigados a despender sua existĂŞncia com a provisĂŁo das necessidades vitais, enquanto uma pequena parcela se dedica ao prazer H j YHUGDGH´ 0$5&86( S Marcuse pensa a cultura afirmativa como um reino de aparente liberdade, onde as existĂŞncias antagĂ´nicas procuram ser apaziguadas. Esse carĂĄter afirmativo da cultura burguesa reafirma e oculta as condiçþes de vida, jĂĄ que no capitalismo a igualdade abstrata se realiza Ă custa de uma desigualdade concreta. Segundo afirma, ÂłjV QHFHVVLGDGHV GR LQGLYtGXR LVRODGR HOD UHVSRQGH FRP D FDUDFWHUtVWica humanitĂĄria universal; Ă misĂŠria do corpo, com a beleza da alma; Ă servidĂŁo exterior, com a OLEHUGDGH LQWHULRU DR HJRtVPR EUXWDO FRP R PXQGR YLUWXRVR GR GHYHU´ 0$5&86( 2001, p. 21). Nesse sentido, a GLQkPLFD LGHDOLVWD GD ÂłFXOWXUD DILUPDWLYD´ UHLWHUadamente adia ou desvia a satisfação para o nunca alcançado, ou seja, eleva o indivĂduo no seu reino das possibilidades, mas sem libertĂĄ-lo de sua subordinação efetiva. Reforça Marcuse que a cultura afirmativa, ao pregar a liberdade da alma como desculpa para a misĂŠria, martĂrio e servidĂŁo humana, serviu como conseqßência para submeter
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ideologicamente a existĂŞncia Ă economia do capitalismo. Neste meio, a desigualdade concreta ĂŠ compensada por uma grandeza abstrata no reino da alma de indivĂduos livres e iguais. A sociedade burguesa liberta os indivĂduos de sua condição servil, PDV DLQGD RV PDQWrP VRE FRQWUROH Âł2V KRPHQV SRGHP VH VHQWLU IHOL]HV LQFOXVLYH TXDQGR HIHWLYDPHQWH QmR R VmR´ 0$5&86( S Erich Fromm (1965) tambĂŠm partilha, grosso modo, desse diagnĂłstico marcuseano. Para ele o sistema necessita de homens que se sintam livres, mas que, sutilmente, tambĂŠm estejam dispostos a obedecer, enquadrando-se na mĂĄquina social VHP DWULWR Âł+RPHQV TXH SRVVDP VHU JXLDGRV VHP D IRUoD OLGHUDGRV VHP OtGHU, movidos sem objetivo, exceto o objetivo de estar em marcha, de funcionar, de DYDQoDU´ )5200 S Para Fromm, o homem moderno ĂŠ um consumidor passivo, que aceita bebidas, alimentos, cigarros, conferĂŞncias, panoramas, livros, cinema e mĂşsica sem TXHVWLRQDU H[DWDPHQWH R IXQGDPHQWR GD DFHLWDomR Âł2 KRPHP tornou-se o amamentado, o que espera sempre Âą H R HWHUQDPHQWH GHVDSRQWDGR´ (FROMM, 1965, p. 82). O essencial desfecho desse debate entre cultura afirmativa e arte na era da reprodução tĂŠcnica ĂŠ o entrelaçamento entre, de um lado, a idĂŠia aparente de que todos podem ter acesso ao consumo de bens culturais; de outro, a constatação de que esse consumo quando ĂŠ efetivado se dĂĄ mediante o usufruto de uma cultura prĂŠdigerida, mecanicamente realizada atravĂŠs da fĂłrmula geral do capital D Âą M Âą DÂś (MARX, 1983, p. 131). Retomando as regras gerais do jogo, ĂŠ possĂvel dizer que as reflexĂľes acima expostas corroboram para algumas ponderaçþes mais empĂricas acerca da prĂłpria lĂłgica dos bens produzidos pela indĂşstria cultural. A simplicidade mecânica dos filmes e das mĂşsicas de sucesso (ou que se propĂľem ao sucesso) ĂŠ algo notĂłrio. $VVLP ÂłGHVGH R FRPHoR GR ILOPH Mi VH VDEH FRPR HOH WHUPLQD > @ H DR HVFXWDU D mĂşsica ligeira, o ouvido treinado ĂŠ perfeitamente capaz [...] de adivinhar o desenvolvimento do tema e sente-VH IHOL] TXDQGR HOH WHP OXJDU FRPR SUHYLVWR´ (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 103).
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Basicamente em boa parte da produção cultural Âą da indĂşstria cultural Âą a qualidade estende-se, antes de qualquer coisa, nĂŁo por um dado qualitativo conforme jĂĄ alertou DurĂŁo (2008) -, mas sim por cifras de quanto jĂĄ vendeu e de TXDQWR LUi UHQGHU DLQGD Âł2 GHQRPLQDGRU FRPXP ÂľFXOWXUDÂś Mi FRQWpP YLUWXDOPHQWH R levantamento estatĂstico, a catalogação, a classificação que introduz a cultura no GRPtQLR GD DGPLQLVWUDomR´ $'2512 +25.+(,0(5 S As diferenças de qualidade atribuĂdas aos filmes, livros e mĂşsicas tĂŞm mais a ver com a sua utilidade de venda do que com sua qualidade intrĂnseca. Por isso, para que todos possam ser atingidos pela mĂŁo invisĂvel da indĂşstria cultural, as prĂłprias GLVWLQo}HV VmR FULDGDV FXQKDQGR DVVLP XP FHUWR DU GH RSomR Âł$V YDQWDJHQV H desvantagens que os conhecedores discutem servem apenas para perpetuar a ilusĂŁo da concorrĂŞncia e da SRVVLELOLGDGH GH HVFROKD´ $'2512 +25.+(,0(5 S 101-102). Esperadamente, como seqĂźelas desse processo, mecanismos diversos da ideologia disseminam incessantemente que esta produção sĂł existe porque hĂĄ homens livres e capazes desejando o consumo. O princĂpio liberal da competĂŞncia individualista se mostra tambĂŠm eficiente na indĂşstria cultural: tudo pode ser vendido e comprado. No texto CrĂtica cultural e sociedade, Adorno (2001, p. 21) jĂĄ se PDQLIHVWDUD VXPDULDPHQWH VREUH R WHPD ÂłKRMH ÂľideologiaÂś Vignifica sociedade HQTXDQWR DSDUrQFLD´ Assim, em Adorno a ideologia deixa de ser falsa consciĂŞncia para se tornar propaganda do mundo ÂłD RUJDQL]DomR GR PXQGR FRQYHUWHX-se a si PHVPD LPHGLDWDPHQWH HP VXD SUySULD LGHRORJLD´ $'2512 D S Ou: ÂłNĂŁo hĂĄ mais ideologia no sentido prĂłprio de falsa consciĂŞncia, mas somente propaganda a favor do mundo, mediante a sua duplicação e a mentira provocadora, que nĂŁo pretende ser acreditada, mas que pede o silĂŞncio´ (ADORNO, 2001, p. 25). ConseqĂźentemente, a indĂşstria cultural consegue, no mesmo espaço, obter sucesso de venda em objetos dĂspares. Pensem, por exemplo, nos programas de DXGLWyULR QR TXDO ÂłRV ÂľHQWHUQHFLGRVÂś DSUHVHQWDGRUHV WUDQVLWDP FRP HVSDQWRVD facilidade, entre o relato da filha que foi estuprada pelo prĂłprio pai e os produtos de
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OLPSH]D GR SDWURFLQDGRU´ =8,1 S e FRPR VH D WUDJpGLD GRV RXWURV (alter) fosse coisa pequena frente Ă misĂŠria individual de cada um (ego). Nesse sentido, sendo as grandes empresas ligadas ao cinema, Ă mĂşsica, Ă s revistas de entretenimento, etc., entidades capitalistas que visam o lucro, nĂŁo existe o porquĂŞ desconfiar que seus produtos sejam, quase que literalmente, mercadorias no sentido rĂspido do vocĂĄbulo. A letra de uma mĂşsica que ĂŠ elaborada em um ou dois dias, com um instrumental de poucos arranjos cada um mais dispensĂĄvel que o outro, tematizando a traição de uma esposa e os lamentos do marido melancĂłlico, nĂŁo ĂŠ outra coisa senĂŁo uma produção industrial, metaforicamente Ă maneira de uma indĂşstria que produz uma sĂŠrie de canetas esferogrĂĄficas. Tudo estĂĄ a serviço da produção de mercadorias, ou, mais alĂŠm como prefere DurĂŁo (2008, p. 43), da VXSHUSURGXomR VHPLyWLFD ÂłD SUySULD OLQJXDJHP VXD QDWXUH]D H IRUPD GH RSHUDomR quando completamente submetida Ă lĂłgica de acumulação de FDSLWDO´ %DVWD TXH VH observe hoje, alĂŠm dos avanços das tecnologias midiĂĄticas, suas manifestaçþes empĂricas: existem filmes em Ă´nibus, insistentes comerciais em camisetas, outdoors humanos, etc.; ou seja, hĂĄ toda uma crescente produção de mensagens a serviço da indĂşstria cultural. Nesse clima industrial da cultura, cançþes estandardizadas nascem e renascem a cada dia. Ă&#x20AC;s vezes, muda o formato, mas a essĂŞncia permanece. De todo jeito, ĂŠ sempre a mesma coisa. De marido traĂdo a letra passa para a mulher submissa; do homem namorador, muda-se para um amor impossĂvel, etc. NĂŁo apenas mĂşsicas de sucesso nascem diariamente, mas tambĂŠm bandas, cantores, astros e novelas ÂłUHVVXUJHP FLFOLFDPHQWH FRPR LQYDULDQWHV IL[RV PDV R FRQWH~GR HVSHFtILFo do HVSHWiFXOR p HOH SUySULR GHULYDGR GHOHV H Vy YDULD QD DSDUrQFLD´ $'2512 HORKHEIMER, 1985, p. 103). Para Adorno e Horkheimer, cada filme ĂŠ um trailer do filme seguinte, bem como cada mĂşsica, seja no conteĂşdo, seja na montagem do produto. O pĂşblico se contenta, prontamente, com a reprodução do que ĂŠ sempre o PHVPR Âł(VVD PHVPLFH UHJXOD WDPEpP DV UHODo}HV FRP R TXH SDVVRX 2 TXH p QRYR na fase da cultura de massas em comparação com a fase do liberalismo avançado ĂŠ a
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exclusĂŁo do novo. A mĂĄquina gira sem VDLU GR OXJDU´ $'2512 +25.+(,0(5 1985, p. 111). A indĂşstria cultural consiste, portanto, na repetição do idĂŞntico. O princĂpio maior da indĂşstria cultural ĂŠ a diversĂŁo, o entretenimento. DiversĂŁo! Palavra tĂŁo mencionada pelos apologistas da indĂşstria cultural e tĂŁo indigesta (faca de dois gumes). A diversĂŁo, nos termos mais genĂŠricos da indĂşstria cultural Âą diga-se de passagem -, oferece exaustivamente a fuga do cotidiano. Eis o que proporciona a indĂşstria cultural. Fuga! Ernest Mandel sumariamente esclarece tal proposição: Para o indivĂduo cativo, cuja vida ĂŠ inteiramente subordinada Ă s leis do mercado Âą nĂŁo apenas (como no sĂŠculo XIX) na esfera da produção, mas tambĂŠm na esfera do consumo, da recreação, da cultura, da arte, da educação e das relaçþes pessoais Âą SDUHFH LPSRVVtYHO URPSHU D SULVmR VRFLDO $ ÂľH[SHULrQFLD FRWLGLDQDÂś UHIRUoD H interioriza a ideologia neofatalista da natureza da ordem social do capitalismo tardio. Tudo o que resta ĂŠ o sonho da fuga Âą por meio do sexo e das drogas, que por sua vez sĂŁo imediatamente industrializados (MANDEL, 1985, p. 352).
Logo, Âła indĂşstria cultural estĂĄ corrompida, mas nĂŁo como uma BabilĂ´nia do SHFDGR H VLP FRPR FDWHGUDO GR GLYHUWLPHQWR GH DOWR QtYHO´ $'2512 HORKHEIMER, 1985, p. 118). Antecipa-se que o divertimento Âą protocolarmente Âą da indĂşstria cultural, em si, nĂŁo possibilita capacidade de resistĂŞncia. Tem grande probabilidade de ser mera diversĂŁo, distração. NĂŁo oferece, em si, possibilidade de emancipação, nem crĂtica ao status quo. Conforme afirmam Adorno e Horkheimer S ÂłGLYHUWLU-se significa estar de acordo [...] Ă&#x2030; na verdade uma fuga, mas nĂŁo [...] uma fuga da realidade ruim, mas da Ăşltima idĂŠia de resistĂŞncia que essa UHDOLGDGH DLQGD GHL[D VXEVLVWLU´ Para pensar o grande desafio da primeira geração da Teoria CrĂtica era SUHFLVR SRQGHUDU ÂłDV IRUPDV DSDUHQWHPHQWH PDLV LQRIHQVLYDV GH FRQGXomR GD YLGD QR PXQGR FRQWHPSRUkQHR > @ HP EXVFD GR TXH QHODV SRVVD KDYHU GH UHJUHVVLYR´ (COHN, 1998, p. 14). Portanto, nĂŁo hĂĄ forma aparentemente mais inofensiva do que a ocupação do tempo supostamente livre. Para alĂŠm do uso do tempo livre, interessa tambĂŠm compreendĂŞ-lo, na visĂŁo adorniana, como um prolongamento do trabalho, isto ĂŠ, como prolongamento de uma vida profissional padronizada e sem sentido, que genericamente somente consegue
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reingressar o trabalhador no mundo do trabalho por meio de uma diversĂŁo mecânica que o restitui fisicamente. Em complemento, o tempo livre dos trabalhadores tambĂŠm QmR p FURQRORJLFDPHQWH ÂłOLYUH´ XPD YH] TXH HVWUXWXUDOPHQWH ÂłR WHPSR OLYUH GRV setores populares, coagidos pelo subemprego e pela deterioração salarial, ĂŠ ainda menos livre por ter que preocupar-se com o segundo, o terceiro trabalho, ou em procurĂĄ-ORV´ &$1&/,1, S (P DPEDV DV VLWXDo}HV QmR Ki liberdade, nem na consciĂŞncia, nem no tempo adequado. A sociologia do lazer reconhece, desde os estudos pioneiros de Joffre Dumazedier na dĂŠcada de 1950, a possibilidade de um lazer como veĂculo de mera fuga, de simples distração. Para Dumazedier, a vivĂŞncia do lazer possui trĂŞs funçþes marcadamente claras: descanso (reparação), entretenimento (evasĂŁo para um mundo diferente) e desenvolvimento da personalidade (DUMAZEDIER, 1973). Marcellino (2000), partindo de Dumazedier, mas recusando seu funcionalismo, esclarece que a vivĂŞncia do lazer depende dos nĂveis de participação do indivĂduo envolvido com a experiĂŞncia lĂşdica. Esses nĂveis se classificam em elementar (caracterizado pelo conformismo), mĂŠdio (onde jĂĄ prepondera o elemento crĂtico) e superior/inventivo (quando impera a criatividade). Ao diagnosticar esses nĂveis, Marcellino elucida que o lazer deve estar atrelado a possibilidade de desenvolvimento pessoal e social, atravĂŠs de vivĂŞncias que possibilitem o questionamento da ordem social, que desenvolvam os indivĂduos em relação aos demais, e que ainda possibilitem, alĂŠm de descanso e diversĂŁo, uma capacidade crĂtica de viver a cultura de uma forma prazerosa e contestadora. O diagnĂłstico visualizado ĂŠ que o lazer de grande parte da população brasileira se situa nesse nĂvel elementar, no qual o conformismo impera e o resultado ĂŠ justamente a fuga de uma realidade sequer problematizada. A guisa de reflexĂŁo pontual, pensando a relação entre o descanso e a reflexĂŁo, Carone (2003) apresenta, por exemplo, a incompatibilidade no consumo da mĂşsica sĂŠria com a idĂŠia de prazer via relaxamento (diversĂŁo), jĂĄ que, conforme aponta, ÂłTXDQWR PDLRU D DWLYLGDGH PHQWDO PHQRU R UHOD[DPHQWR GR VXMHLWR TXH RXYH H portanto, maior serĂĄ a distância com a diversĂŁo. A mĂşsica sĂŠria, ouvida de modo DWLYR RX SDVVLYR QmR SURPRYH D GLYHUVmR SRU VXD SUySULD QDWXUH]D´ *HRUJHV 6Q\GHUV
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reforça essa assertiva, ao afirmar que os prazeres da beleza estĂŠtica diferem dos SUD]HUHV KDELWXDLV 3DUD HOH ÂłWUDWD-se do ato de manter silĂŞncio, fora de si e em si mesmo [...] Trata-se tambĂŠm de manter uma atenção vigilante e concentrada, que HVFDSH D WRGDV DV WHQWDo}HV GH GLYDJDomR´ 61<'(56 S Pensando para alĂŠm da mĂşsica, Fhiladelfio (2003) aponta a importância da literatura como veĂculo de educação, podendo tornar crĂtico o sujeito ou alienĂĄ-lo ainda mais. Para ela, os elementos do questionamento, da autonomia, da coerĂŞncia interna e da organicidade nĂŁo figuram na literatura com marcas da indĂşstria cultural. Nesta, a leitura nĂŁo vai alĂŠm da diversĂŁo, do entretenimento ou, no mĂĄximo, da recepção de informação. Tomem-se de passagem as publicaçþes do tipo best seller, que mais contribuem para a quantificação de cifras do que para o Ăntimo humano. Para Fhiladelfio (2003, p. 217), publicaçþes do tipo Julia, Sabrina ou revistas ClĂĄudia ou Nova convidam sistematicamente a mulher a entrar num mundo de FRQVXPR QR TXDO SHUSHWXD D ÂłLGHRORJLD GH TXH HOD GHYH ÂľVHU SDUD RV RXWURVÂś DR mesmo tempo em que funcionam como divulgadores de um modelo de mulher e de um padrĂŁo de beleza, forjando, portanto, um estereĂłtipo ao qual as leitoras devem-se DGHTXDU´ &RPR UHVXOWDGR GH XP ÂłGLYHUWLU´ QDGD DIHWXRVR WHUPLQD D JUDQGH SDUWH GD população envolvida numa forma de dominação muito sutil e, por isso mesmo, mais perigRVD Âł$VVLP FRPR R 3DWR 'RQDOG QRV cartoons, assim tambĂŠm os desgraçados na vida real recebem a sua sova [surra] para que os espectadores possam se DFRVWXPDU FRP D TXH HOHV SUySULRV UHFHEHP´ $'2512 +25.+(,0(5 S 114). O humor triunfa sobre a prĂłpria (im)possibilidade de mudança da situação vigente. A arte como possibilidade de emancipação, de expressĂŁo diante do mundo administrado, ĂŠ abandonada por um humor que nada tem de engraçado, salvo a prĂłpria infelicidade de quem ri. A indĂşstria cultural, ofertando cada vez mais seus SURGXWRV D XP S~EOLFR VHPSUH PDLRU H RIHUHFHQGR GLYHUVmR VHPSUH ÂłUHYLJRUDGD´ oferece algo ao povo e, ao mesmo tempo, priva-o de outra. Oferece diversĂŁo, mas priva-o da possibilidade de uma vida com mais sentido.
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De resto, o Ăşnico sentido que permanece ĂŠ a ilusĂŁo de estar consumindo coisas de qualidade e com autonomia. A indĂşstria cultural nĂŁo passa, pois, segundo $GRUQR H +RUNKHLPHU S GR ÂłSURIHWD LUUHIXWiYHO GD RUGHP H[LVWHQWH´ Desta forma, sĂł se interessa pelos homens ou como força de trabalho, ou como clientes, vindo imprimindo essa fĂłrmula exaustivamente durante as Ăşltimas dĂŠcadas. A implicação mais lĂmpida dessa dominação ĂŠ impossibilidade de questionamento da ordem vigente. A ordem vigente, ou segundo Marcuse, a cultura DILUPDWLYD ÂłH[HUFLWD R LQGLYtGXR QR SUHHQFKLPHQWR GD FRQGLomR VRE D TXDO HOH HVWi DXWRUL]DGR D OHYDU HVVD YLGD LQH[RUiYHO´ $'2512 +25.+(,0(5 S Eis o que faz a indĂşstria cultural: poda os indivĂduos de uma vida mais autĂ´noma. O re-ligare que a religiĂŁo cumpria com hegemonia agora ĂŠ dividido com os meios de comunicação de massa. Consumidores sempre distraĂdos, conformados e em busca de distração, corroboram fortemente com esta dominação. Vale salientar que esse conformismo latente, HVVD EXVFD LQFHVVDQWH SRU FRHVmR VRFLDO ÂłQmR DJH necessariamente, [...] a favor dos interesses mais racionais dos indivĂduos, mas contra HOHV´ &52&+Ă&#x2039;. S Adorno (1971), em 1962, quinze anos apĂłs a publicação do texto A IndĂşstria Cultural: o esclarecimento como mistificação das massas, clareia mais diretamente a QDWXUH]D H DV FRQVHT rQFLDV GD LQG~VWULD FXOWXUDO SDUD D PDQXWHQomR GR ÂłPXQGR DGPLQLVWUDGR´ HP WH[WR FKDPDGR RĂŠsumĂŠ Ăźber Kulturindustrie [produzido a partir de conferĂŞncias radiofĂ´nicas na Alemanha]. Mantendo o mesmo rigor em suas afirmaçþes e em suas provocaçþes, Adorno continua ainda mais enĂŠrgico em relação Ă s consideraçþes expostas na DialĂŠtica do Esclarecimento. 3HUPDQHFH DILUPDQGR TXH ÂłD LQG~VWULD FXOWXUDO p D LQWHJUDomR GHOLEHUada, a partir do alto, de seus consumidores. Ela força a uniĂŁo dos domĂnios, separados hĂĄ PLOrQLRV GD DUWH LQIHULRU H GD DUWH VXSHULRU &RP SUHMXt]R SDUD DPERV´ $'2512 1971, p. 287). A massa para a indĂşstria cultural continua sendo apenas mais um elemento de cĂĄlculo, um acessĂłrio da maquinaria. O consumidor nĂŁo ĂŠ o rei, como a indĂşstria cultural gostaria de fazer crer; ele nĂŁo ĂŠ nem mesmo sujeito dessa indĂşstria, PDV VHX REMHWR Âł$V SURGXo}HV GR HVStULWR QR HVWLOR GD LQG~VWULD FXOWXUDO QmR VmR PDLV
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tambĂŠm mercadorias, mas o sĂŁo integralmente. As mercadorias da indĂşstria cultural GHYHP GH TXDOTXHU PDQHLUD VHU DEVRUYLGDV´ $'2512 S Assim, a indĂşstria cultural fabrica, alĂŠm de suas mercadorias, uma aceitação. Busca vender um simples assentimento, ou seja, que o cliente sabe o que quer. Alguns apologistas, ainda que supostos ÂłcrĂticos´, buscam atestar o carĂĄter inofensivo GHVVD ÂłLQG~VWULD´ SRLV HVWD WUDULD FRQVLJR D PDUFD GH DOLYLDU WHQV}HV VRFLDLV H DOpP disso, promoveria um nĂvel maior de informação ao grande pĂşblico. Sobre esse argumento Adorno ĂŠ radicalmente contrĂĄrio. Freitag (1989, p. 57) tambĂŠm discorda deste argumento, ao afirmar que longe de democratizar um bem cultural, a indĂşstria cultural passa a oferecĂŞ-OR ÂłMXQWDPHQWH com
sabonetes,
automĂłveis,
sapatos
e
outros
produtos
de
consumo,
descaracterizando-o, utilizando-o para vendar os olhos do consumidor, distorcer sua percepção, embalå-OR HP LOXV}HV VXEYHUWHU VHX VHQVR FUtWLFR´ 7RGDYLD D DXWRUD tambÊm não afirma ser necessåria a exclusão radical da indústria cultural dos processos educativos. Para ela, os seus meios tÊcnicos, tais como produção em massa de livros, recursos audiovisuais, etc. atÊ podem ajudar na disseminação do saber. Contudo, como jå alertou Christoph Tßrcke (2008, p ³XPD ¾VRFLHGDGH GR FRQKHFLPHQWRœ QmR p FRPSRVWD SRU PXLWRV ¾FRQKHFHGRUHVœ PDV VLP SRU SHVVRDV TXH QmR VDEHP FRPR SRGHP FRQFHQWUDU R FRQKHFLPHQWR´ UHXQLGR HP GLYHUVRV ORFDLV WDLV como internet, revistas, jornais, etc. Assim, a dimensão quantitativa do produzido pela indústria cultural Ê tão perniciosa quanto sua indigência qualitativa. Weber jå DSRQWDUD WDO IDWR DR DILUPDU TXH ³D FUHVFHQWH LQWHOHFWXDOL]DomR H UDFLRQDOL]DomR QmR indicam [...] um conhecimento maior e mais geral das condiçþes sob as quais YLYHPRV´ :(%(5 E S Aliås, a indústria cultural, não somente enquanto mercadorização do mundo, mas como ideologia, como propaganda do mundo, parece ter penetrado em esferas apenas aparentemente autônomas do mercado, dentre elas, a educação, conforme mostram as reflexþes de Gruschka (2008) e Vaz (2008). No dizer de Gruschka (2008, S ³LVVR SRGH VHU QRWDGR QR IDWR GH TXH QLQJXpP DLQGD WHYH D LGpLD GH WUDWDU teoricamente uma universidade ou uma escola, uma ópera ou um museu, tal como
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quando se trata de um empreendimento como MGM [e] Times Warner´ Gruschka faz essa constatação ao observar atualmente uma sĂŠrie de prĂĄticas demarcadas pelo espĂrito da indĂşstria cultural nos mĂŠtodos escolares, seja na administração escolar, seja na prĂłpria didĂĄtica. Observam-se slogans distintos recrutando alunos para o sucesso, conteĂşdos prĂŠ-digeridos Âą exemplo do audiobook (hipertexto)29 Âą, adaptação de conteĂşdos com linguagem facilitada, transmissĂŁo agradĂĄvel do conteĂşdo, etc. $VVLP ÂłDR DGDSWDU VHXV FRQWH~GRs e formas de trabalho Ă indĂşstria cultural, a escola pode, nesta sociedade, fazĂŞ-la triunfar como solo da cultura e facilmente pĂ´r tudo a VHX VHUYLoR´ *586&+.$ S Freitag (1989, p. 69) tece seu diagnĂłstico no mesmo caminho. Segundo afirma, a entrada da indĂşstria cultural na escola, atravĂŠs GH VHXV PpWRGRV VLPSOLILFDGRUHV GH WUDQVPLVVmR GR FRQKHFLPHQWR ÂłQmR VRPHQWH nivelam por baixo [...] mas podem, atĂŠ mesmo, produzir a obstrução definitiva dos FDQDLV GH SHUFHSomR GD YHUGDGHLUD HGXFDomR´ AtĂŠ a polĂtica enquanto prĂĄxis profissional adere Ă lĂłgica da indĂşstria cultural. 'H DFRUGR FRP %XHQR S D SUySULD SROtWLFD ÂłVXERUGLQDGD DR PHUFDGR orienta-se pela lĂłgica da adaptação, recusando previamente modalidades crĂticas, negativas [...], TXH SRVVDP DSRQWDU RXWURV UXPRV SDUD D KXPDQLGDGH´ TambĂŠm uma parte do jornalismo, enquanto empresa capitalista, assente ao esquema da indĂşstria cultural. Costa (2001, p. 111) afirma que os meios de comunicação de massa nĂŁo estĂŁo separados da produção capitalista e da lĂłgica da mercadoria. A produção da notĂcia requer tambĂŠm algumas variĂĄveis que denunciam D LPSRVVLELOLGDGH GHOD VHU XPD GHPRQVWUDomR REMHWLYD GD UHDOLGDGH LVWR p ÂłD estrutura nĂŁo-dialĂłgica dos veĂculos de comunicação de massa favorece ainda mais a FLVmR HQWUH D FRPSUHHQVmR GRV IDWRV H D IRUPD IHWLFKL]DGD GH VXD UHSUHVHQWDomR´ (COSTA, 2001, p. 112). Goldenstein oferece interpretação semelhante ao admitir que D KLVWyULD GD LPSUHQVD DFRPSDQKD JURVVR PRGR D GD EXUJXHVLD $VVLP ÂłD OyJLFD TXH
29 Sobre o conceito de Hipertexto, ver Tßrcke (2008, p. 34), no qual as pessoas, incapazes de se aprofundar num texto tradicional (livro impresso, por exemplo), conformam-se com a facilidade do computador. ³&HUWDPHQWH WUDWD-se de um reino de liberdade bem miseråvel, no qual um contemporâneo que clica o mouse e olha fixo para a tela dispþe, ad libitum, de todos os comandos e conexþes jå predeterminados por um SURJUDPD GH FRPSXWDGRU > @´
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rege a construção da mensagem ĂŠ a do luFUR D HPSUHVD GRPLQD R MRUQDO´ (GOLDENSTEIN, 1987, p. 29). Essa atual formatação ĂŠ sim uma forte evidĂŞncia do avanço da indĂşstria cultural sobre outras instituiçþes, especificamente, a instituição Escola, a MĂdia e a PolĂtica profissional Âą formalmente quem deveriam possibilitar o exercĂcio crĂtico para a mudança social. SĂł resta, entĂŁo, mais conformismo e menos crĂtica. Pensem, por exemplo, numa sociedade do conformismo, no qual toda e qualquer perspectiva teĂłrica crĂtica encontra, dentre os setores semi-formados, uma resposta de carĂĄter conformista. Ă&#x2030; toda uma estrutura do conformismo para tentar vender a imagem do Fim da HistĂłria (The end of History). Esquece-se, todavia, da notĂĄvel frase de Marx e imortalizada por Marshall Berman Âą ÂłWXGR R TXH p VyOLGR GHVPDQFKD QR DU 30´ Âą, no qual a aventura da modernidade despeja a todos num turbilhĂŁo de permanente desintegração e mudança, de luta e contradição, de ambigĂźidade e angĂşstia ÂłUm mundo onde tudo estĂĄ impregnado de sHX FRQWUiULR XP PXQGR RQGH Âľtudo que ĂŠ sĂłlido desmancha no arϫ (BERMAN, 1986, p. 22). Voltando a Adorno (1971, p. 293), na semi-formação, o conformismo VXEVWLWXL D FRQVFLrQFLD H ÂłMDPDLV D RUGHP SRU HOD WUDQVPLWLGD p FRQIURQWDGD FRP R TXH ela pretende ser RX FRP RV UHDLV LQWHUHVVHV GRV KRPHQV´ Ă&#x2030; a entrada no momento regressivo. RegressĂŁo nĂŁo apenas da capacidade de percepção, mas, sobretudo, de ver algo para alĂŠm do imediato. Com a indĂşstria cultural abre-se o sonho capitalista de uma educação plenamente produtivista e consumista. Como sabiamente alertou, jĂĄ no sĂŠculo XVI, eWLHQQH GH /D %RpWLH S ÂłR KRPHP p QDWXUDOPHQWH OLYUH H TXHU Vr-lo, mas VXD QDWXUH]D p WDO TXH VH DPROGD IDFLOPHQWH j HGXFDomR TXH UHFHEH´ Assim, nĂŁo tem sido tarefa abstrusa acomodar os homens segundo os clichĂŞs da indĂşstria cultural, pois, como lembra Horkheimer no reconhecido estudo sobre Autoridade e FamĂlia: Marx e Engels, no Manifesto do Partido Comunista, ao discutirem acerca do carĂĄter revolucionĂĄrio da EXUJXHVLD HP GLVVROYHU DV EDVHV SUHFHGHQWHV DILUPDP Âł6XSULPHP-se todas as relaçþes fixas, cristalizadas, com seu cortejo de preconceitos e idĂŠias antigas e veneradas; todas as novas relaçþes se tornam antiquadas, antes mesmo de se consolidar. Tudo o que era sĂłlido se evapora no ar, tudo o que era sagrado ĂŠ profanado, e por fim o homem ĂŠ obrigado a encarar com serenidade suas verdadeiras condiçþes de vida e suas relaçþes FRP D HVSpFLH´ 0$5; (1*(/6 S -97).
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nĂŁo ĂŠ apenas a coação imediata que ID] RV KRPHQV REHGHFHUHP D RUGHQV Âłmas os prĂłprios homens [que] aprenderam a acatĂĄ-ODV´ +25.+(,0(5 S Para Adorno, o clĂmax dessa situação ĂŠ atingido quando os esquemas da indĂşstria cultural nĂŁo permitem mais a evasĂŁo ou a dificultam estruturalmente. Segundo aponta, a astrologia representa um dos exemplos mais basilares desta sujeição. Segundo afirma, caso um astrĂłlogo prescreva a um de seus leitores/clientes a guiar cuidadosamente seu automĂłvel num determinado dia chuvoso, certamente tal FRQVHOKR QmR OHVDUi QLQJXpP &RQWXGR ÂłSUHMXGLFLDO p D HVWXOWtFLH LPSOtFLWD QD reivindicação de que esse conselho, vĂĄlido para qualquer dia e, portanto imbecil, tenha requerido a consulta aos astros´ (ADORNO, 1971, p. 294). Nesse cenĂĄrio de semiformação, nĂŁo apenas a astrologia adquire força, mas tambĂŠm, por exemplo, a indĂşstria do corpo perfeito Âą do fitness. O prĂłprio indivĂduo passa a ser, concomitantemente, matĂŠria-prima, força-de-trabalho e consumidor de sua prĂłpria subalternidade. Vaz (2008, p. 201) reflete sobre o culto do corpo na sociedade contemporânea a partir de Adorno e Horkheimer, no qual os autores falam ÂłGH XP FRUSR TXH SHUPDQHFH XP FDGiYHU PHVPR TXH VHMD FDGD YH] PDLV H[HUFLWDGR´ $ILUPD 9D] TXH VH R FRUSR p IHWLFKL]DGR D SRQWR GH WRUQDU-se um denominador da subjetividade, ĂŠ porque os abundantes recursos para transformĂĄ-lo em um ÂłespetĂĄculo sĂŁo muitos e freqĂźentemente empregados pela indĂşstria do entretenimento. Muitos deles se relacionam Ă performance, ao exagero, ao GHVSHUGtFLR DR H[FHVVR > @´ 9$= S $VVLP GLVVHPLQDP-se por aĂ as academias do fitness e suas cartilhas do bem viver: emagrecimento, corpo malhado, etc., com os seus devidos confessionĂĄrios: balanças, espelhos, etc. Entrementes VLQWHWL]D $GRUQR S ÂłdependĂŞncia e servidĂŁo dos homens, objetivo Ăşltimo da indĂşstria cultural´ 2 LQGivĂduo, mesmo usando esta categoria conceitual complicada no chamado mundo administrado, restringe, em certo sentido, a capacidade de perceber um outro devir, um outro vir-a-ser. A representação de uma consciĂŞncia autĂ´noma, crĂtica e independente nĂŁo se perde exclusivamente no dia-a-dia fadigoso de trabalho, mas principalmente vendo televisĂŁo. A sociedade ĂŠ fortemente determinada por essa dialĂŠtica, na qual mesmo
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com o avanço do controle sobre a natureza, ainda temos grandes retornos ao barbarismo. Essencialmente a arte Âą nos campos da mĂşsica, teatro, artes plĂĄsticas, cinema, etc. perde em autonomia. O que resta ainda de experiĂŞncia artĂstica com uma suposta autonomia deve estar atento ao circuito de valorização do capital. Caso contrĂĄrio possui chances elevadas de ingressar no cerco da produção da cultura como fabricação de mercadoria, de consenso e de diversĂŁo sem limites.
1.2 DISCUTINDO O FETICHISMO NA MĂ&#x161;SICA E A REGRESSĂ&#x192;O DA AUDIĂ&#x2021;Ă&#x192;O
A mĂşsica enquanto domĂnio particular da arte tambĂŠm se torna palco para HVVD GRPLQDomR $ GLVFXVVmR GR WH[WR ÂłR IHWLFKLVPR QD P~VLFD H D UHJUHVVmR GD DXGLomR´ - Ueber Fetischcharakter in der Musik und die Regression des Hoerens (ADORNO, 1991), de 1938, embora escrito antes mesmo da DialĂŠtica do Esclarecimento, expressa o entusiasmo criador do debate em torno do projeto adorniano de uma sociologia da mĂşsica. Trata-se de um texto basilar para o aprofundamento acerca da produção de uma mercadorização estĂŠtica. O escrito ĂŠ uma contestação DR WH[WR GH %HQMDPLP ÂłD REUD GH DUWH QD HUa de sua reprodutibilidade WpFQLFD´ (QTXDQWR %HQMDPLP assinalava para as possibilidades abertas advindas das novas tecnologias e as conseqßências positivas abertas pela dessacralização da obra de arte, Adorno percebia o seu lado negativo, ou seja, o consumo fetichizado, passivo, regressivo. ÂłYo subrayaba la problemĂĄtica de la industria de la cultura y las DFWLWXGHV FRUUHVSRQGLHQWHV PLHQWUDV TXH %HQMDPLQ D PL MXLFLR WUDWDED GH ÂľVDOYDUÂś con demasiada insistencia esa problemĂĄtica esfera´ $'2512 S 111) Adorno (1991) inicia afirmado que as reclamaçþes acerca da decadĂŞncia do gosto musical sĂŁo bastante antigas, e que, sempre que a chamada paz musical se PRVWUD SHUWXUEDGD HPHUJH D H[SUHVVmR ÂłGHFDGrQFLD GR JRVWR´ Contudo, para ele, o prĂłprio conceito de gosto estĂĄ superado, uma vez que a existĂŞncia de um indivĂduo com liberdade de escolha se encontra limitada sob a ĂŠgide da sociedade administrada.
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Essas queixas sobre a degeneração do gosto se baseiam em consideraçþes muito sentimentais, pouco crĂticas e de carĂĄter saudosista que louva um passado que muito pouco difere do presente: ÂłLa realidad produce la ilusiĂłn de desarrollarse desde arriba y en el fondo sigue siendo lo que era´ $'2512 S AlĂŠm disso, nD P~VLFD D LGpLD GH ÂłJRVWR´ p DLQGD PDis controversa quando se compreende a SURGXomR GD LQG~VWULD FXOWXUDO Mi TXH ÂłDR LQYpV GR YDORU GD SUySULD FRLVD R FULWpULR GH MXOJDPHQWR p R IDWR GH D FDQomR GH VXFHVVR VHU FRQKHFLGD GH WRGRV´ $'2512 1991, p. 79). Gostar de algo ĂŠ quase que idĂŞntico a reconhecĂŞ-lo e, nesse mundo de mercadorias padronizadas, na mĂşsica ou fora dela, esse comportamento valorativo torna-se questionĂĄvel. As crĂticas adornianas se dirigem Ă categoria de arte ligeira (popular), em contraposição a uma suposta arte autĂ´noma. Uma preocupação basilar em Adorno reside no carĂĄter de educação que a mĂşsica sĂŠria pode proporcionar aos indivĂduos, que, alĂŠm de ser residual sob o domĂnio da indĂşstria cultural, nĂŁo estaria veiculada nos meios de comunicação de massa. Logo, o que a empiria vem demonstrando ĂŠ um quadro infausto: massificação da mĂşsica ligeira, que alĂŠm de quase nada (ou pouco) educar, somente contribui para desviar a atenção do pĂşblico das contradiçþes estruturais da realidade. Como inferĂŞncia mais genĂŠrica, pode-se dizer que ÂłDR LQYpV GH HQWUHWHU SDUHFH TXH WDO mĂşsica [ligeira] contribui ainda mais para o emudecimento dos homens, para a morte GD OLQJXDJHP FRPR H[SUHVVmR SDUD D LQFDSDFLGDGH GH FRPXQLFDomR´ $'2512 1991, p. 80). Mas, de fato, o que significa mĂşsica popular (ligeira) para Theodor W. Adorno? O que define a mĂşsica sĂŠria, ou seja, aquilo que foge ao padrĂŁo da indĂşstria cultural? Adorno, em colaboração de George Simpson no inĂcio da dĂŠcada de 1940 Âą mais especificamente entre 40 e 41 Âą, termina o seu escrito Sobre MĂşsica Popular (On Popular Music), avançando na discussĂŁo acerca do fetichismo na mĂşsica e a regressĂŁo na audição. Para eles, a mĂşsica costuma ser diferenciada, com freqßência, a partir de distinçþes de nĂveis (qualidade). Essa diferença ĂŠ tĂŁo aceita que cada um
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mede o valor de cada tipo de mĂşsica como totalmente independente da outra. Adorno nĂŁo concorda com tal classificação e afirma que o fator decisivo na diferenciação entre mĂşsica sĂŠria e mĂşsica popular deve ser o conceito de estandardização (padronização). Somente com esse critĂŠrio pode ser alcançada uma distinção concreta e sem imprecisĂŁo. Assim sendo, a estrutura da mĂşsica popular (ligeira) ĂŠ uma estrutura padronizada, atĂŠ mesmo quando se tenta desviar desse padrĂŁo, de tal modo que na mĂşsica popular atĂŠ mesmo os detalhes sĂŁo padronizados, atravĂŠs dos chamados break, blue chords, dirty notes. Toda a estrutura da mĂşsica popular ĂŠ estandardizada, mesmo quando se busca desviar-se disso. A estandardização se estende dos traços mais genĂŠricos atĂŠ os mais especĂficos. Muito conhecida ĂŠ a regra de que o chorus [a parte temĂĄtica] consiste em trinta e dois compassos e que a sua amplitude ĂŠ limitada a uma oitava e uma nota. Os tipos gerais de hits sĂŁo tambĂŠm estandardizados: nĂŁo sĂł os tipos de mĂşsica para dançar, cuja rĂgida padronização se compreende, mas tambĂŠm os tipos ÂľFDUDFWHUtVWLFRVÂś FRPR DV FDQo}HV GH QLQDU FDQo}HV IDPLOLDUHV ODPHQWRV SRU XPD garota perdida. E, o mais importante, os pilares harmĂ´nicos de cada hit Âą o começo e o final de cada parte Âą precisam reiterar o esquema-padrĂŁo. Esse esquema enfatiza os mais primitivos fatos harmĂ´nicos, nĂŁo importa o que tenha intervindo em termos de harmonia. Complicaçþes nĂŁo tĂŞm conseqßências. Esse inexorĂĄvel procedimento garante que, nĂŁo importa que aberraçþes ocorram, o hit acabarĂĄ conduzindo tudo de volta para a mesma experiĂŞncia familiar, e que nada de fundamentalmente novo serĂĄ introduzido (ADORNO; SIMPSON, 1994, p. 116117).
3RU VXD YH] FRP D P~VLFD VpULD RFRUUH R FRQWUiULR Âł&DGD GHWDOKH GHULYD R VHX sentido musical da totalidade concreta da peça, que, em troca, consiste na viva relação entre os detalhes, mas nunca na mera imposição de um esquema musical 31´ (ADORNO; SIMPSON, 1994, p. 117). Cada detalhe estĂĄ conexo com o todo e o todo sĂł adquire sua expressĂŁo com a conexidade dos detalhes, sempre indispensĂĄveis. Assim, ĂŠ a totalidade concreta da peça quem domina. Na mĂşsica ligeira o sentido da totalidade da peça nĂŁo ĂŠ afetado caso algum detalhe seja alterado, uma vez que toda a estrutura musical nĂŁo passa de um automatismo. Nada ĂŠ percebido. Os detalhes sĂŁo substituĂveis, Ă maneira de uma engrenagem de mĂĄquina.
31 Âł3RU H[HPSOR QD LQWURGXomR GR SULPHLUR PRYLPHQWR GD 6pWLPD VLQIRQLD GH %HHWKRYHQ R VHJXQGR WHPD (em dĂł maior) sĂł alcança o seu verdadeiro significado a partir do contexto. Somente atravĂŠs do todo ĂŠ que ele adquire a sua peculiar qualidade lĂrica e expressiva, isto ĂŠ, uma construção inteiramente contrastante com o carĂĄter como que de cantus firmus do primeiro tema. Tomado isoladamente, o segundo tema seria reduzido j LQVLJQLILFkQFLD´ $'2512 6,03621 S
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Outra diferença geralmente colocada e tambĂŠm insuficiente tem sido o critĂŠrio da complexidade da peça musical Âą QRYDPHQWH HUU{QHD Âł7RGDV DV REUDV GR primeiro classicismo vienense sĂŁo, sem exceção, ritmicamente mais simples do que arranjos URWLQHLURV GH MD]]´ EHP FRPR ÂłRV ODUJRV LQWHUYDORV GH QXPHURVRV hits como Deep Purple ou Sunrise Serenade sĂŁo per se mais difĂceis de seguir que a maioria das melodLDV GH SRU H[HPSOR +D\GQ´ $'2512 6,03621 S 1HVWH sentido, da mesma forma que a diferença de nĂvel nĂŁo pode figurar como critĂŠrio de distinção, a complexidade igualmente nĂŁo define o valor de uma peça musical. De tal modo, a sumĂĄria diferença entre a natureza das peças musicais reside no fato de que, na mĂşsica sĂŠria em geral (vale salientar que tambĂŠm existe uma parte da mĂşsica sĂŠria submetida Ă indĂşstria cultural), o detalhe contĂŠm o ÂłTodo´. Na mĂşsica popular a relação ĂŠ meramente acidental. Nesta, o Todo nunca ĂŠ alterado pelo evento individual. Essa mĂşsica ligeira como elemento do fetichismo e da audição regressiva revela traços bĂĄsicos definidores de sua condição padronizada. Primeiramente, a divisĂŁo do trabalho existente entre compositor, harmonizador e arranjador simula algo industrial, no qual ocorre uma divisĂŁo de funçþes e uma posterior montagem do produto. Em segundo lugar, a imitação ĂŠ outra condição basal dessas mĂşsicas de sucesso. Por estarem submetidas Ă lei do valor de troca, estĂŁo logicamente imbuĂdas num mercado competitivo, portanto, nada mais natural que um hit de sucesso busque copiar a fĂłrmula de sucesso de outro. Uma terceira caracterĂstica ĂŠ dada pela inserção da mĂşsica ligeira no mercado fonogrĂĄfico, atravĂŠs do que Adorno e Simpson (1994, p. 125) chamaram de plugging, ou seja, repetição incessante de um hit particular de modo a tornĂĄ-lo um sucesso reconhecĂvel $PSOLDQGR HVVD QRomR ÂłD SURPRomR SHOR plugging almeja quebrar a resistĂŞncia ao musicalmente sempre-igual ou idĂŞntico, fechando, por assim dizer, as vias de fuga ao sempre-LJXDO´ Na mesma mĂŁo, a mĂşsica que se propĂľe ao sucesso tambĂŠm deve apresentar certo glamour, ou seja, ter carĂĄter de show, de entretenimento. Esse glamour de certa
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forma leva a um comportamento infantil, jĂĄ que essa representação de divertimento ĂŠ buscada para relaxar do esforço, do trabalho, enfim, fuga do mundo da responsabilidade. Evidentemente, o carĂĄter empresarial da mĂşsica ligeira tambĂŠm nĂŁo foi deixado de lado na anĂĄlise adorniana. Percebe-se que a mĂşsica ligeira pertence a determinados grupos e, deste modo, tambĂŠm faz parte do circuito geral do valor. DaĂ que, adotando-se de forma competente as fĂłrmulas mencionadas anteriormente, Âłdesde que o material preencha requisitos mĂnimos, qualquer canção pode ser promovida e transformada num sucesso, se houver uma adequada conexĂŁo entre JUDYDGRUDV QRPHV GH FRQMXQWRV PXVLFDLV HVWDo}HV GH UiGLR H ILOPHV´ $'2512 SIMPSON, 1994, p. 125). Como seqĂźela de toda essa estrutura promocional, surge a expressĂŁo regressĂŁo da audição, podendo ser mais bem entendida atravĂŠs do adĂĄgio que diz: ÂłVH QLQJXpP PDLV p FDSD] GH IDODU UHDOPHQWH p yEYLR WDPEpP TXH Mi QLQJXpP p FDSD] GH RXYLU´ $'2512 S $ DXGLomR UHJUHVVLYD p HQFRQWUDGD QR ouvinte que nĂŁo deseja pensar no todo Âą caracterĂstica estruturante da mĂşsica ligeira. O ouvinte regredido torna-se um consumidor passivo, mero comprador de mĂşsicas que proporcionam o prazer imediato. CrochĂk (2008) enfatiza esse aspecto ao mostrar que a mĂşsica era, e ainda hoje ĂŠ, vista como um mero meio de entretenimento, sem nenhuma implicação polĂtica, dimensĂŁo que Adorno muito lhe atribuiu. O modo de comportamento perceptivo, atravĂŠs do qual se prepara o esquecer e o rĂĄpido recordar da mĂşsica de massas, ĂŠ a desconcentração. Se os produtos normalizados e irremediavelmente semelhantes entre si exceto certas particularidades surpreendentes, nĂŁo permitem uma audição concentrada sem se tornarem insuportĂĄveis para os ouvintes, estes, por sua vez, jĂĄ nĂŁo sĂŁo absolutamente capazes de uma audição concentrada [...] De vez em quando se ouvirĂĄ a opiniĂŁo de que o jazz ĂŠ sumamente agradĂĄvel num baile e horrĂvel de ouvir (ADORNO, 1991, p. 96).
A mĂşsica sob o domĂnio da indĂşstria cultural possibilita um prazer superficial que rejeita no prazer a prĂłpria noção de prazer, pois as mĂşsicas de sucesso, variantes da banalidade, impedem qualquer avanço intelectual. Para Adorno o que regride de
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fato ĂŠ a possibilidade de se chegar a um outro conhecimento consciente sobre mĂşsica, a liberdade de escolha frente Ă outra mĂşsica oposta a essa estandardizada. Segundo Bertoni (2001, p. 78), muitas mĂşsicas de sucesso ainda trazem consigo um fator substancialmente regressivo para a formação, por exemplo, das FULDQoDV ÂłVHGX]HP-nas pela sensualidade das danças e das letras musicais, acarretando um desenvolvimento precoce de aspectos da sexualidade que atropelam, GH DOJXPD IRUPD VHX GHVHQYROYLPHQWR DIHWLYR´ DOpP GH WRGR R ÂłYRFDEXOiULR SREUH H equivocado de muitas mĂşsicas [que] acaba por interferir, tambĂŠm, em seu processo GH GHVHQYROYLPHQWR FRJQLWLYR´ Adorno realizou em 1938 um estudo do entĂŁo consagrado programa de educação musical clĂĄssica pelo rĂĄdio, o The NBC Music Appreciation Hour Conducted by Walter Damrosch (CARONE, 2003). O artigo de Adorno, intitulado The analytical study of the NBC Music Appreciation Hour, na ĂŠpoca, nĂŁo agradou ninguĂŠm, segundo apreciação contida em Carone (2003). Por quĂŞ? Justamente porque ÂłDWDFDYD XP SURJUDPD HGXFDWLYR DSDUHQWHPHQWH VHP ILQV FRPHUFLDLV H QmR OXFUDWLYR promovido pela rede para pessoas em idade escolar [...] que nĂŁo podiam ter o SULYLOpJLR GH IUHT HQWDU DV JUDQGHV VDODV GH FRQFHUWRV´ &$521( , p. 478). De acordo com Carone, Adorno argumentou que o programa de rĂĄdio falhava em transmitir uma verdadeira experiĂŞncia musical, jĂĄ que era pautado numa estĂŠtica do efeito, que reduzia a apreciação musical ao prazer ou Ă diversĂŁo derivados da audição. Embora o conceito de indĂşstria cultural ainda nĂŁo tivesse sido formulado na DialĂŠtica do Esclarecimento, Adorno jĂĄ percebera o carĂĄter prĂŠ-digerido da filosofia do Programa. Este foi o ponto principal da crĂtica de Adorno ao programa de educação musical pelo rĂĄdio: Âłse o efeito ĂŠ o propĂłsito da mĂşsica sĂŠria, entĂŁo a ÂľERD P~VLFDÂś ĂŠ aquela que satisfaz o ouvinte e nada exiJH GHOH´ &$521( , p. 486487). [...] la popular Hora de Damrosch, que era seguida con mucha atenciĂłn por su aporte no comercial y que pretendĂa promover la educaciĂłn musical, defendĂa falsas informaciones sobre la mĂşsica y una imagen absolutamente distorsionada de esta (ADORNO, 1973, p. 121).
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Quatro inferĂŞncias do estudo podem ser ilustrativas dessa crĂtica ao programa da NBC. A primeira mostrou que a noção de apreciação consiste na ideia do efeito sobre o ouvinte, interpretada em termos de prazer ou diversĂŁo. Esses princĂpios sĂŁo, todavia, termos emprestados da indĂşstria do entretenimento e, em si, sĂŁo superficiais e nĂŁo conduzem a uma densa experiĂŞncia musical. 7KH QRWLRQ RI ÂľDSSUHFLDWLRQÂś DV HPSOR\HG E\ WKH 0XVLF $SSUHFLDWLRQ +RXU LV based XSRQ WKH LGHD RI PXVLFÂśV HIIHFW XSRQ WKH OLVWHQHU LQWHUSUHWHG LQ WHUPV RI ÂľSOHDVXUHÂś RU HYHQ ÂľIXQÂś 7KHVH SULQFLSOHV ERUURZHG IURP WKH VSKHUH RI commercialized entertainment, and shallow in themselves, lead, even if excusable as pedagogically expedient in inducing people to listen, to distortions of musical sense and cultural absurdities, at least if they are handled in the way the Hour handles them (ADORNO, 1994a, p. 352).
A segunda inferĂŞncia demonstrou que a filosofia do Programa confunde reconhecimento com compreensĂŁo musical. Embora Adorno alerte que o reconhecimento seja necessĂĄrio ao entendimento musical, nĂŁo se trata de coisas idĂŞnticas. Para ele, o que ocorre ĂŠ o fetichismo da propriedade do conhecimento musical. (2) The Music Appreciation Hour FRQFHLYHV RI ÂľIXQÂś RQH JHWV RXW PXVLF DV EHLQJ practically identical with recognition. Although recognition may contribute to musical understanding, it is by no means alone identical with such understanding. Otherwise anything profoundly new would be excluded a priori. Actually, what RFFXUV LQ WKH +RXU LV D VKLIWLQJ RI WKH ÂľIXQÂś IURP D OLIH-relationship with music, to a fetishism of ownership of musical knowledge by rote (ADORNO, 1994a, p. 352).
Como terceira advertĂŞncia Adorno aponta que a estrutura desse tipo de educação musical promove um certo culto de pessoas em vez de uma compreensĂŁo da experiĂŞncia musical, o que termina por aumentar o prestĂgio da NBC. (3) The authoritarian structure of this type of musical education, promotes a cult of persons instead of an understanding of facts. In the first place, there is the name of Dr. Damrosch himself, whose authority, at the same time, is a means of enhancing the prestige of NBC with the listeners in the Hour. The actual measuring rod for musical personalities in the Hour is success. The conformist attitude of veneration for the successful is closely allied, in musical matters, with a profoundly reactionary attitude. These features of the Hour virtually produce a musical pseudo-culture: the ideal music appreciator, from the viewpoint of the Hour, would be a musical Babbitt (ADORNO, 1994a, p. 353).
Por fim, a cultura pseudo-musical do Hour se torna mais marcante atravÊs das tÊcnicas mecânicas de ensino por meio do efeito do reconhecimento. Ao invÊs de
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promover uma compreensão real da música, apenas se disseminam informaçþes altamente questionåveis sobre a música. (4) The tendency toward musical pseudo-culture becomes most striking at the very SRLQW ZKHUH WKH 0XVLF $SSUHFLDWLRQ +RXU DSSDUHQWO\ WULHV WR ¾DFWLYDWHœ LWV listeners: in the tests that are appended to each worksheet. These employ a mechanical technique, are not applicable to concrete listening phenomena but only to the instruction given by the teacher, and are, as a whole, fit to promote only highly questionable information about music and not actual musical understanding (ADORNO, 1994a, p. 353).
Deste modo, a conclusĂŁo do estudo de Adorno revelou que, embora o Programa nĂŁo aparecesse como um negĂłcio em sentido estrito, ainda assim possuĂa as marcas da indĂşstria do entretenimento, jĂĄ que a intenção educativa tinha sido sabotada por uma intenção comercial nĂŁo confessa: vender mĂşsica clĂĄssica, alĂŠm de comercializar a imagem da NBC. Trata-se aĂ do interesse no desinteresse. Ă&#x2030; conveniente apontar que em Adorno nĂŁo hĂĄ um excesso de mĂĄ vontade para com a mĂşsica ligeira; nem tampouco apego valorativo pela mĂşsica sĂŠria. Em nenhuma das duas categorias ocorre juĂzo de valor. Para ele, a modificação de função atinge todos os tipos de mĂşsica e nĂŁo somente a ligeira. Adorno argumenta ainda que uma parte da mĂşsica sĂŠria se tornou independente do consumo, enquanto que o resto desta mesma mĂşsica sĂŠria tambĂŠm foi submetida Ă lei do consumo. Segundo afirma, ÂłRXYH-se tal mĂşsica sĂŠria como se consome uma mercadoria adquirida no mercado. Carecem totalmente de significado real as distinçþes entre a audição da mĂşsica ÂľFOiVVLFDÂś RILFLDO H GD P~VLFD OLJHLUD´ $'2512 S Retomando o fio condutor da discussĂŁo, com a regressĂŁo da audição, abre-se um caminho mais dilatado para a indĂşstria cultural, produtora do ouvido regredido e indutora de mais regressĂŁo. O fetichismo musical escancarado pela indĂşstria cultural passa, entĂŁo, a mostrar suas conseqßências. Por exemplo, uma delas ĂŠ a valorização pĂşblica dada Ă s vozes dos cantores. Para Adorno (1991), em outros tempos, exigia-se dos cantores alto virtuosismo tĂŠcnico. Hoje, ter boa voz e ser cantor jĂĄ ĂŠ modus operandi do sucesso. Esqueceu-se que a voz ĂŠ, na mĂşsica, apenas um de seus HOHPHQWRV PDWHULDLV XPD SDUWH GD SHoD Âł$JRUD exalta-se o material em si mesmo, GHVWLWXtGR GH TXDOTXHU IXQomR´ $'2512 S
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O fetichismo na mĂşsica pode literalmente ser entendido como o fetichismo da mercadoria, da mesma maneira que Marx o descreveu em O Capital. Para Marx (1983), o fetichismo da mercadoria ocorre quando Âłos produtos do cĂŠrebro humano parecem dotados de vida prĂłpria, figuras autĂ´nomas, que mantĂŞm relaçþes entre si e FRP RV KRPHQV´ 0$5; S (P $GRUQR S SRU VXD YH] ÂłR FRQVXPLGRU ÂľIDEULFRXÂś OLWHUDOPHQWe o sucesso, que ele coisifica e aceita como critĂŠrio REMHWLYR SRUpP VHP VH UHFRQKHFHU QHOH´ DaĂ que Adorno ĂŠ enfĂĄtico ao desvendar que a mĂşsica atual ĂŠ dominada pela sua caracterĂstica de mercadoria, sendo inclusive utilizada como instrumento para a propaganda comercial de outras mercadorias. Essa coisificação da mĂşsica torna os ouvidos dĂłceis aos caprichos de um mercado nada preocupado com a condição de regressĂŁo da audição. O consumidor ĂŠ, pois, prĂŠ-fabricado pela indĂşstria cultural. Ouve-se a mĂşsica conforme toda a esquematização jĂĄ prĂŠ-estabelecida. Formas de resistĂŞncias sĂŁo anuladas pelas estratĂŠgias comerciais, jĂĄ que a precarização musical dificilmente seria ÂłSRVVtYHO VH KRXYHVVH UHVLVWrQFLD SRU SDUWH GR S~EOLFR VH RV RXYLQWHV DLQGD IRVVHP capazes de romper, com suas exigĂŞncias, as barreiras que delimitam o que o mercado OKHV RIHUHFH´ $'2512 S Adorno, contudo, nĂŁo caminha no sentido de observar um nexo causal entre as mĂşsicas de sucesso e seus efeitos sobre os ouvintes. Todavia, coerente para com a afirmação que os indivĂduos jĂĄ nĂŁo estĂŁo em si, assevera dizer que a idĂŠia de um ouvinte atualmente influenciado se tornou vaga. Quem nĂŁo estĂĄ em si mesmo tambĂŠm nĂŁo pode ser influenciado integralmente. Essa situação de fetichismo na mĂşsica e regressĂŁo da audição contribui com o estado de enfermidade conservadora do pĂşblico. Praticamente nessa conjuntura se torna intricado pensar para alĂŠm dessa situação infantil geral. Adorno (1991, p. 95) insiste numa argumentação que ĂŠ bastante cara a muiWRV GH VHXV FUtWLFRV ÂłRV RXYLQWHV e consumidores em geral precisam e exigem exatamente aquilo que lhes ĂŠ imposto LQVLVWHQWHPHQWH´ $GRUQR HP PRPHQWR DOJXP HVWi VHQGR GHWHUPLQLVWD TXDQWR DR SHVR GRV DUUDQMRV LQVWLWXFLRQDLV $SHQDV HVWi FRORFDQGR TXH R ÂłFDUĂĄter fetichista da mĂşsica
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produz, atravĂŠs da identificação dos ouvintes com os fetiches lançados no mercado, o VHX SUySULR PDVFDUDPHQWR´ (ADORNO, 1991, p. 95). Trata-se de uma dominação perspicaz, na qual o dominado entra no esquema da indĂşstria cultural e nĂŁo deseja mais sair. Por duas razĂľes: 1ÂŞ. Dificuldade estrutural de saĂda do cerco sistĂŞmico e crescente da indĂşstria cultural; 2ÂŞ. Mesmo tomando consciĂŞncia, nĂŁo quer admitir que seja uma espĂŠcie de receptĂĄculo. Assim, permanece como um elemento a mais no engodo das massas. Todo esse esquematismo pode ser identificado pela produção musical de massa que, como substância, fortemente corrobora com o ouvinte regredido e sua condição de puerilidade. Contudo, mesmo esse ouvido regredido ao consumir essa mĂşsica inferior nĂŁo o faz com a consciĂŞncia tĂŁo tranqĂźila. Conforme Adorno (1991, p. 99), a ambivalĂŞncia dos ouvintes pacientes da regressĂŁo encontra a sua fĂłrmula no VHJXLQWH IDWR ÂłWRGD YH] TXH WHQWDP OLEHUWDU-se do estado passivo de consumidores sob coação e procuram tornar-VH ÂľDWLYRVÂś FDHP QD SVHXGR-DWLYLGDGH´ (P RXWUDV SDODYUDV sĂŁo ainda mais iludidos 7RGDYLD ÂłPHVPR QD UHQ~QFLD j SUySULD OLEHUGDGH QmR VH WHP consciĂŞncia tranqĂźila: ao mesmo tempo que sentem prazer, no fundo as pessoas percebem-se traidorDV GH XPD SRVVLELOLGDGH PHOKRU´ $'2512 S Esse movimento de produção musical com carĂĄter estandardizado causa certo desconforto ao ouvido regredido mais atento, jĂĄ que algo que ontem o encantava agora deve causar repĂşdio. De acordo com Adorno (1991), esse ouvinte gostaria de ridicularizar aquilo que ontem mesmo o agradava, mas nĂŁo o faz, por razĂľes de bloqueio estrutural e pela negação de sua prĂłpria sujeição. Ă&#x2030; como se ele quisesse se YLQJDU Âła posteriori GHVWH IDOVR HQFDQWDPHQWR´ (ADORNO, 1991, p. 102). Como justificativa para a permanĂŞncia na audição regressiva, redime-se pela alegação que ÂłQHOD R FDUiWHU GD ÂľDXUDÂś GD REUD GH DUWH RV HOHPHQWRV GH VXD DXUpROD RX DSDUrQFLD H[WHUQD FHGHP HP IDYRU GR SXUDPHQWH O~GLFR´ (ADORNO, 1991, p. 102). Ora, jĂĄ foi mostrado o efeito desse carĂĄter de entretenimento no decurso histĂłrico das massas: fundamentalmente desvia a atenção de sua prĂłpria dominação. Todavia, um elemento paradoxal surge: para uma mĂşsica ligeira fazer sucesso ela precisa conter traços que a diferencie das demais, mas, ao mesmo tempo, deve
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conter ainda o completo esquematismo das demais cançþes. Em outras palavras: deve ser igual e diferente concomitantemente. Eis aà uma situação embaraçada para os managers do entretenimento de massa. Adorno e Simpson ilustram que uma audição mais atenta das músicas estandardizadas poderia ser a condenação de seu sucesso, jå que o ouvinte logo se cansaria delas. Por outro lado, se não se presta atenção, a FDQomR QmR SRGH VHU YHQGLGD ³,VVR HP SDUWH H[SOLFD o esforço constantemente renovado de limpar do mercado seus novos produtos, de afugentå-los para os seus W~PXORV H GHSRLV UHSHWLU D PDQREUD LQIDQWLFLGD VHPSUH GH QRYR´ $'2512 SIMPSON, 1994, p. 137). Morin
(1967,
p.
30)
reafirma
oportunamente
esse
antagonismo
PHUFDGROyJLFR Âłla industria cultural debe vencer pues, constantemente, una contradicciĂłn fundamental entre sus estructuras burocratizadas-standardizadas y la originalidad del producto que ella debe suministrar´ Logo, como saĂda e desenlace desse antagonismo entre o diferente e o igual coexistentes na mĂşsica, ocorre a pseudo-individuação, isto ĂŠ, a envoltura da produção cultural de massa com a falsa idĂŠia da livre-escolha. A padronização dos hits PXVLFDLV ÂłPDQWpP RV XVXiULRV HQTXDGUDGRV SRU DVVLP dizer escutando por eles. A pseudo-individuação, por sua vez, os mantĂŠm enquadrados, fazendo-os esquecer que R TXH HOHV HVFXWDP Mi p VHPSUH HVFXWDGR SRU HOHV ÂľSUp-GLJHULGRϫ $'2512 SIMPSON, 1994, p. 123). A pseudo-individuação diferencia algo que em si jĂĄ ĂŠ indiferenciado. Busca dizer que os indivĂduos sĂŁo livres para escolher o que, na verdade, jĂĄ estĂĄ escolhido previamente. Como jĂĄ alertado, nĂŁo ĂŠ que a indĂşstria cultural impere determinando o que se deve ouvir ou nĂŁo. Trata-se de uma dominação muito arguta, na qual o prĂłprio dominado pouco consegue sua libertação; e tambĂŠm, mesmo na tomada de consciĂŞncia, nĂŁo deseja sair. Sumariando, para Adorno e Simpson (1994, p. 130), o ÂłSULQFtSLR EiVLFR subjacente a isso ĂŠ o de que basta repetir algo atĂŠ tornĂĄ-lo reconhecĂvel para que ele VH WRUQH DFHLWR´ $ WUDQVIRUPDomR GD UHSHWLomR HP UHFRQKHFLPHQWR H GR reconhecimento em aceitação ĂŠ uma equação doce para a consciĂŞncia reificada.
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Adorno e Simpson mostram, entĂŁo, os componentes que estĂŁo envolvidos na aceitação das massas. Em primeiro lugar, ao ouvir uma mĂşsica ligeira de sucesso, ocorre uma vaga recordação que diz: - ÂłHX GHYR WHU RXYLGR LVVR HP DOJXP OXJDU´. Todo esse processo de estandardização provoca essa vaga recordação. Num segundo momento, ocorre a identificação efetiva que diz: - Âłp LVVR ´. Surge, entĂŁo, o repentino reconhecimento apĂłs o avançar da mĂşsica, uma vez que ĂŠ intricado recordar hits tĂŁo parecidos logo nos primeiros acordes. Num terceiro instante ocorre a subsunção por rotulação: a interpretação da experiĂŞncia do Âłp LVVR ´. Esse ĂŠ o elemento crucial do reconhecimento. No momento em que o indivĂduo reconhece o hit, ele sente segurança de estar entre muitos e acompanha a multidĂŁo de todos aqueles que ouviram a canção. O momento seguinte ĂŠ o da auto-reflexĂŁo do ato de reconhecer: Âł2K HX VHL GLVVR LVVR ID] SDUWH GH PLP´. Essa transformação da experiĂŞncia em objeto Âą o fato de que, por se reconhecer uma peça de mĂşsica, se tenha comando sobre ela e se possa reproduzi-la a partir de sua prĂłpria memĂłria Âą torna-o mais objeto de propriedade do que nunca (significando o estoque musical). Por fim, ocorre a transferĂŞncia psicolĂłgica da autoridade de reconhecimento para o objeto: Âł,VVR p ERP PHVPR ´ Âł(VVD p D WHQGrQFLD GH WUDQVIHULU D JUDWLILFDomR GD SURSULHGDde para o prĂłprio objeto e atribuir a ele, em termos de gosto, de preferĂŞncia ou qualidade REMHWLYD R SUD]HU GD SRVVH TXH VH WHQKD DOFDQoDGR´ $'2512 6,03621 S 134). Essas etapas expressam os processos de aceitação da mĂşsica sob o prisma da indĂşstria cultural. Visam a produção de uma concordância Âą embora seja importante VDOLHQWDU TXH Âłla estandardizaciĂłn por sĂ misma no entraĂąa necesariamente la desinvididualizaciĂłn´ 025,1 S Como coroação, nascem e renascem essencialmente mĂşsicas produzidas quase que industrialmente. Enfim, o devir educacional da mĂşsica ĂŠ deixado de lado antes mesmo de sua concepção inicial. Tudo jĂĄ estĂĄ previamente esquematizado. A conseqĂźente emancipação intelectual ĂŠ abandonada nos simples atos de consumir e ouvir. Evidentemente essa discussĂŁo teĂłrica nĂŁo ĂŠ consensual, muito menos bem recebida dentre algumas perspectivas teĂłricas. Certamente, os limites da Teoria
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CrĂtica existem e necessitam ser revisados, o que nĂŁo invalida sumariamente o exposto nas pĂĄginas anteriores: ÂłSin riesgo, sin la posibilidad presente del error, niguna verdad es objetiva´ $'2512 S . Interessa, no capĂtulo seguinte, indicar algumas vicissitudes do debate, objetivando mostrar que, para alĂŠm das possibilidades adornianas, ĂŠ mister revisitar e dar vazĂŁo onde o ar estĂĄ ficando rarefeito. O conceito de hegemonia em Antonio Gramsci, expressivamente trabalhado pelos Estudos Culturais, serĂĄ o complemento do debate, visando compreender exatamente o outro lado do processo, isto ĂŠ, as decodificaçþes e suas resistĂŞncias.
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2 HEGEMONIA E INDĂ&#x161;STRIA CULTURAL: UMA CONTRIBUIĂ&#x2021;Ă&#x192;O DOS ESTUDOS CULTURAIS BRITĂ&#x201A;NICOS
³(X GLULD TXH KRMH R LQGLYtGXR Vy VREUHYLYH HQTXDQWR Q~FOHR LPSXOVLRQDGRU GD UHVLVWrQFLD´ Theodor W. Adorno (2006a, p. 154) Educação e Emancipação
ÂłCULTURAL STUDIES´ '( %,50,1*+$0 2 WUDWDPHQWR FRQFHLWXDO DFHUFD GD VRFLHGDGH GH ÂłPDVVD´ FRPR H[SUHVVmR GD deterioração da individualidade frente ao poder dominante da indĂşstria cultural ĂŠ marca do pensamento da Teoria CrĂtica Âą sobretudo em alguns expoentes de sua primeira geração: Adorno, Horkheimer, Marcuse e Fromm. Generalizaçþes Ă parte, grosso modo, trata-se de uma teorização na qual o indivĂduo se encontra estruturalmente debilitado diante das estratĂŠgias de produção de uma consciĂŞncia acrĂtica, devido fundamentalmente o avanço de dois problemas clĂĄssicos vislumbrados pelo marxismo: a reificação e a exploração capitalista. O pessimismo crĂtico frankfurtiano Âą que nĂŁo deve ser confundido com pessimismo valorativo Âą imputa, de fato, um diagnĂłstico limitativo do sujeito frente ao bloqueio estrutural da prĂĄxis transformadora no capitalismo tardio. Trata-se, contudo, de uma questĂŁo de mĂŠtodo e nĂŁo de verdade incondicional. Metodologicamente divergentes a essa visĂŁo de mundo se posicionam os chamados Estudos Culturais britânicos (Cultural Studies), apresentando uma abordagem Âą tambĂŠm marxista Âą que proporciona possibilidades mais ativas de resistĂŞncia do indivĂduo frente aos mecanismos de sedução e encanto da indĂşstria cultural. Como enfatiza Douglas Kellner: Âłos estudos culturais [...] sĂŁo materialistas porque se atĂŞm Ă s origens e aos efeitos materiais da cultura e aos modos como a FXOWXUD VH LPEULFD QR SURFHVVR GH GRPLQDomR H UHVLVWrQFLD´ .(//1(5 S
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Deste modo, conforme sumariamente nos lembra NĂŠstor GarcĂa Canclini S QmR SRGHPRV VHU Âłnem indivĂduos soberanos, nem massas uniformes´ Como implicação mais geral, tem-se que: Os estudos sobre quem assiste filmes em salas de cinema, vĂdeos ou televisĂŁo, ouve mĂşsica em concertos, no rĂĄdio e na Internet [...] hĂĄ anos abandonaram as generalizaçþes apocalĂpticas sobre a homogeneização do mundo. E, tambĂŠm, a idealização romântica que, no pĂłlo oposto, via cada pessoa mantendo uma relação Ăşnica com a arte a partir de uma subjetividade incondicional (CANCLINI, 2008, p. 17).
Logo, ao distanciar-se das generalizaçþes apocalĂpticas da dominação e das idealizaçþes românticas da resistĂŞncia, os Estudos Culturais sinalizam uma alternativa de compreensĂŁo do consumo cultural menos engessada nos vieses dos efeitos das ideologias. Uma vez que Âło apocalipse ĂŠ uma obsessĂŁo do dissenter [e] a integração ĂŠ a realidade concreta dos que nĂŁo dissentem´ (&2 S p mister sair, por conseguinte, tanto da obsessĂŁo do dissenter, quanto da integração dos que nĂŁo dissentem. Essa ĂŠ uma das metas dos Cultural Studies. Torna-se necessĂĄrio destacar, nĂŁo obstante, que os Estudos Culturais nĂŁo constituem, em si, um conjunto articulado de ideias e pensamentos, mas sim, diferentes itinerĂĄrios de pesquisa. No dizer de Richard Johnson (2000, p. 10), os Estudos Culturais sĂŁo um processo (uma espĂŠcie de alquimia para produzir conhecimento Ăştil) e, assim sendo, qualquer tentativa de codificĂĄ-los HP Âł(VFROD´ pode paralisar suas reaçþes. InFOXVLYH ÂłGHIHQVRUHV PDLV UDGLFDLV GHVVDV SHVTXLVDV >GRV (VWXGRV &XOWXUDLV@ UHLYLQGLFDP GRUDYDQWH R HVWDWXWR GH XPD ÂľDQWLGLVFLSOLQDϫ (MATTELART; NEVEU, 2004, p. 15). Mesmo assim, nĂŁo nulifica ponderĂĄ-los a partir de uma concepção teĂłrica, se nĂŁo homogĂŞnea no conteĂşdo, pelo menos coesa em muito de sua intenção. Tecendo um paralelo com o capĂtulo anterior, deve-se tambĂŠm ter em mente a ideia de que Teoria CrĂtica e Cultural Studies nĂŁo esquematizam nenhum incondicional antagonismo metodolĂłgico, mas sim escolhas possĂveis dentre muitas, que nĂŁo se eliminam, e que, inversamente, podem se complementar. As barreiras H[LVWHQWHV HQWUH HVVDV ÂłHVFRODV´ VmR SRVWDV PDLV SRU TXHVW}HV GH YDORU GR TXH SHOD
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dinâmica prĂłpria do processo de produção do conhecimento. SeparĂĄ-las apenas contribui para que o fenĂ´meno comunicativo nĂŁo seja entendido em sua totalidade. Para essa multidimensionalidade da comunicação, ĂŠ imperativo o encontro de tradiçþes distintas. Originalmente os estudos culturais nasceram na Inglaterra (ESCOSTEGUY, 1998; OLIVEIRA, 1999; SCHULMAN, 2000; DALMONTE, 2002; CEVASCO, 2003; MATTELART; NEVEU, 2004). TrĂŞs textos do final da dĂŠcada de 50 e inĂcio dos anos 60 estabeleceram suas bases fundamentais: Richard Hoggart com The uses of literacy (1957), Raymond Williams com Culture and society (1958) e E. P. Thompson com The making of the english working-class (1963). Essas obras significaram uma grande virada na maneira de pensar a dicotomia popular x erudito, massivo x letrado. Nos termos de Cevasco: Um espectro ronda os departamentos de literatura das universidades, da AustrĂĄlia ao Alabama: os estudos culturais. Nas versĂľes mais horrorizadas, a nova disciplina veio para destruir a alta literatura, transformando refinados amantes de um Shakespeare ou de um GuimarĂŁes Rosa em fĂŁs de cultura pop e analistas de shopping centers. Na versĂŁo apologĂŠtica, ela veio para fazer a revolução e nĂŁo deixar pedra sobre pedra nos modos tradicionais de se fazer crĂtica de cultura (CEVASCO, 2003, p. 07).
O lĂłcus acadĂŞmico matricial da produção dessas reflexĂľes foi a Universidade GH %LUPLQJKDP RQGH HP QDVFLD ÂłR Centre for Contemporary Cultural Studies &&&6 ´ XPD KLVWyULD LQWHOHFWXDO H XQLYHUVLWiULD QHP VHPSUH LVHQWD GH WHQV}HV H debates (MATTELART; NEVEU, 2004, p. 55). Posteriormente, Stuart Hall teve participação importante na formação dos Estudos Culturais, ao substituir Hoggart na direção do centro, de 1969 a 1979, LQFHQWLYDQGR ÂłR GHVHQYROYLPHQWR GH HVWXGRV HWQRJUiILFRV DQiOLVHV GRV PHLRV massivos e a investigação de prĂĄticaV GH UHVLVWrQFLD GHQWUR GH VXEFXOWXUDV´ (ESCOSTEGUY, 1998, p. 89). Para Guedes (1996), trata-se de anĂĄlises marxistas que argumentam que a superestrutura possui uma relativa autonomia em relação Ă base econĂ´mica. A influĂŞncia de Antonio Gramsci teve papel capital nessa virada teĂłrica. De tal modo, no plano teĂłrico, os Estudos Culturais significam, conseqĂźentemente, uma crĂtica relevante Ă teoria crĂtica frankfurtiana, uma alternativa
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metodológica e, especialmente, uma oportunidade de revisão de alguns pontos na discussão sobre indústria cultural. $6 ³87,/,=$dŽ(6 '$ &8/785$´ '( 5,&+$5' +2**$57
O livro The uses of literacy de Richard Hoggart, publicado originalmente em 1957, Ê tido como o referencial teórico instituidor do CCCS (Centre for Contemporary Cultural Studies). Objetivou estudar o alcance dos meios de FRPXQLFDomR GH PDVVD HQWUH WUDEDOKDGRUHV GD SHULIHULD QD ,QJODWHUUD ³3DUD LVVR propþe uma façanha para a Êpoca: estudar a cultura popular, entendendo-a como espaço de aprendizagem e formação de sHQVR FUtWLFR´ '$/0217( S Nas palavras de Norma Schulman (2000, p. 170), Hoggart e o projeto dos (VWXGRV &XOWXUDLV ³YLVDYDP GH IRUPD LPSOtFLWD XP DGYHUViULR HVSHFtILFR D proverbial e elitista escola de pensamento cultural inglesa, que argumentava em favor GH XPD VHSDUDomR HQWUH D DOWD FXOWXUD H D YLGD ¾UHDOœ > @´ 'HVWD VHSDUDomR +RJJDUW não partilhava, tampouco Raymond Williams e E. P. Thompson. Hoggart estudou a influência da cultura disseminada em meio à classe operåria pelos modernos mHLRV GH FRPXQLFDomR GH PDVVD ³$ LGHLD FHQWUDO TXH HOH desenvolve Ê que tendemos a superestimar a influência dos produtos da indústria FXOWXUDO VREUH DV FODVVHV SRSXODUHV´ 0$77(/$57 1(9(8 S Na contramão dessa superestimação, Hoggart critica substancialmente determinada tendência intelectual em tratar as classes operårias ora atravÊs de um sentimento compadecido (devido à exploração capitalista), ora por meio de certa nostalgia (marcas de reminiscências do bom selvagem). Para o autor em ambas as atitudes reside um sentimento semi-apiedado, semi-protetor. Desfavoråvel a essa visão, evita DERUGDU D FODVVH WUDEDOKDGRUD GH IRUPD KRPRJrQHD Mi TXH ³R FDUiWHU H[WHQVLYR P~OWLSOR H LQILQLWDPHQWH SRUPHQRUL]DGR GD YLGD GDV FODVVHV SUROHWiULDV´ QmR SHUPLte essa homogeneização social (HOGGART, 1973a, p. 20). Hå, evidentemente, um ³JUDQGH Q~PHUR GH GLIHUHQoDV DV VXWLV WRQDOLGDGHV DV GLVWLQo}HV GH FODVVH TXH VH PDQLIHVWDP QR LQWHULRU GR SUySULR SUROHWDULDGR´ +2**$57 D S 7DLV
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diferenças de classe demonstram o quanto perigoso podem ser as generalizaçþes do tipo: as classes populares sĂŁo facilmente influenciĂĄveis! Reforçando com Canclini S ÂłHP SDUWH D FULVH WHyULFD DWXDO QD LQYHVWLJDomR GR SRSXODU GHULYD GD atribuição indiscriminada dessa noção a sujeitos sociais formados em processos GLIHUHQWHV´ The uses of literacy vem evidenciar, por um lado, a dureza da vida cotidiana do proletariado inglĂŞs, dificuldades evidenciadas tanto nas relaçþes materiais quanto nas relaçþes polĂticas. Por outro lado, mesmo com a severidade do cotidiano, a obra vem mostrar como a vida se conduz com bom senso, seja atravĂŠs de todo o legado da tradição, seja atravĂŠs de alguns benefĂcios que o progresso pĂ´de socializar com as camadas populares. Longe simplesmente de uma avaliação integralmente cooptada acerca dos processos sociais, as camadas operĂĄrias tĂŞm seu prĂłprio discernimento sobre determinadas facetas da realidade. Tomando como exemplo o sistema de leis, as camadas populares reconhecem, mesmo que intuitivamente, seu carĂĄter classista. Concernente ao trabalho, valorizam um ofĂcio especializado, mesmo sabendo conscientemente das dificuldades estruturais de ascensĂŁo social. Essa boa disposição ĂŠ fruto do realismo que igualmente os caracteriza. Desconfiam GRV Âľ*UDQGHV &KHIHVÂś PDQLIHVWDQGR HP UHODomR D HOHV H jV VXDV SUHWHQV}HV XP FHSWLFLVPR EHQHYROHQWH ÂľVDEHPRV FRPR DV FRLVDV VmRÂś 1mR DFUHGLWDP QHP QRV *UDQGHV &KHIHV QHP QDV SDODYUDV GHVWHV Âľ$ PLP p TXH QmR PH OHYDPÂś GL]HP mas nĂŁo chegam a ter-lhes rancor. Manifestam freqĂźentemente em relação ao mundo exterior uma atitude humorĂstica, isento esse humor quase sempre feito de irrisĂŁo. A sua boa disposição ĂŠ fruto de um inconformismo realista, tanto como da QHFHVVLGDGH GH ÂľOHYDU DV FRLVDV FRP DOHJULDÂś HOGGART, 1973a, p. 159-160).
