Parecer jurídico concurso de pessoal entrevista avaliação discricionariedade técnica fundamentação e

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A) OBJECTO

Veio remetido pelo Departamento de Gestão de Recursos Humanos

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a

este Departamento o recurso hierárquico (RH), apresentado por xxxxx, que aí deu entrada em xxx de 2006 e que veio interposto do despacho de homologação da lista de classificação final no concurso externo de ingresso para Técnico Superior (Área de Segurança xxxxx) de 2.ª classe, exarado pela Sr.ª Vereadora xxxxx em xxxxx de 2006.

B) APRECIAÇÃO

Questões prévias

1. No que concerne à determinação da entidade competente para decidir o recurso em apreço caberá atender a que o acto posto em crise com a interposição do mesmo é o mencionado despacho de homologação exarado pela Sr.ª Vereadora xxx e que esta, atenta a respectiva delegação de competências, estava juridicamente legitimada 2 a produzir de imediato um acto externamente vinculante desta edilidade em jeito de se configurar como a última palavra da Administração no que respeita à decisão

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Doravante “DGRH”. Tal legitimação resulta das competências que lhe foram delegadas pelo Sr. Presidente da Câmara, conforme resulta do n.º 7 do Ponto C respeitante à Sr.ª 2

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concursal, ou seja, um acto material, horizontal e verticalmente definitivo e executório 3, pelo que caberá qualificar o recurso interposto deste acto como recurso facultativo sendo, por outro lado, um recurso hierárquico impróprio conforme se alcança da parte final do n.º 1 do artigo 176.º do CPA 4.

2. Sucede, contudo, que a conjugação do disposto no artigo 43.º do DL 204/98 de 11 de Julho 5 face ao disposto no artigo 5.º do DL 238/99 de 25 de Junho

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parece sugerir que de tal despacho de homologação não

caberia qualquer via graciosa de impugnação mas apenas o directo e imediato recurso para os tribunais administrativos, acaso assim o pretenda quem se arrogue lesado com o acto.

Vereadora, inserido no Capítulo I do Despacho n.º xxxx/2005, de 15 de Novembro de 2005, publicado no BML n.º xxxx de xxxx de 2006. 3 Será verticalmente definitivo porque praticado pelo titular da competência ainda que delegada, será horizontalmente definitivo porque consubstancia o último passo do procedimento administrativo, será materialmente definitivo porquanto define a situação jurídica da recorrente e será executório uma vez que, tendo já sido notificado à recorrente, o despacho produz efeitos relativamente a si. 4 Uma vez que estão em causa dois eleitos locais – o Sr. Presidente da Câmara (delegante) e a Sr.ª Vereadora (delegada) – não nos parece que a relação de inter-ordenação entre ambos existente se acomode à figura da “hierarquia” mas antes à de “supervisão” ou à de “delegação sem hierarquia”. 5

Este diploma regula o concurso como forma de recrutamento e selecção de pessoal para os quadros da Administração Pública. 6

Este diploma adaptou o acima referido à administração local. 2


3. Uma tal interpretação vedaria, assim, que uma decisão de um dirigente municipal, de um vereador ou do presidente da câmara, pudesse ser reapreciada administrativamente enquanto reclamação ou recurso hierárquico ou sequer pudesse mesmo ser apresentada para esse efeito em tais serviços ou órgãos pois que estes estariam adstritos a um dever, fundado em tais aludidos segmentos legais, de proceder à sua rejeição liminar à luz da alínea b) do artigo 173.º do CPA.

4. Não nos parece que seja essa a única interpretação possível, ademais tendo em conta o vertido no Despacho de 17 de Maio do então Sr. Vereador xxxx: com efeito, da conjugação daqueles trechos normativos com o regime constante deste Despacho, entendemos mostrar-se defensável a interpretação de que o legislador terá pretendido tão-somente salientar que do despacho de homologação, ainda que exarado ao abrigo de uma (sub)delegação de competências, não cabe um necessário recurso hierárquico impróprio, podendo o impugnante desde logo e de imediato aceder à jurisdição administrativa 7.

