OBJECTO
Veio remetido a este Departamento pelo Gabinete da Sr.ª Directora do Departamento de Educação e ____, por força de despacho por si exarado em ____ de 2007 sobre a Informação n.º ____/07 de 23 de ____ de 2007, o presente expediente para análise e emissão de parecer relativamente às facturas n.ºs ____de ____/2003, no valor de € ____, e ____de ____/2003, no valor de € ____, ambas emitidas pela “____, SA”
1
e respeitantes à
campanha promocional “____ Parque” de 2003.
FACTOS
Para a presente análise, importa reter os seguintes factos:
1. O Pelouro da Juventude «(…) concebeu um projecto de animação para o Parque ____ durante os meses de Verão de 2003 tendo em conta a centralidade, acessibilidade e diversidade do Parque (…)» 2.
2. No âmbito «(…) desse evento foi solicitada à ____ uma campanha publicitária pela Exma. Sr.ª Assessora ____ do Gabinete da Exm.ª Sr.ª
1
Doravante apenas “RTP”.
2
Informação n.º 238/DEJ/DAJ/07 de 23 de Julho de 2007. 1
Vereadora ____ (…)» 3, o que veio a dar origem às duas indicadas facturas.
3. Nas buscas nas «(…) Bases de Dados de Protocolos de 2003 e 2004 não se encontrou nenhuma documentação que suportasse a realização desta despesa, nomeadamente um processo de aquisição de serviços efectuado pelo Gabinete da Exm.ª Sr.ª Vereadora ____a autorizar a consulta e a adjudicação à ____ do serviço, uma vez que foi este Gabinete que fez a solicitação do mesmo (…)» 4
4. Contactada a ____ na pessoa da Sr.ª Dr.ª ____, foi por esta remetida cópia de um fax de 5 de ____ de 2003.
5. Neste fax, enviado pela Srª Assessora da Vereadora ____, Dr.ª ____, ao Sr. ____ da ____, é informado que «(…) foi aprovada a campanha promocional que segue em anexo (…)».
APRECIAÇÃO
1. A questão que se coloca no expediente deverá ser equacionada, s.m.o., em dois polos: por um lado, i) aferição da observância estrita do processo de despesa subjacente à realização da despesa pública e, por outro lado, ii)
3
Idem. 2
a aferição da existência de uma prestação que já tenha (ou não) sido realizada e recebida por este Município e as consequências de tal advenientes.
i) aferição da observância estrita do processo de despesa
2. Sobressai do expediente remetido a este Departamento a patente inexistência de um processo de despesa, ou seja, de um complexo de actos jurídicos e de operações materiais ordenados e praticados no âmbito e segundos os termos correspondentes a um dos tipos de procedimentos précontratuais constantes do DL 197/99 de 8 de Junho e tendentes, a final, à aquisição de um bem ou de um serviço.
3. Não se mostra, pelo exposto, descortinável qual fosse, previamente à eleição do tipo de procedimento que cabesse adoptar, o valor estimado da prestação de serviços a adquirir
5
e, assim, inexiste designadamente
qualquer “proposta para escolha do procedimento”, “convite a entidades a consultar” (caso se devesse seguir a consulta prévia, ou mesmo o ajuste directo), “entrega de propostas”, “análise das propostas”, “projecto de decisão final/proposta de adjudicação”, “relatório final” e “despacho de
4
Idem.
5
Cfr. n.º 1 do artigo 16.º e artigo 24.º, ambos do DL 197/99 de 8 de Junho. 3
adjudicação”, conforme se mostraria exigível à luz do DL 197/99 de 8 de Junho e do CPA.
4. Parece-nos pois de concluir, quanto a este ponto, pela não satisfação tanto do regime do DL 197/99 de 8 de Junho como do CPA.
ii) aferição da existência de uma prestação já realizada e recebida pelo Município
5. Conforme aludido, não resulta demonstrado no expediente remetido a este Departamento que a ____ haja dado satisfação ao objecto da prestação que estaria a seu cargo: passagem de uma campanha publicitária.
