A MOBILIDADE COMO DINÂMICA DA PAISAGEM REDEFININDO O RIBEIRÃO COCAIA
SÃO PAULO 2016
2
Trabalho de conclusão da disciplina AUP 5859 Estúdio de Infraestrutura Verde ministrada pelo Prof. Dr. Paulo Pellegrino no Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU.USP) Elaboração: Geovani Batista Jéssica Ragonha Wellington Nagano
São Paulo 2016 3
4
RESUMO O extremo sul do Município de São Paulo compreende duas importantes represas - Billings e Guarapiranga - e grande parte de seu território encontra-se em área de proteção aos mananciais. No entanto, a ausência de efetivo controle – seja público ou privado – levou ao avanço da ocupação sobre essas áreas. Moradias irregulares em várzeas e encostas são constantes na região, em áreas ambientalmente frágeis e que geram riscos ambientais e de vida à população que as ocupa. Nesse sentido, a infraestrutura verde aparece como estratégia para recuperação dos cursos d’água e da vegetação de Mata Atlântica, articulada às melhorias de mobilidade, oferta de equipamentos, serviços e moradia digna à população. Como área de intervenção, optamos pela sub-bacia do Ribeirão Cocaia, nas proximidades da Av. Dona Belmira Marin, propondo um masterplan de infraestrutura verde.
5
6
SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO..............................................................................................................9
2. HISTÓRICO DE OCUPAÇÃO DA REGIÃO..........................................................11
3. PERFIL DEMOGRÁFICO DA REGIÃO................................................................19
4. ÁREA DE ESTUDO: SUB-BACIA DO RIBEIRÃO COCAIA..........................29 5. MASTERPLAN DE INFRAESTRUTURA VERDE............................................37
6. WETLAND: ESTRUTURAS MULTIFUNCIONAIS ATRAVÉS DA MOBILIDADE.......................................................................................................................................45 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................57
8. REFERÊNCIAS...........................................................................................................59
7
8
1 As Subprefeituras Capela do Socorro e Parelheiros são compostas pelos seguintes distritos: Interlagos, Socorro e Grajaú; e Engenheiro Marsillac e Parelheiros, respectivamente. 1
INTRODUÇÃO
A área entre as represas de Billings e Guarapiranga é uma das maiores áreas de crescimento populacional de São Paulo. Com 734.371 habitantes (IBGE, 2010), a região compreendida pelas Subprefeituras de Capela do Socorro e Parelheiros1 (mapa 1) apresenta grandes desafios ambientais e sociais decorrentes da expansão urbana paulistana.
1 2
Mapa 1: Município de São Paulo com destaque para as Subprefeituras de Capela do Socorro e Parelheiros. Do lado direito, indicação dos distritos correspondentes: - Capela do Socorro: 1. Socorro 2. Cidade Dutra 3. Grajaú - Parelheiros: 4. Parelheiros 5. Marsilac Fonte: SMDU e Google Earth.
3
4
5
9
A explosão demográfica a partir da década de 1970 colocou pressão sobre a região que, mesmo com as leis 878/1975 e 1.172/1976 que tratavam sobre a ocupação em áreas de mananciais, não conseguiram frear o avanço das moradias. Os loteamentos irregulares foram sendo implantados junto a locais que deveriam ser áreas de proteção, como cursos d’água e morros. Com baixos valores de mercado, tornaram-se atrativos para as pessoas mais carentes, mesmo que a distância do local de trabalho fosse longe de sua moradia. Estas áreas enfrentam um grande dilema para os planejadores urbanos. Por um lado, há grande quantidade de pessoas vivendo em condições precárias e irregulares que necessitam de melhorias nos vários aspectos de mobilidade, acesso à serviços, equipamentos adequados e moradia digna. Por outro lado, a região é uma área de preservação ambiental estratégica não apenas para o município de São Paulo, mas de sua região metropolitana, pela importância hídrica e o bioma da Mata Atlântica. Entretanto a área é vulnerável à expansão desordenada da mancha urbana, principalmente através dos assentamentos irregulares. Na figura 1 é possível observar a evolução de um loteamento clandestino, com intenso desmatamento em àrea próxima à Represa Guarapiranga.
10
Figura 1: Região junto à Represa Guarapiranga, no Distrito de Grajaú, mostrando a evolução de um loteamento clandestino entre 2014 (esq.) e 2016 (dir.). Nota-se o desmatamento e a proximidade em relação à represa. Fonte: Google Earth.
2
HISTÓRICO DE OCUPAÇÃO DA REGIÃO
A região começou a ser estruturada no início do século XX, quando o crescimento da cidade de São Paulo tornou necessária a criação de novas fontes de abastecimento de água e energia para a incipiente metrópole. Em 1908 iniciou-se o represamento da Guarapiranga e posteriormente da Billings (anos 1930), ambas realizadas pela São Paulo Tramway Light and Power Co. Esta fase foi caracterizada pelo caráter funcionalista das represas (mapa 2).
Mapa 2: Localização das Bacias da Guarapiranga e da Billings na Região Metropolitana de São Paulo. Fonte: ISA, 2006.
11
A partir da década de 1930 a Guarapiranga começou a ser utilizada para outros usos, principalmente de recreação. Diante da oportunidade, Louis Romero Sanson – engenheiro francês – passou a adquirir terras na região e planejou criar uma “cidade satélite”, denominada Interlagos2. Para o prosseguimento do plano, contratou o arquiteto Alfred Agache para a realização do masterplan do novo bairro, com equipamentos destinados ao lazer, tais como o Autódromo de Interlagos (figura 2), hotel, clubes e a Auto-Estrada Washington Luís, via que ligava a região central diretamente a Interlagos, facilitando o acesso dos paulistanos a esta região até então longe do perímetro urbano da capital.
A expectativa de em transformar a região na área de lazer de São Paulo foi parcialmente atendida, pois o número de frequentadores foi abaixo do esperado. Mesmo assim, grandes clubes foram instalados ali, como o Yatch Club Santo Amaro, o Clube de Campo São Paulo e o Santapaula Iate Clube. Este segundo período pode ser denominado como uso recreativo das represas (mais precisamente da Guarapiranga).