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Deve-se salientar que ainda que assim se não entendesse, sempre seria devido integral respeito ao mencionado Despacho de xxx Maio de 2004. Isto porque, como designadamente se refere no Despacho de xxx Outubro de 2006 do Sr. Director Municipal de Recursos Humanos – despacho exarado no âmbito de um outro procedimento de recurso -, independentemente «(…) das soluções/posições jurídicas sobre o assunto, existe um despacho que se 3


5. No que respeita à legitimidade para recorrer, a recorrente preenche os respectivos requisitos enunciados no artigo 160.º do CPA por ser titular de um interesse legalmente protegido e por se considerar lesada pela decisão recorrida.

6. No tocante à tempestividade da interposição do recurso, importa atender a que a recorrente apesar de não requerer expressamente a revogação ou a modificação do despacho de homologação 8, vem manifestar a sua oposição à sua manutenção qua tale – o que, s.m.o., equivale a, implicitamente, requerer a sua modificação -, conforme se infere quando refere que procede «(…) ao presente requerimento, dado não concordar com alguns aspectos (…)» sendo que, de entre as “discordâncias” que enumera, a nenhuma associa qualquer das sanções típicas – a nulidade e a anulabilidade - pelo que, conjugando o nº 2 do artigo 168.º, ex vi do n.º 3 do artigo 176.º, ambos do CPA, com o disposto tanto no n.º 1 como no n.º 2 do artigo 58.º do CPTA, e atendendo ainda à data de notificação do despacho à ora recorrente e à data em que o recurso foi recebido nos serviços municipais – xxx de Maio de 2006 -, temos que a interposição do recurso foi tempestiva.

encontra, salvo melhor opinião, em vigor enquanto não for revogado por quem tem competência para o efeito (…)». 8 Cfr. N.º 1 do artigo 158.º do CPA. 4


7. Quanto à determinação do ens ad quem, mostra-se que o RH foi correctamente dirigido ao Sr. Presidente da Câmara atenta a sua competência, própria, que lhe é conferida pela alínea a) do n.º 2 do artigo 68.º da LAL e, bem assim, atento o disposto no mencionado Despacho de 17 de Maio.

Análise dos fundamentos do recurso

A) Prova de conhecimentos específicos

1. No que concerne à invocação de que o Júri não transmitiu, aquando da realização da prova em xxx de 2006, a definição das valorações a atribuir, contrariamente ao que fez relativamente à «(…) valoração global da pergunta (…)»

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e aos «(…) critérios gerais de classificação (…)»

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,

importa dizer que para respeito dos princípios da igualdade de condições e da igualdade de oportunidades relativamente aos candidatos, são para esse efeito funcionalmente garantidas i) a divulgação atempada dos métodos de selecção a utilizar, ii) a divulgação atempada do programa das provas de conhecimentos, iii) a divulgação atempada do sistema de classificação

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Ponto n.º 1 da Petição de Recurso. Idem.

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final e, bem assim, iv) a aplicação de métodos e critérios objectivos de avaliação 11.

2. Ora, uma vez que se encontra demonstrado no expediente – conforme a recorrente até expressamente vem a admitir, nos termos das suas duas anteriores citações – que no momento anterior ou, no máximo, contemporâneo à facultação da prova aos candidatos haviam já sido elaborados e divulgados os métodos de selecção (Aviso de Abertura), o programa das provas de conhecimentos (Aviso de Abertura), o sistema de classificação final (Aviso de Abertura), a valoração global de cada grupo de perguntas (Prova de Conhecimentos Específicos) e os critérios gerais de classificação (Prova de Conhecimentos Específicos), não se descortina nem em que específico segmento legal ou princípio de direito - que teriam, segundo o que resulta implícito da imputação da recorrente, de ter sido inobservados - nem em que concreta operação material do Júri é que a recorrente se pretende neste momento estribar a fim de sustentar a suspeita que formaliza quanto a uma composição ex post facto das

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Cfr. artigo 5.º do DL 204/98 de 11 de Julho. Naturalmente que, ainda que não explicitados neste artigo, subjazem-lhe também os princípios da isenção, da transparência e da imparcialidade. 6


respostas a verter nos resultados finais das provas a fim de o Júri os acomodar à «(…) ordenação dos candidatos pretendida (...)» 12.