6. Não se pode, pois, assentar desde já em que esta edilidade haja sido beneficiária de tal prestação por parte da ____.
7. A demonstração de que tal prestação tenha sido efectivamente satisfeita cabe, a título de onus probandi, à ____.
8. Admitindo, porém, que esta empresa venha conseguir provar a efectiva passagem da indicada campanha publicitária, entendemos que de tal eventual cumprimento não deveria resultar, em princípio, outra decorrência que não a liquidação à ____dos valores que lhe são devidos 4
por tal suposta prestação do serviço 6.
9. Isto porque se nos afigura que fosse qual fosse a gravidade dos vícios que se possam eventualmente detectar no procedimento, estes não deveriam constituir título jurídico bastante para fundar uma “justa causa de não pagamento” à ____.
10. Sucede, todavia, que se não pode descurar a eventualidade de com tal liquidação a essa entidade se poder vir a incorrer num “pagamento indevido” tal qual vem plasmado na Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas 7, no seu artigo 59.º 8, o que importa averiguar.
6
Isto porque se os actos e contratos inválidos, inexistentes ou ineficazes não
deveriam ser produzidos – e, logo, não deveriam produzir efeitos - facto é que os mesmos são editados e celebrados e produzem efeitos jurídicos. Pelo que se com determinado acto ou contrato se fundou uma relação jurídica da qual vieram a resultar prestações de um fornecedor e este não concorreu para o vício do acto ou contrato, estando aliás de boa-fé, a destruição daqueles não pode resultar em locupletamento da Administração à custa deste nem causar-lhe um dano injusto em relação aos efeitos patrimoniais já produzidos. 7
Este diploma, doravante apenas LTC, foi aprovado pela Lei 98/97 de 26 de
Agosto e sucessivamente alterado pela Lei 87-B/98 de 31 de Dezembro, pela Lei 1/2001 de 4 de Janeiro, pela Lei 55- B/2004 de 30 de Dezembro e pela Lei 48/2006 de 29 de Agosto. 5
11. Na Lei 86/89 de 8 de Setembro 9, diploma anterior ao actualmente vigente, a par de se referir expressamente que os “pagamentos indevidos” constituíam fonte do dever de reposição por parte dos respectivos responsáveis – cfr. artigo 49.º - , não se continha qualquer esboço de definição de tal figura.
8
«(…) Secção II “Da responsabilidade financeira reintegratória” Artigo 59.º
(Reposições por alcances, desvios e pagamentos indevidos) 1 - Nos casos de alcance, desvio de dinheiros ou valores públicos e ainda de pagamentos indevidos, pode o Tribunal de Contas condenar o responsável a repor as importâncias abrangidas pela infracção, sem prejuízo de qualquer outro tipo de responsabilidade em que o mesmo possa incorrer. 2 - Consideram-se pagamentos indevidos para o efeito de reposição os pagamentos ilegais que causarem dano para o Estado ou entidade pública por não terem contraprestação efectiva. 3 - A reposição inclui os juros de mora sobre os respectivos montantes, aos quais se aplica o regime das dívidas fiscais, contados desde a data da infracção, ou, não sendo possível determiná-la, desde o último dia da respectiva gerência. 4 - Não há lugar a reposição, sem prejuízo da aplicação de outras sanções legalmente previstas, quando o respectivo montante seja compensado com o enriquecimento sem causa de que o Estado haja beneficiado pela prática do acto ilegal ou pelos seus efeitos. (…)». 9
A qual tinha por epígrafe “Reforma do Tribunal de Contas”e foi
expressamente revogada nos termos da alínea l) do artigo 115.º da Lei 98/97 de 26 de Agosto. 6
12. Em anotação a este diploma de 1989, avançava-se que os “pagamentos indevidos”
«(…) para efeitos de responsabilidade financeira parecem ser aqueles que foram feitos com violação das regras legais que disciplinam os actos que originaram o dispêndio de dinheiros públicos quer esses actos se reportem directamente à fase do pagamento ou se situem em alguma fase anterior (…)» 10.