Em suma, o senso desenvolvido pelas camadas populares pode não ser um VHQVR GH OXWD ³para alÊm do capital´ ¹ permita-se a apropriação da expressão de Istvån MÊszåros (2008) -, mas se constitui num senso de luta cotidiana, de luta pela vida de todo o dia. Ao estudar um grupo razoavelmente
homogĂŞneo de trabalhadores
(descrevendo seu meio de vida, suas atitudes, a qualidade e a atmosfera cotidiana) Hoggart buscou compreender atĂŠ que ponto a influĂŞncia generalizada das
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publicaçþes em massa estĂĄ relacionada com atitudes comumente aceitas, e atĂŠ que ponto essas publicaçþes vĂŞm a alterar essas atitudes e quais as resistĂŞncias com se depara. Para ele, a influĂŞncia das publicaçþes de massa tem se tornado, por muitĂssimas razĂľes, mais persistente e ativa. Contudo, seus efeitos nĂŁo podem ser pensados numa relação de causa-conseqßência. HĂĄ oposiçþes! Se o que acabamos de dizer em relação Ă s cançþes [caracterização da padronização musical] se aplicasse integralmente Ă vida e Ă s reaçþes das classes trabalhadoras e de outras classes dos nossos dias, a panorâmica seria muito deprimente. Estas tendĂŞncias lamentĂĄveis estĂŁo em vias de se acentuar. Mas nem toda a gente escuta ou canta estas cançþes: e aqueles que o fazem conseguem por vezes transfigurĂĄ-las. O que acabamos de afirmar para a canção popular aplica-se igualmente Ă s publicaçþes modernas de massas. Temos sempre que ter em mente que as pessoas que lĂŞem essas publicaçþes o fazem Ă sua maneira, pelo que, embora as publicaçþes de massas tenham um pĂşblico muito mais vasto e o atinjam de um modo mais consistente do que as cançþes, os efeitos que sobre ele exercem nem sempre sĂŁo proporcionais ao volume das vendas (HOGGART, 1973b, p. 85-86).
Sumariamente, Hoggart Ê incisivo ao argumentar que nem todos os membros das classes trabalhadoras escutam cativamente as cançþes de massa e, mesmo dentre àquela parcela cativa desta audição, não se ouve plenamente conforme os objetivos dos meios de comunicação de massa, especificamente, da(s) indústria(s) fonogråfica(s). Existem (re)elaboraçþes! Como enfatiza Michel de Certeau (1994, p. 40), os usuårios fazem uma bricolagem ³FRP H QD HFRQRPLD FXOWXUDO GRPLQDQWH usando inúmeras e infinitesimais metamorfoses da lei, segundo seus interesses próprios e suas própriDV UHJUDV´ Igualmente, o efeito sobre o público não pode ser proporcional ao volume FRQVXPDGR GH YHQGDV 2 VHX DUJXPHQWR FHQWUDO UHVLGH QD VHSDUDomR HQWUH D ³vida concreta´ GRV VXMHLWRV H R PXQGR ³exterior´ GLVWLQomR QD TXDO LQVWLWXL XP VHQVR GH realidade bastante aguçado entre o que Ê real e o que Ê diversão. As cançþes de sucesso, por exemplo, são levadas a sÊrio atÊ certo ponto. Seus ouvintes não são tão YD]LRV H QmR ³DV FRQVLGHUDP FRPR XPD UHOtTXLD GH WHPSRV LGRV +2**$57 D p. 199-200).
79 O fato de tudo isto não ter ainda exercido um efeito mais deploråvel sobre a vida das pessoas deve-se à capacidade que elas têm de viver em compartimentos estanques ² e Ê este um dos pontos que sublinho no meu ensaio - de manter uma separação entre a vida do lar H D YLGD H[WHULRU HQWUH D YLGD ¾UHDOœ H D YLGD QR PXQGR GDV GLYHUV}HV ¾)D]-QRV SHQVDU QRXWUDV FRLVDVœ ¾'LVWUDL p XPD GLYHUVmRœ (QTXDQWR se distraem com essas coisas, as pessoas podem identificar-se com elas; mas no IXQGR VDEHP TXH QmR VmR FRLVDV ¾UHDLVœ D YLGD ¾UHDOœ p RXWUD FRLVD +2**$57 1973b, p. 93).
9DOH DYLJRUDU DLQGD TXH VH WUDWD GH XP VHQVR IDFWXDO PXLWR ÂłUHDOLVWD´ DR contrĂĄrio do que se poderia imaginar numa avaliação mais apressada. Para Hoggart (1973a, p. 111) as pessoas se dĂŁo conta da conjuntura em que se encontram e ÂłDGRWDP HP UHODomR D WDO VLWXDomR DWLWXGHV TXH OKHV SHUPLWHP YLYHU QHVVDV circunstâncias, sem se lembrarem demasiado da situação em geral e seus LQFRQYHQLHQWHV´ 6DEHP GD VLWXDomR H QHP SRU LVVR VH GHVHVSHUDP RX ILFDP ressentidas. Para o autor, nĂŁo se trata de um nĂvel trĂĄgico, pois nĂŁo pode haver tragĂŠdia se nĂŁo hĂĄ escolha. Trata-se sim da ausĂŞncia de idealismos ingĂŞnuos. Mesmo diante desse fatalismo, as pessoas se revestem de certa dignidade para seguir em frente, de certa atitude de resignação e tolerância. Nessa suposição, hĂĄ toda uma estrutura que configura graus distintos de conformismo, contudo, conformismo realista diante das dificuldades de vislumbrar a mudança dessa situação geral. Como conseqßência dessas dificuldades, para Hoggart (1973a, p. 125-126), as pessoas estĂŁo mais convencidas de que o que interessa de fato ĂŠ o mundo concreto e ORFDO ÂłDTXLOR TXH SRGHP FRPSUHHQGHU DTXLOR FRP TXH VDEHP OLGDU´ As camadas populares nĂŁo se interessam por questĂľes muito gerais (abstratas), tampouco metafĂsicas. A vida das classes proletĂĄrias ĂŠ uma vida densa e concreta, que atribui relevo importante aos pormenores, aos elementos pessoais e sensoriais, Ă intimidade. Os assuntos populares podem parecer grosseiros e simples, mas sĂŁo os grandes temas GD H[LVWrQFLD SUROHWiULD ÂłR FDVDPHQWR RV ILOKRV UHODo}HV FRP RXWUHP R VH[R´ (HOGGART, 1973a, p. 127). A vida do proletariado ĂŠ, por conseguinte, marcada pelo interesse pelos pormenores mais insignificantes da condição humana, onde se apreciam as minĂşcias da vida habitual. Para Hoggart a existĂŞncia proletĂĄria ĂŠ HVVHQFLDOPHQWH XPD ÂłPRVWUD´ (exposição) PDLV GR TXH XPD ÂłH[SORUDomR´ (P VXD apreciação, os meios de comunicação de massa nĂŁo constituem apenas um meio de
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fuga da realidade cotidiana, antes partem do princĂpio de que essa realidade ĂŠ intrinsecamente interessante. Por isso, exploram-se os mĂnimos detalhes da H[SHULrQFLD SHVVRDO FULPH WUDLo}HV DPRUHV HWF Âł2 DPRU DWUDLoRDGR R DPRU SHUGLGR devido aos ciĂşmes, o indivĂduo solitĂĄrio que foi abandonado por um amante infiel sĂŁo WHPDV GH SUHGLOHomR´ +2**$57 D S -196). Os membros das classes trabalhadoras muito raramente se interessam por teorias ou movimentos intelectuais. Interessam-VH PDLV SHODV ÂłSHVVRDV´ 7DO preferĂŞncia personalista nĂŁo exclui a capacidade de formulação de juĂzos perspicazes ou de conclusĂľes realistas, mas nĂŁo se baseiam em conceitos abstratos e sim na convicção de determinadas qualidades pessoais. Nesse Ănterim, e nessa constatação reside uma grande inquietude sociolĂłgica, as camadas populares Âłemitem juĂzos muito perspicazes em determinados casos; mas noutros aspectos, se forem abordados GH IRUPD DGHTXDGD VmR ÂľOHYDGRVÂś FRP WDQWD IDFLOLGDGH FRPR VH IRVVHP EHErV 32´ (HOGGART, 1973a, p. 129). O autor defende a tese que a maioria das pessoas ĂŠ assediada por convites intensivos Ă aceitação de tudo o que pode ser divertido. O assĂŠdio Ă diversĂŁo ĂŠ, de IDWR H[WHQVLYR QDV VRFLHGDGHV GH PDVVD &RQWXGR VXEVLVWHP ÂłEDUUHLUDV GH UHVLVWrQFLD aos aspectos mais frĂvoORV GR PRGHUQLVPR´ +2**$57 E S 0HVPR FRP o avanço da aceitação de uma arte padronizada, adaptada a uma idade mental muito baixa, existe a tensĂŁo entre o conformismo e a resistĂŞncia. HĂĄ um senso crĂtico sobre essas publicaçþes de massa, que pode ser limitado, mas existe. Esta dieta regular, constante e quase exclusiva de sensacionalismo incorpĂłreo contribui para que aqueles que a consomem se tornem incapazes de encarar a vida de frente e de forma responsĂĄvel, e ainda para despertar nos leitores a sensação de que a vida nĂŁo tem qualquer objetivo, para alĂŠm da satisfação de alguns apetites imediatos. Essas almas que nĂŁo tiveram oportunidade para desabrochar continuarĂŁo IHFKDGDV YLUDGDV SDUD GHQWUR ROKDQGR ÂľFRP ROKRV YD]LRV VHPHOKDQWHV D MDQHODs HVFDQFDUDGDVÂś SDUD XP PXQGR TXH p HP JUDQGH PHGLGD XPD IDQWDVPDJRULD GH espetĂĄculos transitĂłrios e de estĂmulos falsificados. O fato de nĂŁo ser essa hoje em dia a situação de todos os membros das classes trabalhadoras, deve-se Ă capacidade de resistĂŞncia que caracteriza o espĂrito humano; resistĂŞncia no sentido do reconhecimento de que hĂĄ outras coisas que sĂŁo importantes e que contam, se bem que esse sentimento nem sempre seja consciente (HOGGART, 1973b, p. 103, grifo nosso). 32 Âł$ 0DWDQoD GRV ,QRFHQWHV´, expressĂŁo utilizada pelo autor para designar todas essas atividades que consistem em burlar, de diversas formas, os membros do proletariado.
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A passagem acima ĂŠ ilustrativa e sinĂłptica de toda contribuição de Hoggart para esse debate: para alĂŠm do fetichismo da indĂşstria cultural, existe tambĂŠm certo senso de resistĂŞncia, nĂŁo uma resistĂŞncia demograficamente ampla ou reservada ao domĂnio das artes e da filosofia, mas uma resistĂŞncia do dia-a-GLD GR ÂłID]HU-VH´ (the making) no cotidiano.
2.3 RAYMOND WILLIAMS: UM MERGULHO NO CONCEITO DE CULTURA
Um ano após a publicação de The uses of literacy e cinco anos antes do trabalho de E. P. Thompson, Raymond Williams publicara Culture and Society (em 1958), uma genealogia do conceito de cultura na sociedade industrial, de Edmund %XUNH j *HRUJH 2UZHOO ³([SORUDQGR R LQFRQVFLHQWH FXOWXUDO YHLFXODGR SHORV WHUPRV ¾FXOWXUDœ ¾PDVVDVœ ¾PXOWLG}HVœ H ¾DUWHœ HOH ID] UHSRXVDU D KLVWyULD Gas ideias sobre XPD KLVWyULD GR WUDEDOKR VRFLDO GH SURGXomR LGHROyJLFD´ 0$77(/$57 1(9(8 2004, p. 46). Segundo Cevasco, a REUD GH :LOOLDPV VLJQLILFRX ³XP PHUJXOKR KLVWyULFR QRV modos pelos quais a cultura foi sendo concebida ao longo da história inglesa PRGHUQD´ &(9$6&2 S Objetivamente,
Williams
(1969)
procurou
compreender
como
as
transformaçþes ocorridas com o uso da palavra cultura, na literatura de lĂngua inglesa entre as Ăşltimas dĂŠcadas do sĂŠculo XVIII e a primeira metade do XIX, puseram em: [...] evidĂŞncia a mudança geral das maneiras caracterĂsticas de pensar acerca da vida diĂĄria: acerca de nossas instituiçþes sociais, polĂticas e econĂ´micas; dos propĂłsitos que essas instituiçþes estĂŁo destinadas a concretizar; e das relaçþes que essas instituiçþes e propĂłsitos mantĂŞm com as nossas atividades no campo do saber, do ensino e da arte (WILLIAMS, 1969, p. 15).
Passeando pelas obras de muitos autores, tais como Edmund Burke, William Cobbett, Robert Southey, Robert Owen, os românticos (de William Blake e William Wordsworth a Percy Bysshe Shelley e John Keats), John Stuart Mill, Jeremy
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Bentham, Samuel Taylor Coleridge, Thomas Carlyle, os romancistas industriais (Elizabeth Gaskell, Charles Dickens, Benjamin Disraeli, Charles Kingsley e George Eliot), J. H. Newman, Matthew Arnold, A. W. Pugin, John Ruskin, William Morris, W. H. Mallock, Walter Pater, George Gissing, George Bernard Shaw, T. E. Hulme, D. H. Laurence, R. H. Tawney, T. S. Eliot, I. A. Richards, F. R. Leavis e George Orwell (alÊm de outros mais rapidamente analisados), Williams apresenta uma compreensão detalhada acerca do desenvolvimento da história do conceito de cultura. Tratou-VH GH XPD ³DQWRORJLD GR TXH PDLV LPSRUWDQWH HVFUHYHUDP RV DXWRUHV GD pSRFD sobre o problema da vida humana GHQWUR GD ¾longa revoluçãoœ GRV ~OWLPRV DQRV´ (TEIXEIRA apud WILLIAMS, 1969, p. 09). Elencando diagnósticos ora contrastantes, ora de certa ou muita proximidade, Williams (1969) tece parte da história do conceito de cultura a partir da leitura dos esforços que os homens tiveram que fazer para compreender o desenvolvimento de uma sociedade nova: industrializada, utilitåria, desigual, etc. Contrastando nos pensadores graus distintos de comprometimento e/ou dissenso com as novas mudanças, a ideia moderna de cultura foi se forjando a partir do sentimento acerca GDV WUDQVIRUPDo}HV HVWUXWXUDLV GD VRFLHGDGH FDSLWDOLVWD SRLV D ³KLVWyULD GD LGHLD GH cultura Ê a história do modo por que reagimos em pensamento e em sentimento à mudança de condiçþes por que paVVRX QRVVD YLGD´ :,//,$06 S Percebe-se ao longo da exposição histórica do pensamento inglês uma importante diferenciação entre a cultura e a vida material. Em Matthew Arnold, por exemplo, o futuro da raça poderia ser decidido pela poesia, cuja função social primeira deveria substituir a religião e promover o cimento necessårio para manter a coesão de classes sociais com interesses antagônicos. A literatura deveria humanizar, civilizar e neles fortalecer o sentimento da identidade nacional, acima dos interesses do mundo real (CEVASCO, 2003). A cultura aparece, então, como missão de salvaguardar os valores supremos de um mundo em transformação e em crise, separada das questþes mundanas populares. Esse tipo de distinção foi central no pensamento ocidental durante dÊcadas. Na Itålia, por exemplo, QmR IRL GLIHUHQWH FRQIRUPH GHVWDFD *UDPVFL ³após o SÊculo
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XVI, torna-se radical a separação entre intelectuais e povo, separação que [...] tanto significado teve para a moderna histĂłria italiana polĂtica e cultural´ *5$06&, 1978, p. 65). NĂŁo obstante, retomando Williams, ĂŠ interessante enfatizar que mesmo atravĂŠs dessa visĂŁo dicotĂ´mica Âą e insustentĂĄvel Âą conseguia-se abrir um espaço de crĂtica no interior da sociedade britânica, provavelmente a mais conservadora da (XURSD DR GLVFXWLU D SURSDJDomR GR FKDPDGR ÂłOL[R FXOWXUDO´ Foi certamente nesse caldeirĂŁo de idĂŠias e de opiniĂľes, Ă s vezes conflitantes, Ă s vezes consensuais, que se formou a noção contemporânea de cultura entendida FRPR ÂłPRGR GH YLGD´ DOgo distinto de uma cultura sublime de minoria afastada de uma cultura popular da maioria. Portanto, em Cultura e Sociedade, Williams abre caminho para se pensar a cultura fora dessa simplĂłria e precĂĄria dicotomia e, de quebra, ponderĂĄ-la de forma multiforme. Primeiro, encontra-se muito pertinentemente a crĂtica Ă LGHLD GH ÂłSRYRPDVVD´ 3DUD R DXWRU R YRFiEXOR UHSUHVHQWD VHPSUH RV ÂłRXWURV´ QXQFD QyV PHVPRV Para ele, nĂŁo hĂĄ massas, mas apenas maneiras de ver os outros como massa Âł$ anĂĄlise talvez possa simplificar-se quando recordamos que nĂłs mesmos, a cada LQVWDQWH HVWDPRV VHQGR ÂľPDVVLILFDGRVÂś SRU RXWURV´ e SUHFLVR SRLV Âłreconhecermos os outros que desconhecemos´ :,//,$06 S -310). De acordo com Puterman (1994, p. 37), por exemplo, o termo massa ĂŠ tomado QR VHQWLGR GH XP ÂłJUDQGtVVLPR Q~PHUR GH LQGLYtGXRV WRGRV GD PHVPD QDWXUH]D LVWR ĂŠ, KRPRJrQHRV H FRPSRQGR XP EORFR QR TXDO VH DSDJDP GLIHUHQoDV H GHPDUFDo}HV´ Essa imprecisĂŁo obscurece a compreensĂŁo daquilo que o conceito pretende demonstrar. DaĂ que, para Umberto Eco (2006), nĂŁo hĂĄ obstĂĄculo maior a uma pesquisa concreta do que a difusĂŁo de conceitos-fetiche, tais como massa ou homemmassa33.
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Coelho (1980, p. 28) afirma que ainda hoje inexiste um esquema teĂłrico capaz de determinar exatamente o conteĂşdo do conceito de PDVVD ÂłNĂŁo se sabe bem o que ĂŠ massa. Ora ĂŠ o povo, excluindo-se a classe dominante. Ora sĂŁo todos. Ou ĂŠ uma entidade digna de exaltação, Ă qual todos querem pertencer; ou um conjunto amorfo de indivĂduos sem vontade. Pode surgir como um aglomerado heterogĂŞneo de indivĂduos, para alguns autores, ou como entidade absolutamente homogĂŞnea para outros. O resultado ĂŠ que o termo ÂľPDVVDÂś acaba sendo utilizado quase sempre conotativamente [...] quando deveria sĂŞ-lo denotativamente, FRP XP VHQWLGR IL[DGR QRUPDOL]DGR´
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Retomando, em segundo lugar, Williams possibilita se pensar outro tema obscuro no pensamento sobre cultura, ou seja, a recepção. Muitas anĂĄlises sobre os chamados meios de comunicação de massa realizam diagnĂłsticos essencialmente pessimistas quanto a atuação das tĂŠcnicas midiĂĄticas no cerne das camadas populares. Pensar que os espectadores sĂŁo inertes Ă s tĂŠcnicas da publicidade midiĂĄtica foi foco de muitos pensadores dos sĂŠculos XIX e XX, sobretudo aqueles mais abismados com D FUHVFHQWH ÂłWHFQRORJL]DomR´ GD VRFLHGDGH Distintamente de um estĂmulo-resposta Âą como pensaram, por exemplo, os behavioristas Âą, a audiĂŞncia, ou a recepção como um todo, nĂŁo se realiza absolutamente conforme os ditames da mĂdia. As tĂŠcnicas de sedução do pĂşblico, embora poderosas, nĂŁo sĂŁo absolutas. Tomar o ouvinte ou o espectador como um receptĂĄculo ĂŠ negar sua capacidade de dizer ÂłQmR´ &RPR Mi OHPEURX 0DUWLQ-Barbero (2009, p. 281), sĂŁo enfoques que caem no vazio tanto os que atribuem onipotĂŞncia ao dispositivo do efeito, quanto aqueles que focam decididamente no poder da mensagem. Ambos acabam remetendo o sentido dos processos Ă imanĂŞncia do comunicativo. NĂŁo pode simplesmente haver emissores-dominantes x receptoresdominados. HĂĄ conflitos e contradiçþes nas quais a simplicidade mecânica funcionalista e/ou semiĂłtico-estruturalista nĂŁo dĂĄ conta. Ilustrando com Bourdieu (2007, p. 61): Como toda mensagem ĂŠ objeto de uma recepção diferencial, segundo as caracterĂsticas sociais e culturais do receptor, nĂŁo se pode afirmar que a homogeneização das mensagens emitidas leve a uma homogeneização das mensagens recebidas, e, menos ainda, a uma homogeneização dos receptores.
Logo, pDUD :LOOLDPV S ³UHFHSomR H UHVSRVWD TXH FRPSOHWDP D FRPXQLFDomR GHSHQGHP GH IDWRUHV RXWURV TXH QmR DV WpFQLFDV´ $V WpFQLFDV per se, são capazes de seduzir e de estruturadamente manter audiência. Contudo, se assim obtêm êxito, não Ê plenamente por sua própria natureza. A comunicação não Ê simplesmente emissão de códigos, pois depende de outros fatores. Refletir desta IRUPD VHULD ³SHQVDU HP FRPXQLFDomR FRPR VH HOD VH UHVXPLVVH DSHQDV HP transmissão, renovando-se, talvez por novos meios, o mesmo longo esforço de
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LPSRVLomR´ :,//,$06 S 1mR H[LVWH SRU FRQVHJXLQWH QHP dominação unilateral, nem pĂşblico de recepção monolĂtica. AliĂĄs, a noção de homogeneidade ĂŠ extremamente frĂĄgil sob o ponto de vista da cultura humana. Conforme pertinente reflexĂŁo presente em Edward Said (1995, p. ÂłHP SDUWH GHYLGR DR LPSHULDOLVPR WRGDV DV FXOWXUDV HVWmR PXWXDPHQWH imbricadas; nenhuma ĂŠ pura e Ăşnica, todas sĂŁo hĂbridas, heterogĂŞneas, extremamente diferenciadas, sem qualquer monolitismo´ Ou ainda, no dizer de Mikhail Bakhtin: Âłna realidade, a cultura cĂ´mica popular ĂŠ infinita e [...] extremamente heterogĂŞnea 34 QDV VXDV PDQLIHVWDo}HV´ %$.+7,1 S Em terceiro lugar, se numa primeira impressĂŁo tem-se o sentimento de que tudo estĂĄ perdido, que as massas foram corrompidas como uma Sodoma do entretenimento e do acriticismo, pode-se lembrar que: Se hĂĄ muitos livros maus, hĂĄ tambĂŠm grande nĂşmero de bons livros e tanto uns quanto os outros circulam mais amplamente que em qualquer outra ĂŠpoca. Se aumentou o nĂşmero de leitores de maus jornais, tambĂŠm aumentou o dos jornais e periĂłdicos melhores, assim como o dos freqĂźentadores de bibliotecas pĂşblicas e o dos alunos de todas as formas de educação de adultos. Aumentaram Âą e, em certos casos, em notĂĄvel proporção Âą as audiĂŞncias de mĂşsica sĂŠria e Ăłpera e balĂŠ. A freqßência a museus e exposiçþes tem, em geral, aumentado continuamente. Significativa parcela do que se vĂŞ no cinema e se ouve no rĂĄdio ou televisĂŁo tem valor. NĂŁo hĂĄ dĂşvida de que, em todos os casos, a parcela ĂŠ inferior ao desejĂĄvel, mas nĂŁo ĂŠ, de forma alguma, desprezĂvel (WILLIAMS, 1969, p. 317).
Assim, longe do apocalypse theory acerca da proliferação de bens culturais massificados para um pĂşblico consumidor inerte, interessa lembrar tambĂŠm os ganhos, em termos de acesso a determinados cĂłdigos culturais, disponĂveis hoje. Torna-VH HQWmR PLVWHU WRPDU FRPR HQpUJLFR ÂłXPD YLVmR HTXLOLEUDGD GH FRPXQLGDGH UHDO´ :,//,$06 S e nĂŁo apenas partes de um processo que, caso consideradas isoladamente, podem obscurecer muitas expressĂľes da realidade e encobrir a totalidade dos processos sociais. Torna-se preciso tomar a cultura a partir GD ÂłFRPSUHHQVmR GH VXD QDWXUH]D FRPXQLFDWLYD´ RX VHMD FRPR ÂłSUocesso produtor GH VLJQLILFDo}HV H QmR GH PHUD FLUFXODomR GH LQIRUPDo}HV´ 0$57,1-BARBERO, 34 0HVPD DVVHUWLYD p UHIRUoDGD FRP *UDPVFL Âł> @ R SUySULR SRYR QmR p XPD FROHWLYLGDGH KRPRJrQHD GH cultura, mas apresenta QXPHURVDV HVWUDWLILFDo}HV FXOWXUDLV YDULDGDPHQWH FRPELQDGDV´ *5$06&, S 190).
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2009, p. 289). O receptor nĂŁo ĂŠ um mero decodificador, tampouco o emissor pode ser o onipotente codificador. Desta forma, a utilidade estrutural de Cultura e Sociedade para este estudo reside na seguinte constatação: As mentes dos homens sĂŁo formadas pela sua inteira experiĂŞncia e nĂŁo ĂŠ possĂvel comunicar qualquer coisa, ainda quando as tĂŠcnicas mais avançadas sejam utilizadas, se o que se quer comunicar nĂŁo tiver a confirmação daquela experiĂŞncia. A comunicação nĂŁo ĂŠ somente transmissĂŁo, ĂŠ, tambĂŠm, recepção e resposta. Numa cultura em transição, ĂŠ possĂvel que a transmissĂŁo desempenhe um papel decisivo, podendo, se convenientemente orientada, afetar aspectos da conduta e mesmo as crenças vigentes. NĂŁo obstante, ainda que de modo um tanto confuso, a soma inteira de experiĂŞncia se reafirmarĂĄ a si mesma e voltarĂĄ a habilitar o seu prĂłprio mundo. A comunicação de massa teve, evidentemente, seus ĂŞxitos, especialmente nos sistemas socioeconĂ´micos que lhe dĂŁo guarida. Falhou, porĂŠm, e continuarĂĄ a falhar sempre que se defrontar nĂŁo com uma confusa incerteza, mas com uma experiĂŞncia bem formulada e assentada (WILLIAMS, 1969, p. 322).
Na passagem acima estão contidos alguns dos elementos constitucionais dos Estudos Culturais: a) A ideia de que o processo comunicativo tem que ser observado em sua totalidade; b) O desmanche da ideia de que a transmissão midiåtica (codificação) pode ser integralmente efetivada, de forma passiva pelo público: a transmissão não pode ser simplesmente unilateral; c) A ideia de hegemonia presente na recepção, isto Ê, como arena de lutas pela significação simbólica. Destarte, Culture and Society procura desmontar a dicotomia entre cultura e civilização, entre o popular e o erudito, para então, pensar numa cultura plural, no qual ³R IRFR QmR p PDLV QD FRQFLOLDomR GH WRGRV QHP D OXWD SRU XPD FXOWXUD HP comum, mas as disputas entre as diferentes identidades nacionais, Êtnicas, sexuais ou UHJLRQDLV´ &(9$6&2 2003, p. 24). Amplia-se desta forma o conceito de cultura e, DR GHL[DU GH VHU R OXJDU UHVHUYDGR ³GRV´ H ³SDUD´ RV QREUHV HVStULWRV LQWHOHFWXDLV passa a ser uma designação geral para a extensão das pråticas humanas. No pronunciar de Said (1995, p. 12), cuOWXUD VmR WRGDV DV SUiWLFDV ³FRPR DV DUWHV GH descrição, comunicação e representação, que têm relativa autonomia perante os FDPSRV HFRQ{PLFRV VRFLDO H SROtWLFR´ LQFOXLQGR Dt GHVGH R VDEHU PDLV LQWXLWLYR DWp R conhecimento especializado das disciplinas acadêmicas.
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Consistentemente, a crĂtica Ă s idĂŠias da transmissĂŁo inteiramente eficaz e da recepção plenamente integrada foi uma das maiores inferĂŞncias operacionais de Williams: Âłnaturalmente que o povo nĂŁo crĂŞ em tudo o que lhe dizem os jornais [...] A nĂŁo ser a pequena camada de leitores crĂticos, quase sempre possuidores de preparo HVSHFLDO R UHVWR GRV OHLWRUHV DOLPHQWD XPD DWLWXGH GH VXVSHLWRVD GHVFUHQoD´ QR TXH lĂŞem, ouvem, escutam, etc. (WILLIAMS, 1969, p. 325). Deste modo, e ai reside uma valiosa contribuição do autor, uma cultura ĂŠ, por excelĂŞncia, insuscetĂvel de planejamento. Focar apenas no momento da produção (transmissĂŁo) nĂŁo dĂĄ a compreensĂŁo de todo o circuito da cultura. Reforçando com Martin-Barbero (2009, p. ÂłR HL[R GR GHEDWH GHYH VH Geslocar dos meios para as mediaçþes, isto ĂŠ, para as articulaçþes entre prĂĄticas de comunicação e movimentos sociais, para as diferentes WHPSRUDOLGDGHV H SDUD D SOXUDOLGDGH GH PDWUL]HV FXOWXUDLV´ 3HQVDU VRPHQWH QRV PHLRV (tĂŠcnicas de transmissĂŁo) ĂŠ teorizar apenas parcialmente. NĂŁo hĂĄ, por conseguinte, como simplesmente haver dominação de cima para baixo pela indĂşstria cultural sem que os indivĂduos ao menos consintam, em parte (e eles consentem!), com tal projeto. Insistir em tal subserviĂŞncia ĂŠ ilusĂŁo que se desmancha ao primeiro embate. ( 3 7+203621 ( 2 Âł)$=(5-6(´ '$6 &/$66(6 3238/$5(6
Jå no prefåcio de The Making of the English Working Class, de 1963 (no Brasil traduzido como A formação da Classe Operåria Inglesa), Edward P. Thompson indica a essência da proposta dos Estudos Culturais: pensar para alÊm das determinaçþes sócio-históricas, todavia, considerando-as tambÊm no quadro no qual a KLVWyULD VH Gi 3DUD 7KRPSVRQ ³D FODVVH RSHUiULD QmR VXUJLX WDO FRPR R VRO QXPD hora determinada. Ela estava presente ao seu próprio fazer-VH´ UHVXOWDGR GH XP processo ativo que se deve tanto a ação humana quanto aos seus condicionamentos (THOMPSON, 1987a, p. 09). Metodologicamente, os movimentos contrahegemônicos são tão necessårios à apreensão do processo histórico quanto os hegemônicos.
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³2 WUDEDOKR GH 7KRPSVRQ SRGH VHU GHVFULWR FRPR D RSomR SRU XPD KLVWyULD FHQWUDGD QD YLGD H QDV SUiWLFDV GH UHVLVWrQFLD GDV FODVVHV SRSXODUHV´ 0$77(/$57 1(9(8 S 1DV SDODYUDV GH &HYDVFR S XPD ³história dos de baixo´ Segundo David McNally (1995), hå em Thompson uma inclinação a buscar uma ruptura dentro das pesadas estruturas da sociedade, algo que permita a ação e a auto-atividade fazer girar a história. Assim, Thompson insiste na centralidade da auto-atividade da classe trabalhadora no processo histórico: La clase obrera inglesa no sólo se construyó bajo los patrones de la acumulación del capital y la competencia del mercado, sino tambiÊn por ideas, aspiraciones y luchas que los trabajadores opusieron a la influencia que condicionaba sus vidas (McNALLY, 1995 p. 04).
Logo, Thompson (1987a, p. 20) mostra uma maneira de ver a cultura e a KLVWyULD ÂłVHP TXDOTXHU QRomR GH H[FOXVLYLGDGH GH SROtWLFD FRPR UHVHUYD GH XPD HOLWH hereditĂĄria ou de um grupo proSULHWiULR´ Apresenta R ÂłID]HU´ KLVWyULD D SDUWLU GRV pobres tecelĂľes de malhas, dos meeiros, dos artesĂŁos, etc., sem perder de vista, ĂŠ claro, todo o peso estrutural herdado e em construção. Nas palavras de Ellen Wood S ÂłJran parte de sus trabajos se han dirigido, implĂcita o explĂcitamente, contra la opiniĂłn de que la hegemonĂa es unilateral y completa, imponiendo una dominaciĂłn global sobre los GRPLQDGRV´. Tal condição entorpecida nĂŁo condiz com a visĂŁo thompsoniana de cultura. Mesmo diante da exploração capitalista e das perseguiçþes polĂticas, as classes trabalhadoras inglesas participaram ativamente do processo de construção de sua consciĂŞncia, seja reivindicando melhores condiçþes de vida, seja reivindicando liberdade de pensamento. Por exemplo: Em Halifax, na capela de Bradshaw, formou-se uma sociedade de debates e leitura. O povo da vila tecelĂŁ discutia em seus encontros nĂŁo sĂł O Progresso da Liberdade de Kilham, mas tambĂŠm os Direitos do Homem de Paine (THOMPSON, 1987a, p. 46).
Segundo Thompson, a liberdade de consciĂŞncia era o Ăşnico grande valor que o povo inglĂŞs comum preservara. O campo era governado pela pequena nobreza, as
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cidades governadas por corporaçþes corruptas e a nação pela mais corrupta instituição de todas. Contudo, a caSHOD D WDEHUQD H R ODU HUDP GR ÂłSRYR´ +DYLD HVSDoR SDUD YLYrQFLDV GH XPD YLGD SHQVDQWH ÂłOLYUH´ H H[SHULrQFLDV GHPRFUiWLFDV mesmo diante de uma realidade material (e educacional) tĂŁo adversa. 2 WH[WR IXQGDQWH GR PRYLPHQWR RSHUiULR LQJOrV IRL ÂłDireitos do Homem´ GH 7KRPDV 3DLQH 6HJXQGR 7KRPSVRQ D S ÂłR TXH 3DLQH GHX DR SRYR LQJOrV foi uma nova retĂłrica de igualitarismo radical [...] [penetrando] nas atitudes VXESROtWLFDV GR RSHUDULDGR XUEDQR´ (PERUD R OLYUR QmR IRVVH H[FOXVLYDPHQWH YROWDGR Ă V FODVVHV RSHUiULDV PDV VLP D XP ÂłQ~PHUR LOLPLWDGR GH KRPHQV´ Direitos do Homem ajudou no processo de autoconfiança do operariado. Exemplos dessa autoconfiança foram as organizaçþes sindicais, as sociedades de debates, sociedades de auxĂlio mĂştuo, movimentos religiosos e educativos, periĂłdicos, etc. O elemento central da obra de Thompson reside em pensar a formação da classe operĂĄria (entre 1790 e 1830) para alĂŠm das visĂľes subsocializada e supersocializada da sociedade, ou ainda, da visĂŁo da fĂĄbrica tenebrosa ou das aspiraçþes de progresso. Isso ĂŠ revelado, em primeiro lugar, no crescimento da consciĂŞncia de classe: a consciĂŞncia de uma identidade de interesses entre todos esses diversos grupos de trabalhadores, contra os interesses de outras classes. E, em segundo lugar, no crescimento das formas correspondentes de organização polĂtica e industrial. Por volta de 1832, havia instituiçþes da classe operĂĄria solidamente fundadas e autoconscientes Âą sindicatos, sociedades de auxĂlio mĂştuo, movimentos religiosos e educativos, organizaçþes polĂticas, periĂłdicos [...]. O fazer-se da classe operĂĄria ĂŠ um fato tanto da histĂłria polĂtica e cultural quanto da econĂ´mica. Ela nĂŁo foi gerada espontaneamente pelo sistema fabril. Nem devemos imaginar alguma força exterior Âą D ÂľUHYROXomR LQGXVWULDOÂś Âą atuando sobre algum material bruto, indiferenciado e indefinĂvel de humanidade [...] A classe operĂĄria formou a si prĂłpria tanto quanto foi formada (THOMPSON, 1987b, p. 17-18, destaque nosso).
Os trabalhadores, por um lado, sofriam as pressþes da disciplina e da ordem, tanto das fåbricas, quanto das escolas dominicais, e essa pressão se estendia a todos os demais aspectos da vida cotidiana: lazer, relaçþes pessoais, conduta moral, sexualidade, etc. A diversão dos pobres foi alvo de grande oposição religiosa e fabril. 3RU RXWUR ODGR ³R SURFHVVR GH LPSRVLomR GD GLVFLSOLQD VRFLDO QmR GHL[RX GH HQFRQWUDU UHVLVWrQFLDV´ 7+203621 E S
90 A escassez cotidiana era quebrada pelas festas e outros acontecimentos circunstanciaLV TXDQGR VH FRPSUDYD ÂľXP SHGDoR GH FDUQH GH ERLÂś H WRGRV LDP j feira: ali, vendiam-se pĂŁes de gengibre, frutas e brinquedos, havia representaçþes da batalha de Waterloo, apresentaçþes de Polichinelo e Judy, tendas de jogos e swings, DOpP GR KDELWXDO ÂľPHUFDGR GR DPRUÂś HP TXH RV UDSD]HV FRUWHMDYDP DV PRoDV > @ Poucos trabalhadores podiam ler e entender um jornal, mas era comum a leitura em voz alta das notĂcias nas ferrovias, barbearias e tavernas (THOMPSON, 1987b, p. 298).
Evidentemente que a revolução industrial nĂŁo destruiu totalmente as tradiçþes locais. Conforme a nova disciplina fabril avançava, a autoconsciĂŞncia tambĂŠm se acentuava; na medida em que os trabalhadores sentiam determinadas perdas com o advento do ritmo de vida fabril, aumentava a sensibilidade na cultura operĂĄria. Âł7UDWDYD-se de uma resistĂŞncia consciente ao desaparecimento de um antigo modo de YLGD > @ D SHUGD GR WHPSR OLYUH H D UHSUHVVmR DR GHVHMR GH VH GLYHUWLU´ DYDULDV TXH ÂłWLYHUDP WDQWD LPSRUWkQFLD TXDQWR D VLPSOHV SHUGD ItVLca dos direitos comunais e dos ORFDLV SDUD UHFUHLR´ 7+203621 E S DaĂ que, mesmo diante de uma educação errante e duramente obtida e, a partir GH VXD SUySULD H[SHULrQFLD ÂłRV WUDEDOKDGRUHV IRUPDUDP XP TXDGUR fundamentalmente polĂtico da organização da sociedade. Aprenderam a ver suas YLGDV FRPR SDUWH GH XPD KLVWyULD JHUDO GH FRQIOLWRV > @´ 7+203621 F S 304). De 1830 em diante, os trabalhadores amadureceram uma consciĂŞncia de classe (no sentido marxista tradicional), com a qual estavam cientes de continuar por conta SUySULD HP OXWDV UHPRWDV H QRYDV Âł/XWDUDP QmR FRQWUD D PiTXLQD PDV FRQWUD DV UHODo}HV H[SORUDGRUDV H RSUHVVLYDV LQWUtQVHFDV DR FDSLWDOLVPR LQGXVWULDO´ (THOMPSON, 1987c, p. 440). Na leitura de Fortes (2006, p. 207), a consciĂŞncia de classe que insurge desse processo ĂŠ compreendida por Thompson, pois, Âłcomo uma cultura popular particularmente
vigorosa,
calcada
na
tradição
de
autodidatismo
e
auto-
DSHUIHLoRDPHQWR GRV DUWHVmRV´ 3DUD HOH 7KRPSVRQ RIHUHFH XPD OHLWXUD GRV trabalhadores nĂŁo como redenção da humanidade, mas como uma mostra de sujeitos que, explorados e oprimidos, vivenciaram a destruição de seu modo tradicional de vida e, por caminhos diversos (nĂŁo raro contraditĂłrios), paulatinamente construĂram
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XPD QRYD ³FXOWXUD´. Essa nova cultura foi feita por homens concretos a partir de escolhas e apostas conscientes, embora em condiçþes pelas quais muitas vezes não optassem e por meio de processos cujos desdobramentos escapassem ao seu controle. Diante disso, tal reflexão se torna relevantemente atual, uma vez que o processo de H[SDQVmR GR FDSLWDOLVPR QmR VH HQFHUURX H RXWURV SURFHVVRV GH ³ID]HU-VH´ GRV VXMHLWRV subalternos estão em andamento.
2.5 ALGO EM COMUM: O CONCEITO DE HEGEMONIA EM ANTONIO GRAMSCI
O marxismo, que se verifica distintamente dentre os teĂłricos dos Estudos Culturais, possuiu influĂŞncia direta no desenvolvimento intelectual do CCCS, especialmente devido a trĂŞs questĂľes atuais apontadas por Richard Johnson: 1. Os processos culturais estĂŁo intimamente vinculados com as relaçþes sociais (por exemplo, relaçþes de classe, divisĂľes sexuais, estruturação racial e opressĂľes de idade); 2. A cultura envolve poder, contribuindo, pois, para produzir assimetrias nas capacidades individuais de realização de necessidades; 3. A cultura nĂŁo ĂŠ um campo totalmente autĂ´nomo, nem externamente determinado, mas um local de diferenças e de lutas sociais (JOHNSON, 2000). Diante dessas trĂŞs constataçþes, as obras supracitadas (de Hoggart, Williams e Thompson) tĂŞm um elemento central em comum: um diĂĄlogo com o conceito de hegemonia Âą Âłconsentimento ativo´ *5$06&, S Âą em Antonio Gramsci como forma de pensar o cotidiano como uma arena de lutas por significação. CrĂticas Ă parte, Hoggart, Williams e Thompson imprimiram nova vitalidade ao conceito gramsciano de hegemonia, atitude que desembocarĂĄ numa maneira menos engessada de pensar os processos culturais. No comentĂĄrio de Martin-Barbero (2009, p. 268), FRPHoD HQWmR ÂłD VXUJLU XPD QRYD SHUFHSomR VREUH R SRSXODU HQTXDQWR WUDPD HQWUHODoDPHQWR GH VXEPLVV}HV H UHVLVWrQFLDV LPSXJQDo}HV H FXPSOLFLGDGHV´ 1D DYDOLDomR GH 6FKXOPDQ S ÂłD UHOHLWXUD GH *UDPVFL QR ILQDO dos anos 70 [...] foi extremamente importante para colocar em movimento a
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reavaliação que o Centro fez da FXOWXUD SRSXODU´ 6HJXQGR afirma, deixou-se de ver a cultura popular como mero veĂculo ideolĂłgico do status quo e passou-se a vĂŞ-la como um local de resistĂŞncia e conflito potencial, desenvolvendo-se uma histĂłria da hegemonia. Nas palavras de Mattelart e NHYHX S ÂłORQJH GH VHUHP consumidoras passivas [...] as classes populares mobilizam um repertĂłrio de REVWiFXORV j GRPLQDomR´ $OLiV PXLWR GLVWLQWDPHQWH GR TXH VH SRGHULD VXSRU D ÂłHVPDJDGRUD PDLRULD GDV QRVVDV H[SHULrQFLDV FRQVWLWXWLYDV SHUPDQHce Âą e permanecerĂĄ sempre Âą fora do âmbito do controle e da coerção institucionais formais > @ 1HP PHVPR RV SLRUHV JULOK}HV WrP FRPR SUHGRPLQDU XQLIRUPHPHQWH´ (MĂ&#x2030;SZĂ ROS, 2008, p. 54). Por conseguinte, nĂŁo pode existir, nem tampouco se pensar, numa coerção ideolĂłgica onipotente. Nesse sentido, Raymond Williams lembra e abaliza que o conceito de hegemonia adquiriu uma significação muito peculiar a partir da obra de Antonio Gramsci, indo para alĂŠm dos horizontes do simples e unilateral domĂnio polĂtico entre Estados 6HJXQGR DILUPD *UDPVFL IH] XPD GLVWLQomR FRQFHLWXDO HQWUH ÂłGRPtQLRÂś H ÂłKHJHPRQLD´ VHQGR R GRPtQLR uma forma de manifestação polĂtica expressa sob coação direta e efetiva, enquanto a hegemonia traduzida pela direção obtida por meio de uma complexa combinação de forças polĂticas, sociais e culturais Âą fenĂ´meno bem distinto da simples coerção (WILLIAMS, 1979; 2003). Uma categĂłrica ilustração do conceito de hegemonia como coerção efetiva da IRUoD HVWi SUHVHQWH QR FOiVVLFR HQVDLR GH /rQLQ ÂłO Estado e a Revolução´ GH QR TXDO XP ÂłexĂŠrcito permanente e a polĂtica sĂŁo os principais instrumentos do poder governamental´ /Ă&#x2021;1,1 S 3DUD /rQLQ JURVVR PRGR KHJHPRQLD p sinĂ´nimo de dominação. Seguindo essa distinção, Bobbio et al (1998, p. 580) lembram que dentre o uso marxista do conceito de hegemonia encontra-se uma oscilação entre dois significados predominantes a propĂłsito de sua acepção. O primeiro sentido do modo marxista de pensar tende a aproximar hegemonia e domĂnio, acentuando mais o Âłaspecto coativo que o persuasivo, a força mais do que a direção, a submissĂŁo de quem suporta a hegemonia mais do que a legitimação e o consenso, a dimensĂŁo
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SROtWLFD PDLV TXH D FXOWXUDO LQWHOHFWXDO H PRUDO´ 3DUD %REELR et al (1998) esse uso ĂŠ predominante nos escritos de teĂłricos da Terceira Internacional, destacadamente, LĂŞnin. No segundo sentido, muito distintamente da elaboração conceitual de nomes como LĂŞnin ou Bukharin, a hegemonia ĂŠ concebida como capacidade moral e intelectual de direção, onde, Em virtude da qual a classe dominante, ou aspirante ao domĂnio, consegue ser aceita como guia legĂtimo, constitui-se em classe dirigente e obtĂŠm o consenso ou a passividade da maioria da população diante das metas impostas Ă vida social e polĂtica de um paĂs (BOBBIO et al, 1998, p. 580).
John Storey (2001, p. 103) destaca bem essa ideia de capacidade moral e intelectual de direção. Segundo escreve, o conceito em Gramsci ĂŠ usado para se UHIHULU Âłto a condition in process in which a dominant class (in alliance with other classes or class fractions) does not merely rule a society but leads in through the H[HUFLVH RI ÂľPRUDO DQG LQWHOOHFWXDO OHDGHUVKLSϫ LVWR p R SURFHVVR QR TXDO XPD FODVVH exerce sua liderança moral e intelectual por meio de alianças com outras classes ou fraçþes de classes. Em Gramsci, por exemplo, numa sociedade de classes, a supremacia de uma delas se exerce atravĂŠs de modalidades complementares e integradas de domĂnio e hegemonia. Trata-se de uma conjugação de força e consenso, mas nunca da mera imposição da força, principalmente em sociedades na qual a sociedade civil apresenta nĂveis elevados de desenvolvimento e organização. Na anĂĄlise gramsciana, a sociedade civil ĂŠ o lĂłcus da formação e da difusĂŁo da hegemonia, diferentemente da concepção leninista, na qual cabe ao Estado (sociedade polĂtica) essa primazia. Para Gramsci, a hegemonia ĂŠ igual Ă força mais consentimento. Trata-se, pois, de uma ÂładesĂŁo orgânica´ HQWUH GLULJHQWHV H GLULJLGRV JRYHUQDQWHV H JRYHUQDGRV (GRAMSCI, 1989, p. 139), mas nĂŁo imposição sem consentimento. Ainda discorrendo sobre o pensamento gramsciano, Bottomore (2001, p. 178) realça que, longe de impor um conjunto de idĂŠias de cima para baixo, uma ÂłKHJHPRQLD FRPSOHWDPHQWH GHVHQYROYLGD GHYH UHSRXVDU QR FRQVHQWLPHQWR DWLvo, numa vontade coletiva em torno da qual vĂĄrios grupos GD VRFLHGDGH VH XQHP´ Somente atravĂŠs do domĂnio se obtĂŠm uma forma de consentimento limitado que
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conduz a uma ordem polĂtica de base precĂĄria do ponto de vista hegemĂ´nico, justamente em virtude da capacidade limitada de direção (moral e intelectual). Logo, o conceito de Estado em Gramsci ĂŠ ampliado para alĂŠm da sociedade polĂtica. Em Gramsci, o Estado ĂŠ igual sociedade polĂtica mais sociedade civil. Tal ampliação do conceito traz em si a necessidade de pensar a hegemonia tambĂŠm Âą e, principalmente Âą a partir da sociedade civil e de seus aparelhos privados. Bottomore lembra ainda que em Gramsci uma classe mantĂŠm seu domĂnio justamente por ser capaz de ir alĂŠm de seus interesses corporativos estritos, exercendo uma liderança moral e intelectual, fazendo concessĂľes, dentro de certos limites, a uma variedade de aliados unificados num bloco social de forças que foi intitulado de Âłbloco histĂłrico´ (VVH EORFR UHSUHVHQWD XPD ÂłEDVH GH FRQVHQWLPHQWR SDUD XPD Ferta ordem social, na qual a hegemonia de uma classe dominante ĂŠ criada e recriada numa WHLD GH LQVWLWXLo}HV UHODo}HV VRFLDLV H LGpLDV´ %2772025( S $ KHJHPRQLD p SRUWDQWR WHFLGD SHORV ÂłLQWHOHFWXDLV RUJkQLFRV´ TXH WrP XP SDSHO organizativo na sociedade. 3DUD *UDPVFL S WRGRV RV KRPHQV VmR LQWHOHFWXDLV ÂłPDV QHP WRGRV RV KRPHQV GHVHPSHQKDP QD VRFLHGDGH D IXQomR GH LQWHOHFWXDLV´ 7RGRV GHVGH R operĂĄrio imbuĂdo do trabalho mais rotineiro, ao engenheiro responsĂĄvel pela coordenação do trabalho mental, pensam e repensam o mundo. Deve-se destruir o preconceito, muito difundido, de que a filosofia seja algo muito difĂcil pelo fato de ser a atividade intelectual prĂłpria de uma categoria de cientistas especializados ou de filĂłsofos profissionais e sistemĂĄticos. Deve-se, portanto, GHPRQVWUDU SUHOLPLQDUPHQWH TXH WRGRV RV KRPHQV VmR ÂľILOyVRIRVÂś GHILQLQGR RV OLPLWHV H DV FDUDFWHUtVWLFDV GHVWD ÂľILORVRILD HVSRQWkQHDÂś SHFXOLDU D ÂľWRGR PXQGRÂś (GRAMSCI, 1989, p. 11).
Todavia, nem todos exercem um papel ativo na organização de massas de homens e de idÊias. Em Gramsci, por conseguinte, temos um conceito de intelectual ampliado. O intelectual orgânico para o autor, portador da capacidade moral e intelectual de direção das massas (hegemonia), Ê aquele que apresenta certa capacidade dirigente e tÊcnica. Não somente possui a capacidade tÊcnica restrita a sua atividade e sua iniciativa, mas ainda a possui em outras esferas. O intelectual deve ser
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um organizador da massa de homens: deve ser um organizador da confiança. Deve possuir a capacidade de organizar a sociedade em geral, criando as condiçþes mais favorĂĄveis Ă expansĂŁo da prĂłpria classe (ou ainda, escolhendo pessoas especializadas a quem confiar esta atividade organizativa). Os intelectuais sĂŁo, desta forma, comissĂĄrios do grupo dominante para o exercĂcio das funçþes de hegemonia. A hegemonia ĂŠ buscada, entĂŁo, atravĂŠs do consenso espontâneo, dado pelas PDVVDV FRQVHQVR TXH QDVFH GD FRQILDQoD H SHOR DSDUDWR GH FRHUomR HVWDWDO ÂłTXH DVVHJXUD ÂľOHJDOPHQWHÂś D GLVFLSOLQD GRV JUXSRV TXH QmR ÂľFRQVHQWHPÂś QHP DWLYD QHP SDVVLYDPHQWH PDV TXH p FRQVWLWXtGR SDUD WRGD D VRFLHGDGH´ *5$06&, S 11). A hegemonia, prontamente, nĂŁo ĂŠ somente o produto de uma classe, mas sim, de um conjunto de forças. Ultrapassa-se a visĂŁo de LĂŞnin da hegemonia como produto de uma classe, em si, dominante. Williams esclarece ainda que o conceito de hegemonia extrapola o conceito GH LGHRORJLD Âł1mR H[FOXL p FODUR RV VLJQLILFDGRV YDORUHV H FUHQoDV IRUPDLV H articulados, que XPD FODVVH GRPLQDQWH GHVHQYROYH H SURSDJD´ :,//,$06 S 113), nem tampouco reduz a consciĂŞncia a esses valores. Trata-se, pois, de um jogo de forças (arena de lutas). Bottomore (2001) reforça dizendo que a hegemonia nĂŁo se reduz a legitimação, falsa consciĂŞncia ou mesmo instrumentalização da massa da população, uma vez que o senso comum ĂŠ composto de vĂĄrios elementos, alguns dos quais contradizem a ideologia dominante. e YHUGDGH DVVLP TXH H[LVWH XPD ÂľPRUDO GR SRYRÂś HQWHQGLGD FRPR XP GHWHUPLQDGR conjunto (no tempo e no espaço) de mĂĄximas para a conduta prĂĄtica e de costumes que derivam delas ou que as produziram; moral esta que ĂŠ estreitamente ligada, tal como a superstição, Ă s reais crenças religiosas: existem imperativos que sĂŁo muito mais fortes, WHQD]HV H HILFLHQWHV GR TXH RV GD PRUDO ÂľRILFLDOÂś *5$06&, S 185).
Em Gramsci, portanto, a ideologia nĂŁo apenas influencia a massa da população, mas serve tambĂŠm como princĂpio de organização das instituiçþes sociais (BOTTOMORE, 2001, p. 178). A anĂĄlise da ideologia em Gramsci ĂŠ, para alĂŠm da simples dominação e falsa consciĂŞncia, entĂŁo, um terreno de luta.
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Por conseguinte, evitando imputar ab initio um juĂzo de depreciação Ă ideologia, para Gramsci (1989, p. 62), na medida em que sĂŁo historicamente necessĂĄrias, ÂłDV LGHRORJLDV WrP XPD YDOLGDGH TXH p YDOLGDGH ÂľSVLFROyJLFDÂś HODV ÂľRUJDQL]DPÂś DV PDVVDV KXPDQDV IRUPDP R WHUUHQR VREUH R TXDO RV KRPHQV VH PRYLPHQWDP DGTXLUHP FRQVFLrQFLD GH VXD SRVLomR OXWDP HWF ´ Nos Estudos Culturais, fortemente influenciados por Gramsci, hĂĄ a concepção de que a prĂłpria ideologia ĂŠ uma arena de luta, com base numa perspectiva tambĂŠm de baixo para cima, que atribui poder aos sujeitos e aos grupos subculturais para intervir nos sistemas polĂticos e nos sistemas de significação para produzir mudanças (SCHULMAN, 2000). Uma anĂĄlise enĂŠrgica da indĂşstria cultural deve diagnosticar a complexidade e as lutas cotidianas na vida concreta dos sujeitos, encarando a arena cultural como um campo de lutas pela hegemonia. Um caminho teĂłrico que nĂŁo leve em conta as distinçþes entre cultura de massa (homogeneizante e rebaixada), cultura popular (autĂŞntica, resistente) e cultura erudita (ligada aos conceitos de beleza e verdade) deve se pautar no conceito de cultura como uma experiĂŞncia vivida no cotidiano. Certamente, nD OXWD FRWLGLDQD SRU KHJHPRQLD H[LVWHP GHWHUPLQDGRV ÂłHPSUpVWLPRV´ entre os grupos sociais distintos, o que invalida pensar em culturas autĂŞnticas (OLIVEIRA, 1999). TambĂŠm nĂŁo devemos nos basear em falsas oposiçþes, tais como o alto e o popular, o urbano ou o rural, o moderno ou o tradicional (CANCLINI, 2003). Os estudos culturais britânicos apresentam uma abordagem que nos permite evitar dividir o campo da mĂdia/cultura/comunicaçþes em alto e baixo, popular e elite, e nos possibilita enxergar todas as formas de cultura da mĂdia e de comunicação como dignas de exame e de crĂtica (KELLNER, 2001, p. 53).
Ă&#x2030; preciso ver, portanto, a cultura como um jogo de poder, no qual a negociação dos problemas da vida cotidiana se realiza dentro de uma complexa estrutural social, que passa por alianças com grupos diferentes de acordo com o contexto ou com o momento. NĂŁo basta, pois, ver as mensagens veiculadas pela indĂşstria cultural, nem tampouco como sĂŁo produzidas. Tem-se que pensĂĄ-las em suas significaçþes concretas, seus usos e desusos. Uma relevante recomendação
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presente em Michel de Certeau (1994, p. 39) Ê que se observe, alÊm das mensagens HPLWLGDV WDPEpP DTXLOR TXH ³R FRQVXPLGRU FXOWXUDO fabrica´ GXUDQWH R VHX XVR VXD recepção, seu consumo, ou seja, entender as possibilidades de re-leituras. Using a neo-Gramscian analysis, popular culture is what men and women make from their active consumption of the texts and practices of the culture industries. Youth subcultures are perhaps tKH PRVW VSHFWDFXODU H[DPSOH RI WKLV SURFHVV >@ Products are combined or transformed in ways not intended by their producers; FRPPRGLWLHV DUH UHDUWLFXODWHG WR SURGXFH ¾RSSRVLWLRQDOœ PHDQLQJV ,Q WKLV ZD\ and through patterns of behavior, ways of speaking, taste in music, etc., youth subcultures engage in symbolic forms of resistance to both dominant and parent cultures (STOREY, 2011, p. 105).
A leitura de Storey resume bem essa postura neogramsciana: a cultura popular ĂŠ o que os indivĂduos fazem de seu consumo cotidiano. Tomando como exemplo certas culturas juvenis, produtos sĂŁo consumidos de maneira nĂŁo prevista pelos produtores; produzem-se significados de oposição; e, fundamentalmente, essas culturas se envolvem em formas simbĂłlicas de resistĂŞncia Ă s culturas dominantes. Tal leitura demonstra que determinadas modalidades de consumo de produtos massificados podem ser efetivadas devido a circunstâncias muito particulares da vida cotidiana, algo bem alĂŠm da simples cooptação pela indĂşstria cultural. Reforçando com Dalmonte (2002), o que ĂŠ feito nas camadas populares muitas vezes pode revelar traços de uma cultura entendida como forma de encarar a realidade e se portar nela. SĂŁo culturas que, mesmo na adversidade, revelam-se em auto-estima (a substancial contribuição de Hoggart). Neste sentido, nĂŁo se pode falar na corrupção de indivĂduos fracos pela indĂşstria cultural, pois os produtos consumidos atendem a alguma lĂłgica por parte de quem consome. No emaranhado dessas constataçþes, qual a relevância do conceito gramsciano de hegemonia para o conceito frankfurtiano de indĂşstria cultural? Qual a pertinĂŞncia e justificativa desse referencial? Em suma, a idĂŠia de hegemonia como arena de luta, ou seja, evitando pensar a indĂşstria cultural como uma metanarrativa dominadora e os sujeitos como receptĂĄculos passivos diante dos bens culturais estandardizados (coisa que Adorno nunca afirmou em plenitude, mas que freqĂźentemente e erroneamente tem sido assim interpretado). A indĂşstria cultural
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tenta dominar (e domina dentro de alguns limites), mas não da maneira pretendida por seus atores hegemônicos. Primeiramente, Ê preciso destacar que Adorno nunca pensou a indústria cultural como uma simples imposição unilateral de cima para baixo, tampouco pensou
nas
massas
como
entidadeV ³SXHULOPHQWH´ KRPRJrQHDV H VHP
posicionamento. Pelo contrĂĄrio, jĂĄ na DialĂŠtica do Esclarecimento a anĂĄlise das massas ĂŠ um exemplo cabal de como a indĂşstria cultural se esforça incessantemente Âą noite e dia Âą para manter seu poder de dominação e como o pĂşblico consumidor da indĂşstria cultural ĂŠ diversificado, inconstante e ambĂguo. Apenas uma leitura apressada da obra adorniana levaria a termo pensar a indĂşstria cultural de forma tĂŁo simplĂłria. Contudo, a idĂŠia gramsciana de terreno de luta ĂŠ limitada em Adorno, pois neste as massas se encontram numa situação de estrutural heteronomia. Ă&#x2030; preciso, pois, para fins de renovação, tal complemento. Em segundo lugar, avançando na idĂŠia anterior, em Adorno a anĂĄlise da ideologia tambĂŠm se afasta da idĂŠia gramsciana de terreno de luta, uma vez que o senso comum na visĂŁo adorniana pouco contesta a ideologia dominante, isto ĂŠ, estĂĄ cooptado e integrado ao sistema Âą na verdade, a resistĂŞncia em Adorno estĂĄ muito mais ligada ao inconsciente do que ao cotidiano. Conforme nos lembra Konder S *UDPVFL ÂłDGPLWLD TXH R VHQVR FRPXP SRVVXtD XP FDURoR GH ERP VHQVR D SDUWLU GR TXDO SRGHULD GHVHQYROYHU R HVStULWR FUtWLFR´ &RQWXGR ID]HQGR XP gancho com Adorno, o prĂłprio Gramsci admitia os riscos de uma superestimação do senso comum, cujos horizontes sĂŁo, de fato, muito limitados (KONDER, 2002). Na obra adorniana ĂŠ muito pontual essa esperança na capacidade popular de criar um senso crĂtico. NĂŁo obstante, ela existe. -i QR WH[WR Âł7HRULD GD 6HPLFXOWXUD´ HOD HVWi presente e se torna um indĂcio dessa dialĂŠtica entre dominação e resistĂŞncia. Para ele, ĂŠ possĂvel que os sujeitos, graças a uma consciĂŞncia de classe ainda viva, todavia debilitada,
nĂŁo
caiam
puerilmente
nas
armadilhas
(pseudoformación em algumas traduçþes espanholas).
da
semi-formação
99 Es posible que innumerables trabajadores, pequeĂąos empleados y otros grupos no queden todavĂa comprendidos por las categorĂas de la pseudoformaciĂłn Âą y no en Ăşltimo tĂŠrmino gracias a su conciencia de clase, aĂşn viva, aunque debilitĂĄndose... (ADORNO, 1966b, p. 183).
Percebe-se em Adorno, pois, que apesar da grande e crescente desproporção entre o poder dominante e a impotĂŞncia social, ainda assim imperam resistĂŞncias contra os discursos hegemĂ´nicos. Mesmo assim, retomando os dois aspectos listados anteriormente, talvez essas sejam as grandes limitaçþes de Adorno para o sĂŠculo XXI, ou seja, nĂŁo atribuir primazia a significância de certos processos sociais como arenas de luta pela significação cultural e, conseqĂźentemente, atribuir aos indivĂduos (receptores) pouca capacidade de atuação nos sistemas produtores de valores. No dizer de Dalmonte S R ÂłLQGLYtGXR UHFHSWRU QmR p XP YLDMDQWH VHP EDJDJHP´ $VVLP problematizar mais abertamente, de um lado, a hegemonia como arena de luta e, de RXWUR D GLVFXVVmR VREUH VXEMHWLYLGDGH H VXEMHWLYDomR SDUD DOpP GH ÂłREMHWLYLVPRV´ apresenta-se como uma retomada menos fatalista do projeto teĂłrico adorniano. A recepção dos produtos seriais/estandardizados/racionalizados se dĂĄ mediante um jogo desigual de forças, pois a indĂşstria cultural e seus mecanismos publicitĂĄrios sĂŁo poderosos; contudo, nĂŁo tem efeitos unilaterais. Segundo Schulman (2000, p. 215-216), pensando a virada gramsciana que o Centro (CCCS) tomou desde os anos 80, ĂŠ preciso veU TXH RV ÂłJUXSRV VXERUGLQDGRV WDQWR VH VXEPHWHP TXDQWR UHVLVWHP jV YLV}HV GD FODVVH GRPLQDQWH´ 1mR Ki DSHQDV D GRPLQDomR HVWUXWXUDO Existem resistĂŞncias, re-apropriaçþes e re-significaçþes, ou seja, nas palavras de &HUWHDX S Âłartes de fazer´ que operam nas brechas da ordem oficial. Para Certeau, mesmo sendo verdade que por toda a parte se estenda uma rede de ÂłYLJLOkQFLD´ WDPEpP p YHUGDGH TXH XPD VRFLHGDGH LQWHLUD QmR VH UHGX] D HOD +i procedimentos populares que jogam com os mecanismos da disciplina e nĂŁo se conformam com ela a nĂŁo ser para alterĂĄ-ORV LVWR p ÂłPDQHLUDV GH ID]HU´ TXH IRUPDP a contrapartida do lado dos consumidores. AstĂşcias de consumidores que formam uma espĂŠcie de rede de antidisciplina. Seguramente, como destaca Williams, ÂłinĂŠrcia
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e apatia foram empregadas pelos governados como armas razoavelmente seguras contra seus governantes´ :,//,$06 S Muito similarmente, John Fiske (1989) reafirma essa capacidade popular de resistência e evasão. Para ele, a cultura popular Ê um lugar de lutas que, embora aceitando o poder das insidiosas forças dominantes, consegue resistir e evadir ¹ com criatividade e vitalidade ¹ das ideologias dominantes e seus valores. Encontrando vigor e vitalidade nas pessoas, Fiske evita, portanto, ver a cultura popular essencialmente fora ou essencialmente sufocada por modelos de poder. Recently, however, a third direction has begun to emerge, one to which I hope this book will contribute. It, too, sees popular culture as a site of struggle, but, while accepting the power of the forces of dominance, it focuses rather upon the popular tactics by which these forces are coped with, are evaded or are resisted. Instead of tracing exclusively the processes of incorporation, it investigates rather that popular vitality and creativity that makes incorporation such a constant necessity. Instead of concentrating on the omnipresent, insidious practices of the dominant ideology, it attempts to understand the everyday resistances and evasions that make that ideology work so hard and insistently to maintain itself and its values. This approach sees popular culture as potentially, and often actually, progressive (though not radical), and it is essentially optimistic, for it finds in the vigor and vitality of the people evidence both of the possibility of social change and of the motivation to drive it (FISKE, 1989, p. 20-21).
Nesse sentido, a recepção nĂŁo pode ser pensada de maneira inerte. Ă&#x2030; preciso retomar a eficĂĄcia da indĂşstria cultural da obra adorniana, todavia, sem anular Âą em substância Âą os sujeitos. Nessa possibilidade de virada, a obra de Stuart Hall e seu PRGHOR Âłencoding and decoding´ FRGLILFDomR H GHFRGLILFDomR p XP instrumento bastante prĂĄtico de como pensar operacionalmente as distintas formas de recepção dos meios de comunicação de massa, jĂĄ que reconhece uma sutileza basal no estudo do consumo cultural: o que ĂŠ produzido nĂŁo necessariamente ĂŠ interpretado da forma SUHWHQGLGD SHORV FRGLILFDGRUHV 1DV SDODYUDV GH -RKQVRQ S ÂłR WH[WR talcomo-produzido ĂŠ um objeto diferente do texto tal-como-lido´ 3RU FRQVHJXLQWH Ki muito mais sutilezas na complexidade da recepção (consumo cultural) do que o imaginado por alguns dissenters da cultura de massa.
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678$57 +$// ( 2 02'(/2 ÂłENCODING AND DECODING´ 325 UMA CONCEPĂ&#x2021;Ă&#x192;O PLURAL DE RECEPĂ&#x2021;Ă&#x192;O
A pesquisa de recepção pode ser considerada um marco nos estudos de comunicação, sobretudo a partir da obra de Stuart Hall. Segundo Mauro Porto (2003), o novo paradigma dos Estudos Culturais enfatiza disputas ideolĂłgicas no processo de comunicação, tratando o receptor (audiĂŞncia) como um agente que interpreta ativamente o conteĂşdo midiĂĄtico, teorização distinta substancialmente de alguns PDU[LVWDV TXH ÂłFRVWXPDYDP WRPDU FRPR XP GDGR GD UHDOLGDGH R SRGHU GD PtGia, LJQRUDQGR DVVLP RV SURFHVVRV GH UHFHSomR GDV VXDV PHQVDJHQV´ 32572 S 09). Escosteguy (1998) menciona que no final dos anos 1960 os temas da recepção e da densidade dos consumos midiĂĄticos começaram a chamar a atenção dos pesquisadores dos chamados Cultural Studies. A discussĂŁo se acentuou, sobretudo, a SDUWLU GRV DQRV FRP D SXEOLFDomR GR WH[WR ÂłEncoding and decoding in television discourse35´ GH 6WXDUW +DOO DR DSUHVHQWDU WUrV FDWHJRULDV GD VHPLRORJLD DUWLFXODGDV j noção marxista de ideologia. Segundo a autora, Hall insistiu Âłna pluralidade, GHWHUPLQDGD VRFLDOPHQWH GDV PRGDOLGDGHV GH UHFHSomR´ (6&267(*8< S 92). Schulman (2000, p. 182-183) aponta que Stuart Hall identificou quatro componentes de ruptura com as abordagens tradicionais do estudo da comunicação (recepção) Âą UXSWXUD TXH VLJQLILFRX XPD YHUGDGHLUD Âłvirada etnogrĂĄfica36´. Primeiramente, os Estudos Culturais rompem com as abordagens behavioristas, que viam a influĂŞncia dos meios de comunicação de massa nos termos de estĂmuloresposta. Rompem tambĂŠm com as concepçþes que viam os textos da mĂdia como suportes transparentes do significado, nĂŁo percebendo, portanto, as entrelinhas. Em terceiro lugar, rompem com a ideia passiva e indiferenciada de pĂşblico, optando por 35 Âł2 PRGHOR encoding-decoding, tal como desenvolvido por Hall [...], ĂŠ um dos enfoques mais importantes no estudo das audiĂŞncias da mĂdia. Ele tem sido uma referĂŞncia importante para os estudos de recepção que VXUJLUDP QD GpFDGD GH D SDUWLU GH WHRULDV FUtWLFDV´ 32572 S 36 Âł$ H[SUHVVmR GHVLJQD > @ XP GHVORFDPHQWR UXPR D XP HVWXGR GDV PRGDOLGDGHV GLIHUHQFLDLV GH UHFHSomR GD PtGLD SHORV GLYHUVRV S~EOLFRV´ (MATTELART; NEVEU, 2004, p. 95).
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considerĂĄ-lo numa anĂĄlise variada dos modos pelos quais as mensagens sĂŁo decodificadas. E, em quarto lugar, rompe-se com a ideia monolĂtica de cultura de massa. Em decorrĂŞncia dessa virada etnogrĂĄfica, Hall (2003) identificou trĂŞs37 posiçþes hipotĂŠticas de interpretação da mensagem midiĂĄtica: a) Uma posição dominante ou preferencial, quando o sentido da mensagem ĂŠ decodificado segundo as referĂŞncias da sua construção; b) Uma posição negociada, quando o sentido da mensagem entra em negociação com as condiçþes particulares dos receptores; c) Uma posição de oposição, quando o receptor entende a proposta dominante da mensagem, mas a interpreta segundo uma estrutura de referĂŞncia alternativa. Essas trĂŞs categorias possibilitam o entendimento da recepção cultural a partir de um cenĂĄrio no qual as subjetividades passam, portanto, a serem vistas tambĂŠm como subjetividades negociadas, consentidas, e nĂŁo apenas como dominação (OLIVEIRA, 1999). Aportado no pensamento de Stuart Hall, pode-se dizer que ĂŠ na esfera cultural que se dĂĄ a luta pela significação. Nesse sentido, os textos culturais sĂŁo o prĂłprio local onde o significado ĂŠ negociado. Destarte, uma mĂşsica nĂŁo pode ser simplesmente pensada como uma pueril manifestação cultural, nem tampouco como simples canal da ideologia, mas sim, como um artefato produtivo, prĂĄtica produtora de sentido: aceito, negociado ou simplesmente rejeitado. A crĂtica conservadora de um consumo alienado nĂŁo se faz completamente enĂŠrgica, pois: O consumo nĂŁo ĂŠ apenas reprodução de forças, mas tambĂŠm produção de sentidos: lugar de uma luta que nĂŁo se restringe Ă posse de objetos, pois passa ainda mais decisivamente pelos usos que lhes dĂŁo forma social e nos quais se inscrevem demandas e dispositivos de ação provenientes de diversas competĂŞncias culturais (MARTIN-BARBERO, 2009, p. 292). 1D LQWHUSUHWDomR GH *XHGHV S QHJULWR QRVVR Âłleitura hegemĂ´nica dominante, que interpreta o texto em termos do significado preferido sugerido pela mensagem; leitura negociada, onde o significado produzido pela interface entre o intĂŠrprete e o codificador da mensagem ĂŠ sutilmente contestado. Aceitando a estrutura geral sugerida pelo cĂłdigo dominante a pessoa dĂĄ um significado contraditĂłrio a mensagem; a leitura de oposição iria ter uma compreensĂŁo contra o argumento do texto e faria poucas concessĂľes para a SHUVSHFWLYD RIHUHFLGD´ 37
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Desta forma, mesmo no consumo dos chamados bens culturais de massa há, para além do fetichismo da mercadoria, uma certa possibilidade ativa de resignificação de seu uso. Para Dalmonte (2002) as reflexões dos Cultural Studies baseiam-se no argumento que o elemento cultural norteia o posicionamento do indivíduo frente aos produtos da indústria cultural. Desta forma, a diversidade cultural é responsável por distintas formas de apropriação e consumo da produção massiva. Trata-se, portanto, da capacidade popular em fazer leituras múltiplas, tornando a recepção (consumo) um local de construção de significado e não de submissão total à esfera econômica. A obra de Hall nesse sentido é basilar para o entendimento empírico dessa pluralidade de recepção. Para Porto (2003, p. 12), o modelo encoding/decoding abriu uma nova fase na pesquisa sobre recepção, desafiando teorias sobre a ideologia dominante ao ³UHVVDOWDU TXH VLJQLILFDGRV SUHIHUHQFLDLV >GRPLQDQWHV@ SRGHP VHU GHFRGLILFDGRV GH diferentes forPDV SHORV PHPEURV GD DXGLrQFLD´ &RGLILFDomR H GHFRGLILFDomR VmR processos com certas determinações, mas também têm seus momentos relativamente autônomos. A idéia de sujeito em Hall é baseada na fragmentação do indivíduo moderno. Para ele, desde o final do século XX vem ocorrendo uma fragmentação de paisagens culturais de classe, gênero, etnia, nacionalidade, sexualidade e raça, códigos esses que em tempos passados davam sólidas localizações referenciais aos indivíduos. Em sua avaliação, está ocorrendo uma descentração do indivíduo, tanto em relação ao mundo social, quanto em relação a si mesmo (HALL, 2005). Em Hall (2005) pode-se afirmar que não existe mais um centro de poder, mas sim, uma pluralidade de centros (influência direta de Foucault). Por conseguinte, a diferença é uma marca das sociedades modernas, sobretudo nas formas de sujeição, uma vez que há jogos de poder, divisões e contradições internas. 2
WH[WR
³Encoding
and
decoding
in
television
discourse´
(codificação/decodificação) trouxe para as teorias da recepção um olhar mais aberto as pluralidades e menos objetivador. Neste, Hall (2003) enfatiza que a mensagem é uma estrutura complexa de significados, não sendo algo tão simples como se poderia
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pensar, resultando que a recepção nĂŁo pode ser pensada como algo perfeitamente transparente, ou ainda, operando de forma unilinear. O autor parte do prĂłprio Marx SDUD PRVWUDU TXH Mi QD Âłintrodução de 1857´ HVWi SRVWR TXH D SURGXomR GHWHUPLQD R consumo, assim como o consumo tambĂŠm determina a produção. Por conseguinte, jĂĄ HP 0DU[ QmR Ki XPD YLVmR GHWHUPLQLVWD GD UHFHSomR FRQVXPR H GD SURGXomR ÂłA produção ĂŠ, pois, imediatamente consumo; o consumo ĂŠ, imediatamente, produção. Cada qual ĂŠ imediatamente seu contrĂĄrio. Mas, ao mesmo tempo, opera-se um movimento mediador entre ambos´ 0$5; S 1mR KDYHQGR determinismo na relação produção/consumo, tambĂŠm nĂŁo se pode problematizar a recepção de forma homogĂŞnea. Um mesmo grupo, num dado momento, pode fazer determinada leitura da realidade a partir de cĂłdigos hegemĂ´nicos e, em outro dado momento, a partir de cĂłdigos contestatĂłrios. Mais uma vez posto, nem hĂĄ determinismo nem tampouco homogeneidade na recepção. Mesmo na crescente situação de heteronomia vislumbrada por Adorno, ainda assim podem ser encontradas negociaçþes e contestaçþes, de vĂĄrias ordens. Ă&#x2030; necessĂĄrio lembrar, por exemplo, que a luta de classes ĂŠ, na maior parte dos dias, uma luta metafĂłrica ÂłTXDQGR QmR conseguimos mudar o governante, nĂłs o satiri]DPRV´ &$1&/,1, S RX seja, uma qualidade potencial da festa e da diversĂŁo popular ĂŠ que pode escarnecer dos prĂłprios burladores (BAKHTIN, 1993)38. A contribuição de Hoggart ĂŠ central nesse aspecto. Para ele, ĂŠ preciso estar atento a algumas perspectivas que levam o pesquisador a exagerar tanto nas qualidades maravilhosas da cultura popular, quanto na sua degradação atual. Existe uma lĂłgica inerente Ă s classes populares, em contraposição ĂĄ lĂłgica dominante. Essa lĂłgica nĂŁo pode ser interpretada simplesmente como dominação. A mĂdia e a ideologia dominante nĂŁo sĂŁo as Ăşnicas instituiçþes capazes de criar significaçþes. HĂĄ
38 Âł8PD TXDOLGDGH LPSRUWDQWH GR ULVR QD IHVWD SRSXODU p TXH HVFDUQHFH GRV SUySULRV EXUODGRUHV 2 SRYR QmR se exclui do mundo em evolução. TambĂŠm ele se sente incompleto; tambĂŠm ele renasce e se renova com a morte. Essa ĂŠ uma das diferenças essenciais que separam o riso festivo popular do riso puramente satĂrico da ĂŠpoca moderna. O autor satĂrico que apenas emprega o humor negativo, coloca-se de fora do objeto aludido e opĂľe-se a ele; isso destrĂłi a integridade do aspecto cĂ´mico do mundo, e entĂŁo o risĂvel (negativo) torna-se um fenĂ´meno particular. Ao contrĂĄrio, o riso popular ambivalente expressa uma opiniĂŁo sobre um mundo em SOHQD HYROXomR QR TXDO HVWmR LQFOXtGRV RV TXH ULHP´ %$.+7,1 1993, p. 10-11).
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outras instituiçþes que concorrem com elas e que resultam em negociaçþes diversas (DALMONTE, 2002). Hall se aproxima bastante de Gramsci quando afirma que nunca foi atraĂdo peOD QRomR GH ÂłIDOVD FRQVFLrQFLD´ HP WRGD D VXD SOHQLWXGH Âł6HPSUH SHQVHL TXH H[LVWH algo profundamente inquietante e errado nela, inclusive pelo fato de que ninguĂŠm se FRQIHVVD HP IDOVD FRQVFLrQFLD p VHPSUH R RXWUR´ (HALL, 2003, p. 358). A idĂŠia de hegemonia em Hall, portanto, estĂĄ diretamente prĂłxima de Gramsci, sobretudo porque existe a noção de que algumas mensagens/cĂłdigos que pretendem ser hegemĂ´nicos nĂŁo obtĂŞm pleno sucesso, ou seja, como estĂŁo envolvidas numa arena de luta pelo consentimento, nem sempre sĂŁo aceitas. Em sua avaliação, Âłser perfeitamente hegemĂ´nico ĂŠ fazer com que cada significado que vocĂŞ quer comunicar seja compreendido pela audiĂŞncia somente daquela maneira pretendida´ +$// 2003, p. 366). Trata-se, utopicamente, de Âłum tipo de sonho de poder Âą nenhum FKXYLVFR QD WHOD DSHQDV D DXGLrQFLD WRWDOPHQWH SDVVLYD´ +$// S Deste modo, nĂŁo ĂŠ possĂvel que os meios de comunicação de massa consigam moldar a opiniĂŁo e o sentimento de todas as classes populares. Gramsci sabiamente nos mostra que as camadas populares da filosofia espontânea do senso comum (ou do bom senso, aquele nĂşcleo sadio do senso comum), embora saibam que sua argumentação reflexiva possa parecer frĂĄgil, ainda assim possui certa sustentação. Certamente, nĂŁo ĂŠ possĂvel se moldar o gosto de todo mundo a partir do domĂnio direto da indĂşstria cultural. O elemento mais importante, indubitavelmente, ĂŠ de carĂĄter nĂŁo racional: ĂŠ um elemento de fĂŠ. Mas, de fĂŠ em quem e em quĂŞ? Notadamente no grupo social ao qual pertence, na medida em que este pensa as coisas tambĂŠm difusamente, como ele: o homem do povo pensa que, no meio de tantos, ele nĂŁo pode se equivocar radicalmente, como o adversĂĄrio argumentador queria fazer crer; que ele prĂłprio, ĂŠ verdade, nĂŁo ĂŠ capaz de sustentar e desenvolver as suas razĂľes como o adversĂĄrio faz com as dele, mas que Âą em seu grupo Âą existe quem poderia fazer isto, certamente ainda melhor do que o referido adversĂĄrio; e, de fato, ele se recorda de ter ouvido alguĂŠm expor, longa e coerentemente, de maneira que ele se convenceu de sua justeza, as razĂľes de sua fĂŠ (GRAMSCI, 1989, p. 26).
Assim, não hå como moldar a opinião das pessoas a ponto de unilateralmente prescrever-lhes o que Ê bom e o que Ê ruim no âmbito do consumo cultural. Sem o
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consentimento ativo do indivĂduo tal prescrição nĂŁo se faz enĂŠrgica. As pessoas tĂŞm XP FHUWR ÂłERP VHQVR´ QD UHFHSomR FXOWXUDO O problema da recepção, do ponto de vista da unilateralidade e da homogeneidade, ĂŠ crer que as mensagens tenham somente um significado, e que este, por sua vez, seja apreendido somente num sentido de mĂŁo Ăşnica. Hall (2003, p. 366), entĂŁo, SUREOHPDWL]D VREUH ÂłXPD QRomR GH poder e de estruturação no momento de codificação que todavia nĂŁo [apaga] todos os RXWURV SRVVtYHLV VHQWLGRV´ $V PHQVDJHQV hegemĂ´nicas pretendem que o sujeito leia o conteĂşdo de uma determinada maneira; contudo, outras leituras podem e sĂŁo feitas. Igualmente ÂłXPD OHLWXUD SUHIHUHQFLDO QXQFD ĂŠ completamente bem-sucedida: ĂŠ apenas o exercĂcio do poder na tentativa de hegemonizaU D OHLWXUD GD DXGLrQFLD´ (HALL, 2003, p. 366). A cultura massiva nĂŁo ocupa uma e somente uma posição no sistema de classes sociais, mas [...] no prĂłprio interior dessa cultura coexistem produtos heterogĂŞneos, alguns que correspondem Ă lĂłgica do expediente cultural dominante, outro que corresponde a demandas simbĂłlicas do espaço cultural dominado (MARTINBARBERO, 2009, p. 312).
Para Escosteguy (1998), os meios de comunicação de massa nĂŁo podem ser entendidos como simples instrumentos de manipulação das massas e de controle da classe dirigente. Para ela, os Estudos Culturais compreendem os produtos culturais como agentes de reprodução social, de natureza complexa, dinâmica e ativa na construção da hegemonia. NĂŁo dĂĄ para pensar num pĂşblico simplesmente como receptĂĄculo homogĂŞneo de mensagens. A cultura ĂŠ, entĂŁo, plural! A contribuição de 0LFKHO GH &HUWHDX QHVVH DVSHFWR p EDVLODU Mi TXH SHUFHEH XPD ÂłUHVLVWrQFLD DWLYD´ GR SRYR PHGLDQWH DV ÂłDUWHV GH ID]HU´ QmR SHUPLWLQGR D WmR VRQKDGD GLVFLSOLQD padronizadora do poder Âą o que estĂĄ muitĂssimo rente a Foucault. Em suas palavras, para o entendimento da cultura, deve-VH XVDU XPD DQiOLVH ÂłSROHPROyJLFD´ LVWR p XPD politização das prĂĄticas cotidianas, sempre pensando em tĂĄticas, conflitos e tensĂľes vigentes no consumo. Trampolinagens e trapaçarias RX VHMD ÂłDVW~FLD H HVSHUWH]D QR PRGR GH XWLOL]DU RX GH GULEODU RV WHUPRV GRV FRQWUDWRV VRFLDLV´ &(57($8 S 79).
107 [...] a cultura articula conflitos e volta e meia legitima, desloca ou controla a razĂŁo do mais forte. Ela se desenvolve no elemento de tensĂľes, e muitas vezes de violĂŞncias, a quem fornece equilĂbrios simbĂłlicos, contratos de compatibilidade e compromissos mais ou menos temporĂĄrios. As tĂĄticas do consumo, engenhosidades do fraco para tirar partido do forte, vĂŁo desembocar entĂŁo em uma politização das prĂĄticas cotidianas (CERTEAU, 1994, p. 45).