12
Em referência à região suíça de Interlaken.
2
Figura 2: Autódromo de Interlagos na década 1970. Fonte: Ivo Justino. Departamento do Patrimônio Histórico da Prefeitura de São Paulo.
Este período definiu as formas de ocupação do solo e as atividades econômicas que ali se instalaram, com a criação de clubes e bares. Nas décadas de 1920 e 1930 a imprensa já fazia publicidade das praias da represa, onde as famílias praticavam footing aos finais de semana (figura 3). Esse potencial recreativo da represa fez com que a Light instalasse uma linha de bondes para o transporte de visitantes, em julho de 1913, ligando o centro de Santo Amaro ao centro de São Paulo. As águas da represa eram utilizadas exclusivamente para a geração de energia elétrica até 1927 quando começaram os estudos e acordos com a empresa canadense, detentora do manancial, para a captação visando ao abastecimento, já que a cidade de São Paulo sofria com constante falta de água.
Em 1937, a Repartição de Água e Esgotos (RAE) da Capital previu a situação crítica a que estaria exposta a represa de Guarapiranga com o crescimento da cidade em decorrência da poluição de suas águas pela ocupação
Figura 3: Prática de footing na Guarapiranga em 1948, onde as pessoas aguardam os barcos para passeio. Fonte: Peter Scheier. Acervo do Instituto Moreira Salles.
13
e povoamento de suas margens. A Seção de Tratamento da RAE constata nesse ano um aumento da poluição das águas usadas para abastecimento e realiza estudos, propondo soluções para a defesa sanitária do lago. Uma das principais soluções propostas é a criação de uma legislação especial capaz de defender o rio ou lago das poluições oriundas de despejos sanitários e de despejos de águas industriais, o que somente acontecerá anos mais tarde. As providências colocadas neste relatório também indicavam a necessidade de uma legislação municipal “considerando zona urbana e zona suburbana”, e legislação estadual criando a proteção e polícia sanitária não só na zona saneada do lago inferior, como das vertentes do lago superior. Intencionava-se estipular sanções severas que garantissem a defesa do manancial, além de prever a necessidade de acordos com a Light para que a empresa proibisse construções nas margens da represa que prejudicassem ou ameaçassem a qualidade de suas águas. Percebe-se que se algumas dessas providências fossem tomadas nesse período, a situação do manancial não seria tão crítica atualmente. Em texto publicado na Revista DAE de 1961, o engenheiro Walter Engracia de Oliveira comenta que a proteção das águas da represa é matéria que tem “preocupado vários engenheiros e técnicos, principalmente do Departamento de Águas e Esgotos de São Paulo conforme comprovam diversos relatórios, pareceres e trabalhos que encontramos nos arquivos do DAE. Aliás, a própria CPGA, no item 11 do seu citado relatório discorreu amplamente sobre o assunto” (OLIVEIRA, 1961, p.87). A proteção ao manancial colocava-se como uma prioridade, pois era condição para garantir o abastecimento de água de São Paulo. Dessa forma, o governo estadual baixava a Resolução no 1.180, de 12/03/1960, criando a Comissão da Bacia do Guarapiranga. Esta Comissão tinha a presidência do engenheiro citado, Walter E. de Oliveira, sendo também composta pelos engenheiros José Capochi, Armando Fonzari Pêra e Joaquim Thomé Filho, e sua finalidade era estudar e propor as medidas destinadas à instituição de zoneamento ou outras capazes de assegurar condições sanitárias e de potabilidade das águas da Represa do Guarapiranga. 14
A Comissão realizou estudos visando propor medidas gerais desti-
nadas à proteção das águas da Bacia da Guarapiranga. Apresentou um relatório qual expunha várias recomendações, como a instituição de um zoneamento na bacia, a elaboração de um plano geral do sistema de esgotos, regulamentação da localização das indústrias e das atividades recreativas e esportivas, desapropriações, transferência do reservatório para o DAE, propaganda e educação sanitária etc. A falta de água ainda era um problema frequente na década de 1960, colocando o saneamento básico na pauta da agenda política. São Paulo havia se tornado uma metrópole, e o crescimento populacional exigia constantes e novas aduções de água a cada ano. Em abril de 1962 foi criada no DAE a Comissão Especial para o Planejamento das Obras de Abastecimento e Distribuição de Água da Capital – CEPA, presidida pelo famoso engenheiro Paulo de Paiva Castro. Esta Comissão apresentou, em 1963, um anteprojeto de Reversão do Capivari-Monos para a Guarapiranga, aumentando o volume de água para o consumo público. A ocupação dos subúrbios da Zona Sul de São Paulo pela classe trabalhadora se iniciou nos anos 1940. Durante a década de 1960 muitas obras foram feitas favorecendo o acesso à região, como a implantação das vias marginais ao Rio Pinheiros, permitindo a consolidação do parque industrial de Santo Amaro. O surgimento dessas empresas e indústrias na região provocou grande demanda por habitação, em um processo de expansão caracterizado pelo crescimento desordenado das periferias e pela ocupação das margens da Represa Guarapiranga, posteriormente definidas como áreas de proteção ambiental. Apenas na década seguinte é que surgiam as leis de proteção aos mananciais que, ao invés de conter, acabaram favorecendo ainda mais a ocupação, já que o Poder Público não conseguiu criar mecanismos efetivos de controle. Em 1968, foi criado o Plano de Controle de Poluição das Águas para o Estado de São Paulo, organizado em decorrência do Decreto-Lei no 50.592, de 29/10/1968, que contemplava a Bacia do Guarapiranga com um plano de controle da poluição. Em 1971, por resolução da Secretaria de Serviços e Obras Públicas do Estado foi constituído um grupo de trabalho com a finalidade de coor-
15
denar e acompanhar as providências necessárias ao desenvolvimento de um programa destinado ao controle de poluição das águas da Bacia do Guarapiranga, compreendendo as obras necessárias e outras atividades correlatas. O desenvolvimento de algumas grandes obras de infraestruturas urbanas - como nos casos da canalização e reversão do Rio Pinheiros nos anos 1940-50, a construção das vias marginais ao Rio Pinheiros, a consolidação do parque industrial de Santo Amaro (Jurubatuba) na década de 1960, a linha de trem de Jurubatuba, as avenidas 23 de Maio, Teotônio Vilela, Estrada do M’Boi Mirim e Rodovia Régis Bittencourt - favoreceram o processo de expansão da mancha urbana na região Sul de São Paulo, onde se localizam os mananciais das represas Guarapiranga e Billings. A Auto-Estrada Washington Luís (figura 4) - agora denominada Avenidas Washington Luís e Interlagos -, da mesma forma que proporcionou acesso fácil para recreação na região, tornou-se elemento condutor do crescimento da região a partir dos anos de 1960. Com a instalação de parques fabris nos terrenos retificados junto ao Rio Pinheiros e a inauguração da linha do trem Ramal de Jurubatuba, a região tornou-se atrativa para habitação devido à oferta de empregos e acesso ao centro.