3. Se, com efeito, o legislador desenhou um modelo destinado a garantir aqueles referidos princípios e se o Júri deu cabal cumprimento a tais injunções do legislador, porventura ultrapassando mesmo o que se lhe exigiria

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, cabe à impugnante aduzir fundamentadamente quais os

actos/omissões do Júri realizados em contravenção a tais parâmetros de actuação.

4. Ora, tal ónus de alegação e demonstração não é, por um lado, minimamente satisfeito na sua petição de recurso – em que tais imputações se apresentam como mero juízo conclusivo – nem, do confronto com os elementos constantes do expediente, se mostram oficiosamente

apreensíveis

actos/omissões

que

consubstanciem a

preterição de normas legais ou de princípios jurídicos.

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Ponto n.º 1 da Petição de Recurso. Isto porque se nos levantam dúvidas relativamente à exigibilidade legal de o Júri, já em sede de prova de conhecimentos específicos, ter de indicar a valoração a atribuir a cada um dos grupos de perguntas. Seja como for, tal indicação, se não for eventualmente de exigir, não será também negativamente valorável (abundans cautela non nocet). 13

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5. É que, conforme se refere na Informação n.º xxx de xxx de 2007 14, em zona de discricionariedade administrativa, de menor densificação legislativa ou mesmo de não previsão legislativa – in casu, incidente sobre matéria procedimental - a Administração não deixa de ficar presa à vinculação permanente que emana dos princípios gerais de direito – maxime, de direito administrativo – como sejam os da imparcialidade, isenção, transparência e igualdade, pelo que é, particularmente à luz destes que tal “exame oficioso de juricidade” deverá ser feito 15.

6. E, como referimos, o Júri, cumprindo por um lado inteiramente com o figurino legal constante dos artigos 5.º, 20.º e 27.º do DL 204/98 de 11 de Julho – e tendo mesmo eventualmente excedido, quanto à indicação da valoração a atribuir a cada um dos grupo de perguntas, tal patamar legalmente imposto -, não afrontou por outro lado - na parte em que, saliente-se, a tanto não estava por lei estritamente obrigado: especificação da cotação para cada uma das 24 questões – qualquer dos acima

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Subscrita pela Exm.ª Colega Dr.ª xxxx, do Núcleo de Concursos do DGRH. É, aliás, no campo da discricionariedade que os princípios jurídicos – que não as “meras” regras jurídicas - funcionam como verdadeiros limites da discricionariedade pois apenas neste domínio é que se logrará apreender a sua primacial justificabilidade: só quando a Administração goze de liberdade para escolher o comportamento a adoptar – ou seja, fora do campo dos poderes vinculados -, é que tais princípios, se violados, se configuram como uma autónoma fonte de invalidade. 15

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mencionados princípios jurídicos, nem sequer incorreu na lesão meramente potencial destes.

B) Entrevista profissional de selecção

1. Na entrevista profissional de selecção as deliberações do Júri reportam à chamada discricionariedade técnica, sindicável apenas quando invocado e demonstrado erro manifesto ou grosseiro.

2. Assim, sendo certo que se tal entrevista «(…) visa avaliar, numa relação interpessoal e de forma objectiva e sistemática, as aptidões profissionais e pessoais dos candidatos (…)»

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, não se pode porém

excluir algum grau de subjectividade inerente a qualquer operação de avaliação traduzida necessariamente em juízos de carácter pessoal baseados em impressões e apreensões subjectivas: essa a razão pela qual o legislador obriga a um reforçado dever de fundamentação das decisões do júri que procede à entrevista, assim visando aí sinalizar uma garantia de objectividade 17.

3. Ora, uma tal entrevista estará suficientemente fundamentada quando das respectivas fichas individuais se faça constar a actividade conducente

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N.º 1 do artigo 23.º do DL 204/98 de 11 de Julho. 9


à apreciação, valoração e graduação do desempenho dos candidatos – ou seja, o "procedimento metodológico" adoptado para a determinação e avaliação das suas capacidades e aptidões -, delas se podendo colher os elementos que tornem apreensível a um destinatário normal do acto as razões que levaram a pontuar de certa forma cada um dos candidatos, e estes entre si.