... e prossegue ilustrando essa polemologia da cultura: Cada vez mais coagido e sempre menos envolvido por esses amplos enquadramentos, o indivĂduo se destaca deOHV VHP SRGHU ÂľHVFDSDU-lhes, e sĂł lhe UHVWD D DVW~FLD QR UHODFLRQDPHQWR FRP HOHV ÂľGDU JROSHVÂś HQFRQWUDU QD PHJDOySROH HOHWURWHFQLFL]DGD H LQIRUPDWL]DGD D ÂľDUWHÂś GRV FDoDGRUHV RX GRV UXUtFRODV DQWLJRV (CERTEAU, 1994, p. 52).
Nestes termos, para Certeau, o enfoque da cultura se inicia quando o homem FRPXP ³RUGLQiULR´ WRUQD-se o narrador, definindo o lugar do discurso e o espaço de seu desenvolvimento, de sua atuação. Desta forma, gramscianamente, a cultura Ê vista como uma arena de luta, como um espaço de luta por significação. A dominação, portanto, não Ê algo unidimensional, mas sim, segundo Bourdieu, exercida numa rede cruzada: A dominação não Ê o efeito direto e simples da ação exercida por um conjunto de DJHQWHV ¾D FODVVH GRPLQDQWHœ LQYHVWLGRV GH poderes de coerção, mas o efeito indireto de um conjunto complexo de açþes que se engendram na rede cruzada de limitaçþes que cada um dos dominantes, dominado assim pela estrutura do campo atravÊs do qual se exerce a dominação, sofre de parte de todos os outros (BOURDIEU, 1996, p. 52).
Mas e os padrĂľes homogĂŞneos de recepção atualmente perceptĂveis perante o grande pĂşblico? Como pensar em leituras plurais se sĂŁo claramente visĂveis determinados padrĂľes dominantes de recepção? O modelo encoding/decoding, apesar da importância e reconhecimento acadĂŞmico no âmbito da pesquisa de recepção, sofreu ao longo dos anos algumas crĂticas substanciais. Porto (2003) aponta que a decodificação sugere no modelo de Hall um Ăşnico ato, em lugar de um conjunto de processos separados, confundindo o eixo compreensĂŁo/incompreensĂŁo com o eixo acordo/desacordo. AlĂŠm disso, o modelo ĂŠ limitado para situaçþes em que os prĂłprios meios de comunicação de massa, a TelevisĂŁo, por exemplo, emitem mensagens opostas a ideologia dominante. Deve-se perceber a mĂdia tambĂŠm como um espaço contraditĂłrio internamente, para
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alĂŠm de vĂŞ-la apenas como espaço de veiculação de mensagens preferenciais. Seguramente, Gramsci nĂŁo nos deixa esquecer que o pensamento dominante, para melhor exercer sua hegemonLD VREUH DV FODVVHV SRSXODUHV ÂłDVVLPLOD XPD SDUWH GD LGHRORJLD SUROHWiULD´ *5$06&, S Apesar disso, muitos dos limites do modelo o prĂłprio Hall os reconhece, o que reforça validĂĄ-lo como enĂŠrgico diante das atuais relaçþes de consumo midiĂĄtico. Para Hall (2003, p. 368-370) existe sim uma homogeneidade na preferĂŞncia, jĂĄ que podemos detectar um certo padrĂŁo de preferĂŞncia durante um longo perĂodo de WHPSR RX VHMD ÂłQR FRQMXQWR H DSyV XP ORQJR SHUtRGR YRFr WHQGHULD D UHFHEHU PDLV freqĂźentemenWH D PHQVDJHP KHJHP{QLFD´ &RQWXGR WUDWD-se apenas de um padrĂŁo, e todo padrĂŁo tem suas variantes e desvios. Hall, tambĂŠm gramsciano, reconhece que cada momento de desconstrução ĂŠ, tambĂŠm, um momento de reconstrução. Retomando as trĂŞs categorias apontadas por Hall para a anĂĄlise das formas de recepção, importa realçar que se tratam de tipos ideais, Ă maneira weberiana. A maioria dos indivĂduos nunca estĂĄ completamente dentro de uma leitura preferencial ou totalmente a contrapelo do texto hegemĂ´nico. Sempre nadamos a favor e, tambĂŠm, FRQWUD D PDUp 1R GL]HU GH &HUWHDX S ÂłD OHLWXUD LQWURGX] > @ XPD ÂľDUWHÂś TXH QmR p SDVVLYLGDGH´ Deste modo, lembrando Martin-Barbero (2009, p. 290), ĂŠ mister ter um mapa noturno que sirva para questionar determinadas coisas a partir de categorias como dominação, trabalho, produção, mas tambĂŠm, a partir do outro lado, ou seja, as brechas, o consumo, o prazer: Âłum mapa que nĂŁo sirva para a fuga, e sim para o reconhecimento da situação a partir das mediaçþes dos sujeiWRV´ Ă&#x2030; preciso, pois, deixar de focalizar simplesmente os meios e focar nas mediaçþes, lembra MartinBarbero. Nas palavras de Dalmonte (2002, p. 75), a proposta dos estudiosos do CCCS ĂŠ a de se Âłconceber a cultura na sua contemporaneidade, ou seja, resultando de um processo (tentatiYD GH GRPLQDomR H UHVLVWrQFLD´ Fontudo, nunca de total submissĂŁo ou total resistĂŞncia.
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Assim, para Hall (2003), as leituras negociadas sĂŁo provavelmente o que a maioria de nĂłs faz no cotidiano. Seguramente, segundo Certeau (1994, p. 95), hĂĄ um Âłdistanciamento mais ou menos grande do uso´ TXH VH ID] GRV SURGXWRV GD SURGXomR FXOWXUDO PDVVLILFDGD &DEH SRUWDQWR DR WUDEDOKR HPStULFR ÂłGL]HU HP UHODomR D XP texto particular e a uma parcela especĂfica da audiĂŞncia, quais leituras estĂŁo RSHUDQGR´ +$// S (LV aĂ um grande desafio metodolĂłgico e um dos objetivos estruturais desta pesquisa.
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3 DO FORRĂ&#x201C; PĂ&#x2030;-DE-SERRA AO MERCADO DO FORRĂ&#x201C; ELETRĂ&#x201D;NICO
³0~VLFD SRSXODU p SDUD DV PDVVDV FRPR XP IHULDGR HP que se tem de WUDEDOKDU´. Theodor W. Adorno (1994, p. 137) Sobre Música Popular
3.1 LUIZ GONZAGA E O BAIĂ&#x192;O: O GERMINAR DE UM GĂ&#x160;NERO MUSICAL39
A histĂłria do forrĂł enquanto gĂŞnero musical estĂĄ sumariamente atrelada Ă figura de Luiz Gonzaga do Nascimento (o GonzagĂŁo), menino pobre nascido no semi-ĂĄrido pernambucano - municĂpio de Exu, Chapada do Araripe - que, poucas dĂŠcadas depois, viria se tornar personagem importante na histĂłria da mĂşsica popular brasileira. Nas palavras de Luciana Chianca (2006, p. 67), ÂłHQWUH RV DUWLVWDV GD FHQD musical dos anos de 1940, Luiz Gonzaga foi aquele que preencheu mais eficazmente D IXQomR GH ÂľLQYHQWRUÂś GH XP HVWLOR PXVLFDO UHJLRQDO´ Gonzaga, de fato, foi figura basilar no surgimento do forrĂł. Segundo ele prĂłprio jĂĄ afirmara: ÂłNĂŁo sou modesto, nĂŁo. Eu nĂŁo inventei sĂł o baiĂŁo, mas tambĂŠm o forrĂł [e] as marchinhas juninas >SDODYUDV GR SUySULR *RQ]DJD@´ apud CHAGAS, 1990, p. 11). DaĂ que, diferentemente da canção ÂłQuem inventou o forró´40, interpretada pela cantora Eliane, o forrĂł possuiu sim um inventor: Luiz Gonzaga 41. A construção da compreensĂŁo histĂłrica da criação do forrĂł se deu, basicamente, a partir de Ă&#x201A;ngelo (1990); Chagas (1990); Oliveira (1991); Dreyfus (1996); Albuquerque JĂşnior (1999); Pedroza (2001); Cascudo (2001); Silva (2003); Santos (2004); Silva e HonĂłrio (2004); Fernandes (2004; 2006); Chianca (2006); Lima (2007); Feitosa (2008); Marques (2009); Trotta e Monteiro (2008); e Trotta (2008; 2009a; 2009b; 2009c; 2010). AlĂŠm deste material bibliogrĂĄfico, as duas produçþes audiovisuais a seguir serviram tambĂŠm de embasamento auxiliar: 1) LUIZ GONZAGA Âą A LUZ DOS SERTĂ&#x2022;ES. Roteiro e direção: Rose Maria. Produção Executiva: Anselmo Alves. Recife: Oficina de Imagens, 1999. 1 DVD vĂdeo (37 min), color. 2) FORRĂ&#x201C; FICOU ASSIM. Direção: Bruno Soares, Rodolfo Paiva e Fabiano Morais. MossorĂł, RN: DECOM/UERN, 2010. 1 DVD vĂdeo (33 min), color. 40 ÂłQuem inventou o forrĂł, NĂŁo podia ter feito melhor; Onde entĂŁo se escondeu, Porque atĂŠ hoje nĂŁo apareceu´ 7UHFKR GD P~VLFD QUEM INVENTOU O FORRĂ&#x201C;). Artista: Eliane. Autor(es): Zequinha e Doracy. Ă lbum: Grandes Sucessos/Eliane. Duração: 00:02:51. Ano: 2000. Gravadora: Sony-BMG. 41 Inventor PDLV QR VHQWLGR GH PDUFDomR KLVWyULFD GR TXH FRPR H[SUHVVmR GH XPD ÂłLGDGH GH RXUR´ GR IRUUy 39
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As condiçþes para o surgimento de um gĂŞnero musical nordestino a ser amplamente divulgado no paĂs estavam mais ou menos postas jĂĄ na dĂŠcada de 1930: melhoria nos transportes e nos meios de comunicação, e, dentre estes, o rĂĄdio como fenĂ´meno massivo de produção do que se procurava ser a integração nacional. No Brasil dos anos de 1920 o rĂĄdio era fundamentalmente um artefato embrionĂĄrio e seletivo do ponto de vista social. Apesar disso, com o posterior desenvolvimento das indĂşstrias do disco e do rĂĄdio, as dĂŠcadas de 30 e 40 puderam ser sinalizadas como os anos de ouro do rĂĄdio nacional, tendo os anos 50 o seu auge. A ascensĂŁo do rĂĄdio e das indĂşstrias do disco (LPs) possibilitou o desenvolvimento massivo nĂŁo apenas do samba nos anos 30, mas tambĂŠm do forrĂł (baiĂŁo) apĂłs os anos 1950. Segundo consta em Vianna (2007, p. 109), o rĂĄdio fizera suas primeiras transmissĂľes no Brasil nas comemoraçþes do centenĂĄrio da IndependĂŞncia em 1922. Em 1923 foi inaugurada a primeira estação de rĂĄdio brasileira, a RĂĄdio Sociedade do Rio de Janeiro. A programação consistia, basicamente, de mĂşsica erudita e palestras culturais. O panorama se modificaria com a concorrĂŞncia de outras rĂĄdios comerciais, como a Mayrink Veiga, inaugurada em 1926 e a RĂĄdio Educadora, em 1927. No entanto, os primeiros programas de grande audiĂŞncia sĂł surgiriam depois da revolução de 30, transmitidos do Rio de Janeiro. Em contrapartida, ÂłR PHUFDGR GH discos brasileiros, no final da dĂŠcada de 20, tambĂŠm estava em ritmo de revolução, com o advento da gravação elĂŠtrica e a instalação de vĂĄrias gravadoras no paĂs >2GHRQ HP H 5&$ HP @´ 9,$11$ S AlĂŠm disso, especificamente em relação ao forrĂł, a emigração de nordestinos para o sudeste ampliava a demanda por Âłcoisas da terra´42. Gonzaga usarĂĄ, por FRQVHJXLQWH ÂłR UiGLR FRPR PHLR H RV PLJUDQWHV QRUGHVWLQRV FRPR S~EOLFR´ SDUD R seu sucesso (ALBUQUERQUE JĂ&#x161;NIOR, 1999, p. 155). Outro fator se colocava como favorĂĄvel ao futuro proeminente de Gonzaga: sua mĂşsica passa a ser incentivada tanto pelo Estado, como por setores 42
Ao freqßentar e participar de festas de forró, o migrante nordestino passava a pensar melhor e mais råpido sobre sua migração e o seu nRYR ³HX´ )(51$1'(6
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intelectualizados do paĂs, devido, respectivamente, ao Estado populista e o problema da nacionalização da mĂşsica brasileira vislumbrado pelos modernistas. Nesse meio, apesar de todo o vai-e-vem da carreira gonzagueana, fez-se o forrĂł. GonzagĂŁo surge, por um lado, na tensĂŁo entre uma regiĂŁo Nordeste em que persistia uma economia de grande fragilidade e insistiam em perdurar as relaçþes tradicionais de poder; de outro, durante os progressos do rĂĄdio e da indĂşstria do disco. Entre um frĂĄgil Nordeste do ponto de vista social e uma crescente indĂşstria fonogrĂĄfica germinava o criador do forrĂł no sudeste do paĂs. Nascido em 13 de dezembro de 1912, Gonzaga era filho de JanuĂĄrio, sanfoneiro que auferia a vida material da famĂlia com o fole da sanfona tocando nas festas da regiĂŁo (CHAGAS, 1990; DREYFUS, 1996; ALBUQUERQUE JĂ&#x161;NIOR, Âł-DQXiULR JDQKDYD D YLGD GD IDPtOLD FRP R IROH 7RFDYD QDV IHVWDV H QRV IRUUyV Âą naquela ĂŠpoca dizia-VH ÂľRV VDPEDVÂś Âą de WRGD UHJLmR´ '5(<)86 S A figura do sanfoneiro era intĂŠrprete social importante na vida cotidiana do sertĂŁo. Gonzaga, imerso na cultura sertaneja e tendo JanuĂĄrio no seio familiar, logo entrara na vida de mĂşsico. Segundo a biĂłgrafa Dominique Dreyfus (1996), em 1926, Luiz Gonzaga, entĂŁo com 14 anos, embarcou na vida artĂstica, comprando sua primeira sanfona atravĂŠs de emprĂŠstimo com um cidadĂŁo local. Um episĂłdio particular colocaria Gonzaga nas forças armadas. JĂĄ no ExĂŠrcito exerceu a função musical de corneteiro, recebendo inclusive apelido de bico de aço pela exĂmia capacidade de tocar o instrumento (CHAGAS, 1990, p. 38). Viajando pelo paĂs a serviço dos militares, contudo, dia-a-dia ia almejando deixar o ExĂŠrcito e ganhar a vida como artista. ÂłNo dia 27 de março de 1939, Gonzaga embarcou num trem para o Rio de -DQHLUR´ '5(<)86 S Aquela data simbolizou o inĂcio concreto da carreira gonzagueana. No Rio, irĂĄ conhecer o Mangue, bairro agitado musicalmente da capital. O local era freqĂźentado por inĂşmeros artistas em busca de trabalho, que tocavam e cantavam em bares e calçadas. Era um lugar movimentado, mas tambĂŠm violento. Nessa ĂŠpoca Gonzaga nĂŁo lembrava das mĂşsicas que ouvia JanuĂĄrio tocar quando jovem. TambĂŠm considerava que a luminosa cidade do Rio de Janeiro nĂŁo era
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OXJDU SDUD DTXHODV P~VLFDV Âłrurais´ Mesmo assim, logo começara a tocar no Mangue e ganhar algum dinheiro. Tocava, contudo, valsas, tangos, choros, foxtrotes, etc., ritmos mais comuns do cenĂĄrio urbano da ocasiĂŁo. Entretanto, viu que o bairro nĂŁo era grande coisa, alĂŠm de ser um espaço nada acautelado Âą Âła ordenação hierĂĄrquica dos espaços pĂşblicos de prĂĄtica musical era paralela Ă respeitabilidade social das respectivas platĂŠias´ 75$9$6626 S 3HQVRX HQWmR prontamente nos programas de calouros, criados em meados dos anos 30, no estilo Ary Barroso43. Apesar disso, tocar tangos e valsas nĂŁo era o estilo de Luiz Gonzaga. Aquilo nĂŁo fazia parte de seu mundo, nem tampouco de suas pretensĂľes como artista. Certo dia, relata Dreyfus, um grupo de cearenses 44 num barzinho do Mangue pedira que Gonzaga tocasse algo da terra. Ele, despreparado na ocasiĂŁo, adiara alegando que isso nĂŁo interessava o povo de lĂĄ GR Âł6XO´ 2V FHDUHQVHV LQVLVWLUDP Prometera, entĂŁo, para uma prĂłxima vez. Chegando o dia, cumpriu sua promessa e tocou, sendo muito aplaudido pelo pĂşblico. Nesta hora SHQVDUD Âłnem valsa, nem tango, ia tocar XPD FRLVD Oi GR 1RUWH R Âľ9LUD H 0H[Hϫ '5(<)86 S 7DQWR R Âł9LUD H 0H[H´ TXDQWR R Âł&KDPHJR´ GH fato nunca foram gĂŞneros musicais autĂ´nomos. NĂŁo passavam, no primeiro caso, de um chorinho, e no segundo, de uma nomenclatura sem autonomia rĂtmica. Precisava-se, entĂŁo, de um gĂŞnero musical mais original. O inĂcio de sua carreira musical nĂŁo foi fĂĄcil. NĂŁo queriam que Gonzaga cantasse, alegando, tanto as rĂĄdios, quanto as gravadoras, que se tratava de um artista de voz feia. O padrĂŁo da ĂŠpoca certamente era o vozeirĂŁo (de timbre grave) de Francisco Alves, Orlando Silva e Nelson Gonçalves. Outra dificuldade estava na questĂŁo tecnolĂłgica: o fole dos sanfoneiros do sertĂŁo era muito rudimentar e nĂŁo No programa de Ary Barroso, interpretando mĂşsicas de nomes da ĂŠpoca, tais como Augusto Calheiros e Carlos Gardel, Gonzaga nĂŁo conseguiria tirar nota superior a 2,5 (numa escala de 0 a 5). Posteriormente, com DV P~VLFDV Âł1R PHX Sp GH VHUUD´ H Âł9LUD H PH[H´ TXH GHSRLV IRL UHEDWL]DGD GH Âł&KDPHJR´ FRQVHJXLX conquistar nota 5 e ainda chamar muita atenção (CHAGAS, 1990; DREYFUS, 1996). 44 Âł1XPD GDV FDVDV QRWXUQDV GR 0DQJXH >*RQ]DJD@ p GHVDILDGR SRU XP JUXSR GH HVWXGDQWHV QRUGHVWLQRs [...] TXH H[LJHP TXH WRTXH DOJR ÂľOi GD WHUUDÂś FRLVD TXH *RQ]DJD WLQKD DEDQGRQDGR 'HSRLV GH WUHLQDU HP FDVD durante semanas, apresenta-VH GLDQWH GRV PHVPRV XQLYHUVLWiULRV WRFDQGR Âľ3p GH 6HUUDÂś H Âľ 9LUD H 0H[HÂś e aplaudido nĂŁo sĂł pelos rapazes, como por WRGD D FDVD´ &+$*$6 S -39).
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tinha recursos harmĂ´nicos suficientes para permitir suntuosas interpretaçþes vocais. Por sua vez, a mĂşsica do Nordeste era pouco difundida na ĂŠpoca. Salvo a embolada que encontrara alguma aceitação do pĂşblico urbano do Sul, as outras expressĂľes do Nordeste rural (repente, banda de pĂfanos, etc.) dificilmente podiam ser difundidas num mercado competitivo e em ascensĂŁo (DREYFUS, 1996, p. 106). Assim, para uma maior repercussĂŁo artĂstica nacional, o Nordeste precisava de um novo ritmo de expressĂŁo. Gonzaga, junto com o seu primeiro grande parceiro, +XPEHUWR 7HL[HLUD IDULDP HVVH ULWPR R %DLmR Âł)RL FRP D VHJXQGD >D SULPHLUD IRL Meu PĂŠ de Serra] parceria com Humberto THL[HLUD LQWLWXODGD Âľ%DLmRÂś >DQRV @ TXH /XL] *RQ]DJD IH] VXD HQWUDGD WULXQIDO QD KLVWyULD GD P~VLFD SRSXODU EUDVLOHLUD´ (DREYFUS, 1996, p. 110). A chamada questĂŁo nordestina foi, relacionalmente, um fator sumamente importante, pois o forrĂł surgiu no Nordeste e este fato sempre foi muito reiterado SHODV GLIHUHQWHV YHUWHQWHV GR IRUUy DWUDYpV GR WHUPR ÂłforrĂł de raiz´ (FERNANDES, 2004). Vale salientar tambĂŠm que, genericamente, nas obras que tratam da mĂşsica popular brasileira pouco ou quase nada se fala na palavra baiĂŁo, nem tampouco forrĂł, durante os anos 20 ou 30. Fala-se em samba, polcas, valsas, tangos, mazurcas, schottisch e atĂŠ novidades dos EUA como fox-trot e charleston. Do lado nacional ouviam-se maxixes, modas, marchas, cateretĂŞs e desafios sertanejos. Entretanto, nĂŁo hĂĄ referĂŞncias ao gĂŞnero institucionalizado baiĂŁo/forrĂł45. DaĂ que o BaiĂŁo sĂł pode ser um movimento dos anos 40. Foi o verdadeiro manifesto de uma nova mĂşsica inventada pela dupla Gonzaga e Teixeira. Havia jĂĄ algum princĂpio de gĂŞnero musical regional anterior ao baiĂŁo, mas nada com autonomia rĂtmica. O baiĂŁo, no entanto, foi um fenĂ´meno singular. Por exemplo, o Âł[RWH´ KRMH EDVWDQWH DOXGLGR WUDWD-VH GH XPD ÂłYHUVmR EUDVLOHLUD GD schottisch, dança A histĂłria da mĂşsica popular brasileira ĂŠ didaticamente clara quando pensada em termos dos grandes movimentos musicais e dos gĂŞneros mais abrangentes em termos de territĂłrio nacional. A Bossa Nova surge no final dos anos 1950, tendo JoĂŁo Gilberto e Antonio Carlos Jobim como representantes maiores. O tropicalismo e a Jovem Guarda datam dos anos 1960. Na dĂŠcada de 1980 ocorre a popularização do rock nacional - embora jĂĄ houvesse rock desde os anos 1950 (VIANNA, 2007). Entretanto, a histĂłria dos chamados mercados regionais ĂŠ mais restrita. Os mercados do forrĂł e da lambada nos anos 1970 e do sambareggae na Bahia nos anos 1980 ainda carecem de maiores referĂŞncias.
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de salĂŁo muito difundida em meados do VpFXOR ;,; QD (XURSD´ '5(<)86 p. 110). No Brasil teve grande aceitação, sendo adaptada Ă gaita no Rio Grande do Sul e ao fole do acordeom no Nordeste. O mesmo aconteceu, por exemplo, com a nossa modinha. Segundo Vianna (2007), a modinha brasileira foi uma maneira, inventada por mulatos das camadas populares, de se tocar as modas Âą cançþes lĂricas Âą portuguesas, privilegiando temas amorosos, acompanhadas por instrumentos de FRUGDV JHUDOPHQWH R YLROmR 2 Âł[D[DGR´ SRU VXD YH] HUD XPD GDQoD UXGH GRV cangaceiros que, refugiados e na carĂŞncia de mulheres nos bandos, dançavam com os rifles pisoteando a chinela no chĂŁo de areia. TambĂŠm nĂŁo iria se configurar como gĂŞnero autĂ´nomo 46. Era algo fundamentalmente voltado para a dança. Com o baiĂŁo, porĂŠm, a coisa mudou de perspectiva. Dreyfus (1996, p. 110112) afirma que o termo baiĂŁo, sinĂ´nimo de rojĂŁo, jĂĄ existia antes do fenĂ´meno Gonzaga. Designava, na linguagem dos repentistas do Nordeste, o fragmento ou WUHFKR ÂłWRFDGR SHOD YLROD TXH SHUPLWH DR YLROHLUR WHVWar a afinação do instrumento e esperar a inspiração, assim como introduz o verso do cantador ou pontua o final de GDGD HVWURIH´ $OEXTXHUTXH -~QLRU S WDPEpP GHVWDFD HVVD DVVHUWLYD DR PHQFLRQDU TXH R EDLmR ÂłHUD R GHGLOKDGR GD YLROD RX D PDUFDoĂŁo rĂtmica feita em seu ERMR SHORV FDQWDGRUHV GH GHVDILR HQWUH XP YHUVR H RXWUR´ 7RGDYLD R JrQHUR PXVLFDO baiĂŁo *RQ]DJD FULRX H R VHX KLQR IRL D P~VLFD KRP{QLPD ÂłBaiĂŁo´ &kPDUD &DVFXGR (2001, p. 42) destaca que, apĂłs a dĂŠcada de 1940, mais precisamente a partir do ano de 1946, o Âłsanfoneiro pernambucano LuĂs Gonzaga divulgou, pelas estaçþes de rĂĄdio do Rio de Janeiro, o baiĂŁo, modificando-o com a inconsciente influĂŞncia local GRV VDPEDV H GDV FRQJDV FXEDQDV´ Gonzaga planejara o BaiĂŁo. Embora muita coisa tenha ocorrido no improviso, principalmente a parte empresarial, na vontade tudo estava muito orquestrado. Fez-se, Todavia, Dreyfus (1996, p. 140) alerta que mesmo assim ÂłHP IRL D YH] GR [D[DGR FXMD apresentação motivou grande festa, com a presença de vedetes e ampla cobertura de O Cruzeiro´ 2 [D[DGR segundo LuĂs da Câmara Cascudo (2001, p. 748-749), tratava-VH GH XPD ÂłGDQoD H[FOXVLYDPHQWH PDVFXOLQD originĂĄria do alto sertĂŁo de Pernambuco, divulgada atĂŠ o interior da Bahia pelo cangaceiro LampiĂŁo e os cabras do seu grupo. Dançam-na em cĂrculo, fila indiana, um atrĂĄs do outro, sem volteio, avançando o pĂŠ direito em trĂŞs e quatro movimentos laterais e puxando o esquerdo, em um rĂĄpido e deslizado sapateado [...] Xaxado ĂŠ a onomatopĂŠia do rumor xa-xa-xa das alpercatas arrastadas no solo [...] falhou como dança de sala SRUTXH QmR p SRVVtYHO DWXDomR IHPLQLQD Âľ2 ULIOH p D GDPDÂś > @´ 46
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segundo Albuquerque JĂşnior (1999), uma recriação comercial de uma sĂŠrie de sons, ritmos e temas folclĂłricos do Nordeste. Gonzaga inaugurou o trio instrumental composto por sanfona, zabumba e triângulo e, alĂŠm dessa trĂade original, buscando se aproximar das raĂzes sertanejas, começou a compor a sua prĂłpria imagem de nordestino, na qual o chapĂŠu de couro foi sua marca registrada. De acordo com CKLDQFD S ÂłFRP /XL] *RQ]DJD R EDLmR R [D[DGR H R [RWH IRUDP popularizados e sintetizados numa expressĂŁo urbana, representando a mĂşsica regional QRUGHVWLQD´ RX QDV SDODYUDV GH $OEXTXHUTXH -~QLRU S UHSUHVHQWDQGR ÂłD voz do NordesWH´ Tradicionalmente, o forrĂł se torna uma Âłarte do Nordeste, a sua mais importante e rica produção, o seu grande instrumento identitĂĄrio [...] Passa a ser D P~VLFD GR ÂľSRYR QRUGHVWLQRϫ /,0$ S - 238). Os temas das mĂşsicas podiam ser ajuizados, quando tratavam dos problemas do homem sertanejo, ou cĂ´micos, quando falavam dos detalhes do dia-a-dia. A mĂşsica gonzagueana Ă s vezes lembra o aboio 47 dos vaqueiros tangendo o gado; Ă s vezes lembra oraçþes sobre o drama do homem pobre do sertĂŁo (DREYFUS, 1996, p. 121). De acordo com Albuquerque JĂşnior (1999), nĂŁo ĂŠ somente o ritmo que vai instituir uma escuta do Nordeste, mas tambĂŠm as letras, o sotaque, as expressĂľes usadas, os elementos culturais expostos e a prĂłpria voz gonzagueana. Esses elementos (o vestuĂĄrio, a hexis corporal, etc.) em conjunto irĂŁo significar culturalmente toda uma regiĂŁo. Luiz Gonzaga trouxe para o forrĂł um repertĂłrio temĂĄtico bastante diversificado. Pueril ou nĂŁo, o forrĂł gonzagueano representou as condiçþes de vida de uma parte do povo nordestino, sobretudo aquele que estava Ă mercĂŞ das benesses do litoral que desigual e rapidamente se urbanizava. De acordo com Silva (2003, p. 88), Gonzaga cantou a seca; cantou a triste partida do povo nordestino para as terras do Sul; cantou a chuva, grande alegria do pobre agricultor sertanejo; cantou o verde da mata, a aridez do agreste e as asperezas da caatinga; cantou tambĂŠm os rios, a fauna (jumento, assum-preto, acauĂŁ, o sabiĂĄ, o 47 Âł&DQWR WULVWH GROHQWH WtSLFR do boiadeiro nordestino, composto sĂł de vogais e indispensĂĄvel na condução GD ERLDGD´ Ă&#x2020;1*(/2 S
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gogĂł da ema e o vem-vem) e a flora (coqueiro, embuzeiro e o juazeiro); cantou a geografia nordestina, homenageando cidades (Penedo, Porto Calvo, MaceiĂł, Recife, Pesqueira, Caruaru, Garanhuns, Campina Grande, PiancĂł, Salgueiro, BodocĂł e Exu), aspectos da cultura popular (feira-livre, boi-bumbĂĄ, festas de SĂŁo JoĂŁo) e, como nĂŁo poderia faltar, cantou personagens tĂpicos do cenĂĄrio humano nordestino, tais como cangaceiros (LampiĂŁo), violeiros, vaqueiros, viajantes, boiadeiros, romeiros, caçadores, Frei DamiĂŁo, Padre CĂcero e, ĂŠ claro, o sanfoneiro. Cantou tambĂŠm o SĂŁo JoĂŁo, instituindo-o como gĂŞnero junino por excelĂŞncia. Âł3RGH-se afirmar, sem sombra de dĂşvidas, que a mĂşsica, notadamente o gĂŞnero que ficou conhecido como o forrĂł, com suas variaçþes como o xote, o xaxado e o baiĂŁo, ĂŠ a grande vedete e a responsĂĄvel pelo suFHVVR GD IHVWD MXQLQD´ /,0$ S Fez tambĂŠm muitos versos crĂticos (evidentemente que dentro de certo tradicionalismo); no entanto, certas contradiçþes das disparidades regionais nĂŁo ficaram despercebidas. Denunciou a exploração do homem sertanejo pelos fazendeiros e denunciou governos pela inoperância para com os problemas mais imediatos do Nordeste, sobretudo a seca, a fome e a violĂŞncia. Tudo isso num ritmo dançante! Na anĂĄlise temĂĄtica realizada por Santos (2004, p. 105-133) podem ser encontrados os seguintes temas centrais na obra musical de Gonzaga: a) A crueldade da seca e a migração, temĂĄtica representada principalmente pelas letras de Asa Branca (Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira); LĂŠgua Tirana (Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira); ParaĂba (Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira) e Vozes da Seca (Luiz Gonzaga e ZĂŠ Dantas). b) A proteção divina, representada pelas letras de A Volta da Asa Branca (Luiz Gonzaga e ZĂŠ Dantas); BaiĂŁo da Garoa (Luiz Gonzaga e HervĂŞ Cordovil) e SĂŁo JoĂŁo do Carneirinho (Guio de Moraes e Luiz Gonzaga), alĂŠm das jĂĄ citadas Asa Branca e LĂŠgua Tirana. c) A relação homem/natureza, exemplificada pelas cançþes AcauĂŁ (ZĂŠ Dantas), Asa Branca, A Volta da Asa Branca e BaiĂŁo da Garoa.
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d) O desejo de retorno e o contraste entre o Nordeste e o Sudeste, representada por No Meu PĂŠ de Serra (Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira); Vou pra Roça (Luiz Gonzaga e ZĂŠ Ferreira); No CearĂĄ NĂŁo tem Disso NĂŁo (Guio de Moraes); PropriĂĄ (Guio de Moraes e Luiz Gonzaga); Noites Brasileiras (Luiz Gonzaga e ZĂŠ Dantas); Riacho do Navio (Luiz Gonzaga e ZĂŠ Dantas), alĂŠm da alegĂłrica Asa Branca. 3DUD 6DQWRV S D FUXHOGDGH GD VHFD H D PLJUDomR PDUFDP ÂłD WULVWH sina do sertanejo que sofre com a falta de chuva e a migração para os grandes FHQWURV´ $ SURWHomR GLYLQD UHSUHVHQWD ÂłD HVSHUDQoD FHOHVWLDO DSRQWDGD FRPR DOWHUQDWLYD SDUD D RFRUUrQFLD GH FKXYD´ $ UHODomR KRPHP QDWXUH]D p H[SUHVVD SHOD ÂłDVVRFLDomR GH SiVVDURV H RXWURV DQLPDLV DR FRWLGLDQR GD VHFD´ ( SRU ILP R GHVHMR de retorno e o contraste entre o Nordeste e R 6XGHVWH DQXQFLDP ÂłR GHVHQFDQWR H D VDXGDGH GD WHUUD QDWDO H D WULVWH]D GDV UHODo}HV VRFLDLV´ Âł$ FDUDFWHUtVWLFD LQFRQIXQGtYHO GD REUD GH /XL] *RQ]DJD p R HVSHOKR TXH HOH traça do sentimento nordestino. Fazia isso mostrando todas as manifestaçþes da RegimR H GR SRYR´ 2/,9(,5$ S Sua mĂşsica, que ora pede, ora agradece; que ora tece crĂticas, ora mostra a alegria do cotidiano da regiĂŁo, representou para o Brasil um novo gĂŞnero musical, seja na dança, seja nas melodias. Gonzaga foi ator ativo na construção de um ritmo musical e na representação simbĂłlica de uma regiĂŁo, condicionador e condicionado, ator e espectador, senhor e sujeito de suas cançþes. O que virĂĄ depois ĂŠ, em menor ou maior grau, fruto deste movimento cultural iniciado nos anos 1940. Criou, portanto, o que nas Ăşltimas dĂŠcadas se convencionou chamar genericamente de forrĂł, ritmo tĂŁo emblemĂĄtico do Nordeste e que se espalhou pelo Brasil. Hoje forrĂł significa, grosso modo, o conjunto da mĂşsica popular nordestina oriunda dessa conjuntura histĂłrica Âą apesar de sua diversidade. Ă&#x2030; importante salientar esse sentido, pois a palavra forrĂł, de acordo com a ĂŠpoca em que ĂŠ empregada, nĂŁo tem exatamente o mesmo significado. Igualmente D SDODYUD ÂłVDPED´ D SDODYUD ÂłIRUUy´ IRL se modificando no decorrer do sĂŠculo. AtĂŠ os anos 50, forrĂł significava
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ÂľEDLOHÂś GHSRLV SDVVRX D GHVLJQDU R FRQMXQWR GD P~VLFD GR 1RUGHVWH +RMH HP GLD forrĂł ĂŠ um gĂŞnero musical com certa autonomia rĂtmica (DREYFUS, 1996, p. 198). $ HWLPRORJLD GD SDODYUD ÂłIRUUy´ p FRQWURYHUVD. Por um lado, o termo seria uma contração de forrobodĂł ÂłSDODYUD TXH GHVLJQDULD HP FHUWDV ORFDOLGDGHV GR Nordeste um baile, uma festa dançante. DaĂ derivaria o termo genĂŠrico e amplo ÂľIRUUyÂś FRPR XPD GHVLJQDomR GD P~VLFD TXH DOL VH WRFDYD´ &+,$1&$ . Outra versĂŁo teria sua etimologia encontrada, por exemplo, na mĂşsica For All para todos, de Geraldo Azevedo & Capinam, lançada em 1982 (CHIANCA, 2006) 48. 1DV SDODYUDV GH &DVFXGR S IRUUy VLJQLILFD D ÂłP~VLFD H GDQoD surgida por volta da segunda metade do sĂŠculo XX, com a migração de nordestinos SDUD %UDVtOLD 5LR GH -DQHLUR H 6mR 3DXOR´ THP VXD RULJHP H[SOLFDGD WDPEpP ÂłQRV EDLOHV TXH RV FKDPDGRV ÂľJULQJRVÂś UDGLFDGRV QR 1RUGHVWH GR SDtV SURPRYLDP for all, ou seja, para todos [...] De for all parD IRUUy WHULD VLGR XPD SDVVDJHP QDWXUDO´ &$6&8'2 S )RUURERGy SRU VXD YH] VLJQLILFD ÂłGLYHUWLPHQWR SDJRGHLUR IHVWDQoD ÂľApĂłs a tal seção houve um grande forrobodóœ´ &$6&8'2 2001, p. 250). Certamente, no vai-e-vem dessa controvĂŠrsia histĂłrica se explica algo da etimologia do termo. Voltando a Gonzaga, as parcerias musicais em sua vida foram elementos nevrĂĄlgicos em sua carreira. AlĂŠm de Humberto Teixeira, a partir de 1950 firmaria com ZĂŠ Dantas uma amizade pela qual nasceria uma segunda grande sociedade musical. As secas constantemente
levavam mais
nordestinos ao centro-sul,
aumentando, potencialmente, o pĂşblico de Gonzaga. Cada vez mais crescia seu S~EOLFR RXYLQWH 1R GL]HU GH 'UH\IXV S Âł/XL] *RQ]DJD SULPHLUR produto industrial da cultura nordestina, tinha se tornado um fenĂ´meno de massa, FRPSDUiYHO QXP QtYHO QDFLRQDO DRV IXWXURV (OYLV 3UHVOH\ H %HDWOHV´ (P assinou contrato com a RĂĄdio Nacional, sonho de qualquer artista do perĂodo. Âł(VVD FDQomR IDOD GD SUHVHQoD GD Great Western of Brasil Railway Co. no Nordeste, como encarregada da construção das ferrovias brasileiras do inĂcio do sĂŠculo XX atĂŠ os anos de 1950, quando foi estatizada. Ainda segundo essa versĂŁo, seus operĂĄrios Âą de origem inglesa Âą tinham o hĂĄbito de organizar bailes nas suas noites de repouso. A fim de sinalizar abertura Ă população local, esses bailes indicavam ÂľIRU DOOÂś [para todos] na HQWUDGD 'Dt D FRQWUDomR H R ÂľDEUDVLOHLUDPHQWRÂś GR WHUPR´ &+,$1&$ S 48
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Ă&#x2030; sempre importante salientar que, segundo Albuquerque JĂşnior (1999, p. 158), Gonzaga fez parte de uma geração de artistas da chamada mĂşsica popular EUDVLOHLUD ÂłQmR SRU VHU IHLWD SHODV FDPDGDV SRSXODUHV PDV SDUD DV FDPDGDV populares. Uma mĂşsica comercial, que tinha o rĂĄdio o seu principaO YHtFXOR´ Em outras palavras: foi um produto da indĂşstria cultural. 3URQWDPHQWH FRP R DYDQoR GHVVD LQG~VWULD PXVLFDO YROWDGD DR ÂłQRUGHVWLQR´ seu trabalho estava dando muitos frutos e jĂĄ começavam a surgir novos compositores nordestinos nos idos dos anos 50, tais como Sivuca, Jackson do Pandeiro e Luiz %DQGHLUD 6HJXQGR 'UH\IXV PXLWDV SHVVRDV Mi HUDP Âłalguma coisa do baiĂŁo´ R prĂncipe era Luiz Vieira; a princesinha seria mais tarde Claudete Soares; o barĂŁo seria Jair Alves. MarinĂŞs, primeira mulher a cantar forrĂł, seria a rainha do xaxado. Se jĂĄ cantava seus nĂşmeros Mais empolgada ficou, (UD Âľ3HED QD 3LPHQWDÂś +DMD Âľ3LVD QD )XO{Âś Por devassar essas praias &RPR Âľ*RQ]DJD GH 6DLDVÂś A imprensa batizou (MONTEIRO, 2007).
Se todos eram alguma coisa do forrĂł, afinal, Gonzaga sĂł poderia ser o rei! Ă&#x201A;ngelo (1990) ressalta tambĂŠm CarmĂŠlia Alves, a rainha do baiĂŁo, tĂtulo dado pelo SUySULR *RQ]DJD Âł$LQGD HP QR DXJH GR VXFHVVR R SUySULR /XL] *RQ]DJD PH FRURX ÂľUDLQKDÂś HP VHX SURJUDPD Âľ1R 0XQGR GR %DLmRÂś GD rĂĄdio Mayrink Veiga, Rio. ( HQWmR ILFRX DVVLP HOH R ÂľUHLÂś H HX D ÂľUDLQKDÂś GR EDLmR 3HJRX FRPR VH YLX´ (CarmĂŠlia Alves apud Ă&#x201A;NGELO, 1990, p. 35). Com o sucesso em marcha, algumas mudanças no trabalho de Gonzaga jĂĄ eram visĂveis. O conceito de mĂşsica engajada nĂŁo existia na ĂŠpoca, mas a denĂşncia contida em sua mĂşsica marcava profundamente o seu estilo, procurando traduzir muitos problemas do Nordeste (secas, disputas de famĂlia, fome, etc.). Entretanto, as letras de duplo sentido estavam muito presentes, Ă s vezes bem humoradas, Ă s vezes nĂŁo. Tome-se o exemplo da mĂşsica Peba na Pimenta49, em disco de MarinĂŞs
49 Peba Na Pimenta - Artista: MarinĂŞs. Autor(es): JoĂŁo do Vale, JosĂŠ Batista, Adelino Rivera. 1995. Gravadora: Sony-BMG.
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(DREYFUS, 1996), que causou grande polĂŞmica na ĂŠpoca por causa de sua dupla acepção. AliĂĄs, Ă ĂŠpoca jĂĄ se discutia o carĂĄter polĂŞmico de algumas mĂşsicas de Gonzaga. FlĂĄvio Cavalcanti Âłquebrou um disco meu em pĂşblico por achar que uma mĂşsica (Siri Jogando Bola...) era indecente. O FlĂĄvio disse que as minhas mĂşsicas e GH PHXV SDUFHLURV HUDP EHVWDV LQGHFHQWHV H JURVVHLUDV´ /XL] *RQ]DJD apud Ă&#x201A;NGELO, 1990, p. 57). A questĂŁo da sexualidade nas mĂşsicas nĂŁo estava ausente e, vira e mexe, vinha a pĂşblico. De certa forma, ao contrĂĄrio do que hoje comumente se imagina, o forrĂł sempre teve apelo erĂłtico, conforme lembra a antropĂłloga Luciana Chianca em entrevista ao Jornal Tribuna do Norte. Basta lembrar que a insinuação sexual jĂĄ estĂĄ presente hĂĄ dĂŠcadas na nossa mĂşsica: nos primĂłrdios foi o prĂłprio L. Gonzaga, que empregava trocadilhos e insinuaçþes SDUD IDODU GD PHVPD FRLVD $VVLP WRGR PXQGR ÂľIXQJRX D &DUROLQDÂś H dançou ÂľFRVVDFR IRUDÂś $OJXPDV GpFDGDV GHSRLV QXP UHJLVWUR GLIHUHQWH Âą o do duplo sentido Âą *HQLYDO /DFHUGD ILFRX GH ROKR ÂľQD EXWLTXH GHODÂś H DQLPRX PLOKDUHV GH IRUUyV > @ 3DVVDUDP RV DQRV H D OLQJXDJHP VH[XDO IRL VH H[SOLFLWDQGR 'H ÂľWFKDQ HP WFKDQÂś chegamos na calcinha (TRIBUNA DO NORTE, 30. jul. 2004).
Entrementes, entre o sucesso notĂĄvel e as pontuais polĂŞmicas, ao tĂŠrmino de 1957, Gonzaga alcançara seu objetivo: lançar firmemente um gĂŞnero musical, inclusive, com discĂpulos. Surgira, por exemplo, o Trio Nordestino, com Dominguinhos50 Âą sanfoneiro de renome nacional Âą, empresariado na ĂŠpoca por Helena, mulher de Gonzaga. O forrĂł logo se espalhara pelo paĂs pelas mĂŁos de Gonzaga. Mas em seguida viria o declĂnio. Com a eleição de Kubitschek em 1956, surgia um Brasil novo: de BrasĂlia, do cinema, do concretismo, da Bossa Nova, da Jovem Guarda, da televisĂŁo... Um Brasil urbano... Os adolescentes trocavam o som da sanfona pelo do violĂŁo, instrumento mais urbanizado. Esse refluxo em sua carreira, coincidiu com os primeiros ecos da bossa nova, que se intensificaram com os ruidosos sons das guitarras elĂŠtricas dos cabeludos da jovem guarda. Recolhido em seu sorriso largo e nas reminiscĂŞncias do perĂodo ĂĄureo do baiĂŁo e de sua vida artĂstica, Luiz esperou que a marĂŠ passasse (OLIVEIRA, 1991, p. 61).
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Falecido em 23 de julho de 2013, um ano apĂłs a conclusĂŁo desta pesquisa.
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Nessa fase de decaimento o baiĂŁo entra, de certa forma, num gueto. Gonzaga sem grandes platĂŠias nas capitais investiu pelo interior do paĂs, lĂłcus que sempre teve muito pĂşblico. Tocou nos locais mais distantes (em circos, em cima de caminhĂľes, comĂcios, etc.), indo de carro, caminhonete, aviĂŁo, barco, etc. Essa inversĂŁo de S~EOLFR IH] *RQ]DJD YLDMDU SRU WRGR R SDtV &KDJDV S DSRQWD TXH ÂłPHVPR afastado dos grandes veĂculos de comunicação de massa, com o surgimento da televisĂŁo, da bossa nova e da Jovem Guarda, sucessivamente, nunca deixou de se DSUHVHQWDU´ Abatido e consciente de sua marginalização como artista, Luiz Gonzaga lança ÂłPronde Tu Vai, BaiĂŁo, verdadeiro manifesto de sua revolta, composta por JoĂŁo do 9DOH H 6HEDVWLmR 5RGULJXHV´ '5(<)86 S &RQWXGR R FRQWH~GR GDV demais mĂşsicas contidas no disco Festa do Milho Âą disco que continha a mĂşsica citada Âą era leve, festivo e jĂĄ indicava o preâmbulo do forrĂł que ia se popularizar na dĂŠcada seguinte. Tal canção, entretanto, jĂĄ foi um recomeço para o artista. ZĂŠ Dantas, grande parceiro musical em composiçþes, faleceu em 1962. No mesmo ano que morre ZĂŠ Dantas, Gonzaga conhece seu terceiro maior parceiro: JoĂŁo Silva, que marcaria uma espĂŠcie de segunda fase de sucesso. Essa fase coincide com D VXFHVVmR PXVLFDO VHJXLQWH PDUFDGD SHOR TXH *RQ]DJD FKDPDYD GH ÂłRV FDEHOXGRV´ (em alusĂŁo a Caetano Veloso, por exemplo). [...] foi a prĂłpria nova geração de compositores Âą sobretudo os papas do Tropicalismo, Gil e Caetano Âą que proclamou solenemente que a moderna canção popular brasileira deitava raĂzes tambĂŠm na arte atemporal de Luiz Gonzaga (OLIVEIRA, 1991, p. 61).
$ ³FDEHOXGD´ VXFHVVmR YLQKD VXUJLQGR GH Sp ILUPH H FRP D FDEHoD FKHLD GH idÊias novas, que iam levar Luiz Gonzaga novamente às luzes da ribalta. Em 1965, *HUDOGR 9DQGUp ³TXH QmR JUDYDYD TXDOTXHU EHVWHLUD´ JUDYRX Asa Branca (DREYFUS, S 1DV SDODYUDV GH &KDJDV S ³FRXEH D *HUDOGR VandrÊ, em seu disco de 1965, Hora de Lutar, a primazia de apresentar Luiz *RQ]DJD jV QRYDV JHUDo}HV´
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Encabeçando desde 1967 o futuro da MPB, Caetano Veloso e Gilberto Gil seriam influenciados por Beatles, João Gilberto e, tambÊm, por Luiz Gonzaga. Gilberto Gil, aliås, declarava na Êpoca sobre *RQ]DJD ³$ SULPHLUD JUDQGH FRLVD VLJQLILFDWLYDPHQWH GR SRQWR GH YLVWD GD FXOWXUD GH PDVVD QR %UDVLO´ *LOEHUWR *LO apud DREYFUS, 1996, p. 244). Caetano, exilado em Londres durante a ditadura militar, chega a gravar Asa Branca. De acordo com Albuquerque Júnior (1999, p. p VRE D LQIOXrQFLD GR WURSLFDOLVPR TXH *RQ]DJD p YLVWR FRPR ³H[SUHVVmR GD evolução da música popular em direção à modeUQLGDGH´ (VVD UHGHVFREHUWD WURX[H Gonzaga de volta, todavia, em um retorno distinto. Gonzaga estava com dificuldades financeiras. TambÊm estava com dificuldades para compor. Quando Rildo Hora [que passou a produzir os discos de *RQ]DJD@ ³FKHJRX FRP XPD QRYD SURSRVWD IDODQGR GH HIHLWRV HVSHFLDLV GH HPSRVWDU a voz, de eco, delay, reverb, etc. e tal, Gonzaga aceitou sem discussão. Quem sabia HUDP RV MRYHQV SHQVDYD HOH ID]HQGR R TXH OKH GL]LDP´ '5(<)86 S Gravar o nordestino nos anos 70 era rentåvel. Muitos gravaram, por exemplo, a música Asa Branca. Em meados dos anos 70 o tom das letras jå ganhava um tom mais cômico, jocoso. A temåtica do homem nordestino jå não era mais tão dominante. Nos anos 70, ou mais especificamente no final da dÊcada, Gonzaga jå não era mais o único grande cantor de música nordestina. Jå tinha Marinês, Genival Lacerda, ZÊ Gonzaga, Trio Nordestino, etc. Muitos o imitavam. Segundo Dreyfus (1996), havia e não havia motivo para Gonzaga se aborrecer. Havia porque o forró estava virando progressivamente produção do tipo techno-music [mais tarde, nos anos 1990, chegou-se a apelidar de oxente-music, saldo de um termo popular do Nordeste e uma palavra de procedência inglesa, que a conexão soa, em certo sentido, como protesto a descaracterização (CHIANCA, 2006)], com bateria eletrônica, sintetizadores, tråfico GH YR] H ³REVFHQLGDGHV´ QDV OHWUDs. Por outro lado, estava tambÊm nascendo uma outra geração: Raimundo Fagner, Geraldo Azevedo, Alceu Valença, ZÊ Ramalho, Elba Ramalho, Belchior, e de certa forma, Raul Seixas. Havia tambÊm Dominguinhos, sua FULD GLUHWD ³$ P~VLFD GR 1RUGHVWH HVWDYD WRPDQGo nova
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orientação. JĂĄ nĂŁo eram exatamente o baiĂŁo, o xote, o xaxado, a toada que LQWHUHVVDYDP R S~EOLFR XUEDQR PDV R ÂľIRUUyϫ '5(<)86 ForrĂł passa entĂŁo a designar, alĂŠm de uma dança e de um espaço, um gĂŞnero musical. Deixa de ser simplesmente baile e passa a ser mais uma opção de mĂşsica para o pĂşblico urbano. De acordo com Chianca (2006, p. 87), o termo forrĂł passa a GHVLJQDU D SDUWLU GRV DQRV ÂłWDQWR R JrQHUR PXVLFDO TXDQWR D GDQoD TXH R acompanha, assim como o baile onde ele serĂĄ tocado/dançado: dança-se forrĂł num IRUUy HQTXDQWR VH HVFXWD XP IRUUy´ Na dĂŠcada de 1980 Âą dĂŠcada em que recebeu o apelido de GonzagĂŁo Âą Gonzaga evolui bastante, adaptando-VH DV WHQGrQFLDV GD PRGD Âł1HVVH DQR > @ Gonzaga [lança] o LP Homem da Terra, uma verdadeira xaropada, cheia de violinos, cellos, bateria e baixo elĂŠtrico, totalmente estranhos Ă arte de Luiz Gonzaga´ (DREYFUS, 1996, p. 288-289). Estava ocorrendo uma mudança substancial em seu estilo Âą para alguns algo ruim, para outros apenas o aprimoramento de um artista popular. Importante ĂŠ lembrar que o prĂłprio Gonzaga foi ator ativo nesta mudança, que se deu paulatinamente desde o inĂcio de sua carreira nos anos 40 atĂŠ 1989, ano de sua morte Âą IDOHFHX ÂłQR DPDQKHFHU GR GLD GH DJRVWR GH GHSRLV GH Iicar LQWHUQDGR GXUDQWH GLDV QR KRVSLWDO 6DQWD -RDQD QR 5HFLIH´ &+$*$6 S 34). Ă&#x20AC;s cinco e vinte minutos do dia dois de agosto a morte mais uma vez deixou seu macabro posto e matou Luiz Gonzaga nos dando imenso desgosto [...] Quantas vezes o nordeste jĂĄ sofreu com o clamor de secas impiedosas agora chora de dor a triste e definitiva partida de seu cantor (SILVA, 2005).
Historicamente, ĂŠ possĂvel afirmar que o que sucede a esses fatos ĂŠ, em grande parte, decorrĂŞncia, Ă s vezes direta, Ă s vezes indireta, desse retrospecto. A dĂŠcada de 1990 significarĂĄ o que Silva (2003) classificou como segunda crise do
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baiĂŁo, ou seja, a morte de Gonzaga (a primeira tinha sido o surgimento da Bossa Nova). Com a morte do rei do baiĂŁo, novas formas de fazer o forrĂł estavam por nascer.
3.2 O SURGIMENTO DAS BANDAS ELETRIZADAS DE FORRĂ&#x201C;
Luiz Gonzaga criara uma reelaboração da mĂşsica primitiva regional. Criara nĂŁo apenas um ritmo, mas uma forma de falar e de cantar os problemas do homem do campo. Fez carreira como um fenĂ´meno da mĂşsica popular brasileira, contudo, sem tornar-se um sĂmbolo de artista milionĂĄrio. Sua simplicidade marcou-lhe a carreira. Ă&#x201A;ngelo (1990, p. 46) lembra que Gonzaga jamais representou o tipo do artista que aproveitou, para fins de acĂşmulo de riqueza pessoal, da indĂşstria cultural e suas estratĂŠgias de enriquecimento comercial. Foi um artista que inclusive fez muitas apresentaçþes filantrĂłpicas, fazendo muitas doaçþes do prĂłprio bolso e, se lhe restava algum conforto material em casa, era devido a sua esposa Helena que administrava suas receitas Âł1mR WLQKD R HVStULWR DFXPXODGRU GH ULTXH]D PHVPR QDV pSRFDV iXUHDV GR VHX VXFHVVR´ 0HOR apud Ă&#x201A;ngelo, 1990, p. 46). Contudo, apesar da pouca ambição gonzagueana, o voraz e crescente mercado forrozeiro nĂŁo partilhava de sua falta de pretensĂŁo e ambicionava ampla expansĂŁo. O PRPHQWR ÂłeletrĂ´nico´ QR IRUUy, comercialmente falando, estava por brotar 51. Os anos seguintes apĂłs a morte de Gonzaga ganham nova conotação. O cenĂĄrio ĂŠ outro e a significação do gĂŞnero musical se configura mais urbanizada. Novos temas estĂŁo presentes nas composiçþes e novos instrumentos entram em cena. Chianca (2006) mostra que de 1975 em diante [embora as mudanças mais substanciais tenham ocorrido no final dos anos 80], surge uma nova geração de forrozeiros, produzindo um forrĂł dirigido fundamentalmente Ă s camadas urbanas. Segundo Trotta (2008, p. 10):
9DOH GHVWDFDU TXH HVVH PRPHQWR ³HOHWU{QLFR´ QD P~VLFD SRSXODU EUDVLOHLUD p EHP DQWHULRU DR IRUUy WHQGR no Tropicalismo, na Jovem Guarda e nas atuais micaretas (carnavais fora de Êpoca) tambÊm expressþes fundadoras.
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126 Para os jovens habitantes de cidades como Campina Grande, Feira de Santana, Garanhuns ou Caruaru, o interior nordestino imaginado atravÊs das obras de Luiz Gonzaga (o sertão, a seca, a pobreza, a ingenuidade) refere-se a algo distante no tempo e no espaço, retrato musical de uma Êpoca e de um conjunto de idÊias e pensamentos que simplesmente não existe mais. Esse jovem urbano do interior desenvolve novos modelos de identificação musical, aproximando tradiçþes musicais locais de suas pråticas e imaginårios cotidianos como o shopping center ou o último lançamento cinematogråfico norte-americano.
'HVWH PRGR WRGR XP PHUFDGR PXVLFDO ÂłXUEDQR´ SDXODtinamente vai se criando em torno de um jovem forrĂł que pouco a pouco vai se modernizando e adquirindo elementos de outros gĂŞneros da cultura pop. A indĂşstria cultural toma as rĂŠdeas da sanfona e, num contexto histĂłrico em que a modernização ĂŠ demasiadamente desejada em certas ĂĄreas perifĂŠricas, o elemento eletrĂ´nico ganha força como expressĂŁo de novas perspectivas econĂ´micas, culturais, sociais e polĂticas. Silva e HonĂłrio (2004, p. 16) apontam que o forrĂł, longe da expressĂŁo alegĂłrica e regional do pĂŠ-de-serra LQVHULGR QR FDPSR GD LQG~VWULD FXOWXUDO ÂłJDQKD uma nova roupagem, adequando-se Ă dinâmica social e Ă s regras impostas pelo VLVWHPD FDSLWDOLVWD´ 3DUD DV DXWRUDV significa o ingresso numa nova fase, ou seja, no QRYR IRUUy ÂłDJRUD H[LELQGR D JXLWDUUa, o baixo, o ĂłrgĂŁo elĂŠtrico e a bateria, instrumentos utilizados por bandas que executam o som tĂpico do ambiente XUEDQL]DGR FRPR R URFN´ 6,/9$ +21Ă?5,2 S A vertente eletrĂ´nica do forrĂł caracteriza-se por imprimir uma atmosfera jovem e urbana ao gĂŞnero, utilizando como estratĂŠgia discursiva a apresentação explĂcita de temĂĄticas sexuais. Sonoramente, o baixo e a bateria tornam-se principais protagonistas dos arranjos e a sanfona Âą sĂmbolo sonoro e visual principal do gĂŞnero Âą tem sua importância diminuĂda em relação ao naipe de metais (quase sempre formado por trompete, sax e trombone) (TROTTA, 2009b, p. 140).
Essa vertente eletrônica do forró foi criada, evidentemente, a partir do forró tradicional, mas ³incorporando conceitos de outros gêneros musicais (axÊ music, música sertaneja e pagode). As bandas desse forró pós-moderno surgiram com a PDTXLDJHP GR URPDQWLVPR EUHJD H R DSHOR VHQVXDO´ 6,/9$ S As mudanças ocorreram de forma gradativa. Primeiramente, havia a necessidade de equipamentos mais potentes sonoramente que pudessem se adequar a JUDQGHV H[LELo}HV 1mR VH GDQoD PDLV QXPD ³sala de reboco´ PDV VLP HP JUDQGHV
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espaços espetaculares. Assim, alguns instrumentos eletrĂ´nicos adquirem mais evidĂŞncia: o primeiro deles, o ĂłrgĂŁo eletrĂ´nico. Depois, vieram os metais: trombone, piston, saxofone, etc. Uma segunda mudança se deu na composição da vestimenta dos mĂşsicos. NĂŁo mais a vestimenta do vaqueiro ou aquela alusiva Ă figura de do cangaceiro LampiĂŁo configurara o novo forrĂł. Na nova fase as mulheres aderem a um vestuĂĄrio muito mais sensual e os homens a estilos urbanizados, inclusive muitos com o cabelo longo (certamente que nĂŁo eram os cabeludos pensados por Gonzaga!). As letras tambĂŠm passaram por mudanças expressivas. Embora com GonzagĂŁo a mudança jĂĄ estivesse em marcha, nos anos 90 do recente final de sĂŠculo XX algumas transformaçþes modificaram as temĂĄticas dominantes do forrĂł, fundamentalmente explorando de forma acentuada as relaçþes Ăntimo-sexuais e as narrativas de farras e diversĂŁo a todo custo. Nessa paisagem de transformaçþes, empresarialmente diversas bandas começam a surgir nos anos 1990 e o estado do CearĂĄ foi, e ainda ĂŠ, o lĂłcus vital de SURGXomR GDV EDQGDV GH IRUUy 1DV SDODYUDV GH )HLWRVD S Âłp SHUWLQHQte a identificação, na atual cena do forrĂł eletrĂ´nico, da configuração de uma ÂľindĂşstria culturalÂś especĂfica no Cearå´ 1R estado do CearĂĄ hĂĄ, pois, uma ampla cadeia produtiva que engloba comercialmente uma multiplicidade de espaços de Âłsociabilidade, produtoras e gravadoras musicais, programas de rĂĄdio e televisĂŁo e PHVPR XPD ÂľFXOWXUD GH FHOHEULGDGHVÂś ORFDO TXH SURPRYH QRYRV tGRORV ImV-clubes e o DSDUHFLPHQWR GH UHYLVWDV HVSHFLDOL]DGDV FHQWUDGDV QR JrQHUR PXVLFDO´ (FEITOSA, 2008, p. 05). Assim, esse univHUVR GR ÂłforrĂł pop cearense´ PRELOL]D PLOKDUHV GH DGHSWRV em seu circuito forrozeiro, criando e recriando bandas, artistas, discos e espaços de entretenimento popular. O universo do forrĂł pop no CearĂĄ ĂŠ caracterizado pela mobilização de milhares de adeptos, com um pĂşblico majoritariamente (mas nĂŁo exclusivamente) jovem e urbano, com uma intensa produção cultural expressa na vendagem e circulação de PLOKDUHV GH GLVFRV ÂľRILFLDLVÂś H ÂľSLUDWDVÂś R VXUJLPHQWR FRQVWDQWH GH QRYDV EDQGDV (ou a substituição de vocalistas ou mĂşsicos em bandas mais duradouras) e a FRQILJXUDomR GH GLYHUVRV HVSDoRV FRPR ÂłFOXEHV´ QRWXUQRV H ÂľFDVDV GH IRUUyÂś (FEITOSA, 2008, p. 06).
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Seguramente, nĂŁo mais a idĂŠia de uma mĂşsica regional se conforma estampada. Agora a indĂşstria cultural inicia seu triunfo, inclusive mais agressivamente. Tudo vira comercialmente forrĂł eletrĂ´nico, bem como muitos procuram se inserir nos espaços de entretenimento do moderno forrĂł. O estado do CearĂĄ foi, conforme realçado, lĂłcus pioneiro na construção desse clima forrozeiro. A empresa Somzoom Sat, majoritariamente do empresĂĄrio Emanoel Gurgel de Queiroz, deu inĂcio nos anos 1990 a criação do que se chama atualmente forrĂł eletrĂ´nico (LIMA, 2007). Emanoel Gurgel ĂŠ o proprietĂĄrio da Âłgravadora Somzoom, de vĂĄrias bandas de forrĂł e outros produtos ligados ao gĂŞnero. Sua principal banda, Mastruz com Leite, vendeu 4 milhĂľes de discos em nove anos de FDUUHLUD´ 6,/9$ S Segundo Pedroza (2001, p. 03), a banda Mastruz com Leite estabeleceu uma nova estĂŠtica para o tradicional forrĂł nordestino, criando um modelo novo de operação e promovendo uma grande mudança na indĂşstria cultural do Nordeste, denominada na ĂŠpoca de ÂłOxente! MusiF´ Âą numa aberta referĂŞncia Ă mĂşsica baiana ÂłaxĂŠ music´. O Mastruz com Leite acabou jogando por terra, como numa vaquejada, dois bois com uma pegada sĂł: o mito da sazonalidade da mĂşsica popular nordestina, antes sĂł executada nas festas juninas, e a histĂłrica dependĂŞncia da indĂşstria cultural e midiĂĄtica do Rio de Janeiro e de SĂŁo Paulo, que hoje começa a se render Ă força desse fenĂ´meno (PEDROZA, 2001, p. 05).
De acordo com Lima (2007), estrategicamente a Rede Somzoom Sat congregou uma sÊrie de atividades, dentre as quais se destacaram o selo fonogråfico para a produção de CDs de bandas de forró, o estúdio de gravação, as próprias bandas de forró (tendo a banda Mastruz com Leite como carro-chefe), casas de show, produtora de eventos, lojas de CDs, confecçþes, etc. Daà que três estratÊgias do grupo Emanoel Gurgel podem ser destacadas para o sucesso do forró eletrônico: 1. apresentação de uma nova estÊtica para o forró; 2. ênfase na música como mercadoria; 3. Pioneirismo de mercado, jå que, a partir da banda Mastruz com Leite, inúmeras outras bandas surgiram (LIMA, 2007).
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Vale salientar, a guisa de lembrete, que o mercado do forró movimenta ainda outro setor de grande peso no mercado de lazer: as vaquejadas. Estas, de mãos dadas com o forró, são marcas não apenas dos maiores municípios da região, mas de parte expressiva das pequenas e médias cidades nordestinas. O passar dos anos imprimiu ao mercado forrozeiro novos concorrentes, sobretudo outras bandas. O grupo Emanoel Gurgel passou, portanto, por um esperado processo de perda de espaço devido à nova competitividade. A profissionalização do setor e a entrada de novas bandas tornaram o mercado mais dinâmico. O forró, mais do que nunca, muda de feição, embora Mastruz com Leite ainda seja uma banda com grande movimentação de shows. Nesse ínterim, o forró surgido nos anos 1990 mudou, grosso modo, o jeito de ser do repertório temático forrozeiro. De Gonzaga basicamente homenagens lhe restavam, além de muito saudosismo, ora plenamente reconhecido, ora apenas na retórica. As bandas de forró criadas pelo grupo Somzoom Sat, do empresário Emanoel Gurgel, no Ceará, marcam nos anos 90 o início do forró eletrizado (eletrônico). Mastruz com Leite (carro-chefe do grupo), Cavalo de Pau, Mel com Terra, Limão com Mel, Magníficos e Calango Aceso deram o ponta-pé na nova roupagem do forró. Contudo, ao contrário do que se poderia supor numa audição impaciente, a representação temática, por exemplo, da banda Mastruz com Leite, ainda conservava parte do gracejo gonzagueano, sobretudo nos temas concernentes ao cantar o vaqueiro, as vaquejadas, os fatos cômicos do cotidiano, etc. Inclusive, alguns álbuns de estúdio da banda Mastruz com Leite foram dedicados ao próprio Gonzagão, a Jackson do Pandeiro, Trio Nordestino, Dominguinhos, etc.52 Logo, é importante salientar que mesmo com o avançar do forró eminentemente comercial não é possível falar em homogeneidade no gênero, mesmo no interior do estilo eletrônico.
52 Volume 8, No Forró do Gonzagão, Volume 11, Fo Forró de Jackson do Pandeiro, Volume 18, Mastruz com Leite canta Trio Nordestino, Volume 21, Mastruz com Leite canta Dominguinhos, Volume 22, Mastruz com Leite São João na Roça. Disponível em: http://www.forromastruzcomleite.com/mastruz.asp. Acesso em: 27. jan. 2012.
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Para Chianca (2006, p. 137), os anos 1990 foram marcados pela coexistĂŞncia de diferentes forrĂłs: ÂłexpressĂŁo das possibilidades musicais do gĂŞnero e da expansĂŁo de um mHUFDGR PXVLFDO SUySULR GD IHVWD´ $ DXWRUD VXEGLYLGH R IRUUy DWXDOPHQWH FRH[LVWHQWH HP TXDWUR WLSRV R IRUUy ÂłFRQILUPDGR´ R IRUUy HOpWULFR >RX eletrĂ´nico]; 3. o forrĂł pĂŠ de serra; 4. e o forrĂł universitĂĄrio. 2 ÂłIRUUy FRQILUPDGR´ p FRPSRVWR JHUDOPHQte, por mĂşsicos nordestinos e pertencentes a uma geração de forrozeiros profissionais, grande parte deles emigrantes instalados no Rio de Janeiro. Como representantes desse estilo, tem-se nomes como Amazan, Alcimar Monteiro, FlĂĄvio JosĂŠ, Nando Cordel e Jorge de Altinho. Nessa categoria de mĂşsicos o sanfoneiro permanece como figura central, e, na maior parte dos casos, o sanfoneiro prĂłprio assume a voz principal. 2 ÂłIRUUy Sp GH VHUUD´ p UHSUHVHQWDGR SRU P~VLFRV TXH SHUPDQHFHUDP ILHLV j sua fonte original, prRFXUDQGR ÂłUHFXSHUDU VRQRULGDGHV FRQVLGHUDGDV PDLV DXWrQWLFDV para tocĂĄ-ODV FRP LQVWUXPHQWRV WUDGLFLRQDLV FRPR D UDEHFD H R SDQGHLUR´ &+,$1&$ DOpP GR WULR EiVLFR ÂłVDQIRQD WULkQJXOR H ]DEXPED´ (P QtYHO nacional, Mestre AmbrĂłsio, AntĂ´nio NĂłbrega, AntĂ´nio SilvĂŠrio e AntĂşlio Madureira representam o estilo. Em Natal/RN, por exemplo, Elino JuliĂŁo (falecido recentemente em 2006) ĂŠ proclamado pela mĂdia local como o rei do forrĂł pĂŠ-de-serra potiguar. O forrĂł elĂŠtrico53 ĂŠ o estilo mais consumido atualmente pelo grande pĂşblico. Âł6XUJLX FRPR XP PRYLPHQWR UDGLFDOPHQWH GLIHUHQWH GRV SUHFHGHQWHV > @ SHODV WUDQVIRUPDo}HV GDV WpFQLFDV PXVLFDLV H FHQRJUiILFDV SURPRYLGDV SRU HOH´ (CHIANCA, 2006, p. 139). AlĂŠm dos instrumentos bĂĄsicos de um grupo de forrĂł, recorre-se maciçamente nĂŁo apenas aos metais e instrumentos elĂŠtricos, mas tambĂŠm a sintetizadores eletrĂ´nicos: atĂŠ a sanfona ĂŠ amplificada. Cenograficamente ĂŠ apresentado em grandes espaços para um pĂşblico de milhares de pessoas, envolvendo muita iluminação nos palcos e apresentando diversos dançarinos em coreografias Âą $ SUHVHQWH SHVTXLVD R LQWLWXORX GH ÂłIRUUy HOHWU{QLFR´ SDUD QmR JHUDU XPD FHUWD FRQIXVmR FRP D DGDSWDomR ÂłHOpWULFD´ TXH Ds bandas de forrĂł criam no perĂodo de carnaval, buscando entrar no clĂmax do axĂŠ Bahia. Nesse perĂodo carnavalesco, vĂĄrias bandas de forrĂł tocam os repertĂłrios das bandas baianas de axĂŠ music e/ou executam seus repertĂłrios de forrĂł no ritmo do axĂŠ. Algumas atĂŠ trocam de nome provisoriamente: Saia Rodada vira Saia ElĂŠtrica; AviĂľes do ForrĂł vira AviĂľes ElĂŠtrico, Cavaleiros do ForrĂł vira Cavaleiros ElĂŠtrico, etc. 53
131
que variam entre salsa e lambada. O jĂĄ citado grupo Mastruz com Leite, do estado do CearĂĄ, pode ser considerado o inaugurador do estilo eletrĂ´nico. Outras bandas tambĂŠm figuraram nessa ĂŠpoca, tais como Cavalo de Pau, CanĂĄrios do Reino, CafĂŠ Coado, etc. Novamente sHJXQGR &KLDQFD S DOJXQV Âłoutros grupos se especializaram em forrĂł, contando histĂłrias de amor infelizes ou de difĂcil solução. Essa subdivisĂŁo do forrĂł elĂŠtrico ĂŠ conhecida poU ÂľIRUUy URPkQWLFRÂś H WHP QRV JUXSRV 6W\OXV H &DOFLQKD 3UHWD VHXV JUDQGHV UHSUHVHQWDQWHV´ $WXDOPHQWH R IRUUy HOHWU{QLFR possui como nomes de destaque nacional as bandas AviĂľes do ForrĂł e Garota Safada. No RN, bandas como Cavaleiros do ForrĂł e Saia Rodada encabeçam a lista das mais distinguidas. Para Marques (2009), complementando a descrição de Chianca, no forrĂł eletrĂ´nico as bandas sĂŁo em sua maioria organizadas por um empresĂĄrio que mantĂŠm administrativamente vĂĄrios grupos musicais ao mesmo tempo. Musicalmente, esses grupos possuem dois ou mais cantores, homens e mulheres que se alternam no palco, ora em duetos, ora em vocal solo. As dançarinas Âą com seus corpos esculturais e quase desnudos Âą sĂŁo figuras marcantes no palco. As apresentaçþes ocorrem num palco com aparelhagem eletrĂ´nica potente e com muita iluminação. Os maiores sucessos sĂŁo tocados, freqĂźentemente, por todas as bandas que sobem ao palco, nĂŁo importando que banda tenha gravado primeiro [o que faz com que algumas mĂşsicas se repitam ao trocar das bandas numa mesma noite, ou atĂŠ mesmo na execução de uma mesma banda]. Marques (2009) alerta ainda para um aspecto tecnicamente musical: nĂŁo hĂĄ limites rigidamente definidos para esse forrĂł eletrĂ´nico, podendo o mesmo alternar para merengue, calypso ou mesmo variaçþes de lambada. DaĂ que a concepção de forrĂł como espetĂĄculo permite, espacialmente, envolver em alguns ambientes cerca de 40.000 pessoas, o que, de acordo com Marques (2009), difere bastante do ÂłGDQoDU DJDUUDGLQKR HP XPD VDOD GH UHERFR´ pensado por Luiz Gonzaga. Retomando a classificação de Chianca (2006), a quarta e Ăşltima categoria apontada se intitula ÂłIRUUy XQLYHUVLWiULR´ &RPSRVWR HP JHUDO SRU MRYHQV GH FODVVH mĂŠdia urbana, sĂŁo mĂşsicos descendentes de migrantes nordestinos instalados no
132
centro-sul do paĂs. SĂŁo Paulo foi o centro de erupção desse estilo por congregar muitos emigrantes nordestinos em recentes dĂŠcadas passadas. Trata-se de mĂşsicos amadores que participavam de concursos musicais universitĂĄrios. Tem como representantes de renome nacional os grupos FalaMansa e Rasta-pĂŠ. Possui uma musicalidade mais suave, jĂĄ que ĂŠ dirigido a um pĂşblico mais feminino e jovem. Como categorização extra, Silva (2003, p. 17) apresenta outra possibilidade de classificação do forrĂł, a saber: ForrĂł Tradicional Âł6XUJLGR HP PHDGRV GD GpFDGD GH &DUDFWHUL]D-se pela criação artĂstica do universo rural do homem sertanejo. Apesar de compartilharem de um universo cultural comum, seus principais artistas se diferenciam social e historicamente. Atualmente nĂŁo tĂŞm tido muito destaque na mĂdia por nĂŁo serem reconhecidos como produtores de grandes sucessos, isto ĂŠ, com forte retorno FRPHUFLDO´ ForrĂł UniversitĂĄrio Âł6XUJLX D SDUWLU GH Â? IDVH PDV FRQVROLGRX-se na dĂŠcada de 1990 (2ÂŞ fase). Ă&#x2030; fruto da junção do forrĂł tradicional com a musicalidade do pop e do rock. A fusĂŁo da linguagem regional do forrĂł com a linguagem da mĂşsica popular urbana, mixando tanto os atributos e valores do rock quanto do forrĂł tradicional, gerou um novo estilo de forrĂł que ganhou adeptos e apreciadores de vĂĄrias classes sociais. Nesta segunda categoria, incluem-se os primeiros artistas D LQWURGX]LUHP LQVWUXPHQWRV HOHWU{QLFRV QR IRUUy´ ForrĂł EletrĂ´nico Âł$ SDUWLU GR LQtFLR GD GpFDGD GH 6XD FDUDFWHUtVWLFD principal ĂŠ a linguagem estilizada, eletrizante e visual, com muito brilho e iluminação, empregando equipamentos de ponta, com maior destaque para o ĂłrgĂŁo HOHWU{QLFR TXH DSDUHQWHPHQWH ÂľVXEVWLWXLÂś D VDQIRQD ,QVSLUD-se na mĂşsica sertaneja romântica (country music), no romantismo dito brega e na axĂŠ music. A banda ĂŠ composta em mĂŠdia por dezesseis integrantes, todos jovens, incluindo mĂşsicos e EDLODULQDV´
O essencial a ser retido dessas classificaçþes ĂŠ que, novamente segundo Chianca (2006, p. 143), a diversidade dos grupos e artistas de forrĂł nos anos 1990 criou um campo musical rico, todavia, conflituoso, jĂĄ que cada estilo musical reclama para si uma qualidade geral da tradição do gĂŞnero. O forrĂł confirmado reivindica longevidade; o pĂŠ de serra a autenticidade; o elĂŠtrico a aceitação do grande pĂşblico; e o forrĂł universitĂĄrio o romantismo. 1HVVH PHLR WHPSR DOJXPDV GHFODUDo}HV VREUH R FDUiWHU ÂłGHVFDUWiYHO´ GR forrĂł eletrĂ´nico tĂŞm sido realizadas freqĂźentemente nas diversas mĂdias, sobretudo em jornais e meios digitais, em especial os blogs independentes. Tomando como exemplo depoimentos de mĂşsicos de reconhecimento nacional, o cantor Chico CĂŠsar, na ocasiĂŁo secretĂĄrio de cultura do Estado da ParaĂba, declarou:
133 Como secretário de Cultura, digo que o estado não vai contratar nem pagar grupos musicais e artistas cujos estilos nada têm a ver com a herança da tradição musical nordestina, cujo ápice se dá no período junino. Não vai mesmo. Não vou pagar cachê de bandas de forró que não se caracterizam como a tradicional cultura nordestina54.
Declaração de mesmo teor foi dada pelo músico forrozeiro Dominguinhos: Não dá pra dizer que aquilo é forró. Eles deveriam tentar se intitular de outra forma, porque aquilo não tem nada de forró. Não tem identidade. É uma grande PHQWLUD > @ ³e tudo muito apelativo e descartável. Eu critico a qualidade musical. As letras são péssimas e falam muita bobagem. É tudo anti-musical55.
Nas vicissitudes dessas querelas, a década de 1990 simbolizou, em contrapartida, primeiramente, o surgimento do forró eletrônico. Em segundo lugar, o acirramento de um gênero musical como um negócio moderno, administrado não para o público dançar agarradinho numa sala de reboco, mas sim, em grandes estruturas abertas para milhares de pessoas. O que virá depois terá nova exterioridade, sobretudo em virtude da ampliação das novas tecnologias e das novas configurações do mercado musical (inovação tecnológica e flexibilização dos direitos autorais). Assim, aOJR PXLWR GLIHUHQWH GR ³Sp-de-VHUUD´ VH FRQILJXURX IRUWHPHQWH com os grupos eletrônicos. A dimensão comercial do forró eletrônico conseguiu minar muitas bases do forró ± muito embora como estratégia mercadológica o forró mais ³WUDGLFLRQDO´ DLQGD VHMD YLiYHO GR SRQWR GH YLVWD GH GLVWLQomR VLPEyOLFD H FRPHUFLDO Decididamente, o mercado mudou e vem mudando dinamicamente. Algumas narrativas coloquiais sobre as festas de forró, especialmente àquelas na qual a descrição humana remonta aos grotões rurais mais tradicionais, são recheadas de fatos e personagens pitorescos. No mais, são micro indícios ± bem estereotipados ± de representações sociais sobre um Nordeste rural, alguns de seus modos de diversão e algumas sinalizações da personalidade do homem do campo e sua relação com o tempo livre (do trabalho). 54 CHICO CÉSAR DIZ QUE NÃO APOIA BANDA DE FORRÓ ELETRÔNICO NO SÃO JOÃO DA PB. Portal G1, 20. abr. 2011. Disponível em: http://g1.globo.com/pop-arte/noticia/2011/04/chico-cesar-diz-quenao-apoia-banda-de-forro-eletronico-no-sao-joao-da-pb.html. Acesso em: 08. out. 2011 55 ³)RUUy 'HVFDUWiYHO´ Portal G1, 20. abr. 2011. Disponível em: http://g1.globo.com/poparte/noticia/2011/04/chico-cesar-diz-que-nao-apoia-banda-de-forro-eletronico-no-sao-joao-da-pb.html. Acesso em: 08. out. 2011.
134
A narração a seguir ĂŠ alegĂłrica desse perfil caricatural. Embora seja apenas um recorte muito particular de um acontecimento festivo do forrĂł pĂŠ-de-serra, todavia, traceja algumas de suas marcas mais categĂłricas: as possibilidades de encontros amorosos, o consumo de bebidas alcoĂłlicas (especialmente a saudosa aguardente), a expressĂŁo euclidiana do sertanejo como pessoa dramaticamente ÂłIRUWH´56, a importância do sanfoneiro como mestre de cerimĂ´nia, o dançar o ÂłIRUUR]LQKR´ FRPR FOtPD[ GD IHVWD H QRWDGDPHQWH R DSHJR jV FKDPDGDV ÂłFRLVDs da WHUUD´ $ SDssagem abaixo esboça o descrito (vernĂĄculo original e propositalmente conservado): Um forrĂł de latada [forrobodĂł ou arrasta-pĂŠ em alpendre rĂşstico, coberto de ramas]. Um forrĂł quando chega de tardezinha jĂĄ tem uma sertaneja cum uma fulĂ´ no cabelo cum laço de fita vremeio amarrado. VocĂŞ começa a beber umas cana e o sanfoneiro jĂĄ tĂĄ ali pur perto. A budeguinha de cachaça; lĂĄ no fim do terrero. A banca de bolo e de cafĂŠ. Um cabra mei ruacero, chega muntado num burro esbrabejado. Riscando o burro pelo terreno e rabando de espora puraqui, puraculĂĄ prĂĄ dizĂŞ que ĂŠ cabra danado. AmançadĂ´. AtiradĂ´ de revrĂłlver na chegada da festa. Num ĂŠ prĂĄ matĂĄ ninguĂŠm nĂŁo, ĂŠ sĂł pra dizĂŞ que ĂŠ cabra danado; prĂĄ conquistĂĄ tombem as donzela. Ă&#x2030; atĂŠ pitoresco! Vaquero. Sertanejo doido. A morenada cumeça a incostĂĄ. Tem jeito nĂŁo! O cabra toma logo a premeira e o tira-gosto ĂŠ pĂŁo doce mesmo. O fole vĂŠio cumeça a cantĂĄ Ă s oito hora da noite. VocĂŞ sĂł vĂŞ a turma chiando. O chiadin do chinelo e aqueles cabra sabido lĂĄ no cantin do salĂŁo sĂł machucando, como soldado quando tĂĄ fazendo praça. AĂ ĂŠ o desmantelo. Mas, meu camarada, tem um tĂĄ de tirĂĄ na fĂ´ia! Sabe o que ĂŠ tirĂĄ na fĂ´ia? O cabra chega e diz: - Âľ0DULD YRFr YDL GDQoi D SUy[LPD FRPLJR Âś (OD UHVSRQGH UDSLGLQ Âľ-i WR WLUDGD Âś $t R FDEUD VH HVSULWD %DWH D PmR QXPD MXD]HLUD $ SH[HURQD ODUJD - Âľ9RFr QXP GDQoD FXP QLQJXpP SXUTXH VLQmR YDL HQWUi QHVVD DTXL 6H R VDQIRQHUR WRFi HX UDVJR R IROH Âś $t FXPHoD D WUXYXMDU 3RQWD GH SH[HUD ULVFDQGR as parede e lingĂźetas de fogo avoando que nem truvĂŁo. Aqueles relampo vĂŠio de caracĂł. Ă&#x160;ita, meu camarada, ĂŠ serviço pesado. Mas, tombĂŠm quando a festa ĂŠ boa, quando dĂĄ tudo certin, cum paiozin cheio de mio, de arroiz e feijĂŁo, aĂ ĂŠ serviço bom! A gente dança atĂŠ o sol raiĂĄ. Cavalo danado amarrado ali no tronco do juazeiro, sĂł esperando vocĂŞ terminĂĄ o forrozin prĂĄ vortĂĄ prĂĄ casa. Chega em casa, tira o leitin da vaca, dĂĄ um cuchilo e vai prĂĄ roça plantĂĄ e Ă s veiz colhĂŞ o algodĂŁo: - Âľ3UHSDUD D [HSD PXLpÂś (AMORIM FILHO; AMORIM, 1985, p. 34).