16
Figura 4: Avenidas Washington Luís e Interlagos em 1937. Fonte: B.J. Duarte. Departamento do Patrimônio Histórico da Prefeitura de São Paulo.
Entre 1975 e 1976 foram editadas as leis 8983 e 1.1724 para o controle da urbanização na região entre represas. Entretanto, faltou a efetivação destas leis, permitindo que grupos individuais ou coletivos ocupassem a região com moradias precárias, sem infraestrutura e sem apoio do Estado. Para o Estado era relativamente conveniente de ocupação por transferir aos habitantes o problema da habitação, além de usá-los como massa política para atender determinados interesses. Este período, que perdurou até os anos de 1980, pode ser denominado como de ocupação desordenada das represas.
A existência de legislação não foi suficiente para barrar o crescimento da ocupação da Bacia da Guarapiranga. Pelo contrário, de certa forma favoreceu o uso irregular da região, pois promoveu a desvalorização da área para usos urbanos legais – estabeleceram-se critérios legais muito rígidos para ocupação da área. Esse fato, em associação a um sistema de fiscalização pública precária e a uma metrópole que convivia com um crescimento populacional vertiginoso e com um déficit de habitação para as classes populares, além da presença de loteadores que agiam clandestinamente, favoreceu a ocupação irregular dos mananciais da Guarapiranga. O crescimento populacional no manancial foi considerável, alcançando dimensões praticamente irreversíveis – ou no mínimo delicadas -, pois comprometem a qualidade das águas da represa. Soma-se a isso a carência de infraestruturas de saneamento básico em muitos dos loteamentos clandestinos e irregulares, e favelas presentes na região, favorecendo o lançamento de esgoto doméstico in natura no corpo d’água da represa.
3 Lei disciplina o uso do solo em regiões de mananciais. 4 Estabelece perímetros de proteção aos mananciais.
O crescimento populacional foi elevado: 332.000 habitantes em 1980; 548.000 em 1991; e 645.000 em 1996. As respectivas taxas de crescimento foram de 4,7% e 3,3%. As favelas foram responsáveis, em 1996, por cerca de 100.000 habitantes, situados em córregos que drenam diretamente para o corpo da represa, dotadas de péssimo serviço de infraestrutura urbana. A partir de 1980 eventos de floração algal tornaram-se frequentes na represa e chamaram a atenção da sociedade
17
para os problemas da bacia.
Dados mais recentes indicam a presença de aproximadamente 800.000 moradores na bacia, dos quais cerca de 60% vivem no município de São Paulo. Em 1997, foi promulgada a Lei Estadual 9.866, que além do princípio de proteção dos mananciais, reconhece a existência da ocupação irregular na área e estabelece o princípio de recuperação das áreas degradadas. Em 2006, foi aprovada a Lei Específica para a Guarapiranga – Lei 12.233, que dentre outras características, considera as particularidades do manancial. Em agosto de 2000, foi implantado o Sistema de Transferência Taquacetuba, que consiste na reversão das águas do braço Taquacetuba da Represa Billings para a represa Guarapiranga, através de um canal, visando aumentar o volume de captação de água para abastecimento da Região Metropolitana de São Paulo.
O processo de crescimento descontrolado da mancha urbana sobre os mananciais da Represa Guarapiranga coloca em risco a capacidade de abastecimento deste importante manancial da metrópole de São Paulo, pois além de promover a degradação da cobertura vegetal e a impermeabilização do solo, favorece o lançamento de esgotos e dejetos urbanos na represa e a contaminação de córregos e das águas subterrâneas que drenam para o seu corpo d’água, comprometendo a qualidade e a quantidade de água disponível.
18
3
PERFIL DEMOGRÁFICO DA REGIÃO
As Subprefeituras de Capela do Socorro e Parelheiros, situadas no extremo Sul de São Paulo, concentram um terço do território municipal5. Grande parte dessas Subprefeituras está em área de proteção aos mananciais, compreendendo os reservatórios Billings e Guarapiranga, responsáveis pelo abastecimento de 30% da população da Região Metropolitana de São Paulo. Contudo, vale ressaltar que isto não impediu a ocupação do território, a qual ocorreu de modo desordenado e sem planejamento. É interessante observar os contrastes dos padrões de ocupação do solo que ocorrem nessa região: na margem direita da Represa Guarapiranga, sobretudo nos distritos de Socorro e Cidade Dutra, concentram-se bairros de alto padrão; por outro lado, nas proximidades da Represa Billings, principalmente no eixo do Ribeirão Cocaia, o padrão de ocupação é marcadamente irregular de baixa renda; em direção aos distritos de Parelheiros e Marsilac, extensas áreas de chácaras e sítios apresentam baixa densidade de ocupação.