13. Mais se referia, ainda em anotação ao artigo 49.º, que
«(…) Como assinalam A.L.Sousa Franco (“Finanças Públicas e Direito Financeiro”, Coimbra, 1987, pág.425) e G.Oliveira Martins (“Lições sobre a Constituição Económica Portuguesa”, Vol II, “A Constituição Financeira”, Lisboa 1984/85, pág. 36), a existência de responsabilidade financeira é independente do dano efectivamente causado ao Estado ou a outro ente público, sendo este
um
aspecto
muito
importante
da
especificidade
da
responsabilidade financeira face à responsabilidade civil.
7
Daí que este preceito refira simplesmente a reposição das “importâncias
abrangidas
pela
infracção””,
isto
é,
as
importâncias que foram objecto da infracção. Pode assim dizer-se que o instituto da responsabilidade financeira visa não só proteger a simples integridade dos dinheiros públicos mas também a própria regularidade do processo da sua utilização, assim se explicando que, mesmo que da violação das normas não advenha qualquer prejuízo patrimonial – ou advenha mesmo, em sede patrimonial, um lucro – nem por isso deixa de ser possível a condenação em responsabilidade financeira (…)» 11 (realce nosso)
14. Sucede que a este entendimento perfilhado pelos citados AA se contrapunha, pacífica e uniformemente, a jurisprudência do Tribunal de Contas na qual se sufragava que apenas existiria reposição em face da
10
José Tavares e Lídio de Magalhães in “Tribunal de Contas – Legislação
Anotada, Índice Remissivo”, Almedina, 1990, pg. 135. 11
Idem. 8
ausência de uma contraprestação ou contrapartida para o património público 12.
15. Só com a revogação da Lei 86/89 de 8 de Setembro pela Lei 98/97 de 26 de Agosto
12
13
, é que, porém, de jure condito, tal entendimento
É o que se pode retirar do seguinte segmento da Sentença n.º 10/2005
(Processo
n.º
9-JRF/2003)
acessível
em
http://www.tcontas.pt/pt/actos/acordaos/2005/3s/st010-2005-3s.pdf : «(…) Anote-se que só no domínio da Lei n.º98/97, no (…) art.º59.º-n.º2, se definiu o conceito de “pagamentos indevidos”: até então, e, designadamente, na vigência da Lei n.º86/89, de 8 de Setembro, o conceito não tinha definição legal, embora justificasse a reposição dos dinheiros públicos (…) (…) a jurisprudência do Tribunal era pacífica e uniforme no entendimento de que a reposição só era exigível se os pagamentos ilegalmente efectuados não tivessem uma contrapartida para o património público, ou seja, a responsabilidade reintegratória e a reposição consequente só ocorreria se, tendo o pagamento sido feito em violação de lei, também daí tivesse ocorrido um dano para o património público, por ausência de contraprestação (…)». Em nota de rodapé transcrevia-se a este propósito o Acórdão n.º 213/95, de 20.10.95, também do Tribunal de Contas, em que se consignava: «(…) “Quando os pagamentos indevidos correspondam a contraprestações efectivas fundamentadas em reais necessidades de Serviço Público e não se evidenciando nos autos um propósito de favorecer injustificadamente os beneficiários dos pagamentos, nem que aos gerentes tenha advindo vantagens ilícitas ou ilegítimas, é relevada a responsabilidade” (…)». 9
jurisprudencial veio a ser legislativamente positivado porquanto se passou a dispor no homólogo artigo 59.º, inserido na Secção II (“Da responsabilidade financeira reintegratória”) do Capítulo V (“Da efectivação de responsabilidades financeiras”), como segue:
«(…) Artigo 59.º (Reposições por alcances, desvios e pagamentos indevidos) 1 - Nos casos de alcance, desvio de dinheiros ou valores públicos e ainda de pagamentos indevidos, pode o Tribunal de Contas condenar o responsável a repor as importâncias abrangidas pela infracção, sem prejuízo de qualquer outro tipo de responsabilidade em que o mesmo possa incorrer. 2 - Consideramse pagamentos indevidos para o efeito de reposição os pagamentos ilegais que causarem dano para o Estado ou entidade pública por não terem contraprestação efectiva. 3 - A reposição inclui os juros de mora sobre os respectivos montantes, aos quais se aplica o regime das dívidas fiscais, contados desde a data da infracção, ou, não sendo possível determiná-la, desde o último dia da respectiva gerência. 4 - Não há lugar a reposição, sem prejuízo da aplicação
13
Registe-se que a redacção dada ao diploma de 1989 pela Lei 7/94 de 7 de
Abril não teve incidência sobre a matéria de que ora se cuida.