56
Ă&#x2030; famosa a afirmação de Euclides da Cunha acerca do sertanejo como homem de grande resistĂŞncia aos infort~QLRV GR FRWLGLDQR ÂłO sertanejo ĂŠ, antes de tudo, um forte. NĂŁo tem o raquitismo exaustivo dos mestiços neurastĂŞnicos do litoral [...] Ă&#x2030; o homem permanentemente fatigado [...] Entretanto, toda esta aparĂŞncia de cansaço ilude´ Âą CapĂtulo III, O Sertanejo. (CUNHA, 1984, p. 51).
135
Substancialmente distante dessa tematização bucĂłlica estĂĄ o fenĂ´meno festivo (espetacular) do forrĂł eletrĂ´nico de hoje. A urbanização e a modernização tecnolĂłgica do forrĂł alteraram, naturalmente, a prĂłpria dinâmica do gĂŞnero. Muito DIDVWDGR GR ÂłIRUUy GH ODWDGD´ RX PHVPR GRV ÂłUDVWDSpV´ KRMH RV JUDQGHV HVSHWiFXORV de forrĂł eletrĂ´nico ocorrem em mega-palcos para milhares de pessoas, aglutinando indivĂduos tanto mais aglutine mais indivĂduos. Como jĂĄ lembrou Guy Debord (1997, S ÂłR HVSHWiFXOR QmR GHseja chegar a nada que nĂŁo seja ele mesmo´ Segundo Trotta (2010), os shows das bandas de forrĂł sĂŁo espetĂĄculos de luzes, danças e mĂşsicas, que incluem dançarinas com pouca roupa em coreografias sensuais. Desta forma, ĂŠ possĂvel inferir que os ornamentos distintivos nĂŁo podem ser VLPSOHVPHQWH PDLV Âła fulĂ´ no cabelo´ PDV VLP XPD HQRUPH JULIH GH PDUFDV GH roupas, aparelhos tecnolĂłgicos e automĂłveis. Qualquer semelhança com um shopping center nĂŁo ĂŠ mera coincidĂŞncia. No espaço do forrĂł eletrĂ´nico estar na moda (do consumo) ĂŠ um requisito importante para ser visto (e distinguido!). Ao invĂŠs do sanfoneiro como ator central da noite, inĂşmeras bandas se alternam no grande palco montado. Cavaleiros do ForrĂł, Saia Rodada, AviĂľes do ForrĂł, Garota Safada, ForrĂł do MuĂdo, ForrĂł dos Plays, ForrĂł da Pegação, SolteirĂľes do ForrĂł, ForrĂł do Bom, Desejo de Menina, Calcinha Preta e inĂşmeras outras bandas alternam citadinamente em shows semanais, seja em grandes cidades, seja em pequenos e mĂŠdios municĂpios. Nenhuma cidade quer ficar de fora. Sem a figura outrora dominante do vaqueiro, atualmente a juventude urbana, ÂłLQGXVWULDOL]DGD´ ID]-se protagonista do show de forrĂł eletrĂ´nico. Jovens em busca de diversĂŁo lotam nĂŁo apenas os espetĂĄculos com maior visibilidade, mas tambĂŠm, shows em cidades menores, geralmente patrocinados pelas prefeituras municipais ou promovidos por casas privadas de forrĂł. Competitivamente desfavorĂĄvel Ă velha e pequena barraquinha de cachaça, presentemente existe toda uma estrutura mercadolĂłgica de marcas de bebidas, seja das cervejas mais consumidas no paĂs Âą a Skol, por exemplo, possui atĂŠ um evento chamado Operação Skol Folia Âą, seja de whiskys importados Âą a marca Johnnie
136
Walker, tipo Red Label, Ê atÊ aludida em letra de forró bastante tocada (Dança do Ice). 'LVWLQWDPHQWH GR ³cavalo danado amarrado no tronco do juazeiro´ Wrm-se modernas pick-ups, nacionais e
importadas, aguardando seus donos
nos
estacionamentos privativos. Como jĂĄ destacou Lopes Junior (2006, p. 371), dentre os Âłbens posicionais dessa nova economia simbĂłlica nenhum ĂŠ mais distintivo do que a picape cabine dupla (e a Hilux, automĂłvel da marca Toyota ĂŠ, de longe, o mais GHVHMDGR ´ 6Hgundo ĂŠ energicamente lembrado: Nas vaquejadas, forrĂłs ou nos bares das pequenas cidades, nos quais o sistema de som de um carro pode funcionar como ponto de aglutinação das pessoas e de ostentação da situação social de seus proprietĂĄrios, as cabines duplas [...] sĂŁo bens que produzem distinção (LOPES JĂ&#x161;NIOR, 2006, p. 371).
Assim, ao rememorar mercadologicamente um passado distante; contudo, aceitando todos os benefĂcios do progresso urbano e tecnolĂłgico, o forrĂł eletrĂ´nico criou uma nova maneira de fazer a mĂşsica regional. Luiz Gonzaga, produtor e produto desse movimento, hoje funciona mais como mito instituidor do que como estruturador do mercado. Conforme ressalta Fernandes (2004), trata-se da identidade de uma figura muito importante na MĂşsica Popular Brasileira, que se tornou um personagem mĂtico, no qual as controvĂŠrsias foram deixadas de lado em favor de uma pureza musical que, de fato, nunca existiu. Por conseguinte, sua histĂłria musical, seu desenvolvimento artĂstico e seu legado mostram que, distintamente da ideia imaculada de uma mĂşsica com pureza cultural-regional, jĂĄ havia no velho GonzagĂŁo o ÂłmicrĂłbio´57 da pujante indĂşstria cultural forrozeira. O forrĂł eletrĂ´nico apenas o faria amadurecer.
1D YHUGDGH HVVH ³PLFUyELR´ Mi HVWi SUHVHQWH QD SUySULD HVVrQFLD GD IHVWD SRSXODU
57
137
³THE EXPERIENCE ECONOMY´ 3$5$ 3(16$5 $ 352'8d2 '2 FORRÓ ELETRÔNICO
³$ LPSRWrQFLD H D HVWXSLGH] GRV LQGLYtGXRV GHYHP HVWLPXODU R SHVTXLVDGRU D averiguDU TXHP RV FRQGHQD D VHUHP LPSRWHQWHV H HVW~SLGRV ´ Theodor W. Adorno e Max Horkheimer (1978, p. 128) Temas Básicos da Sociologia
4.1
AS
ESTRUTURAS
ELETRÔNICO
SOCIAIS
DO
MERCADO
DO
FORRÓ
58
Pensar o mercado do forró eletrônico hoje é encarar conceitualmente duas mudanças relacionais que ocorreram e vêm se intensificando nos mercados musicais populares nas últimas décadas: maior acesso a crescente inovação tecnológica e flexibilização dos direitos autorais. É mister, pois, considerá-OR FRPR XP ³mercado DEHUWR´ (FAVARETO; ABRAMOVAY; MAGALHÃES, 2007), desenvolvido sem se fundamentar rigidamente nas regras formais do direito de propriedade e por um sistema de distribuição descentralizado, no qual a produção é feita com custos reduzidos através do avanço tecnológico e a comercialização é feita por atores sociais diversos ± com forte importância para os informais ± que divulgam as músicas e atraem grande público para os shows. Logo, baixo preço do produto (produção de CDs/DVDs em estúdios nem sempre convencionais e sua conseqüente venda informal), flexibilização jurídica (ou melhor,
³precarização´
dos
direitos
autorais)
e
redução
de
hierarquias
organizacionais são os fatores de estabilidade desse mercado.
58
Todos os entrevistados citados nesta seção estão identificados por numeração progressiva, de modo a garantir o anonimato de cada informante. Legenda: Informante Forrozeiro 01: Músico; Informante Forrozeiro 02: Empresário; Informante Forrozeiro 03: Músicos e Empresário; Informante Forrozeiro 04: Músico e Empresário; Informante Forrozeiro 05: Músico; Informante Forrozeiro 06: Empresário; Informante Forrozeiro 07: Músico-Empresário; Informante Forrozeiro 08: Músico e Empresário; Informante Forrozeiro 09: Empresário; Informante Forrozeiro 10: Músico; Informante Forrozeiro 11: Músico; Informante Forrozeiro 12: Empresário.
138 De forma resumida e simplificada, pode-se dizer que negĂłcios abertos sĂŁo aqueles que envolvem criação e disseminação de obras artĂsticas e intelectuais em regimes flexĂveis ou livres de gestĂŁo de direitos autorais. Nesses regimes, a propriedade intelectual nĂŁo ĂŠ um fator relevante para sustentabilidade da obra. No open business a geração de receita independe dos direitos autorais. Entre as principais caracterĂsticas desse modelo, estĂŁo a sustentabilidade econĂ´mica; a flexibilização dos direitos de propriedade intelectual; a horizontalização da produção, em geral, feita em rede; a ampliação do acesso Ă cultura; a contribuição da tecnologia para a ampliação desse acesso; e a redução de intermediĂĄrios entre o artista e o pĂşblico (LEMOS; CASTRO, 2008, p. 21, destaque nosso).
Favareto, Abramovay e MagalhĂŁes (2007), por exemplo, estudaram o WHFQREUHJD SDUDHQVH D SDUWLU GHVVD QRPHQFODWXUD ÂłPHUFDGR DEHUWR´, observando que a tecnologia assume um papel crucial no progresso do gĂŞnero. Segundo afirmam, a tecnologia dos long players (LP) e das fitas K7, nos anos 60, possibilitou a formação de mercados musicais de amplo alcance; todavia, o custo era alto e os mercados se estruturavam de forma muito concentrada em torno de um pequeno nĂşmero de gravadoras. Com o lançamento do compact disc (CD), que chegou ao mercado mundial em 1983 e passou a ser popularizado no Brasil nos anos 1990, e com o posterior desenvolvimento de mecanismos de gravação/regravação independente (fora das gravadoras convencionais), iniciou-se a possibilidade de descentralização desse mercado mundial fonogrĂĄfico. 2 FKDPDGR Âł&' SLUDWD´ (produzido Ă margem das estruturas legais) possibilitou algo que o CD original jĂĄ estava lentamente implementando: o crescimento de gĂŞneros musicais antes abafados pela concentração monopolista do mercado musical. AlĂŠm do CD pirata Âą reproduzido sem a permissĂŁo dos selos formais Âą o surgimento e o crescimento de produçþes musicais independentes tambĂŠm contribuĂram para a desconcentração dos mercados musicais populares. Conforme ilustra o depoimento abaixo, as facilidades de gravação e distribuição em massa de CDs feitos em estĂşdios caseiros, atualmente, estĂŁo Ă disposição de muitos novos artistas e a baixo custo: Âł+RMH SUD YRFr JUDYDU XP &' p simples. VocĂŞ junta os mĂşsicos, pega um ÂľcomputadorzinhoÂś seu, grava e amanhĂŁ jĂĄ tem 15... PLO &'V URGDQGR ´ INFORMANTE FORROZEIRO 02). Tal fenĂ´meno pode ser intitulado, pois, XPD ÂłindĂşstria cultural com base local´ -$&.6 S 138).
139
Daà que no final dos anos 1990 o Brasil viu crescer alguns mercados musicais marcadamente regionais, tais como o forró eletrônico nordestino, o sertanejo universitårio no centro-sul R FKDPDGR ³D[p %DKLD´ as músicas religiosas, o tecnobrega paraense, etc. Assim, a chamada pirataria e as produçþes independentes tiveram e têm tido um papel fundamental na criação e na estruturação de novos grupos
musicais,
sobretudo
aqueles
mais
distanciados
Âą
territorial
e
administrativamente ¹ das grandes gravadoras e seus selos formais. Concomitantemente, a conseqßente crescente divulgação de músicas pela internet foi e estå sendo, seguramente, um dos maiores vetores dessa superexposição musical. Consensualmente entre os informantes se pôde constatar tal realidade. Os dois entrevistados a seguir categorizam essa realidade: o primeiro destacando a internet como meio de comercialização imediata; o segundo reafirmando a importância da tecnologia caseira na gravação e reprodução de CDs: ³+RMH HP GLD p LQWHUQHW 6DLX QR VKRZ EDL[RX R &' YRFr Mi WHP R &' HP FDVD Aà passa pra um, passa pra outro... Hoje a maneira mais råpida de se divulgar o VXFHVVR p D LQWHUQHW´ INFORMANTE FORROZEIRO 09). ³(VVD TXHVWmR GD JUDYDomR KRMH HP GLD TXDOTXHU XP SRGH JUDYDU 4XDOTXHU XP pode comprar um notebook e colocar um programa de gravação... Ao vivo todo VKRZ p XP &' ´ INFORMANTE FORROZEIRO 08).
A comercialização formal de mĂşsicas pela internet ĂŠ, atualmente no Brasil, uma crescente fatia do mercado. Âł2 PHUFDGR GDV YHQGDV GH P~VLFD GLJLWDO SHOD Internet cresceu 159,4% em 2009 e jĂĄ representa 58,7% do mercado total das vendas GLJLWDLV´ $6SOCIAĂ&#x2021;Ă&#x192;O BRASILEIRA DOS PRODUTORES DE DISCOS/ABPD, 200959). NĂŁo obstante, no atual cenĂĄrio de flexibilização dos direitos de propriedade autoral, nĂŁo se torna um exercĂcio arriscado especular acerca de sua contrapartida informal. Evidentemente o mercado de venda de mĂdias fĂsicas (especialmente os CDs) vem decaindo, enquanto a circulação Âą formal e informal Âą de mĂdias digitais pela internet vem aumentando. Contudo, uma coisa ĂŠ certa: a pirataria ĂŠ muito grande em ASSOCIAĂ&#x2021;Ă&#x192;O BRASILEIRA DOS PRODUTORES DE DISCOS. Mercado Brasileiro de MĂşsica, ABPD, 2009. DisponĂvel em: http://www.abpd.org.br/downloads.asp. Acesso em: 11. out. 2011. 59
140
paĂses como o Brasil. Como o preço das mĂdias legais ĂŠ muito elevado, caso ajustado ao poder real de compra da população, o recurso Ă pirataria se torna a grande saĂda para o consumo. A tabela 01 abaixo justifica essa artimanha do consumo midiĂĄtico informal (usufruto de mĂdias piratas): Tabela 01 DVD: Preço Legal x Preço Ajustado ao Poder de Compra - 200860 PaĂs
Preço do DVD Legal (US$)
Preço do DVD Legal Ajustado ao Poder de Consumo Local (US$) Estados Unidos 24 24 RĂşssia 15 75 Brasil 15 85,50 Ă frica do Sul 14 112 Ă?ndia 14,25 641 MĂŠxico 27 154 Fonte: Ronaldo Lemos (apud ESTADĂ&#x192;O, 2011).
Preço do DVD Pirata (US$)
5 3,50 2,8 1,2 0,75
Preço do DVD Pirata Ajustado ao Poder de Consumo Local (US$) 25 20 22,4 54 4,25
Os dados acima apresentados vĂŞm corroborar com a assertiva do alto preço daV PtGLDV ItVLFDV QR %UDVLO 1R FDVR HP TXHVWmR R '9' ÂłBatman: o cavaleiro das trevas´ custava no Brasil em 2008, ajustado ao poder de compra da população, o equivalente a US$ 20, muitĂssimo prĂłximo do DVD original nos EUA (US$ 24). JĂĄ o original, aqui, ĂŠ mais do que trĂŞs vezes superior ao mesmo original no mercado norteamericano, considerando o poder de compra vigente em cada paĂs. O mesmo DVD vendido a US$ 24 nos Estados Unidos, para o bolso do brasileiro, equivale proporcionalmente a US$ 85,50. Ă&#x2030; de fato muito caro a aquisição de mĂdias fĂsicas no Brasil. Por isso, o combate a pirataria, pela via da repressĂŁo, tem se mostrado tĂŁo ineficaz. Trata-se, pois, de um problema, ainda que nĂŁo determinante, todavia, muito fortemente econĂ´mico. Apesar de muitos dos limites dos dados estatĂsticos e da difĂcil representação matemĂĄtica dessa conjuntura, isto ĂŠ, excetuando-se todos os riscos de fetichização 2 FDVR HP H[HPSOR QD WDEHOD VH UHIHUH DR ILOPH HP '9' Âł%DWPDQ R FDYDOHLUR GDV WUHYDV´ 'DGRV coletados em 2008. In: PIRATARIA SOBREVIVE Ă&#x20AC; REPRESSĂ&#x192;O; CAUSA ESTĂ NO PODER DE COMPRA. EstadĂŁo, SP, 4. mar. 2011. DisponĂvel em: http://blogs.estadao.com.br/radareconomico/2011/03/04/estudo-inedito-indica-que-pirataria-e-problema-economico/. Acesso em: 08. out. 2011.
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desses nĂşmeros, tal realidade ĂŠ uma tendĂŞncia: a flexibilização ĂŠ a palavra de ordem, seja da produção e da circulação, seja do consumo. No cerne dessa realidade estrutural da economia e das novas tecnologias digitais, o consumo musical deixa de estar ligado essencialmente a uma mĂdia fĂsica durĂĄvel e se midiatiza digitalmente, seja pelas mĂŁos da pirataria, seja pelas mĂŁos das mĂdias digitais adquiridas legalmente. Nas palavras de Janotti JĂşnior (2006, p. 03): ÂłKRMH SRGH-se perceber que tocadores de MP3 como o Ipod e o armazenamento da mĂşsica nos computadores pessoais jĂĄ permitem pensar outros parâmetros para se pensDU QXPD ELEOLRWHFD PXVLFDO´ $R LQYpV GDV VDXGRVDV JUDQGHV FROHo}HV GH iOEXQV musicais (centenas de LPs, K7s, CDs, DVDs...), num Ăşnico hard disk (HD) ou player digital muitas discografias podem ser armazenadas sem grandes limites fĂsicos e financeiros. Todavia, deve-se destacar que nĂŁo se trata apenas de uma determinação econĂ´mica pelas mĂŁos da inovação tecnolĂłgica. Trata-se, tambĂŠm, de uma mudança na prĂłpria dinâmica do consumo. Por conseguinte, a inovação nĂŁo pode ser resumida meramente ao desenvolvimento do aparato tecnolĂłgico pelas mĂŁos da produção. Os usos Âą e desusos Âą do consumidor tambĂŠm sĂŁo condicionantes nesse processo. Prontamente, com as facilidades oportunizadas pelas novas tecnologias de gravação/regravação e pela conseqĂźente dinamização e propagação dos CDs piratas, no forrĂł eletrĂ´nico de hoje praticamente as bandas jĂĄ desistiram de vender CDs. JĂĄ reconhecem que o CD nĂŁo ĂŠ um fim de lucratividade, mas sim, apenas meio de divulgação e permanĂŞncia no concorrido mercado musical. Os depoimentos de todos os entrevistados, em unanimidade, comprovaram tal afirmativa. A extensa lista abaixo traz uma vigorosa ilustração dessa convergĂŞncia de opiniĂľes: Âł0XLWDV >EDQGDV@ QmR YHQGHP >&'@ QmR $ PDLRULD Gi e WXGR GDGR KRMH (X PH lembro que antigamente ainda tinha assim: compre o CD ali na mesa de som, cinco reais. Mas hoje nĂŁo. Ă&#x2030; tudo dado... A pirataria ainda ajuda porque ajuda a GLYXOJDU´ INFORMANTE FORROZEIRO 12). Âł$ SLUDWDULD DMXGRX D WRGDV DV EDQGDV D WRGDV DV FODVVHV PXVLFDLV PHQRV favorecidas [...] Desistiu-se [de vender CD]... Perde-se dinheiro com CD. Se faz XPD TXDQWLGDGH UD]RDYHOPHQWH DOWD SDUD SRGHU VH GLVWULEXLU´ INFORMANTE FORROZEIRO 06). Âł2 &' KRMH YRFr QmR JDQKD GLQKHLUR FRP D YHQGDJHP 6y VH YRFr IRU XP SURGXWR de uma gravadora multinacional, de uma gravadora nacional. AĂ vocĂŞ pode
142 ganhar dinheiro com as composiçþes... arrecadação..., mas a gente que vive desse trabalho menor, a gente ganha dinheiro mais tocando, nĂŁo ganha dinheiro YHQGHQGR &'´ INFORMANTE FORROZEIRO 07). Âł+RMH R meio de renda principal ĂŠ a questĂŁo de show mesmo. A questĂŁo de venda de CD nĂŁo existe... se trabalha mais com CD promocional, de divulgação... pega o CD, faz 10, 15, 20 mil CDs e distribui em rĂĄdios, com o pĂşblico mesmo pra curtir... o mercado de consumo de venda de CD nĂŁo rende... o que rende mesmo ĂŠ o show. VocĂŞ ĂŠ contratado, toca e com isso recebe seu cachĂŞ [...] As bandas elas JHUDOPHQWH OHYDP R ÂľFHGH]LQKRÂś H QD KRUD GR VKRZ WmR Oi YHQGHQGR PDV YHQGH pouco; outras fazem um brinde, um bonĂŠ, uma camiseta, e vende a camiseta acompanhando o CD... Ă s vezes atĂŠ mesmo a pessoa assim chega com boa intenção: - eu quero comprar um CD! AĂ a gente diz: - nĂŁo, leve pra vocĂŞ. JĂĄ hĂĄ um FHUWR YtFLR TXH D JHQWH WRPRX HP Vy GDU PHVPR D TXHVWmR GR &'´ (INFORMANTE FORROZEIRO 02). Âł+RMH YRFr VDEH FRPR p TXH Wi KRMH D VLWXDomR GR &' Qp" 2 &' p XPD divulgação. A gente tem CD hoje por uma divulgação, porque ĂŠ como eu posso FKHJDU H PRVWUDU R WUDEDOKR ´ INFORMANTE FORROZEIRO 03). Âł$ JHQWH Wi WUDEDOKDQGR FRP HOH >R &'@ PDLV pra questĂŁo de vender shows. Quando vai fazer show leva, leva quantidade pouca [...] e distribui lĂĄ pro pessoal durante a festa [...] Na verdade hoje a pirataria ela ĂŠ a maior aliada do mĂşsico. Se nĂŁo fosse ela, com sinceridade, nĂŁo ĂŠ bom, mas se nĂŁo fosse ela, hoje, pra o mĂşsico pequeno, nĂŁo tinha mĂşsico pequeno estourando e tocando... a pirataria ĂŠ quem faz o mĂşsico pequeno [...] Tanto ĂŠ que vocĂŞ pode notar, a gente pode atĂŠ usar o exemplo de AviĂľes do ForrĂł: o que AviĂľes tem de CD de estĂşdio sĂŁo no mĂĄximo 3 ou 4, mas sĂł que o que o povo compra mesmo sĂŁo os que sĂŁo gravados HP VKRZ DOJXpP TXH JUDYD Oi QR VKRZ GLVWULEXL ´ INFORMANTE FORROZEIRO 04). Âł+RMH HP GLD R OXFUR GR HPSUHViULR GH EDQGD QmR p FRP YHQGD GH &' (OH QmR vende mais CD porque nĂŁo tem lucro. Ă&#x2030; por isso que eles dĂŁo o CD que ĂŠ a forma GH GLYXOJDU SUD EDQGD ILFDU FRQKHFLGD H WHQWDU YHQGHU PDLV R VKRZ GD EDQGD´ (INFORMANTE FORROZEIRO 05).
As declaraçþes acima expressam duas caracterĂsticas muito marcantes nos mercados musicais abertos. Primeiro, a importância das redes informais de produção e distribuição (gravadores e vendedores). A gravação informal, longe de ser vista simplesmente como um mal necessĂĄrio, pelo contrĂĄrio, torna-se quase uma panacĂŠia para o pequeno mĂşsico e, por que nĂŁo dizer, atĂŠ mesmo para as grandes bandas. A pirataria nĂŁo deixa de ser tambĂŠm consentida! Segundo, em decorrĂŞncia da tendĂŞncia Ă informalidade das gravaçþes, as prĂłprias bandas maiores entram no esquema das gravaçþes em formato ao vivo, gravaçþes essas basicamente realizadas no savoirfaire da produção informal. Logo, todos os grupos sĂŁo nĂŁo apenas produtos dessa tendĂŞncia, mas tambĂŠm seus agentes estruturantes.
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Decorrente dessa tendĂŞncia Ă informalidade das mĂdias digitais de ĂĄudio, em suma, o meio de lucratividade das bandas, com a pirataria 61, resumiu-se a praticamente a venda do show. Entrementes, ĂŠ possĂvel de antemĂŁo compreender que HQTXDQWR FRQYHQFLRQDOPHQWH QDV GLVWLQJXLGDV H WUDGLFLRQDLV JUDQGHV JUDYDGRUDV ÂłD divulgação em rĂĄdio tem como objetivo a venda de discos, que sĂŁo os principais produtos dessas empresas, os produtores e empresĂĄrios das bandas de forrĂł elegeram os shows FRPR SURGXWR EiVLFR GH YHQGDV´ 75277$ D S $OJXPDV bandas maiores vendem camisetas, bonĂŠs, CDs a preço mais acessĂvel, etc., mas o fundamental meio de lucro tem se mostrado a venda do show. Âł+RMH D PDLRU IRQWH GH UHQGD p D YHQGD GH VKRZV 3RUTXH &' KRMH QLQJXpP compra mais. O CD hoje no show ĂŠ pra dar, distribuir. Ă&#x2030; mais uma forma de divulgar. Existe venda de camisas, venda de bonĂŠs, mas nĂŁo ĂŠ uma renda SULQFLSDO $ YHQGD SULQFLSDO KRMH p D YHQGD GH VKRZV´ INFORMANTE FORROZEIRO 09).
Gabbay (2007, p. 03) igualmente identificou essa tendĂŞncia no mercado do WHFQREUHJD SDUDHQVH XPD YH] TXH ÂłD SULQFLSDO IRQWH GH UHQGD e trabalho sĂŁo as DSUHVHQWDo}HV DR YLYR H IHVWDV GH DSDUHOKDJHP´ IDWR TXH o fez denominar esse tipo de HVWUXWXUD GH Âłmercado da performance´ Nesse Ănterim, uma vez que nĂŁo se obtĂŠm nenhum rendimento expressivo com a venda de mĂdias, igualmente flexĂvel e, por conseguinte, precĂĄria, tem sido a arrecadação dos direitos autorais. Como destacam Lemos e Castro (2008), do ponto de vista do Direito, a principal questĂŁo a ser observada ĂŠ a flexibilização das regras de propriedade intelectual. No forrĂł eletrĂ´nico praticamente todo o mercado fonogrĂĄfico ĂŠ fundamentado nos CDs/DVDs gravados em shows, principalmente para as bandas pequenas que, buscando escapar (flexibilizar) da formalização do direito autoral, gravam seus repertĂłrios praticamente em cima dos palcos (algumas vezes mixados posteriormente em estĂşdios). Segundo afirmaram em unanimidade os HQWUHYLVWDGRV D JUDYDomR LQIRUPDO QR IRUPDWR ÂłDR YLYR´ QmR p SDVVtYHO GH QHQKXPD medida repressiva jurĂdica. 61 Vale salientar que, parafraseando Fontanella (2005), na cadeia de produção desse tipo de mĂşsica popular RFRUUH XPD FHUWD Âłpirataria consentida´ HP TXH JUDQGH SDUWH GRV P~VLFRV H EDQGDV JUDYDP GH PDQHLUD UHODWLYDPHQWH LQIRUPDO VHXV &'ÂśV FRQWULEXLQGR HOHV SUySULRV SDUD R FRPpUFLR LQIRUPDO
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³3UD YRFr ID]HU XP &' RILFLDO WRGDV DTXHODV P~VLFDV WrP Tue ter autorização. E o [CD] promocional Ê gravado no show. Então nele bota a música que você quiser. (OH FDQWD DWp 5REHUWR &DUORV QR &' SURPRFLRQDO H QmR WHP SUREOHPD´ (INFORMANTE FORROZEIRO 06). ³(VVDV EDQGDV WRFDP PXLWDV P~VLFDV GH RXWUDV SHVVRDV HQtão quando eles fazem isso, o fato deles estarem gravando um CD ao vivo, o fato deles dizerem ao vivo, eu sei que pela lei autoral Ê ao vivo, então, não vai dar nenhum problema pra eles. Se ele for pra um estúdio, gravar um CD, prensar e tudo, tirar não sei quantas mil cópias e vender, e tem lå uma música de Fåbio Júnior, por exemplo, claro que eles vão ter que pagar o direito autoral de Fåbio Junior, mas quando fala que Ê ao vivo QmR WHP QHQKXP SUREOHPD´ INFORMANTE FORROZEIRO 11). ³(X QmR SRVVR JUDYDU XP DVD dizendo que aquela música Ê minha, mas eu posso JUDYDU DR YLYR $t QmR DGLDQWD GH QDGD $R YLYR SRGH e Vy GL]HU TXH p DR YLYR´ (INFORMANTE FORROZEIRO 01). ³(VVDV YHUV}HV JHUDOPHQWH HOHV JUDYDP PDLV HP IHVWD DR YLYR &' DR YLYR DJRUD quando Ê música inÊdita que a gente compra ou que a gente mesmo cria, aà a gente coloca num CD original [...] A gente grava, a gente coloca [cançþes dos outros e versþes], mas só pra tocar em festa ao vivo. No CD original só composiçþes nossas mesmo [...] Hoje eu posso pegar uma música de outra banda e colocar no meu repertório, pra gravar no meu show. Agora eu não posso ir pra um estúdio e JUDYDU´ INFORMANTE FORROZEIRO 08). ³2 IRUUy p XP PHUFDGR DEHUWR YRFr WHP XPD P~VLFD ODQoDGD PDV DPDQKm qualquer pessoa pode tocar, botar num show, e dizer que foi ao vivo e pronto... fica por isso... Ao vivo pode... Em estúdio jå tem um certo medo, mas tambÊm o SHVVRDO p RXVDGR *UDYDP > @ e DTXHOH YHOKR SUREOHPD DTXHOH GLWDGR ¾0DULD YDL FRP DV RXWUDVœ´ ,1)250$17( )ORROZEIRO 02).
Novamente Gabbay (2007, p. 11) auxilia essa compreensĂŁo e argumenta que Âłp QHVVH FRQWH[WR TXH DV PtGLDV DOWHUQDWLYDV FRPHoDP D HPHUJLU FRPR IRUPD GH GULEODU RV GLItFHLV VLVWHPDV GH GLVWULEXLomR H GLYXOJDomR GR PHUFDGR IRUPDO´ Sumariamente, as estratĂŠgias alternativas de circulação dessas produçþes sĂŁo ÂłHODERUDGDV GHQWUR GH XP FRQWH[WR HVSHFtILFR TXH HQYROYH FDQDLV GH FRPXQLFDomR livres do controle financeiro das grandes corporaçþes, formas imateriais de propagação de conteĂşdos e redes colaERUDWLYDV LQIRUPDLV´ *$%%$< S Leis de proteção Ă propriedade autoral existem (exemplo especĂfico, a lei nÂş 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, OHL TXH ÂłUHJXOD RV GLUHLWRV DXWRUDLV HQWHQGHQGR-se sob esta denominação os direitos de autor e os qXH OKHV VmR FRQH[RV´62). Todavia, as Âł$UW 6HP SUpYLD H H[SUHVVD DXWRUL]DoĂŁo do autor ou titular, nĂŁo poderĂŁo ser utilizadas obras teatrais, composiçþes musicais ou lĂtero-PXVLFDLV H IRQRJUDPDV HP UHSUHVHQWDo}HV H H[HFXo}HV S~EOLFDV´ ÂłÂ&#x2020; Â&#x17E; &RQVLGHUD-se execução pĂşblica a utilização de composiçþes musicais ou lĂtero-musicais, mediante a participação de artistas, remunerados ou nĂŁo, ou a utilização de fonogramas e obras audiovisuais, em locais 62
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artimanhas do mercado sĂŁo amplas e a faculdade de eficĂĄcia da legislação ĂŠ limitada frente aos imperativos das novas configuraçþes e exigĂŞncias dos mercados musicais abertos. Legalmente essas bandas nĂŁo poderiam executar as mĂşsicas que nĂŁo sĂŁo de sua autoria sem a autorização prĂŠvia do titular do direito autoral (nem mesmo ao vivo); porĂŠm, e apesar da materialidade da prova Âą o prĂłprio CD gravado ao vivo, por exemplo Âą, torna-se difĂcil enquadrĂĄ-las legalmente em função da multiplicidade de mĂşsicas gravadas pelas bandas que assim agem diariamente. A situação vira quase que aquele famoso lugar-comum Âłse todo mundo faz e ninguĂŠm se importa, eu tambĂŠm posso fazer, ou se todo mundo faz ĂŠ porque pode ´ Entretanto, a lei diz que tanto o titular do direito autoral como a associação de que este faça parte podem fiscalizar e denunciar tal situação, reclamar seus direitos e ir a juĂzo caso haja necessidade. Em suma, a lei diz mais ou menos assim ÂłWRPD TXH R ILOKR p WHX´. Poder nĂŁo pode, mas ĂŠ o titular ou seu represenWDQWH TXH WHP TXH ÂłFRUUHU DWUiV´. Logo, mediante o quadro conjuntural anteriormente tracejado de precarização consentida, ĂŠ fĂĄcil imaginar que a flexibilização tem sido a palavra de ordem em muitos mercados musicais populares. No forrĂł eletrĂ´nico nĂŁo seria diferente! Enfim, mediante o recurso da flexibilização da norma do direito de propriedade, nem a venda de CDs, nem a arrecadação de direitos autorais oferecem grande estabilidade ao mercado do forrĂł eletrĂ´nico. Nesse cenĂĄrio de luta por aceitação, o mais viĂĄvel para os grupos musicais ĂŠ entrarem nesse mercado marcadamente aberto. Vale salientar, contudo, que nĂŁo ĂŠ que o direito de propriedade inexista, tampouco que os agentes envolvidos nĂŁo o reivindique. Apenas deve-se atentar que essa propriedade intelectual (autoral) nĂŁo se torna um fator relevante para a de freqßência coletiva, por quaisquer processos, inclusive a radiodifusĂŁo ou transmissĂŁo por qualquer modalidade, e a exibição cinematogrĂĄILFD´ ÂłÂ&#x2020; Â&#x17E; &RQVLGHUDP-se locais de freqßência coletiva os teatros, cinemas, salĂľes de baile ou concertos, boates, bares, clubes ou associaçþes de qualquer natureza, lojas, estabelecimentos comerciais e industriais, estĂĄdios, circos, feiras, restaurantes, hotĂŠis, motĂŠis, clĂnicas, hospitais, ĂłrgĂŁos pĂşblicos da administração direta ou indireta, fundacionais e estatais, meios de transporte de passageiros terrestre, marĂtimo, fluvial ou aĂŠreo, ou onde quer que se representem, executem ou transmitam obras liteUiULDV DUWtVWLFDV RX FLHQWtILFDV´ In: BRASIL. Lei nÂş 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dĂĄ outras providĂŞncias. PresidĂŞncia da RepĂşblica, Casa Civil, Subchefia para Assuntos JurĂdicos. DisponĂvel em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9610.htm. Acesso em: 08. out. 2011.
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sustentabilidade da banda, jĂĄ que a geração de receitas independe da eficĂĄcia desse direito: como a mĂşsica possui um ciclo de vida muito curto, ĂŠ melhor que ela seja abusivamente copiada e exposta. Logo, ir contra tal tendĂŞncia significaria entrar numa disputa na qual o vencedor pouquĂssima ou nenhuma vantagem levaria. AlĂŠm disso, saindo da produção e focando na circulação, com a massificação de CDs disponibilizados gUDWXLWDPHQWH QD LQWHUQHW DWp R FKDPDGR ÂłSLUDWHLUR´ (indivĂduo envolvido com a produção e venda de CDs Ă margem da legalidade) perde mercado, jĂĄ que uma parcela do pĂşblico consumidor nĂŁo mais adquire as mĂdias fĂsicas, nem mesmo as piratas que sĂŁo vendidas a preço baixĂssimo, ou seja, R$ 2,50 em muitas cidades do RN. Para as camadas sociais que usufruem de um computador pessoal e tĂŞm acesso regular a internet, fazer os downloads das mĂdias ĂŠ bem mais prĂĄtico e a quase custo zero. Nos mercados abertos atĂŠ os flexibilizadores sĂŁo flexibilizados Âą ÂłSLUDWDULD VHP SLUDWHLUR´. Vale salientar tambĂŠm que esse processo de flexibilização do direito autoral nĂŁo ĂŠ apenas de baixo para cima, como supostamente se poderia imaginar. NĂŁo sĂŁo apenas as bandas pequenas que copiam as bandas grandes em shows ao vivo. De cima para baixo tambĂŠm se flexibiliza a norma e se imprime mais estandardização. O depoimento abaixo exemplifica bem essa SUHFDUL]DomR GRV ÂłGH EDL[R´ Âł2 FKDWR p DVVLP WHP EDQGDV SHTXHQDV TXH FRPSUD XPD P~VLFD... e acaba que grava a mĂşsica, grava o CD da banda na maior dificuldade, mas grava e começa a tocar. AĂ uma banda grande escuta aquela mĂşsica, vai e começa a tocar... vocĂŞ acha que aquela banda grande foi quem lançou aquela mĂşsica... Onde tem uma mĂşsica dH VXFHVVR TXDOTXHU EDQGD JUDQGH WRFD´ INFORMANTE FORROZEIRO 05).
Exemplo cabal dessa tendência para a regravação de sucessos foi a música ³Minha mulher não deixa não´ TXH VH WRUQRX FRQKHFLGD SRU 5HJLQKR H %DQGD Surpresa na virada de 2010 para 2011. A música foi regravada por muitas grandes bandas de forró eletrônico, independentemente de fama ou estrutura financeira. Isso comprova que nem os artistas menos conhecidos estão livres da flexibilização e padronização do mercado popular musical.
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Rememorando, a guisa de didatismo, todo esse processo de surgimento e consolidação de uma suposta Nova Produção Independente vem tornando claras as transformaçþes pelas quais vem passando a indĂşstria fonogrĂĄfica brasileira nos Ăşltimos anos: redução do mercado formal, vertiginoso crescimento do comĂŠrcio informal (que jĂĄ existia durante o perĂodo do uso das fitas K7 e ampliou-se vertiginosamente com o CD/DVD), surgimento de novos hĂĄbitos de produção (pequenos estĂşdios de gravação independentes, por exemplo) e consumo de mĂşsica promovido pelas novas tecnologias - MP3, MP4, etc.63 (DE MARCHI, 2006). Logo, Ă&#x2030; notĂłria a crise pela qual vem passando a indĂşstria cultural tal qual a conhecemos. Com o advento das novas tecnologias na dĂŠcada de 1990 e sua expansĂŁo e consolidação no sĂŠculo XXI, as relaçþes entre produtor e consumidor, entre artista e pĂşblico passaram por radicais transformaçþes, trazendo mudanças substantivas para o cenĂĄrio artĂstico (LEMOS; CASTRO, 2008, p. 18).
Essa chamada Nova Produção Independente inicialmente operava com grande amadorismo, utilizando uma estrutura flexĂvel de produção, com serviços terceirizados de gravação, prensagem e distribuição. Posteriormente, contando com uma certa experiĂŞncia e atĂŠ mesmo com capital suficiente, buscou-se uma estrutura mais autĂ´noma, procurando evitar parcerias desfavorĂĄveis com grandes gravadoras e agentes do mercado formal. Essa concentração de atividades foi fator essencial para a sustentação da condição de independĂŞncia no mercado e dos projetos estĂŠticos das prĂłprias ePSUHVDV Âł&RQWURODQGR VXD SUySULD GLVWULEXLomR RV LQGHSHQGHQWHV SRGHP negociar de forma mais proveitosa seu espaço no mercado de fonogramas, sem GHSHQGHU GRV LQWHUHVVHV GDV JUDQGHV JUDYDGRUDV´ '( 0$5&+, S 1mR se trata literalmente GH XPD ÂłFULVH´ PDV VLP, GH XPD ÂłUHRUJDQL]DomR´ GD SURGXomR PXVLFDO $YLJRUDQGR R DUJXPHQWR ÂłDV QRYDV FULDo}HV WHFQROyJLFDV HP OXJDU GH agirem como um fator de igualitarismo no interior de uma sociedade, pelo contrĂĄrio SRGHP DJLU FRPR XP QRYR IDWRU GH GLVWLQomR´ (PUTERMAN, 1994, p. 21). Esse processo de descentralização do mercado musical deu lugar Ă produção de novos estilos, novas bandas e novos artistas, ou seja, toda uma nova maneira de Muitos ouvintes entrevistados alegaram consumir o forrĂł fundamentalmente atravĂŠs de aparelhos reprodutores de MP3 e/ou aparelhos celulares, o que demonstra como os aparelhos domĂŠsticos de reprodução de CDs se tornam quase que obsoletos frente aos players digitais mĂłveis. 63
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produção musical, ÂłQRUPDOPHQWH IHLWD HP SHTXHQRV HVW~GLRV FDVHLURV FRP baixĂssimos custos, [modificando] o papel do artista, do processo de produção e do SURGXWR DUWtVWLFR´ (FAVARETO; ABRAMOVAY; MAGALHĂ&#x192;ES, 2007, p. 10-11). A flexibilização do mercado forrozeiro ĂŠ tanta que discos sĂŁo gravados para o mercado antes mesmo da formação das bandas: Âł2 GLVFR VXUJLX VHP D JHQWH WHU D banda, com mĂşsicos contratados´ INFORMANTE FORROZEIRO 06). Vianna (1990) destaca a importância das novas tecnologias nesta mudança de foco Âą da homogeneização Ă heterogeneização, da totalização Ă segmentação Âą, jĂĄ que estas novas tecnologias estĂŁo a cada dia mais baratas e mais acessĂveis, possibilitando novas oportunidades artĂsticas sem o intermĂŠdio das grandes empresas do setor. Evidentemente, o forrĂł eletrĂ´nico ĂŠ tributĂĄrio direto desse momento dinâmico e flexĂvel. NĂŁo apenas o forrĂł, mas os principais gĂŞneros populares do paĂs: o axĂŠ music na Bahia, o reggae no MaranhĂŁo, o tecnobrega paraense, o funk carioca, o chamado sertanejo universitĂĄrio, as distintas variaçþes de mĂşsicas religiosas, etc. Casos comR HVVHV ÂłVmR H[HPSORV GH XP PHUFDGR GH P~VLFD PRYLGR D QRYDV tecnologias que tĂŞm efetivamente alterado o alcance do prĂłprio mainstream da P~VLFD KLVWRULFDPHQWH SURWDJRQL]DGR SHORV JUDQGHV FRQJORPHUDGRV LQWHUQDFLRQDLV ´ (TROTTA; MONTEIRO, 2008, p. 02). Assim, muito alĂŠm de uma mera diversĂŁo popular, todo um mercado ĂŠ movimentado por agentes fortemente envolvidos com a reprodução empresarial da mĂşsica. MĂşsicos, empresĂĄrios, donos de estĂşdios de gravação, casas de show, reprodutores autorizados e nĂŁo autorizados, vendedores ambulantes, rĂĄdios, prefeituras64 e fĂŁ-clubes fazem parte desse complexo mercado do forrĂł eletrĂ´nico.
64 Preponderante nesse mercado tem sido o papel que desempenham as prefeituras municipais na manutenção GH PXLWDV EDQGDV GH IRUUy VREUHWXGR DV SHTXHQDV H PpGLDV ³e QHFHVViULR IULVDU TXH XPD SDUWH VLJQLILFDWLYD do financiamento de shows e eventos em torno do estilo Ê proveniente de prefeituras e órgãos públicos. Esta estratÊgia deriva evidentemente da própria projeção social que essas bandas conquistaram e que, de fato, JHUDP XPD GHPDQGD FXOWXUDO´ 75277$ S D S 2V GRLV GHSRLPHQWRV D VHJXLU exemplificam essa afirmação: ³3UD VXVWHQWDU XPD EDQGD WHP TXH YHQGHU pra prefeitura. Bandas de forró só ganham dinheiro no São João, a realidade Ê essa... a não ser as estouradas... Mas, no caso de uma banda pequena, você tem que manter ela o ano todinho se sustentando pra poder chegar no São João e você fazer alguma coisa. ´ ,1)250$17( )2552=(,52 ³ PXLWDV EDQGDV YmR VHU SUHMXGLFDGDV VH QmR WLYHU R FRQWUDWDQWH ¾SUHIHLWXUDœ´ ,1)250$17( )2552=(,52
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Longe de uma arte musical caseira e tradicional, constitui-se em torno do forrĂł eletrĂ´nico uma grande rede empresarial para o entretenimento popular. Ă&#x20AC; maneira do tecnobrega paraense, o mercado do forrĂł eletrĂ´nico tambĂŠm pode ser caracterizado a partir das categorias sociolĂłgicas universalização, autonomização e racionalização (FAVARETO; ABRAMOVAY; MAGALHĂ&#x192;ES, 2007). A universalização significa a incorporação de elementos, na mĂşsica tradicional, de outros padrĂľes considerados mais universais, tais como sons metĂĄlicos, ritmo mais acelerado, grandes shows, etc.; por sua vez, a autonomização demonstra que este mercado musical passa a se constituir como segmento especĂfico, governado por regras e arranjos que lhe sĂŁo prĂłprios e com um conjunto de agentes especĂficos que reproduzem este mercado; por fim, a racionalização expressa a organização profissional dos mĂşsicos, os novos padrĂľes de relacionamento entre os agentes, etc. Redes empresariais de entretenimento de massa, imersas em novas tecnologias de produção e distribuição, criam e recriam maneiras de consumo, da mesma forma que novas demandas redefinem suas ofertas. Novamente frisando um dos tĂłpicos mais vitais dessa produção flexĂvel, o desenvolvimento da circulação de mĂşsicas na internet em formato do tipo mp3 reforçou a formação de um mercado mais vasto, ainda que fundamentalmente informal. Nesse caso tambĂŠm a estrutura do mercado nĂŁo segue os padrĂľes convencionais. Ă&#x2030; um mercado formado por uma rede complexa de agentes formais e informais, guiados por regras formais e informais. Trata-VH GH XPD FRQMXJDomR ÂłGHVLJXDO H FRPELQDGD´, Ă maneira do conceito trotskyano, de modernidade e tradição, formalidade e informalidade, coexistentes, tanto sincrĂ´nica, quanto diacronicamente. ÂłSĂł a combinação destas duas tendĂŞncias fundamentais [...], ambas conseqßências da prĂłpria natureza do capitalismo, explica a conexĂŁo viva do processo histĂłrico´ 75276.< 1981, p. 195). DaĂ que o mercado formal nĂŁo ĂŠ deixado de lado, jĂĄ que possui a sua importância econĂ´mica e simbĂłlica para
os
artistas
(FAVARETO;
ABRAMOVAY;
MAGALHĂ&#x192;ES,
2007).
Recentemente, por exemplo, a banda AviĂľes do ForrĂł, um dos grandes modelos desse
150
mercado aberto, vinculou-se a tradicional JUDYDGRUD ÂłSom Livre´, gravando o seu volume 07. Desta forma, empresarialmente o forrĂł eletrĂ´nico obedece ora a uma dinâmica local de gestĂŁo, ora a aparelhos globais de reprodução do capital do entretenimento, contendo relacionalmente todas as suas caracterĂsticas basais, tais como racionalização (expressa pela divisĂŁo do trabalho), padronização e massificação. Ă&#x2030; resultado direto, pois, da flexibilização de direitos de propriedade intelectual (propriedade das mĂşsicas), de um sistema de distribuição descentralizado, de uma produção de baixo custo e uma circulação via vendedores informais que divulgam as mĂşsicas vendendo os CDs a um baixo custo. HĂĄ, evidentemente, um deslocamento na estrutura do mercado. AlĂŠm disso, o consumo no forrĂł eletrĂ´nico nĂŁo se dĂĄ exclusivamente em torno da mĂşsica em si (apego incondicional pelo material sonoro), mas sim, fundamentalmente, atravĂŠs do prĂłprio fenĂ´meno festivo, Ă quilo que vem sendo FKDPDGR GH ÂłHFRQRPLD GD H[SHULrQFLD´ Experience Economy), conforme termo trabalhado por Joseph Pine e James H. Gilmore. ÂłAn experience occurs when a company intentionally uses services as the stage, and goods as props, to engage individual customers in a way that creates a memorable event´ 3,1( *,/025( 1998, p. 98-99). Nesse referencial, os consumidores nĂŁo adquirem a mĂşsica em si, mas sim, uma experiĂŞncia. Tornam-se compradores de experiĂŞncia - Âłbuyers of experiences´ 7UDWD-se de um sistema comercial no qual o consumidor paga nĂŁo para adquirir essencialmente um produto, mas para passar algum tempo participando de uma sĂŠrie de eventos memorĂĄveis. NĂŁo mais as mĂşsicas sĂŁo o foco, mas sim as festas HVSHWiFXORV &RQIRUPH UHIRUoD *DEED\ S ÂłFDGD YH] PDLV D VHQVDomR tem se tornado o foco central de YDORUDomR GR SURGXWR FXOWXUDO´ 2V HPSUHHQGHGRUHV musicais, logo, nĂŁo produzem apenas mĂşsicas, mas sim, subjetividades, sensaçþes de relaçþes. DaĂ que o mercado ĂŠ movimentado pela performance e pela experiĂŞncia sensorial. Os relatos dos prĂłprios mĂşsicos e empresĂĄrios sĂŁo provas desse realismo mercadolĂłgico:
151 ³'DQoDU GDQoDU EHEHU FXUWLU ILFDU FRP DOJXpP H QR RXWUR GLD DFRUGDU bêbado, de ressaca e pronto! Musicalmente ele não tå nem aà pro que toca e o que não toca. A função Ê [...] mais divertimento. Porque o pessoal tå lå, tem muita gente no meio lå, tem muitas meninas, tem muitos rapazes, tem bebida, tå todo mundo se divertindo, Ê por causa disso. Não Ê que ele vå sair pra escutar um show desse. Você nunca vai pra um teatro vê um show de Aviþes do Forró, sentado... então Ê PDLV LVVR R FRPHUFLDO XP FRPpUFLR p R PHLR´ INFORMANTE FORROZEIRO 11). ³&RPR S~EOLFR D GLIHUHQoD SUD HVVH SRYR p R VKRZ HP VL SRUTXH R UHSHUWyULR GR CD Ê praticamente um só... eu acho que o público nota bastante Ê, digamos que, XP QtYHO GH IDPD 4XHP p PDLV IDPRVR YDOH PDLV D SHQD YRFr SDJDU SUD YHU´ (INFORMANTE FORROZEIRO 04).
Podem ser percebidos nos relatos acima dois indicativos empĂricos constitucionais desse mercado da performance (ou economia da experiĂŞncia): 1. HĂĄ um deslocamento do consumo das mĂdias para o consumo dos espetĂĄculos; 2. O ouvinte opta por freqĂźentar os shows com as bandas de maior prestĂgio, sob a alegação de atraĂrem mais pĂşblico e, conseqĂźentemente, elevarem o nĂvel da festividade. Nesse sentido, a distinção do espetĂĄculo nĂŁo passa diretamente pela qualidade da banda, mas sim, pelo nĂşmero de pessoas que a banda consegue aglutinar, retroativamente. Apesar disso, hĂĄ tambĂŠm aqueles que vĂŁo para apreciar as bandas e artistas, expressando que nem todos tratam esse tipo de bem cultural como subsidiĂĄrio para o lazer. Segundo avaliaçþes dos prĂłprios produtores do negĂłcio, hĂĄ toda classe de ouvinte, do mais cativo ao mais indiferente. Âł2 FRPSRUWDPHQWR GR S~EOLFR p GH DFRUGR FRP R VXFHVVR GD EDQGD D P~VLFD GR momento... tem pessoas que vĂŁo pra ver a banda; tem outras que vĂŁo porque outras pessoas vĂŁo... Na verdade... a questĂŁo musical ĂŠ mais movimento. As SHVVRDV YmR ÂľYRX SUD DTXHOH VKRZ SRUTXH WRGR PXQGR TXHU LUÂś H WHP DV SHVVRDV que vĂŁo mais pelo movimento. As vezes nĂŁo vai nem pela banda, nĂŁo vai pela P~VLFD´ INFORMANTE FORROZEIRO 07). Âł0XLWD JHQWH YDL SUR VKRZ KRMH SUD ILFDU QD IUHQWH GR SDOFR DGPLUDQGR DOL DTXHOD banda, como tambĂŠm tem muita gente que vai pra dançar, beber, se divertir... Tem aquele pĂşblico que vai lĂĄ pra admirar aquela banda, que sĂŁo os fĂŁs, como tem DTXHOD RXWUD SDUWH TXH YDL SUD VH GLYHUWLU SHJDU PXOKHU GDQoDU H PXLWR PDLV´ (INFORMANTE FORROZEIRO 09).
Apesar dessas variaçþes, distintivo para a anålise do consumo do forró eletrônico se torna esse chamado consumo do show. Segundo muitos entrevistados, o consumidor padrão desse
estilo
musical geralmente
freqĂźenta
os
shows
152
fundamentalmente pela economia simbĂłlica da festa e nĂŁo pela banda ou qualidade musical do artista. Evidentemente, maiores bandas proporcionam melhores eventos, mas o essencial nĂŁo ĂŠ o que circula em cima do palco, mas sim, nos interstĂcios do forrozĂŁo. Nos outros trĂŞs exemplos estudados por Trotta e Monteiro, ou seja, o reggae, o axĂŠ e o brega, pode-VH GHVWDFDU TXH Âła ĂŞnfase da circulação musical recai nĂŁo na mĂşsica gravada e comercializada em suportes especĂficos, mas sim na experiĂŞncia PXVLFDO DR YLYR´ 75277$ 0217(,52 S $VVLP D DWUDWLYLGDGH GH muitas bandas se faz pela capacidade de aglutinação de pessoas, ciclicamente retroalimentada pelo sucesso. Como mostrou Gabriel Tarde (2005, p. 40), a multidĂŁo serve de espetĂĄculo a si mesma. Âł$ PXOWLGmR DWUDL H DGPLUD D PXOWLGmR´ Como ilustração temĂĄtica desse mercado flexĂvel, a letra da mĂşsica Âł7i (VWRXUDGR´ (ver quadro 01 a seguir) consegue bem simbolizar a dinâmica do forrĂł HOHWU{QLFR DWXDO ÂłCante aĂ qualquer doideira ĂŠ sucesso vai pegar´ GL] HQIDWLFDPHQWH o refrĂŁo dessa recente mĂşsica cantada pela banda Calcinha Preta. Entre o lado apologĂŠtico exposto na letra e, paradoxalmente, seu carĂĄter pontualmente irĂ´nico, um princĂpio mercadolĂłgico de realismo plaina no ar: o sucesso no forrĂł moderno depende muito mais de estratĂŠgias de mercado do que da prĂłpria condição do ÂłID]HUVH´ mĂşsico, ou seja, do trabalho musical em si.
153
Âł7i (VWRXUDGR´ - Calcinha Preta65 TĂĄ todo mundo ligado no estouro que chegou 4XHP QmR WLYHU ÂľHVWRXUDGRÂś QR IRUUy QmR WHP YDORU Vai correndo, dĂŞ seus pulos, se vocĂŞ quer estourar Cante aĂ qualquer doideira Ă&#x2030; sucesso vai pegar Se vocĂŞ falar tĂĄ no fĂŁ clube, TĂĄ Estourado Mas se falar de cabarĂŠ, TĂĄ Estourado Mas se falar que ĂŠ cachaceiro, TĂĄ Estourado Se falar que tem dinheiro, TĂĄ Estourado Se tĂĄ na boca do PovĂŁo, TĂĄ Estourado PĂľe prD WRFDU QR Âľ3DUHGmRÂś 7i (VWRXUDGR Se eu falar que sou Calcinha Preta, TĂĄ Estourado Eu saio na televisĂŁo, TĂĄ Estourado 6H Wi SHJDQGR DV Âľ3LULJXHWHVÂś 7i (VWRXUDGR Se tĂĄ na palma da mĂŁo, TĂĄ Estourado Ganhar dinheiro no ForrĂł, TĂĄ Estourado Âľ9RFr QmR YDOH QDGD PDV HX JRVWR GH YRFrÂś 7i (VWRXUDGR Pegou, Ficou e Madeirou, TĂĄ Estourado Bebeu, Caiu e Levantou, TĂĄ Estourado Ta arrastando a multidĂŁo, TĂĄ Estourado Calcinha Preta na novela, TĂĄ Estourado Quadro 01 Âą /HWUD GD 0~VLFD Âł7i (VWRXUDGR´ Fonte: http://letras.terra.com.br/calcinha-preta/1510396/
Conforme a letra acima, TXDOTXHU SHVVRD SRGH VHU XP ÂłDVWUR´ QHVVH WLSR GH negĂłcio, desde que atendidos os requisitos administrativos do mercado. NĂŁo precisa saber nem cantar, nem compor (FONTANELLA, 2005). Basta tocar nos temas mais em moda e, a depender de algumas variĂĄveis do mercado (capital, trabalho flexĂvel e imersĂŁo numa rede empresarial), obter visibilidade. Deste modo, o processo de produção do forrĂł eletrĂ´nico estĂĄ essencialmente dentro dos modelos de produção dos chamados mercados abertos, isto ĂŠ, imerso/incrustado (embedded) numa estrutura de intensa flexibilização. Os desvios em relação a essa realidade vĂŁo de encontro ou desencontro segundo o nĂvel de capital e/ou estrutura organizacional dos conjuntos musicais. Assim, a guisa de didatismo, um elemento basal para a anĂĄlise do mercado do forrĂł eletrĂ´nico ĂŠ o papel estruturante que o capital impregna na competitividade e na visibilidade das bandas. O realismo mercadolĂłgico que os atores envolvidos com o Artista: Calcinha Preta. Autor(es): Val Carvalho, FĂĄbio Piu Piu e JoĂŁo Jailço. Ă lbum: Ao Vivo Âą Na Boca do Povo Vol. 21. Ano: 2009. Gravadora: MD MUSIC. Fonte: http://www.radio.uol.com.br/#/letras-emusicas/calcinha-preta/ta-estourado/101030.
65
154
mercado
do
forrĂł
eletrĂ´nico
expressam
atesta
tal
concretude
empĂrica.
Diferentemente, por exemplo, da atividade da astrologia, na qual se ÂłHQYROYH WRGR R UHLQR GR RFXOWR FRPHUFLDOL]DGR´ $'2512 E S QR moderno mercado do forrĂł se sabe com substância de muitas de suas regras de produção e comercialização. Quase tudo ĂŠ muito transparente. Longe de pensar o mercado forrozeiro como uma arte de amadores, seus atores constituintes o percebem como palco de grande estratĂŠgia empresarial. Entrementes, trata-se de um negĂłcio e nĂŁo de uma atividade lĂşdico-empresarial: a expressĂŁo otium et non negotium se inverte para negotium et non otium. As exigĂŞncias para se entrar no mercado nĂŁo sĂŁo extenuantemente longas. Capital amplo e trabalho flexĂvel, numa dosagem certa, sĂŁo as receitas para um ingresso bem sucedido no circuito empresarial do forrĂł eletrĂ´nico. As demais estratĂŠgias decorrem do capital e das redes de relacionamento empresariais. O argumento abaixo ĂŠ sinĂłptico e demonstra o movimento mercadolĂłgico do setor: Âłe PDLV IiFLO XP HPSUHViULR bom conseguir fazer uma banda de sucesso com mĂşsicos ruins, do que mĂşsicos bons conseguirem fazer uma banda de sucesso com XP HPSUHViULR UXLP´ INFORMANTE FORROZEIRO 06).
DaĂ que o capital econĂ´mico a ser investido termina sendo, na visĂŁo dos entrevistados, o elemento orquestrador para a entrada e a permanĂŞncia vital no mercado. O rol de depoimentos a seguir corrobora com o argumento: Âł... EntĂŁo o que acontece ĂŠ o seguinte: tem que ter uma estrutura por trĂĄs, uma A3, que tem rĂĄdio, que tem dinheiro pra rasgar CD; tem que ter a mĂdia, nĂŁo tem pra onde correr. VocĂŞ pode ter o melhor produto do mundo, mas se nĂŁo tiver a mĂdia pra jogar pra galera escutar, num tem pra onde correr... Se nĂŁo tiver dinheiro pra jogar na mĂdia aĂ nĂŁo sai do canto [...] Com certeza a banda tem que ter um empresĂĄrio que tenha tanto conhecimento com os outros empresĂĄrios de festa, de todos os locais... o bom ĂŠ que vocĂŞ seja agregado a um grupo forte... ĂŠ assim que começa o sucesso de uma banda. Tem que ter uma estrutura por trĂĄs. NĂŁo adianta eu pegar e botar somente minha banda, sem ninguĂŠm conhecer... claro que nĂŁo vai GDU DTXHOD PXOWLGmR´ INFORMANTE FORROZEIRO 12). Âł2 HPSUHViULR p PXLWR LPSRUWDQWH p IXQGDPHQWDO 2 HPSUHViULR JHUDOPHQWH tem um pacote de bandas. Tem 10, 15, 20 bandas pra vocĂŞ escolher, fazer uma HVFROKD ´ INFORMANTE FORROZEIRO 02). Âł(VVH FDPSR GH IRUUy FRPHUFLDO p SUD TXHP WHP PXLWR GLQKHLUR H QmR p SRXFR dinheiro nĂŁo. Tem que ter muito dinheiro mesmo. Eu conheci muitos empresĂĄrios,
155 o dono do [...]66 por exemplo. Ele nĂŁo tinha pouco dinheiro nĂŁo! Ele tem um bairro que ĂŠ quase todo dele... pra entrar a banda que ĂŠ pequena sem dinheiro nĂŁo entra [...] eu acho que nĂŁo começa de baixo hoje em dia as bandas de forrĂł... essas bandas de forrĂł que estouram, que fazem sucesso, nĂŁo começam de baixo. Começam com um empresĂĄrio que tem muito dinheiro pra investir... bancar atĂŠ a P~VLFD ID]HU VXFHVVR H HVWRXUDU´ INFORMANTE FORROZEIRO 11). Âł(OHV SHUWHQFHP D HX GLJR TXH p D IiEULFa de dinheiro do Nordeste... eles pertencem a A3. Eles mandam no forrĂł hoje. Ă&#x2030; do jeito que eles dizem. Do jeito que a A3 disser, quem a A3 quer pipocar. Hoje o sonho de toda banda ĂŠ que a A3 pegue ela pela mĂŁo... porque eles tĂŞm o que importa em qualquer mercado de trabalho, que ĂŠ o capital. Muito capital. Tem a mĂdia tambĂŠm na mĂŁo [...] Ou vocĂŞ tem a sorte de pegar uma mĂşsica e pipocar num golpe de sorte maior do mundo, o que ĂŠ um tiro no escuro, ou vocĂŞ arranja um empresĂĄrio que derrame rios de GLQKHLUR´ (INFORMANTE FORROZEIRO 04). Âł2X p SRU XP HPSUHViULR IRUWH TXH Gr XP DSRLR D HOD SUD HOD WRFDU RX HQWĂŁo ela acaba, nĂŁo passa daĂ. A nĂŁo ser que vocĂŞ faça uma banda com um cantor, um vocalista que jĂĄ tenha nome, no caso, aĂ DMXGD PXLWR´ INFORMANTE FORROZEIRO 01). Âł+RMH HP GLD ĂŠ assim, pra uma banda fazer sucesso tem que ter investimento. VocĂŞ tem que ter estrutura boa, som Âą nĂŁo digo nem tanto de som, porque som ĂŠ mais alugado Âą mas estrutura de iluminação, um Ă´nibus, uma equipe boa de se WUDEDOKDU ´ (INFORMANTE FORROZEIRO 05).
A lista acima ressalta dois elementos importantes nesse negĂłcio musical. Primeiro, estar ligado a uma rede empresarial ĂŠ de suma importância para o ingresso QR ÂłVXFHVVR´ $V EDQGDV GH PDLRU GLVWLQomR sĂŁo ou estĂŁo ligadas a grupos que atuam numa rede de influĂŞncia. Estar numa rede dessas ĂŠ contar com estrutura fĂsica de apoio, estrutura de divulgação em rĂĄdios, inserção em shows e em eventos diversos. A banda nĂŁo atua isoladamente, jĂĄ que o empresĂĄrio possui toda uma rede de contatos para o seu Âłpacote´ de bandas. Segundo elemento, e nesse reside uma inquietação interessante, mesmo nesse cenĂĄrio de competição Âłmonopolista´ existem brechas para as pequenas bandas. Os chamados sucessos espontâneos (os quinze minutos de fama) surgem todos os anos. Apesar da grande mortalidade dessas bandas passageiras, algumas conseguem ter algum ciclo de vida expressivo, seja pela conjuntura (carnaval, perĂodo junino, canção que caiu na boca do povo, etc.), seja pelo nome de algum integrante (ou ex-integrante) de prestĂgio na banda. NĂŁo obstante, infere-se, mesmo assim, que o mercado do forrĂł eletrĂ´nico ĂŠ composto majoritariamente pelo grande capital do entretenimento musical de massa (vale Nome excluĂdo para evitar qualquer identificação.
66
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salientar que o mercado potiguar Ê dominado basicamente pelas bandas do vizinho estado do Cearå). Certamente, as bandas de maior distinção pertencem aos managers GR ³UDPR GR HQWUHWHQLPHQWR > @ TXH FRP IUHT rQFLD DJUHJDP DWLYLGDGHV GH gerenciamento de vårias bandas [...], casas de shows, assessoria de imprensa e toda a HVWUXWXUD FRPHUFLDO TXH JLUD HP WRUQR GR PHUFDGR GH VKRZV´ 75277$ MONTEIRO, 2008, p. 09). Algumas bandas de forró eletrônico patrocinam, inclusive, clubes de futebol, como demonstra a banda potiguar Cavaleiros do Forró, patrocinadora do AmÊrica Futebol Clube (Natal, RN). Logicamente, como em todo mercado, o capital tambÊm não då garantias incondicionais. Num mercado em que todos procuram ser diferentes e buscam essa diferenciação seguindo os clichês da padronização negada, o sucesso não tem garantias apenas pela via do capital. O testemunho abaixo Ê basilar para a compreensão dessas incertezas: ³+RMH DTXL QR 5LR *UDQGH GR 1RUWH p R WLSR GD FRLVD SRGH VHU DTXL QR 51... no Cearå, etc... O sucesso, muitas vezes Ê os pirateiros que faz. Muitas vezes uma EDQGD ¾HVWRXUDœ SRU FDXVD GR ¾SLUDWDœ 0XLWDV YH]HV HOD FKHJD D ¾HVWRXUDUœ SRU FDXVD GR GLQKHLUR $OJXP HPSUHViULR WHP PXLWR GLQKHLUR H D EDQGD ¾HVWRXUDœ 0XLWDV YH]HV YRFr JDVWD XPD IRUWXQD H D EDQGD QmR HVWRXUD´ INFORMANTE FORROZEIRO 08).
Destarte, seguramente ĂŠ possĂvel afirmar que nĂŁo pode existir certeza num mercado em que todos, estrategicamente, buscam se copiar. As vantagens competitivas sĂł sĂŁo vantagens atĂŠ o amanhecer. Todos se copiam. AtĂŠ a diferenciação ĂŠ planejada para seguir os mesmos clichĂŞs dos hits dominantes. Em extrato, referente ao papel do planejamento e da administração capitalista no mercado forrozeiro, interessa ressaltar que o pĂşblico envolvido com a produção do forrĂł eletrĂ´nico, seja o de maior capital, seja o de menor estrutura financeira, reconhece o carĂĄter mercadolĂłgico do gĂŞnero (mais adiante, na seção 5.1, ver-se-ĂĄ tambĂŠm que o pĂşblico ĂŠ consciente disso). Distante da romantização do sucesso pelo ÂłSXUR WDOHQWR´ RX GD LGHRORJLD GR ÂłGRP´ SDUD D P~VLFD VDEH-se que o sucesso decorre estruturalmente de estratĂŠgias empresariais. De mĂŁos dadas com esse realismo, muito comum ĂŠ o reconhecimento das estratĂŠgias mais eficazes para o alcance do sucesso nesse mercado aberto.
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Basicamente, segundo os atores sociais entrevistados, foram percebidas como tĂĄticas competentes: 1. A repetição incessante dos hits nos espaços populares; 2. A abordagem, nas cançþes, das temĂĄticas PDLV HP ÂłPRGD´ $ SUySULD HVWUXWXUD material da banda como elemento de distinção no mercado (o que corrobora com a mĂĄxima de que vantagens trazem mais vantagens). A repetição das cançþes como meio de inculcação do hit na cabeça do ouvinte ĂŠ, dentre as mais tradicionais, tambĂŠm uma das mais ativas estratĂŠgias, seja por meio da divulgação nas emissoras de rĂĄdio, seja por meio do consumo atravĂŠs das mĂdias digitais (crescentemente informais) e outros meios populares, tais como bares e sons instalados em malas de automĂłveis. Âł$Wp RQGH HX FRQKHoR YRFr FKHJD QXPD )0 GHVVDV YRFr FRPSUD R KRUiULR GD FM todinho... eu quero que toque essa mĂşsica 20 vezes hoje. AĂ aquela mĂşsica vai tocando, toca, toca... toca e quando for com duas semanas o povo tĂĄ cantando sua mĂşsica. Pra mim o que o povo tĂĄ cantando sĂŁo mĂşsicas que tĂĄ fazendo sucesso... mas ela ĂŠ feia, sĂł fala em... sĂł palavrĂľes... mas ela ta fazendo sucesso, tĂĄ tocando na rĂĄdio... aĂ outra banda e vai e toca [...] o talento nĂŁo se compra nĂŁo, mas o VXFHVVR VH FRPSUD´ INFORMANTE FORROZEIRO 02). Âł(OHV REULJDP DV SHVVRDV a ouvir... paga, o rĂĄdio toca. O cara ouvindo todo dia aTXLOR DOL GH WDQWR RXYLU GDTXL D SRXFR Wi FDQWDQGR VHP TXHUHU´ INFORMANTE FORROZEIRO 03). Âł2 SRYR TXHU R TXH Wi SDVVDQGR QD UiGLR P~VLFD IHLD GH PDO JRVWR H YDPRV dizer, atĂŠ mal tocada. O povo quer isso! Quer algo vulgar... antes tinha duplo sentido. Agora nĂŁo. JĂĄ ĂŠ o sentido direto. O povo quer isso: o sentido direto. Quanto mais banal for a mĂşsica melhor pro povo. E isso tĂĄ em moda. Isso tĂĄ sendo YHQGLGR´ INFORMANTE FORROZEIRO 04). Âł2 PHUFDGR GR IRUUy HOHWU{QLFR p PXLWR YDULiYHO Wi VHPSUH Pudando, tĂĄ sempre inovando... atĂŠ porque as pessoas que curtem o forrĂł eletrĂ´nico... ĂŠ uma coisa muito momentânea. EntĂŁo, ĂŠ um mercado que cresce muito por isso, por que tĂĄ sempre mudando, sempre mudando... As mĂşsicas que sĂŁo boas vĂŁo divulgando... Quanto PDLV GLYXOJD PDLV DV SHVVRDLV DFHLWDP´ INFORMANTE FORROZEIRO 07). Âł(X FRQVLGHUR XP VXFHVVR YRX VHU EHP GXUR QHVVD SDODYUD R VXFHVVR KRMH p R dinheiro... EntĂŁo se vocĂŞ conseguir botar a mĂşsica pra tocar 10 vezes por dia, ou 20 vezes, ela vai bater tanto no ouvido do ouvinte que ela vai ser sucesso. Ela vai WRFDU WDQWR TXH YRFr YDL HVFXWDU D P~VLFD VHP TXHUHU´ INFORMANTE FORROZEIRO 08).
Essa repetição serial dos hits acontece em espaços distintos. As estaçþes de rådio são os exemplos mais tradicionais desse lócus de divulgação. Como destaca
158
2UWL] S DV UiGLRV )0 ³QmR VmR DSHQDV XP PHLR GH FRPXQLFDomR PDV LQVWkQFLDV GH FRQVDJUDomR GH XP GHWHUPLQDGR JRVWR´ Para algumas bandas, o rådio Ê um espaço de maior acessibilidade ¹ seja pelas mãos do capital, seja pelo apelo popular; para outras, entretanto, ainda Ê um espaço ainda a ser conquistado. ³$ JHQWH VDL GLYXOJDQGR R WUDEDOKR GD JHQWH $OJXPDV UiGLRV FREUDP SDUD SRGHU tocar a música, outras não. Querem novidade na rådio para dar audiência e WDO ´ (INFORMANTE FORROZEIRO 12). ³'H 3DUQDPLULP GDTXL SUD 0RVVRUy DRQGH HX FKHJDU FRP R &' GHOHV QXPD rådio Ê bem recebido. Aqui em Natal eles não tocam... 95, 96, 98 [FM]... as PDLRUHV >UiGLRV@ QmR WRFDP 7HP TXH SDJDU´ INFORMANTE FORROZEIRO 03). ³$V UiGLRV ORFDLV HODV QXQFD VH QHJDUDP D WRFDU D P~VLFD GH QRVVD EDQGD RX GD banda anterior que eu tava, assim como de qualquer outra banda aqui de João &kPDUD ´ INFORMANTE FORROZEIRO 04). ³+RMH DV EDQGDV SHTXHQDV GH SRUWH PpGLR-pequeno, [procuram] a pirataria, porque você não tem condiçþes de ir pra uma rådio e pagar 5 mil reais. Hoje as UiGLRV TXHUHP PLO UHDLV SDUD YRFr WRFDU XPD P~VLFD YH]HV YH]HV SRU GLD´ (INFORMANTE FORROZEIRO 08).
NĂŁo sendo as rĂĄdios mais populares Âą em termos quantitativos Âą um espaço tĂŁo democrĂĄtico, as bandas menores que ficam fora do circuito formal terminam se beneficiando de outros espaços para a divulgação de seu trabalho. DaĂ que as rĂĄdios locais das cidades interioranas sĂŁo espaços mais acessĂveis para artistas em busca de reconhecimento, conforme demonstraram os argumentos acima. Outros espaços de divulgação e provĂĄvel consagração de hits sĂŁo os famosos paredĂľes de som (potentes sons automotivos), espalhados pelas festas, bares, ruas, etc. Tocar freqĂźentemente nos paredĂľes de som pode significar expressiva distinção. AlĂŠm dos paredĂľes, as novas mĂdias digitais tambĂŠm sĂŁo fortes reforçadores da divulgação musical. Players de mĂşsica, celulares, Ipods, etc.: tudo estĂĄ a serviço da superexposição da mĂşsica. Prosseguindo na anĂĄlise das estratĂŠgias, a abordagem dos temas mais sugestivos da Âłmoda´ para a composição das letras tambĂŠm se torna essencial recurso de inserção positiva no mercado do forrĂł eletrĂ´nico. Tocar o TXH HVWi QD ÂłPRGD´ p condition sine qua non para YLYHU QHVWH QHJyFLR &RPR VXEOLQKD 2UWL] ÂłD
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familiaridade decorre da repetição. Esta, por sua vez, reforça e antecipa o que ĂŠ HVSHUDGR´ 257,= S Portanto, tocar nos temas mais sugestivos do forrĂł eletrĂ´nico, tais como sexo, amor e a prĂłpria festividade do evento forrozeiro, combinados com ĂĄlcool e diversĂŁo a todo custo, sĂŁo categorias temĂĄticas Ămpares para o sucesso (reflexĂŁo da seção 4.2 seguinte). Âł2 TXH PDUFD XP VXFHVVR p D P~VLFD HVWDU PDLV SHUWR GR SRYR WHQWDU IDODU D linguagem do povo. Se tĂĄ acontecendo muita traição, muita mulher traindo o marido, entĂŁo a mĂşsica tem que falar aquilo. Que a mulher nĂŁo presta, que ĂŠ vagabunda... Se o pessoal tĂĄ bebendo muito, tem muita festa, entĂŁo tem que falar aquilo. O pessoal gosta disso, escutar o que tĂĄ no contexto atual. AĂ vocĂŞ vai fazer uma mĂşsica toda rebuscada, toda harmonicamente perfeita, nĂŁo funciona isso. 9RFr WHP TXH ID]HU D P~VLFD GH DFRUGR FRP DTXHOH PHUFDGR´ INFORMANTE FORROZEIRO 11). Âł(X DFUHGLWR TXH D P~VLFD IDOH R TXH HOH TXer ouvir. Quando surgiu essa moda dos paredĂľes foi atravĂŠs de mĂşsica. Liga o paredĂŁo, faz nĂŁo sei o que... aĂ o pessoal FRPHoD D YHU R TXH UDSD] OLJD R SDUHGmR (X WHQKR XP FDUUR YRX ÂľERPEDUÂś quando chegar numa festa. A mĂşsica tĂĄ dizendo isso. Eu tenho um paredĂŁo, eu sou um garoto rico e quando eu chegar lĂĄ as gatinhas vĂŁo olhar pra mim. EntĂŁo quando ele liga isso, que a menina começa a ouvir, vem na cabeça dele que vai acontecer aquilo... e o interessante ĂŠ que as gatinhas fazem isso... Por isso que eles precisam dessas mĂşsicas [...] Eles chegam agora na mĂşsica e dizem que a moda ĂŠ uĂsque... antigamente era cerveja, agora ĂŠ uĂsque... por que a mĂşsica diz que a bebida do momento ĂŠ uĂsque. Agora no meio da mĂşsica tem o nome do uĂsque que eles bebem... a moda agora ĂŠ andar com um uĂsque Âľ2OG 3DUÂś QD IHVWD H HPSXUUD XtVTXH QHOD TXH HOD VREH HP FLPD GD PHVD´ INFORMANTE FORROZEIRO 04). Âł7HP TXH SDUWLU DVVLP SUR TXr TXH Wi QD PRGD e R TXH" 3DUHGmR &DEDUp Cachaça! Pronto! AĂ isso vai se juntando... Vamos fazer um negĂłcio que esteja no momento. Vamos juntar. Ă&#x2030; paredĂŁo, ĂŠ cachaça, mulherada, ĂŠ isso aĂ. Juntava uma FRLVD FRP D RXWUD D ID]LD DV FRPSRVLo}HV´ INFORMANTE FORROZEIRO 09). Âł6H YRFr TXHU ID]HU XPD P~VLFD TXH UHDOPHQWH YDL SHJDU QD FDEHoD GD JDOHUD ĂŠ YRFr ID]HU XPD P~VLFD TXH WHQKD ÂľIXOHUDJHPÂś Qp 2QGH WHQKD SDODYUDV GH GXSOR sentido: cabarĂŠ, bebedeira. Tem que ter bebida, mulher e sacanagem. Pronto! VocĂŞ fez a mĂşsica com essa junção, ĂŠ meio sucesso jĂĄ. Basta sĂł ter a sorte de ou vender pra uma banda JUDQGH RX DOJXpP LOXPLQDGR FKHJDU H LQYHVWLU HP YRFr´ (INFORMANTE FORROZEIRO 05). Âł+RMH HP GLD YRFr ID]HU XPD P~VLFD QmR p PXLWR GLItFLO QmR %RWH XP QHJyFLR GH uma fuleragem... desce e sobe... e de repente faz a mĂşsica, com quatro estrofes... vocĂŞ toca a mĂşsica umas dez vezes e pronto! E dependendo da divulgação o SHVVRDO FKHJD DWp JRVWDU´ INFORMANTE FORROZEIRO 01).
Temas como infidelidade, cachaça, cabarÊ, farras, paredþes de som, amores perdidos e conquistas amorosas se constituem nos temas de maior predileção dos compositores. Importa destacar, contudo, que a semente do sucesso não estå exatamente na imaginação do compositor, mas na própria cultura do ouvinte. Aliås,
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essa capacidade de prescrição do gosto popular Ê, de fato, marca dos managers do eQWUHWHQLPHQWR 3DUD *DEULHO 7DUGH S ³D IRUoD GRV SXEOLFLVWDV GHYH-se DQWHV GH WXGR DR FRQKHFLPHQWR LQVWLQWLYR TXH SRVVXHP GD SVLFRORJLD GR S~EOLFR´ 'Dt que se sabe o que tem probabilidade de sucesso e o que não tem. O outro elemento para a estabilidade e promoção do sucesso Ê a distinção econômica da banda: o que ela possui de infra-estrutura, quantas pessoas freqßentam o seu show, quanto cobra, quanto movimenta financeiramente, etc. Novamente enfatizando, o sucesso produz, em si, maior probabilidade de sucesso. As luzes da ribalta têm mais chances de se apagarem sem o capital a ser investido. Investindo, sempre hå mais uma flama. ³+RMH HP GLD R IRUUy WDPEpP p PXLWR YLVXDO 6H YRFr ERWDU $YL}HV VHP DTXHOD iluminação ali tambÊm não agrada muito não. Tem que ter a iluminação. O SHVVRDO VH LPSUHVVLRQDU FRP DTXLOR´ INFORMANTE FORROZEIRO 11). ³2 SULQFLSDO IXQGDPHQWR TXH H[LVWH p D TXHVWmR GD HVWUXWXUD HP VL R VKRZ 9RFr vê aquela estrutura cinematogråfica... você ter um bom transporte, pra você andar com sua banda... isso ilude muito o povo, que vai muito pelas aparências... uma cantora bonita, um cantor bonitão, uma banda bem arrumadinha... você sabe que faz uma diferençazinha... Um bom ônibus... chega na cidade, muitas vezes a pessoa não tå nem com vontade de ir pra festa, mas quando vê o ônibus diz: ah, eu vou pra festa que essa banda Ê boa. Analisa a banda pelo ônibus... vai no palco e vê a HVWUXWXUD Ki HVVD EDQGD p ERD´ INFORMANTE FORROZEIRO 02).
Daà que o sucesso depende muitas vezes mais do próprio sucesso do que de condiçþes tÊcnicas. Evidentemente, uPD P~VLFD SRGH ³HVWRXUDU´ QXPD JUDQGH EDQGD de forró eletrônico, em virtude da perspectiva empresarial do mercado, mais fåcil do que em bandas menores. As tåticas do mercado são persuasivas. O trecho da entrevista abaixo foi bastante ilustrativo dessa possibilidade: ³$ JHQWH FRPSURX YiULas composiçþes do trombonista da banda [...]67, que na Êpoca a banda tava muito bem aqui no Rio Grande do Norte. A gente comprou dez composiçþes dele pra gravar um CD próprio da banda... Aquela música que a gente comprou do trombonista, a gente gravou ela e tocou bastante tempo e não conseguimos estourar ela. E depois que [...] colocou no repertório deles conseguiu estourar´ INFORMANTE FORROZEIRO 08).
Conseq HQWHPHQWH VH DV EDQGDV VH IRUPDP QHVVH PHLR Âłsemi-LQGXVWULDO´ naturalmente as mĂşsicas criadas tambĂŠm sofrem os efeitos da racionalização do Nome excluĂdo para evitar qualquer identificação.