A Subprefeitura de Parelheiros abrange uma área de 35.350 hectares e a de Capela do Socorro, 13.420 ha (sendo que o total do Município de São Paulo é de 150.900 ha).
5
Parelheiros como um todo e um pequeno trecho do distrito do Grajaú (Subprefeitura de Capela do Socorro) encontram-se em Zona Rural. Por outro lado, os trechos mais ao norte da Capela do Socorro pertencem ao vetor de urbanização sudoeste da cidade, delimitado ao norte pelas regiões de Santo Amaro e Cidade Ademar, e por M’Boi Mirim a noroeste. Em escala metropolitana, a região faz limite a leste com o município de São Bernardo do Campo, a oeste com Itapecerica da Serra e Embu-Guaçu e, ao sul, com os municípios de Itanhaém e São Vicente a partir da Serra do Mar. A região em questão apresenta condicionantes de preservação ambiental que são fundamentais à Metrópole de São Paulo. No entanto, as crescentes ocupações em direção ao extremo sul do Município revelam a necessidade urgente de um planejamento urbano que limite o avanço sobre as áreas de proteção ambiental, e que, ao mesmo tempo, garanta infraestruturas urbanas à população que hoje vive em condi-
19
ções de alta vulnerabilidade social. Nesse sentido, o distrito do Grajaú aparece como área de estudo relevante, justamente por abrigar essa dualidade entre preservação ambiental e urbanização, e exigir uma intervenção para melhorias em ambos os aspectos.
Com relação ao Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo aprovado em 2014 (PDE), o distrito do Grajaú encontra-se na Macrozona de Proteção e Recuperação Ambiental, que corresponde a “um território ambientalmente frágil devido às suas características geológicas e geotécnicas, à presença de mananciais de abastecimento hídrico e à significativa biodiversidade, demandando cuidados especiais para sua conservação” (SÃO PAULO, 2014). No que diz respeito às Macroáreas do PDE 2014, o distrito abrange quatro delas: Macroárea de Recuperação Urbana e Ambiental, Macroárea de Redução da Vulnerabilidade Urbana, Macroárea de Contenção Urbana e Uso Sustentável e Macroárea de Preservação de Ecossistemas Naturais. A população da Subprefeitura de Capela do Socorro apresenta baixo crescimento demográfico, porém esta constatação é distorcida, pois, enquanto os distritos de Socorro e Cidade Dutra apresentam baixo crescimento ou até mesmo crescimento negativo, o Grajaú apresenta taxas superiores à média municipal, como se pode observar no gráfico 1.
20
Gráfico 1: Taxa de crescimento populacional entre 2000 e 2010. Elaboração: SMDU. Fonte: IBGE.
O crescimento populacional no distrito do Grajaú ocorreu de modo precário e caracteriza-se hoje pela presença de muitos loteamentos precários e favelas (mapa 3), sobretudo nas proximidades da Represa Billings junto ao braço do Ribeirão Cocaia. Esse elevado crescimento demográfico associado ao baixo poder aquisitivo da população, à carência de políticas públicas e às restrições ambientais das áreas de mananciais levaram à intensa ocupação irregular da região, com características periféricas.
Mapa 3: ZEIS e assentamentos precários. Elaboração: SMDU. Fonte: SEHAB e PDE 2014.
21
As leis de Proteção aos Mananciais6 também reduziram a tendência de implantação de indústrias nesta região, tal como vinha acontecendo durante as décadas de 1950 e 1960 com o avanço do polo industrial do município para Santo Amaro e o ABC Paulista. Com isso, a região caracteriza-se pela carência de usos não-residenciais, com bairros que funcionam basicamente como dormitórios (mapa 4).
22
Leis 878/1975 1.172/1976.
6
e
Mapa 4: Usos não-residenciais. Elaboração: SMDU. Fonte: SMDU.
A falta de comércios e serviços implica em longos deslocamentos da população para trabalhar (mapa 5) e que não são acompanhados por boa infraestrutura de mobilidade, uma vez que a irregularidade de ocupação da região impediu investimentos do poder público em infraestrutura. As principais ligações entre o Grajaú e as áreas centrais de São Paulo ocorrem pela Avenida Senador Teotônio Vilela (continuação da Interlagos) e pela Linha 9, Osasco - Grajaú, da CPTM (antigo Ramal
Mapa 5: Eixos de transporte e tempo de deslocamento casa-trabalho. Observar a diferença em relação ao Município de São Paulo. Elaboração: SMDU. Fonte: Pesquisa Origem Destino 2007.
23
de Jurubatuba), que está em obras para estender até a Avenida Paulo Guilguer Reimberg, próximo do Terminal Varginha. Além disso, as Avenidas Paulo Guilguer Reimberg e Dona Belmira Marin também correspondem a importantes eixos de mobilidade no interior do distrito. O eixo da Av. Senador Teotônio Vilela, que hoje compreende corredor de ônibus, corresponde a Eixo de Estruturação da Transformação Urbana existente de acordo com o PDE 2014. A Av. Dona Belmira Marin faz parte do Eixo de Transformação Urbana Previsto pelo PDE, com corredor de ônibus planejado (mapa 6).
24
Mapa 6: Eixos de estruturação da transformação urbana. Elaboração: SMDU. Fonte: PDE 2014.
O PDE 2014 traz, ainda, os parques municipais existentes e planejados (mapa 7). No Grajaú, são parques implantados: Linear América, Linear Cantinho do Céu – Fase I, Linear Ribeirão Cocaia (Núcleos Opção Brasil, Chácara Tanay e Chácara do Conde I), Natural Municipal Bororé (Rodoanel), Natural Municipal Varginha (Rodoanel), Shangri-la e Jardim Prainha. Os parques em planejamento são Linear Aristocratas, expansão do Linear Cantinho do Céu, CEU Três Lagos Fase 2, expansão do Linear Ribeirão Cocaia. Entre os parques naturais planejado encontram-se Mananciais Paulistanos Billings e Mananciais Paulistanos Castanheiras e o Parque Linear Várzea do Cocaia Fase 1.