10
de outras sanções legalmente previstas, quando o respectivo montante seja compensado com o enriquecimento sem causa de que o Estado haja beneficiado pela prática do acto ilegal ou pelos seus efeitos. (…)» (realce nosso)
16. Ora, em resultado desta alteração legislativa temos que o “pagamento indevido” ficou então legislativamente desenhado como sendo aquele pagamento i) ilegal, ii) que cause dano para o Estado ou entidade pública, iii) dano esse que o é por tal pagamento não ter uma contraprestação efectiva.
17. Mais: ainda que se conclua pela verificação de um “pagamento indevido”, a normal consequência que se lhe seguiria – a “reposição” dos correspondentes montantes – apenas subsistiria, sempre sem prejuízo de outras sanções legalmente previstas, quando o respectivo montante não fosse compensado
11
iv) com o enriquecimento sem causa de que o Estado haja beneficiado pela prática do acto ilegal ou pelos seus efeitos 14.
18. Ou seja, quando, concluindo-se pela existência de “pagamentos indevidos” – o que pressupunha a ausência de uma contraprestação efectiva -, se tivesse, porém, de relevar o dever de reposição (responsabilidade reintegratória) atento o “enriquecimento sem causa” de que fora beneficiário o património público, sempre restaria em todo o caso ao Tribunal apreciar da aplicabilidade de outras sanções ao infractor, a que
ele
permanecia
abstractamente
sujeito
(responsabilidade
sancionatória).
19. Recentemente
15
, tal diploma veio a ser objecto de nova alteração
legislativa, dispondo-se no actual artigo 59.º como segue:
14
Refere a este propósito Adalberto José Monteiro de Macedo in “Ilícitos
Financeiros”, 2000, Vislis Editores, pg. 27 (também a pg: «(…) Temperou-se assim o conceito de pagamento indevido com a figura civilística do enriquecimento sem causa (…)» (realce no original) porquanto «(…) Se bem que ilegais, esses pagamentos indevidos deixam de ser susceptíveis de reposição, quando sem causa justficativa o Estado “latu sensu” houver recebido dinheiro ou outros bens ou valores indevidamente, por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou, conforme se poderá inferir (…)» (realce no original). 12
«(…) Artigo 59.º “Reposições por alcances, desvios e pagamentos indevidos” 1 - Nos casos de alcance, desvio de dinheiros ou valores públicos e ainda de pagamentos indevidos, pode o Tribunal de Contas condenar o responsável a repor as importâncias abrangidas pela infracção, sem prejuízo de qualquer outro tipo de responsabilidade em que o mesmo possa incorrer. 2 - Existe alcance quando, independentemente da acção do agente nesse sentido, haja desaparecimento de dinheiros ou de outros valores do Estado ou de outras entidades públicas. 3 - Existe desvio de dinheiros ou valores públicos quando se verifique o seu desaparecimento por acção voluntária de qualquer agente público que a eles tenha acesso por causa do exercício das funções públicas que lhe estão cometidas. 4 Consideram-se pagamentos indevidos para o efeito de reposição os pagamentos ilegais que causarem dano para o erário público, incluindo aqueles a que corresponda contraprestação efectiva que não seja adequada ou proporcional à prossecução das atribuições da entidade em causa ou aos usos normais de determinada actividade. 5 - Sempre que da violação de normas financeiras, incluindo no domínio da contratação pública, resultar para a 15
Lei 48/2006 de 29 de Agosto. 13
entidade pública obrigação de indemnizar, o Tribunal pode condenar
os
responsáveis
na
reposição
das
quantias
correspondentes. 6 - A reposição inclui os juros de mora sobre os respectivos montantes, aos quais se aplica o regime das dívidas fiscais, contados desde a data da infracção, ou, não sendo possível determiná-la, desde o último dia da respectiva gerência. (…)» (realce nosso)
20. De tal redacção resulta ter sido ampliado o conceito de “pagamentos indevidos” na exacta medida em que se tornou qualitativamente mais exigente a qualificação da contraprestação que se mostre apta a eximir do dever de reposição – agora, além de ser efectiva, a contraprestação tem ainda de ser também adequada ou proporcional às atribuições da entidade que realiza a despesa ou aos usos normais da actividade -, de tudo vindo a resultar como mais gravosa a responsabilidade dos “contáveis”. 21. Com efeito, doravante, para efeitos do dever de reposição, serão ainda assimilados a “pagamentos indevidos” os pagamentos em que, pese embora exista uma contraprestação efectiva para o património público, esta não esteja num nexo de adequação ou proporcionalidade face às
14
atribuições a prosseguir pela entidade em causa ou face aos usos normais de determinada actividade 16.