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mercado. A padronização musical observada nas cançþes, seja de ordem instrumental (serialização do material sonoro), seja de ordem temĂĄtica (serialização dos temas das cançþes), ĂŠ forte marca do gĂŞnero. Assim, a estandardização vigente nas mĂşsicas de forrĂł eletrĂ´nico constitui um forte indicador de sua estrutura musical. Com pouquĂssimos acordes Âą muitas vezes uma mĂşsica se faz inteiramente a partir de quatro acordes Âą H OHWUDV UHGX]LGDV D SRXFDV FDWHJRULDV WHPiWLFDV Âłfesta, amor e sexo´), o sucesso ĂŠ obtido com o mĂnimo de inventividade e o mĂĄximo de visĂŁo de mercado. Conforme sinopticamente nos relembra Silva (2003 S ÂłXPD caracterĂstica marcante ĂŠ que esses novos estilos de forrĂł costumam ter um forte DSHOR FRPHUFLDO´ Historicamente as mĂşsicas de forrĂł sempre apresentaram esse carĂĄter de padronização do material sonoro. Apenas uma apreciação nostĂĄlgica diria que as cançþes de Luiz Gonzaga nĂŁo eram, estruturalmente, mĂşsicas populares estandardizadas. Claro que eram! Muitas inclusive eram extremamente simples, tais como muitos sucessos atuais de bandas como AviĂľes do ForrĂł, Garota Safada ou Cavaleiros do ForrĂł. O fator tempo nĂŁo ĂŠ um bom indicador para comparaçþes. O exemplo a seguir, a mĂşsica A Dança do Ice, ilustra bem esse esquematismo musical. Feita em LĂĄ menor (Am), DĂł (C), Mi Menor (Em) e Sol (G), os acordes iniciam e terminam ciclicamente a mĂşsica, similarmente a quase todo padrĂŁo recorrente nas mĂşsicas do gĂŞnero:
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DANĂ&#x2021;A DO ICE Compositor: Norberto Curvelo 68
Figura 02 - Partitura Dança do Ice. Partitura: Arquivo Pessoal Pedro Henrique Tavares.
Segundo alguns mĂşsicos entrevistados, tal simplicidade ĂŠ marca estrutural nĂŁo apenas do forrĂł, mas de qualquer gĂŞnero musical popular. Nessa padronização, simplifica-se tanto o material sonoro, quanto o trabalho do mĂşsico. Âł2V IRUUyV DWXDLV HOHV QmR QmR WHP FRPSOH[LGDGH PHVPR SRUque a mĂşsica ĂŠ popular. E a mĂşsica ĂŠ de carĂĄter vocal, nĂŁo ĂŠ instrumental. NĂłs nĂŁo podemos esquecer disso. A mĂşsica nĂŁo ĂŠ feita para ser executada instrumentalmente. Ela ĂŠ feita pra questĂŁo vocal. Como se desenvolveu a cultura de a mĂşsica ser subsidial, de vocĂŞ descartar essa mĂşsica em pouco tempo, as grandes bandas nĂŁo vĂŁo perder o tempo do mundo todinho fazendo uma mĂşsica altamente rebuscada, porque sabe que aquilo ali ĂŠ um sucesso de momento [...] Quem toca em banda, jĂĄ conseguiu a assimilação do repertĂłrio contemporâneo do forrĂł dessas bandas... ĂŠ o que acontece. Eles nĂŁo crescem mais musicalmente, porque o estilo ĂŠ aquele ali... aquele ali ĂŠ o estilo, tĂĄ estagnado, nĂŁo vai passar daquilo... o mĂşsico ele jĂĄ sabe os clichĂŞs harmĂ´nicos utilizados, os melĂłdicos... ele jĂĄ conhece. Ele nĂŁo vai se GHVHQYROYHU PXVLFDOPHQWH H[HFXWDQGR DTXLOR´ INFORMANTE FORROZEIRO 10). Âłe WDQWR que vocĂŞ vĂŞ hoje em dia o vanerĂŁo69 sĂŁo trĂŞs notas. NĂŁo passa disso. LĂłgico que passa nĂŠ! Tem mĂşsica que tem atĂŠ mais acordes, mas normalmente de 68 A letra da Dança do Ice foi registrada por Norberto Curvelo, vocalista da banda de forrĂł Cangaia de Jegue. $ P~VLFD p XPD YHUVmR GD FDQomR Âł5LVH 8S´ GR 'M VXtoR <YHV /DURFN´ In: AUTORIA da Dança do Ice ĂŠ motivo de disputa. Nossacara.com, 14. abr. 2009. DisponĂvel em: http://www.nossacara.com/ver.php?id=4161. Acesso em: 07. jan. 2012. 69 GĂŞnero muito popular do Rio Grande do Sul (RS), sendo o cantor GaĂşcho da Fronteira um representante de renome nacional. No Nordeste teve certa adaptação com o forrĂł eletrĂ´nico nos anos 1990, principalmente
163 quinze mĂşsicas de forrĂł, dez vocĂŞ pega ĂŠ lĂĄ menor e sol, lĂĄ menor e sol; quando nĂŁo ĂŠ isso ĂŠ lĂĄ menor, fĂĄ, dĂł e sol, nĂŁo passa disso [...] Hoje em dia, Ă s vezes, eu jĂĄ me deparei vĂĄrias vezes, vocĂŞ vai montar um forrĂł novo ou atĂŠ mesmo vocĂŞ jĂĄ pega um que jĂĄ ta tocando, e vai tentar colocar alguma coisa, seja um solo ou algum entrosamento de uma mĂşsica pra outra, o povo diz nĂŁo, nĂŁo, isso tĂĄ muito FRPSOLFDGR 9DPRV ID]HU XP QHJyFLR VLPSOHV PHVPR XP QHJyFLR PDLV ÂľVXMRÂś XP QHJyFLR ÂľVXMRÂś p R TXH HX ID] VXFHVVR TXDQWR PHQRV YRFr IL]HU PHOKRU´ (INFORMANTE FORROZEIRO 05). Âł(VVH SHVVRDO TXH WRFD QHVVDV EDQGDV WHP PXLWD SUHJXLoD GH HVWXGDU WHYH XP aluno meu que tocou no [...]70 durante 16 anos... foi tecladista... Tocou 16 anos e nunca aprendeu a ler partitura [...] NĂŁo tem qualificação. Toca por intuição. Toca muito tempo... se ele escutar uma mĂşsica ele vai lĂĄ e toca na mesma hora. Ele jĂĄ tem muita prĂĄtica naquilo... EntĂŁo eles tocam bem, pra tocar aquilo tocam bem, porque forrĂł musicalmente nĂŁo ĂŠ uma mĂşsica que precisa vocĂŞ ser bom. VocĂŞ nĂŁo precisa improvisar, nĂŁo precisa saber acordes complicados. Acordes com trĂŞs dedos tocam um forrĂł. Eles nĂŁo se qualificam. Deixam a vida levar atĂŠ aonde der [...] ForrĂł hoje ĂŠ um estilo feito pra vocĂŞ cada vez mais dançar, principalmente os de hoje que eles dĂŁo muita ĂŞnfase na parte rĂtmica, a bateria... a mĂşsica ĂŠ toda em cima da bateria... e harmonicamente nĂŁo pode ser difĂcil, por que ĂŠ tipo assim: o pessoal tĂĄ acostumado a um tipo de mĂşsica de fĂĄcil harmonia. EntĂŁo se colocar uma harmonia mais difĂcil, complicada, eu acho que nem os prĂłprios cantores conseguem cantar, porque nĂŁo sĂŁo acostumados a isso... Pra vocĂŞ ter uma ideia, se eu for tocar uma mĂşsica, for pegar Djavan, dependendo da mĂşsica eu acho que passo um dia todo escutando os acordes ali pra pegar. E ForrĂł se vocĂŞ me der XPD DOL HP GRLV PLQXWRV HX WRFR 4XDOTXHU XP´ INFORMANTE FORROZEIRO 11).
Todavia, mesmo na simplicidade intrĂnseca ao gĂŞnero e na imposição da mesmice pelo mercado, reconhece-se que o mĂşsico empregado no forrĂł precisa ter o habitus musical do estilo. Segundo alguns mĂşsicos, ĂŠ preciso ter qualificação para a ÂłSHJDGD´ GR IRUUy Apesar da simplicidade, nem todos conseguem se adequar. Âł7XGR R TXH YRFr WHP FRQWDWR GLUHWR FRWLGLDQo, se torna simples. Pra vocĂŞ ter uma ideia, o mĂşsico de jazz na maioria das vezes nĂŁo consegue tocar forrĂł. Tudo se dĂĄ na mĂşsica ocidental atravĂŠs de clichĂŞs harmĂ´nicos. As bandas de forrĂł nĂŁo sĂŁo diferentes... isso aĂ na mĂşsica tonal ĂŠ impossĂvel de fugir disso... isso aĂ ĂŠ uma questĂŁo de estilo... O que eu vejo ĂŠ que quem tem contato com a linguagem, tem domĂnio da linguagem... esses mĂşsicos acham fĂĄcil... ĂŠ questĂŁo de haver um repertĂłrio comum a todos. Como os mĂşsicos tĂŞm um contato direto com a linguagem e com o repertĂłrio, isso ĂŠ do cotidiano, eles sĂł fazem isso, aĂ se torna fĂĄcil. Um estilo segue determinados clichĂŞs. Mesmo que a mĂşsica seja um sucesso novo, se quer se enquadrar naquele estilo, vai ter que seguir a tessitura do estilo... Eu tenho um colega... que ele nĂŁo consegue acompanhar forrĂł, e ele ĂŠ um jazzista fantĂĄstico, fabuloso. Mas por falta de identificação com o estilo, nĂŁo consegue VDEHU SDUD RQGH D P~VLFD Wi HYROXLQGR´ INFORMANTE FORROZEIRO 10).
a partir de bandas como, por exemplo, CanĂĄrios do Reino. Popularmente o termo vanerĂŁo tem sido atribuĂdo as bandas de forrĂł eletrĂ´nico que dĂŁo forte ĂŞnfase a bateria e ao contrabaixo. Contudo, tal adaptação estĂĄ muito distante do vanerĂŁo tipicamente gaĂşcho. 70 Nome excluĂdo para evitar qualquer identificação.
164 ³4XHLUD RX QmR TXHLUD HVVD JDOHUD SRGH Qão ter estudo, mas de ouvido eles são bons... eles escutam as músicas e em meia hora tå formado o repertório. E as músicas, quando o músico Ê freelancer, jå são conhecidas, não vai ter nada novo. Então a maioria sabe tocar [...] se conhece não precisa perder tempo... se diz que Wi ¾DWXDOL]DGRœ Qp" 2 P~VLFR Wi DWXDOL]DGR (X WRFDYD PXLWR GH IUHHODQFHU tambÊm... eu tava com o repertório todo atualizado, porque quando eu sai de banda eu tocava em shoppings aqui em Natal, fazia a noite... aà tocou na rådio eu tinha que tå tocando no outro dia. Então essa galera que vive de freelancer tem TXH Wi DWXDOL]DGD 6H QmR WLYHU QmR WHP FRPR WRFDU´ INFORMANTE FORROZEIRO 11). ³1mR YRX GL]HU TXH RV P~VLFRV VmR UXLQV GH IRUPD DOJXPD 2V P~VLFRV VmR ERQV mas assim, a qualidade da música Ê muito baixa... pra fazer sucesso tem que ser pobre, tem que ser três acordes... pro ouvinte Ê a facilidade... Acho que o seu ouvido suga bem mais uma música com três acordes... lå menor, sol, mi... lå PHQRU VRO PL R WHPSR WRGLQKR ´ INFORMANTE FORROZEIRO 05).
Nesse sentido, segundo os dois blocos de depoimentos acima, parece ser mais importante na produção do forrĂł eletrĂ´nico, para alĂŠm da capacidade tĂŠcnica do mĂşsico, estar atualizado com o repertĂłrio da moda e seguir os clichĂŞs do gĂŞnero. O mĂşsico freelancer tem sido, pois, personagem emblemĂĄtico dessa flexibilização do trabalho musical. Âł(VVH SHVVRDO GH IUHHODQFHU HVFXWD PXLWR IRUUy -i TXH HOH WRFD GH IUHHODQFHU HOH toca em vĂĄrias bandas. EntĂŁo ele tem um repertĂłrio prĂłprio na cabeça dele... ele vem com o repertĂłrio todo feito jĂĄ. Ă&#x2030; sĂł anotar tal mĂşsica e ´ INFORMANTE FORROZEIRO 01).
A estandardização Ê, então, produto e produtora do forró (negociação presente nos jogos de mercado). Os depoimentos acima não enfatizam apenas o lado da produção, mas tambÊm, o fluxo da recepção. Segundo alguns informantes, o ouvinte assimila melhor as músicas enquadradas nos lugares-comuns do estilo. Daà que a estandardização, como categoria de anålise sociológica, implica em considerar que o que o ouvinte de forró eletrônico escuta não depende apenas das necessidades criativas dos músicos e de outras variåveis do gênero, mas, sobretudo, da maneira como o forró se organiza como um negócio. Tudo se inicia com o que Hobsbawm (1990) chamou de revolução industrial do entretenimento popular. Para ele, uma música produzida artesanalmente não poderia dar conta das amplas demandas dos mercados crescentes e pujantes, o que passa a exigir, para alÊm de músicos artesanais, o surgimento da música comercial. Tal música enquanto negócio não objetiva aspirar a perfeiçþes estÊticas: o ingresso
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no mercado dos lucros musicais ĂŠ seu maior desĂgnio. AlĂŠm da uniformização e previsibilidade do instrumental musical, a letra sofre os mesmos efeitos. Basta que a canção seja IiFLO H ÂłFDQWiYHO´ SDUD R PDLRU S~EOLFR SRVVtYHO TXH Mi se pode antever um sucesso. Seus temas sĂŁo restritos, excluem o controverso, o pouco familiar e, acima de tudo, excluem a realidade (HOBSBAWM, 1990). No presente forrĂł eletrĂ´nico as letras das cançþes giram em torno de poucos temas e, no mais, nĂŁo duram muitas semanas nas paradas de sucesso. A jĂĄ citada letra de Âł7i (VWRXUDGR´ pode ser considerada um retrato do repertĂłrio temĂĄtico do moderno forrĂł eletrĂ´nico. Abordando genericamente temas como cabarĂŠ (bordel), cachaça (aguardente), paredĂŁo de som (potentes aparelhos de som instalados nos porta-malas dos automĂłveis) e rapariga (meretriz), as letras sĂŁo quase prescriçþes XPDV GDV RXWUDV 1mR p GLItFLO LPDJLQDU R VXFHVVR TXH LUi ÂłHVWRXUDU´ daqui a algumas semanas. As possibilidades de distorção desse padrĂŁo temĂĄtico sĂŁo curtas e, no mais, permanece a dominância de cançþes que nĂŁo chegam a durar trĂŞs meses na preferĂŞncia popular. AliĂĄs, para alguns ouvintes, escutar mĂşsicas que jĂĄ estĂŁo fora do circuito forrozeiro em vigor ĂŠ considerado um atraso. MĂşsicos e empresĂĄrios assinalam a questĂŁo da efemeridade de muitas mĂşsicas ao reconhecerem o lado ÂłdescartĂĄvel´ de grande parte das cançþes que conseguem chegar ao sucesso massivo (talvez fosse melhor usar a palavra reciclĂĄvel, visando enfatizar o carĂĄter mercantil do termo). Nesse sentido nĂŁo se pode deixar de antever certo realismo dos grupos musicais e empresĂĄrios. NĂŁo se faz tal canção acreditandoVH VLPSOHVPHQWH TXH VH HVWi SURGX]LQGR XPD SpUROD GD FKDPDGD Âł0~VLca Popular %UDVLOHLUD´ $R FRQWUiULR GR TXH VH SRGHULD LPDJLQDU R P~VLFR UHFRQKHFH determinadas imposiçþes do mercado e, ora as aceitando, ora as negociando (ou mesmo rejeitando), cria e recria as vicissitudes do enĂŠrgico mercado forrozeiro. Sabese, pois, que a mĂşsica ĂŠ passageira e tem que, obstinadamente, durar o mĂĄximo que permitir as regras internas do mercado. As vĂĄrias alegaçþes a seguir comprovam, em unanimidade, a efemeridade das cançþes:
166 Âł6H HOD IRU XPD P~VLFD PDLV GHVFDUWiYHO HOD SDVVD GH GRLV e meio a trĂŞs meses; se ela for uma mĂşsica romântica, mĂşsica que fale de amor, ela passa seis, sete meses > @ 'HVFDUWiYHO p DVVLP ÂľYRX QmR TXHUR QmR p ÂľKRMH p FDFKDoD PXOKHU H JDLDÂś HVVD p GHVFDUWiYHO 6mR P~VLFDV HVWULWDPHQWH FRPHUFLDLV ´ (INFORMANTE FORROZEIRO 06). Âł2 IRUUy HOHWU{QLFR p TXHVWmR GH PRYLPHQWR HQWmR XPD P~VLFD YHP HOD ILFD Dt dois meses, trĂŞs meses, e com um tempo ela sai, porque sĂŁo mĂşsicas que nĂŁo vĂŁo ficar pra sempre [...] Ă&#x20AC;s vezes quando vocĂŞ faz um trabalho de momento, pode SDVVDU GRLV WUrV PHVHV H DFDEDU H YRFr ILFDU HVTXHFLGR´ INFORMANTE FORROZEIRO 07). Âł-i SDVVRX p FRPR VH IRVVH XP ÂľVXFHVVR GH YHUmRÂś WHPSRUiULR Mi SDVVRX ninguĂŠm nĂŁo canta mais... NĂŁo dura nem um ano... nĂŁo dura nem seis meses... uma P~VLFD TXH IDOH ÂľFDUUR SDQFDGmRÂś GXUD XPD VHPDQD 5RGD QD LQWHUQHW URGD URGD e depois tem que vir outra porque nĂŁo tem o que dizer. Ă&#x2030; sĂł pancada, pancada e dois tons [...] Ă&#x2030; igual, ĂŠ tudo igual... atĂŠ os gritos... a pancada ĂŠ a mesma. A voz ĂŠ igual... as bandas, se nĂŁo disser o nome na hora, o cara fica: - TXHP Wi WRFDQGR"´ (INFORMANTE FORROZEIRO 03). Âł2V HPSUHViULRV VDEHP PXLWR EHP GLVVR (OHV ID]HP muito bem feito isso. O dono da banda [...]71, quando ele veio me mostrar, a gente tava nesse quarto aqui, mostrou a mĂşsica [x]. Sabe? Mostrou a primeira vez... tem uma nota na mĂşsica que nĂŁo tem nada a ver, assim um negĂłcio fora mesmo, horrĂvel, nĂŁo tem nada a ver com a escala, ele pegou o dedo caiu na outra tecla sem querer. Ficou horrĂvel aĂ eu falei: se vocĂŞ quiser levar pro estĂşdio eu conserto esse erro, essa nota aqui eu conserto. AĂ o que ele falou: ... nĂŁo, o pessoal gosta de merda, a gente nĂŁo pode consertar nĂŁo senĂŁo nĂŁo vende. Falou isso. Nunca esqueci disso. E estourou o [...]. SĂł Deus sabe quanto ele ganhou de dinheiro [...] Se for ficar bom o pessoal nĂŁo gosta. Tem que ser uma porcaria mesmo ... Agora essas bandas que fizeram sucesso eu acredito que o dono da banda mesmo sabe que aquilo ĂŠ determinado um perĂodo ali. Ă&#x2030; pra vender aquilo. Ă&#x2030; um comĂŠrcio. Vai lotar nĂŁo sei quantas mil pessoas numa casa de show e vai ser vendido. Depois aquilo acaba. AviĂľes mesmo Mi FDLX 6H YRFr IRU YHU KRMH HP GLD Mi WHP RXWUDV EDQGDV TXH Wi PDLV VXFHVVR´ (INFORMANTE FORROZEIRO 11). Âł8PD VHPDQD 1R Pi[LPR XPD VHmana. Sempre toda semana vocĂŞ tem uma mĂşsica nova. Ela chega atĂŠ a durar mais do que isso no mercado, mas a hora do pipoco dela ĂŠ ali, uma semana e pouco e morreu. E ali vocĂŞ trabalha com ela dois meses no mĂĄximo, estourando, e jĂĄ tem que ter algo novo [...] Se a gente fosse manter um repertĂłrio novo, basicamente toda semana nĂłs terĂamos que montar WUrV P~VLFDV´ INFORMANTE FORROZEIRO 04). Âł$JRUD WHP P~VLFD FODUR TXH D JHQWH HVFXWD H TXDQGR SDVVD GRLV PHVHV WUrV meses, a gente esquece a letra e nĂŁo quer escutar mais [...] Tudo que ĂŠ novidade o pessoal gosta. AtĂŠ que essa novidade nĂŁo seja nem tĂŁo boa... Elas passam um WHPSR HVWRXUDGDV WRGR FDQWR HODV WRFDP PDV DOL p SDVVDJHLUR´ INFORMANTE FORROZEIRO 01). Âł3RUTXH WHP FHUWRV IRUUyV KRMH TXH YRFr ID] TXe sĂŁo descartĂĄveis. VocĂŞ toca ele hoje, quando ĂŠ com dois meses as bandas jĂĄ tiram do repertĂłrio [...] Eu acho que quando ĂŠ assim uma mĂşsica descartĂĄvel ela dura no mĂĄximo trĂŞs meses... Uma mĂşsica que eu considero descartĂĄvel ĂŠ, por exemplo, aquela mĂşsica ÂľDUUXPH D PDOD DtÂś D ÂľUXUDOÂś 8PD GDV P~VLFDV SRU TXH WHP YiULDV P~VLFDV $TXHOD P~VLFD 71 Nome excluĂdo para evitar qualquer identificação.
167 ¾ODSDGD QD UDFKDGDœ 8PD P~VLFD GHVVD YRFr Wi YHQGR TXH QmR WHP QDGD p Vy SUR PRPHQWR TXDQGR YRFr Wi FXUWLQGR ´ INFORMANTE FORROZEIRO 08).
Uma das advertĂŞncias a serem feitas nesse tĂłpico ĂŠ que, segundo nĂŁo apenas os entrevistados, mas tambĂŠm parte substancial dos ouvintes (seção 5.1), as mĂşsicas mais descartĂĄveis nĂŁo constituem efetivamente o conjunto total de cançþes presentes no forrĂł eletrĂ´nico, mas sim, especificamente as que tratam de temas em demasiado apelo Ă s bebedeiras, farras e relaçþes sexuais. Para os mĂşsicos e empresĂĄrios entrevistados, mĂşsicas de carĂĄter sentimental, bem como os forrĂłs tradicionais (no estilo pĂŠ-de-serra), possuem outro tratamento do ponto de vista do consumo: maior reconhecimento, durabilidade, qualidade, etc. DaĂ que mesmo no maior pessimismo em relação ao forrĂł eletrĂ´nico, as mĂşsicas do forrĂł pĂŠ-de-serra e as cançþes de cunho sentimental ficam um pouco distantes da listagem das cançþes rejeitĂĄveis, isto ĂŠ, conseguem durar mais. Bandas eletrĂ´nicas que fizeram sucesso nos anos 1990 ainda hoje despertam muito reconhecimento, alĂŠm dos forrozeiros tradicionais, tais como Dominguinhos, FlĂĄvio JosĂŠ, Alcymar Monteiro, Jorge de Altinho, Amazan e Waldonys. Âł2 IRUUy Sp-de-serra ĂŠ uma linha que nunca acaba, tem essa vantagem. VocĂŞ faz um trabalho numa linha musical como ĂŠ o forrĂł pĂŠ-de-serra, ele leva um certo tempo a crescer, mas quando ele cresce, vocĂŞ fica conhecido, vocĂŞ nĂŁo cai. Ă&#x2030; uma lLQKD TXH WHP WRGR DQR YRFr WRFD WRGR DQR ´ INFORMANTE FORROZEIRO 07). Âł4XDQGR YRFr ID] XPD P~VLFD PDLV WUDEDOKDGD XPD P~VLFD TXH HOD WHP XPD OHWUD e fala realmente uma verdade, uma histĂłria de amor, uma mulher que deixou um homem, um homem que deixou uma mulher, aquela mĂşsica vai ficar marcada por ORQJR WHPSR´ INFORMANTE FORROZEIRO 08).
Assim, o mercado sabe o que faz sucesso de imediato ¹ com certa descartabilidade ¹ e o que exige maior dispêndio de trabalho (durabilidade). ³3UD uma banda nova hoje começar com uma música romântica ela vai ter muita dificuldade... Se você vai lançar um disco eu diria pra começar com uma mais FRPHUFLDO H HP VHJXLGD ODQoDU XPD PDLV URPkQWLFD´ INFORMANTE FORROZEIRO 06).
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Na mesma mĂŁo, os entrevistados tambĂŠm reconhecem a padronização como necessidade do mercado 72. Sabem que a mĂşsica deve ser feita desta forma. Imitar Âą seja buscando seguir os clichĂŞs, seja regravando literalmente Âą e ser imitado sĂŁo marcas do gĂŞnero para ser distinguido, mesmo que efemeramente. Novamente frisando, num mercado em que a pirataria e a precarização do direito autoral sĂŁo marcantes, nada mais lĂłgico do que copiar o sucesso como estratĂŠgia para o sucesso. Alguns vĂŞm nisso algo positivo, outros nem tanto. As avaliaçþes sĂŁo distintas, mas, no nĂşcleo de cada uma, reside a constatação da padronização como recurso de competitividade e estruturação do mercado. A estandardização ĂŠ a regra. Âł4XDQGR HX FRPHFHL R PHX ~QLFR SDWrimĂ´nio era uma mĂşsica chamada [...]73 Hoje ninguĂŠm pode dizer que o ativo da empresa ĂŠ uma mĂşsica, porque qualquer um SRGH SHJDU VXD P~VLFD H GL]HU TXH p GHOH´ INFORMANTE FORROZEIRO 06). Âł3RUTXH no mercado a gente tem que tĂĄ tocando o que as outras bandas relativamente maiores que a gente tĂŁo tocando. A gente tem que seguir o repertĂłrio deles pra poder agradar o pĂşblico [...] Hoje vocĂŞ vai pra um palco, tem quatro bandas... de repente vocĂŞ tĂĄ ali... com 15 minutos jĂĄ começa outra banda, ĂŠ o mesmo repertĂłrio. Outra banda ĂŠ o mesmo repertĂłrio... pouco tĂĄ mudando. O que tĂĄ mudando de uma banda pra outra ĂŠ uma estruturazinha... se nĂŁo seguir... nĂŁo toca, nĂŁo faz sucesso [...] Geralmente cada CD que a gente lança a gente coloca uma ou duas mĂşsicas de gente de dentro da banda... Ă s vezes compositores famosos, como [...]74; por exemplo, a gente lançou a mĂşsica [x], uma mĂşsica bastante conhecida no mundo do forrĂł, que ĂŠ de [...]. A Ăşnica banda que gravou com a autorização deles, autorização documentada e tudo deles, foi a nossa banda. Gravou... mas aĂ todos começaram a pegar a mĂşsica, de caronD H WRFDU ´ (INFORMANTE FORROZEIRO 02). Âł+RMH D JHQWH WHP TXH LU DWUiV GR TXH Wi ID]HQGR VXFHVVR ( TXHP p KRMH VXFHVVR" Ă&#x2030; AviĂľes, Garota Safada... e a gente tem que seguir a linha deles. Procurar fazer algo atĂŠ diferente, mas seguindo mais aquela linhD GHOHV´ INFORMANTE FORROZEIRO 09). Âł6H IRUHP WUrV EDQGDV TXH WLYHUHP WRFDQGR WUrV EDQGDV GH IRUUy VmR DV PHVPDV P~VLFDV TXH DV WUrV YmR FDQWDU´ INFORMANTE FORROZEIRO 01). Âł+RMH YRFr YDL QXP VKRZ WHP WUrV EDQGDV GH IRUUy p R PHVPR UHSHUWyULR 6H tiver uma mĂşsica estourada as bandas todas tocam... O forrĂł hoje ele tĂĄ muito assim: toda mĂşsica se transforma em forrĂł... e todo dia surge banda de forrĂł nova, aĂ vai pegando uma mĂşsica nova... e quem nĂŁo tiver com o repertĂłrio atualizado hoje 72 9DOH GHVWDFDU TXH HVVD LQG~VWULD FXOWXUDO IRUUR]HLUD Âł no es simplesmente cosa de la mala voluntad, ni quizĂĄs tampoco asunto de incompetencia de los participantes, sino un producto del antiespĂritu objetivo. Con innumerables mecanismos domina hasta a los productores. Un nĂşmero grande de ellos reconoce la perversiĂłn de todo el asunto, quizĂĄs no siempre mediante conceptos teĂłricos, pero sĂ quizĂĄs a travĂŠs de su sensibilidad estĂŠtica ´ (ADORNO, 1969, p. 88). 73 Nome excluĂdo para evitar qualquer identificação. 74 Nome excluĂdo para evitar qualquer identificação.
169 não tå no mercado. São muitas bandas de forró fazendo música e você tem que tå VHPSUH DWXDOL]DQGR R UHSHUWyULR SRUTXH VHQmR ILFD SUD WUiV´ INFORMANTE FORROZEIRO 08).
Neste palco de imitação, atĂŠ a busca pela padronização vocal se faz presente no forrĂł eletrĂ´nico. 7HU D FKDPDGD ÂłYR] FRPHUFLDO´ RX VHMD XPD YR] SDUHFLGD FRP D dos cantores em maior evidĂŞncia, ĂŠ requisito distintivo e importante para o acesso no mercado. Como adverte Janotti JĂşnior (2006), a dicção na canção popular massiva estĂĄ diretamente associada a uma cadeia midiĂĄtica em que os aspectos comerciais sĂŁo melhor evidenciados. Destarte, ĂŠ possĂvel afirmar que atualmente ter uma voz parecida com a dos vocalistas das bandas AviĂľes do ForrĂł e Garota Safada significa um forte passaporte para o ingresso no mercado das paisagens forrozeiras. Âł+RMH HVVDV EDQGDV WXGR WrP D YR] SDUHFLGD FRP D GH $OH[DQGUH >$YL}HV GR ForrĂł]. Os cantores acham interessante a voz dele pra poder tentar imitar aquela voz, porque tĂĄ mais no mercado aquela voz... ĂŠ a voz que tĂĄ mais comercial, que o SHVVRDO Wi JRVWDQGR PDLV´ INFORMANTE FORROZEIRO 01). Âł+RMH TXHP WHP XPD ÂľYR] FRPHUFLDOÂś SHOR PHQRV SDUHFLGD FRP HVVH SHVVRDO TXH Wi na mĂdia aĂ, como esse menino de AviĂľes... esse rapaz de Garota Safada... entĂŁo os cantores eles nĂŁo tentam nem tanto criar um estilo prĂłprio, eles querem... pra eles p YDQWDJHP TXH D YR] GHOH VHMD SDUHFLGD FRP D GHVVH SHVVRDO´ INFORMANTE FORROZEIRO 02).
Logicamente, alguns grupos musicais se negam a incluir em seu repertório determinados hits considerados descartåveis e/ou ter a imitação como meta de carreira (geralmente àqueles artistas mais ligados ao chamado forró pÊ-de-serra); outros grupos fazem um contraponto entre o mercado dominante e seus anseios pessoais como profissionais; e outros buscam dominar a cena com os grandes hits da moda. Os três exemplos abaixo ilustram essa breve tipologia: ³(X QmR PH YHMR WRFDQGR XPD P~VLFD GH GXSOR VHQWLGR 1mR LD ILFDU ERP SUD PLP mas... jå cheguei a tocar no começo. Quando eu tava começando, tocava num canto pois o pessoal pedia. Mas hoje não... eu tinha que criar uma referência PXVLFDO´ INFORMANTE FORROZEIRO 07). ³5HDOPHQWH HX WRFR HVVH ¾YDQHLUmRœ SRUTXH R PHUFDGR SHGH TXH WRTXH PDV QmR p GR PHX JRVWR QmR´ INFORMANTE FORROZEIRO 08). ³6HPSUH IRL Vy IRUUy 1RVVa årea foi sempre foi forró. O estilo eletrônico. Sempre IRL HP FLPD GH $YL}HV GR )RUUy *DURWD 6DIDGD HVVH UHSHUWyULR Dt´ (INFORMANTE FORROZEIRO 09).
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Logo, nĂŁo dĂĄ para pensar no mercado do forrĂł eletrĂ´nico como um mercado homogĂŞneo e coeso. Muitas disputas por legitimidade e aceitação popular estĂŁo em jogo. Importa, por conseguinte, pensar o mercado do forrĂł hoje como um mercado musical dinâmico, flexĂvel e conflituoso. Contudo, pensando especificamente nas grandes cifras desse negĂłcio, o lado comercial tem dominado o forrĂł eletrĂ´nico de maior evidĂŞncia na preferĂŞncia popular. A produção ĂŠ racionalizada, padronizada e massificada. Hobsbawm jĂĄ havia percebido tal fenĂ´meno na mĂşsica popular: A produção em linha de montagem na mĂşsica, uma das poucas realizaçþes realmente originais e terrĂveis de nosso sĂŠculo nas artes, tem seu melhor exemplo na mĂşsica pop padrĂŁo. A variedade de mĂşsica nĂŁo processada ĂŠ reduzida uniformemente a uns poucos modelos de produção principais, ou atĂŠ, na imensa maioria dos casos, a um sĂł [...] O resto ĂŠ mecânico. O inventor da canção, que sĂł precisa ser capaz de assobiĂĄ-lo, o entrega ao harmonizador, e este, por sua vez, Ă quela pessoa cada vez mais importante em todo esse processo, o orquestrador, que ID] R ÂľDUUDQMRÂś RX VHMD UHDOPHQte decide como a mĂşsica irĂĄ soar [...] No entanto, a mĂşsica pop, padronizada desta maneira em uns poucos modelos de produção e venda tem duas desvantagens comerciais fundamentais: carece de variedade e Âą ĂŠ Ăłbvio Âą tambĂŠm de flexibilidade e originalidade. Fabricar uma salsicha cultural ĂŠ uma verdadeira realização, porĂŠm atĂŠ mesmo o maior entusiasta se cansa de salsichas. A indĂşstria soluciona este problema colocando a variedade artificial da ÂľQRYLGDGHÂś QR OXJDU GD YDULHGDGH QDWXUDO TXH H[LVWH QD P~VLFD SUp-industrial (HOBSBAWM, 1990, p. 180-183, grifo nosso).
Prontamente, o forró eletrônico não se trata de um negócio para amadores, mas sim, de profissionais. AlÊm do mais, as bandas de menor expressão sobrevivem quase que a vida inteira no anonimato do grande público, sendo conhecidas ¹ via de regra ¹ apenas em suas cidades de origem e seus respectivos limites geogråficos. As dificuldades são muitas e a competitividade Ê rigorosa para as bandas consideradas de pequeno porte. Os maiores empresårios do setor possuem, alÊm da estrutura de capital, toda uma rede social voltada à comercialização de seus produtos. As dificuldades alegadas pelos entrevistados de bandas de pequeno e mÊdio porte giram basicamente em torno da competitividade vigorosa (seja pelo excesso de bandas, seja pela estrutura de competição em rede) e da sazonalidade (vigente essencialmente para as pequenas bandas): ³(ODV RV JUDQGHV JUXSRV GH IRUUy WrP SURGXWRV WDQWR GR SHTXHQR DR JUDQGH porte. Com certeza, na hora de abrir um evento, ela vai querer colocar um produto GHOD 1mR YDL DEULU HVSDoR SUD RXWUDV EDQGDV SHTXHQDV´ INFORMANTE FORROZEIRO 12).
171 Âł3RUTXH p XPD FRLVD TXH QmR p HVWiYHO WHP XPD pSRFD TXH Wi ERP H WHP XPD ĂŠpoca que tĂĄ ruim. Ă&#x20AC;s vezes a gente toca hoje e nĂŁo toca amanhĂŁ. Ă&#x20AC;s vezes toca direto e Ă s vezes nĂŁo toca. NĂŁo ĂŠ uma empresa que vocĂŞ trabalha hoje, trabalha tal KRUD GH WDO KRUD YRFr YROWD YRFr YDL QmR p HVWiYHO´ INFORMANTE FORROZEIRO 07). ³V YH]HV D JHQWH WHP XPD EDQGD FRP WRGD TXDOLGDGH WRGD HVWUXWXUD jV YH]HV Sor causa de R$ 200,00, por causa de uma simples refeição, uma simples hospedagem, o empresĂĄrio leva uma outra banda que nĂŁo exigiu aquilo [...] Hoje vocĂŞ tem que primeiro ser de Fortaleza [CearĂĄ]... VocĂŞ tem a melhor banda do Brasil, se nĂŁo for de Fortaleza nĂŁo presta... A maior dificuldade da gente sĂŁo as bandas de )RUWDOH]D´ INFORMANTE FORROZEIRO 02). Âł4XDQGR YRFr FRPHoD D SDUDU GH ID]HU VXFHVVR TXH FRPHoD D DSDUHFHU PDLV umas 15 bandas, todo dia surgindo uma diferente, sendo o mesmo sucesso do seu tamDQKR R VHX HPSUHViULR Mi FRPHoD D WHU GLILFXOGDGHV´ INFORMANTE FORROZEIRO 04).
Na outra ponta do mercado, as maiores bandas de forrĂł eletrĂ´nico possuem uma histĂłria muito Ăntima com o descrito no inĂcio do capĂtulo, isto ĂŠ, expressivo volume de capital injetado na banda. NĂŁo sĂŁo gerenciadas especificamente por mĂşsicos, mas sim, pelos empresĂĄrios do entretenimento, alguns deles sem qualquer ligação prĂŠvia com a atividade musical. Evidentemente, outras bandas, fugindo desse padrĂŁo, tĂŞm sua ascensĂŁo atravpV GDV RSRUWXQLGDGHV SURSRUFLRQDGDV SHOR FDUiWHU ÂłDEHUWR´ GR PHUFDGR ,QLFLDPse em torno de um nĂşcleo amador e, a depender das oportunidades locais, podem terminar por ampliar sua ĂĄrea de influĂŞncia. Essas bandas pequenas tĂŞm uma histĂłria muito parecida: parte-se de um pequeno grupo de mĂşsicos, geralmente organizados HP ÂłJDUDJHQV´ FRP R REMHWLYR GH UHDOL]DomR GH IHVWDV HP WRUQR GH HYHQWRV ORFDLV casamentos, aniversĂĄrios, formaturas, etc. Âł3DUWLX GD LGHLD GH XP WHFODGR FRP XP FDQWRU 6y TXH IRL FUHVFHQGR e tornou-se XPD EDQGD IRL FUHVFHQGR FUHVFHQGR H FDGD YH] PDLV SHGLQGR ÂľYDPRV ERWDU XP EDL[RÂś YDPRV ERWDU XPD JXLWDUUD 9DPRV ERWDU XP VDQIRQHLUR $L IRL FUHVFHQGR H YLURX XPD EDQGD´ ,1)250$17( )2552=(,52
De acordo com Hobsbawm (1990), na medida em que o mercado musical popular se torna uma possibilidade comercial, a estrutura empresarial cresce em volta desse nĂşcleo nĂŁo comercial. Com o forrĂł ocorre a mesma tendĂŞncia e, dependendo desse mercado aberto, artistas de menor estrutura financeira podem ter alguma
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ascensĂŁo, duradoura ou passageira. Contudo, essa possibilidade caseira e duradoura nĂŁo tem sido regra no forrĂł eletrĂ´nico. Outra possibilidade de criação organizacional nasce da dissidĂŞncia de mĂşsicos GH EDQGDV Mi FRQVDJUDGDV H D SDUWLU GD ÂłSRSXODULGDGH´ GHsse dado artista dissidente Âą geralmente vocalista Âą, faz-se surgir um novo grupo forrozeiro. Âł+RMH HX YHMR TXH R PHUFDGR Wi DVVLP YRFr WRFD QXPD EDQGD YRFr p XP P~VLFR um cantor, aĂ de repente vocĂŞ nĂŁo tem aquele espaço que vocĂŞ desejaria, que vocĂŞ acha que mereça, dentro daquela equipe, dentro daquela empresa, e vocĂŞ se acha na capacidade de montar o seu prĂłprio projeto, de montar a sua prĂłpria empresa... e geralmente surgem assim... geralmente a maioria dos casos, eu creio que 80% dos casos sĂŁo pessoas que acontece um certo rompimento de ligação... rompe com aquela banda e jĂĄ que tem aquela experiĂŞncia, tem aquela facilidade com relação ao ramo artĂstico, cria sua prĂłpria empresa... e vai se ramificando o PHUFDGR GR IRUUy ´ INFORMANTE FORROZEIRO 02).
Assim, muitas bandas de forró eletrônico nasceram desta breve tipologia. Criadas, ora no seio de músicos amadores, ora em meio estritamente empresarial (e num misto desses caminhos), têm-se os percursos trilhados nessa atividade. Todavia, para uma maior aceitação popular, tem sido mister a aceitação dos clichês deste negócio. Daà que a divisão social do trabalho marca a música popular de massa. $VVLP ³o ideal de uma música amadora permanente e amplamente popular não resiste à impossibilidade tÊcnica de deitar fora a divisão social do trabalho´ (HOBSBAWM, 1990, p. 177). O forró eletrônico não foge a norma. As condiçþes para o sucesso residem na aceitação do realismo de mercado. Fora dele o anonimato Ê quase garantido, exceto, Ê claro, para os famosos ³ERRPV´ de sucesso. No Rio Grande do Norte, com alguma intensidade, bandas de forró vêm surgindo motivadas pelas possibilidades oportunizadas por esse mercado. Se antes JDQKDU GLQKHLUR FRP R IRUUy HUD VXEVWDQFLDOPHQWH WHU XPD ³FDVD GH VKRZ´ Koje as bandas são o meio e o fim do mercado. Não são nem a melhor fatia, mas praticamente, todo o bolo. ³Financeiramente as coisas começaram a se inverter. Em vez de o produtor ganhar mais dinheiro do que a banda, começou a banda a ganhar mais dinheiro do que o dono do evento. As bandas começaram a saber o poder que elas tinham, e que sem a banda poderia ter a melhor casa de show, mas não existia show´ (INFORMANTE FORROZEIRO 06).
173 Âł(X WDYD FRP XPD FDVD GH VKRZ QD pSRFD H GLVVH QmR HX lĂĄ quero negĂłcio de banda, quero sĂł casa de show... aĂ fui, casa de show, casa de show, casa de show... tome prejuĂzo por cima de prejuĂzo... Dt HX SHJXHL H GHVLVWL GH VKRZ´ (INFORMANTE FORROZEIRO 12).
Nesse clima forrozeiro, bandas vĂŞm surgindo constantemente no RN. Como jĂĄ lembrado, pelas prĂłprias dificuldades de capital e organização empresarial, muitas nĂŁo chegam a ter seu nome popularizado, mas vĂŞm sobrevivendo geralmente pelas cidades vizinhas ao municĂpio sede da banda. As similitudes musicais entre as pequenas bandas ĂŠ algo evidente. Como jĂĄ apontado anteriormente, numa busca constante por aceitação, tocam basicamente o repertĂłrio das grandes bandas. De tal modo, o repertĂłrio se torna praticamente o PHVPR SDUD HVVDV EDQGDV PHQRUHV 2 TXH ÂłHVWLYHU QD PRGD´ VHUi WRFDGR Logo, entre a novidade copiada dos grandes hits e a repetição de hits nĂŁo tĂŁo novos (de semanas atrĂĄs), vivem essas acanhadas bandas de forrĂł eletrĂ´nico. Buscando distinção nesse mercado quase sempre idĂŞntico, algumas bandas, inclusive, vĂŞm recorrendo ao repertĂłrio dominante nos anos 1990, ou seja, hits consagrados pelas bandas Mastruz com Leite, Cavalo de Pau, MagnĂficos, LimĂŁo com Mel e similares. Outras tĂŞm optado pelo chamado forrĂł pĂŠ-de-serra, visto que esse forrĂł, embora nĂŁo seja tĂŁo atrativo do ponto de vista quantitativo, consegue obter um pĂşblico qualitativamente mais cativo nas maiores cidades. Os informantes a seguir caracterizam essa negociação na produção forrozeira: Âł$ JHQWH FRPHoRX FRP XPD OLQKD KRMH EHP PHQRV FRPSHWLWLYD QR PHUFDGR TXH p uma linha voltada pra um forrĂł que jĂĄ pouco se usa, mais pĂŠ-de-serra. Hoje se usa muito o forrĂł mais estilizado, com mais coisas, mais equipamentos... ĂŠ muito arranjo, muita coisa [...] Agora ĂŠ uma coisa que nĂŁo se entende. Se o forrĂł de hoje ĂŠ o que faz sucesso, quando a gente começa a tocar o forrĂł antigo, acho que 80% das pessoas vĂŁo a loucura no show. Eles simplesmente adoram, mas eu nĂŁo entendo porque nĂŁo o WUD]HP SUD KRMH´ INFORMANTE FORROZEIRO 04). Âł+RMH QR PRPHQWR WDPEpP XPD FRLVD TXH Wi YROWDQGR PXLto ĂŠ as bandas antigas, bandas que estavam guardadas bem dizer nĂŠ, e estĂŁo voltando pro mercado: Cavalo de Pau, Baby Som... Hoje todo mundo tĂĄ escutando essas mĂşsicas QRYDPHQWH ÂľIRUUy GDV DQWLJDVÂś Wi FRP PXLWD IRUoD QR PHUFDGR WDPEpP (X DFKR que se deve por ter marcado ĂŠpoca de vĂĄrias geraçþes e hoje o povo escuta QRYDPHQWH SUD OHPEUDU GDTXLOR TXH PDUFRX´ INFORMANTE FORROZEIRO 09). Âł(X YRX FLWDU XPD EDQGD TXH HOD WHP XP IRUUy TXH DWp KRMH WRFD H R SHVVRDO JRVWD e ela nunca mudou o repertĂłrio, que ĂŠ Mastruz com Leite... se eles cantarem um
174 VKRZ Vy FRP DV P~VLFDV GH DQWLJDPHQWH R SHVVRDO JRVWD´ INFORMANTE FORROZEIRO 01). ³)RUUy HOHWU{QLFR HOH DWLQJH R SRYmR R SRYmR HP JHUDO -i R IRUUy Sp-de-serra ele contagia tambÊm, mas ele tambÊm tem uma grande vantagem, ele atinge uma classe social mais elitizada... porque ele Ê mais ligado a cultura. Então, o pessoal DVVLP ¾HVWXGDGRœ HOHV YrP D TXDOLGDGH GD OHWUD Yr D TXDOLGDGH GR UHSHUWyULR ´ (INFORMANTE FORROZEIRO 07).
Contudo, forrĂł pĂŠ-de-VHUUD H ÂłIRUUy Gos anos 1990´ QmR VmR HVVHQFLDOPHQWH majoritĂĄrios no cenĂĄrio dominante. No geral as bandas que almejam o sucesso copiam as grandes bandas eletrĂ´nicas do momento, em especial, as bandas AviĂľes do ForrĂł e Garota Safada. Portanto, nos balanços do mercado, a competitividade ĂŠ alta e luta-se por distinção substancialmente recorrendo Ă padronização. Eis aĂ um indigesto dilema. No geral, as bandas de forrĂł eletrĂ´nico se distinguem ora por atratividade de pĂşblico, ora por sua capacidade material Âą basicamente pelo nĂvel tecnolĂłgico mobilizado pela banda 75 (qualidades relacionais que se justapĂľem). Um argumento muito ouvido no setor ĂŠ que grandes bandas tĂŞm tambĂŠm grandes estruturas. Nesse Ănterim, torna-se Ăłbvio, numa anĂĄlise relacional, concatenar que capital econĂ´mico compra as melhores cançþes e seus meios de circulação, bem como adquire a melhor estrutura fĂsica para as bandas (Ă´nibus mais equipados, bons instrumentos, boa aparelhagem de iluminação, etc.). DaĂ que, novamente enfatizando, o forrĂł eletrĂ´nico nĂŁo pode ser dissociado de seu carĂĄter e perspectiva enquanto negĂłcio. No forrĂł eletrĂ´nico importa avivar, e essa talvez seja uma das inferĂŞncias mais densas dessa seção, que os grupos musicais sĂŁo extremamente volĂĄteis e descartĂĄveis. O material humano, talvez se excetuando alguns vocalistas, ĂŠ significativamente abundante no mercado e, para o pĂşblico, de importância menor. Como exemplos, muitas bandas Embora a obrigação de estrutura material do show seja, na maioria dos casos, do contratante, as grandes bandas se distinguem basicamente pela questĂŁo tecnolĂłgica/material do grupo: Âł$ REULJDomR GR FRQWUDWDQWH ĂŠ botar o som, botar o palco, pagar o hotel, pagar a alimentação, Ă s vezes a passagem aĂŠrea, as vezes nĂŁo. ,VVR YDULD GH DFRUGR FRP TXHP WD FRQWUDWDQGR´ ,1)250$17( )2552=(,52 Âł+RMH HP GLD WRGD uma banda vai dentro de um Ă´nibus. Ali vai mesmo sĂł o bĂĄsico, os instrumentos de mĂŁo, que ĂŠ o contrabaixo, uma guitarra, uma sanfona, que ĂŠ tudo da banda... o teclado ĂŠ da banda, o figurino dos dançarinos ĂŠ da prĂłpria banda... Geralmente, 98% das vezes, ĂŠ de competĂŞncia do contratante, que tĂĄ RUJDQL]DQGR R HYHQWR GLVSRQLELOL]DU WRGD D HVWUXWXUD´ ,1)250$17( )2552=(,52 Contudo, as bandas de maior prestĂgio exigem, contratualmente, estrutura material compatĂvel com o status do grupo: Âł1RUPDOPHQWH HVVDV EDQGDV TXDQGR VmR FRQtratadas elas grandes exigem muito... Uma boa estrutura de SDOFR ´ INFORMANTE FORROZEIRO 05). 75
175
são vendidas e compradas nesse mercado da mesma forma que se compra um supermercado em via de falência; músicos saem de uma banda para outra despercebidamente; a autoria das cançþes Ê praticamente anônima perante o grande público; e, por fim, parte expressiva do público parece não se importar com qual banda estå tocando, desde que se esteja tocando alguma coisa dançante. Prontamente, explica-VH R FDUiWHU ³PHUFDGyILOR´ GR IRUUy eletrônico e seu conseqßente lado supÊrfluo. Descartåvel! Eis a palavra que define bem parte significativa do forró eletrônico. AtÊ mesmo o nome das bandas Ê descartåvel. O depoimento a seguir Ê ilustrativo desse caråter superabundante das bandas: ³(X WUDEDOKR SUD XP HPSUHViULR $ SUHRFXSDomR GHOH QmR p WDQWR D TXDOLGDGH H sim o preço. Ele vende a banda... o nome da banda tambÊm não importa. Eu posso tocar num canto com o nome de uma banda e tocar noutro canto com o nome da minha banda, como acontece isso hoje em dia... Pede para a banda mudar de QRPH´ INFORMANTE FORROZEIRO 01).
Como desenlace, importa destacar a dinamicidade do mercado do forrĂł eletrĂ´nico, sempre enfatizando que esse carĂĄter enĂŠrgico termina por impor grande competitividade ao setor e faz com que as bandas vivenciem um paradoxo de difĂcil resolução para alcançar o sucesso ou mantĂŞ-lo: deve-se ser igual e diferente ao mesmo tempo. Ser igual, no sentido de seguir a moda em voga; diferente, no sentido de inovar fazendo a mesma coisa nD URWLQD GR VHPSUH LGrQWLFR Âł$ P~VLFD GHYH VHU sempre nova e sempre a mesma. Por isso os desvios sĂŁo tĂŁo estandardizados quanto os standards´ $'2512 S Reside aĂ um dos dilemas maiores do setor que, em si, termina por personalizar as cançþes dominantes via estandardização. O sucesso se faz, pois, pela morte da criatividade. &RPR DGYHUWH %DXHU S ÂłTXDQWR PHQRV SDUDGDV GH sucesso tiverem em cada ano, maior a probabilidade de P~VLFDV PDLV HODERUDGDV´ Logo, o lado comercial deste tipo de produção cultural ĂŠ dominantemente estruturante nesse mercado musical forrozeiro. A criatividade artĂstica ĂŠ rebaixada aos ditames dos managers do entretenimento forrozeiro. A autonomia da expressĂŁo
176
musical na cultura pop ILFD HQWmR ³FRQGLFLRQDGD SHODV FRQGLo}HV GH VXSULPHQWR GR PHUFDGR´ %$8(5 S A seção seguinte tratarå de apresentar o que tem sido dominantemente veiculado pelo forró eletrônico atual, resultado majoritårio, estruturalmente, das condiçþes de produção, distribuição e comercialização impostas pela indústria cultural 2 HVWXGR GH FDVR GD EDQGD ³Garota Safada´ XPD GDV EDQGDV GH PDLRU evidência atualmente no mercado, serå o pando de fundo dessa discussão.
4.2 FESTA, AMOR E SEXO: PADRĂ&#x2022;ES E CLICHĂ&#x160;S TEMĂ TICOS
Conforme jå prematuramente antecipado na seção 4.1, o conteúdo temåtico dominante das músicas de forró eletrônico, em geral, utiliza-VH GR WULQ{PLR ³festa, amor e sexo´ HP VXDV FDQo}HV 75277$ D F 2010). No tocante a festa, metalinguisticamente aponta-se para o próprio fenômeno musical do evento forrozeiro, criando uma espÊcie de propaganda dos shows e dos ambientes criados (divulgadamente diferenciais). Referente ao amor e ao sexo, o próprio dançar ³DJDUUDGLQKR´, as letras das cançþes e o ambiente extremamente sensual promovido nos palcos favorecem à paquera e à formação de casais, potencializando diversas possibilidades de encontros amorosos. Desta forma, novamente segundo Trotta (2008, p. 08; 200 D S D ³VLPELRVH HQWUH R SUySULR show (festa), os desejos VH[R H RV HVWDGRV DIHWLYRV GR FDVDO DPRU ´ FRQVWLWXL D WHPiWLFD GRPLQDQWH GDV cançþes do forró eletrônico. Não obstante, reforça o autor, apesar de algumas músicas reforçarem mais um aspecto do que outro, o conjunto total do repertório e os padrþes recorrentes terminam tornando tais categorias temåticas intercambiåveis 76. $OpP GDV OHWUDV SURSULDPHQWH GLWDV ³R HVWULELOKR PDOLFLRVR H DV LQWHUYHQo}HV faladas [dos cantores e cantoras], com risadas e expressþes coloquiais entre os
Fator que tornou substancialmente maleĂĄvel a anĂĄlise descritiva do conteĂşdo (categorização temĂĄtica) aqui realizada. AlĂŠm disso, a presente anĂĄlise temĂĄtica foi, em certo sentido, atĂŠ supĂŠrflua, tendo em vista a obviedade dos padrĂľes dominantes das cançþes. Serviu muito fortemente apenas como ilustração de uma realidade, a priori, jĂĄ presumĂvel. 76
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YHUVRV´ /(0( S WRUQDP DLQGD PDLV VHQVXDO RV shows e reforçam o conteĂşdo sexual das letras. Certamente, o repertĂłrio sentimental que caracterizou o forrĂł dos anos 1990 permanece muito fortemente com os grupos de forrĂł eletrĂ´nico atuais, contudo, dividindo espaço com novos 77 temas, tĂłpicos substancialmente mais urbanizados e mais ligados aos mercados de consumo modernos. De acordo com Feitosa (2008, p. ÂłVmR IUHT HQWHV DV UHIHUrQFLDV GH ÂľLPDJLQiULRVÂś FRQVtruĂdos nos sĂmbolos de consumo desse pĂşblico (carros, equipamentos de som, bebidas alcoĂłlicas), nas suas UHODo}HV DIHWLYDV RX QR XVR GH H[SUHVV}HV FRQWHPSRUkQHDV´ Em muitas letras, ĂŠ significativamente substancial Ă alusĂŁo, por exemplo, aos chamativos ÂłparedĂľes de som´ HP DXWRPyYHLV TXH hoje em dia no RN, sĂŁo marcas distintivas em muitas festas e cidades, alĂŠm de ritualizados em vĂĄrias cançþes de sucesso. A listagem das dez mĂşsicas abaixo ĂŠ prova desse fascĂnio pela sub-trĂade Âłfesta, automĂłvel e aparelhagem de som´. Trata-se de dez dentre muitas outras cançþes que expressam indĂcios da representação de um mercado de consumo conspĂcuo, conforme denominou Thorstein Veblen, isto ĂŠ, um consumo que corresponde cada vez mais, relacionalmente, Ă busca por status 3DUD HOH Âłnenhuma classe da sociedade, nem mesmo a mais abjetamente pobre, abre mĂŁo da totalidade do consumo conspĂcuo costumeiro´ SRLV Âło consumo de bens valiosos ĂŠ um instrumento de respeitabilidade´ 9(%/(1 S -42). As cançþes que delibeUDGDPHQWH HQIRFDP R FRQVXPR GRV ÂłparedĂľes de som´ HP DXWRPyYHLV VmR sinais muito intensos dessa tendĂŞncia conspĂcua, ou seja, dessa necessidade demasiada de evidĂŞncia, justamente em realidades na qual o capital econĂ´mico ĂŠ forte indutor de prestĂgio. Os trechos das dez letras abaixo exemplificam tal ĂŞxtase pelos pujantes sons automotivos: 1. Playboyzinho da facul Âł9RX OLJDU PHX SDUHGmR YRX ERWDU QD SLVDGLQKD e GHVPDQWHOR DV SDWULFLQKDV WmR QD PLQKD´ 2. Playboy arretado Âł6RX XP SOD\ER\ DUUHWDGR $TXL Wi PXLto bom... Bom, ERP ERP &DUUR WXUELQDGR $EUH D PDOD H VROWD R VRP ´ O que nĂŁo significa que os temas atuais estivessem fora das cançþes de forrĂł eletrĂ´nico nos anos 1990 ou atĂŠ anteriores. O que mudou foi apenas a intensidade da freqßência e a acentuação de determinados assuntos. 77
178 3. Playboy da vez ³7{ VHPSUH FRP PHX FDUUR QD PDLRU DQLPDomR 6y DQGR com a galera porque eu sou da curtição. O som tå nas alturas, meu som Ê paredão. Meu som Ê estourado, vou fazer tUHPHU R FKmR´ 4. Playzinho ³0DV QmR WHP MHLWR QmR HX VROWR R PHX VRQ]mR 6H OLJD Dt JDOHUD Ê pura curtição. Vou sair pra beber atÊ o amanhecer. Eu tenho o meu estilo de EDGDODomR 6RX IHOL] DVVLP PH FKDPDP GH SOD\]LP 0HX FDUUR p ¾WXQDGRœ Wi beijando o chão. Cheio de mulher, vou pra onde eu quiser. Começou a festa no meu SDUHGmR ´ 5. Abre o som ³$EUD R VRP GR SRUWD-malas. Ponha a gata pra dançar. Desce mais uma cerveja que o bicho vai pegar. Oh! sai da frente rapaz; sai da frente rapaz... Quando Garota toca todo mundo vai atrås [...] Abra o som do porta-PDODV´ 6. Abre a mala e solte o som ³ QR PHX FDUUR WHP XP VRP TXH p IDPRVR R pancadão. Quando aumenta o volume o nego sente a pressão. Abre a mala e solta o som pra galera se animar. A moçada se agita e começa a balançar. A mulherada pede pra aumentar. Bota o forró pra remexer. Bota esse som pra abalar. E pra aumentar tem que testar. Teste o grave... Teste o mÊdio... E o agudo... Abre a mala VROWD R VRP´ 7. Bum bum bum Ê o barulho do meu som ³%XP EXP EXP, Ê o barulho do meu som... Bum bum bum, chega estremece o paredão. Bum bum bum, Ê o barulho GR PHX VRP %XP EXP EXP TXH FRQWDJLD D PXOWLGmR´ 8. Carro de playboy ³6HQWH R VRP ROKD R SDQFDGmR &DUUR GH SOD\ER\ p D nova sensação. Eu tô de rolê com a mulherada. Eu tô pegando todas não quero saber de nada. Som e DVD, toca o que quiser. Carro de playboy tå lotado de PXOKHU e FDEDUp FDEDUp FDEDUp &DUUR GH SOD\ER\ Wi ORWDGR GH PXOKHU´ 9. Estilo namorador ³$RQGH HX FKHJR D PXOKHUDGD HQFRVWD (X OLJR R VRP do paredão e a galera gosta. Tô badalado, tô pipocado (pow! pow!). Eu sou estilo, HVWLOR GHVPDQWHODGR´ 10. Liguei meu paredão ³3DUHL PHX FDUUmR ORWDGR GH PHQLQD /LJXHL PHX paredão no posto de gasolina. Botei o cd que a mulherada gosta. Que swing Ê esse que essa banda toca. Que swing Ê esse que essa banda toca e quando bota o cd a PXOKHUDGD HQFRVWD´ 78
Nessa representação conspĂcua R ÂłVXMHLWR GHVORFD D VXD DIHWLvidade das pessoas para objetos´ (PEREIRA NETO; LOIOLA; QUIXADĂ , 2010, p. 08), no caso em relevo, o automĂłvel com um potente equipamento de som. Logo, as mĂĄquinas passam a ser fortes fontes de identificação, exaltando os sentimentos de poder e auto-suficiĂŞncia. Entrementes, o que tem importado ³Ê a aparĂŞncia das pessoas, e nĂŁo o que elas sĂŁo. A ideia de que tudo ĂŠ um meio para um fim acaba com TXDOTXHU YHVWtJLR GH FRLVDV TXH H[LVWHP SRU VL PHVPDV´ $'2512 E S SincrĂ´nico ao tema do paredĂŁo de som ĂŠ importante realçar tambĂŠm seus artifĂcios simbiĂłticos, isto ĂŠ, farras, conquistas amorosas, aquisição de bebidas alcoĂłlicas em postos de gasolina 79, cabarĂŠs (bordĂŠis) e, logicamente, a autopromoção 78
Autorias desconhecidas pelo autor da pesquisa. Todas as dez (10) letras foram extraĂdas de: http://letras.terra.com.br/garota-safada/ 79 Espaço distintivo prĂŠ-festa, uma vez que se abastece o veĂculo, compram-se algumas bebidas nas lojas de conveniĂŞncia, e ainda, exibe-VH WRGD D DSDUHOKDJHP GRV ÂłSDUHG}HV GH VRP´
179
das bandas de forrĂł. Esses temas, produzidos para um pĂşblico numericamente GLODWDGR VmR FRQGLFLRQDGRV ÂłSHOR´ H FRQGLFLRQDQWHV ÂłGR´ FRQWH[WR PXVLFDO dominante. Assim, dentre os lamentos amorosos; a exaltação da virilidade 80 (expressa pelo tĂpico homem namorador e festeiro); a prĂłpria valorização do forrĂł como espaço distintivo de diversĂŁo; o incentivo ao consumo de bebidas alcoĂłlicas; a busca incessante por acometidas sexuais e a apologia a determinados padrĂľes de consumo; muitas letras de forrĂł eletrĂ´nico, atualmente em sucesso, veiculam uma concepção de mundo que cria, muito distante de qualquer hedonismo, tambĂŠm certos valores e representaçþes sociais. ConIRUPH 7URWWD D S R S~EOLFR MRYHP ÂłWDPEpP se identifica e freqĂźenta com assiduidade as apresentaçþes de forrĂł eletrĂ´nico, absorvendo elementos identitĂĄrios e construindo estratĂŠgias de pertencimento atravĂŠs dos valores, pensamentos e perfil ideROyJLFR GR IRUUy´ Do mesmo modo, ÂłSRVVLYHOPHQWH QHVVHV ORFDLV R LPDJLQiULR GD MXYHQWXGH H R WULQ{PLR IHVWD-amor-sexo prevaleçam nas estratĂŠgias de construção de sentido e nos fluxos de interpretaçþes e GH JRVWR PXVLFDO´ 75277$ D S Evidentemente, o fenĂ´meno Luiz Gonzaga jĂĄ nĂŁo se insere modernamente nas paisagens forrozeiras atuais. O ambiente nem ĂŠ mais rural, nem sofrido pela seca Âą aliĂĄs, os jovens nascidos e educados nas capitais e cidades mĂŠdias nunca conheceram XPD ÂłVHFD´ H[FHWR pela HistĂłria ou relatos de parentes. Nesse sentido, as letras atuais obedecem mais a uma lĂłgica de consumo moderno do que a demandas por uma terra que, em si, nĂŁo ĂŠ almejada e que sĂł existe no saudosismo. O pĂşblico gonzagueano de dĂŠcadas passadas em sua plenitude mudou fundamentalmente: muitos dos emigrantes nordestinos jĂĄ se adaptaram ao Centro-Sul por meio de outros modus operandi e/ou jĂĄ retornaram. Os que nunca saĂram do Nordeste desejam fundamentalmente nĂŁo ter que passar pelos espinhos da macambira. Destarte, o capitalismo jĂĄ se encarregou de alterar tal dinâmica e mudar padrĂľes de consumo. &RPR DILUPD 'DYLG +DUYH\ Âłpara onde quer que vĂĄ o capitalismo, seu aparato Âł$V QDUUDWLYDV GH EULJDV H GH FRQTXLVWDV IRUmam [...] um eixo comum de afirmação [de] virilidade e reafirmam atravĂŠs das letras e da dança a associação entre masculinidade, poder e autoridade, fortemente SUHVHQWHV QR LPDJLQiULR WUDGLFLRQDO GR VHUWmR´ 75277$ E S 80
180
ilusório, seus fetichismos e o seu sistema de espelhos não demoram a acompanhå-lo´ (HARVEY, 1994, p. 308). Logo, a aridez da caatinga e os aboios dos vaqueiros foram trocados pela frieza do asfalto e pelo som eletrônico das pistas de dança. Se nos anos 90 muitas bandas de forró eletrônico ainda cantavam algumas durezas do sertão e temåticas do cotidiano nordestino, tal como o exemplo abaixo (letra da música Meio Dia), era porque ainda havia uma auto-necessidade de afirmação. Com certo desprendimento, as bandas que atualmente fazem sucesso dentre o grande público praticamente desampararam (das gravaçþes)81 os temas regionais. 2 ³VXRU GR PHLR GLD´ R ³JROH GD FDEDoD´ R ³TXHURVHQH GD FR]LQKD´ H ³a seca H D HQFKHQWH´ jå não fazem parte do chavão forrozeiro-eletrônico do sÊculo XXI.
³0HLR 'LD´ ¹ Mastruz com Leite (Composição Luis FidÊlis e Danilo Lopes)82 Escorro o suor do meio dia Assobiando a melodia Eu tento saciar Com o gole da cabaça Passa a sede mas não passa O jejum o jejum hå O sol esquenta minha cabeça Vixe Maria não se esqueça TambÊm de esquentar Com seus beijos minha vida E o sobejo da comida Que sobrou do jantar João acabou-se a farinha E o querosene da cozinha No feijão "gurgui" jå deu Pai traz um vestido de chita Que eu quero ficar bonita Bonita que nem um mateu Tenha paciência minha gente Foi a seca e a enchente E o culpado não sou eu. Quadro 02 ¹ /HWUD GD 0~VLFD ³0HLR 'LD´ ¹ Mastruz com Leite Fonte: http://letras.terra.com.br/mastruz-com-leite/124012
81 Todavia, em vårios shows, muitas cançþes dominantes dos anos 1990 são relembradas. Inclusive, presentemente hå um significativo movimento de recuperação dessas cançþes. Por exemplo, o que se chama GH ³IRUUy GDV DQWLJDV´ ¹ antigas se referindo muitas vezes a bandas como, por exemplo, Mastruz com leite e Cavalo de Pau ¹ atualmente tem ganhado algum fôlego. 82 Fonte da autoria: http://www.dicionariompb.com.br/mastruz-com-leite/dados-artisticos
181
Assim, atualmente as canções falam ± com certa dominância ±, conforme já lembrado, de amor, sexo e festa, e suas letras, via de regra, obedecem a três critérios básicos: a) Temáticas que exploram acentuadamente a diversão e as relações íntimopessoais; b) Estruturas internas de grande simplicidade conceitual, objetivando evitar temas confusos e/ou incompreensíveis; c) Reprodutibilidade dos hits da moda: o que está dando certo tem que ser copiado. Destarte, como a maioria dos gêneros musicais populares, o forró possui conseqüentemente significativa padronização temática de suas canções, o que resulta em forte previsibilidade nas letras das canções e forte estandardização do material sonoro: o sucesso copia o sucesso, ciclicamente. Para além da condenação de uma possível falta de imaginação artística, interessa, por conseguinte, destacar que não se produz determinada música acreditando plenamente que se está criando uma pérola de tempos idos, mas sim, um produto para agradar em um mercado competitivo muito paradoxal: deve-se ser igual e diferente concomitantemente. Daí que se deve agradar ao público renovando VHPSUH FRP FDQo}HV TXH ³HYRFDP XP PXQGR LPDJLQiULR EHP FRQKHFLGR´ (HOGGART, 1973b, p. 59). A discografia em exame, da banda Garota Safada83, corrobora tal assertiva. Os cinco (05) primeiros álbuns oficiais lançados (ver figura 03) apresentam exatamente esse mundo da diversão e das investidas amorosas, regado por músicas basicamente encaixadas na caracterização acima realizada: amor, sexo, festa e suas possíveis concatenações para o entretenimento de massa.
83
A escolha da Banda Garota Safada para a presente análise de conteúdo obedeceu, fundamentalmente, a três critérios básicos: 1º. Atual relevância da banda no cenário musical; 2º. O caráter de similaridade com as demais bandas de sucesso; 3. Acesso ao material fonográfico por parte do pesquisador. Tratou-se, contudo, de uma escolha arbitrária. Qualquer outra banda poderia ter sido escolhida. A variabilidade temática seria quase nula.
182
Figura 03: Discografia Oficial Banda Garota Safada (05 Volumes) Fonte: http://bandagarotasafada.com/multimidia/discografia/
Segundo Trotta e Monteiro (2008, p. 9- ³GDQoD IHVWD GHVLOXV}HV amorosas, encontros sexuais [...] e bebida formam um conjunto de temåticas que FRQVWURHP R DPELHQWH DIHWLYR GR IRUUy HOHWU{QLFR HQGHUHoDGR DRV MRYHQV HP IHVWD´ Assim, a anålise descritiva do conteúdo 84 da discografia da banda apontou, muito fortemente SDUD D GRPLQkQFLD GDV FDQo}HV FRPXPHQWH GHQRPLQDGDV ³URPkQWLFDV´ ou seja, àquelas que falam de conquistas e/ou lamentos amorosos (estados afetivos). Quase metade (48,61%) delas enfocou este WHPD $ WHPiWLFD GR ³VH[R´ ILFRX em segundo lugar, ocupando 15,27% das cançþes, seguidas daquelas que exaltaram as bebedeiras e farras (5,55%) como elementos estruturantes. A tabela 02 a seguir ilustra o declarado:
84 Vale salientar que o exercĂcio de anĂĄlise aqui presente nĂŁo se aplica necessariamente as regras oriundas da anĂĄlise clĂĄssica de conteĂşdo. O trabalho aqui realizado foi, basicamente, categorizar os temas mais recorrentes e apresentĂĄ-los sob a forma de dominâncias e desvios. Outro aspecto importante a ser ressaltado ĂŠ que as categorizaçþes realizadas sĂŁo interpretaçþes do autor, sendo passĂveis, portanto, de desvio de interpretação. Contudo, qualquer equĂvoco de compreensĂŁo vigente na tabela 02 fica sumariamente corrigido na tabela 03, por meio das concatenaçþes temĂĄticas (o que se chamou de simbioses).
183
Tabela 02 - AnĂĄlise TemĂĄtica Discografia Oficial Garota Safada (5 volumes) Temas
Garota Safada Freq. Absolut a (Fi) Freq. % (Fi/n) x 100
a
b
c
d
e
f
g
Festa 1
Amor 2
Sexo 3
Simbiose 1-2
Simb. 1-3
Simb. 2-3
Simb. 1-2-3
Outro Tema
Total ³Q´
4
35
11
5
8
5
2
2
72
5,55 %
48,61 %
15,27 %
6,94 %
11,11 %
6,94 %
2,77 %
2,77 %
100 %
Fonte: Organização do Autor.
Contudo, como os temas sĂŁo essencialmente intercambiĂĄveis Âą o que estĂĄ se tratando aqui como simbioses Âą tais percentuais se acentuam e revelam, reiteradamente, os padrĂľes de conteĂşdo das letras de forrĂł eletrĂ´nico. A temĂĄtica do ÂłDPRU´ VH HOHYD SDUD %, a temĂĄtica do sexo para 36,09% e as festas e bebedeiras para 26,37%, o que demonstra como tais cançþes exploram a trĂade apontada por Trotta: festa-amor-sexo, isto em 97,2%. Sinopticamente, a totalidade do forrĂł eletrĂ´nico dessa banda explora essa representação Âą o que nĂŁo resta dĂşvida de apontar que tal padrĂŁo se aplica tambĂŠm as demais bandas do gĂŞnero, sobretudo as mais competitivas, jĂĄ que a competitividade do mercado induz Ă padronização dos hits. Como bem lembra a canção interpretada pela banda CheLUR GH 0HQLQD Âłpode atĂŠ me copiar que eu nĂŁo vou me incomodar...´85. O quadro abaixo detalha a simbiose das cançþes:
85 ÂłSĂł Deus Cala a Minha Voz´ %DQGD Cheiro de Menina. DisponĂvel em: http://letras.terra.com.br/cheirode-menina/1537939/
184
Tabela 03 - AnĂĄlise TemĂĄtica Discografia Oficial Garota Safada (SIMBIOSES TEMĂ TICAS) TemĂĄticas IntercambiĂĄveis
Festa
Amor
Sexo
a+d+e+g
b+d+f+g
c+e+f+g
Banda Garota Safada 19
47
26
26,37%
65,26%
36,09%
Freq. Relativa (Fi/n) % Fonte: Organização do Autor.
As discrepâncias (2,77%) ficaram para duas cançþes outliers: ÂłPelo sim, pelo nĂŁo´ GR YROXPH H ÂłPĂŠ na jaca´ GR YROXPH DR H[SORUDUHP UHVSHFWLYDPHQWH os lamentos de um mundo complicado (abstruso, pois, nĂŁo compreendido pelo sujeito-narrador) e um perĂodo Âą tratado comicamente Âą de azar na vida privada de uma personagem. Essas foram as duas Ăşnicas restriçþes ao padrĂŁo. Prontamente, adentrando especificamente em cada eixo temĂĄtico dominante da discografia e considerando que algumas cançþes podem ser modelos exemplares de representação dos dados acima organizados, letras que podem expressar a temĂĄtica da valorização do trinĂ´mio show-festa-bebedeira VmR SRU H[HPSOR DV OHWUDV GH ÂłEu vou curtir a vida´ H ÂłPlayzinho´
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³(X 9RX &XUWLU $ 9LGD´ ¹ Garota Safada (vol. 5)
³3OD\]LQKR´ ¹ Garota Safada (vol. 5)
Eu tô chegando Mas não tem jeito não, eu solto o meu sonzão Fazendo aquela badalação Se liga aà galera Ê pura curtição Bebendo tudo Vou sair pra beber atÊ o amanhecer Zuando com meu carro e o som tå detonando Eu tenho o meu estilo de badalação... Eu vou curtir a vida Sou feliz assim, me chamam de playzim Hoje eu quero ficar bêbo com 14 raparigas... 0HX FDUUR p ³WXQDGR´ Wi EHLMDQGR R FKmR Quando eu chego no forró Cheio de mulher, vou pra onde eu quiser A mulherada encosta Começou a festa no meu paredão... Ligo o som do paredão Eu ando todo invocado no meu carro E todo mundo gosta rebaixado Eu sou cabra desmantelado o bom da vida Ê Agora Ê minha vez, botei aro 16 viver Se você me ganhar no racha Por isso que não vivo sem beber... Eu dou meu carro pra vocês Eu viro quatro noites Pode me chamar de playzim Biritando por aà Porque de Kombiban ninguÊm ganha mulher A procura de gatas Esse Ê meu jeito de ser Pra poder me divertir. De carro rebaixado, MP3 e DVD Junto com os amigos Hoje vai rolar a festa Vou fazer tremer o chão E no meu paredão eu vou levar vocês... Se liga aà galera Hoje vai ter curtição... Quadro 03 ¹ /HWUD GDV 0~VLFDV ³(X 9RX &XUWLU D 9LGD´ H ³3OD\]LQKR´ Fonte: http://letras.terra.com.br/garota-safada/
O ideal de uma vida festeira e de intenso entretenimento ĂŠ marca registrada da LQG~VWULD FXOWXUDO 1DV SDODYUDV GH +RJJDUW E S ÂłWRGRV RV SURFHVVRV GH GLYHUWLU R S~EOLFR VmR FRQVLGHUDGRV YiOLGRV´ Assim, conforme as letras acima, juntar os amigos; com quatorze raparigas; bebendo tudo atĂŠ o amanhecer; num carro tunado; e fazendo tremer o chĂŁo; expressa todo esse imaginĂĄrio de estilo de vida. No forrĂł eletrĂ´nico tem sido forte a vinculação da diversĂŁo a todo custo com a noção de felicidade. Parte expressiva das cançþes de maior sucesso veicula a idĂŠia de TXH D YHUGDGHLUD IHOLFLGDGH DFRQWHFH Âłno meio da putaria´, ou seja, nos momentos de encontros com os amigos nas festas de forrĂł Âą consumindo bebida alcoĂłlica Âą, nos UHODFLRQDPHQWRV ÂłDPRURVRV´ VHP QHQKXP FRPSURPLVVR e nos momentos em que o sujeito se entrega totalmente Ă diversĂŁo (PEREIRA NETO; LOIOLA; QUIXADĂ , 2010, p. 09). DaĂ que as mĂşsicas transmitem a representação de que o consumo de determinados produtos, tais como cervejas, uĂsques, carros Âłtunados´, etc., alĂŠm da sucessĂŁo de dias festivos, ĂŠ o pleno caminho para a felicidade. Portanto, no forrĂł
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eletrĂ´nico Âłencontra-VH VREUHWXGR R FRQVHOKR PRQRWRQDPHQWH UHLWHUDGR ÂľVHMD IHOL]ϫ (ADORNO, 2008b, p. 104). Vale enfatizar que a ÂłSUySULD VH[XDOLGDGH p GHVVH[XDOL]DGD DR VH WRUQDU GLYHUWLGD´ $'2512 b, p. 105). Tudo tem que ser divertido, atĂŠ mesmo a vida Ăntimo-pessoal. NĂŁo ĂŠ por acaso que as relaçþes sexuais sĂŁo tĂŁo exploradas pelas cançþes de maior apelo comercial a ponto de se tornarem coisificadas Ă maneira de clichĂŞs industriais. O privado se torna pĂşblico sem maiores cerimĂ´nias, artificialmente. Em via de mĂŁo Ăşnica com a apologia da diversĂŁo sem freios, vem o consumo de bebidas alcoĂłlicas. A defesa do consumo de bebidas etĂlicas ĂŠ, dentro de algumas sociedades, marca de virilidade. Como oportunamente destaca Veblen (1988, p. 36), LQFOXVLYH DV ÂłHQIHUPLGDGHV SURYHQLHQWHV GH VHX DEXVR HQWUH PXLWRV SRYRV VmR WLGDV FRPR DWULEXWRV GH PDVFXOLQLGDGH´ 1R IRUUy HOHWU{QLFR tem se tornado freqĂźente a ocorrĂŞncia desse tipo de equação homem + ĂĄlcool = virilidade. Todo um modelo de sociabilidade etĂlica ĂŠ proposto por muitas mĂşsicas, alĂŠm do prĂłprio ambiente do show que coopera bastante com tal investimento. Os produtos sĂŁo consumidos nĂŁo pelo seu valor funcional, mas pelo seu valor de signo, pelo que eles representam como status social para aquele que o consome. A PDUFD Âł2OG 3DUU´ D SRWrQFLD ÂłVRQ]mR´ VmR WLGRV FRPR HOHPHQWRV GH GHVWDTXH GH status. Ao enfatizar o consumo desses produtos, a mĂşsica transmite a idĂŠia de que ĂŠ por meio do consumo deles que o indivĂduo pode ser reconhecido, aceito (PEREIRA NETO; LOIOLA; QUIXADĂ , 2010, p. 11).
/RJR D IyUPXOD GR Âłbebendo tudo´ SDUHFH YLU VH GLYXOJDQGR IRUWHPHQWH SHODV mĂŁos do forrĂł eletrĂ´nico. Distintamente de uma dada tradição regional etĂlica, o consumo desses produtos passa, acima de tudo, pela reprodução do capital. HĂĄ toda uma estrutura de comercialização de bebidas ligadas ao forrĂł, o que demonstra o carĂĄter manipulador dessa cultura festiva. NĂŁo se consome simplesmente por tradição ou por preferĂŞncia pessoal, mas sim, tambĂŠm pelos caprichos dos produtores industriais do Âłprazer´ alcoĂłlico.
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Prosseguindo na descrição, letras que podem exemplificar a temĂĄtica das conquistas e dos lamentos amorosos sĂŁo, Ă moda de casos-tĂpicos Âł2OKDU aIOLWR´ H Âł6y YHUGDGH´ Âł2OKDU $IOLWR´ Âą Garota Safada (Vol. 1)
³6y 9HUGDGH´ ¹ Garota Safada (Vol. 4)
Como um olhar aflito Como ver o sol sem brilho Exatamente assim como eu estou Carente como um menino Que precisa de um destino Exatamente assim como eu estou Preciso me encontrar Parar de me enganar Pensar em mim um pouco mais E deixar de pensar em vocĂŞ Me afastar, nunca mais me envolver Apesar de te amar tanto assim
Eu gosto quando a gente estĂĄ trancado, nesse apartamento querendo chover E vocĂŞ sente frio e me abraça Pra se aquecer. Te boto pra dormir sobre o meu colo Fico te olhando, atĂŠ vocĂŞ dormir NĂŁo acredito que vocĂŞ, Nem mesmo possa estar aqui Parece um sonho, mais isso ĂŠ real NĂŁo hĂĄ no mundo um amor igual Sou prisioneiro do teu coração Por vocĂŞ eu aceito mais de cem mil anos de condenação Na cama ninguĂŠm ganha de nĂłs dois As brigas a gente deixa pra depois Ă&#x2030; que a gente se ama de verdade Eu quero sĂł vocĂŞ, vocĂŞ me quer NĂŁo existe pra mim outra mulher NĂŁo hĂĄ mentira aqui, ĂŠ SĂł Verdade. Quadro 04 - Letra das MĂşsicDV Âł2OKDU $IOLWR´ H Âł6y 9HUGDGH´ Fonte: http://letras.terra.com.br/garota-safada
O apego aos temas sentimentais ĂŠ comum na mĂşsica popular e no forrĂł eletrĂ´nico nĂŁo seria, logicamente, diferente. De acordo com Hoggart (1973a, p. 197), ÂłD PDLRULD GDV FDQo}HV PDLV DSUHFLDGDV VmR FDQo}HV VHQWLPHQWDLV WULVWHV H QRVWiOJLFDV [...] e a afirmação ĂŠ muito pertinente, em relação a muitas outras pessoas que nĂŁo DSHQDV DV GDV FODVVHV SUROHWiULDV´ Esse carĂĄter sentimental nĂŁo ĂŠ fenĂ´meno recente, como poderia alegar algum crĂtico cultural conservador. 3DUD $GRUQR ÂłR IDVFtQLR GD FDQomR GD PRGD GR TXH p melodioso, e de todas as variantes da banalidade, exerce a sua influĂŞncia desde o perĂodo inicial da buUJXHVLD´ $'2512 S DaĂ que a incapacidade de amar no mundo administrado (verwaltete Welt) e o paradoxal desejo de amor enchem, diariamente, as paradas de sucesso com as cançþes de cunho afetuoso.