25
26
Mapa 7: Parques Municipais existentes e planejados. Elaboração: SMDU. Fonte: SVMA.
O Zoneamento aprovado em 2016 evidencia os eixos de estruturação da região existentes e previstos, bem como zonas mistas subjacentes a eles. No distrito do Grajaú, percebe-se a concentração de áreas de preservação ambiental ao sul, enquanto ao norte as ZEIS 1 são predominantes, sobretudo junto ao Ribeirão Cocaia (mapa 8).
Mapa 8: Zoneamento. Elaboração: SMDU. Fonte: Zoneamento 2016.
27
Diante de toda a caracterização levantada, delimita-se como área de estudo a bacia hidrográfica do Ribeirão Cocaia, que concentra grandes quantidades de ZEIS 1, o eixo de estruturação previsto junto à Av. Belmira Marin e, principalmente, áreas de preservação ambiental junto ao córrego e às áreas verdes existentes.
28
4
ÁREA DE ESTUDO: SUB-BACIA DO RIBEIRÃO COCAIA A sub-bacia do Ribeirão Cocaia pertence à Bacia Hidrográfica Billings, que é a maior represa da Região Metropolitana de São Paulo. A Represa Billings sofre, no entanto, intenso processo de poluição de suas águas em função de lançamento de esgoto sem tratamento e deposição de lixo, a partir das ocupações irregulares junto à Represa e aos seus tributários.
A hierarquização de córregos são: primeira ordem, quando o canal não tem tributários; segunda ordem, ocorre no encontro de dois canais de primeira ordem; terceira ordem recebe cursos de água da segunda ordem; finalmente os rios de quarta ordem são receptáculos dos cursos d’água de terceira ordem. 8 Desenho da sub-bacia é análogo a uma folha, com afluentes equivalentes em cada lado. 7
O Córrego Reimberg Cocaia ou Ribeirão do Cocaia (figura 5), com aproximadamente 4,8 quilômetros de extensão, é caracterizado pela presença de habitações precárias às suas margens e consequente degradação ambiental. De acordo com estudo do LabHab da FAU USP, a pedido da Secretaria do Verde e Meio Ambiente (SVMA), o córrego é um curso d’água de quarta ordem7 com 15 tributários, sendo sete deles de primeira ordem, seis de segunda e dois de terceira. Segundo a pesquisa, a sub-bacia do Ribeirão Cocaia tem padrão de drenagem dendrítica8, que corresponde a cursos tributários distribuídos em todas as direções da área correspondente à bacia, unindo-se através de ângulos agudos sem formar ângulos retos. As retificações, quando existentes, são fruto da ação humana. Com relação à declividade, é mais acentuada junto à nascente do Córrego Cocaia, porém não ultrapassa de 60%, enquanto ao longo do córrego a declividade é mais suave, em torno de 5%. O sistema viário da região é bastante consolidado, com grande parte das vias pavimentadas e destaque para a Av. Dona Belmira Marin (figura 6), importante eixo de atividades comerciais e de serviços e com grande concentração de fluxos de veículos e pessoas. O trecho em que a Avenida cruza o Ribeirão Cocaia sofre constantes alagamentos, de acordo com moradores da área. Ali também está situado o Conjunto Habitacional Brigadeiro Faria Lima, além de diversas habitações precárias nas proximidades do curso d’água.
29
Figura 5: Foz do Ribeirão Cocaia. Fonte: SVMA.
30
Figura 6: Avenida Dona Belmira Marin. Embora na imagem esteja com poucos veículos, é uma avenida bastante movimentada caracterizada pela grande quantidade de comércios e serviços. Fonte: Assessoria de Imprensa - SPTrans.
Os equipamentos públicos na região estão restritos às escolas e unidades de saúde, com ausência de equipamentos de lazer, cultura e de prestação de serviços. Por se tratar de uma região ocupada de modo irregular, a população carece também de áreas livres e de lazer. Na região há fragmentos significativos de agricultura (figura 7), de escala comercial. Com o estabelecimento de Zona Rural no PDE 2014, abre a possibilidade de incentivar este modo de ocupação no território, através de práticas sustentáveis que não agridam o meio ambiente.
Figura 7: Agricultura no Grajaú. Fonte: SVMA.
31
A preocupação com a recuperação das margens do Ribeirão Cocaia através de parques e caminhos verdes permite não só a preservação dos recursos hídricos, solução de problemas de enchentes e a recuperação de áreas verdes degradadas, mas também a criação de áreas de lazer, fruição, mobilidade e desenvolvimento urbano, conforme os artigos 272 e 273 do PDE 2014, trabalhando a infraestrutura verde atrelada a outras infraestruturas urbanas. A recuperação e preservação das margens do córrego, as soluções habitacionais, a melhoria dos fluxos viários e a implantação de equipamentos e espaços de lazer garantem melhorias não só aos habitantes locais, mas trazem impactos de nível regional.
A partir desta análise, delimitou-se como área de intervenção o trecho situado entre a Rua Opção Brasil Natal até a foz do Ribeirão Cocaia junto Represa Billings. É o principal espaço livre da região, de caráter predominantemente linear, acompanhando o Ribeirão Cocaia. Ao longo dos 2,65 km de extensão há apenas um ponto de transposição sobre a área, quando a Avenida Dona Belmira Marin cruza o ribeirão. O perímetro da intervenção (figura 8) faz parte da expansão do Parque Linear Cocaia, previsto no Plano Diretor Estratégico de 2014, como forma de preservar a Represa Billings e um dos maiores remanescentes de área verde do Grajaú.
32
Figura 8: Perímetro de intervenção. Elaboração: Autores. Fonte: Google Earth.
A região é conhecida como “Braço do Cocaia” da Represa Billings. O entorno é caracterizado por conjuntos habitacionais, favelas e ocupações irregulares, com a maioria das construções não voltadas para a represa, omitindo a paisagem da região e não reconhecendo o lugar, de tal forma que natureza e sociedade não convivem harmoniosamente, apesar de estarem sob o mesmo território (figuras 9 a 11).