22. A par de se afinar o conceito de contraprestação eximente do dever de reposição, abandonou-se a anterior menção expressa ao enriquecimento sem causa, menção que surgia na redacção de 1997 como sucessiva “segunda causa” ou “reforço” – a acrescer, pois, à exstência de uma “contraprestação efectiva” - tendente de igual modo à exoneração daquele dever de reposição. 23. Isto porque precisamente no segmento do artigo 59.º em que se aludia expressamente ao “enriquecimento” fazia-se igualmente a ressalva de que ainda
16
que
pudesse
operar
o
efeito
exonerativo
resultante
do
Registe-se que já em 2000, Adalberto Macedo, op. cit., pg. 52., como que
antecipando a futura letra da lei, referia relativamente ao artigo 59.º na redacção então vigente, que «(…) Não é todavia qualquer contrapartida ou contraprestação bastante para compensar o dever de reposição. Sob pena de o dano ou prejuízo para o Estado se tornar irrelevante, desde que haja uma contrapartida, qualquer que seja, é de exigir, neste particular, uma adequação ou proporcionalidade entre um e outro. Ou seja, é necessária alguma correspondência entre os valores ou fluxos fnanceiros apurados como dano ou prejuízo para o erário público e a contrapartida efectiva (…)» (realce no original). 15
“enriquecimento” tal efeito não prejudicaria a operância de outras eventuais sanções legais 17.
24. Com a revisão de 2006, como vimos, não só caiu a menção expressa ao “enriquecimento sem causa” como caiu também aquela expressa ressalva da aplicabilidade de outras sanções que com ela surgia acoplada na redacção de 1997 pelo que, atendendo a que desapareceu a primeira das menções – o “enriquecimento” –, a qual só operava no pressuposto de se ter já caracterizado uma “contraprestação efectiva”, poder-se-á colocar a questão de saber se continua a estar sujeito também a responsabilidade sancionatória o responsável por um pagamento indevido que dê azo a um dever de reposição, ou se o respectivo infractor fica constituído apenas, sem mais, nesse dever de repor?
25. Parece-nos incontestável que ambas as responsabilidades continuam a ser cumuláveis: é o que continua a resultar do n.º 1 do artigo 59.º e, bem assim, da alínea b) do n.º 1 e do n.º 4 do artigo 65.º (anterior n.º 5 na redacção de 1997). 17
«(…) Artigo 59.º “Reposições por alcances, desvios e pagamentos indevidos”
(…) 4 - Não há lugar a reposição, sem prejuízo da aplicação de outras sanções legalmente previstas, quando o respectivo montante seja compensado com o enriquecimento sem causa de que o Estado haja beneficiado pela prática do acto ilegal ou pelos seus efeitos. (…)» (realce nosso). 16
26. Quanto ao abandono da alusão literal ao “enriquecimento sem causa” parece-nos que tal figura, como já em face da redacção de 1997, permanece
apesar
disso
subjacente
ao
próprio
conceito
de
“contraprestação efectiva” enquanto expediente técnico-jurídico tendente a, num primeiro plano, salvaguardar no limite a satisfação do direito de crédito do fornecedor que contratou e ofereceu a prestação a que se obrigou perante a Administração
18
e, num segundo plano, valer como
cláusula de justiça comutativa na medida em que ao permitir relevar o dever de reposição na exacta medida em que o património público tenha sido beneficiado, reconhece e valora objectivamente tal “compensação” entre “patrimónios”, o que acarreta a desnecessidade de qualquer “reposição”.