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Regadas por uma boa carga de previsibilidade musical e de conteĂşdo, as mĂşsicas sentimentais do forrĂł eletrĂ´nico oscilam fundamentalmente entre a dimensĂŁo do entretenimento de massa e a extensĂŁo emocional. Nada mais inteligente a ser pensando pelos propagandistas da indĂşstria fonogrĂĄfica: o apelo Ă diversĂŁo e ao amor numa população que, de fato, torce ansiosamente pelo amor e pela diversĂŁo em suas vidas: Âła deficiĂŞncia de amor, repito, ĂŠ uma deficiĂŞncia de todas as pessoas, sem exceção [...], pois as pessoas que devemos amar sĂŁo elas prĂłprias incapazes de amar e SRU LVWR QHP VmR WmR DPiYHLV DVVLP´ $'2512 D S -135). Deste modo, vende-se o pĂŁo muito barato a quem tem fome em demasia. As mĂşsicas de cunho sentimental sĂŁo, de fato, bastante tradicionais no forrĂł eletrĂ´nico, fruto direto do legado das primeiras bandas surgidas no inĂcio da dĂŠcada GH 6XDV OHWUDV PXLWR VHPHOKDQWH jV Âłfotonovelas´ +$%(57 GmR conselhos sentimentais para o seu pĂşblico, ao mesmo tempo em que oferece a perspectiva de integração num cenĂĄrio urbano-consumidor, integrando os usuĂĄrios tambĂŠm no conformismo. Os temas presentes no forrĂł eletrĂ´nico atĂŠ apresentam alguma variação, mas como terminam todos com o mesmo pano de fundo afetuoso (festa-amor-sexo), acabam por ter a padronização como marca. Novamente Ă maneira da fotonovela, com linguagem clara e simples, de modo a evitar conflitos de interpretação, a HTXDomR Âłamor x obstĂĄculo = amor´ VH WRUQD R HVTXHPD EiVLFR GDV FDQo}HV (HABERT, 1974, p. 96). Trata-se, pois, de um objeto padronizado que oferece um mundo eterno, equilibrado e sem conflitos. Os dois exemplos acima sĂŁo categĂłricos QHVVH VHQWLGR ÂłFDUHQWH FRPR XP PHQLQR´ H ÂłSULVLRQHLUR GR WHX FRUDomR´ H[SUHVVDP os dois lados desse carĂĄter melodioso, ou seja, o lamento de quem sofre e o positivo estado apaixonado de quem ama. Dessas duas situaçþes nĂŁo hĂĄ possibilidade de desvio nas letras sentimentais. A previsibilidade sentimental da canção jĂĄ estĂĄ dada antes mesmo de sua composição. No mais, a Ăşnica complexidade que hĂĄ ĂŠ o fato de nĂŁo existir complexidade. O chamado ÂłDPRU´ VH HQWUHJD DR HVTXHPD GD LQG~VWULD cultural em sua versĂŁo mais artificial. Contudo, Âłaparentemente se enseĂąa a los
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espectadores teorĂas sobre cĂłmo se debe amar, sin preocuparse por la cuestiĂłn de si tal cosa puede enseĂąarse...´ (ADORNO, 1969, p. 86). Hoggart (1973a, p. 194) ressalta que ĂŠ evidente que essas cançþes HVWDQGDUGL]DGDV H VLPSOHV REHGHFHP D XP Q~PHUR PXLWR ÂłUHVWULWR GH FRQYHQo}HV IL[DV´ 7RGDYLD FRPSOHPHQWD TXH HVVD FDUDFWHUtVWLFD QmR p XPD VLPSOHV conseqßência da pobreza de imaginação dos autores: as cançþes sĂŁo, de fato, escritas dessa maneira. SĂŁo cançþes deliberadamente feitas deste modo, procurando DSUHVHQWDU DR ÂłRXYLQWH XP SDGUmR GH HPRo}HV Mi FRQKHFLGDV QmR SUHWHQGHP VHU originais, mas antes estruturas de sinais convencionais referentes a determinado GRPtQLR HPRFLRQDO´ +2**$57 D S A terceira categoria da anĂĄlise discogrĂĄfica ĂŠ alusiva ao sexo Âą de duplo sentido ou nĂŁo Âą ILFDQGR SRU FRQWD GH P~VLFDV FRPR Âł*DJDX´ H Âł6y fazendo love´
³*DJDX´ ¹ Garota Safada (Vol. 2) Todo mundo fala que tu Ê safada Mas eu não to nem ai Não tenho dinheiro, mas o meu Tempero sei que vai te sacudir Hoje você dança, acaba sua pança, Hoje você passa mau, quando Te levar pra cama nenÊm vai tomar Do meu gagau. Quando te levar pra cama nenÊm Eu vou botar na caçarola 3UD YRFr QD ¾UDELRODœ VHQWLU Fogo na cachola se tomar do Meu gagau.Eu vou botar, eu vou botar A mamadeira em sua boca nenÊm, Pra tomar gagau, pra tomar mingau Pra você ficar esperta, pra você ficar legal, Pra você ficar esperta, e deixar de ser boçal
³6y )D]HQGR /RYH´ ¹ Garota Safada (Vol. 5)
Só fazendo love Só fazendo love A gente Ê só no sobe e desce Vem e vai Só fazendo love Só fazendo love O nosso amor pode Ê balançar que não cai Eu e minha nega dia e noite Ê só assim Assim, assim, assim Eu por cima dela e ela por cima de mim Assim, assim, assim Eu só no fungado e ela só no gemidinho Assim, assim, assim Eu se esfregando nela e ela se esfregando em mim Assim, assim, assim Chamo de mainha, ela me chama de painho No carro ou na cama Encostou nós fica assim Só fazendo love Só fazendo love A gente Ê só no sobe e desce Vem e vai Só fazendo love Só fazendo love O nosso amor pode Ê balançar que não cai... Quadro 05 - /HWUD GDV 0~VLFDV ³*DJDX´ H ³6y )D]HQGR /RYH´ Fonte: http://letras.terra.com.br/garota-safada
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A temática do sexo é, na música popular brasileira, histórica e, ao contrário dos que pensam ser uma tendência recente, está nas raízes de nossa história musical. Como enfatiza Richard Parker (1991, p. 244), já faz parte do que significa ser brasileiro. ³A sensualidade é celebrada e se relaciona, no nível mais profundo, com o TXH VLJQLILFD VHU EUDVLOHLUR´ 'Dt TXH R SHFDGR QmR H[LVWH DEDL[R GR HTXDGRU Não somente na música, mas na sociedade em geral, a provocação sexual vaie-vem é tida como um elemento estruturante de nossa formação cultural. Como já destacou Gilberto Freyre (1984): O homem médio brasileiro não pode deixar de ser sensível à imensidade de provocações que o rodeiam. Não tanto ao vivo, como por meio de anúncios de revistas ilustradas, que se vêm esmerando na utilização de reproduções coloridas de bundas nuas, como atrativos para uma diversidade de artigos à venda. Há, no Brasil de hoje, uma enorme comercialização da imagem da bunda de mulher em anúncios atraentes. Estéticos uns, alguns lúbricos. Também se vem fazendo esse uso na televisão. E, sonoramente, em músicas apologéticas da beleza da bunda de mulher.
A vertente sexual na música brasileira não é fenômeno recente, conforme SRGHULDP DOHJDU RV SURSDJDQGLVWDV GD GHFDGrQFLD GR ³JRVWR´ 3DUD 0{QLFD /HPH (2003, p. 28): Pesquisando a literatura sobre a construção e consolidação da música popular no Brasil, constatamos que ao longo desse processo há uma vertente que vem se rearticulando e produzindo novos significados conjunturais. Adotaremos o termo µYHUWHQWH PDOLFLRVD¶ SDUD GHILQLU P~VLFDV TXH DUWLFXODP IyUPXODV µOLWHUiULDV¶ cômicas, satíricas e maliciosas, associadas a gêneros musicais populares (lundu, maxixe, xote, samba etc.). Estes gêneros foram sedimentados através de um longo SURFHVVR GH µPHVWLoDJHP¶ HQWUH FDUDFWHUtVWLFDV FXOWXUDLV µSRSXODUHV¶ H µHUXGLWDV¶ européias e características das culturas africanas, principalmente quanto aos aspectos rítmicos e de associação entre música e dança.
Deste modo, para Leme (2003), essa ³YHUWHQWH PDOLFLRVD´ GD P~VLFD SRSXODU brasileira já estava presente desde nossas primeiras modinhas (música romântica, com fundo lírico, repleta de queixas de amores e expressão de paixões) e lundus (música dançante, satírica, maliciosa e crítica aos costumes). A indústria cultural brasileira se trama sobre esses dois principais pilares: a música lírica, romântica (cuja matriz é a modinha oitocentista) e a música satírica (cuja matriz é o lundu).
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Voltando ao forró eletrônico, nele a vertente sexual tem dado sua parcela de contribuição ao processo de coisificação da mulher, na medida em que a transforma em objeto, disposta a dar prazer e ser consumida, jå que, ³KRMH HP Gia, atÊ o sexo tende a assemelhar-VH jV UHODo}HV GH WURFD DR UDFLRQDOLVPR GH GDU SDUD UHFHEHU´ (ADORNO; HORKHEIMER, 1978, p. 134). Como exemplo de produto atual dessa vertente maliciosa, um dos subitens mais tocados tem sido a temåtica do cabarÊ (bordel). A temåtica apologÊtica do cabarÊ, aliås, Ê central em muitas cançþes forrozeiras, reforçando, tambÊm, as GHVLJXDOGDGHV GH JrQHUR Mi TXH ³H[SOLFLWD D UHODomR FRQVHUYDGRUD FRP R VH[R H FRP RV SDSpLV HVSHUDGRV GD PXOKHU YLUWXRVD SDUD ¾FDVDUœ ¾SURILVVLRQDOœ SDUD R VH[R´ (TROTTA,
2009c,
p.
141).
Sumariando
com
Parker
(1991,
p.
250):
³LQGHSHQGHQWHPHQWH GH FODVVH UHJLmR RX RXWUD FLUFXQVWkQFLD TXDOTXHU SRU H[HPSOR as possibilidades abertas às mulheres, no Brasil todo, são mais limitadas do que as GRV KRPHQV´. Logo, as desigualdades de gênero não são peculiares apenas a determinados espaços, classes, etc. São universais. A bibliografia que tratou acerca do tema Ê consensual nesse ponto. Segundo Sherry B. Ortner (1979, p. 95-98), o status secundårio feminino na VRFLHGDGH p XPD GDV YHUGDGHV XQLYHUVDLV ³XP IDWR SDQcultural [...] Achamos as mulheres subordinadas aos homens em todas as sociedades FRQKHFLGDV´ 0LFKHOOH 5RVDOGR H /RXLVH /DPSKHUH S UHDILUPDP HVVH DUJXPHQWR H FRPSOHWDP ³HPERUD HP JUDX H Hxpressão a subordinação feminina varie PXLWR D GHVLJXDOGDGH GRV VH[RV KRMH HP GLD p IDWR XQLYHUVDO QD YLGD VRFLDO´ Franchetto (1981, p. 18), tambÊm ao examinar vasta bibliografia sobre o tema, aponta TXH ³XPD GDV LQTXLHWDQWHV HYLGrQFLDV FRP D TXDO DV Pulheres parecem defrontar-se Ê D UHJUD FRQVWDQWH GH VXD VXERUGLQDomR RX RSUHVVmR´ 6HJDWR DR UHFDSLWXODU textos pioneiros como os de Gayle Rubin, Sherry Ortner, Nancy Chodorow, Louise Lamphere, Michelle Rosaldo, Rayna Reiter e outros, dirå que Ê atravÊs (e apesar) das diferenças culturais que se descobre essa tendência à universalidade da estrutura de gênero, resultando na universalidade do gênero como estrutura de dominação.
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Assim, sob a perspectiva de gĂŞnero, algumas letras presentes no forrĂł eletrĂ´nico reforçam certas desigualdades86. As mulheres sĂŁo essencialmente vistas como objetos de conquista (inclusive dentro e fora do espaço do cabarĂŠ). Mesmo quando a mulher aparentemente parece ser retratada nas cançþes de forma menos desigual, ainda assim sua imagem emerge incrustada numa relação dissimĂŠtrica. Mesmo quando aparentemente se liberta, termina se metamorfoseando em personagem acrĂtico: ÂłHX YRX VDLU YRX SUD EDODGD QmR TXHUR PDLV VDEHU GH QDGD HX TXHUR p PH GLYHUWLU´ (letra da mĂşsica Vou Pra Balada, Banda Garota Safada, Vol. 5). Deste modo, a mulher ora cai em pseudo-atividade (falsa liberdade), ora sua imagem se transforma numa representação masculina, ao VH Âłfalar com um pĂşblico feminino, FRPR VH HVWLYHVVH VH GLULJLQGR D KRPHQV´ $'2512 E, p. 79). Entrementes, ĂŠ evidente que ÂłSHOR IDWR GH D PXOKHU FXUYDU-se diante da lei da famĂlia patriarcal, ela mesma se torna um elemento reprodutor da autoridade nesta VRFLHGDGH´ +25.+(,0(5 S Prontamente, Sob o ponto de vista (e de escuta) das relaçþes de gĂŞnero, ĂŠ importante destacar que o forrĂł eletrĂ´nico mantĂŠm e atĂŠ mesmo acentua a distinção tradicional dos papĂŠis masculino e feminino, reforçando um ambiente moral bastante conservador, a despeito de sua intenção e de sua atmosfera urbana e modernizante (TROTTA, 2009c, p. 140).
Deste modo, a suposta modernização das relaçþes de gênero contida, por exemplo, QD OHWUD GH ³Gagau´ FDL ODGHLUD DEDL[R HP VXD FRQWUDSDUWLGD FRQVHUYDGRUD isto Ê, ao contribuir para a estigmatização do papel da mulher nas relaçþes sociais: safada, mas aceitåvel... O ³+RPHP´ Ê quem termina determinando sua aceitação, ainda que estigmatizada.
86 Feministas tĂŞm se manifestado no sentido de mostrar tais assimetrias de poder. Para alĂŠm de qualquer valoração, suas crĂticas expressam, pelo menos, reaçþes contrĂĄrias a imagem da mulher veiculada no forrĂł. Âł$V OHWUDV GR IRUUy HVWLOL]DGR WUD]HP HP VHX FRQWH~GR H[SUHVV}HV TXH UHSDVVDP SDUD D VRFLHGDGH FRPR XP todo, uma imagem estereotipada das mulheres, que forjam identidades femininas com conotação pejorativa e de cunho depreciativo. Vale salientar, que discurso pejorativo dirigido Ă s mulheres, nĂŁo constitui uma marca recente na mĂşsica popular brasileira, mas, atualmente, nesse gĂŞnero musical tem se constituĂdo de um teor jamais imaginĂĄvel nas letras criadas em dĂŠcadas anteriores [...] Estas bandas inauguraram uma nova forma de fazer e vender letra de mĂşsica de forrĂł, na qual se faz presente forte apelo a banalização do sexo e uma desvalorização feminina, fala das mulheres como objeto de satisfação dos desejos sexuais ou da libido dos KRPHQV´ )(,726$ /,0$ 0('(,526 S -7).
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Todavia, vale destacar que não é o forró eletrônico criador fecundo de tais desigualdades. Este apenas contribui para a sua reprodução, em menor ou maior grau. Segundo Lima e Freire (2010, p. 10), o forró eletrônico: Apropria-se de características e estereótipos femininos pertencentes à cultura nordestina e dá a eles uma nova roupagem, com o aproveitamento de signos antigos e criação de novos, que explicitam conduta e representação, não publicando a fala feminina, ou seja, em como a mulher se vê e se percebe nesse cenário, cuja temática é geralmente ela, com forte apelo erótico.
Assim, R ³Vy ID]HQGR love´ HPXGHFH TXDOTXHU SRVVLbilidade concreta de expressão feminina no forró eletrônico. Daí que o tripé festa, amor e sexo termina sendo masculinamente dominante no forró eletrônico e suas letras mais simbióticas são justamente aquelas representativas de sua visão de mundo predominante. As P~VLFDV ³5DSDULJXHLUR WRGR´ H ³(X YRX WRPDU XP SRUUH´ VLJQLILFDP R PRPHQWR capital da idealização ideológica de uma vida de forte entretenimento.
³5DSDULJXHLUR 7RGR´ ± Garota Safada (Vol. 3) Eu sou raparigueiro todo Namorador demais Sou bonequeiro, mulherengo e forrozeiro Onde tem mulher eu vou correndo atrás Não é você quem vai fazer Eu mudar o meu jeito de ser Não é você quem vai querer que eu deixe os meus costumes por você Nem uma mulher conseguiu me dominar Não é você que vai Por isso meu bem, se me quiser é desse jeito assim
³(X 9RX 7RPDU XP 3RUUH´ ± Garota Safada (Vol. 4)
Hoje eu vou tomar um porre só por causa dela vou lhe dar motivo pra gente brigar hoje eu vou tomar um porre só por causa dela hoje eu vou mostrar pra ela o que é raparigar vem cá, garçom, me traga um litro de uisque se não tiver traga cana ou outro troço qualquer tô invocado, hoje eu vou pra bagaceira hoje a noite é só zueira e a culpada é a mulher quando eu tô com meus amigos ela diz que tô quengando atraso no trabalho ela diz que eu fui farrar essas crises de ciúme eu já não tô aguentando toda vez que chego em casa ela vem me esculhambar agora ela vai ver o que é desmantelo vou aprontar pra ver como vai ficar hoje vou ser pra ela um caba bem fuleiro pra ela ter razão de me esculhambar Quadro 06 ± /HWUDV GDV 0~VLFDV ³5DSDULJXHLUR WRGR´ H ³(X 9RX 7RPDU XP 3RUUH´ Fonte: http://letras.terra.com.br/garota-safada
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Sumariando o quadro 06 acima, pode-se dizer que ĂŠ veiculando textos e imagens diversas que o forrĂł eletrĂ´nico atual se vende justamente pelas caracterĂsticas acima elencadas: diversĂŁo e prazer. Âł(X VRX UDSDULJXHLUR WRGR namorador demais. Sou bonequeiro, mulherengo e forrozeiro. Onde tem mulher eu YRX FRUUHQGR DWUiV´. O forrĂł como um todo possui essa marca, ao contrĂĄrio do que se poderia alegar pelo viĂŠs do forrĂł tradicional (pĂŠ-de-serra). Este tambĂŠm veicula tal concepção de mundo, embora de forma mais sutil (em ambos os estilos de forrĂł hĂĄ o elemento propositado e o elemento involuntĂĄrio da intenção, o que nĂŁo cabe especulaçþes neste momento). No caso do forrĂł atual, a cisĂŁo entre o pĂŠ de serra e o eletrĂ´nico aponta para a complexidade destes julgamentos e enfrentamentos morais. Aparentemente, as duas vertentes estilĂsticas encontram-se em espaços morais radicalmente distintos e antagĂ´nicos. No entanto, um exame mais detalhado das sonoridades, das letras e da estĂŠtica visual apresentada revela que ambos partem de uma mesma posição conservadora em relação Ă sexualidade, fundada numa rĂgida divisĂŁo de funçþes, papĂŠis e estereĂłtipos masculinos e femininos. [...] Mais Ă s claras, o forrĂł eletrĂ´nico exagera em referĂŞncias visuais e poĂŠticas explicitamente sexuais, enquanto o pĂŠ de serra atual mascara o terreno da sexualidade, devolvendo-o Ă penumbra e Ă s frestas das relaçþes tradicionais Âą essencialmente rurais (TROTTA, 2009c, p. 144).
Por conseguinte, importa reforçar que as representaçþes insurgidas pelo e no forrĂł eletrĂ´nico oferecem substancialmente esse mundo de entretenimento, harmĂ´nico em sua totalidade e conflituoso apenas na esfera privada: ÂłW{ LQYRFDGR KRMH HX YRX SUD EDJDFHLUD +RMH D QRLWH p Vy ]XHLUD H D FXOSDGD p D PXOKHU´. Nessa sociabilidade de diversĂŁo a todo custo, muitas possibilidades de outras formas de lazer ficam Ă margem de qualquer possibilidade real de crĂtica desse consumo, que pode vir-a-ser (Werden) um reforçador de valores, crenças, sentimentos, etc. Retomando as idĂŠias de Marcellino (2000) citadas no capĂtulo 1, o lazer oferecido pelo forrĂł eletrĂ´nico ĂŠ essencialmente desprovido de qualquer criatividade ou criticidade lĂşdica. A possibilidade de um fundamento crĂtico no lazer como educação ĂŠ esvaziada sumariamente, tornando a diversĂŁo um mero veĂculo do entreter-se. Âł2 SUD]HU TXDQGR > @ LVRODGR GR PXQGR GR FRQWH~GR ÂľVpULRÂś GD YLGD torna-se bobo, sem sentido, reduz-VH FRPSOHWDPHQWH DR ÂľHQWUHWHQLPHQWRϫ (ADORNO, 2008b, p. 99).
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Nesse Ănterim, os fatores que, de fato, tornam essas cançþes um sucesso de audição massiva eVWmR EHP ORQJH GD VLQJHOD H[SUHVVmR Âłgosto popular´ RX PHVPR do contrĂĄrio, da expressĂŁo bĂblica eles nĂŁo sabem o que fazem (LUCAS 23-34). Para tal compreensĂŁo, tanto Theodor W. Adorno como os Estudos Culturais dĂŁo uma parcela relevante para este entendimento. De Adorno interessa relembrar o papel do assĂŠdio sistemĂĄtico e prescritivo promovido pela indĂşstria cultural. Dos Estudos Culturais, especificamente Richard Hoggart, importa lembrar que essas cançþes sĂŁo sucessos justamente por serem grandes temas da existĂŞncia popular. Explorar a intimidade e os detalhes da vida Ăntima de cada um significa a base do interesse maior das camadas populares. Pela carĂŞncia na capacidade do pensar abstrato, os detalhes Ăntimos se tornam os grandes temas da experiĂŞncia popular. O forrĂł eletrĂ´nico ĂŠ, entĂŁo, a ponta de um iceberg bem mais enraizado na cultura. O consumo das mĂşsicas p SRU FRQVHJXLQWH ÂłERXUGLHXQLDQDPHQWH´ QmR DSHQDV HVWUXWXUDQWH PDV jĂĄ estruturado. Como diria E. P. Thompson (1987), os sujeitos nĂŁo sĂŁo apenas feitos, mas tambĂŠm produtores de sua histĂłria. Caso seja possĂvel citar Âą Ă maneira de uma tipologia weberiana dos personagens ouvintes Âą os dois tipos de caricaturas didaticamente opostas vigentes no forrĂł eletrĂ´nico, terĂamos: a) um personagem que se opĂľe ao mundo, que se rejeita a aceitar a sociedade como ela estĂĄ, sendo, deste modo, questionador; b) e aquele outro integrado Ă coletividade, positivamente conexo, conformado (HABERT, 1974). Habert alerta, com propriedade, que o segundo personagem ĂŠ a expressĂŁo constitucional do consumidor da indĂşstria cultural. Como mĂşsica popular, o forrĂł eletrĂ´nico dĂĄ sua parcela de contribuição a esse ideal de absoluta passividade, ao nĂŁo evitar cooperar para um mundo reificado marcado por ideologias sexistas, consumistas, discriminatĂłrias, etc. De acordo com 7URWWD S ÂłTXDQWR PDLRU R DOFDQFH H SRSXODULGDGH de uma determinada canção ou novela, maior sua capacidade de interagir, comunicar H WHQVLRQDU YDORUHV H VHQWLPHQWRV FRPSDUWLOKDGRV´ 2 IRUUy HOHWU{QLFR GH fato, ĂŠ estruturante do lazer festivo de parte da população nordestina, independentemente de classe social. AliĂĄs, o critĂŠrio classe social seria muitĂssimo insatisfatĂłrio para a
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DQiOLVH GR FRQVXPR FXOWXUDO GH PDVVD SRLV HVEDUUDULD QXPD ÂłRIHUWD GD LQG~VWria FXOWXUDO SODQHMDGD FRQIRUPH HVWUDWRV VRFLDLV´ $'2512 S 7UDWDU-se-ia da estratificação de um fenĂ´meno em demasia administradamente estratificado. Evidentemente nĂŁo hĂĄ nenhuma relação unilateral nesse consumo, nem tampouco relação mensurĂĄvel de causa-efeito Âą Adorno, evidentemente, concorda que nĂŁo hĂĄ nenhuma relação de mensurabilidade. John Thompson (2002) argumenta que nĂŁo ĂŠ demonstrĂĄvel e nem evidente que a recepção dos bens da indĂşstria cultural tenha as conseqßências alardeadas (nĂŁo hĂĄ nenhuma relação de causa-efeito demonstrĂĄvel). Os produtos nĂŁo podem ser responsĂĄveis, simplesmente, pelo conformismo. Apesar disso, deve-se salientar que podem servir como reforçadores de relaçþes de dominação jĂĄ existentes. Como novamente reforça Trotta (2010, p. 13): Ă&#x2030; Ăłbvio que nĂŁo se pode pensar numa relação de causa e efeito com conseqßências imediatas de reprocessamento de cĂłdigos morais e padrĂľes de comportamento sexual por conta de uma telenovela ou de uma canção. Mas tambĂŠm me parece frĂĄgil a ideia de se pensar nos produtos de entretenimento como vetores de uma ÂľPHUDÂś GLYHUVmR
Assim, o consumo do forró eletrônico, seja sob a forma privada (escuta domÊstica de CDs, DVDs...), seja sob a forma pública (freqßência a shows), não pode ser considerado, unicamente, como expressão da alienação de um ou vårios grupos sociais, ou ainda, no pólo oposto, como um simples instrumento cultural de entretenimento massivo. Trata-se, pois, de uma ³experiência cultural mutante ligada às diversas esferas da vida social, cuja reprodução estå condicionada à multiplicidade GH LQWHUHVVHV GH DJHQWHV LQWHUQRV H H[WHUQRV DR HYHQWR´ &267$ S Destarte, para alÊm de se pensar no sentido literal do texto-em-si e do texto-para-si ¹ jå que ³DV GHFRGLILFDo}HV QmR GHULYDP LQHYLWDYHOPHQWH GDV FRGLILFDo}HV´ (HALL, 2003, p. 399) ¹, interessa ver os usos e desusos das cançþes, suas recusas, negociaçþes e aceitaçþes. Somente assim o fenômeno musical do forró eletrônico pode melhor ser compreendido. A seção 5.1 seguinte tratarå de explorar essa questão.
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Âł1(0 ,1',9Ă&#x2039;'826 62%(5$126 1(0 0$66$6 81,)250(6´ 3$5$ PENSAR O CONSUMO DO FORRĂ&#x201C; ELETRĂ&#x201D;NICO Âł$Wp PHVPR R PDLV LPEHFLO Im GDV P~VLFDV GH VXFHVVR Ki GH WHU SRU YH]HV R sentimento de uma criança gulosa que entra numa confeitaria. Se os atrativos se esvaem e tendem a transformar-se no oposto Âą a curta duração dos sucessos musicais pertence ao mesmo tipo de experiĂŞncia Âą, a ideologia cultural, que caracteriza a atividade musical superior, acarreta como conseqßência que tambĂŠm a P~VLFD LQIHULRU VHMD RXYLGD FRP FRQVFLrQFLD LQWUDQT LOD´ Theodor W. Adorno (1991, p. 97) O Fetichismo na MĂşsica e a RegressĂŁo da Audição
5.1
DECODIFICAĂ&#x2021;Ă&#x2022;ES
NO
FORRĂ&#x201C;
ELETRĂ&#x201D;NICO:
NEGOCIADAS, DE OPOSIĂ&#x2021;Ă&#x192;O E PREFERENCIAIS
LEITURAS
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A recepção (consumo) do forrĂł eletrĂ´nico dentre os quarenta e cinco informantes da pesquisa de preferĂŞncia musical se mostrou, longĂnqua de qualquer categorização monolĂtica, razoavelmente multifacetada. Driblando atĂŠ certo ponto os HVSHUDGRV SDGU}HV GRPLQDQWHV H VHXV ÂłincĂ´modos´ outliers, os relatos coletados e expostos sĂŁo indĂcios de significativa heterogeneidade, tanto extra, como intraestratos. Ouvintes incondicionalmente cativos de forrĂł eletrĂ´nico, ouvintes ocasionais e esporĂĄdicos, ouvintes indiferentes e nĂŁo-ouvintes expressaram, grosso modo, os tipos puros weberianos para as possibilidades de consumo do supracitado gĂŞnero musical. NĂŁo obstante, uma coisa foi concretamente perceptĂvel: o forrĂł eletrĂ´nico ĂŠ, para mais ou para menos, referĂŞncia na formação da cultura musical do entretenimento potiguar, seja para aceitĂĄ-lo, seja para negĂĄ-lo. NĂŁo hĂĄ como se esquivar totalmente de um ritmo tĂŁo disseminado no RN, desde botecos localizados em bairros perifĂŠricos atĂŠ os paredĂľes de som instalados nas modernas caminhonetes Toyota Hilux.
87
Todos os informantes da pesquisa de preferĂŞncia musical estĂŁo identificados por pseudĂ´nimos, criados arbitrariamente pelo pesquisador de modo a garantir o anonimato.
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Os
depoimentos
a
seguir
foram
provenientes
de
quatro
estratos
fundamentalmente distintos, escolhidos nĂŁo-aleatoriamente Âą ou seja, de forma arbitrĂĄria Âą por meio de acessibilidade, isto ĂŠ, disponibilidade voluntĂĄria dos grupos de informantes e a conseqĂźente abertura ao pesquisador. Os estratos (quatro instituiçþes de ensino de quatro cidades distintas) foram escolhidos intencionalmente, objetivando certa comparação, mesmo se sabendo dos riscos de uma anĂĄlise comparativa sem a equiparação das condiçþes objetivas necessĂĄrias. Mesmo diante do reconhecido limite, efetivou-se a entrada no campo. Na escola pĂşblica localizada no municĂpio de SĂŁo Gonçalo do Amarante (escola praticamente limĂtrofe com a cidade do Natal), a pesquisa se deparou com um pĂşblico essencialmente jovem, com mĂŠdia de idade de 21,2 anos (cinco homens e cinco mulheres); renda mĂŠdia familiar oscilando entre um e dois salĂĄrios mĂnimos mensais; com algumas jovens jĂĄ no ofĂcio de donas de casa, enquanto que os homens na luta pelo primeiro trabalho ou prontamente ocupados nos chamados ÂłVXEHPSUHJRV´ ,QGLYtGXRV TXH DSHVDU GD SRXFD LGDGH Mi HQIUHQWDP XPD YLGD desigualmente disputada entre o incerto mundo do trabalho e as nem sempre acessĂveis benesses do luminoso mundo do entretenimento de massa. No municĂpio de Touros foi constatada uma realidade bastante parecida, embora com algumas peculiaridades presentes na vida afastada da capital que possibilitam aos sujeitos maior flexibilidade no cotidiano, fundamentalmente maior autonomia na relação com o lazer, seja pelo nĂŁo-trabalho (ausĂŞncia), seja pelas caracterĂsticas do prĂłprio trabalho (ocupaçþes autĂ´nomas, familiares, trabalhos em part-time, etc.). O padrĂŁo mĂŠdio de renda familiar seguiu o de SĂŁo Gonçalo do Amarante e a mĂŠdia etĂĄria foi de 18,4 anos (sete homens e seis mulheres). Na escola privada localizada em Natal um quadro de distinção econĂ´mica e educacional se averiguou. Instituição de elevada condição sĂłcio-econĂ´mica da cidade, a renda mĂŠdia mensal familiar dos alunos girou em torno de 15 salĂĄrios mĂnimos, potencialmente possibilitando aos estudantes condiçþes materiais singulares para o investimento simbĂłlico em cultura. Embora nĂŁo seja uma variĂĄvel
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plenamente determinante, a renda familiar88 ĂŠ um componente importante na anĂĄlise das condiçþes sob as quais se realiza a vida cultural. AlĂŠm disso, a escola possui grande prestĂgio na cidade, sobretudo pelo seu anunciado elevado padrĂŁo de ensino e altivo perfil econĂ´mico discente, sendo responsĂĄvel por expressiva aprovação nos vestibulares locais. A mĂŠdia etĂĄria foi de 16,8 anos (seis homens e seis mulheres). Em termos de ocupação, pela limitada faixa etĂĄria apreendida, a vida profissional dos informantes foi bastante incipiente. Por fim, o perfil econĂ´mico dos discentes da Instituição de Ensino Superior (IES localizada em MossorĂł) pesquisada nĂŁo fugiu substancialmente do padrĂŁo sĂłcio-econĂ´mico mĂŠdio conhecido no paĂs, isto ĂŠ, alunos com renda familiar mĂŠdia de atĂŠ 10 salĂĄrios89 1R %UDVLO ÂłD UHQGD IDPLOLDU PHQVDO GH GRV HVWXGDQWHV GR ensino superior nĂŁo ultrapassa dez salĂĄrios mĂnimos. Em 2004, o Ăndice era de ´ (1$'( apud REVISTA ENSINO SUPERIOR, 2008)90. Na vida profissional, muitos jĂĄ dividem o cotidiano universitĂĄrio com alguma ocupação profissional, geralmente de meio perĂodo. A mĂŠdia etĂĄria para esse grupo de informantes foi de 21,8 anos (cinco homens e cinco mulheres). Logo, nas vicissitudes das truncadas relaçþes entre capital econĂ´mico e capital cultural, os relatos aqui apresentados expressaram uma realidade atĂŠ certo ponto plural. Assim, para alĂŠm da suposição imaginĂĄvel da dominância de uma decodificação apocalĂptica do material musical pelas mĂŁos da indĂşstria cultural, os
88 Todavia, ĂŠ sempre importante lembrar que a variĂĄvel econĂ´mica pode nĂŁo ter o papel determinante que muitas vezes lhe ĂŠ atribuĂda. Conforme advertem Adorno et al, se o aspecto econĂ´mico fosse decididamente determinante, deverĂamos esperar que pessoas do mesmo grupo socioeconĂ´mico tivessem opiniĂľes muito similares. (LV Dt XP HQJDQR ÂłAt the same time, however, it was considered that economics motives in the individual may not have the dominant and crucial role that is often ascribed to them. If economic selfinterest were the only determinant of opinion, we should expect people of the same socioeconomic status to have very similar opinions, and we should expect opinion to vary in a meaningful way from one socioeconomic grouping to another. Research has not given very sound support for these expectations´ (ADORNO et al, 1950, p. 08). 89 Ă&#x2030; importante salientar que a realidade local apresenta algumas peculiaridades que causam desvios em relação a esse padrĂŁo mĂŠdio nacional. Uma delas, a mais importante a ser destacada, ĂŠ o acesso por cotas para estudantes oriundos de escolas pĂşblicas Âą 50% das vagas preenchidas nesta IES sĂŁo ocupadas por discentes potencialmente de baixa renda. Logo, ĂŠ possĂvel especular que o padrĂŁo da renda mĂŠdia dos informantes esteja abaixo da mĂŠdia nacional. 90 A difĂcil vida universitĂĄria, Revista Ensino Superior, SĂŁo Paulo, vol. 10, n. 115, abril, 2008. DisponĂvel em: http://revistaensinosuperior.uol.com.br/textos.asp?codigo=12127. Acesso em: 14. set. 2011.
200
distintos casos em exame se apresentaram como uma alegĂłrica expressĂŁo multiforme do consumo cultural. Os depoimentos a seguir buscaram ilustrar essa decodificação do consumo do forrĂł eletrĂ´nico potiguar. Trata-se, antes de tudo, nĂŁo do consumo de IRUUy ÂłGR´ 51, mas sim, DOJXQV FRQVXPRV GH IRUUy ÂłQR´ 51. Essa simples sutileza semântica reforça bem as intençþes e os limites da presente metodologia empĂrica: aqui se processam estudos de casos, no qual seus resultados se aplicam, unicamente, aos seus informantes. Tem-se, pois, um estudo piloto no qual se deve tomar ÂłmĂĄs como una exploraciĂłn de posibilidades que como una compilaciĂłn de resultados irrefutables´ (ADORNO, 1973, p. 131). Faz-se mister enfatizar, antes do prelĂşdio empĂrico, que as formas de consumo da recepção musical foram significativamente conflituosas. Logo, nĂŁo significa que os depoimentos de cada ouvinte estĂŁo unificadamente enquadrados numa privilegiada forma de leitura. Um mesmo informante pode apresentar, concomitante e conflituosamente, momentos de leitura preferencial e momentos de leitura de oposição. Assim sendo, no consumo da mĂşsica popular existe, pois, eixos concordantes e eixos destoantes de recepção. Em suma, os indivĂduos nĂŁo podem ser nem massas amorfas, nem essencialmente autĂ´nomos. SĂŁo, pois, condicionados e condicionantes de sua construção particular. Antes de iniciar a exposição do apreendido na empiria, ĂŠ mister tambĂŠm apontar que as dificuldades nesse tipo de estudo sĂŁo muitas. Como jĂĄ lembrou Adorno (1991, p. 92- ÂłTXHP HYHQWXDOPHQWH WHQWDVVH ÂľYHULILFDUÂś RX FRPSURYDU R carĂĄter fetichista da mĂşsica atravĂŠs de uma enquete sobre as relaçþes dos ouvintes, SRU PHLR GH HQWUHYLVWDV H TXHVWLRQiULRV SRGHULD VRIUHU YH[DPHV LPSUHYLVWRV´ Imediatamente, sabendo-se dessa estrutural limitação, reconhece-se que o estudo em mĂŁos possui pouca capacidade de generalização, bem como, de demonstrabilidade in situ. Trata-VH SRLV GH ÂłOHLWXUDV´ VREUH ÂłOHLWXUDV´ Reiterando: as generalizaçþes menos demonstrĂĄveis sempre ficam por conta da imaginação do leitor.
201
a) Leituras Negociadas
Deste modo, convidando Stuart Hall para uma leitura das possibilidades de decodificação do presente material empĂrico, pode-se inferir que as leituras negociadas foram relacionalmente mais presentes dentre os informantes Âą de certa forma, atĂŠ independentemente de local de residĂŞncia, sexo, idade, renda e escolaridade. Assim, variando aqui e ali, tem sido sĂłlida a negociação no consumo do forrĂł eletrĂ´nico de acordo com o vislumbrado em campo. Relembrando o parĂĄgrafo final do capĂtulo 2: as leituras negociadas sĂŁo provavelmente o que a maioria de nĂłs faz no cotidiano (HALL, 2003). Rememorando de antemĂŁo, por codificação e decodificação entende-se, segundo Hall, respectivamente, produção e interpretação de um determinado cĂłdigo PHQVDJHP PXLWR HPERUD VHMDP ÂłPRPHQWRV GLIHUHQFLDGRV GHQWUR GD WRWDOLGDGH formada pelas relaçþes VRFLDLV GR SURFHVVR FRPXQLFDWLYR FRPR XP WRGR´ (HALL, 2003, p. 390). Novamente recordando, Hall identificou trĂŞs posiçþes hipotĂŠticas a partir das quais a decodificação de um discurso pode ser construĂda, a saber, a leitura hegemĂ´nica (preferencial), a leitura negociada e a leitura de oposição. De acordo com Hall (2003, p. 401-402): Decodificar, dentro da versĂŁo negociada, contĂŠm uma mistura de elementos de adaptação e de oposição: reconhece a legitimidade das definiçþes hegemĂ´nicas para produzir as grandes significâncias (abstratas), ao passo que, em um nĂvel mais restrito, situacional (localizado), faz suas prĂłprias regras ² funciona com as exceçþes a regra. Confere posição privilegiada as definiçþes dominantes dos acontecimentos, enquanto se reserva o direito de fazer uma aplicação mais QHJRFLDGD DV ÂľFRQGLo}HV ORFDLVÂś H DV VXDV SUySULDV SRVLo}HV PDLV corporativas. Essa versĂŁo negociada da ideologia dominante estĂĄ, portanto, atravessada por contradiçþes, apesar de que isso sĂł se torna visĂvel em algumas ocasiĂľes. Os cĂłdigos negociados operam atravĂŠs do que podemos chamar de lĂłgicas especificas ou localizadas: essas lĂłgicas sĂŁo sustentadas por sua relação diferencial e desigual com os discursos e as lĂłgicas do poder.
Empiricamente as leituras negociadas, ou seja, àquelas decodificaçþes na qual o significado criado pela interface entre o intÊrprete e o codificador da mensagem Ê habilmente contestado, estão representadas por ouvintes que gostam (alguns mais, outros menos) do forró eletrônico como gênero musical, o escutam com certa
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freqßência (muito variĂĄvel entre eles), atĂŠ chegam a adquirir CDs/DVDs (ou mesmo fazer downloads da internet), mas, com um dado senso de julgamento, discorrem ajuizamentos diversos sobre a mĂşsica e sua mensagem. Tratam-se, pois, de consumidores de forrĂł, mas que, de uma forma ou de outra, nĂŁo o recebem de forma entorpecidamente preferencial, nem efetivam leituras puramente de oposição. Por exemplo, muitos o usam, num nĂvel mais localizado, apenas como referencial de consumo da chamada ÂłHFRQRPLD GD H[SHULrQFLD´ ou como narrativas sentimentais de experiĂŞncias vivenciadas, enquanto que, todavia, num nĂvel mais abstrato, terminam conferindo uma decodificação dominante a alguns sentidos codificados (em especial, sentidos como diversĂŁo, consumo, etc.). Os depoimentos a seguir ilustram esse senso de apreciação estĂŠtica e, para DOpP GR VXEVWDQFLDOLVWD ÂłSHQVDU´ GLFRW{PLFR GRPLQDção versus resistĂŞncia), relevam alguns elementos de leituras negociadas: Âł7HP XPDV OHWUDV QR IRUUy TXH VmR ERQLWDV agora tambĂŠm tem umas que os compositores delas faz jĂĄ pensando na sacanagem. Hoje em dia a maioria das mĂşsicas feitas pra forrĂł mesmo ĂŠ mais pra sacanagem... Eu acho que faz mais VXFHVVR´ $1'5e DQRV 7RXURV Âł2 LQVWUXPHQWDO GH XPDV EDQGDV DWp TXH sĂŁo boas, tem bons mĂşsicos, mas as letras sĂŁo muito decadentes, eu acho... por que a maioria das letras denigrem a imagem das mulheres... tipo xingando: ÂľO DPRU p IHLWR FDSLP Âś ÂľVocĂŞ nĂŁo vale QDGD Âś e WXGR pra ferir alguĂŠm... e eu acho assim que mĂşsica ĂŠ pra vocĂŞ relaxar H HX QmR YHMR UHOD[DU HVFXWDQGR D P~VLFD ÂľO DPRU p IHLWR FDSLPϫ /Ă&#x2039;',$ anos, MossorĂł). Âł(X JRVWR GH *DURWD 6DIDGD 3ULPHLUR DOJXPDV P~VLFas da banda. NĂŁo todas. Algumas! Mas o que eu gosto de ver mais ĂŠ Mastruz com Leite e LimĂŁo com Mel. 'DV DQWLJDV´ -21$7$6 DQRV 6mR *RQoDOR GR $PDUDQWH Âł&DYDOHLURV >GR )RUUy@ WHP P~VLFDV PDLV URPkQWLFDV $YL}HV >GR )RUUy@ WHP mĂşsicas que tĂŞm certa vulgaridade [...] Olha, Mastruz com Leite, mĂşsicas mais antigas... Calcinha Preta, etc. [...] a mĂşsica deles nĂŁo era vulgar... As de hoje sĂŁo vulgares atĂŠ demais [...] Calcinha Preta, se vocĂŞ pegar um CD mais antigo pros de hoje, ĂŠ totalmente diferente... Eu digo por que tenho os mais antigos e os mais novos [...] Tem muita mĂşsica de Calcinha Preta que jĂĄ ta entrando no meio do IRUUy PDLV YXOJDU > @ SRU TXH VH QmR HQWUDU YDL ILFDQGR SUD WUiV´ 6$%5,1$ anos, SĂŁo Gonçalo do Amarante).
A negociação vigente nas leituras acima apresenta basicamente que não se consome plenamente o forró eletrônico conforme os objetivos hegemônicos dos produtores. Segundo os depoimentos acima, algumas letras são boas, outras não;
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algumas bandas sĂŁo melhores, outras nĂŁo; alguns estilos sĂŁo qualificados positivamente, outros nĂŁo. DaĂ que, apesar do consumo ser atravessado por contradiçþes, ĂŠ visĂvel que a codificação dominante nĂŁo se faz inteiramente enĂŠrgica. Algumas lĂłgicas especĂficas dos ouvintes nĂŁo permitem tal sonho de poder dos produtores culturais. As citadas apreciaçþes exemplificam que o consumo ĂŠ relacionalmente negociado: negocia-se com o tempo (em geral as bandas dos anos 1990 sĂŁo aludidas freqĂźentemente como de melhor qualidade) e negocia-se com a moral (as temĂĄticas mais erĂłticas nem sempre sĂŁo bem avaliadas). Particularmente, tem sido comum nesses julgamentos negociados a comparação com o forrĂł eletrĂ´nico da dĂŠcada de 1990. As afirmaçþes a seguir elucidam tal reserva comparativa e jĂĄ aprofundam dois elementos positivos muito estruturantes para a leitura negociada: o conteĂşdo sentimental nas letras e alguma proximidade com o forrĂł tradicional, estilo pĂŠ-de-serra (xote, baiĂŁo). Âł2 IRUUy GH DQWLJDPHQWH HUD PXLWR GLIHUHQWH (UD XP ULWPR PDLV Âľ[RWHDGRÂś XP ritmo mais pegado com a cultura. Hoje em dia nĂŁo. Hoje em dia eles misturam um tipo de forrĂł e ÂľpisadinhaÂś, que se dĂĄ o nome vanerĂŁo... Antigamente... era um ÂľUDVWDSpÂś PHVPR R GH DQWLJDPHQWH +RMH HP GLD p WLSR DVVLP XPD VHPYHUJRQKLFH ILFD XP VDUUDQGR QR RXWUR´ 0$5&(/2 DQRV 7RXURV Âł(X DFKR TXH RV IRUUyV PDLV DQWLJRV WLQKDP XPD OHWUD PDLV bonita e hoje tem mais pornografia... As pornografias, eu acho que todo mundo gosta, pois dança e nunca GL] QDGD ´ $1$ DQRV 7RXURV Âł7HP P~VLFD TXH p DJUDGiYHO YRFr RXYLU PDV WHP P~VLFDV TXH D ÂľSURQ~QFLDÂś deles nĂŁo gosto, nĂŁo acho certo... as palavras usadas... [os forrĂłs mais antigos sĂŁo] melhores do que os de hoje. Eu acho que eles sabiam colocar palavras mais... TXH YRFr JRVWDVVH GH RXYLU ( KRMH QmR ´ 7(5(=$ DQRV 7RXURV ÂłA questĂŁo de letra eu acho que antigamente era melhor... Por que a letra de hoje ĂŠ muito sem noção, qualquer coisa o povo tĂĄ gostando´ 3('52 DQRV Touros). Âł(X SUHILUR PDLV R IRUUy GDV DQWLJDV WLSR &DYDOR GH 3DX 0DVWUX] FRP /HLWH 7HP uma letra mais consistente. DĂĄ pra escutar [...] Cavalo de Pau e Mastruz com /HLWH HX JRVWR PXLWR GHOHV´ )5$1&,6&2 DQRV 0RVVRUy
Conforme observado nos blocos de depoimentos acima, o assunto da vulgaridade se torna reentrante nessas leituras negociadas Âą praticamente unânime dentre os informantes. SĂŁo indĂcios de que a linha tĂŞnue que separa o considerado Âłmoral´ do Âłimoral´ ĂŠ bastante condicionante para uma recepção positiva.
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Prontamente, num jogo de negociação, de acordo com Trotta (2009c), o que se negocia no uso dessa linguagem sexual é a fronteira do permitido e o ousado no campo da sexualidade. Portanto, o forró eletrônico é produto de uma indústria do entretenimento que joga com códigos morais, sobretudo e apesar das polêmicas GHVSHUWDGDV $VVLP ³D PRUDO p SRUWDQWR DR PHVPR WHPSR XP FRQMXQWR GH QRUPDV aceitas e um campo de possibilidades GH DWXDo}HV UHDOL]DGDV D SDUWLU GHVVDV QRUPDV´ (TROTTA, 2009c, p. 135). Como já lembrou Gabriel Tarde, os propagandistas do HQWUHWHQLPHQWR SXEOLFLVWDV VDEHP RV JRVWRV H UHSXJQkQFLDV GR S~EOLFR ³6DEHP TXH é possÃvel, por exemplo, permitir-se com ele, impunemente, uma ousadia de imagens SRUQRJUiILFDV ´ (TARDE, 2005, p. 54), mas sem extrapolar o limite permitido. Diversos informantes demonstraram exatamente isso: o gostar e o não-gostar têm uma profunda ligação com o campo da moral: ³$OJXPDV >P~VLFDV@ VmR YXOJDUHV µ+RMH HX GXUPR Oi HP EDL[R QD FDVD GRV PDFKRV¶ >0~VLFD &DVD GRV 0DFKRV@ (QWmR HOHV QmR WrP FDSDFLGDGH GH ID]HU uma música e ficam fazendo µXerox¶ da música dos outros [em alusão à música Casa das Primas]. Ã&#x20AC;s vezes aR LQYpV GH PHOKRUDU SLRUD´ 0$5,$ DQRV Touros). ³(VVDV músicas que têm letras depravadas eu não gosto. Que falam em rapariga, HP FDEDUp $t HX QmR JRVWR´ 9$/(6.$ DQRV 0RVVRUy ³(u não gosto muito dessa música Casa das Primas, porque dizem que é muito SRUQRJUiILFD´ 3$8/2 DQRV 7RXURV ³$ PDLRULD Vy IDOD GH FRLVD LPRUDO 7HP XP ERFDGR GH *DURWD 6DIDGD DVVLP (X QmR JRVWR PXLWR QmR GH *DURWD 6DIDGD´ 6$1'5$ DQRV 7RXURV ³7mR ILFDQGR PXLWR YXOJDUes os forrós de hoje pros de anWLJDPHQWH´ 6$%5,1$ 20 anos, São Gonçalo do Amarante). ³8PD QRYD DJRUD HX DFKR TXH p GH *DURWD 6DIDGD VH HX QmR PH HQJDQR µGHVFH SLULJXHWH¶ [popularmente sinônimo de mulher de fácil acesso, vadia]; você tá GDQoDQGR QXP VKRZ H XPD P~VLFD GL] µGHVFH SLULJXHWH¶ H YRFr Oi GDQoDQGR FRQWLQXDQGR GHVFHQGR 7i OKH FKDPDQGR GH µSLULJXHWH¶ GH TXDOTXHU IRUPD (X DFKR TXH HVVD p XP H[HPSOR GH P~VLFD YXOJDU´ 0,&+(/( DQRV 0RVVRUy
Essa negociação com o campo da sexualidade demonstra o quanto esse sistema GH VLJQLILFDGRV VH[XDLV p ³IRUPDGR SRU P~OWLSORV VXEVLVWHPDV GLYHUVRV sistemas de referência, lógicas conflitantes, configurações disparatadas e coisas VHPHOKDQWHV´ 3$5.(5 S 'Dt TXH QHP WRGD SHUPLVVLYLGDGH p DFHLWD pelo ouvinte, mesmo dentre aqueles que estão mais abertos a outras formas de
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permissividade em outros campos da vida social. O exemplo a seguir demonstra bem essa lógica conflitante: ³(X JRVWR DFKR OHJDO R IRUUy PDV p XPD TXDOLGDGH TXH QmR WHP UHVSHLWR > @ (X acho que todas as pessoas sabem que realmente a música Ê dessa maneira, mas eles levam pelo divertimento; eles se deixam levar tanto e não se dão nem conta do que tão fazendo [...] Eu gosto de todas as músicas, principalmente essas que chamam muita atenção da sensualidade... porque eu sei que a letra, se for reparar, Ê muito vulgar, só que eu gosto desse estilo de dança... desde pequena eu gosto de dançar mesmo [...] [A música] Ê boa, mas se você for olhar direitinho, a letra Ê pura sacanagem [...] Hoje em dia o sucesso tå puxando mais pra sacanagem do que pra essas músicas românticas... Hoje o que a gente mais vê Ê esses sucessos de P~VLFD SX[DQGR PDLV SUD VDFDQDJHP PHVPR´ (LEILA, 26 anos, São Gonçalo do Amarante).
A negociação acima se torna alegĂłrica dessa lĂłgica conflitante: gosta-se das danças sensuais, mas nĂŁo se gosta das letras de carĂĄter sensual. Assim, seguramente ĂŠ possĂvel afirmar que o campo da moralidade ĂŠ estruturante para o consumo dos bens culturais de massa. Outro componente funcional desse consumo negociado ĂŠ o reconhecimento de que as bandas e mĂşsicas de maior sucesso conseguem impor seus produtos com maior complacĂŞncia do pĂşblico. Assim, o ouvinte sabe, em certo sentido, a força que a indĂşstria do entretenimento musical tem para prescrever o gosto popular. Âł0HVPR RV PDLV LQHSWRV VDEHP QRV UHF{QGLWRV GH VXD DOPD R TXH p YHUGDGHLUR H R TXH QmR p´ (ADORNO, 2011, p. 169). Sabe-se que parte do que se consome deriva de determinadas imposiçþes do mercado. O ouvinte nĂŁo ĂŠ um viajante sem bagagem, conforme jĂĄ esboçado no capĂtulo 2. Para o ouvinte negociado nĂŁo se escuta tal mĂşsica como livre criação artĂstica, mas sim, derivada de certos jogos de mercado. Embora tal avaliação seja mais intuitiva do que teorizada, o pĂşblico tem certa consciĂŞncia dos bastidores da indĂşstria cultural. Os testemunhos a seguir mostram exatamente que: 1. O ouvinte sabe que o sucesso produz mais o sucesso (o prestĂgio adquirido ĂŠ um meio de distinção); 2. Que o sucesso tem que seguir determinados clichĂŞs temĂĄticos; 3. E que o sucesso depende cada vez mais de capital empresarial. DaĂ que seria uma ingenuidade tratar o ouvinte como um receptĂĄculo, uma vez que ele, mesmo sendo cooptado por determinadas regras do mercado, nĂŁo termina sendo integralmente ofuscado. Muitos aspectos sĂŁo questionados e rejeitados.
206 ³ $ P~VLFD ¾%DUDEDUi %HUHEHUrœ QmR WHP OyJLFD QmR PDV $YL}HV GR )RUUy Wi tocando e Aviþes tocando o povo adora. Agora bote um cara daqui... O povo vai FKDPDU GH GRLGR´ 3('52 DQRV 7RXURV ³+RMH H[LVWH PXLWD P~VLFD PXLWD P~sica mesmo que a letra dela Ê emocionante, faz mexer mesmo com o sentimento, mas muitas pessoas não valorizam. Não valorizam esse tipo de música. Aà você tem o exemplo de Natal: a banda Grafith. Grafith LQYHQWD XPD P~VLFD Oi IDODQGR ¾SRXFDV YHUJRQKDVœ H IDz sucesso [...] Então eu acho que pra uma música chegar ao sucesso hoje ela tem que ir pelo pessoal, o que o povo mesmo da região, do local, tå gostando... Você faz uma música, uma letra linda, linda, linda. Aà vai tocar num show o povo quer que passe logo H ERWH XPD P~VLFD WLSR ¾/DSDGD QD 5DFKDGDœ ´ 0$5&26 DQRV Touros). ³$ FRQGLomR GH XP VXFHVVR SULPHLUDPHQWH WHP TXH WHU GLQKHLUR WHP TXH HVWXGDU o público. Eu creio que eles ficam pesquisando o que a galera vai gostar, pra ODQoDUHP R &' ´ &$5LOS, 23 anos, Touros). ³1D YHUGDGH P~VLFD SUD ID]HU VXFHVVR KRMH HP GLD WHP TXH WHU PXLWD ¾SXWDULDœ´ (DAVID, 17 anos, São Gonçalo do Amarante).
Decididamente ĂŠ possĂvel inferir que nem todo ouvinte acredita ou toma a produção do forrĂł eletrĂ´nico como algo puramente artĂstico. Sabe-se, e inclusive com certa coerĂŞncia, das regras mercadolĂłgicas do jogo da indĂşstria cultural. No entanto, mediante as lĂłgicas conflitantes vigentes numa leitura do tipo negociada, ĂŠ bom DGYHUWLU TXH WDO UHDOLVPR ÂłQXQFD p LQWHLUDPHQWH UHDOLVWD´ Mi TXH VH ID] j FXVWD GH XP UHDOLVPR TXH ID] R FRQVXPLGRU HVTXHFHU D ÂłLUUDFLRQDOLGDGH GR VLVWHPD FRPR XP WRGR´ $'2512 E S Assim, ĂŠ evidente que certas contradiçþes da negociação perpassam todo o consumo, como muito bem aconselha Stuart Hall. Mesmo assim, numa postura negociada, reconhecem-se partes dos bastidores da codificação forrozeira. O repertĂłrio de depoimentos a seguir amplia o rol dessas maneiras de reconhecimento dos jogos de mercado: Âł(X DFKR TXH FDGD EDQGD HOD WHP R seu dia de fama. Hoje pode tĂĄ Garota Safada, mas amanhĂŁ pode vir outra banda que vai derrubar e pronto! Vai deixar ela no FDQWR´ &$5/$ DQRV 7RXURV Âł+RMH HP GLD VH YRFr WLYHU XP UHSHUWyULR VH YRFr IRU SUD XP FDQWR XP S~EOLFR H tocar aquele mesmo repertĂłrio, cinco, seis vezes, o pessoal jĂĄ vai tĂĄ criticando... tem que mudar... num sei o que... entĂŁo vocĂŞ tem que tĂĄ sempre remodelando seu UHSHUWyULR´ $1'5e DQRV 7RXURV Âł(X DFKR TXH WRGD EDQGD WHP TXH HVWDU VH DWXDOL]DQGR UHQRYDQGR UHSHUWyrio e, quando a banda ela nĂŁo se atualiza, eu acho que ela vai ficando pra trĂĄs... vĂŁo chegando novas bandas e ficando na frente delas [...] Eu acho que 50% ĂŠ a letra
207 da mĂşsica, os outros 50% vai depender da popularidade da banda... Um exemplo ĂŠ aquela mĂşsLFD Âľ(VWLOR 1DPRUDGRUÂś GH *LDQQLQL $OHQFDU TXH HOH p FDQWRU GH )RUUy Danado e compositor. Ele vendeu a mĂşsica Estilo Namorador pra Garota Safada e IH] R PDLRU VXFHVVR´ 7(2'252 DQRV 0RVVRUy Âł(X DFKR LQWHUHVVDQWH PDV HP WRGDV DV P~VLFDV D ~QLFD Foisa que muda ĂŠ EDVLFDPHQWH D OHWUD SRUTXH SRU WUiV R WRTXH p WXGR D PHVPD FRLVD´ $1'5(66$ 17 anos, Natal). Âł+RMH HP GLD TXDOTXHU FRLVD VH WRUQD P~VLFD PDV R TXH XP VXFHVVR p p TXH QHP propaganda de sandĂĄlia. Se uma pessoa famosa toca, vira sucesso... aĂ todo mundo começa a tocar tambĂŠm. Eu acho que pra virar sucesso sĂł basta a MĂdia mesmo. O sucesso ĂŠ MtGLD´ )5$1&,6&2 DQRV 0RVVRUy Âł(X DFKR TXH p WXGR D PHVPD FRLVD 1D YHUGDGH VmR DWp DV PHVPDV P~VLFDV 6H vocĂŞ for pra um show que tocar duas bandas junto, a Ăşnica coisa que vai ter diferente ĂŠ o cantor, a animação do cantor; talvez a voz nĂŠ!; mas as mĂşsicas, o UHSHUWyULR p TXDVH R PHVPR´ 0,&+(/( DQRV 0RVVRUy Âłe PXLWR GLItFLO GLVWLQJXLU >GLIHUHQoD HQWUH DV EDQGDV@ 1D PDLRULD GDV vezes eles cantam as mesmas mĂşsicas e os ritmos geralmente sĂŁo os mesmos. EntĂŁo ĂŠ muito difĂcil distinguir. A minha mĂŁe Ă s vezes atĂŠ brinca muito comigo porque quando toca ela diz: o que ĂŠ que tĂĄ tocando? Ă&#x2030; tanto que eles tĂŞm que repetir vĂĄrias vezes no meio das mĂşsicas quem ĂŠ a banda, porque na verdade tĂĄ muito difĂcil distinguir KRMH TXHP p TXHP´ $/(66$1'5$ DQRV 0RVVRUy Âł(X QmR YHMR GLIHUHQoD 6H YRFr ERWDU $YL}HV GR )RUUy *DURWD 6DIDGD SolteirĂľes do ForrĂł, ForrĂł dos Plays, pra mim ĂŠ tudo a mHVPD FRLVD´ /Ă&#x2039;',$ anos, MossorĂł). Âł(X DFKR TXH DV EDQGDV QmR VmR WmR ERDV > @ SRUTXH HODV QmR WrP XPD P~VLFD prĂłpria; elas sempre pegam de outras bandas [...] Elas sempre tĂŁo tocando as mesmas mĂşsicas; sĂł o que muda ĂŠ o CD, o nome da banda, mas sĂł que ĂŠ a mesma FRLVD´ 0$5,$ DQRV 7RXURV
Os ouvintes, de acordo com os depoimentos destacados acima, sabem evidentemente de algumas estratĂŠgias da indĂşstria cultural. Reconhecem, inclusive, que: a) A competitividade do setor impĂľe regras de padronização; b) O sucesso ĂŠ o meio e fim para o prĂłprio sucesso; c) Ocorre a padronização do material sonoro (letra e mĂşsica) e atĂŠ mesmo dos vocais; d) Parte substancial das mĂşsicas ĂŠ de consumo efĂŞmero e descartĂĄvel; e) O papel da mĂdia e do capital na criação e manutenção do sucesso ĂŠ essencial.
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Contudo, e aĂ reside o carĂĄter negociado do consumo, termina-se ouvindo o forrĂł, seja pela sua dominância, seja por necessidade de sociabilidade. Apesar disso, nĂŁo se trata de um contexto puramente estruturado, mas tambĂŠm, dinamicamente estruturante. As regras sĂŁo lançadas, mas o pĂşblico tambĂŠm as reconhece e legitima. O ouvinte nĂŁo se lança ao jogo sem, ao menos, o conhecimento prĂŠvio de algumas regras. Nos blocos de relatos acima trĂŞs observaçþes devem ser discutidas: primeiro, que as bandas tĂŞm constantemente que renovar seus repertĂłrios, sob a condição de se manterem no sucesso; segundo, que elas se auto-copiam, sobretudo as de menor estrutura organizacional e financeira; terceiro, que a popularidade da banda depende da capacidade que ela tem de se manter nesse dilema pouco lĂłgico: ser atual e singular num cenĂĄrio em que a atualidade nĂŁo dura nem trinta dias. Prontamente, sabe-se que o sucesso ĂŠ temporĂĄrio e, logicamente, o consumo tambĂŠm serĂĄ. Os prĂłximos relatos corroboram com essas afirmativas: Âł$FKR TXH R VXFHVVR GXUD XPD VHPDQD H SRXFR SRUTXH GHSRLV TXH D JHQWH começa a pegar... aprende a mĂşsica e jĂĄ abusa e nĂŁo quer mais ouvir. Se nĂŁo chegar novidade ouve uma vez no mĂŞs, uma vez perdida... Eu acho que quase todo mundo compra um CD, ouve direto, uma semana, e depois pĂĄra´ 0$5,$ anos, Touros). Âł3URQWR XP H[HPSOR ÂľVRX QmR TXHUR QmR PLQKD PXOKHU QmR GHL[D QmRÂś aquela mĂşsica que fizeram aĂ. Ela nĂŁo durou em mĂŠdia do final do ano pra cĂĄ. Ela sumiu, porque muita gente consumiu. Era muita gente mesmo. AĂ em cima disso atĂŠ as prĂłprias pessoas que estavam gostando abusaram. EntĂŁo eu acho que hoje, particularmente, de trĂŞs em trĂŞs meses HVVDV ÂľEDQGDV-PtGLDÂś mudam de repertĂłrio... GH WUrV HP WUrV PHVHV´ 0$5&26, 16 anos, Touros). Âł2 VXFHVVR JHUDOPHQWH GXUD WUrV PHVHV HX DFKR $t Mi Wi VDWXUDGR DTXLOR $t YHP RXWUR GR PHVPR QtYHO H SUHHQFKH R OXJDU´ '$1,(/$ DQRV 1DWDO Âł(X creio que o sucesso dura um mĂŞs, dois meses, no mĂĄximo... porque eu acho que forrĂł, principalmente os atuais, ĂŠ uma coisa instantânea... ForrĂł as pessoas YmR HVTXHFHQGR SRUTXH Mi FKHJD RXWUD P~VLFD QRYD ´ .$5,1$ DQRV 1DWDO Âł'RLV PHVHV GXUD R VXFHVVR QR Pi[LPR 3RU TXH ORJR HP VHJXLGD VDL RXWUR TXH ÂľHVWRXUDÂś H DFKDP TXH R Tue ficou jĂĄ ĂŠ antigo, desatualizado e nĂŁo escuta mais QmR´ )5$1&,6&2 DQRV 0RVVRUy Âł(X DFKR TXH GXUD PDLV RX PHQRV XP RX GRLV PHVHV GH VXFHVVR 1RUPDOPHQWH vocĂŞ vĂŞ essas bandas de rock ou MPB, demora mais a lançar mĂşsicas, e jĂĄ as mĂşsicas de forrĂł eles lançam uma mĂşsica em cada show. EntĂŁo, vai mudando com mais facilidade [...] Eu acho que todas duram o mesmo tempo... Vai lançando outras, o pĂşblico vai se apegando as outras e vai se tornando muito mais sucesso GR TXH D DQWHULRU´ 0,&+(/( DQRV 0ossorĂł).
209 Âł(X DFKR TXH R VXFHVVR p LQVWDQWkQHR (X DFKR TXH VLP SRUTXH SULQFLSDOPHQWH na mĂşsica, porque quando ela toca muito, ela vai ficando chata, cansativa... VĂŞm RXWUDV H YmR VXEVWLWXLQGR QR OXJDU (X DFKR TXH p LQVWDQWkQHR´ $/(66$1'5$ anos, MossorĂł). Âł'XUD QR Pi[LPR VHLV PHVHV $FKR TXH p SRU TXH VHPSUH Wi VXUJLQGR QRYDV mĂşsicas, e como as mĂşsicas desse forrĂł geralmente nĂŁo tĂŞm uma letra, ĂŠ sĂł pra curtir enquanto dura mesmo [...] Sucesso ĂŠ uma coisa assim passageira... Ă&#x2030; aquela banda que no momento ĂŠ o auge, que tĂĄ atraindo uma maior quantidade de pĂşblico, como AviĂľes, como Garota Safada, que geralmente vai muita gente pro VKRZ´ 0$'$/(1$ DQRV 0RVVRUy Âł'RLV PHVHV WUrV PHVHV (VVDV EDQGDV GH IRUUy TXDQGR ODQoDP XPD P~VLFD GH sucesso elas duram praticamente uns 2 ou 3 meses. Por que logo apĂłs elas lançam outras e aĂ vai WRPDQGR D IUHQWH´ 7(2'252 DQRV 0RVVRUy Âł6XFHVVR GXUD SRXFR DFKR TXH HP WRUQR GH RX PHVHV 'HSHQGH PXLWR DVVLP das novas mĂşsicas e as novas bandas que vĂŁo criar a mĂşsica... porque se a mĂşsica FRQWDJLDU DTXHOD RXWUD TXH WDYD QR VXFHVVR FDL UDSLGLQKR´ '$9,' DQRV 6mR Gonçalo do Amarante). Âł3URQWR HVVD P~VLFD GR Âľ9XOFmR HP (UXSomRÂś GH *DURWD 6DIDGD HVWRXURX H WRGR mundo tĂĄ escutando, mas a partir do momento que lançarem outra mĂşsica ela vai SUD HVFDQWHLR ,PHGLDWDPHQWH YmR FRPHoDU D HVFXWDU RXWUD´ /Ă&#x2039;',$ DQRV MossorĂł).
Deste modo, tem-se aĂ uma mĂĄxima resultante da força da indĂşstria cultural: a descartabilidade. O indivĂduo que hoje atribui amplo valor por determinada mĂşsica amanhĂŁ ĂŠ forçado a deixĂĄ-la e gostar de algo que, no mĂŞs seguinte, terĂĄ novamente que abandonar: ÂłQmR GHL[D GH JRVWDU PDV QmR TXHU PDLV RXYLU´ 0$5,$ DQRV Touros). Entretanto, mesmo no reconhecimento das imposiçþes do mercado, o consumo ainda ĂŠ efetivado, negociado sob condiçþes muito particulares da experiĂŞncia cotidiana. Contudo, mesmo nesse cenĂĄrio de padronização e racionalização, nĂŁo hĂĄ homogeneidade no consumo. Mesmo dentre os ouvintes mais motivados com determinada banda, fazem-se ainda determinadas negociaçþes no consumo: Âł$YL}HV KRMH estĂĄ colocando umas mĂşsicas que num tĂĄ dando muito valor ao antes... por que antes as mĂşsicas de AviĂľes eram muito lindas. As letras eram yWLPDV PDV DJRUD ´ 0$5&(/2 DQRV Touros). Âł*DURWD 6DIDGD TXDQGR WRFD XPDV P~VLFDV PHLR DVVLP ÂľFKDSDGDÂś HX Mi QmR JRVWR (X JRVWR GD OHWUD PHVPR SUD YRFr VHQWLU´ 0$5&26 DQRV 7RXURV
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Seguramente no ĂĄpice desse consumo negociado importante tem sido a atratividade sentimental das mĂşsicas, geralmente atribuĂda ao chamado romantismo das letras (como enfatizou o informante acima, uma P~VLFD SDUD Âłsentir´ . Em FRQWUDVWH FRP D ÂłYXOJDULGDGH´ fortemente alegada anteriormente, o balanço entre o gostar e o nĂŁo-gostar nessas leituras negociadas gira bastante em torno do saldo entre o sentimentalismo e a presença do apelo erĂłtico nas letras das cançþes. Âł(X SUHILUR IRUUy URPkQWLFR (X JRVWR GH 'HVHMR GH 0HQLQD > @ H WR RXYLQGR agora, como teve aqui em Touros, o LimĂŁo com Mel e Mastruz com Leite, as duas bandas [...] porque elas tocam forrĂł, mas que tocam tambĂŠm mĂşsicas românticas [...] O forrĂł que eu acho, pra mim, ĂŠ romântico... Banda Gatinha Manhosa antiga... AviĂľes ĂŠ mais pro pessoal mais jovem, que quer ficar pulando. Tem muito D YHU FRP ÂľVZLQJXHLUDÂś Mi´ 0$5,$ DQRV 7RXURV Âł)DODQGR GH DPRU 3UD PLP D P~VLFD WHP TXH IDODU GH DPRU SUD YLUDU VXFHVVR´ (CARLA, 16 anos, Touros). ÂłAs mĂşsicas de antigamente eram mĂşsicas mais emocionais, mĂşsicas que tocavam muito a gente. AtĂŠ hoje eu chego a escutar aquelas mĂşsicas de antigamente, mĂşsica amorosa, tipo Mastruz com Leite, Banda MagnĂficos... Era uma mĂşsica muito boa de forrĂł. Depois de um tempo prĂĄ cĂĄ as mĂşsicas começaram a botar muita pornografia que nĂŁo tem nada a ver´ 0$5&(/2 DQRV 7RXUos). Âł7HP TXH WHU XPD OHWUD ERQLWD TXH PH[D FRP R VHQWLPHQWR XPD FDQomR ERQLWD XPD KLVWyULD GH DPRU 7LSR YRFr HVFXWDU XPD P~VLFD H OHPEUDU DOJXpP´ (ANDRĂ&#x2030;, 19 anos, Touros). Âł$FKR TXH SRU H[HPSOR QDV OHWUDV HOHV IDODYDP PDLV GH DPRUHV SHUGLGRV paixĂľes, mas era de uma forma diferente das de hoje em dia. Antigamente se dava um valor bem maior para a mulher e hoje em dia a mulher nĂŁo ĂŠ tĂŁo mais bem WUDWDGD FRPR DQWLJDPHQWH´ '$1,(/$ DQRV 1DWDO Âł$ TXH HX DLQGD JRVWR PDLV XP SRXTXLQKR p $YL}HV Go ForrĂł... Assim algumas mĂşsicas... tem algumas mĂşsicas um pouquinho bonitas... As que falam de amor e algumas adaptaçþes internacionais [...] MĂşsicas românticas, assim, que falam de DPRU QmR DTXHODV EHVWHLUDV DVVLP GR Âľvizinho que vai comer o cuelhinhoÂś 6HP conteĂşdo nĂŁo me interessa. Eu acho que tem que ter um conteĂşdo, uma histĂłria, XP WHPD FHQWUDGR QmR XPD FRLVD YDJD ´ /Ă&#x2039;',$ DQRV 0RVVRUy /Ă&#x2039;',$ anos, MossorĂł). Âł$ *DURWD 6DIDGD H D &DOFLQKD 3UHWD VmR URPkQWLFDV H p SRU LVVR TXH PH FKDma a DWHQomR´ 0$*'$ DQRV 6mR *RQoDOR GR $PDUDQWH Âł8P VXFHVVR SUD PLP p D OHWUD GD P~VLFD VHU EDVWDQWH LQWHUHVVDQWH WLSR R DPRU XPD P~VLFD TXH IDOD VREUH XPD YLGD GH GXDV SHVVRDV´ /(,/$ DQRV 6mR Gonçalo do Amarante).
Hoggart (1973a; 1973b) jå havia chamado a atenção para essa atração mais personalista das cançþes, no qual detalhes da vida sentimental das pessoas chegam a
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ser mais chamativos dentre o grande pĂşblico do que temas mais abstratos. Por conseguinte, a audição do forrĂł, como mĂşsica de consumo privado, deriva substancialmente dessa interface com as letras sentimentais. Conforme jĂĄ assentado na seção 4.1, e agora reforçado com os ouvintes, as letras românticas tĂŞm uma H[LVWrQFLD PDLV ÂłGXUiYHO´ HQTXDQWR TXH DV OHWUDV FRQVLGHUDGDV ÂłYXOJDUHV´ Âą tanto pelo pĂşblico ouvinte, quanto pelos mĂşsicos e empresĂĄrios Âą sĂŁo de consumo mais efĂŞmero, descartĂĄvel. DaĂ que, especificando outro componente importante na negociação do consumo forrozeiro, de mĂŁos atadas ao apego pelo forrĂł de cunho mais sentimental, em alto grau positivo tem sido a avaliação do forrĂł mais Âłtradicional´, geralmente oriundo da fonte gonzagueana Âą PDLV Âł[RWHDGR´. Âł/XL] *RQ]DJD HX VHPSUH DFKHL ERP SRU TXH DOL HOH Wi IDODQGR VREUH D WUDGLomR que tinha o Brasil... Se colocar o forrĂł de hoje em dia, e trocar por bandas que nĂŁo tem nada a ver com a regiĂŁo da gente, vai desvalorizando... Luiz Gonzaga ĂŠ XP IRUUy TXH QmR VH FRPSDUD´ %5812 DQRV 6mR *RQoDOR GR $PDUDQWH Âł2 UHSHUWyULR GHVVDV EDQGDV atuais muda de ano apĂłs ano. NĂŁo tem mais aquele ritmo tradicional como as bandas de forrĂł que tinham antigamente. Luiz Gonzaga atĂŠ hoje ĂŠ uma mĂşsica que ficou em raiz. As bandas de hoje o repertĂłrio muda de 3 em 3 meses. VocĂŞ pode escutar uma musica de AviĂľes que passou hĂĄ 1 ano atrĂĄs TXH KRMH Mi Wi SUD WUiV´ *,/621 DQRV 6mR *RQoDOR GR $PDUDQWH Âł)RUUy HVWLOR *RQ]DJmR p PXLWR ERP SRU TXH IDOD Puito do cotidiano, do nosso dia-a-dia. QuestĂľes assim que nĂłs vivemos. Coisas boas, nĂŠ! Algumas coisas ruins, como o sofrimento do nordestino... Agora esse de hoje em dia fala muito de homem chifrado, mulher que trai, vamos sair pra beber, pra farrear e por aĂ vai... ĂŠ o dia a dia, mas eu acho que de uma forma muito depravada [...] quando fala de mulher, bebida e farra. Eu acho que esses sĂŁo trĂŞs temas principais pra uma mĂşsica fazer VXFHVVR´ 9$/(6.$ DQRV 0RVVRUy Âł/XL] *RQ]DJD HX DFKR TXH UHSUHVHQWD WLSR DV UDt]HV TXH R IRUUy YHP GRV SDLV GRV PHXV DYyV EHP QRUGHVWLQR 1mR HVVH IRUUy GH KRMH HP GLD ´ 9$/'(0$5 27 anos, MossorĂł). Âł(X DFKR TXH R IRUUy PDLV DQWLJR HOH WHP PDLV KLVWyULD WHP XPD OHWUD PDLV ERQLWD O forrĂł de hoje nĂŁo. Ă&#x2030; sĂł aquilo mesmo. Ă&#x20AC;s vezes ĂŠ sĂł o refrĂŁo. Repete o refrĂŁo vĂĄrias vezes. NĂŁo tem assim um contexto, uma letra que conte uma histĂłria como os forUyV GH DQWLJDPHQWH´ 0$'$/(1$ DQRV 0RVVRUy Âł HX JRVWR GH RXYLU HVVH WLSR GH IRUUy >/XL] *RQ]DJD@ SRUTXH p XP IRUUy EHP antigo, cultural. Em termos de cultura ĂŠ muito bom, e ĂŠ um forrĂł que eu acho nĂŁo deveria sair de fase... O pessoal podia ouviU PDLV ´ &$5/26 DQRV 7RXURV Âł/XL] *RQ]DJD IRL XP KRPHP TXH ID] DOWDV OHWUDV IRL XP FDUD H[FHSFLRQDO )RL um cara que levou o nome do Nordeste, que levantou mesmo a cultura da gente. As OHWUDV GHOH WXGR R TXH HOH IH] p H[FHSFLRQDO´ 0$5&26, 16 anos, Touros).
212 ³6HX IRVVH SDUD HX HVFROKHU XP IRUUy VHULD GR HVWLOR 'RUJLYDO 'DQWDV QmR WDQWR pra essas mais cobiçadas pelos jovens, como Garota Safada, Aviþes... Percebo que algumas bandas, por exemplo, Dorgival Dantas, eu acho que eles não apelam tanto (mas tambÊm apelam)... para bebida... Essas bandas mais jovens apelam PXLWR SUD EHELGD IDUUD ´ '$1,(/$ DQRV 1DWDO
Ă&#x2030; interessante observar tambĂŠm que, mesmo dentre aquela parcela do pĂşblico que nĂŁo conhece sistematicamente o repertĂłrio de Luiz Gonzaga ou mesmo nĂŁo viveu o inĂcio do forrĂł eletrĂ´nico nos anos 1990, reconhece-se a legitimidade de suas economias simbĂłlicas: Âł/XL] *RQ]DJD HX QmR WHQKR PXLWR FRQKHFLPHQWR PDV HX DFKR TXH p R TXH WHP mais letra, porque vocĂŞ vĂŞ muitas bandas hoje em dia pegando letras dele e ĂŠ um forrĂł que todo mundo acha mais bonito. JĂĄ o forrĂł de Mastruz com leite... eu acho muito bom. Acho atĂŠ melhor do que os de hoje. Tanto pra dançar, como pra ouvir. O ritmo ele ĂŠ mais puxado pro forrĂł mais antigo e tem mais letras do que as de KRMH´ 0,&+(/( DQRV 0RVVRUy
A inclinação pelas bandas eletrĂ´nicas dos anos 1990 se explica conforme o pĂşblico. Dentre o pĂşblico que viveu festivamente a dĂŠcada de surgimento do forrĂł eletrĂ´nico, pode-se afirmar que o prestĂgio dessas bandas se dĂĄ muito fortemente ÂłHP função da memĂłria de vida do ouvinte, que retĂŠm antigas cançþes populares de modo muito mais fiel e intenso...´ $'2512 S 'HQWUH RV RXYLQWHV PDLV novos, essas bandas pioneiras dos anos 90 ganham certa legitimidade em detrimento de algumas atuais bandas eletrĂ´nicas, jĂĄ que estas tĂŞm freqĂźentemente sua qualidade musical questionada em espaços midiĂĄticos diversos. AlĂŠm disso, o forrĂł criado no LQtFLR GD GpFDGD GH HUD VXEVWDQFLDOPHQWH PDLV ÂłVHQWLPHQWDOL]DGR´ GR TXH RV hits dominantes do momento, fator que tem sido decisivo para o consumo privado. AliĂĄs, esse ĂŠ outro aspecto recorrentemente vigente nas leituras negociadas: espaços de consumo. Expressa-se na distinção entre o consumo musical privado (escuta domĂŠstica de CDs, DVDs...) e o apartado consumo em festas (consumo musical em shows), apregoado SHOR GLWDGR TXH GL] TXH ÂłforrĂł nĂŁo ĂŠ muito para se RXYLU PDV VLP SDUD GDQoDU´ (aquilo que jĂĄ foi discutido nas seçþes anteriores, ou seja, forrĂł como uma economia da experiĂŞncia). A busca pela separação entre ouvir e dançar o forrĂł eletrĂ´nico mostra como alguns ouvintes o tĂŞm apenas como meio de
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entretenimento e nĂŁo como mĂşsica de audição mais Ăntima e privada. A dilatada lista abaixo demonstra o supracitado mecanismo de negociação do consumo: Âł$VVLP p SRUTXH IRUUy HOH DQLPD Qp (X DFKR TXH IRUUy QmR p EHP SUD HVFXWDU e mais pra dançar, em festa, em show, essas coisas assim. Eu acho que ĂŠ mais pra animação mesmo [...] Escuto, mas eu prefiro em festa... As pessoas escutam, mas HX DFKR TXH HOHV SUHIHUHP HVWDU QXPD IHVWD GDQoDQGR GR TXH HP FDVD HVFXWDQGR´ (KARINA, 17 anos, Natal). Âł(X DYDOLR PDLV R VKRZ GR TXH D P~VLFD H DV OHWUDV HVWmR ILFDQGR FDGD YH] PDLV VHP VHQWLGR´ 52*e5,2 DQRV 1DWDO Âł(P tQGice de ouvir a mĂşsica eu acho que ĂŠ menor, mas em festa, com certeza, HOHV DGRUDP XPD IHVWD GH IRUUy´ 9$1(66$ DQRV 1DWDO Âł)DOWD XP SRXTXLQKR GH OHWUD Qp QD P~VLFD FRPSDUDWLYDPHQWH FRP DQWLJDPHQWH mas ĂŠ mais o ritmo assim. O povo gosta mais pelo ULWPR GDQoDU´ 52*(5 anos, Natal). Âł(X DFKR TXH GH WXGR DVVLP D PHOKRU SDUWH GR IRUUy D SDUWH PDLV FRQWDJLDQWH p R ritmo, porque os cantores geralmente nĂŁo tem voz muito bonita, e o que faz eu gostar mais ĂŠ o ritmo, embora quase todos se pareçam, mas ĂŠ o ritmo... Eu sei que QmR WHP PXLWD TXDOLGDGH QmR PDV ´ &$52/,1$ DQRV 1DWDO Âł2 IRUUy GH KRMH HOH QmR Wi PXLWR SUD YRFr SUHVWDU DWHQomR QD OHWUD (OH p PDLV SUD vocĂŞ dançar mesmo, porque as letras sĂŁo totalmente vulgares. SĂł falam em... difamando as mulheres, difamando os homens... raramente vocĂŞ encontra uma letra que tenha algum sentido... Eu acho que a maioria das pessoas tem noção que as letras nĂŁo fazem muito sentido... Eu acho que as mĂşsicas de forrĂł hoje sĂŁo melhores pra vocĂŞ dançar mesmo. Pra ouvir, sĂł pra vocĂŞ se atualizar com as mĂşsicas, pra vocĂŞ chegar em algum show, pra vocĂŞ saber quais as que tĂŁo fazendo mais sucesso... Mas as letras sĂŁo totalmente vulgares. Raramente vocĂŞ encontra DOJXPD OHWUD TXH IDoD DOJXP VHQWLGR´ 0,&+(/( 19 anos, MossorĂł). Âł4ualquer tipo de mĂşsica hoje o pessoal tĂĄ gostando, qualquer mĂşsica, qualquer letra. Hoje o pessoal gosta muito de farrear, que nem diz aqui, nĂŠ! JĂĄ em relação a qualidade, tem a qualidade musical, mas tem algumas letras que deixam a desejar. O pessoal gosta. Gosta porque tĂĄ na festa, mas que ĂŠ uma letra que nĂŁo tem nada a ver... Acho que pra escutar em casa sĂŁo poucos. O pessoal liga o rĂĄdio, tĂĄ limpando a casa, por exemplo, ta tocando forrĂł, aĂ ILFD HVFXWDQGR´ $66,6 anos, MossorĂł). Âł)orrĂł ĂŠ mais pra ir pra festa. NĂŁo sou muito de escutar forrĂł em casa ou no mp3. SĂł festa mesmo. Por que aqui em MossorĂł e regiĂŁo sĂł tem festa de forrĂł. AĂ ĂŠ por isso que eu vou... Geralmente quem vai pra festa de forrĂł nĂŁo vai sĂł pra ver a banda, sĂł pra escutar. Vai pra dançar mesmo (LĂ?DIA, 18 anos, MossorĂł). Âł(u acredito que nĂŁo chame tanta atenção para se ouvir, mas, jĂĄ como eu falei DQWHULRUPHQWH SDUD GDQoDU p yWLPR 9DL QR HPEDOR PHVPR H SURQWR´ (ALESSANDRA, 23 anos, MossorĂł). Âł+RMH HP GLD HX acho que o pessoal nĂŁo liga muito pra letra, pra letra de mĂşsica, SRU TXH KRMH HP GLD WRFRX XP IRUUy EDWHX XPD ODWD R SHVVRDO Wi Oi GDQoDQGR´ (TEODORO, 22 anos, MossorĂł).