33
Figura 9: Avenida Dona Belmira Marin e conjuntos habitacionais presentes na área de intervenção. Fonte: Foto dos autores.
Figura 10: Ribeirão cocaia em vista a partir da Av. Dona Belmira Marin. Fonte: Foto dos autores.
34
Figura 11: Habitações irregulares junto ao Ribeirão Cocaia. Fonte: Foto dos autores.
11 9 10 35
36
5 MASTERPLAN DE INFRAESTRUTURA VERDE
A proposta não é apenas sob o viés ecológico, mas com interação paisagística, abrangendo além da ecologia os sistemas sociais, culturais, históricos e urbanos (HELLMUND E SMITH, 2006).
Atualmente esta área é vista como barreira física entre os bairros. Visamos inverter esta lógica e transformar em ponto de convergência das forças do entorno, ativando através de usos e funções as bordas das barreiras. O eixo de mobilidade tem como objetivo potencializar os usos na região, reconhecendo e interagindo com os elementos da paisagem, ocasionando a valoração desta. Para Forman e Shelman (1997) há maior reconhecimento da população da importância ecológica e paisagística dos espaços verdes são qualificados em termos de apropriação, não sendo apenas um mero dispositivo oficial de zoneamento com restrições de uso.
Reconhecemos a hidrografia local como estruturador da infraestrutura verde e da paisagem. Junto ao Ribeirão Cocaia estará a via-parque estrutural, com duas pistas binárias, calçada larga (5 m), com ciclovia, corredor de ônibus e arborização viária como forma de criar eixo ecológico de avifauna. Entre as pistas ficará a vegetação ripária restaurada do. Ribeirão Cocaia. A via-parque é a articuladora do sistema de infraestrutura verde proposto. Ao longo da via-parque estarão equipamentos como o Parque Cênico, polos de agricultura orgânica, praças lineares, novos loteamentos e o wetland próximo à foz do Ribeirão Cocaia. Todas estas estratégias de infraestrutura verde foram projetadas para serem de apropriação pública e multifuncionais. Nas figuras 12 e 13 estão representados o masterplan de infraestrutura verde e o recorte da área de intervenção.
37
38
Figura 12: Masterplan de Infraestrutura Verde. Elaboração: Autores.
Figura 13: Área-foco de intervenção. Elaboração: Autores.
39
A via-parque conectará a Avenida Dona Belmira Marin e a Rua Antônio Carlos Benjamin dos Santos, criando conectividade intra-bairro e alternativa à Avenida Senador Teotônio Vilela. Esta via-parque constituirá em eixo de adensamento, através do conceito de Transit Oriented Development (TOD). Para Calthorpe (1993) o adensamento junto às vias de grande movimentação é uma das formas de evitar que a infraestrutura instalada seja utilizada para um único uso. Com outros usos promoverá melhor aproveitamento da infraestrutura, atenuando os custos de implantação, portanto uso mais racional do solo e dos recursos, unindo em um mesmo eixo mobilidade, emprego, moradia, equipamentos públicos, corredor ecológico e tratamento de água. O Parque Cênico estará situado no ponto mais alto da região e o denominaremos Morro do Cocaia em alusão ao ribeirão homônimo. O parque visa manter a potência paisagística que o Morro proporciona, além de preservar a vegetação existente.
Os polos de agricultura serão implantados em encostas e terrenos não indicados à ocupação humana. Para evitar a contaminação do solo, da água e do ar, será incentivada a agricultura orgânica. O estabelecimento de uma atividade econômica ocasionará em uma paisagem produtiva, através dos negócios que a agricultura irá proporcionar, como abastecimento de feiras, restaurantes, mercados, escolas, emprego de mão-de-obra local. Para proporcionar benefício a uma parcela maior da população, imaginamos que a atividade seja gerida por cooperativas locais de moradores. A atividade agrícola não é estratégica apenas do ponto de vista econômico, mas da segurança alimentar, proporcionando alimentos para as populações de baixa renda da região.
40
Praças Lineares serão implantadas nos afluentes do Ribeirão Cocaia. São espaços públicos de abrangência local e cotidiana da população do entorno. Denominamos praças lineares por sua configuração aberta, permitindo o confronto, negociações, diálogos, elevando a presença da esfera pública no local. As praças lineares (figura 14) irão compor, junto com a via-parque e o wetland, a rede de infraestrutura verde da região.
Figura 14: Corte evidenciando uma das praças lineares junto ao afluente do Cocaia. Elaboração: Autores.
Os novos loteamentos serão destinados aos moradores das favelas e de loteamentos irregulares que serão removidos devido às intervenções serem implantadas. Predominarão edificações verticalizadas, com uso misto, próximos aos eixos de transporte público. Cada quadra terá estratégias de infraestrutura verde, como o uso de jardins de chuva, sistemas de captação de águas pluviais, pátios internos, arborização viária, materiais de baixo impacto ambiental, etc. A arborização do projeto foi dividida em cinco categorias, conforme as intenções e funções do projeto: corredor ecológico; arborização local; praças; praças lineares e marcos visuais. Serão empregadas espécies nativas da região de São Paulo, conforme a portaria 61/2011 da SVMA. No corredor ecológico, situado à via-parque, terá espécies que incentivam a passagem da avifauna pela presença de pequenos frutos, como Eritrina Candelabro, Cambuci, Pata-de-vaca e Jabuticabeira.
A arborização local será nas novas quadras e nas existentes, como forma de atenuar a temperatura local, absorção de poluentes e como forma de criar experiências lúdicas entre as árvores e as edificações através das cores. As espécies serão Quaresmeira, Ipê-branco e Ipê-roxo-de-bola, pois são árvores de pequeno porte e que não têm conflitos com os fios da rede aérea. Visa criar um mosaico de cores vibrantes que contrastem com o predomínio cinza do entorno. Serão usadas árvores de porte pequeno que não interfiram na rede aérea de fios, como Quaresmeira, Ipê-Roxo.