18
É neste sentido que no regime desta figura, nos termos do n.º 1 do art. 473.º
do Código Civil, se contem a estatuição de que «(…) aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrém, é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou (…)», traduzindo-se a falta de causa justificativa na inexistência de uma relação ou de um facto que, à luz dos princípios aceites no sistema, legitime o enriquecimento. 17
27. De igual modo nos parece que o “enriquecimento”, mas agora apenas à luz daquele primeiro plano, se encontrará também subjacente à solução encontrada no novo n.º 4 do artigo 65.º 19.
28. Assim, interpretamos este inciso como estatuindo que quando se haja procedido a um pagamento que na sua génese tinha uma contraprestação efectiva do fornecedor que não era, porém, adequada ou proporcional às atribuições da entidade que realiza a despesa ou aos usos normais da actividade – ou seja, um “pagamento indevido” após a redacção de 2006 -, ficará o responsável pelo pagamento sujeito a repor tal montante, precisamente porque – assim nos parece – com tal pagamento o património público não terá sido beneficiado do modo que o legislador de 2006 entendeu valorar, desde então, como adequado e proporcional.
29. Feito este excurso, passemos a analisar em concreto a situação vertente, no pressuposto de que: o valor em causa, reclamado pela ____, respeita a uma campanha publicitária por si efectivamente satisfeita perante a sua credora (esta edilidade);
19
«(…) 5 - Sempre que da violação de normas financeiras, incluindo no
domínio da contratação pública, resultar para a entidade pública obrigação de 18
até ao presente momento, não houve pagamento; o despacho por via do qual se venha a efectivar o pagamento das duas facturas será ou não qualificável como “pagamento indevido” à luz do artigo 59.º da LTC na nova redacção que lhe foi dada pela Lei 48/2006 de 29 de Agosto.
30. Será, assim, tal eventual despacho - quando seja prolatado e, depois, executado -, havido como “pagamento indevido” gerador do dever de reposição se tal campanha publicitária não se puder reputar adequada ou proporcional às atribuições da edilidade ou aos usos normais da actividade concretamente prosseguida.
31. Ora, integra-se no domínio das atribuições dos municípios tanto o «(…) Património, cultura e ciência …)» 20 como os «(…) Tempos livres e desporto (…)» 21, competindo ao órgão executivo municipal «(…) Apoiar ou comparticipar, pelos meios adequados, no apoio a actividades de
indemnizar, o Tribunal pode condenar os responsáveis na reposição das quantias correspondentes. (…)». 20
Alínea e) do n.º 1 do artigo 13.º da Lei 159/99 de 14 de Setembro, que
estabeleceu o quadro de transferência de atribuições e competências para as autarquias locais. 21
Alínea f) do n.º 1 do artigo 13.º da Lei 159/99 de 14 de Setembro. 19
interesse municipal, de natureza social, cultural, desportiva, recreativa ou outra (…)» 22.
32. Assim sendo, supondo que seja demonstrado pela ____ a efectiva passagem televisiva da campanha publicitária, temos que a mesma se terá corporizado na publicitação de um evento realizado a coberto do feixe de atribuições municipais, tendo sido objectivo de tal acção de publicitação a maximização do leque potencial de participantes e assistentes aos eventos insertos no “____no Parque” nos meses de Verão de 2003.