214 ³7HP EDQGDV TXH DWUDHP XPD PDLRU TXDQWLGDGH GH S~EOLFR $V RXWUDV DV SHVVRDV às vezes vão mais só pra sair de casa mesmo... Essas bandas pequenas... Ê mais SHOR HVSDoR 3UD HQFRQWUDU DPLJRV ´ 0$'$/(1$ DQRV 0RVVRUy
Nesse Ănterim, a mĂşsica torna-se um meio, um procedimento para possibilidades diversas para alĂŠm do prĂłprio consumo do material sonoro. Um desses artifĂcios se materializa na possibilidade de encontros amorosos. Num ambiente extremamente sensual como o forrĂł, criado nĂŁo apenas pela motivação do pĂşblico, mas tambĂŠm pela atmosfera das bandas, as probabilidades de encontros sĂŁo elevadas. Âł(X DFKR TXH R VKRZ p Vy SUD QDPRUDU 2 SRYR KRMH HQWUD QXPD IHVWD GH IRUUy Vy pra ÂľpegarÂś D PHQLQD SUD GDQoDU H QDPRUDU PHVPR´ )5$1&,6&2 DQRV MossorĂł). Âł(X HVWDQGR HP FDVD HX TXHUR RXYLU RXWUDV P~VLFDV $JRUD WDPEpP VH HX WLYHU numa festa o forrĂł ĂŠ bom pra ÂľpegarÂś mulher. Agora em casa, tambĂŠm, toda hora QmR ´ -2Â2 DQRV 7RXURV
Apesar disso, nem todos fazem essa distinção tĂŁo densamente e percebe-se que para muitos ouvintes o forrĂł ĂŠ tratado como mĂşsica de primeira escolha, independentemente do local e da ocasiĂŁo. Âł(X YHMR PXLWR TXH PHXV YL]LQKRV DPLJRV VHPSUH HVFXWDndo forrĂł em casa. Constantemente... Arrumando a casa, ou entĂŁo, tĂĄ no computador, ĂŠ uma mĂşsica de forrĂł tocando. Geralmente ĂŠ assim. Churrasco ĂŠ forrĂł. AniversĂĄrio ĂŠ forrĂł. 7XGR WHP IRUUy QR PHLR *RVWDP GH RXYLU´ /Ă&#x2039;',$ DQRV 0RVVRUy Âł(X HVFXWR IRUUy 0XLWD JHQWH IDOD IRUUy p Vy SUD GDQoDU (X Mi QmR OHYR SUD HVVH lado. Eu escuto forrĂł como eu escuto qualquer outra mĂşsica... Sou 100% forrozeiro. Do pĂŠ-de-VHUUD DR PDLV PRGHUQR´ ,1)250$17( )2552=(,52
Portanto, percebe-se que a negociação se då em torno do forró romântico para RXYLU H R IRUUy ³PDLV GHVFDUWiYHO´ SDUD GDQoDU 2 DUJXPHQWR DEDL[R p LOXVWUDWLYR ³Eu gosto de forró pra dançar, aTXHOH IRUUy PDLV ¾FDOLHQWHœ SUD GDQoDU; e gosto do forró romântico pra ouvir. Eu gosto de ouvir forró romântico... quando as letras são relacionadas a músicas românticas. Eu gosto mais. Quando Ê relacionada a homem e mulher, aquele bate papo. Por que tem muitas músicas que VmR KRPHQV H PXOKHUHV TXH UROD XP EDWH SDSR HQWUH HOHV QD P~VLFD HX JRVWR´ (ALESSANDRA, 23 anos, Mossoró).
No cerne da distinção entre consumo privado e consumo público (festivo) de forró eletrônico, uma das constataçþes mais manifestas desse consumo negociado
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parece ser a vocação do Âłlugar´ para o gĂŞnero, geralmente atribuĂda a freqßência de shows no local de residĂŞncia e a falta de outras possibilidades de entretenimento distanciadas do forrĂł: Âł p D FXOWXUD GD UHJLmR GD FLGDGH Ge escutar muito forrĂł, e eu gosto... gosto mais ainda de ir pras festas do que ficar propriamente ouvindo em FDVD´ 0$'$/(1$ DQRV 0RVVRUy ConseqĂźentemente, grande parte dos entrevistados reconhece o forrĂł como o gĂŞnero mais tocado no RN e na cidade em que residem. Empresarialmente, o cerco dos produtores musicais e de eventos do entretenimento forrozeiro tem sido muito alto. Âł2QGH HX PRUR SUDWLFDPHQWH WRGR PXQGR RXYH IRUUy $t VH HX IRU FRQWUD YRX DFDEDU HQORXTXHFHQGR´ -8/,$ DQRV 6mR *RQoDOR do Amarante). Âł(X YRX SRUTXH WHP TXH LU VHQmR QmR VDLR GH FDVD QmR 6y WHP IRUUy HP 0RVVRUy 9mR RV DPLJRV Dt HX YRX WDPEpP´ )5$1&,6&2 DQRV 0RVVRUy Âł0DLV GD PHWDGH GD SRSXODomR PRVVRURHQVH p DGHSWD GR IRUUy (X GLULD TXH 80%... Eu vejo assim que ĂŠ mais por causa das festas, por que se nĂŁo tivesse tanta festa de forrĂł aqui, eles gostariam de escutar outro tipo de mĂşsica, mas como aqui sĂł tem festa de forrĂł... Se tiver 30 festas em MossorĂł sĂŁo todas de forrĂł... Teve DJRUD Âľ&KLFOHWH FRP %DQDQDÂś >JUXpo baiano de AxĂŠ Music], mas teve AviĂľes do ForrĂł tambĂŠm... Sempre tem que ter o forrĂł tambĂŠm senĂŁo nĂŁo chama. O pĂşblico GHOHV p RV IRUUR]HLURV´ /Ă&#x2039;',$ DQRV 0RVVRUy Âł-i p WUDGLomR GR 1RUGHVWH (X DFKR TXH WRGR QRUGHVWLQR JRVWD GH IRUUy 7RGD festa aqui em MossorĂł se nĂŁo tiver o forrĂł o pessoal nĂŁo vai. Tem que ter pelo menos uma banda de forrĂł... Ă&#x2030; o forrĂł, por que aqui em MossorĂł todo mundo gosta. Ă&#x2030; quase impossĂvel nĂŁo gostar de forrĂł. Se nĂŁo gostar de forrĂł, nĂŁo mora HP 0RVVRUy´ 7(2'252 DQos, MossorĂł). Âł7RFD *DURWD 6DIDGD 7RFD $YL}HV GR )RUUy $ PDLRULD GRV FDVRV D PDLRULD das mĂşsicas ĂŠ forrĂł. Essas bandas mesmo de forrĂł. Por quĂŞ? Por que ĂŠ o que a galera gosta. Ă&#x2030; o que a grande maioria gosta. Algumas pessoas tambĂŠm gostam de outros ritmos, mas nĂłs tivemos uma festa no finalzinho do ano passado e a festa era um DJ. SĂł que as mĂşsicas do DJ eram forrĂłs remixados. EntĂŁo com certeza ia WRFDU IRUUy´ $/(66$1'5$ DQRV 0RVVRUy
Nessa conjectura, estruturada, mas tambĂŠm estruturante, tem sido a sociabilidade forrozeira em boa parte do RN. Embora na capital Natal as opçþes de lazer sejam bem superiores, no restante do estado o forrĂł se torna dominante no cotidiano do entretenimento da população. Em suma, laqueando essa inquietação das leituras negociadas, pode-se compreender, pois, que num dado nĂvel situacional (localizado), o pĂşblico ÂłQHJRFLDGR´ SRVVXL certa aversĂŁo ao conteĂşdo mais erĂłtico de algumas letras
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(extrapolação dos chamados limites morais); vigora tambĂŠm uma dada separação entUH R ÂłRXYLU´ H R ÂłGDQoDU´ IRUUy QHP WRGD FDQomR GH VXFHVVR FRQVHJXH VH WRUQDU mĂşsica de audição privada. E, nĂŁo menos importante, o ouvinte possui forte realismo acerca de alguns jogos de mercado. Mesmo assim, num nĂvel mais abstrato, contudo, o ouvinte termina conferindo algumas posiçþes privilegiadas Ă s definiçþes dominantes, tais como, por exemplo, o intenso apego ao conteĂşdo sentimental das cançþes. Em suma, nas palavras de Stuart Hall (2003), essas lĂłgicas de consumo sĂŁo sustentadas por uma relação desigual e diferencial com as lĂłgicas do poder. Por conseguinte, ĂŠ sumariamente importante enfatizar que esses depoimentos nem estĂŁo a contrapelo do cĂłdigo preferencial, tampouco estĂŁo narcotizados por ele. EstĂŁo, como o prĂłprio conceito indica, negociando sLJQLILFDGRV &RPR UHIRUoD +HUPDQR 9LDQQD ÂłD dominação ĂŠ produto de um imprevisĂvel jogo de forças, onde vencedores e SHUGHGRUHV SRGHP WURFDU GH SRVLo}HV D FDGD PRPHQWR´ 9,$11$ S Resta saber, todavia, que leituras preferenciais (hegemĂ´nicas) estĂŁo operando dentro dessa realidade Âą uma vez que o sujeito nĂŁo pode estar plenamente livre de tais codificaçþes dominantes Âą, bem como, que elementos fazem com que o forrĂł seja recusado efetivamente pelos ouvintes. Logo, Âło que importa nĂŁo sĂŁo as obras em si, mas a maneira como sĂŁo coletivamente interpretadas ´ (EAGLETON, 2005, p. 81).
b) Leituras de Oposição
Nas fissuras da decodificação negociada estĂĄ a leitura de oposição. Para Hall (2003, p. 402), um indivĂduo pode entender claramente o sentido proposto pelos produtores culturais e, mesmo assim, decodificar sua mensagem de maneira contrĂĄria, fazendo outro uso dela ou, simplesmente, nĂŁo fazer. Ă&#x2030; possĂvel para um telespectador entender perfeitamente tanto a inflexĂŁo conotativa quanto a literal conferida a um discurso, mas, ao mesmo tempo, decodificar a mensagem de uma maneira globalmente contrĂĄria. Ele ou ela destotaliza a mensagem no cĂłdigo preferencial para retotaliza- lĂĄ dentro de algum referencial alternativo [...] Ele ou ela estĂĄ operando com o que chamamos de cĂłdigo de oposição (HALL, 2003, p. 402).
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Mesmo se tratando de leituras mais abstratas (reflexivas) do processo comunicativo, foi possĂvel observar elementos contestatĂłrios nos depoimentos dos RXYLQWHV GDGRV TXH YmR DOpP GR VLPSOHV ÂłQmR JRVWR´ H GR PHUR DFDVR DUJXPHQWDWLYR Como adverte Adorno, ÂłRV PRGHORV RILFLDLV SUHWHQGLGRV D LGHRORJLD IRUQHFLGD SHOD indĂşstria, nĂŁo precisariam ser automaticamente aquilo que acaba penetrando no HVSHFWDGRU´ $'2512 E S Nas leituras negociadas anteriores vigoraram alguns elementos localizados de oposição frente ao material codificado. Toda negociação ĂŠ o resultado, logicamente, de uma conjugação, ora conflituosa, ora harmĂ´nica, de hegemonia e contrahegemonia. Todavia, as prĂłximas alegaçþes possuem algumas sutilezas ilustrativas dessa estrutura tĂpico-ideal de recepção que merecem algum destaque. Os depoimentos a seguir demonstram que as leituras de oposição ao forrĂł eletrĂ´nico sĂŁo identificĂĄveis pontualmente dentre os informantes. Como destaca Storey (2001, p. 48), as pessoas nĂŁo sĂŁo simplesmente redutĂveis Ă quilo que consomem: Âłpeople are not reducible to the commodities they consume´ Assim, nas vicissitudes dessa decodificação globalmente contrĂĄria, um dos elementos indicadores da leitura de oposição ĂŠ o conhecimento reflexivo com que os informantes encaram a produção e a aceitação do forrĂł eletrĂ´nico. Diferentemente do reconhecimento localizado dos jogos de mercados dentre as leituras negociadas Âą que sĂŁo essencialmente leituras intuitivas Âą, nesse caso alĂŠm de se reconhecer as regras, procura-se nĂŁo fazer parte delas ou dar-lhes novo sentido ou utilidade. Logo, bem longe de pensar o indivĂduo como caixa de ressonância, e igualmente como rebelde alucinado, ĂŠ importante entender que o consumo se dĂĄ tambĂŠm mediante a interpretação da prĂłpria produção e das relaçþes de mercado estabelecidas entre produtores e consumidores. Âł7RGD P~VLFD p XPD P~VLFD $JRUD DVVLP YRFr WHP TXH SHQVDU R TXH YRFr TXHU que a mĂşsica ofereça pra vocĂŞ... ForrĂł nĂŁo tem uma letra pra vocĂŞ pensar em cima, nĂŁo tem uma coisa pra vocĂŞ analisar, ou pra vocĂŞ mesmo aproveitar. Ă&#x2030; um ritmo que ele ĂŠ refeito em todas as mĂşsicas. Ă&#x2030; um troço batido... Eu acho que, primeiro, ĂŠ uma mĂşsica feita pra vender. EntĂŁo, o que eles puderem fazer de PDUNHWLQJ HP FLPD HOHV YmR ID]HU´ $1'(5621 DQRV 1DWDO
218 Âł$V OHWUDV VmR PXLWR I~WHLV 2 S~EOLFR DOYR JRVWD PDLV GHVVH WLSR PDV DFDED TXH nĂŁo duram muito tempo, por que nĂŁo fica impregnado na sociedade... Ă&#x2030; tipo GURJD R HIHLWR SDVVD´ 7,$*2 17 anos, Natal).
Nesse sentido, sobressaem-se alguns elementos que demonstram que hĂĄ um senso crĂtico para com a produção do forrĂł. NĂŁo se percebe tal bem acreditando que se trata de uma arte de amadores, de mĂşsicos artesanais, de amadores da mĂşsica pela mĂşsica. AliĂĄs, a profissionalização capitalista da mĂşsica praticamente nĂŁo permite esse tipo de idealização. Os exemplos a seguir, por exemplo, mostram que se sabe que o sucesso depende de sua exaustiva repetição; da padronização temĂĄtica das cançþes; e da simplificação do material sonoro. O indivĂduo, portanto, nĂŁo ĂŠ um passivo cultural. Muito pelo contrĂĄrio: o ouvinte sabe que se trata de um negĂłcio, inclusive tendo noção da efemeridade das cançþes; da imitação como condição para o sucesso; da dinamicidadH GR SUySULR PHUFDGR H[SUHVVD SHOD DOWD FRQFRUUrQFLD H SHOD ÂłPRUWH´ GH algumas bandas; e da padronização musical, inclusive das vozes dos cantores. Assim, este realismo corrobora com a hipĂłtese de que a codificação hegemĂ´nica nĂŁo ĂŠ passĂvel de ser decodificada integralmente, jĂĄ que muitos elementos presentes nos processos de produção da mensagem musical Âą os bastidores da indĂşstria cultural Âą sĂŁo de conhecimento do pĂşblico, o que limita a imposição de certos juĂzos estĂŠticos e mostra que a indĂşstria cultural precisa de outros mecanismos mais sutis para sua reprodução. Novamente destacando: nesses ouvintes de oposição, alĂŠm do reconhecimento da entrada em cena da indĂşstria cultural, foi muito forte o indeferimento no consumo do gĂŞnero. Âł(ODV VmR VHPSUH PXLWo repetitivas. TĂŞm sempre a mesma batida, e Ă s vezes alteram muito pouca coisa... Acaba que o forrĂł fica sendo mais baseado na letra, QR ULWPR GD YR] GR YRFDOLVWD´ 0$; DQRV 1DWDO Âł(X DFKR TXH ID] VXFHVVR IDODU PXLWR GH DOJXP FDVR GH DPRU DVVLP Ru exaltar DOJXP WLSR GH FRPSRUWDPHQWR IHVWHLUR SRU H[HPSOR (QWmR p R TXH ID] VXFHVVR´ (EMĂ?LIO, 17 anos, Natal). Âł(X DFKR TXH p PDLV SRUTXH Wi QDV UiGLRV $t ILFD XP YL]LQKR FRP XP FDUUR R GLD todo com uma certa mĂşsica. VocĂŞ fica escutando aĂ começa a vir entrando, entrando na sua cabeça... aĂ fica essa mĂşsica. VocĂŞ começa mais ou menos gostar GHVVD P~VLFD H FDQWDU WDPEpP´ $1'5(66$ DQRV 1DWDO
219 Âł(X DSRVWDULD SDUD R VXFHVVR XPD P~VLFD H[WUHPDPHQWH ÂľFKLFOHWHÂś TXH WLYHVVH alguma frase ou algum hit onde as pessoas fossem ouvir em festa e tudo e que IRVVH HQWUH DVSDV ÂľSHJDUÂś XPD P~VLFD TXH IL]HVVH EDVWDQWH VXFHVVR PHVPR TXH temporĂĄrio... Por exemplo, a mais nova sobre prostituição ĂŠ dizer que o cara vai GRUPLU QD ÂľFDVD GDV SULPDVÂś ,VVR p R PHVmo tema de sempre com a abordagem diferente. AĂ as pessoas ouvem uma nova expressĂŁo e começam a apelidar... Ă&#x2030; uma mĂşsica que qualquer um pode cantar e que nĂŁo vai sair feio. NĂŁo desafia a voz... Tanto ĂŠ que a mesma mĂşsica ĂŠ gravada por vĂĄrias bandas e as pessoas ouvem TXDOTXHU XPD 7DQWR ID] SDUD HOHV´ *$%5,(/$ DQRV 1DWDO Âł2 VXFHVVR KRMH HP GLD QR IRUUy p P~VLFDV FRP OHWUDV TXH QmR WrP WDQWR significado. O significado ĂŠ bem direto na letra. A letra ĂŠ rĂĄpida... fica na sua cabeça rapidamente, e o refrĂŁo sempre se repete, fazendo a pessoa ficar com DTXLOR QD FDEHoD PXLWR WHPSR´ '$1,(/$ DQRV 1DWDO
Outro fator fortemente condicionante para a leitura de oposição ao forrĂł eletrĂ´nico foi a filiação religiosa, particularmente dentre os ouvintes, a relação estabelecida do indivĂduo com algumas igrejas protestantes. Como salientou Richard Parker: Desde o inĂcio do perĂodo colonial atĂŠ nossos dias, um sistema de proibiçþes religiosas relativamente formal, se bem que nem sempre inflexĂvel, reforçou as divisĂľes de gĂŞnero e, ao mesmo tempo, ampliou o significado implĂcito das prĂłprias prĂĄticas sexuais, envolvendo-as numa economia simbĂłlica diferente, questionando-as em termos nĂŁo apenas de seus significados na vida cotidiana normal, mas de suas repercussĂľes na vida eterna (PARKER, 1991, p. 15).
Assim, em decorrĂŞncia da filiação religiosa, muitos informantes emitiram juĂzos de oposição em relação ao forrĂł, alegando, via de regra, o conteĂşdo erĂłtico Âą proibido Âą contido nas letras de maior apelo sexual (embora seja possĂvel afirmar que tal oposição termine caindo em pseudo-atividade, jĂĄ que se troca uma mĂşsica fetichizada por outra tambĂŠm fetichizada, no caso, as mĂşsicas religiosas). NĂŁo obstante, ambigĂźidade muitĂssimo instigante do ponto de vista sociolĂłgico foi detectada dentre alguns evangĂŠlicos (protestantes) que afirmaram jĂĄ ter gostado de forrĂł e, atualmente, por questĂľes extra-mundanas, rejeitarem-no, bem como, dentre Ă queles que especularam que seria possĂvel gostar de forrĂł caso se desligassem, futuramente, de sua respectiva igreja. ÂłAntes de eu ser evangĂŠlico eu curtia muito as festas... Devido eu ser evangĂŠlico hoje tĂĄ me dando uma satisfação maravilhosa, porque Deus tem me transformado e tem me afastado do vĂcio do mundo, porque eu sei que forrĂł ĂŠ bom, ĂŠ muito bom hoje, mexe com a gente e tudo, mas cada um tem seus sentimentos, tem seu jeito de
220 ser... AĂ Deus tem me feito assim. TĂĄ na vontade Dele´ 0$5&(/2 DQRV Touros). Âł'HVGH R GLD HP TXH HX DFHLWHL >Jesus], do final do ano pra cĂĄ, eu nĂŁo ouvi mais [...] Eu sempre gostei de forrĂł. Eu sempre digo pros meus colegas que eu era muito forrozeiro... AtĂŠ hoje mesmo eu sendo crente eu gosto de forrĂł... NĂŁo que eu ouça, mas AviĂľes, essas bandas assim, quando eu passo na rua e ouço ainda mexe. Ă&#x2030; umD FRLVD TXH HX QmR VHL H[SOLFDU )RUUy p FRQWDJLDQWH´ &$5/26 DQRV Touros).
Assim sendo, torna-se reentrante a questão da sensualidade nas cançþes como mecanismo de oposição ao material musical. ³)DODP PXLWR HP SRUQRJUDILD H LQFLWDP D VHQVXDOLGDGH e a gente que tem filho SHTXHQR (X PH VLQWR HP DOJXPDV SDUWHV DWp FRQVWUDQJLGD ´ -8/,$ DQRV São Gonçalo do Amarante). ³>$V P~VLFDV GH KRMH@ VmR SRXFR FULDWLYDV > @ 1mR WHP PDLV R TXH LQYHQWDU H lançam qualquer coisa [...] Aà puxa um pouco pra pornografia. Todo mundo gosta > @ QLQJXpP UHVSHLWD PDLV QDGD HQWmR R TXH IRU YDL H SURQWR ´ 0$*'$ anos, São Gonçalo do Amarante). ³ SRUTXH jV YH]HV D P~VLFD HVVD P~VLFD TXH Wi VHQGR WRFDGD KRMH TXHUHQGR RX não, vulgariza muito o cidadão, tanto a mulher como o homem... Tem música aà TXH p Vy YXOJDULGDGH´ *,/621 DQRV 6mR *RQoDOR GR $PDUDQWH ³9HMR PDLV P~VLFDV SURYRFDQWHV GR TXH P~VLFDV TXH IDODP GH URPDQFH e R TXH HX escuto mais quando eu passo na rua. Mesmo não gostando eu passo na rua assim e WHP VHPSUH DOJXpP RXYLQGR´ 521$/'2 DQRV 6mR *RQoDOR GR $PDUDQWH ³$ OHWUD R TXH R SRYR JRVWD PXLWD EHVWHLUD DV OHWUDV PHLR TXH HUyWLFDV PXLWD EDL[DULD ´ 3('52 DQRV 7RXURV
Portanto, seja do ponto de vista de determinado ethos religioso, seja do ponto de vista de certos princĂpios morais, o carĂĄter sensual presente nas mĂşsicas termina sendo um forte elemento de aversĂŁo para o gĂŞnero forrozeiro. Como desfecho sinĂłptico dessas leituras de oposição, os quatro depoimentos abaixo sĂŁo ilustrativos dessa postura de consumo: Âł(X DFKR TXH p XPD TXHVWmR FXOWXUDO GH HGXFDomR PHVPR 3RU TXH HVVH IRUUy GH raiz ele trata da nossa realidade, quem nĂłs somos, fala principalmente do Nordeste, dos nossos problemas. E as pessoas nĂŁo estĂŁo ligadas quanto a isso. Ă&#x2030; uma questĂŁo de educação. Eu vejo mais dessa forma, uma falta de cultura, de educação [...] As pessoas nĂŁo se importam com isso. Por que o cara vai pra cima de um palco, chama vocĂŞ de vagabundo, e vocĂŞ tĂĄ lĂĄ cantando ĂŞĂŞĂŞĂŞ... Eu nĂŁo vou num ambiente que o cara vai lĂĄ, chama vocĂŞ de vagabundo, isso e aquilo, eu nĂŁo vou [...] Eu acho que sĂŁo pessoas que vĂŁo com o mesmo intuito, de beber atĂŠ cair no chĂŁo, de dançar, pegar... Minha concepção ĂŠ dessa forma. Eu posso estar sendo
221 preconceituoso, de certa forma, mas ĂŠ minha opiniĂŁo. Eu acho que nĂŁo tem ninguĂŠm que vĂĄ pra lĂĄ pra ouvir a mĂşsica... Ah, a mĂşsica ĂŠ suave, muito boa, tem qualidade na letra. Eu acho que ninguĂŠm vai com essa intenção nĂŁo [...] O problema desse forrĂł eletrĂ´nico ĂŠ que ĂŠ instantâneo. Ă&#x2030; um sucesso muito repentino [...] O forrĂł tĂĄ muito ligado ao mercado, a venda, a vender. Tanto ĂŠ que o sucesso ĂŠ instantâneo. Ă&#x2030; feito pra aquele momento. Pra vender e pronto. NĂŁo ĂŠ pra ser uma coisa histĂłrica, pra deixar gravado na mente das pessoas. Ă&#x2030; uma coisa instantânea. Vender e pronto. Fez sucesso, o sucesso ĂŠ repentino e depois pronto [...] Tem uma mĂşsica que era muito sucesso em Fortaleza... Acho que ĂŠ assim: ÂľOHYDQWH R OLWUR Dt TXHP IRU FDEUD VDIDGR TXHP JRVWD GH PXOKHU H IRU deVPDQWHODGR Âś 1RVVD 3UD PLP HX DFKR 7XGR R TXH D PtGLD SURPRYH DFDED HVWLPXODQGR DFDED HQWUDQGR QD FDEHoD GDV SHVVRDV H HODV DFDEDP ID]HQGR´ (JUNIOR, 22 anos, MossorĂł). Âł3RU H[HPSOR SRU TXH HX QmR PH YHMR FRPR D PDLRULD GDV SHVVRDV DR PHX UHGRU que amam o forrĂł, adoram o forro. Eu sou mais assim... eu freqĂźento uma festa, que tem forrĂł, nada contra o forrĂł, mas se for por preferĂŞncia eu preferiria mĂşsicas internacionais mais calmas... ForrĂł eu acho que ĂŠ uma mistura mais da dança, porque eu nĂŁo vejo tanta gente botar um forrĂł e ficar escutando, ficar parando, assim, analisando a letra porque nĂŁo tem o que analisar... Ă&#x2030; mais aliado D IHVWD EHEHGHLUD FRP D GDQoD´ ´ '$1,(/$ DQRV 1DWDO Âł3RU H[HPSOR Wi WHQGR XPD IHVWD H HX VHL TXH FRP FHUWeza vai tocar forrĂł, eu danço, eu nĂŁo me sinto mal, eu ouço, mas nĂŁo ĂŠ uma mĂşsica que eu tenho no meu FHOXODU QR FRPSXWDGRU HVVDV FRLVDV´ *$%5,(/$ DQRV 1DWDO Âł(VFXWR Vy HP IHVWD 1mR FRQVLJR HVFXWDU IRUUy HP FDVD FRPR R SRYR HVFXWD QmR NĂŁo dĂĄ pra mim nĂŁo. Porque eu acho que o forrĂł ĂŠ uma mĂşsica dançante... a pessoa escutar sozinho ĂŠ meio... A maioria das mĂşsicas de forrĂł nĂŁo tem letra. EntĂŁo eles fazem qualquer coisa, com qualquer letra eles fazem um forrĂł. EntĂŁo pra mim a mĂşsica tendo letra ĂŠ iPSRUWDQWH´ )5$1&,6&2 DQRV 0RVVRUy
Os comentĂĄrios acima abreviam oportunamente a atitude no consumo de oposição: diagnĂłstico crĂtico em relação Ă produção do forrĂł eletrĂ´nico, ao seu conteĂşdo dominantemente apolĂtico e suas formas de uso, o que, logicamente, tem profunda relação com o estilo de vida e o habitus de classe dos informantes (discussĂŁo presente na seção 5.2). O primeiro ilustra muito sumariamente uma aversĂŁo ao gĂŞnero; os trĂŞs seguintes representam EHP XPD ÂłGHVWRWDOL]DomR´ GD mensagem e VXD FRQVHT HQWH ÂłUHWRWDOL]DomR´ SDUD DOpP GRV PXURV SUHIHUHQFLDLV Assim, vĂŞ-se que
uma decodificação integralmente preferencial Ê,
concretamente, uma utopia, um sonho dos managers do entretenimento. As pessoas têm um certo bom senso em relação ao que consomem. $VVLP FRPR ³HP JHUDO RV leitores de jornal não têm a mesma opinião do jornal que compram, ou são por ela HVFDVVDPHQWH LQIOXHQFLDGRV´ *5$06&, S WDPEpP RV RXYLQWHV GH
222
música popular não são influenciados totalmente pelas mensagens propagadas. Emitem oposiçþes, às vezes muito intuitivas, às vezes bastante reflexivas. Como UHIRUoD $GRUQR D S ³XP HVFODUHFLPHQWR XP SRXFR LQVXILFLHQWH H DSHQDV SDUFLDOPHQWH HILFLHQWH DLQGD p PHOKRU GR TXH QHQKXP´
c) Leituras Preferenciais (HegemĂ´nicas)
Caminhando no pĂłlo oposto das posturas de oposição estĂĄ a leitura preferencial (ou hegemĂ´nica/dominante) LVWR p TXDQGR R UHFHSWRU ÂłVH DSURSULD GR sentido conotado [...] de forma direta e integral, e decodifica a mensagem nos termos do cĂłdigo rHIHUHQFLDO QR TXDO HOD IRL FRGLILFDGD´ +$// S 1HVVH FDVR opera-se dentro do cĂłdigo dominante. Para Stuart Hall, esse ĂŠ o caso ideal-tĂpico de ÂłFRPXQLFDomR SHUIHLWDPHQWH WUDQVSDUHQWH´ RX R VHX FDVR PDLV SUy[LPR SDUD WRGRV RV efeitos. O forrĂł eletrĂ´nico atualmente em moda no RN ĂŠ dominante dentre os grandes eventos festivos do estado. Igualmente, a audição do gĂŞnero pelas ruas, feiras livres, comĂŠrcio varejista, festas privadas, etc. ĂŠ comum e, querendo ou nĂŁo, tem sido embaraçada a fuga desse entretenimento musical. Muitos sĂŁo aqueles que o escutam, independentemente de local de residĂŞncia, classe, educação, sexo ou faixa etĂĄria. No ambiente familiar, nas relaçþes de escola, no trabalho, nas relaçþes de vizinhança e nos espaços de lazer (academias, shoppings, faculdades, etc.), o forrĂł eletrĂ´nico tem sido exaustivamente disseminado. Deste modo, em meio a essa sociabilidade para o forrĂł, nĂŁo ĂŠ incomum encontrar quem se diga consumidor ativo do gĂŞnero e o encare como mĂşsica de primeira motivação, ou seja, de maior preferĂŞncia. Âł$V EDQGDV PH DWUDHP EDQGDV ERDV TXH QHP $YL}HV *DURWD 6DIDGD 6mR EDQGDV boas, que dĂĄ um forrĂł bom pra vocĂŞ ouvir. AviĂľes e Garota Safada sĂŁo muito boas, as melhores que tem [...]. Muito bom! Garota Safada pra mim ĂŠ a PHOKRU´ -2Â2 19 anos, Touros). ÂłĂ?WLPDV 3UD PLP VmR yWLPDV (X SUHILUR HVVDV DV DWXDLV SRU TXH WHP PDLV D YHU comigo, e todo mundo gosta. NinguĂŠm vai parar hoje, o pessoal na minha idade,
223 vai parar num canto, tendo Luiz Gonzaga e Garota Safada... vĂŁo pra Garota 6DIDGD FRP FHUWH]D´ &$5/$ DQRV 7RXURV Âł3UD PLP :HVOH\ 6DIDGmR p R FDUD >'D EDQGD *DURWD 6DIDGD @ (X REVHUYR muito os DVDs... o homem nĂŁo força... ĂŠ aquela voz ali do inĂcio ao fim do mesmo jeito [...] Eu sou fĂŁ de Garota Safada, mas quem canta mesmo o forrĂł ĂŠ Solange, do AviĂľes do ForrĂł. 6RODQJH QmR ID] YHUJRQKD QmR 6RODQJH p 6RODQJH´ (MARCOS, 16 anos, Touros). Âł)RUUy p R TXH WRFD D P~VLFD GR 1RUGHVWH 2 IRUUy SUD PLP p PXLWR HVSHFLDO 3UD mim o forrĂł ĂŠ uma coisa extasiante. Vai pra uma festa, eu fico escutando as bandas, vendo se eles erram alguma coisa, eu fico prestando atenção. O forrĂł pra mim ĂŠ bastante especial. Eu gosto muito... AviĂľes, pra mim, ĂŠ a batida assim, bem forte mesmo e muito legal, muito bom. Tem a sanfona que tem destaque, tem a bateria, os metais. Tem um cantor que muita gente critica ele porque ele conversa PXLWR PDV HX DFKR PXLWR OHJDO ILFDU FRQYHUVDQGR SRUTXH Wi LQWHUDJLQGR´ $66,6 25 anos, MossorĂł). Âł$FKR HX TXH R IRUUy p XP GRV ULWPRV TXH FRQWDJLD Pais e que tem mais letras... Se vocĂŞ pegar um forrĂł legal e vocĂŞ vĂŞ a letra dele ĂŠ bem bonita... [exemplo dado: Âľ6RUWHÂś )RUUy GR 0XtGR@´ '$9,' DQRV 6mR *RQoDOR GR $PDUDQWH
Alguns depoimentos pontuais coletados da internet corroboram em grande medida com a empiria mostrando que, na contramĂŁo das leituras de oposição e mesmo negociadas, hĂĄ tambĂŠm, hic et nunc, muitos ouvintes cativos de forrĂł eletrĂ´nico. Logo, nem todo ouvinte faz a distinção entre ouvir e dançar o forrĂł eletrĂ´nico. Para alguns, inclusive, em torno do forrĂł eletrĂ´nico se criam atĂŠ relaçþes de Ădolo e fĂŁ.
224
Depoimento
FĂŁ de AviĂľes do ForrĂł
...
FĂŁ de Garota Safada
01
Âł$ PHOKRU EDQGD GH IRUUy do mundo. Eu amo AviĂľes do ForrĂł. Ă&#x2030; tanto sempre q posso vou a festa do AviĂľes. Tenho camisetas e muitos cd´s.. AviĂľes estaremos lĂĄ. AviĂŁo p DYLmR H R UHVWR p LOXVmR´ Âł$PR YRFrV GR IXQGR GR meu coração. Espero que um dia possa conhecĂŞ-los! 0HX VRQKR ´
06
³(X DPR GHPDLV D *DURWD 6DIDGD H SULQFLSDOPHQWH R :HVOH\ 6DIDGmR %HLMRV´
07
³(stå chegando o momento em que novamente vou poder ver vocês de SHUWLQKR 4XH 'HXV DEHQoRH YRFrV KRMH H VHPSUH DPR PXLWR YRFrV GH PRQWmR PHVPR´ ³$L PHX 'HXV GR FpX (VVD EDQGD p massa demais! Eu amo Garota Safada! Sou Louca por Wesley Safadão. Queria ser a Mara Pavanelly só pra ficar perto dele! Eu amo essa banda! Amo vocês WRGRV GD *DURWD 6DIDGD ´
02
Âł*HQWH $YL}HV p WXGR GH 08 bom, e eu decolei bem alto junto com eles. O show foi massa. A Sol [Solange] como sempre estava perfeita. AliĂĄs, todos estavam maravilhosos. A Sol ĂŠ o sol da minha vida. Volte mais vezes minha querida... a Sol ĂŠ original e o resto ĂŠ genĂŠrico...Te amo Sol.Beijos! Âł$GRUR YRFrV PDV DLQGD 09 Âł,VVR QmR p EDQGD QmR ,VVR p R 04 nĂŁo tive o privilegio de paraĂso. O show dessa banda ĂŠ o assistir a um show. Por mĂĄximo, foi perfeito aqui [na minha favor quando vim para cidade]... que pena que acabou logo, recife mande um e-mail PDV :HVOH\ DUUDVRX FRP R ÂľVZLQJDGRÂś para mim para guardar dele. Amo muito vocĂŞs! Wesley beijĂŁo dinheiro e realizar meu no coração. Sou simplesmente mais sonho de ver a banda ao XPD Im ´ YLYR´ Âł$YL}HV p R Pi[LPR (X Âł(X DPR HVVD EDQGD (OD HVWHYH >QD 05 10 adoro AviĂľes. SĂł tem minha cidade] e arrasou, como sempre mĂşsica massa, dançantes, nĂŠ! Eu simplesmente amei!! Desejo que bota todo mundo pra todo sucesso pra eles. Sou fĂŁ de mexer o esqueleto. Beijos FDUWHLULQKD ´ pra Xandinho & Solanja. Continuem com essa banda masVD´ Quadro 07 Âą Depoimentos de FĂŁs Fonte AviĂľes do ForrĂł: nasasasdoavioes.blogspot.com Fonte Garota Safada: garotasafada.wordpress.com 03
Os depoimentos acima ¹ embora majoritariamente femininos ¹ são sinalizaçþes, por exemplo, GR ³JHVWR GR DGROHVFHQWH TXH GHFLGH ¾ILFDU GRLGRœ SRU LVVR ou aquilo de um dia para outro´ FRQWXGR ³sempre com a possibilidade de condenar
225
DPDQKm FRPR WROLFH R TXH DGRURX KRMH´ $'2512 S 7UDWDP-se de leituras estruturadamente preferenciais, mesmo que tais preferĂŞncias tenham curtĂssima existĂŞncia. Atualmente bandas cearenses como AviĂľes do ForrĂł e Garota Safada sĂŁo dominantes no cenĂĄrio forrozeiro potiguar. Os informantes foram unânimes nesse quesito. Âł6H SDUDU XP FDUUR FRP XP VRP OLJDGR QR PHX EDU TXDQGR DEUH R ÂľSDUHGmRÂś p $YL}HV GR )RUUy´ 0$5,$ DQRV 7RXURV Âł+RMH D PRGD p HVcutar AviĂľes do ForrĂł e Garota Safada... Aonde vocĂŞ vai tĂĄ WRFDQGR QXP FDUUR p *DURWD 6DIDGD QRXWUR FDQWR p $YL}HV´ 9$/'(0$5 anos, MossorĂł). Âł R SHVVRDO KRMH Vy TXHU FXUWLU PDLV *DURWD 6DIDGD $YL}HV ´ -2Â2 DQRV Touros).
AtĂŠ certo ponto parecidos com os depoimentos presentes nas decodificaçþes mais negociadas, o conteĂşdo chamado romântico das mĂşsicas, segundo os prĂłprios informantes, torna-se mais atrativo para a aceitação das letras, pois consegue ÂłWUDQVPLWLU´ DOJR GD H[SHULrQFLD PXVLcal, conseguindo passar uma mensagem sentimental para o ouvinte: lembranças de afetos, memĂłrias de tempos passados, recordaçþes diversas. Tal mecanismo se refere ao que Adorno traz Ă baila como Âłnostalgia songs´ LVWR p SURFHVVRV existentes na mĂşsica de massa que Âłmimetizam uma nostalgia de vivĂŞncias passadas, irrecuperĂĄveis, visando de maneira intencional aos consumidores que imaginam ser possĂvel conquistar a vida que lhes foi denegada PHGLDQWH D OHPEUDQoD GH XP SDVVDGR ILFWtFLR´ $'2512 S Infere-se, por conseguinte, que essas letras mais emotivas obtĂŞm maior sucesso na relação codificação-decodificação preferencial e, diferentemente de uma audição desatenta, estejam operando como fortes produtoras de significados. As afirmaçþes abaixo confirmam tal relação: Âł$V P~VLFDV OHPEUDP FRLVDV TXH Mi SDVVHL DQWLJRV QDPRUDGRV DQWLJDV FRLVDV TXH HX ID]LD > @ (X JRVWR PXLWR GDTXHOD GH 0DVWUX] FRP /HLWH Âľ1D 3UDLD Âś &RPR D gente mora na praia, aĂ tudo faz lembrar. EntĂŁo pra mim a melhor ĂŠ ela [...] O IRUUy PH[H FRPLJR SRU TXH HX HQWHQGR R TXH DV SHVVRDV WmR TXHUHQGR SDVVDU´ (MARIA, 25 anos, Touros).
226 ³/HWUD TXH WRTXH PHVPR R FRUDomR GDV SHVVRDV 7HP XPD P~VLFD GH Garota Safada agora, a nova que saiu, que lembrava muito o passado de pessoas. Aà devido a isso o povo começa a dizer, ah!, essa Ê minha música, essa Ê a boa, aà FRPHoD ´ 0$5&(/2 DQRV 7RXURV ³¾7HQWDWLYDV HP 9mRœ VH HOHV WRFDUHP KRMH GH] YH]HV SUD PLP HVFXWDU DTXL HX curto, porque Ê uma letra que eu sinto, ela quer passar alJXPD FRLVD SUD YRFr´ (MARCOS, 16 anos, Touros). ³8PD P~VLFD TXH HX DGRUR DVVLP p XPD TXH IDOD TXH ¾Mas acontece que o meu coração não Ê de papel. A chuva molha e as palavras se apagam. A minha mente JLUD IHLWR XP FDUURVVHOœ >OHWUD GD P~VLFD 7HQWDWLYDV Hm Vão]. Eu sempre canto ela TXDQGR HX W{ WULVWH TXDQGR Wi DFRQWHFHQGR DOJXPD FRLVD FRPLJR´ &$52/,1$ 17 anos, Natal). ³3UD PLP XPD P~VLFD GH VXFHVVR p XPD P~VLFD TXH HOD GHPRQVWUD IDODU D verdade. Conta a história de alguÊm, de algum casal... Tem àquela P~VLFD ¾&DVD GDV 3ULPDV œ $TXLOR DOL p XPD YHUGDGH TXH DFRQWHFH QR FRWLGLDQR GH WRGR PXQGR Pra mim uma música de sucesso seria falar do cotidiano de alguÊm, alguma briga de casal, não tragicamente, mas falando de uma maneira mais humilde [...] Eu gostR PXLWR GHVVD P~VLFD ¾&DVD GDV 3ULPDVœ e DWp R WRTXH GR PHX FHOXODU´ (ASSIS, 25 anos, Mossoró). ³7DPEpP PXLWDV YH]HV FRLVDV TXH DFRQWHFHP FRPLJR SDVVDP QD P~VLFD > @ $ JHQWH SDVVD YiULDV FRLVDV jV YH]HV SUREOHPDV > @ HVFXWR XP VRP > @ (X UHOD[R´ (SABRINA, 20 anos, São Gonçalo do Amarante).
Deste modo, seria uma desatenção sociológica afirmar que as letras não significam nada para os ouvintes. Para alguns, inclusive, esse Ê o fundamental meio de contato com a arte ligeira ¹ excetuando-se, Ê claro, a televisão convencional e o cinema ¹, no qual se reforçam determinadas opiniþes sobre diversão, prazer, consumo, etc. Outro indicador importante e reforçador da leitura hegemônica ¹ muito detectåvel nos depoimentos ¹ foi a constatação de que a repetição sistemåtica dos hits termina sendo uma forma de assimilação do valor musical. Diferentemente das leituras negociadas e de oposição, nesse caso vê-se que, de tanta repetição e, complementarmente, de tanta aceitação popular/massiva, alguns informantes declaUDUDP WHUPLQDU JRVWDQGR WDPEpP GR ³VXFHVVR´ VRE D DOHJDção do reconhecimento da canção. Como enfatiza Gramsci, ³D UHSHWLomR p R PHLR GLGiWLFR mais eficaz para agir VREUH D PHQWDOLGDGH SRSXODU´ 1989, p. 27).
227 Âł*RVWDYD Qp WRGR PXQGR JRVWDYD HX WDPEpP JRVWDYD´ $1$ DQRV 7RXURV Âł2 VXFHVVR p TXDQGR R WHPSR WRGR FDQWD D P~VLFD TXDQGR YRFr SHUFHEH PHVPR TXH QR OXJDU WRGR PXQGR Wi JRVWDQGR GDTXHOD P~VLFD´ -2Â2 DQRV 7RXURV Âł(X JRVWDYD >HP DOXVmR D EDQGD 0DVWUX] FRP /HLWH@ TXDQGR WDYD QR DXJH... tocando direto eu gostava... A letra das mĂşsicas era bonita... AĂ depois caiu no esquecimento... Veio forrĂł do MuĂdo, o pessoal sĂł queria saber de forrĂł do MuĂdo, tocando direto, a gente acaba se acostumando... De tanto que vocĂŞ ouve, mesmo que vocĂŞ nĂŁo goste, vocĂŞ ouve tanto, em todo lugar, que vocĂŞ acaba aprendendo, VHP TXHUHU 2XYLQGR RXYLQGR D JHQWH DFDED JRVWDQGR GDV P~VLFDV´ 'e%25$ 23 anos, SĂŁo Gonçalo do Amarante). Âł3UD PLP XP VXFHVVR p XPD OHWUD TXH SHJXH UiSLGR TXH WRGR PXQGR OHPEUH H TXe YRFr VHP TXHUHU HVWHMD Mi FDQWDQGR $ P~VLFD Wi QD VXD FDEHoD VHPSUH´ (ROGĂ&#x2030;RIO, 17 anos, Natal). Âł(X DFKR R VXFHVVR p TXH DTXHOH TXH QmR SiUD GH WRFDU QD UiGLR TXH PHVPR YRFr nĂŁo querendo... vocĂŞ começa a escutar. AĂ vai conhecendo a banda, vocĂŞ começa a HVFXWDU PDLV P~VLFDV GHOD ´ .$5,1$ DQRV 1DWDO Âł6H HX JRVWDU GH XPD P~VLFD GH IRUUy HX FRPSUR R &' $t HX RXYLQGR PXLWR HX DFDER JRVWDQGR GDV RXWUDV GH WDQWR TXH HVFXWR´ 'e%25$ DQRV 6mR Gonçalo do Amarante).
Adorno jå havia percebido esses fenômenos, tanto da aceitação pela repetição (plugging), como da aceitação pelo reconhecimento social (o chamado estoque musical). Plugging: A estrutura do material musical requer uma tÊcnica peculiar, atravÊs da qual ela Ê imposta. Esse processo pode ser aproximadamente definido como plugging [colocação no circuito, promoção]. O termo plugging tinha originalmente o estrito significado da repetição incessante de um hit particular, de modo a tornå-OR ¾XP VXFHVVRœ 1yV DTXL R XVDPRV QR VHQWLGR DPSOR de uma continuação do processo inerente à composição e ao arranjo do material musical. A promoção pelo plugging almeja quebrar a resistência ao musicalmente sempre-igual ou idêntico, fechando, por assim dizer, as vias de fuga ao sempre-igual (ADORNO; SIMPSON, 1994, p. 125).
Estoque musical: Ao invÊs do valor da própria coisa, o critÊrio de julgamento Ê o fato de a canção de sucesso ser conhecida de todos; gostar de um disco de sucesso Ê quase exatamente o mesmo que reconhecê-lo (ADORNO, 1991, p. 79).
Gabriel Tarde tambÊm reforça essa assertiva a respeito do consumo coletivo FRPR UHVXOWDGR GD DWXDOLGDGH H GD DFHLWDomR SRSXODU 3DUD HOH ³D SDL[mR SHOD
228
atualidade progride com a sociabilidade, da qual ela nĂŁo ĂŠ mais que uma das manifestaçþes mais impressionDQWHV´ S 'Dt TXH PXLWRV LQGLYtGXRV terminam ouvindo determinada canção ou gĂŞnero musical simplesmente pela sua atualidade e popularidade massiva. Na mĂşsica popular isso ĂŠ muito trivial: a aceitação gera mais aceitação; o sucesso gera mais sucesso. Âł1D UHDOLGDGH HX QmR JRVWR PXLWR QmR >GH /XL] *RQ]DJD@ 6y JRVWR GH FRLVDV PDLV DWXDOL]DGDV e GLItFLO YRFr HQFRQWUDU XP MRYHP TXH JRVWH GH FRLVD DQWLJD´ (DAVID, 17 anos, SĂŁo Gonçalo do Amarante). Âł(X DFKR TXH D P~VLFD p ERD SRUTXH p XPD JDOHUD mesmo que gosta. AviĂľes do ForrĂł foi atĂŠ pro reality show Âľ%LJ %URWKHU BrasilÂś DJRUD $YL}HV WRFDQGR SUD PXLWD JHQWH p XP VXFHVVmR ´ 'e%25$ DQRV 6mR *RQoDOR GR $PDUDQWH Âł8PD SHVVRD JRVWRX WRGR PXQGR JRVWD (X YHMR TXH R IRUUy p PDLV DVsim: um gosta todos gostam tambĂŠm. NĂŁo ĂŠ nem do seu prĂłprio gosto, ĂŠ mais pelo que os RXWURV DFKDP´ /Ă&#x2039;',$ DQRV 0RVVRUy
No cerne dessas leituras preferenciais residem os fenĂ´menos do fetichismo na mĂşsica e da regressĂŁo da audição colocados por Adorno. Todavia, empiricamente, e Stuart Hall nos ratifica, nĂŁo existe nenhuma leitura hegemĂ´nica que possa ser integralmente obtida. NinguĂŠm vive integralmente dentro das codificaçþes preferenciais. Mesmo assim, alguns dos objetivos dos codificadores sĂŁo alcançados, fundamentalmente aqueles ligados a certas apologias para uma vida de diversĂŁo e a determinados padrĂľes de consumo, de felicidade e de humanidade. Assim como $GRUQR D S DILUPRX TXH RV LQGLYtGXRV ÂłDRV GRPLQJRV GHL[DP GH ODGR qualquer reflH[mR QRV HVWiGLRV HVSRUWLYRV´ QR SUHVHQWH REMHWR de estudo quase todo carĂĄter crĂtico/criativo do lazer desaparece no forrozĂŁo do sĂĄbado Ă noite. Nessa paisagem dominante, o consumo de bebidas alcoĂłlicas tem sido tema recorrente em muitas cançþes de sucesso. Dentre o pĂşblico entrevistado, embora nĂŁo tenha sido constatado em demasia o consumo de bebidas alcoĂłlicas dentre os informantes (talvez pela baixa mĂŠdia do padrĂŁo etĂĄrio), foi percebida uma relação esperada entre as duas variĂĄveis:
229 Âł... vai pra uma balada, aĂ começa a escutar as mĂşsicas... mexe com o sentimento e empurra pra beber... o cara mete a cara!... ForrĂł mexe muito com o sentimento GD JHQWH (X DFKR PXLWR ERQLWR R IRUUy (X VHPSUH HVFXWHL IRUUy VHPSUH JRVWHL´ (ANDRĂ&#x2030;, 19 anos, Touros). Âł0H[H FRPLJR QDTXLOR H QDTXLOR RXWUR HQWmR PHWH R DoR D EHEHU´ 0$5,$ anos, Touros). Âł6H YRFr YDL SUa uma festa, numa festa tem som; aĂ se tem som tem pessoas; aĂ tem EHELGD´ 3('52 DQRV 7RXURV
Âł7i QD IHVWD Wi FRP VHXV DPLJRV Dt YHP DTXHOH DPLgo que bebe, gosta de beber QmR" $t ILQGD EHEHQGR´ &$5/$ DQRV 7RXURV Âł0XLWD JHQWH p LQIOXHQFLDGD SHOR DPLJR TXH HVFXWD $t TXDQGR D LQIOXrQFLD p WmR grande pessoas que nĂŁo bebem começam a beber. Entram na onda da mĂşsica e FRPHoDP D VH HQFDL[DU ´ (DANIELA, 17 anos, Natal). Âł6H D PDLRULD GDV IHVWDV p IRUUy DV SHVVRDV EHEHP PXLWR SRU FDXVD GR IRUUy VLP &RP FHUWH]D HX DFKR´ $/(66$1'5$ DQRV 0RVVRUy Âł7HP PXLWDV P~VLFDV TXH ID]HP DSRORJLD D EHELGD $OJXPDV SHVVRDV VH influenciam... Mandam tomar uĂsque e aĂ pegam o uĂsque por que no forrĂł tem que WHU XtVTXH 2XWURV Vy EHEHP FHUYHMD ´ 9$/'(0$5 DQRV 0RVVRUy Âł D mĂşsica do forrĂł elĂŠtrico influencia muito isso, incentiva... pra se embebedar´ (VALESKA, 19 anos, MossorĂł).
Tal construção de sociabilidade termina por criar todo um ethos pautado no consumo etĂlico como recurso (meio) de masculinidade, alĂŠm de ser tambĂŠm um modo de distinção na economia simbĂłlica da festividade. Vale salientar, contudo, que esse modelo de sociabilidade ĂŠ anterior ao forrĂł eletrĂ´nico e nĂŁo unilateralmente criado por ele. A Âłcultura da bebedeira´ jĂĄ existe antes do capital dela se apropriar como forma de reprodução ampliada. O depoimento abaixo, embora seja algo bastante pontual, mostra tal associação: Âł+RMe o jovem se ele nĂŁo tomar uma cerveja, dançando, a outra jovem que ele tĂĄ querendo conquistar com certeza nĂŁo vai querer se aproximar dele. Eu jĂĄ passei por isso... Se vocĂŞ chega numa festa, se vocĂŞ chegar com aquele cara que tĂĄ sĂł tomando refrigerante, eOD QmR FRQVHJXH VH ÂľLQWLPLGDUÂś FRP YRFr $JRUD VH YRFr botar uma cerveja na mĂŁo, aĂ ela vai ver que vocĂŞ tem dinheiro e vai se aproximar... Eu nĂŁo estava bebendo numa festa. AĂ chegando lĂĄ meus amigos tudo bebendo e sĂł eu que nĂŁo tava bebendo. Essa garota perguntou: ei, seu amigo nĂŁo bebe nĂŁo? AĂ disseram: nĂŁo, bebe nĂŁo. AĂ ela disse: ah, ele ĂŠ muito fraco! NĂŁo dĂĄ FHUWR QmR´ 0$5&(/2 DQRV 7RXURV
Seguramente esse pode ter sido um episódio isolado, mas, como RSRUWXQDPHQWH OHPEUD $GRUQR ³Xma criança que prefere ouvir música sÊria ou tocar
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piano em vez de assistir a um jogo de baseball ou ver televisĂŁo ĂŠ tida como sissy, um IUDFRWH HIHPLQDGR´ $'2512 S (P DQDORJLD DTXHOH TXH QmR EHEH H nĂŁo participa da farra tem significativa probabilidade de assim tambĂŠm ser considerado. O conselho reiterado no forrĂł eletrĂ´nico ĂŠ beba mais e seja mais feliz. Logo, entoa-VH ÂłGH PDQHLUD PRQyWRQD R UHIUmR Âľ%HED LUPmR]LQKR EHEDÂś FRQIRUPH D tradição daquela jovialidade etĂlica Ă qual tudo permanece organizado da melhor PDQHLUD SRVVtYHO GHVGH TXH VH HYLWH D SUHRFXSDomR H D GRU´ $'2512 S 123). Assim, decorrente dessa construção de sociabilidade, o ideal de uma vida pautada na diversĂŁo tem sido PDUFD GR FRQVXPR IRUUR]HLUR 2 HOHPHQWR ÂłGLYHUVmR´ p recorrente na avaliação das cançþes e das bandas. Âł)RUUy GR 0XtGR IDOD PDLV GH DPRU H $YL}HV PDLV GLYHUVmR > @ (QWUH DV GXDV HX prefiro AviĂľes... Uma mĂşsica para virar sucesso tem que ter uma letra bem feita; WHP TXH VHU GLYHUWLGD > @´ 6$1'5$ DQRV 7ouros). ÂłFRUUy p VHPSUH SUD FLPD (X DFKR TXH IRUUy p SUD YRFr VH GLYHUWLU´ (CAROLINA, 17 anos, Natal).
Nesse apelo midiåtico para a diversão, o tipo de sociabilidade propagada por PXLWDV P~VLFDV p DTXHOD YROWDGD DR PXQGR GD ³IDUUD´ Logo, certamente tal artimanha tem sido eficaz para a codificação hegemônica dos hits: ³e D VHQVDomR GD IDUUD 3RU TXH HVVH WRFD PXLWR HP IDUUD (QWmR OHPEUD D HOHV esse momento... Eles escutam na escola tambÊm. AtÊ às vezes botam o celular no intervalo... Acho que Ê pra rHOHPEUDU DTXHOH PRPHQWR´ 7,$*2 DQRV 1DWDO
Destarte, diversĂŁo, amor e sexo constituem a trĂade bĂĄsica do forrĂł eletrĂ´nico e sua visĂŁo de mundo maior. As temĂĄticas outsiders sĂŁo pontuais, restritas e pouco dominantes dentre o grande pĂşblico do forrĂł eletrĂ´nico, conforme visto na seção 4.2. Geralmente essas mĂşsicas nĂŁo estabelecidas estĂŁo mais presentes no chamado forrĂł pĂŠ-de-serra. Por isso ĂŠ tĂŁo forte atualmente a contenda entre os dois estilos. O tradicional proclamando a autenticidade e a qualidade do gĂŞnero, o eletrĂ´nico proclamando o apego das massas. Nesse meio tempo, vem triunfando o forrĂł eletrĂ´nico.
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Prontamente, ĂŠ preciso salientar que os relatos acima destacados nĂŁo possuem propriedade categoricamente estabelecida, ou seja, as leituras dos indivĂduos oscilam significativamente entre as posiçþes hegemĂ´nicas e de oposição, sendo seguramente bastante intercambiĂĄveis (por conseguinte, negociadas). Praticamente nĂŁo houve nenhum indivĂduo com depoimentos exclusivamente hegemĂ´nicos, nem tampouco somente de oposição. Tal condição demonstra como variĂĄvel ĂŠ a percepção acerca dos bens culturais, o que inviabiliza pensar unilateralmente em referenciais de grande estruturação (Theodor Adorno) ou, na contramĂŁo, de grande resistĂŞncia (Cultural Studies). NĂŁo REVWDQWH H p H[DWDPHQWH HVVH ÂłHQWUHWDQWR´ TXH WRUQD R SUREOHPD PDLV instigante do ponto de vista metodolĂłgico, tal diversidade de percepçþes nĂŁo deve ser vista somente como uma dada estĂŠtica popular, mas, tambĂŠm, pela obliqĂźidade de um pujante contexto estruturado. &RPR DGYHUWH $GRUQR ÂłTXHP DVVRYLD XPD FDQomR SDUD si mesmo, acaba dobrando-se a um ritual de socialização (ADORNO, 2011, p. 95). O conceito de pseudo-individuação em Theodor Adorno possui o mĂŠrito de apresentar que tal diversidade de apreciaçþes, julgamentos, gostos, etc., pode esconder sua outra face, um lado bem mais sutil e de difĂcil constatação, ou seja, que as leituras em negociação e/ou em oposição a um dado gĂŞnero musical podem significar a adesĂŁo hegemĂ´nica (preferencial) a outro, tambĂŠm guardiĂŁo da regressĂŁo da audição (fetichizado). Relembrando, por pseudo-individuação Adorno entende a diferenciação de algo que ĂŠ, efetivamente, indiferenciado: O correspondente necessĂĄrio da estandardização musical ĂŠ a pseudo-individuação. Por pseudo-individuação entendemos o envolvimento da produção cultural de massa com a aurĂŠola da livre-escolha ou do mercado aberto, na base da prĂłpria estandardização. A estandardização de hits musicais mantĂŠm os usuĂĄrios enquadrados, por assim dizer escutando por eles. A pseudo-individuação, por sua vez, os mantĂŠm enquadrados, fazendo-os esquecer que o que eles escutam jĂĄ ĂŠ VHPSUH HVFXWDGR SRU HOHV ÂľSUp-GLJHULGRÂś $'2512 6,03621 S
Assim, o consumidor acredita, de fato, estar escolhendo livremente gĂŞneros musicais num mercado que, em si, oferece essencialmente gĂŞneros musicais SDGURQL]DGRV $ LQG~VWULD FXOWXUDO ÂłSURYLGHQFLD PDUFDV FRPHUFLDLV GH LGHQWLILFDomR
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SDUD GLIHUHQFLDU DOJR TXH GH IDWR p HIHWLYDPHQWH LQGLIHUHQFLDGR´ $'2512 SIMPSON, 1994, p. 124). Nesse
sentido,
de
acordo
com
o
visualizado
nas
entrevistas,
fundamentalmente figuraram como preferĂŞncias musicais circunvizinhas do forrĂł gĂŞneros como o axĂŠ music, samba (chamado pelos informantes muitas vezes de ÂłSDJRGH´ UHJJDH P~VLFDV UHOLJLRVDV o sertanejo universitĂĄrio, pop internacional, etc. Em suma, basicamente todos estandardizados. 6RE D DXUpROD GD OLYUH HVFROKD GR Âłgosto disso e nĂŁo gosto daquilo´ PXLWRV terminam negando algo em um dado gĂŞnero musical e, sincronicamente, aceitando-o noutro tipo de mĂşsica. Apenas aparentemente dotados de senso de opção, a individualidade debilitada pouco tem de decisĂŁo nas escolhas, sobretudo quando o mercado musical oferece tantos gĂŞneros estandardizados sob rĂłtulos somente aparentemente distintos. Logo, a negociação deve existir em todos os gĂŞneros e nĂŁo apenas no forrĂł. O cerco, contudo, ĂŠ administrado e sistĂŞmico. Se uma crĂtica ao modelo de Hall pode ser efetivada neste momento, ĂŠ que tal negociação, no Mundo Administrado, ĂŠ tambĂŠm sumariamente administrada. Em todos eles (axĂŠ, samba, forrĂł, sertanejo, pop internacional, etc.), SUDWLFDPHQWH ILJXUDP IRUWHPHQWH D WUtDGH ÂłIHVWD DPRU H VH[R´ FRPR PDUFD WHPiWLFD geral, e, mesmo variando entre um gĂŞnero e outro, criam certos significados, reforçam os existentes e anulam as possibilidades de outros sentidos para alĂŠm do mundo da diversĂŁo e do entretenimento sob a ĂŠgide da indĂşstria cultural. Embora estas afirmaçþes nĂŁo possam ser probabilisticamente mensurĂĄveis, intenta-se aqui pelo menos destacar que os significados da indĂşstria cultural estĂŁo por aĂ, espalhados pelas rĂĄdios mais populares, festas, paredĂľes de som, CDs, DVDs, players de mĂşsica, celulares, etc. Como nem tudo se desmancha no ar, alguma coisa ĂŠ, certamente, sugada pelo pĂşblico. AlĂŠm dessa reflexĂŁo, conforme pode ter sido observado nos diferentes estratos analisados, cabe destacar de igual valia que o tipo-ouvinte dominante no forrĂł eletrĂ´nico pode ser classificado exemplarmente como o ouvinte do entretenimento (ADORNO, 2011). Para Adorno, trata-se GDTXHOH RXYLQWH ÂłTXH Vy
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HVFXWD P~VLFD FRPR HQWUHWHQLPHQWR H QDGD PDLV´ $'2512 11, p. 75). DaĂ que HVVH WLSR GH RXYLQWH Âłp DTXHOH SHOR TXDO VH FDOLEUD D LQG~VWULD FXOWXUDO VHMD SRUTXH esta conforma-se a ele a partir de sua prĂłpria ideologia, seja porque ela o engendra ou R WUD] j WRQD´ $'2512 11, p. 75). Em função da falta de uma relação especĂfica com o objeto, o tipo consoante ao entretenimento jĂĄ se acha preparado nesse tipo prĂłprio ao consumidor cultural; para ele, a mĂşsica nĂŁo consiste numa estrutura de sentido, mas numa fonte de estĂmulo (ADORNO, 2001, p. 76).
Portanto, tem-se aĂ a dominância de um pĂşblico que nĂŁo se importa em demasia com o que consome. Por um lado, potencializa-se o devir desta mĂşsica de simples entretenimento nĂŁo servir como fonte de significaçþes, sentidos, etc.; contudo, por outro lado, hĂĄ todo um clima para que a indĂşstria cultural se apodere desses indivĂduos, jĂĄ que nĂŁo deixam de ser susceptĂveis a estĂmulos. Em todo caso, Adorno proporciona uma compreensĂŁo muitĂssimo acurada do consumo musical de massa, uma vez que mostra o lado dominantemente heterĂ´nomo dessa recepção. Negociaçþes e oposiçþes existem na Teoria CrĂtica, contudo, numa proporção bem limitada frente as capacidades de prescrição e ÂłLQFUXVWDPHQWR´ da indĂşstria cultural. NĂŁo obstante, uma observação deve ser destacada neste momento: mesmo em Adorno o indivĂduo nĂŁo ĂŠ um consumidor plenamente passivo. Ressalta-se agora que esta ĂŠ a melhor possibilidade de diĂĄlogo do autor com os Estudos Culturais. Assim, mesmo diante do extenso poder da indĂşstria cultural, as pessoas tĂŞm certa capacidade Âą mesmo limitada Âą de compreensĂŁo do consumo. Se minha conclusĂŁo nĂŁo ĂŠ muito apressada, as pessoas aceitam e consomem o que a indĂşstria cultural lhes oferece para o tempo livre, mas com um tipo de reserva, de forma semelhante Ă maneira como mesmo os mais ingĂŞnuos nĂŁo consideram reais os episĂłdios oferecidos pelo teatro e pelo cinema. Talvez mais ainda: nĂŁo se acredita inteiramente neles [...] Os interesses reais do indivĂduo ainda sĂŁo suficientemente fortes para, dentro de certos limites, resistir Ă apreensĂŁo [Erfassung] total (ADORNO, 2002, p. 116, destaques nossos).
Prontamente, a passagem acima, de 1969 (texto Tempo Livre - Freizeit), jĂĄ revela um Adorno diferente do vigor pessimista muito marcante na DialĂŠtica do Esclarecimento. Continua afirmando a potĂŞncia da indĂşstria cultural; porĂŠm, dando
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atenção também ao momento da recepção. Apesar da potência da indústria cultural, o indivíduo ainda guarda uma força, ³el potencial que este necesita para no confiarse en lo que ciegamente se le impone, para no identificarse con ello ciegamente´ (ADORNO, 1973, p. 52). 7DPEpP QR WH[WR ³NRWDV VREUH R ILOPH´ Filmtransparente), de 1967, há indicações de revisão em alguns pontos de sua obra. Adorno relembra então que, ³ao buscar atingir as massas, até mesmo a ideologia da indústria cultural acaba sendo tão antagônica quanto a sociedade para a qual ela é destinada. Ela contém antídoto de VXDV SUySULDV PHQWLUDV´ (ADORNO, 1994b, p. 104). Observa-se aí, pois, que não há nenhuma relação unilateral entre o objetivo da mensagem e sua recepção. Uma coisa é a intenção, outra é o seu efeito sobre o receptor. Nesse sentido, vê-se que a recepção em Adorno não pode ser tomada linearmente. Paralelo as codificações oficiais da indústria cultural, há também modelos não-oficiais operando na construção da recepção da mensagem, o que demonstra que a indústria cultural não está sozinha na construção do sentido. Tanto a produção, quanto a recepção, pois, estão atravessadas por contradições. Em seu último curso de sociologia, em 1968, na 17ª aula, Adorno novamente adverte outra limitação do debate: Todos nós em certa medida tomamos como ponto de partida que a indústria cultural, que deve incluir todas as forças da integração social em um sentido muito amplo, efetivamente produz, cunha ou ao menos conserva os homens tal como eles são. Mas há nisso realmente algo de dogmático, algo de não comprovado; e, se de fato pude aprender algo a partir dos desenvolvimentos do último ano, é que essa identidade entre estímulos objetivos e estruturas objetivas da consciência que efetivamente marcaram os homens, não pode ser simplesmente atribuída ao comportamento dos homens. A meu ver, a tarefa mais importante da pesquisa social empírica hoje seria descobrir realmente até que ponto os homens efetivamente são e pensam nos termos em que são formados pelos mecanismos (ADORNO, 2008a, p. 343).
Vê-se, logo, que aí reside uma curiosa ambigüidade percebida por Adorno. Pode-se dizer que os homens são efetivamente formados pela indústria cultural, contudo, que também não o são. Os homens se subordinam aos esquemas de percepção da indústria cultural, ao mesmo tempo em que, a rigor, sabem que suas
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representaçþes nĂŁo sĂŁo, de fato, verdadeiramente significativas. Nem tudo que ĂŠ propagado pela indĂşstria cultural tem a importância atribuĂda pelo behaviorismo de plantĂŁo. Deste modo, tĂŞm-se aĂ trĂŞs passagens adornianas que, de certa forma, aproximam, mesmo com muitas ressalvas, Adorno dos Estudos Culturais. A GLVFXVVmR D VHJXLU DPSOLD R YLVOXPEUDGR SDUD XPD FRPSUHHQVmR GD FKDPDGD ÂłFXOWXUD YLYLGD´ GR RXYLQWH REMHWLYDQGR YHU DV VLJQLILFDo}HV TXH RV EHQV GD LQG~VWULD FXOWXUDO imputam nos indivĂduos e a lĂłgica que rege essa significação.
5.2 CONSUMO MUSICAL E CAPITAL CULTURAL: UMA LEITURA BOURDIEUSIANA
Para Pierre Bourdieu, os julgamentos estĂŠticos nĂŁo sĂŁo simplesmente reflexos de vontades individuais (primado da ação), nem tampouco substancialmente macrodeterminaçþes de arranjos coercitivos (primado da estrutura). Resultam, pois, de toda herança cultural e social do indivĂduo, segundo seus nĂveis de capital cultural, obtidos por meio da famĂlia e da instituição escolar, que, relacionalmente, definem atitudes em relação Ă cultura e, num jogo de aceitaçþes, negociaçþes e recusas Âą nas estruturas estruturadas e estruturantes (habitus) Âą, deliberam as disposiçþes sociais (dentre elas, o gosto). Prontamente, para a compreensĂŁo do consumo musical ĂŠ mister considerar o conceito bourdieusiano de habitus. Objetivamente, trata-se de disposiçþes durĂĄveis Âą por isso a proximidade com o hĂĄbito Âą, todavia, estruturantes, criador de prĂĄticas que podem ser reguladas ao mesmo tempo sem ser resultado unilateral da coerção direta de determinados arranjos sociais. Assim, por habitus Bourdieu entende os: Sistemas de disposiçþes durĂĄveis, estruturas estruturadas predispostas a funcionar como estruturas estruturantes, isto ĂŠ, como princĂpio gerador e estruturador das SUiWLFDV H GDV UHSUHVHQWDo}HV TXH SRGHP VHU REMHWLYDPHQWH ÂłUHJXODGDV´ H ÂłUHJXODUHV´ VHP VHU R SURGXWR GD REHGLrQFLD D UHJUDV REMHWLYDPHQWH DGDSWDGDV D seu fim sem supor a intenção consciente dos fins e o domĂnio expresso das operaçþes necessĂĄrias para atingi-los e coletivamente orquestradas, sem ser o produto da ação organizadora de um regente (BOURDIEU, 1994, p. 60-61).
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O conceito de habitus permite ver os processos sociais não apenas como reflexos do espaço social, mas tambÊm, como criatividade dos agentes. Daà que o exame oferecido por Bourdieu Ê, deste modo, uma anålise de mão dupla, isto Ê, entre as estruturas objetivas (dos campos sociais) e as estruturas incorporadas (do habitus); entre o ³constraining´ e o ³enabling´. Segundo Loïc Wacquant (2007, p. 65-66), o habitus transcende a oposição entre objetivismo e subjetivismo na medida em que se trata de uma noção mediadora entre a interiorização da exterioridade e a exteriorização da interioridade, ou seja, a sociedade torna-se depositada nas pessoas sob a forma de disposiçþes duråveis e propensþes estruturadas para pensar, sentir e agir, que então as guiam em suas respostas criativas aos constrangimentos e solicitaçþes de seu meio social existente. Contra o estruturalismo, a teoria do habitus reconhece que os agentes fazem ativamente o mundo social por meio do envolvimento de instrumentos incorporados de construção cognitiva; mas tambÊm afirma, contra o construtivismo, que estes instrumentos foram tambÊm eles próprios feitos pelo mundo social (WACQUANT, 2007, p. 67).
Bourdieu proporciona, entĂŁo, uma perspectiva de anĂĄlise da vida social mais ancorada numa busca de sĂntese epistemolĂłgica dR TXH D SDUWLU GR ÂłREMHWLYLVPR´ SRU exemplo, da Escola de Frankfurt. Segundo Ortiz (1994), a perspectiva teĂłrica de Bourdieu busca uma mediação entre o agente social e a sociedade, no qual os mĂŠtodos epistemolĂłgicos oscilam entre R REMHWLYLVPR H D IHQRPHQRORJLD Âł(QTXDQWR D SHUVSHFWLYD IHQRPHQROyJLFD SDUWH GD experiĂŞncia primeira do indivĂduo, o objetivismo constrĂłi as relaçþes objetivas que HVWUXWXUDP DV SUiWLFDV LQGLYLGXDLV´ (ORTIZ, 1994, p. 08). Ă&#x2030; exatamente dessa polarização que Bourdieu procura se esquivar. Assim, Bourdieu resolve esse problema epistemolĂłgico por meio de um conhecimento intitulado praxiolĂłgico, ou seja, uma sociologia da prĂĄtica, baseada no reequacionamento da dicotomia entre estrutura e ação, controvĂŠrsia nascida com Durkheim (objetivismo) e Weber (subjetivismo) e perpetuada ao longo do pensamento sociolĂłgico moderno. Ao reequacionar esse problema, ou seja, da
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interioridade da exterioridade e da exterioridade da interioridade Âą retomado de Sartre, conforme lembra Ortiz Âą, Bourdieu possibilita uma anĂĄlise, atĂŠ certo ponto, conciliadora de um indivĂduo que ĂŠ produto, mas tambĂŠm produtor da sociedade (e HistĂłria), ou seja, a estrutura ĂŠ estruturada, mas tambĂŠm estruturante Âą mĂŠtodo distinto da dialĂŠtica adorniana, jĂĄ que em Adorno o peso dos arranjos sociais sobre o indivĂduo, jĂĄ debilitado enquanto sujeito, ĂŠ bem mais orquestrador do que sua capacidade de compreensĂŁo do mundo. Ainda de acordo com Ortiz (1994, p ÂłR REMHWLYLVPR FRQVWUyL XPD WHRULD da prĂĄtica, mas somente HQTXDQWR VXESURGXWR QHJDWLYR´ Âą segundo a presente avaliação, esse subproduto negativo ĂŠ exatamente perspectiva adorniana. Do lado oposto, o mĂŠtodo fenomenolĂłgico considera o mundo objetivo como uma rede de intersubjetividade. Em ambos os casos nĂŁo ocorre nenhuma tentativa relacional de sĂntese. O conceito de habitus ĂŠ relacional e procura sair dessa situação. Trata-se de modos de ser, pensar e agir que sĂŁo produtos, mas tambĂŠm, produtores de significados, modos de reflexĂŁo e condução da vida cotidiana. Adentrando
na
discussĂŁo
sobre
habitus
e
disposição
estĂŠtica,
conseqßentemente, a cada classe de habitus corresponde um conjunto de afinidades, gerando, por conseguinte, proximidades e distâncias sociais. A cada classe de posiçþes corresponde uma classe de habitus (ou de gostos) produzidos pelos condicionamentos sociais associados à condição correspondente e, pela intermediação desses habitus e de suas capacidades geradoras, um conjunto sistemåtico de bens e de propriedades, vinculadas entre si por uma afinidade de estilo (BOURDIEU, 1996, p. 21).
O habitus ĂŠ, portanto, um conjunto unificador e separador de pessoas, bens, escolhas, consumos, prĂĄticas, etc. O que se come, o que se bebe, o que se escuta e o que se veste constituem prĂĄticas distintas e distintivas; sĂŁo princĂpios classificatĂłrios, de gostos e estilos diferentes. O habitus estabelece, perante esses esquemas classificatĂłrios, o que ĂŠ requintado e o que ĂŠ vulgar, sempre de forma relacional, jĂĄ TXH ÂłSRU H[HPSOR R PHVPR FRPSRUWDPHQWR RX R PHVPR EHP SRGH SDUHFHU GLVWLQWR
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SDUD XP SUHWHQVLRVR RX RVWHQWDWyULR SDUD RXWUR H YXOJDU SDUD XP WHUFHLUR´ (BOURDIEU, 1996, p. 22). Com Bourdieu, tomando-VH R ÂłJRVWR´ musical como mira, este nĂŁo pode ser visto apenas como uma subjetividade direta, mas tambĂŠm, como uma objetividade interiorizada, isto ĂŠ, com um quantum de ação, contudo, tambĂŠm condicionado pela estrutura social. Em sua obra douta no assunto Âą A Distinção Âą Bourdieu jĂĄ nos mostra que o chaPDGR ÂłJRVWR´ QmR p XP SULYLOpJLR QDWXUDO PDV VLP UHVXOWDGR GR SURFHVVR JHUDO GH educação, seja ligado Ă instrução formal, seja ligado Ă herança cultural familiar. Assim: Contra a ideologia carismĂĄtica segundo a qual os gostos, em matĂŠria de cultura legĂtima, sĂŁo considerados um dom da natureza, a observação cientĂfica mostra que as necessidades culturais sĂŁo o produto da educação: a pesquisa estabelece que todas as prĂĄticas culturais (freqßência dos museus, concertos, exposiçþes, leituras, etc.) e as preferĂŞncias em matĂŠria de literatura, pintura ou mĂşsica, estĂŁo estreitamente associadas ao nĂvel de instrução (avaliado pelo diploma escolar ou pelo nĂşmero de anos de estudo) e, secundariamente, Ă origem social (BOURDIEU, 2008, p. 09).
Deste modo, Bourdieu consegue descortinar o acesso e a decodificação da obra de arte erudita como naturalização do espĂrito. Mostra, pelo contrĂĄrio, que o consumo e o conseqĂźente entendimento da obra de arte legĂtima se dĂĄ pelo domĂnio do cĂłdigo daquela obra, cĂłdigo esse que ĂŠ, por sua vez, criado pelo prĂłprio sistema de produção da obra de arte legĂtima, que consegue criar as regras de produção do VHQWLGR ÂłOHJtWLPR´ GD REUD EHP FRPR VHXV UHVSHFWLYRV PHLRV GH GHFRGLILFDomR Prontamente ÂłWRGD D REUD OHJtWLPD WHQGH D LPSRU GH fato, as normas de sua prĂłpria percepção e, tacitamente, define o modo de percepção que aciona certa disposição e FHUWD FRPSHWrQFLD FRPR R ~QLFR OHJtWLPR´ %285',(8 S 91. Assim, sem o acesso ao meio de decodificação da arte nĂŁo se tem acesso ao seu entendimento. Decididamente VHX FRQVXPR ILFD REVWUXtGR Âł$ REUD GH DUWH Vy DGTXLUH VHQWLGR H Vy WHP LQWHUHVVH SDUD TXHP p GRWDGR GR FyGLJR VHJXQGR R TXDO HOD p FRGLILFDGD´ (BOURDIEU, 2008, p. 10). &RPR QmR QRV GHL[D HVTXHFHU 0D[ :HEHU S WRGDV DV GRPLQDo}HV ÂłSURFXUDP GHVSHUWDU H FXOWLYDU D FUHQoD HP VXD ÂľOHJLWLPLGDGHϫ
91
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As obras produzidas pelo campo de produção erudita sĂŁo REUDV ÂľSXUDVÂś ÂľDEVWUDWDVÂś H HVRWpULFDV 2EUDV ÂľSXUDVÂś SRUTXH H[LJHP LPSHUDWLYDPHQWH GR UHFHSWRU XP WLSR GH disposição adequado aos princĂpios de sua produção, a saber, uma disposição SURSULDPHQWH HVWpWLFD 2EUDV ÂľDEVWUDWDVÂś SRLV H[LJHP HQIRTXHV HVSHFtILFos, ao contrĂĄrio da arte indiferenciada das sociedades primitivas, e mobilizam em um espetĂĄculo total e diretamente acessĂvel todas as formas de expressĂŁo, desde a mĂşsica e a dança, atĂŠ o teatro e o canto. Por Ăşltimo, trata-se de obras esotĂŠricas tanto pelas razĂľes jĂĄ aludidas como por sua estrutura complexa que exige sempre a referĂŞncia tĂĄcita Ă histĂłria inteira das estruturas anteriores. Por este motivo, sĂŁo acessĂveis apenas aos detentores do manejo prĂĄtico ou teĂłrico de um cĂłdigo refinado e, conseqĂźentemente, dos cĂłdigos sucessivos e do cĂłdigo desses cĂłdigos. Destarte, enquanto que a recepção dos produtos do sistema da indĂşstria cultural ĂŠ mais ou menos independente do nĂvel de instrução dos receptores (uma vez que tal sistema tende a ajustar-se Ă demanda), as obras de arte erudita derivam sua raridade propriamente cultural e, por esta via, sua função de distinção social, da raridade dos instrumentos destinados a seu deciframento, vale dizer, da distribuição desigual das condiçþes de aquisição da disposição propriamente estĂŠtica que exigem e do cĂłdigo necessĂĄrio Ă decodificação (por exemplo, atravĂŠs do acesso Ă s instituiçþes escolares especialmente organizadas com o fim de inculcĂĄ-la), e tambĂŠm das disposiçþes para adquirir tal cĂłdigo (por exemplo, fazer parte de uma famĂlia cultivada) (BOURDIEU, 1987, p. 116-117).
ConseqĂźentemente, aquele que nĂŁo domina o arcabouço conceitual termina por se distanciar dessas chamadas artes nobres do espĂrito, uma vez que nĂŁo consegue decodificar sua mensagem, seu estilo, VXD ÂłDXUD´ FRQIRUPH WHUPR benjaminiano. Portanto, sente-se embaralhado Âł2 HVSHFWDGRU GHVSURYLGR GR FyGLJR especĂfico sente-VH VXEPHUVR ÂľDIRJDGRÂś GLDQWH GR TXH OKH SDUHFH VHU XP FDRV GH VRQV e de ritmos, de cores e de linhas, sem tom neP VRP´ %285',(8 2008, p. 10). Com o consumo musical nĂŁo ĂŠ diferente. Conforme destaca oportunamente $GRUQR ÂłDTXHOH TXH QmR HQWHQGH DOJXPD FRLVD SURMHWD FRP XPD LQWHOLJrQFLD superior semelhante Ă do asno da canção de Mahler, sua insuficiĂŞncia sobre o objeto, explicando-R FRPR DOJR LQFRPSUHHQVtYHO´ $'2512 S 'Dt TXH D FKDPDGD P~VLFD HUXGLWD ÂłD PDLV HVSLULWXDOLVWD GDV DUWHV GR HVStULWR´ %285',(8 2008, p. 23), somente pode ser entendida por quem domina seu cĂłdigo. As camadas populares, aquilo que Ortega Y Gasset (1959) chamou de homem-massa92, nĂŁo 92 Homem-Massa: Âł8P WLSR GH KRPHP IHLWR GH SUHVVD PRQWDGR WmR VRPHQWH VREUH XPDV TXDQWDV H SREUHV abstraçþes [...] IdĂŞntico em qualquer parte [...] Esse homem-massa ĂŠ o homem previamente esvaziado de sua prĂłpria histĂłria, sem entranhas no passado [...] Mais do que um homem, ĂŠ apenas um casco de homem constituĂdo por meros idola fori FDUHFH GH XP ÂľGHQWURÂś GH XPD LQWLPLGDGH VXD > @ 0DVVD p WRGR DTXHOH TXH nĂŁo se valoriza a si mesmo Âą no bem ou no mal Âą SRU UD]}HV HVSHFLDLV PDV TXH VH VHQWH ÂľFRPR WRGR PXQGRÂś e, entretanto, nĂŁo se angustia, sente-se Ă vontade ao sentir-VH LGrQWLFR DRV GHPDLV´ 257(*$ < *$66(7 1959, p. 28-59).