41
Nas praças serão utilizadas Paus-ferros por serem árvores que possuem copas maiores e, portanto, maior área de sombra em relação as outras árvores. As praças lineares terão espécies que auxiliam na recuperação de corpos d’água degradados, como o Ingá, a Sangra d’Água e a Embaúba.
Nos marcos foram empregadas árvores com copas altas e com trocos esbeltos, para não obstruírem a visão do wetland. Foram escolhidas as árvores Pau-formiga e o Guapuruvu por terem estas características. Em lotes onde há vegetação significativa serão incentivados os proprietários a manterem-na, em troca de receber compensação financeira pela preservação, através do Plano Municipal de Áreas Prestadoras de Serviços Ambientais, previsto no Plano Diretor de 2014 de São Paulo.
O wetland está situado entre a Avenida Dona Belmira Marin e a foz do Ribeirão Cocaia, em ponto onde é possível observar a Represa Billings. O wetland terá a função de reter as águas pluviais e tratar a poluição difusa através da fitorremediação. O wetland é uma ação pragmática que visa criar condições para usar toda a Represa Billings para abastecimento, adequando ao novo cenário de escassez de água na Região Metropolitana de São Paulo. Mais do que ser elemento da infraestrutura verde, o wetland é a oportunidade de aproximar a população da natureza, elevando a consciência sobre a importância da ecologia no cotidiano. A via-parque, parque cênico, praças lineares e o wetland, pela abrangência no território, criam oportunidades de estruturar a região pelos espaços livres. Na figura 15 é possível ver o esquema da proposta de intervenção, considerando os vários elementos trabalhados.
42
Figura 15: Esquema da proposta de intervenção. Elaboração: Autores.
43
44
6
WETLAND: ESTRUTURAS MULTIFUNCIONAIS ATRAVÉS DA MOBILIDADE Os espaços públicos atuais - entendidos aqui como parques e praças - são estruturas de alto custo para as municipalidades, pela constante manutenção de equipamentos de apoio, das áreas verdes – que geralmente atendem uma determinada preferência estilística, como gramados, podas de árvores e limpeza de plantas junto aos cursos d’água. No wetland pretendemos que ocorram os processos naturais, com plantas que não precisem de podas e que possam reverter em serviços para a região. A área-foco de intervenção é entre a Avenida Dona Belmira Marin e a foz do Ribeirão Cocaia (figura 16). Ao redor desta área encontram-se os bairros Jardim Reimberg, Jardim Cocaia e o Conjunto Habitacional Brigadeiro Faria Lima, além de áreas ocupadas ilegalmente.
45
46
Figura 16: Implantação da proposta de intervenção. Elaboração: Autores.
Atualmente o local é apenas espaço livre com pouca utilidade, há a presença de alguns caminhos, depósitos de lixo e algumas ocupações sobre a área, mostrando a pressão por habitação na região, mesmo com os riscos de ocupar uma área suscetível à alagamentos, como ocorre junto à Belmira Marin em períodos de chuvas. É um dos maiores potenciais paisagísticos da região do Grajaú, pois de um lado há o Morro do Cocaia e do outro a Represa Billings. A morfologia urbana não possibilita esta percepção por quem vive no local, pois as edificações não estão voltadas para a represa e a ausência de usos sociais faz com que não haja o reconhecimento público do lugar, sendo apenas um local inóspito.
Esta constatação foi a base para a primeira diretriz do projeto: a abertura para a represa, através da remoção de ocupações irregulares, a extensão da via-parque até a área-foco, criando uma “frente” para a área e a mudança do traçado da Belmira Marin, com o traçado adequado ao movimento dela, além da elevação da via sobre o Córrego Cocaia. Tanto a Belmira Marin quanto as vias que circundarão o wetland estará na cota 750m, três metros acima do nível da água.
A elevação da Belmira Marin (figura 17) permitirá que as enchentes possam ocorrer sem afetar o fluxo de veículos e pessoas. Neste trecho a Belmira Marin terá duas pistas e novo traçado, transformando a antiga, adjacente ao Conjunto Habitacional Brigadeiro Faria Lima, em via local, com dispositivos de traffic calming. A estratégia é retirar o tráfego pesado que circula inadequadamente nesta via para a nova, com capacidade maior, enquanto que a conversão da antiga pista em local tornará ela mais adequada aos pedestres do novo conjunto habitacional proposto a ir até o Jardim Cocaia. Propomos novas transposições sobre o Ribeirão Cocaia, seja de pedestres quanto de veículos, aproximando os dois lados, criando novas dinâmicas urbanas. Estas transposições poderão ser pontos de observação para o Ribeirão Cocaia, Morro do Cocaia, a Represa Billings ou os bairros do entorno. A proposta pode ser visualizada na figura 18.
47
48
Figura 17: Corte evidenciando a elevação da Av. Dona Belmira Marin. Elaboração: Autores.
49
50
Figura 18: Implantação da proposta de intervenção. Elaboração: Autores.
Na borda externa do viário circundante do wetland estará algumas estruturas que apoiarão o espaço livre: moradias, polos de agricultura e as praças lineares, enquanto que no anel interno estará o wetland propriamente dito, com as espécies como caniço-de-água, bunho, Typha latifolia e Isoetes lacustis, que farão a fitorremediação das águas pluviais e do entorno. Em períodos mais secos, onde a função original estará reduzida, o espaço pode ser utilizado como local de recreação, eventos, manifestações comunitárias, atendendo a demanda reprimida de espaços públicos da região. Os taludes são substituídos por terraços escalonados (figura 19), solução milenar a mais adequada para áreas íngremes. Os terraços terão a presença de vegetação silvestre (juncos) e de flores como margaridas, agapantos e lavanda, permitindo experiências sensoriais para quem utilizar estes terraços como caminhos, lazer, descanso ou apenas para a fruição da paisagem.
Figura 19: Corte evidenciando os terraços escalonados da proposta. Elaboração: Autores.