4. É o que ocorre in casu pois que relativamente a cada um dos candidatos – logo, também à recorrente - o Júri relatou com pormenor o modo como decorreu a entrevista, a postura por cada um evidenciada, a variedade

e

profundidade

da

experiência

profissional

ou

os

conhecimentos revelados.

5. Naturalmente que cumprido que se encontre tal dever de enunciação e relato pormenorizado da entrevista e efectuada que esteja a justificação de atribuição de determinada pontuação por directo reporte a tal enunciação, já não se mostra adicionalmente exigível qualquer suplementar justificação de tal pontuação, sob pena de se incorrer em fundamentação da própria fundamentação.

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N.º 2 do artigo 23.º do DL 204/98 de 11 de Julho. 10


6. Em face do exposto, e compulsadas as enunciações fundamentadoras constantes da ficha de entrevista da recorrente e, bem assim, das fichas dos demais contra-candidatos, também nós

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não logramos descortinar

qualquer erro grosseiro ou manifesto que se lhes possa assacar, designadamente qualquer tratamento diferenciado injustificado da recorrente. ◊ Assim, não nos parece passível de qualquer censura jurídica o despacho de homologação exarado pela Sr.ª Vereadora xxxx

a xxx de 2006,

devendo o mesmo por conseguinte manter-se inalterado.

CONCLUSÕES

I. À luz do artigo 160.º do CPA, a recorrente, tendo legitimidade no que concerne à interposição do presente recurso hierárquico, procedeu à sua tempestiva interposição. II. Uma vez que se encontra demonstrado no expediente que no momento anterior ou, no máximo, contemporâneo à facultação da prova aos candidatos haviam já sido elaborados e divulgados os métodos de

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Pois que já na Informação n.xxx de 23 de xxxx de 2007 se concluiu em sentido coincidente. 11


selecção (Aviso de Abertura), o programa das provas de conhecimentos (Aviso de Abertura), o sistema de classificação final (Aviso de Abertura), a valoração global de cada grupo de perguntas (Prova de Conhecimentos Específicos) e os critérios gerais de classificação (Prova de Conhecimentos Específicos), não se descortina nem em que específico segmento legal ou princípio de direito - que teriam, segundo o que resulta implícito da imputação da recorrente, de ter sido inobservados - nem em que concreta operação material do Júri é que a recorrente se pretende estribar a fim de sustentar a suspeita que formaliza quanto a uma composição ex post facto das respostas a verter nos resultados finais das provas a fim de o Júri os acomodar à «(…) ordenação dos candidatos pretendida (...)». III. Uma entrevista profissional de selecção estará suficientemente fundamentada quando das respectivas fichas individuais se faça constar a actividade conducente à apreciação, valoração e graduação do desempenho dos candidatos – ou seja, o "procedimento metodológico" adoptado para a determinação e avaliação das suas capacidades e aptidões -, delas se podendo colher os elementos que tornem apreensível a um destinatário normal do acto as razões que levaram a pontuar de certa forma cada um dos candidatos, e estes entre si.

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IV. É o que ocorre in casu pois que, compulsadas as enunciações fundamentadoras constantes da ficha de entrevista da recorrente e, bem assim, das fichas dos demais contra-candidatos, não logramos descortinar qualquer erro grosseiro ou manifesto que se lhes possa assacar, designadamente qualquer tratamento diferenciado injustificado da recorrente. IV. Propõe-se, pelo exposto: a) o indeferimento, por parte do Sr. Presidente da Câmara Municipal de xxxx do recurso interposto por xxxxx do despacho de homologação da lista de classificação final no concurso externo de ingresso para Técnico Superior (Área de xxxxx) de 2.ª classe, exarado pela Sr.ª Vereadora xxxx em xxxx de 2006, tudo nos termos e com os fundamentos constantes do presente Parecer e do expediente para que neste se remete, confirmando-se, assim, a decisão recorrida; b) a notificação da decisão supra à Recorrente, de acordo com os artigos 66.º e seguintes do CPA.

É este, salvo melhor opinião, o meu parecer.

Lisboa, 05 de Março de 2007. O Advogado 13


- João Manuel Vicente –

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