33. Tal lógica de divulgação deste evento organizado pela edilidade justifica-se pela própria razão de ser do mesmo, pois que o “____ no Parque” terá tido em vista ser um ponto de encontro dos que habitem ou que, nesses meses, acorram à cidade e que ai se vêm a agregar em torno de determinados motivos – concertos, desporto, gastronomia, et caetera -, encontro esse que de algum modo se goraria caso existisse um afluxo de público em número diminuto, ou seja, caso não houvesse uma sua cabal
22
Alínea b) do n.º 4 do artigo 64.º da Lei 169/99 de 18 de Setembro (com as
alterações introduzidas pela Lei 5-A/2002 de 11 de Janeiro) que estabeleceu o quadro de competências, assim como o regime jurídico de funcionamento, dos órgãos dos municípios e das freguesias.
20
divulgação mediante, entre outros meios, a sua publicitação num meio audiovisual de tão larga difusão como a ____.
34. Por outro lado, se o grau de sucesso daquele objectivo que se visou com tal campanha publicitária – divulgação generalizada com vista à captação de assistentes e participantes nos vários eventos agendados – se não pode senão muito dificilmente mensurar – isto é, aferir quantas pessoas se teriam determinado a acorrer ao “____ no Parque” mercê da divulgação feita na ____ -, não se mostra, todavia, s.m.o., controvertível que um número considerável de pessoas tenham de facto tomado conhecimento e decidido participar nos eventos por via daquela publicitação.
35. Pelo que concluímos, neste ponto, que um eventual pagamento a ser feito à ____ teria subjacente uma contraprestação efectiva adequada e proporcional à prossecução das atribuições desta edilidade, logo não se gerando, a nosso ver, o dever de reposição de tais quantias cujo pagamento seria nesse momento autorizado (ausência de responsabilidade financeira reintegratória).
21
36. Atento, contudo, o teor actual do n.º 1 do artigo 59.º da LTC, sempre poderá suscitar-se uma eventual responsabilização financeira sancionatória respeitante à mencionada autorização de pagamento.
37. Caberá, por fim, deixar ainda expresso que esta edilidade poderia com grande vantagem para si – uma vez que sem o inerente perigo de os seus actuais e pretéritos dirigentes incorrerem em responsabilidade sancionatória - proceder àquele pagamento na sequência de uma eventual transacção a firmar no âmbito de um processo judicial que porventura venha a ser intentado pela ____ com vista a ver reconhecidos os seus direitos.
38. Pois que, numa tal eventualidade, o pagamento a ser feito à indicada empresa audiovisual dar-se-ia em sede judicial, por força de acordo de transacção homologado pelo Juiz ou, no limite, mesmo por força de sentença condenatória final.
D) CONCLUSÃO
I Na presente aquisição de serviços, não foi dada satisfação tanto ao regime do DL 197/99 de 8 de Junho como do CPA.
22
II Supondo, contudo, que esta edilidade tenha beneficiado – o que caberá à ____ vir demonstrar – da efectiva passagem televisiva da campanha publicitária relativa ao “____ no Parque”, temos que um eventual pagamento de € ____a ser feito à ____ teria subjacente uma contraprestação efectiva adequada e proporcional à prossecução das atribuições e vinculações desta edilidade, logo não se gerando, a nosso ver, o dever de reposição de tais quantias (ausência de responsabilidade financeira reintegratória). III. Atento, contudo, o teor actual do n.º 1 do artigo 59.º da LTC, sempre poderá vir a ser suscitada a eventual responsabilização financeira sancionatória respeitante à mencionada autorização de pagamento. IV Refira-se, porém, que esta edilidade poderia com grande vantagem para si – uma vez que sem o inerente perigo de os seus actuais e pretéritos dirigentes incorrerem em responsabilidade sancionatória proceder àquele pagamento na sequência de uma eventual transacção a firmar no âmbito de um processo judicial que porventura venha a ser intentado pela ____ com vista a ver reconhecidos os seus direitos, pagamento que se daria, pois, em sede judicial, seja por força de acordo
23
de transacção homologado pelo Juiz ou, no limite, por força de sentença condenatória final.
É este, salvo melhor opinião, o meu parecer.
Lisboa, 08 de Agosto de 2007
O Advogado,
- João Manuel Vicente -
24