51
Aproveitando o desnível acentuado do terreno em um trecho do wetland, foi construído um anfiteatro com campo de futebol. Por sua visibilidade junto à rua, área plana, integração com os terraços e a ciclovia, pode ser utilizado como local para feiras, festas comunitárias ou eventos esportivos.
Figura 20: Corte evidenciando a ciclovia da via-parque e o belvedere junto à calçada. Elaboração: Autores.
52
A ciclovia da via-parque adentra no wetland, na cota 747m, aproveitando o perfil do terreno e possibilitando a experiência da paisagem enquanto pedala. Em épocas de alagamento, o ciclista pode utilizar outros caminhos da borda. Assim como a via-parque, as calçadas têm 5 metros de largura, mais áreas para ciclovia e arborização viária. Sendo que alguns trechos são criados belvederes junto à calçada para observação da paisagem e como ponto de reunião (figura 20). Há também os decks, que proporcionam diversas experiências com o wetland, deste aproximar a pessoa da água até uma relação mais de observação, elevado a 9 metros do solo do wetland, e com pontos de intervenção intermediários, na cota 750m. Em alguns trechos é possível cruzar o Ribeirão Cocaia através de pedras, trazendo contato direto entre o homem e a natureza.
A cada 50 metros as calçadas são rebaixadas ao nível do leito carroçável como forma de escoamento das águas pluviais sem a utilização de jardins de chuvas ou biovaletas devido ao custo da manutenção constante. Os terraços também realizarão a fitorremediação antes da água chegar no wetland (figura 21).
Figura 21: Esquema de escoamento das águas pluviais. Elaboração: Autores.
53
A seguir, a implantação (figura 22) e tabela evidenciando a arborização utilizada na proposta de infraestrutura verde.
54
Figura 22: Implantação evidenciando a arborização. Elaboração: Autores.
Tabela: Tabela das espécies utilizadas (continua). Elaboração: Autores.
55
Tabela: (continuação) Tabela das espécies utilizadas. Elaboração: Autores.
56
7
CONSIDERAÇÕES FINAIS O masterplan busca equilibrar usos específicos e de grande escala (parque cênico e agricultura) com usos diversificados e menores (wetland e praças lineares), próximo aos conceitos que Forman (2014) elaborou sobre a malha grossa e a malha fina, e como a união destas cria um urbanismo com maior viés ecológico. A proposta pretende mostrar como o desenvolvimento urbano pode ser balanceado com a restauração ecológica, criando assim redes dinâmicas e multifuncionais, onde cada estrutura pode ter diversas atribuições além de sua função projetada. Um parque de drenagem, por exemplo, pode ser elemento de lazer, mobilidade, regulação climática, entre outros, muitos mais que a sua função original de drenagem. É uma reflexão de como deve ser, o que Chris Reed (2014) denomina, “ecologia híbrida”, que reúne as dinâmicas naturais, de infraestrutura e sociais simultaneamente.
57
58
8
REFERÊNCIAS ARAUJO, R.; SOLIA, M. Guarapiranga, 100 anos. Fundação energia e saneamento.
CALTHORPE, Peter. The next american metropolis – Ecology, community and the American Dream. Princeton Archictetural Press. Nova Iorque, 1993. FORMAN, Richard T. T. Ecologia urbana e distribuição da natureza nas regiões urbanas. Em: MOSTAFAVI, Mohsen; DOHERTY, Gareth (Orgs.). Urbanismo ecológico. Tradução de Joana Canedo. Editora Gustavo Gilli, 2014.
________; COLLINGE, Sharon K. Nature conserved in changing landscapes with and without spatial planning. Em: Landscape and Urban Planning. 37, pg. 129-135, 1997.
HELLMUND, Paul C.; SMITH, Daniel S. Designing greenways – Sustainable Landscape for nature and people. Island Press. Washington, 2006. OLIVEIRA, Walter E. de. Proteção das Águas da Bacia do Guarapiranga. In: Revista DAE, n. 42, setembro de 1961.
REED, Chris. A agência da ecologia. Em: MOSTAFAVI, Mohsen; DOHERTY, Gareth (Orgs.). Urbanismo ecológico. Tradução de Joana Canedo. Editora Gustavo Gilli, 2014.
SABESP - Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo. Dossiê Sistema Guarapiranga. Disponível em: <http://memoriasabesp.sabesp.com.br/acervos/dossies/dossies.asp>. Acesso em 9 dez. 2016. SÃO PAULO. Lei n. 16.050, de 31 de julho de 2014. Aprova a Política de Desenvolvimento Urbano e o Plano Diretor Estratégico do Município de
59
São Paulo e revoga a Lei n. 13.430/2002.
___________ . Lei n. 16.402, de 22 de março de 2016. Disciplina o parcelamento, o uso e a ocupação do solo no Município de São Paulo, de acordo com a Lei nº 16.050, de 31 de julho de 2014 – Plano Diretor Estratégico (PDE). Zoneamento 2016
SECRETARIA DO VERDE E MEIO AMBIENTE. Caracterização de áreas de estudo para a implantação de Parques Lineares. Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos - LABHAB, FAUUSP. São Paulo, 2006. Disponível em: <http://www.fau.usp.br/depprojeto/labhab/ biblioteca/produtos/pesquisa_analise_areas-parqueslineares03.pdf> Acesso em: 13 de dezembro de 2016.
SECRETARIA DO VERDE E MEIO AMBIENTE. Portaria 61/2011. Lista de Espécies Arbóreas Nativas do Município de São Paulo para Termos de Ajustamento de Conduta e Projetos de Recuperação Florestal, de Enriquecimento Florístico, paisagísticos, de Compensação Ambiental, de Arborização Urbana, entre outros que exijam plantio de espécies arbóreas nativas. Publicado no Diário Oficial do Município. São Paulo, 28 de maio de 2011. SECRETARIA MUNICIPAL DE DESENVOLVIMENTO URBANO (SMDU). Caderno das Subprefeituras – Capela do Socorro. São Paulo, 2015.
60
61
62