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dominam tal codificação. Por não fazerem parte de seu mundo cotidiano, esses bens culturais legítimos terminam se distanciando da lógica cultural de grande parte da população que, em sua formação cultural familiar/escolar, não teve contato com os meios necessários à decodificação erudita. Destarte, se afugentam. Na Filosofia da Nova Música, uma digressão à Dialética do Esclarecimento, Adorno reforça essa relação: Na realidade, na concepção que o público tem da música tradicional, permanece importante apenas o aspecto mais grosseiro, as idéias musicais fáceis de discernir, as passagens tragicamente belas, atmosferas e associações. Mas a estrutura musical que dá sentido a tudo isso permanece, para o ouvinte educado pelo rádio, não menos escondida numa sonata juvenil de Beethoven quanto num quarteto de Schoenberg... (ADORNO, 2007, p. 18).
Para o público que está fora da produção, a superfície da música legítima (séria) parece demasiadamente estranha e desconcertante. Portanto, é primoroso inferir que, não apenas na produção, mas relacionalmente no consumo, o campo da produção erudita se diferencia de forma objetiva do campo da indústria cultural. Nessa diferenciação Bourdieu é bastante claro: O sistema de produção e circulação de bens simbólicos define-se como o sistema de relações objetivas entre diferentes instâncias definidas pela função que cumprem na divisão do trabalho de produção, de reprodução e de difusão de bens simbólicos. O campo de produção propriamente dito deriva sua estrutura específica da oposição ± mais ou menos marcada conforme as esferas da vida intelectual e artística ± que se estabelece entre, de um lado, o campo de produção erudita enquanto sistema que produz bens culturais (e os instrumentos de apropriação destes bens) objetivamente destinados (ao menos a curto prazo) a um público de produtores de bens culturais que também produzem para produtores de bens culturais e, de outro, o campo da indústria cultural especificamente organizado com vistas à produção de bens culturais destinados a não-produtores de bens FXOWXUDLV µR JUDQGH S~EOLFR¶ TXH SRGHP VHU UHFUXWDGRV WDQWR QDV IUDo}HV QmRLQWHOHFWXDLV GDV FODVVHV GRPLQDQWHV µR S~EOLFR FXOWLYDGR¶ FRPR QDV GHPDLV FODVVHV sociais. Ao contrário do sistema da indústria cultural que obedece à lei da concorrência para a conquista do maior mercado possível, o campo da produção erudita tende a produzir ele mesmo suas normas de produção e os critérios de avaliação de seus produtos [...] (BOURDIEU, 1987, p. 105).
Assim, o campo da indústria cultural obedece fundamentalmente aos imperativos do mercado. Logo, seus produtos decorrem das condições de sua produção, tendo seu sistema submetido a uma demanda externa: todos a
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compreendem, pois sĂŁo bens produzidos segundo o nĂvel do pĂşblico. Nesse Ănterim, o elemento basal na distinção entre arte legĂtima e arte da indĂşstria cultural ĂŠ a proximidade com o mercado e sua relação com uma demanda preestabelecida. A oposição entre o elemento comercial e o nĂŁo comercial se encontra por toda SDUWH ÂłHOD p R SULQFtSLR JHUDGRU GD PDLRU SDUWH GRV MXOJDPHQWRV TXH HP PDWpULD GH teatro, cinema, pintura, literatura, pretendem estabelecer a fronteira entre o que ĂŠ arte H R TXH QmR R p > @´ %285',(8 S Certamente, a relação entre os produtores e a demanda ĂŠ estrutural nessa distinção: Um empreendimento encontra-se tanto mais prĂłximo do pĂłlo comercial (ou, inversamente, mais afastado do pĂłlo cultural), quanto mais direta ou completamente os produtos oferecidos por ele no mercado corresponderem a uma demanda preexistente, ou seja, a interesses preexistentes, e a formas preestabelecidas (BOURDIEU, 2004, p. 59).
Toda canção tĂpica de forrĂł ĂŠ, evidentemente, produzida conforme as regras abertas de um mercado que, em si, pretende que tal canção seja compreendida por todos. O forrĂł, como indĂşstria cultural, tem que chegar a todos os ouvidos sem nenhuma obstrução. Caracteriza-se, segundo as hierarquizaçþes presentes nos espaços sociais, como indĂşstria cultural, aprofundando cada vez mais a distância em relação aos bens culturais eruditos. Nesse sentido, o abismo entre o forrĂł e a arte erudita vem se ampliando cada vez mais com a massificação, padronização e racionalização do gĂŞnero. Em termos de distinção no espaço social, reforça Bourdieu (2008, p. 57), ÂłSDUD DTXHOHV TXH MXOJDP VHU GHWHQWRUHV GR JRVWR OHJtWLPR R PDLV LQWROHUiYHO p DFLPD de tudo, a reuniĂŁo sacrĂlega dos gostos que, por ordem do gosto, devem estar VHSDUDGRV´ FRPHUFLDLV [ QmR FRPHUFLDLV EHQV OHJtWLPRV [ EHQV FULDGRV pelas mĂŁos do mercado. O consumo cultural ĂŠ, entĂŁo, marca de distinção de classe, criador e FULDWXUD GHVVD GLIHUHQFLDomR QR HVSDoR VRFLDO (P VXPD ÂłDV GLIHUHQoDV GH FDSLWDO FXOWXUDO PDUFDP DV GLIHUHQoDV HQWUH DV FODVVHV´ %285',(8 S H conseqĂźentemente, de gosto e apropriação estĂŠtica. O capital cultural ĂŠ orquestrador dessa disposição.
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Para Bourdieu (2007, p. 74-78), o capital cultural existe em trĂŞs estados: incorporado, objetivado e institucionalizado. O estado incorporado nos mostra que a acumulação de capital cultural exige, por parte do indivĂduo, uma incorporação que pressupĂľe um trabalho de inculcação e de assimilação, um tempo que deve ser investido pessoalmente pelo sujeito, um trabalho de aquisição do sujeito sobre si mesmo. Sintetizando: um investimento paciente e ĂĄrduo no mundo das economias VLPEyOLFDV 2 HVWDGR REMHWLYDGR SRU VXD YH] H[SUHVVD ÂłR FDSLWDO FXOWXUDO REMHWLYDGR HP VXSRUWHV PDWHULDLV WDLV FRPR HVFULWRV SLQWXUDV PRQXPHQWRV HWF ´ 'LIHUHQWH GR estado incorporado que ĂŠ intransferĂvel, o estado objetivado ĂŠ transmissĂvel em sua materialidade, ou seja, a possessĂŁo dos instrumentos que permitem desfrutar de um quadro ou utilizar uma mĂĄquina. Por fim, o estado institucionalizado representa a FHUWLILFDomR ÂłHVFRODU´ GRV HVWados anteriores. Esse capital cultural ĂŠ obtido em dois ambientes especĂficos: atravĂŠs da KHUDQoD GR PHLR IDPLOLDU H GD LQVWLWXLomR HVFRODU 3DUD R DXWRU ÂłFDGD IDPtOLD transmite a seus filhos, mais por vias indiretas que diretas, um certo capital cultural e um certo ethos VLVWHPD GH YDORUHV LPSOtFLWRV H SURIXQGDPHQWH LQWHULRUL]DGRV´ (BOURDIEU, 2007, p. 41-42). Essa transmissĂŁo vai muito alĂŠm dos investimentos em certificação escolar. Transmite-se
via famĂlia, para alĂŠm do estado
institucionalizado do capital cultural, toda uma disposição estĂŠtica, todo um sistema de disposiçþes culturais que definem as atitudes do indivĂduo frente aos bens simbĂłlicos. As crianças oriundas dos meios mais favorecidos nĂŁo devem ao seu meio somente os hĂĄbitos e treinamento diretamente utilizĂĄveis nas tarefas escolares, e a vantagem mais importante nĂŁo ĂŠ aquela que retiram da ajuda direta que seus pais lhes possam GDU (ODV KHUGDP WDPEpP VDEHUHV H XP ÂľVDYRLU-IDLUHÂś JRVWRV H XP ÂľERP JRVWRÂś cuja rentabilidade escolar ĂŠ tanto maior quanto mais freqĂźentemente esses imponderĂĄveis da atitude sĂŁo atribuĂdos ao dom [...] O privilĂŠgio cultural torna-se patente quando se trata da familiaridade com obras de arte, a qual sĂł pode advir da freqßência regular ao teatro, ao museu ou a concertos (freqßência que nĂŁo ĂŠ organizada pela escola, ou ĂŠ somente de maneira esporĂĄdica). Em todos os domĂnios da cultura, teatro, mĂşsica, pintura, jazz, cinema, os conhecimentos dos estudantes sĂŁo tĂŁo mais ricos e extensos quanto mais elevada ĂŠ a sua origem social (BOURDIEU, 2007, p. 45).
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VĂŞ-se, por conseguinte, que as desigualdades sociais jĂĄ chegam ao sistema escolar herdadas do meio familiar, que torna, de antemĂŁo, cada criança desigual conforme o capital cultural herdado. A escola, conseqĂźentemente, tambĂŠm contribui nesse processo de instituição das disposiçþes estĂŠticas. A escola ĂŠ, relacionalmente, um espaço social no qual se interioriza o arbitrĂĄrio cultural93. Logo, ĂŠ responsĂĄvel pelas disposiçþes estĂŠticas em razĂŁo de sua legitimidade. Prontamente, um indivĂduo educado numa famĂlia que consome o forrĂł eletrĂ´nico cotidianamente, e que nĂŁo tem acesso ao arbitrĂĄrio cultural legĂtimo via Escola, somente pode ter o supracitado gĂŞnero musical como meio de sentido musical maior em seus meios de entretenimento. Âł$ PLQKD IDPtOLD WDPEpP WRGLQKD FXUWH R IRUUy -i p GH QDVFHQoD Mi´ 6$%5,1$ DQRV 6mR *RQoDOR GR $PDUDQWH Distintamente: A imersĂŁo em uma famĂlia em que a mĂşsica ĂŠ nĂŁo sĂł escutada (como ocorre nos dias de hoje com o aparelho de alta fidelidade ou o rĂĄdio), mas tambĂŠm praticada (trata-VH GD ÂľPmH PXVLFLVWDÂś PHQFLRQDGD QDV 0HPyULDV EXUJXHVDV H SRU PDLRU IRUoD GD UD]mR D SUiWLFD SUHFRFH GH XP LQVWUXPHQWR GH P~VLFD ÂľQREUHÂś - e, em particular, o piano - tĂŞm como efeito, no mĂnimo, produzir uma relação mais familiar com a mĂşsica que se distingue da relação sempre um tanto longĂnqua, contemplativa e, habitualmente, dissertativa de quem teve acesso Ă mĂşsica pelo concerto e, a fortiori, pelo disco (BOURDIEU, 2008, p. 73).
Deste modo, o contato com a mĂşsica erudita desde cedo, seja por meio da prĂĄtica musical, seja por meio da freqßência a concertos, cria esse habitus musical erudito. Por conseguinte, o capital cultural constitui-se no elemento basilar para a definição do tipo de consumo cultural que o indivĂduo terĂĄ como habitus (de classe). A famĂlia e a escola sĂŁo os espaços nos quais se formam esses juĂzos de atribuiçþes. SĂŁo os dois espaços que possibilitam ao indivĂduo o ingresso nas distintas formas de uso e decodificação da economia legĂtima dos bens simbĂłlicos.
Âł> @ D $3 >DomR SHGDJyJLFD@ LPSOLFD R WUDEDOKR SHGDJyJLFR 73 FRPR WUDEDOKR GH LQFXOFDomR TXH GHYH durar o bastante para produzir uma formação durĂĄvel; isto ĂŠ, um habitus como produto da interiorização dos princĂpios de um arbitrĂĄrio cultural capaz de perpetuar-se apĂłs a cessação da AP e por isso de perpetuar nas SUiWLFDV RV SULQFtSLRV GR DUELWUiULR LQWHULRUL]DGR´ %2URDIEU; PASSERON, 1992, p. 44). 93
244 A famĂlia e a escola funcionam, inseparavelmente, como espaços em que se constituem, pelo prĂłprio uso, as competĂŞncias julgadas necessĂĄrias em determinado momento, assim como espaços em que se forma o valor de tais competĂŞncias, ou seja, como mercados que, por suas sançþes positivas ou QHJDWLYDV FRQWURODP R GHVHPSHQKR IRUWDOHFHQGR R TXH p ÂľDFHLWiYHOÂś desincentivando o que nĂŁo ĂŠ, votando ao desfalecimento gradual as disposiçþes desprovidas de valor (BOURDIEU, 2008, p. 82).
IndivĂduos socializados sem herança cultural familiar portadora do habitus musical legĂtimo e educados em instituiçþes de ensino nĂŁo voltadas para o fomento de uma cultura artĂstica legĂtima terminam desprovidos do acesso aos cĂłdigos para os mercados de bens simbĂłlicos eruditos. Terminam consumindo, muito provavelmente, os bens culturais da chamada indĂşstria cultural. Semelhantemente a anĂĄlise realizada por Richard Hoggart, Bourdieu tambĂŠm reconhece que o elemento orquestrador do consumo dos bens da indĂşstria cultural ĂŠ o FDUiWHU SHVVRDO H GLUHWR GH WDLV FyGLJRV Âł6HMD QR WHDWUR RX QR FLQHPD R S~EOLFR popular diverte-se com as intrigas orientadas, do ponto de vista lĂłgico e cronolĂłgico, para um happy end ´ %285',(8 S 'Dt TXH R FRQVXPR GHVVHV EHQV nĂŁo pode ser pensado somente como imposição de algo, mas sim, como a sugestĂŁo de algo que faz sentido. Para Bourdieu (2008, p. 37), a mĂşsica popular, por exemplo, ĂŠ PDLV ÂłSRSXODU´ HP UD]mR GH VHU menos eufemĂstica e oferecer um prazer mais LPHGLDWR Âł VmR PDLV ÂľSRSXODUHVÂś TXH RXWURV HVSHWiFXORV >SRLV@ GHYH-se ao fato de que, por serem menos formalizados [...] e menos eufemĂsticos, eles oferecem VDWLVIDo}HV PDLV GLUHWDV H LPHGLDWDV´ /RJR a mĂşsica de massa faz mais sentido para as camadas populares, uma vez que possui uma codificação mais direta para qualquer pessoa apreender, diferentemente dos bens da economia cultural legĂtima. Nesse sentido, o consumo do forrĂł eletrĂ´nico obedece, fundamentalmente, ao nĂvel de capital cultural do ouvinte. A figura abaixo mostra graficamente uma representação simples desse consumo, fundada numa relação entre escolarização e origem cultural familiar.
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&DSLWDO &XOWXUDO +HUGDGR )DPÂŻOLD
&RPSHWÂŹQFLD &XOWXUDO /HJÂŻWLPD
&DSLWDO &XOWXUDO ,QVWLWXFLRQDOL]DGR (VFROD Figura 04 Âą CompetĂŞncia Cultural LegĂtima Fonte: Resumidamente adaptado de Bourdieu (2008).
De tal modo, o consumo do forrĂł eletrĂ´nico ĂŠ produto e produtor direto do capital cultural do ouvinte. Tal capital cultural, isto ĂŠ, o estoque de conhecimento incorporado no sujeito, ĂŠ definidor desse consumo. Definidor e definido pelo habitus (de classe), o indivĂduo escuta aquilo que, em geral, faz parte de seu cotidiano e que, primeiramente, o habilita a decifrar os cĂłdigos que o rodeiam. Assim, seria muitĂssimo improvĂĄvel verificar um conjunto de operĂĄrios ouvindo Alban Berg em meio Ă edificação de um shopping center. Faltaria o capital cultural necessĂĄrio Ă decifração do cĂłdigo especĂfico a este tipo de bem cultural. DaĂ que Âłum operĂĄrio consegue discernir entre alguns nomes de pintores famosos, como Picasso, mas sem compreendĂŞ-ORV UHDOPHQWH QD QDWXUH]D GH VXDV REUDV´ 257,= S. 187). Para o entendimento Âą decodificação Âą da chamada arte legĂtima, requer-se o domĂnio do cĂłdigo de leitura de sua estrutura. Sem tal cĂłdigo o encontro ĂŠ estruturalmente dificultado. VĂŞ-se, contudo, que o consumo cultural estĂĄ relacionado, por um lado, com o investimento educacional, mas, por outro, tambĂŠm com o capital econĂ´mico, jĂĄ que o investimento cultural requer, grosso modo, certo investimento material em educação (embora nĂŁo haja nenhuma relação de determinação).
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Cabe destacar ainda, como consideração provocativa, que a nĂŁo capacidade de decodificação implica muito fortemente na manutenção de toda uma situação vigente, pois a nĂŁo compreensĂŁo conduz a todo um sistema de rejeição de tudo que nĂŁo faz parte da lĂłgica mecânica da indĂşstria cultural. [...] la actual incapacidad de las masas para entender lo complicado, herencia de su exclusiĂłn forzosa de la cultura, vese hoy aumentada por la industria cultural, que OH GD VX FXxR SURSLR \ SRU VX SURSLD PHFDQL]DFLyQ GHQWUR GHO SURFHVR ODERUDO >ÂŤ@ El hoy omnipresente odio contra lo complicado es un sĂntoma de regresiĂłn controlada y dirigida. Cuanto menos capaces y menos inclinadas se sientan las masas a tomar sobre sĂ los esfuerzos que implica la comprensiĂłn, tanto mĂĄs implacablemente se ven degradadas a la condiciĂłn de meros aparatos registradores del pasto con que las ceban las oficinas competentes (ADORNO, 1966a, p. 84).
Portanto, o que a passagem acima Âą extraĂda de Dissonâncias (1966a) Âą revela ĂŠ um Adorno atento nĂŁo somente em mostrar a relação entre codificação e decodificação, mas sim, essencialmente, as conseqßências mais gerais dessa situação dominante e crescente. Adentrando na empiria, nas entrevistas realizadas nas escolas pĂşblicas localizadas nos municĂpios de Touros e SĂŁo Gonçalo, em unanimidade, nenhum informante declarou consumir algum gĂŞnero musical que fugisse do padrĂŁo estandardizado dos meios populares. Todas as preferĂŞncias musicais oscilaram entre forrĂł, axĂŠ music Bahia, samba, rock, pop internacional, sertanejo universitĂĄrio e ouWURV JrQHURV SRSXODUHV WDLV FRPR D FKDPDGD ÂłVZLQJXHLUD´ (mistura dançante de AxĂŠ Music com samba) e o reggae. Confirma-se, por conseguinte, a assertiva de que o consumo cultural estĂĄ intimamente ligado ao capital cultural do ouvinte. Mas e o consumo do forrĂł eletrĂ´nico dentre as chamadas elites econĂ´micas? E dentre Ă queles que tĂŞm investimento em educação e possibilidade de acesso aos bens culturais legĂtimos? Como explicar tal desvio do padrĂŁo estabelecido relacionalmente pela equação capital cultural + obra erudita = deciframento do cĂłdigo + habitus musical erudito. O conceito de capital social ĂŠ, para essa inquietude, basilar para o entendimento do consumo do forrĂł. A forma como o indivĂduo se relaciona socialmente e consegue mobilizar relacionamentos tambĂŠm ĂŠ orquestradora de
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habitus 2 YHOKR DGiJLR Âłdiga-me com quem andas que direi quem tu ĂŠs´ SRVVXL, mesmo que precariamente, alguma validade nesse sentido, uma vez que a cultura musical possui forte vĂnculo com determinados padrĂľes de sociabilidade (imersĂŁo em redes), padrĂľes estes que ultrapassam barreiras de classe e capital cultural. Como jĂĄ OHPEURX 0DUN *UDQRYHWWHU S ÂłI have argued that most behavior is closely embedded in networks of interpersonal relations and that such an argument avoids the extremes of under- and oversocialized views of human action´ ou seja, a maior parte do comportamento estĂĄ profundamente imersa em redes de relaçþes interpessoais e essa abordagem evita os extremos das visĂľes sub e supersocializada da ação humana)94. Adorno e Horkheimer jĂĄ haviam percebido tal realidade antes mesmo da chamada AnĂĄlise de Redes Sociais (Social Network Analysis 3DUD HOHV ÂłD UHGH GH relaçþes sociais entre os indivĂduos tende a ser cada vez mais densa; ĂŠ cada vez mais reduzido o âmbito HP TXH R KRPHP SRGH VXEVLVWLU VHP HODV´ ADORNO; HORKHEIMER, 1978, p. 40). Toda essa tendĂŞncia de vinculação dos indivĂduos a redes de relacionamentos reforça o papel do capital social como recurso aglutinador na configuração de espaços distintos de cultura de entretenimento. Segundo Bourdieu (2007, p. 67): O capital social ĂŠ o conjunto de recursos atuais ou potenciais que estĂŁo ligados Ă posse de uma rede durĂĄvel de relaçþes mais ou menos institucionalizadas de interconhecimento e de inter-reconhecimento ou, em outros termos, Ă vinculação a um grupo, como conjunto de agentes que nĂŁo somente sĂŁo dotados de propriedades comuns (passĂveis de serem percebidas pelo observador, pelos outros ou por eles mesmos), mas tambĂŠm sĂŁo unidos por ligaçþes permanentes e Ăşteis.
Deste modo, as chamadas elites econĂ´micas que consomem a mĂşsica ligeira o fazem, sobretudo, por duas razĂľes: pela eventual falta do cĂłdigo de deciframento da mĂşsica erudita (nem toda elite econĂ´mica ĂŠ elite intelectual) e/ou por meio de
94 Os atores, evidentemente, nĂŁo se comportam nem tomam decisĂľes como ĂĄtomos fora de um contexto social, e nem adotam de forma servil um roteiro escrito para eles pela intersecção especĂfica de categorias sociais que eles porYHQWXUD RFXSHP ÂłA fruitful analysis of human action requires us to avoid the atomization implicit in the theoretical extremes of under- and oversocialized conceptions. Actors do not behave or decide as atoms outside a social context, nor do they adhere slavishly to a script written for them by the particular intersection of social categories that they happen to occupy´ *5$129(77(5 S
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relaçþes de sociabilidade nos meios em que a mĂşsica popular ĂŠ mais veiculada (fortemente reforçada pela chamada economia da experiĂŞncia). Elucidando mais o caso, os estudantes entrevistados na escola secundĂĄria privada de Natal Âą freqĂźentada pela elite econĂ´mica e alta classe mĂŠdia da cidade Âą foram praticamente unânimes em afirmar que o forrĂł eletrĂ´nico tem sido um gĂŞnero muito ouvido pelos discentes, especialmente em razĂŁo da freqßência a shows, inserção em redes de relacionamentos e popularidade das bandas. Em outras palavras: consumo por meio de relaçþes. AliĂĄs, para Bourdieu (1996), mais do que racionalismos estreitos e ou estruturalismos que reduzem os agentes a simples epifenĂ´menos das estruturas, ĂŠ preciso ver a realidade em termos de relaçþes, ou seja, realidades que nĂŁo sĂŁo dadas (classes, papeis, gostos, etc.), mas sim, relacionais: as coisas sĂŁo na medida em que estĂŁo! Logo, num estado em que o forrĂł eletrĂ´nico ĂŠ bastante ouvido, nada mais lĂłgico do que ouvi-lo. De acordo com Adorno (1996, p. ÂłnĂŁo ser membro de coisa alguma ĂŠ despertar suspeitas´ Portanto, todos querem entrar na onda da moda e freqĂźentar os espaços hegemĂ´nicos do entretenimento de massa, independente de classe social. DaĂ que a ÂłRSRVLomR ÂľFXOWXUD HUXGLWDÂś [ ÂľFXOWXUD SRSXODUÂś p VXEVWLWXtGa por RXWUD ÂľRV TXH VDHP PXLWRÂś [ ÂľRV TXH SHUPDQHFHP HP FDVDÂś 'H XP ODGR RV VHGHQWiULRV > @ 'H RXWUR RV TXH ÂľDSURYHLWDP D YLGDϫ 257,= S 7DO constatação de Renato Ortiz ĂŠ cada vez mais eficiente num cenĂĄrio em que ser membro de alguma moda ĂŠ cada vez mais sinal de distinção. Os depoimentos abaixo demonstram essa realidade: Âł(X DFKR TXH SRU FDXVD GR PHLR VRFLDO TXH D JHQWH VH HQFRQWUD DFDED TXH VHQGR um costume vocĂŞ escutar forrĂł. Porque toca bastante em todas as rĂĄdios praticamente. Em qualquer festa que vocĂŞ vai, pode começar de um jeito, mas sempre acaba com banda de forrĂł, e nessa ĂĄrea por aqui o pessoal tĂĄ sempre acostumado a escutar forrĂł. E acaba que mesmo vocĂŞ nĂŁo gostando vocĂŞ acaba JRVWDQGR GH WDQWR HVFXWDU´ 0$; DQRV 1DWDO). Âł6H WRGR PXQGR GL] TXH p ERP YRFr FRP FHUWH]D YDL DFKDU ERP FRP FHUWH]D QmR tem uma grande chance... por causa da propaganda... ah! VocĂŞ mora em natal e QmR GDQoD IRUUy" 4XH LVVR YDL ´ $1'(5621 DQRV 1DWDO ³V YH]HV PHVPR D SHVVRD Vem gostar de forrĂł, por estar no meio de muita gente GR IRUUy DFDED HVFXWDQGR´ (0Ă&#x2039;/,2 DQRV 1DWDO
249 ³$V IHVWDV VmR Vy LVVR VH YRFr QmR VRXEHU D P~VLFD YRFr ILFD XP SRXFR H[FOXtGR´ (VANESSA, 16 anos, Natal). ³7HP JHQWH TXH QmR FXUWH R IRUUy PDV Vy porque os amigos gostam, eles acham que isso vai... se sentir na moda... aà tem os que escutam só pra dizer que estão no mesmo grupo... tem gente que nem gosta do forró, mas o grupo gosta, eles acabam gostando... Ê legal, o toque, essas coisas, animam muito as festas e eu acho que representa muito o Nordeste; a gente sempre tå acostumado a ter forró em todas as festas... HX DFKR TXH p EHP OHJDO´ .$5,1$ DQRV 1DWDO ³e D QHFHVVLGDGH GD VRFLDOL]DomR SRUTXH HX SUHFLVR HVWDU HQYROYLGR QR PHLR chega numa festa e você não sabe que músicas são aquelas... você se sente meio SRU IRUD GR TXH WRGR PXQGR Wi HVFXWDQGR´ 52*e5,2 DQRV 1DWDO
0HVPR GHQWUH RV LQIRUPDQWHV QmR VHQGR VLJQLILFDWLYDPHQWH SUHVHQWH RV ÂłImV´ cativos de forrĂł, quase todos reconhecem que, dentro do distinguido espaço escolar investigado, boa parte dos estudantes consome o forrĂł eletrĂ´nico como mĂşsica de entretenimento. Ă&#x2030; importante lembrar, a guisa de colocação auxiliar, que existe sim razĂŁo para acreditar que os indivĂduos, em meio as suas necessidades de relacionamento, assumirem opiniĂľes, atitudes e valores mais ou menos prontos que caracterizam os grupos a que pertencem. Isso Adorno nĂŁo nos deixa esquecer: There is reason to believe that individuals, out of their needs to conform and to belong and to believe and through such devices as imitation and conditioning, often take over more or less ready-made the opinions, attitudes, and values that are characteristic of the groups in which they have membership (ADORNO et al, 1950, p. 09).
Deste modo, os juĂzos estĂŠticos tambĂŠm se modificam com esse tipo de sociabilidade de festa. Embora tal afirmativa seja atĂŠ certo ponto muito problemĂĄtica Âą pois a correlação entre os membros de um grupo e a ideologia pode ter diferentes tipos de determinação em cada indivĂduo Âą, ĂŠ plausĂvel considerar que determinados indivĂduos podem passar de simpatizantes a fĂŁs de forrĂł com a exposição sistemĂĄtica do ritmo. A força do grupo ĂŠ um aspecto a ser considerado, mesmo nĂŁo sendo determinante. Saindo da primazia do econĂ´mico, o mesmo ocorre com a elevação na escolaridade. O forrĂł eletrĂ´nico foi expressivamente valorado dentre os informantes universitĂĄrios, o que reforça a dependĂŞncia dos capitais econĂ´mico, cultural e social para a definição do habitus. Embora a recepção do forrĂł nĂŁo tenha sido unânime
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como quase foi nas escolas públicas de Touros e São Gonçalo do Amarante, dentre os informantes da IES o ritmo foi significativamente aludido como consumo musical de entretenimento. Em suma, pode-se afirmar que o forró eletrônico, seja pela questão de capital cultural, seja pela questão das redes de sociabilidade, termina sendo uma måxima do divertimento de massa no estado do Rio Grande do Norte. Novamente destacando, independentemente de classe social. Os entrevistados concordam com isso: ³3RUTXH p PDLV D P~VLFD SRSXODU TXH FKHJD QDV SHVVRDV QD FODVVH PDLV EDL[D Dà vai chegando naquelas pessoas de classe mÊdia alta e vai ficando...Todas as FODVVHV HVFXWDP JRVWDP H FDQWDP´ $1'5(66$ DQRV 1DWDO ³(P 1DWDO todas as classes sociais ouvem forró. Apesar de que eu acho que muitas pessoas, por exemplo, nem sempre permaneceram naquela mesma classe... os ¾QRYRV ULFRVœ (X DFKR TXH QRV ¾QRYRV ULFRVœ p PDLV SUHGRPLQDQWH LVVR ´ (GABRIELA, 17 anos, Natal).
Em meio aos padrĂľes e desvios vigentes na recepção do forrĂł eletrĂ´nico, no epicentro dessa leitura bourdieusiana, interessa observar alguns pontos que sĂŁo centrais nesse dispĂŞndio cultural-musical: a) O capital cultural ĂŠ o elemento definidor por excelĂŞncia das prĂĄticas musicais. Sem ele o acesso aos bens culturais legitimados pela cultura fica muito limitado; b) O capital social, por sua vez, possui importante peso na definição das prĂĄticas musicais, sobretudo, em razĂŁo da popularidade do forrĂł eletrĂ´nico no RN e pela conseqĂźente necessidade criada de inserção nas redes de relacionamento e entretenimento; c) Descendo a empiria, pela carĂŞncia de investimento em capital cultural, a hegemonia do forrĂł eletrĂ´nico dentre os estudantes das escolas pĂşblicas dos municĂpios de Touros e SĂŁo Gonçalo foi um fato sumariamente observĂĄvel Âą exceto, dentre aqueles que apresentaram alguma firme filiação religiosa. Abstraindo essa situação, muitos indivĂduos tanto tĂŞm predominantemente o entretenimento forrozeiro como diversĂŁo em suas redes de relacionamentos,
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como tambĂŠm carecem do capital cultural para o consumo de outros bens culturais; d) Dentre os estudantes da escola privada, localizada em Natal, observa-se o peso do capital social como definidor mestre do habitus musical de muitos indivĂduos, ou seja, como elemento auxiliar no objetivo de inserção nas redes de relacionamento e entretenimento. Nessa escola, embora o pĂşblico tenha muitĂssimo menor propensĂŁo a consumir intimamente o forrĂł, ainda assim o gĂŞnero musical funciona como um meio de sociabilidade. e) Referente aos informantes do ensino superior, importa destacar que a maior heterogeneidade dos informantes impĂľe um mais dilatado esforço teĂłricorelacional: estudantes oriundos de formaçþes familiares e trilhas escolares diversas somente poderiam ter mostrado um perfil de gosto musical tambĂŠm diverso. Dentre os que nĂŁo sĂŁo nem pobres, nem ricos; nem fĂŁs de SchĂśenberg, nem fĂŁs cativos de Garota Safada, verificaram-se tanto os arquĂŠtipos presentes nas escolas em Touros e SĂŁo Gonçalo, como na escola privada em Natal. Assim, o forrĂł eletrĂ´nico tambĂŠm foi substancialmente consumido, apresentando todas as contradiçþes vigentes em qualquer leitura negociada. Nesse cenĂĄrio p VHPSUH ERP OHPEUDU TXH ÂłWRGD HVFROKD WHQGH D UHSURGX]LU DV relaçþes de doPLQDomR´ 257,= S H TXH SDUD PDLV RX SDUD PHQRV R consumo do forrĂł eletrĂ´nico foi significativamente consumido dentre os informantes, virtualmente reforçando nas representaçþes sociais, por exemplo, noçþes de prazer, de entretenimento, de consumo, de sentimento, de gĂŞnero, de estilo de vida, etc. Tais representaçþes, em menor ou em maior dimensĂŁo Âą nĂŁo cabe aqui especular Âą, conseguem se transformar, mesmo que pontualmente, em leitura hegemĂ´nica. O aumento no nĂşmero de bandas e de cançþes, novamente em analogia ao material DVWUROyJLFR ÂłGLILFLOPHQWH IXQFLRQDULD VH QmR KRXYHVVH DOJXPD VXVFHSWLELOLGDGH D HOH HQWUH DV SHVVRDV´ $'2512 E S Deste modo, longe de simplesmente ser veĂculo de diversĂŁo, o forrĂł eletrĂ´nico ĂŠ sim um forte veĂculo de divulgação de um mundo fetichizado.
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/HPEUDQGR -RKQ % 7KRPSVRQ S ÂłQmR SRGHPRV QRV FHJDU SHOR espetĂĄculo da diversidade a tal ponto que sejamos incapazes de ver as desigualdades HVWUXWXUDGDV GD YLGD VRFLDO´ Por conseguinte, longe de qualquer anĂĄlise causal e/ou substancial, o forrĂł eletrĂ´nico possui um vigoroso compromisso com o status quo (Bestehendes, em alemĂŁo). Mesmo nĂŁo sendo produtor onipotente, ĂŠ, contudo, um de seus produtos. Respondendo ao problema nuclear thompsoniano deste estudo, o forrĂł eletrĂ´nico e sua visĂŁo de mundo, se nĂŁo necessariamente cria e estabelece relaçþes de dominação, pelo menos sustenta muitas relaçþes jĂĄ existentes. Por exemplo, um indivĂduo assalariado que investe quase todo seu orçamento familiar num paredĂŁo de som; que bebe (cerveja, uĂsque, aguardente, etc.) exaustivamente quando ouve determinado hit de sucesso; que propaga os clichĂŞs das bandas em sua argumentação cotidiana; que evita fortemente o contato com outros estilos musicais; e que obedece aos padrĂľes de consumo massificados, racionalizados e padronizados da indĂşstria cultural, tem alguma susceptibilidade de aceitar como naturais, eternas e universais as mensagens do forrĂł eletrĂ´nico. Fazendo nova analogia com a astrologia: essas mĂşsicas e suas reprHVHQWDo}HV ÂłQmR DSHQDV GHVHPSHQKDP XP SDSHO QD YLGD SVLFROyJLFD GR indivĂduo, mas tambĂŠm cumprem a função de uma ideologia conservadora, geralmente justificando o status quo´ $'2512 E S Âł&RP FHUWH]D R IRUUy lança moda. VocĂŞ tĂĄ numa festa e tHP DTXHOD P~VLFD Âľ5oda R FRSR QD FDEHoDÂś $SHVDU GH QmR WĂĄ tocando a mĂşsica, eu vejo muita mulher rodando o copo na cabeça, dançando com um copo. Isso aĂ SUD PLP p XPD PRGD´ (ASSIS, 25 anos, MossorĂł). Âł7RGR PXQGR Wi ERWDQGR SDUHGmR GH VRP SRU TXH R FDQWRU de forrĂł tĂĄ dizendo que tem que ter... Carro PancadĂŁo... Na rua da minha noiva mesmo tem um carro que depois que passou a tocar essa mĂşsica botou um adesivo no carro, bem grande, FDUUR SDQFDGmR´ 9$/'(0$5 DQRV 0RVVRUy
Perante a indĂşstria cultural e seus meios de divertimento pouca coisa (ou quase nada) pode ser considerada inofensiva. O aforismo nÂş. 5 de Minima Moralia muito habilmente traz essa reflexĂŁo a partir da vida lesada:
253 Nada mais ĂŠ inofensivo. As pequenas alegrias, as expressĂľes da vida que parecem isentas de responsabilidade do pensamento nĂŁo sĂł contĂŞm um elemento de obstinada tolice, de impassĂvel endurecimento, como se pĂľem imediatamente a serviço do seu extremo oposto (ADORNO, 2008c, p. 21).
DaĂ que o cerco da indĂşstria cultural ĂŠ vigoroso. NĂŁo se trata de um conceitofetiche95, mas sim, de um conceito eminentemente ligado ao seu tempo social, que, em termos de expansĂŁo do capitalismo, nĂŁo se encerrou. Para Gabriel Cohn (1998), a atualidade do conceito de indĂşstria cultural reside essencialmente em dois aspectos capitais: a ideia de que seus produtos sĂŁo oferecidos em sistema (o assĂŠdio sistemĂĄtico de tudo para todos) e a noção de que a sua produção obedece prioritariamente a critĂŠrios administrativos de controle sobre os efeitos no receptor (capacidade de prescrição de desejos): Remete Ă ideia de uma articulação crescente entre todos os ramos de um empreendimento produtor e difusor de mercadorias simbĂłlicas sob o rĂłtulo de cultura, de tal modo que o consumidor se encontre cercado de maneira cada vez mais cerrada por uma rede ideolĂłgica com crescente consistĂŞncia interna [...] O componente crĂtico bĂĄsico consiste aqui na ideia de que nos produtos da indĂşstria cultural os mĂşltiplos nĂveis nĂŁo sĂŁo constituĂdos por significados intrĂnsecos aos requisitos formais da construção da obra, mas por nĂveis de efeitos, ou seja, de relaçþes calculĂĄveis entre determinados estĂmulos emitidos e as percepçþes ou FRQGXWDV GRV UHFHSWRUHV 1mR VH WUDWD DTXL GH PHUD ÂľPDQLSXODomRÂś 7UDWD-se de uma modalidade especĂfica de entidades simbĂłlicas multidimensionais, produzidas e difundidas segundo critĂŠrios prioritariamente (mas nĂŁo exclusivamente, embora no limite o sejam) administrativos, relativos ao controle sobre os efeitos no receptor e nĂŁo segundo critĂŠrios prioritariamente estĂŠticos, relativos Ă s exigĂŞncias formais intrĂnsecas Ă obra (COHN, 1998, p. 20-21).
O cerco sobre o indivĂduo tem sido crescentemente elevado. Contudo, Âłcom falsa unção a indĂşstria cultural proclama orientar-se pelos consumidores e lhes RIHUHFHU DTXLOR TXH GHVHMDP SDUD VL´ (ADORNO, 2008c, p. 196). Assim, enquanto ela desaprova toda possibilidade de autonomia do indivĂduo, consegue por tabela aprovar muita heteronomia. Do mesmo modo, a capacidade de prescrição sobre o consumidor se constitui HP VHX JUDQGH WUXQIR Âł1mR p EHP TXH D LQG~VWULD FXOWXUDO VH DGDSWH jV UHDo}HV GRV FOLHQWHV PDV VLP TXH HODV DV ILQJH´ (ADORNO, 2008c, p. 197). DaĂ que a resistĂŞncia se torna obstruĂda mediante tamanhas artimanhas administradas no âmbito da cultura. 95 8PD YH] TXH ÂłR GHVHQFDQWDPHQWR GR FRQFHLWR p R DQWtGRWR GD ILORVRILD (OH LPSHGH R VHX supercrescimento: ele LPSHGH TXH HOD VH DXWRDEVROXWL]H´ $'2512 S
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Assim sendo, muitas desigualdades hegemĂ´nicas da vida social podem nĂŁo ser estruturadamente criadas pelo/no forrĂł, mas, aqui e ali, reforçam-se nesse tipomodelo de ouvinte: D LQG~VWULD FXOWXUDO Âłlos convierte en lo que ya son, sĂłlo que con mayor intensidad de lo que efectivamente son´ $'2512 S NĂŁo se trata, todavia, de insistir em modelos teĂłricos pautados essencialmente contra a indĂşstria cultural. Deve-VH WHU FXLGDGR SRLV ÂłR HPSHQKR GHVPLVWLILFDGRU p valioso mas nĂŁo garante a eficĂĄcia da desmistificação [e] a ideologia pode estar no H[FHVVR FRPR QD LQVXILFLrQFLD´ .21'(5 S -259). A anĂĄlise do uso da televisĂŁo em Adorno ĂŠ um exemplo bĂĄsico de que o autor nĂŁo possui em demasia essa perspectiva pessimista. Somente uma leitura apressada de sua obra traria a baila essa interpretação, jĂĄ que nela existe a possibilidade do uso crĂtico (embora muitĂssimo residual) tambĂŠm da indĂşstria cultural. Por um lado ĂŠ possĂvel referir-se Ă televisĂŁo enquanto ela se coloca diretamente a serviço da formação cultural, ou seja, enquanto por seu intermediĂĄrio se objetivam fins pedagĂłgicos: na televisĂŁo educativa, nas escolas de formação televisivas e em atividades formativas semelhantes. Por outro lado, porĂŠm, existe uma espĂŠcie de função formativa ou deformativa operada pela televisĂŁo [...] Suspeito muito do uso que se faz em grande escala da televisĂŁo, na medida em que creio que em grande parte das formas em que se apresenta, ela seguramente contribui para divulgar ideologias e dirigir de maneira equivocada a consciĂŞncia dos espectadores (ADORNO, 2006a, p. 76-77).
Percebe-se na passagem acima nĂŁo uma anĂĄlise engessada e isolada da televisĂŁo, mas sim, do uso que se faz dela. Adornianamente ĂŠ preciso ensinar as pessoas a verem televisĂŁo. Adorno abre brecha, pois, para se pensar os usos contrahegemĂ´nicos da TV. SĂŁo usos pontuais, mas sĂŁo potenciais. Ă&#x2030; mister salientar que, por um lado, conforme realça Konder (2002), nĂŁo hĂĄ imunidade contra as açþes sutis da ideologia. Ela se manifesta tanto na abstração quanto na empiria; tanto na pretensĂŁo Ă universalidade quanto na resignação Ă SDUWLFXODULGDGH 3RU RXWUR ODGR ÂłDR PHVPR WHPSR HP TXH VH LOXGHP RV LQGLYtGXRV LQTXLHWRV SRGHP TXHVWLRQDU VXDV SUySULDV LOXV}HV´ .21'(5 S Logo,
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nĂŁo se trata de esWDU D IDYRU QHP FRQWUD $ SUHVHQWH WHVH QmR HVWi QXPD ÂłJXHUUD cultural96´ Algumas anĂĄlises sĂŁo essencialmente contra o esboçado na presente concatenação teoria-empiria, alegando sempre elitismo valorativo, excesso de especulação, busca por pureza conceitual e visĂŁo de homogeneização onde se verifica diferenciação. No mais, na anĂĄlise sociolĂłgica dos meios de comunicação de massa e do consumo popular, de fato, esses elementos sĂŁo questionĂĄveis se levados ao extremo. Todavia, ĂŠ possĂvel efetuar uma anĂĄlise pujante abrindo mĂŁo desses quatro equĂvocos analĂticos. E Adorno, na medida do possĂvel, a fez! Primeiramente, se elitismo for analisar criticamente os processos capitalistas e nĂŁo se deixar encantar por uma suposta diversidade tambĂŠm capitalistamente criada97, o presente estudo ĂŠ sim elitista. AliĂĄs, em Adorno hĂĄ uma crĂtica da cultura como espĂrito reservado. 6HJXQGR DILUPD Âłciega es la creencia en una Geiteskultur [cultura do espĂrito], que, en virtud de su ideal de pureza autosuficiente, renuncia a la efectivizaciĂłn de su contenido y deja librada la realidad al poder y su ceguera´ $'2512 S 102); em segundo lugar, o conjunto total dos depoimentos, embora seja reduzidĂssimo, pode seguramente ser alargado em amostragens maiores: as respostas jĂĄ estavam se repetindo a ponto de nĂŁo surgir nada de novo sob o sol; terceiro, somente uma leitura apressada de Adorno diria que ele vĂŞ as massas atravĂŠs da DOXGLGD SXUH]D FRQFHLWXDO ÂłSHUGLGD´ (P $GRUQR R FDSLWDOLVPR Mi VH HQFDUUHJRX GH transformar tanto Mozart quanto AviĂľes do ForrĂł em mercadorias; por fim, a indĂşstria cultural no atual estĂĄgio de acumulação capitalista nĂŁo ĂŠ uma produção de base fordista, mas sim, flexĂvel (toyotista). Logo, a diferenciação ĂŠ sua marca: diferenciação sempre indiferenciada, mas existente. Assim, evitando as relaçþes causais e substancialistas, ĂŠ necessĂĄrio perpetrar uma tentativa de reequacionamento da relação entre estrutura e ação, mostrando, para alĂŠm das ideologias e para alĂŠm das resistĂŞncias, uma tensĂŁo entre elas. Nesse Âł$ H[SUHVVmR ÂľJXHUUDV FXOWXUDLVÂś VXJHUH EDWDOKDV FDPSDLV HQWUH SRSXOLVWDV H HOLWLVWDV HQWUH JXDUGL}HV GR cânone e partidĂĄrios da diffĂŠrence ´ ($*/(721 S 97 Âł> @ FRQVLGHUR HVVH Wmo falado pluralismo como em grande medida ideolĂłgico. Ou seja, porque creio que a coexistĂŞncia das forças ĂŠ efetivamente capturada e determinada em sua aparĂŞncia pelo sistema social em que YLYHPRV H WXGR GRPLQD´ $'2512 D S
96
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sentido, o consumo do forrĂł eletrĂ´nico se dĂĄ, em Bourdieu, nas vicissitudes das estruturas: estruturadas e estruturantes. PorĂŠm, a presente conclusĂŁo evita um equilĂbrio entre esses dois lados do campo de forças, uma vez o lado estruturado vem demonstrando uma grande potĂŞncia em criar e sustentar disposiçþes estĂŠticas. Ou seja, nas palavras de Adorno, hĂĄ uma desproporção real entre o poder e a impotĂŞncia social. La desproporciĂłn, que se vuelve desmesurada, entre poder e impotencia sociales se prolonga en el debilitamiento de la composiciĂłn interna del yo, hasta el punto de que este no se mantiene sin identificarse con lo que, precisamente, lo condena a la impotencia (ADORNO, 1973, p. 22).
A indĂşstria cultural ĂŠ atual, vigorosa e sua força vem desequilibrando insistentemente esse campo. Os indivĂduos nĂŁo sĂŁo padecentes culturais, mas vivem em estruturas que tambĂŠm nĂŁo sĂŁo. O resultado tem sido mais forrĂł, cachaça e diversĂŁo. Se esse tipo de sociabilidade nĂŁo for semi-formação (Halbbildung), no sentido adorniano, nĂŁo hĂĄ o que dizer mais acerca das ideologias como instrumentos de reprodução do status quo, ou seja, FRPR HVTXLYD GRV Âłcontactos que pudieran sacar a luz algo de su carĂĄcter sospechoso´ E S Como desfecho, nem tudo ĂŠ alienação, bem como nem tudo pode ser resumido a uma sociologia da compreensĂŁo de contextos estruturados, na qual a dominação ĂŠ tomada simplesmente como modo de vida (cultura vivida). A busca de uma sĂntese epistemolĂłgica para essa dualidade Âą todavia, que nĂŁo se abstenha de expor o tema da consciĂŞncia reificada Âą foi o intento crĂtico desta tese, bem como, igualmente, expor que as representaçþes sociais procedentes do forrĂł eletrĂ´nico contribuem para a manutenção de certos contextos estruturados de dominação. Abstraindo todos os limites da ideologia (ou de sua representação como conceito), seria infrutĂfero negar sua função nas sociedades de consumo atuais. Diferentemente do oportunista argumento que alega que essa mĂşsica de entretenimento nĂŁo possui nenhuma função para alĂŠm da diversĂŁo Âą enfocando seu carĂĄter inĂłcuo Âą ĂŠ mister salientar que Âłna função daquilo que ĂŠ desprovido de IXQomR DOJR YHUGDGHLUR H DOJR LGHROyJLFR DFDEDP SRU VH HQWUHODoDU´ $'2512
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2011, p. 117). Assim, no âmago do lado inofensivo habita tambĂŠm o outro lado da moeda. Evidentemente, ÂłVHULD XP HUUR FUDVVR VXEHVWLPDU R SRGHU LGHROyJLFR GD P~VLFD´, pois, ÂłTXDQWR PHQRV DV LGHRORJLDV FRQVLVWHP HP UHSUHVHQWDo}HV FRQFUHWDV sobre a sociedade, e quanto mais seu conteĂşdo especĂfico se volatiliza, menos sĂŁo impedidas dH VH LQILOWUDU QDV IRUPDV VXEMHWLYDV GH UHDomR > @´ $'2512 S 134). Mesmo sabendo que nĂŁo hĂĄ uma relação de causa e efeito entre a indĂşstria cultural e a produção de consciĂŞncias reificadas (ZUIN, 2006), nĂŁo se deixou de tentar incitar tal problematização, jĂĄ que, novamente segundo Zuin (2006), a fruição de prazeres que os produtos da indĂşstria cultural oferecem nĂŁo podem ser, exclusivamente, considerados da personalidade de um indivĂduo. Em nossa sociedade atual, a indĂşstria cultural assume sim grande parte do processo formativo dos indivĂduos, determinando valores diversos. Logo, a crĂtica da ideologia nĂŁo deve ser dada como supĂŠrflua.
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PARA (NĂ&#x192;O) FORROZEIRO
CONCLUIR:
AS
VICISSITUDES
DO
CONSUMO
Âł2 IDWR GH QmR SRGHUPRV GHPRQVWUDU com precisĂŁo como essas coisas funcionam naturalmente nĂŁo significa uma contraprova desse efeito, mas apenas que ele funciona de modo imperceptĂvel, muito mais sutil e refinado, sendo por isto SURYDYHOPHQWH PXLWR PDLV GDQRVR´ Theodor W. Adorno (2006a, p. 88) Educação e Emancipação
PARA (NĂ&#x192;O) CONCLUIR...
A presente tese se lançou num desafio metodolĂłgico bastante arriscado: estudar um fenĂ´meno cultural inside atravĂŠs de uma perspectiva teĂłrica outside, ou seja, um referencial deslocado temporal e espacialmente do proposto para a empiria. A opção por Theodor W. Adorno foi, acima de tudo, um exercĂcio de renovação do vigor de suas ideias, algo muito alĂŠm de modismos acadĂŞmicos e/ou oportunismos tĂŠcnico-metodolĂłgicos. A nĂŁo sujeição incondicional aos imperativos do hibridismo e da diversidade cultural foi, neste trabalho, o maior escopo. DaĂ que nĂŁo cair na tentativa de criação de um JargĂŁo da Autenticidade para o hibridismo e para o espetĂĄculo da diferença foi, desde o inĂcio, uma aventura na dialĂŠtica negativa adorniana98. Sabiamente, Âła interpretação feita pelo aparelho de propaganda e pela PDLRULD QmR SUHFLVD VHU SRU LVVR D PHOKRU´ +25.+(,0(5 S Logo, como alternativa de renovação da obra adorniana, a opção pelos Estudos Culturais (Hoggart, Williams, Thompson, Hall, Martin-Barbero, Canclini...) e pela sociologia de Pierre Bourdieu tambĂŠm nĂŁo se deu por modismo ou oportunismo, mas sim, pelo reconhecimento da necessidade de atualização do projeto crĂtico e pela potĂŞncia explicativa de ambos os referenciais. Theodor Adorno poderia, caso estivesse vivo, tanto se sobressaltar com o forrĂł eletrĂ´nico de hoje, quanto, a partir da renovação de sua Teoria CrĂtica Âą quem sabe atĂŠ pelas mĂŁos do conceito de hegemonia em Antonio Gramsci Âą, compreendĂŞ98 ÂłLa jerga [O JargĂŁo] se deja llevar por la reflexiĂłn corriente y lo que mĂĄs le gustarĂa es reforzarla, en uniĂłn con las formaciones regresivas de la consciencia´ $'2512 G S
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lo de forma menos pessimista, buscando sobrepujar a austera dicotomia entre o objetivismo e o subjetivismo. A criatividade da especulação sociolĂłgica nĂŁo tem limites! Logo, examinar o forrĂł atualmente dominante no Rio Grande do Norte requisitou a aceitação desse risco estrutural: pensĂĄ-lo atravĂŠs de Adorno numa ĂŠpoca em que o mesmo parece estar, dentre o ardiloso senso comum acadĂŞmico, tĂŁo desgastado, alĂŠm do fato de que sĂŁo dominantes hoje as perspectivas teĂłricas do hibridismo cultural. Mesmo assim, encarando o desafio e reconhecendo que esses diagnĂłsticos limitativos sĂŁo majoritariamente parciais, partiu-se adornianamente para a crĂtica Âą nĂŁo qualquer crĂtica, mas sim, a Kritische Theorie. Deste modo, dentre aqueles que assistem a realidade como uma fronteira de ÂłDUDPHV UtJLGRV99´ FRPSUHHQGHU DV IRUPDV GH GRPLQDomR SDUHFH VHU XP H[HUFtFLR extremamente fĂĄcil, pois as determinaçþes estruturais sĂŁo muitĂssimo pujantes. Na outra ponta, dentre aqueles que observam a realidade como uma fronteira repleta de ÂłDUDPHV FDtGRV´ SHUFHEHU D UHDOLGDGH H VXDV SRVVLELOLGDGHV GH GHVYLR HP UHODomR j norma e ao controle social tambĂŠm parece ser tarefa simplificada, jĂĄ que em todos os espaços
hĂĄ
lĂłcus
para
resistĂŞncias100.
Nas
vicissitudes
desse
embate
epistemologicamente territorial, termina o indivĂduo apreendido a partir de esquemas conceituais pouco perspicazes, uma vez que falham essencialmente pela obliqĂźidade da unilateralidade, seja pela unilateralidade da potĂŞncia dominadora, seja pela unilateralidade da supra-capacidade de resistĂŞncia dos indivĂduos. Conforme jĂĄ dito anteriormente, nĂŁo podemos ser nem indivĂduos soberanos, nem massas amorfas. DaĂ que as pessoas nĂŁo sĂŁo e nem podem ser padecentes culturais. NĂŁo obstante Âą e essa ĂŠ uma inferĂŞncia instigante Âą, os indivĂduos vivem e lutam contra estruturas que tambĂŠm nĂŁo sĂŁo. Eis aĂ o resultado dessa inquietude epistemolĂłgica. O peso dos arranjos coercitivos ĂŠ, estruturalmente, muitĂssimo orquestrador de nossa vida social: Âłla enfermedad no estĂĄ en los indivĂduos de malas intenciones, sino en el sistema mismo´ $'2512 S
99
Âł(P WRGD IURQWHLUD Ki DUDPHV UtJLGRV H DUDPHV FDtGRV´ (CANCLINI, 2003, p. 349). Ă&#x2030; imperativo nĂŁo reificar a resistĂŞncia contra a reificação (ADORNO, 2008c, p. 198)
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Nessa relação nada idĂlica, muito se ganha, mas tambĂŠm muito se perde. Desigual e combinadamente, as perdas robustecem um caminho quase sempre muito artificioso para grande parcela da humanidade, jĂĄ que, ÂłFRPR VHPSUH R SLRU ILFD UHVHUYDGR jTXHOHV TXH QmR WrP HVFROKD´ $'2512 F S A educação, nĂŁo a educação triunfante de hoje, mas a educação pensada por Adorno, torna-se um caminho para a saĂda de muitas das armadilhas do poder e das ideologias capitalistas presentemente dominantes, tais como as ideologias de liberdade, consumo, progresso, individualidade e informação. Muito do que as ideologias dizem, segundo Eagleton, ĂŠ verdadeiro e seria impotente se nĂŁo o fosse; mas, evidentemente, as ideologias tambĂŠm tĂŞm muitas ÂłSURSRVLo}HV TXH VmR HYLGHQWHPHQWH IDOVDV H LVVR QmR WDQWR SRU FDXVD GH DOJXPD qualidade inerentemente falsa mas por causa das distorçþes a que sĂŁo submetidas nas suas tentativas de ratificar e legitimar sistemas polĂticos injustos, RSUHVVLYRV´ (EAGLETON, 1997, p. 193). Como advertem Adorno e Horkheimer (1978, p. 191), trata-VH GD ÂłFRQVFLrQFLD REMHWLYDPHQWH QHFHVViULD H DR PHVPR WHPSR IDOVD FRPR interligação inseparĂĄvel de verdade e inverdade, que se distingue, portanto, da verdade WRWDO WDQWR TXDQWR GD SXUD PHQWLUD´ 1HVVD UHODomR D LGHRORJLD VH Gi exatamente onde se regem relaçþes de poder que nĂŁo sĂŁo exatamente transparentes. Na verdade, que sĂŁo atĂŠ atenuadas. Nesse sentido, a crĂtica ao processo de semi-formação Âą Halbbildung Âą (educação para o status quo) realizada por Adorno e sua conseqĂźente superação nĂŁo ĂŠ uma simples discussĂŁo utĂłpica, vazia e especulativa. Trata-se, na verdade, de um projeto intelectual humanista, apesar de todo o rĂłtulo de pessimismo atribuĂdo a sua pessoa101. Igualmente, o conceito de indĂşstria cultural nĂŁo ĂŠ uma metanarrativa capaz A esperança na humanidade ĂŠ uma reflexĂŁo presente em Adorno mesmo em seus escritos apĂłs a redação GD Âł'LDOpWLFD GR (VFODUHFLPHQWR´ &RPR H[HPSOR FDSLWDO WHP-se uma das pDVVDJHQV ILQDLV GH Âł$ 3HUVRQDOLGDGH $XWRULWiULD´ DR PRVWUDU TXH D TXDQWLGDGH GH HQHUJLD TXH VH HPSUHJD QR SURFHVVR GH moldagem das pessoas para a manutenção do padrĂŁo econĂ´mico global, relaciona-se diretamente com a capacidade que tem as pessoas para caminhar numa direção diferente. Isto ĂŠ, se hĂĄ dominação, hĂĄ tambĂŠm resistĂŞncia. Âł,W LV WKH IDFW WKH SRWHQWLDOO\ IDVFLVW SDWWHUQ LV WR VR ODUJH DQ H[WHQW LPSRVHG XSRQ SHRSOH WKDW carries with it some hope for the future. People are continuously molded from above because they must be molded if the over-all economic pattern is to be maintained, and the amount of energy that goes into this process bears a direct relation to the amount of potential, residing within the people, for moving in a GLIIHUHQW GLUHFWLRQ´ $'2512 HW DO , p. 976).
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de explicar tudo, mas sim, partes de um longo processo histĂłrico de expansĂŁo capitalista sobre a cultura. Sua atualidade reside essencialmente em dois aspectos capitais: a ideia de que seus produtos sĂŁo oferecidos em sistema (o assĂŠdio sistemĂĄtico de tudo para todos) e a noção de que a sua produção obedece prioritariamente a critĂŠrios administrativos de controle sobre os efeitos no receptor (capacidade de prescrição de desejos). Dessas duas inferĂŞncias dificilmente hĂĄ como escapar, pelo menos nĂŁo com os padrĂľes de civilização atuais. As sutilezas da dominação, pelas mĂŁos da indĂşstria cultural, sĂŁo arguciosas e cada artimanha visa envolver o consumidor num esquema retroalimentado de falsa opção e liberdade. Imediatamente, nega-se uma coisa e se aceita outra praticamente LGrQWLFD &RPR LURQL]D (DJOHWRQ S ÂłR RSUHVVRU PDLV HILFLHQWH p DTXHOH que persuade seus subalternos a amar, desejar e identificar-VH FRP VHX SRGHU´ Logo, a dominação pela indĂşstria cultural nĂŁo ĂŠ de cima para baixo, mas sim, de todos os lados, principalmente no Ăntimo de cada um. O gĂŞnero musical aqui estudado foi um fecundo exemplo para essa querela. O forrĂł eletrĂ´nico tem se configurado como um ritmo musical estruturante de parte expressiva da sociabilidade da população norte-rio-grandense, seja no interior do estado, seja na prĂłpria capital e sua dinâmica luminosa de entretenimento. Para negĂĄlo ou aceitĂĄ-lo, ĂŠ evidente que ele estĂĄ presente na vida de boa parte dos potiguares. Sua massificação, racionalização e padronização enchem as programaçþes das rĂĄdios, os carrinhos de vendedores ambulantes de CDs e DVDs piratas, os hard disks (HDs) dos computadores, os players de MP3 dos aparelhos celulares, os potentes paredĂľes de som dos automĂłveis, os encontros familiares de fim de semana e as barraquinhas de aguardente espalhadas pelos cantos das cidades. Muitos sĂŁo os seus consumidores, independentemente de sexo, faixa etĂĄria, renda e escolaridade (escolaridade entendida como quantitativo contĂĄbil dos anos de estudo). Distintamente do que se poderia supor, indivĂduos economicamente abastados e com nĂvel superior de educação tambĂŠm ouvem o forrĂł eletrĂ´nico. O capital cultural para o consumo estĂŠtico erudito nĂŁo estĂĄ acessĂvel a todos. Por sua vez DV FKDPDGDV ÂłPDVVDV´ WHUPLQDP HVWUXWXUDOPHQWH HQYROYLGDV FRP HVVD SURGXomR
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industrial-musical. Produz-se tal mĂşsica, metaforicamente, como se produz um modelo de automĂłvel popular estilo Ford ou Fiat. As similaridades vigentes no processo de produção sĂŁo muitas. Decididamente, as cifras do mercado do forrĂł eletrĂ´nico sĂŁo crescentes: aumento do nĂşmero de mĂşsicos e bandas, de cançþes, de intermediĂĄrios (responsĂĄveis pela circulação e promoção do mercado), de shows e de consumidores. Uma advertĂŞncia basal, para uma melhor sistematização do jĂĄ dito anteriormente ao longo de todo o escrito, reside na constatação de que a crĂtica dialĂŠtica nĂŁo pode ser uma crĂtica de mĂŁo Ăşnica (pelos caminhos antagĂ´nicos da dominação ou da resistĂŞncia), tampouco um mero juĂzo valorativo. A dialĂŠtica em geral nĂŁo pode cair nesses esquemas binĂĄrios. Um dos ilustrativos exemplos de crĂtica conservadora estĂĄ presente no artigo jornalĂstico ÂłD P~VLFD GRV YDORUHV SHUGLGRV´ (texto muitĂssimo divulgado em blogs, e-mails, sites, etc.). Com forte tom valorativo Âą SHUFHEDP DV H[SUHVV}HV ÂłOHLWRUHV GH IDPtOLD´ ÂłHVFXOKDPEDomR´ ÂłODPHQWiYHO´ ÂłGRHQWH´ H ÂłFXOSD´ Âą a reflexĂŁo jornalĂstica termina caindo em um dos lados do binarismo partidĂĄrio, isto ĂŠ, o lado dos que julgam a cultura como perversĂŁo cultural. Abaixo seguem alguns trechos: > @ R FXOSDGR GHVWD ÂľGHVFXOKDPEDomRÂś QmR p FXOSD H[DWDPHQWH GDV EDQGDV RX GRV empresĂĄrios que as financiam, jĂĄ que na grande parte delas, cantores, mĂşsicos e bailarinos sĂŁo meros empregados do cara que investe no grupo. O buraco ĂŠ mais HPEDL[R > @ $TXL R TXH VH DXWRGHQRPLQD ÂľIRUUy HVWLOL]DGRÂś FRQWLQXD GH YHQWR HP popa. Tomou o lugar do forrĂł autĂŞntico nos principais arraiais juninos do Nordeste. Sem falso moralismo, nem elitismo, um fenĂ´meno lamentĂĄvel, e merecedor de maior atenção. Quando um vocalista de uma banda de mĂşsica popular, em plena praça pĂşblica, de uma grande cidade, com presença de autoridades competentes (e VXDV UHVSHFWLYDV SDWURDV SHUJXQWD VH WHP ÂľUDSDULJD QD SODWpLDÂś DOJXPD FRLVD HVWi fora de ordem. Quando canta uma canção (canção ?!!!) que tem como tema uma WUDQVD GH XPD PRoD FRP GRLV UDSD]HV DR PHVPR WHPSR H R UHIUmR p Âľe YRX GiOKH GH FDQR GH IHUUR H WRPD FDQR GH IHUUR Âś DOJXPD FRLVD HVWi PXLWR GRHQWH Sem esquecer que uma juventude cuja cabeça ĂŠ feita por tal tipo de mĂşsica ĂŠ a que vai tomar as rĂŠdeas do poder daqui a alguns poucos anos 102.
O binarismo nĂŁo-dialĂŠtico da matĂŠria opinativa fica melhor expresso pelos vieses dicotĂ´micos entre autenticidade x inautenticidade; vĂtimas x culpados; moral x imoral. Assim, diante do olhar partidĂĄrio, perde-se exatamente seu momento de 102
A mĂşsica dos valores perdidos. DisponĂvel em: http://www.forroemvinil.com/a-musica-dos-valoresperdidos/. Acesso em: 08. out. 2011.
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negatividade, ou seja, a capacidade de mudança da situação. Em Adorno, embora a prĂĄxis transformadora esteja estruturalmente bloqueada pelas ideologias do status quo, esse momento de negatividade nĂŁo nega uma outra situação para alĂŠm dessa condição vigente. Se hĂĄ dominação, hĂĄ resistĂŞncia (e vice-versa). A dialĂŠtica tem que Âłser vista como uma tentativa de escapar ao ou/ou´ $'2512 96, p. 46) SRLV Âła alternativa previamente dada jĂĄ ĂŠ um fragmento de heteronomia´ $'2512 p. 35). Logo, esquece-se que mesmo nesse cenĂĄrio de mĂşsica-mercadoria muitas mudanças estĂŁo em processamento, sobretudo nas disputas por legitimidade cultural. Muitas contendas entre estilos musicais podem contribuir na luta pela redefinição do juĂzo estĂŠtico, do direito autoral, da autenticidade das obras, da informalidade na produção cultural e outras temĂĄticas ligadas aos mercados musicais populares. Ă&#x2030; na crise que se manifesta a enfermidade e sua conseqĂźente superação. DaĂ que o FDPLQKR GD FUtWLFD GLDOpWLFD QmR GHYH VHU R PHVPR GD ÂłFUtWLFD´ FRQVHUYDGRUD 1HVWD afeta-VH R WHRU GD FUtWLFD Âł0HVPR R LPSODFiYHO ULJRU FRP TXH HVWD DQXQFLD D YHUGDGH sobre a consciĂŞncia nĂŁo-verdadeira permanece confinado na Ăłrbita do que ĂŠ FRPEDWLGR´ $'2512 S 1HVVH tQWHULP HQWUH ERP JRVWR H R VXVSHLWR JRVWR GRV ÂłRXWURV´ XP GRV assuntos mais comuns atualmente que visa mostrar o lado positivo dessa indĂşstria cultural dH ÂłEDVH ORFDO´ DUJXPHQWD TXH QmR VH WUDWD GH XPD SURGXomR GH cima para baixo, advinda de grandes empresĂĄrios e grupos detentores do monopĂłlio da produção cultural. Tais mĂşsicas de forrĂł, por exemplo, seriam produzidas fora do monopĂłlio das grandes empresas e, por serem essencialmente descentralizadas, informais e fragmentadas, nĂŁo trariam consigo o lado mecanicista da indĂşstria do HQWUHWHQLPHQWR VHQGR SRU FRQVHJXLQWH Âłartes do povo´ $Wp Dt SRXFR VH WHP GH substancialmente limitativo. PorĂŠm, o fato de vir de baixo nĂŁo significa estar isenta do compromisso com o status quo. As conseqßências nĂŁo premeditadas da ação estĂŁo presentes e nĂŁo podem ser simbolicamente eliminadas. NĂŁo se deve esquecer que hĂĄ, DWp PHVPR QR kPELWR WHyULFR WRGD XPD ³¾conformação pelo nĂŁo-conformismoÂś SRU SDUWH GD RSRVLomR VRFLDOPHQWH FDQDOL]DGD´ $'2512 +25.+(,0(5 S
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163) que procura tornar criativo o que, em si, mais constrange o indivíduo do que o habilita. Mesmo assim, prosseguir com a distinção entre cultura de massas (cultura popular) e indústria cultural (produção capitalista da cultura), de fato, seria um estorvo intelectual muito regressivo para as ciências sociais na contemporaneidade. O hibridismo do consumo cultural hoje é intrínseco à própria produção e ao próprio uso da cultura. A distinção entre o puro e o canalizado, o popular e o industrializado, uma comunidade de significados (Gemeinschaft) e uma sociedade de interesses (Gesselschaft) termina por obstruir o entendimento das entrelinhas das relações sociais, das brechas do consumo, dos usos e desusos culturais (nem tudo pode ser dominação). Contudo, seja na utópica comunidade pura, seja no admirável/terrível mundo novo ± o brave new world huxleyano ±, as relações de dominação persistem. Logo, as relações de dominação não se acabam sob os rótulos de hibridismos. Se há dialética, logicamente, há resistência, bem como, dominação. Na dialética adorniana essa condição é reforçada pelo seu viés negativo. As músicas dominantes no forró eletrônico exploram, genericamente, temas como festa (diversão a todo custo), amor e sexo. Longe de mostrar ao ouvinte faces de um mundo contraditório, termina o forró servindo como reforço do emudecer humano. Suas letras mais cantadas desviam a atenção de qualquer coisa mais séria. Tome forró, cachaça e diversão! Fugindo da análise do estímulo-resposta (behaviorista), bem como escapando de uma leitura mecanicista do sentido do ³texto em si´ (inculcação passiva da mensagem musical), o forró eletrônico é sim um sustentador de valores na atualidade. Não podemos falar num forró onipotente na criação de valores, mas sim, de um forró que, mesmo acidentalmente, termina por reproduzir muitas ideologias. Pode não as criar substancialmente, mas sustenta parte do arbitrário cultural já existente. Decididamente, aceitar o espetáculo da diversidade como explicação para o fim das ideologias dominantes é, em si, aceitar que as ideologias não podem, igualmente, diversificar-se de modo a atingir a todos, fragmentadamente. Ledo engano. As ideologias, diferentemente da forma como pensada em tempos pretéritos,
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nĂŁo sĂŁo mais impostas de cima para baixo, tampouco dominantemente homogĂŞneas. SĂŁo, pois, flexĂveis, seja nos valores, seja nas extensĂľes. O consumo do forrĂł eletrĂ´nico nĂŁo se dĂĄ de forma ingĂŞnua, onde supostamente apĂłs a deglutição musical se esqueceria o escutado. Pelo contrĂĄrio: canta-se a mĂşsica apĂłs o despertar do sonho. Os clichĂŞs temĂĄticos, a repetição exaustiva dos hits e o apelo dos empresĂĄrios do entretenimento nĂŁo permitem o esquecimento de cada refrĂŁo. NĂŁo obstante, nĂŁo hĂĄ como pensar num consumo apĂĄtico, passivo e monolĂtico. Os seus consumidores fazem leituras diversas sobre o gĂŞnero (a maior parte das leituras sĂŁo leituras negociadas: nem a favor, nem a contrapelo do sentido dominante). Os ouvintes discordam, negam, fazem chacota, escarnecem, zombam, riem, bem como se emocionam, cantam, choram, gritam, etc. Todo estudo sĂŠrio sobre R FRQVXPR FXOWXUDO GHYH UHFRQKHFHU TXH R FRQVXPLGRU WHP XP FHUWR ÂłVHQVR FUtWLFR´ em relação ao que adquire. Uma das contribuiçþes essenciais dos Estudos Culturais UHVLGH QHVVD DVVHUWLYD RX VHMD QHVVD FDSDFLGDGH FULDWLYD GH YLYHU H GH GL]HU ÂłQmR´ Ă quilo que tenta insistentemente se impor. Contudo, ĂŠ bom lembrar que esses mesmos LQGLYtGXRV ÂłFUtWLFRV´ WHUPLQDP FDLQGR Qo esquema sistĂŞmico da indĂşstria cultural ao negarem o forrĂł e consumirem outros gĂŞneros estandardizados, massificados e UDFLRQDOL]DGRV $ FDSDFLGDGH GH SUHVFUHYHU R ÂłJRVWR´ SRSXODU tem sido o grande trunfo da indĂşstria cultural. Novamente lembrando: o cerco e a prescrição dos desejos sĂŁo concretos. A pseudo-individuação ĂŠ a regra e nĂŁo a exceção. Do ponto de vista teĂłrico, os estudos que se centram na ideia de hegemonia como um campo de lutas pela significação cultural dĂŁo um passo importante rumo a uma ciĂŞncia social preocupada com o saber popular e suas estratĂŠgias de significado. Pensar para alĂŠm das determinaçþes estruturais requer um acurado senso crĂtico e uma apurada esperança na humanidade. Os Estudos Culturais e, por exemplo, seus desmembramentos latino-americanos, bem como a sociologia de Pierre Bourdieu, representam opçþes intelectuais crĂticas para uma sociologia da cultura preocupada em se libertar dos muitos objetivismos fatalistas da anĂĄlise social. Contudo, a atualidade do conceito de indĂşstria cultural nĂŁo permite romantizar tal capacidade
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popular de resistĂŞncia cultural. A pujança da indĂşstria do entretenimento ĂŠ alta e envolve os consumidores em esquemas sistĂŞmicos poderosos. Nega-se o forrĂł, mas consome-se o axĂŠ Bahia; nega-se o axĂŠ Bahia, mas escuta-se o funk; nega-se o funk, mas consome-se o tecnobrega; nega-se o tecnobrega, mas escuta-se algum pop-star norte-americano ou mĂşsica de novela das 21 horas... O assĂŠdio ĂŠ elevado e a fuga inibida. De cima para baixo, de baixo para cima e transversalmente o indivĂduo Âą de individualidade debilitada Âą se encontra envolvido nessa produção midiĂĄtica de FXOWXUD PXVLFDO e LPSRVVtYHO SHQVDU QXP FRQVXPLGRU LGHDO j PDQHLUD GR Âłartista da fome103´ GH )UDQ] .DIND TXH SRU QmR FRQKHFHU QHQKXP DOLPHQWR VDERUoso o bastante, levava a vida a jejuar. Tal postura ĂŠ, no mĂnimo, inconsistente empiricamente. Gostando pouco ou nĂŁo gostando, as pessoas terminam por consumir mesmo aquilo que nĂŁo tĂŞm grande apreço. A indĂşstria cultural nĂŁo dorme. PorĂŠm, nĂŁo hĂĄ nenhuma relação mensurĂĄvel entre o consumo do forrĂł eletrĂ´nico e a aceitação de sua visĂŁo de mundo. NĂŁo existe nenhuma relação de mensurabilidade entre o forrĂł e a inculcação de suas ideologias. Mas, seria ingĂŞnuo dizer que o forrĂł eletrĂ´nico nĂŁo reforça valores (sobretudo o reforço das ideologias mais presentes, por exemplo, de gĂŞnero e consumo). O simples fato de viver jĂĄ implica certa aceitação dos condicionantes estruturais. O preconceito contra a diversidade sexual estĂĄ presente em muitas mĂşsicas de forrĂł eletrĂ´nico; o papel secundĂĄrio da mulher na sociedade ĂŠ reforçado atravĂŠs de muitas letras; e o modelo de masculinidade dominante no gĂŞnero ĂŠ aquele pautado no indivĂduo festeiro, consumidor inconseqĂźente de ĂĄlcool e distante das questĂľes sociais mais importantes. Deste modo, papĂŠis sexuais e relaçþes de gĂŞnero estĂŁo contidos nas letras de muitas mĂşsicas, expressando assimetrias de gĂŞnero, tornando cĂ´mica a homossexualidade, reforçando padrĂľes de masculinidade, cristalizando o papel da mulher na sociedade e estabelecendo dissimetrias entre a permissĂŁo e a coibição sexual. Do mesmo modo, sĂŁo feitas apologias a determinados padrĂľes de consumo (ĂĄlcool, automĂłveis potentes), alĂŠm de sugerirem-se cotidianamente modelos de sociabilidade pautados 103 4XDQGR R ÂłDUWLVWD GD IRPH´ >R MHMXDGRU@ SHUJXQWDGR R SRUTXr MHMXDYD DILUPRX ÂłSRUTXH QmR SXGH encontrar comida que me agradasse. Se a tivesse encontrado, podes acreditĂĄ-lo, nĂŁo teria feito nenhuma SURPHVVD H PH WHULD IDUWDGR FRPR WX H FRPR WRGRV´ .$).$ S
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no arquĂŠtipo da diversĂŁo a todo custo. DaĂ que visĂľes de mundo sĂŁo reproduzidas e reforçadas por parte substancial do forrĂł eletrĂ´nico atualmente dominante. Mesmo QmR SDVVDQGR PXLWDV YH]HV GH XPD ÂłHFRQRPLD GD H[SHULrQFLD´ Âą consumo imaterial da festividade Âą para parte substancial dos ouvintes, para outra parcela significativa essas mĂşsicas representam todo um ethos de diversĂŁo, lazer e relaçþes sociais. Deste modo, assim como a reflexĂŁo sobre a mĂşsica brega contida em Costa (2003), o forrĂł possui sim um sentido prĂŠvio localmente multifacetado para os ouvintes, jĂĄ articulado ao modo de vida Âą fundamentalmente Âą das classes populares. Por conseguinte, termina sendo estruturado e estruturante nos padrĂľes de Âłcomportamento familiar, entre vizinhos e amigos, em relaçþes amorosas, em problemas e trivialidades da vida cotidiana, nas festas tĂpicas e momentos rituais, nas TXHVW}HV GH WUDEDOKR H GH OD]HU´ &267$ , p. 22). Certamente hĂĄ toda uma participação teatral no consumo do forrĂł eletrĂ´nico, participação essa que nos faz refletir TXH R ÂłEHEHU FDLU H OHYDQWDU´ Âą contido numa mĂşsica dada de sucesso Âą faz parte de todo um contexto biogrĂĄfico, social e cultural do indivĂduo, algo muito maior do que a indĂşstria cultural. Mas, adornianamente, ĂŠ apropriado destacar que alguns elementos dessa teatralização sĂŁo resultados do prĂłprio avanço da indĂşstria cultural sobre a cultura. Se o forrĂł tradicional (pĂŠ-de-serra) cumpria uma função social era a de criar, para o bem ou para o mal, um certo sentimento de nordestinidade. Contudo, a mĂşsica dominante no forrĂł eletrĂ´nico, apesar de ter utilizado determinados elementos estĂŠtico-IRUPDLV GR IRUUy WUDGLFLRQDO ÂłWHP KRMH XPD IXQomR DOLHQDQWH SDUD R VHX grande pĂşblico, distanciando-se da sua realidade concreta, atravĂŠs do uso que a indĂşstria culturaO ID] GHOD´ &$/'$6 S Mesmo diante dessa assertiva, seria ingĂŞnuo pensar numa relação de causaefeito (consumo = inculcação), bem como numa manipulação incondicional Âą de cima para baixo Âą via indĂşstria cultural. Mas, igualmente seria pueril dizer que tal esquema da indĂşstria cultural nĂŁo reforça valores. Uma simples freqßência a shows de forrĂł eletrĂ´nico, confraternizaçþes Ăntimas e festas particulares mostrarĂĄ ao leitor mais desconfiado que o forrĂł ĂŠ sim absorvido por parte dos consumidores, certamente
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nĂŁo como querem os produtores do entretenimento, mas sim como permitem os prĂłprios ouvintes: a dominação tambĂŠm tem que ser consentida. Alguma coisa, logicamente, ĂŠ tragada. As leituras negociadas nĂŁo podem ser majoritĂĄrias o tempo todo. Mesmo o ouvinte que negocia seu consumo em um determinado momento (no âmbito domĂŠstico), termina efetuando uma leitura dominante noutro tempo e espaço (no âmbito pĂşblico); ou o contrĂĄrio. Assim, nĂŁo dĂĄ para ver tanta resistĂŞncia na leitura negociada, jĂĄ que se negocia nĂŁo entre um mundo reificado e outro mundo possĂvel, mas sim, entre diversos mundos reificados. Se a capacidade de resistĂŞncia dos indivĂduos ĂŠ perspicaz, as estratĂŠgias da indĂşstria cultural tambĂŠm sĂŁo. Contudo, o consumo nĂŁo ĂŠ homogĂŞneo. DaĂ que tal absorção e dominação tambĂŠm nĂŁo podem ser. Da mesma forma que hĂĄ leituras negociadas, de oposição e hegemĂ´nicas, tambĂŠm hĂĄ formas heterogĂŞneas dessa dominação. No cerne desse consumo, a heteronomia ĂŠ dominante para uma parte desses consumidores. Embora nĂŁo dimensĂvel, tal constatação nĂŁo pode ser reduzida. Um esforço de reflexĂŁo e especulação tem que ser perpetrado. Deve-se aguçar a Âłimaginação sociolĂłgica´ LVWR p VHJXQGR :ULJKW 0LOOV DTXHOD ÂłTXDOLGDGH intelectual bĂĄsica para sentir o jogo entre os homens e a sociedade, a biografia e a KLVWyULD R HX H R PXQGR´ S Aos que negam ou limitam essa conclusĂŁo empĂrica, ĂŠ importante lembrar que o super-relativismo cultural estĂĄ do mesmo lado do conservadorismo cultural, jĂĄ que ÂłWXGR SRGH´ H WXGR p ÂłYLU-a-VHU´ PDV QDGD GH IDWR VH HIHWLYD 1HVVH VHQWLGR QmR Gi para pensar no consumo desse gĂŞnero musical como algo simplesmente idĂlico. Toda escolha tem suas conseqßências, mesmo que num nĂvel metaforicamente ÂłnanosociĂłlogico´ Tal anĂĄlise crĂtica nĂŁo se aplica, todavia, evidentemente, a toda mĂşsica popular. HĂĄ mĂşsicas populares que, mesmo estandardizadas no material sonoro, fazem parte de outro projeto polĂtico e social que nĂŁo apenas o da reprodução da sociedade capitalista: Cazuza nĂŁo pode ser colocado integralmente na mesma gaveta de AviĂľes do ForrĂł. Todavia, olhando para o outro lado do espelho, tambĂŠm o forrĂł eletrĂ´nico nĂŁo pode ser globalmente visto somente sob o ponto de vista da ideologia,
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jĂĄ que nele tambĂŠm hĂĄ dissidĂŞncias em seu nĂşcleo produtor (muito acanhadas, mas, viventes). Como defesa da cultura de massa, os apologistas do capital e os impressionĂĄveis culturalistas de gabinete podem alegar que se trata de um gĂŞnero musical dançante e que, por isso, a padronização e mecanicidade do estilo sĂŁo intrĂnsecas e devem ser reforçadas. Tem-se aĂ um equĂvoco conceitual basal, jĂĄ que se olvida que apĂłs a dança e a festividade vem tambĂŠm o canto: na memorização e divulgação das letras tambĂŠm se reproduzem visĂľes de mundo. AlĂŠm disso, a alegação do chaPDGR FRQVXPR GD ÂłHFRQRPLD GD H[SHULrQFLD´ WDPEpP p IUiJLO GR ponto de vista da justificação do carĂĄter idĂlico do forrĂł, uma vez que apĂłs a festividade e seus momentos de diversĂŁo memorĂĄveis, leva-se parte da experiĂŞncia para casa. Como num sonho, ao acordar, nem tudo se esquece. A guisa de palavras finais, mesmo se toda a argumentação ainda parecer frĂĄgil, vale lembrar que se nenhuma relação de dominação for criada ou reforçada pelo forrĂł eletrĂ´nico, pelo menos deve-se levar em conta que se nĂŁo se criam ou se reforçam ideologias, que pelo menos nĂŁo se contribui para acabar com as jĂĄ existentes. Logo, a cumplicidade ĂŠ tambĂŠm ativa. Na educação, como na polĂtica, a abstenção ĂŠ sempre precĂĄria. DaĂ que nĂŁo tomar firmemente alguma posição ĂŠ, de fato, consentir TXH RV LQGLYtGXRV FRQWLQXHP D VHU ÂłFRQGX]LGRV SHOR IOX[R GD LGHRORJLD dominante, pela marĂŠ dos hits-SDUDGHV´ (SNYDERS, 1997, p. 74). Desviar a atenção para o vĂĄcuo ĂŠ tambĂŠm direcionar o olhar para algum lugar: o da cumplicidade. A omissĂŁo ĂŠ tambĂŠm engajada, sobretudo nas coisas mais simples que passam GHVSHUFHELGDV FRWLGLDQDPHQWH &RPR Mi OHPEURX %HUWROW %UHFKW Âłdesconfiai do mais trivial, na aparĂŞncia singelo. E examinai, sobretudo, o que parece habitual. Suplicamos expressamente: nĂŁo aceiteis o que ĂŠ de KiELWR FRPR FRLVD QDWXUDO ´ (BRECHT, 1982, p. 45).
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