Jornal Memai - Edição 06

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MEMAI w w w. j o r n a l m e m a i . c o m . b r

Letras e Artes Japonesas - Edição 06 - Curitiba - 秋 Aki - Outono de 2011

ENTREVISTA

JÔ TAKAHASHI ENTRE JAPÃO E BRASIL 06

PERFIL

O PAI DO MANGÁ OSAMU TEZUKA 08

HISTÓRIA

O MODERNO NA ERA MEIJI 13

ARTES

UM CLIQUE É ZEN 10


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MEMAI

SUMÁRIO

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KOTOBA ETERNO PÓS-MODERNO por Marilia Kubota VERTIGEM CARTAS

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PALCO MINYO COM PIMENTA por Patrícia Kamis

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ENTREVISTA JÔ TAKAHASHI, UMA ASSINATURA ENTRE JAPÃO E BRASIL por Jorge Miyashiro, apresentação de Jiro Takahashi PERFIL OSAMU TEZUKA, O PAI DO MODERNO MANGÁ por Simonia Fukue Nakagawa ARTES VISUAIS UM CLIQUE É ZEN por Gustavo Morita

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HISTÓRIA TRANSIÇÃO PARA O MODERNO NA ERA MEIJI por Yuri Sócrates Saleh Hichmeh

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KINEMA por Suzana Tamae Inokuchi

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LITERATURA APRENDIZAGEM TENAZ; PEDRA DE TOQUE DO CONTO JAPONÊS

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VIDA TIGER MASK, UM ANÔNIMO HERÓI COLETIVO por Lina Saheki

KOTOBA

ETERNO PÓS-MODERNO por Marilia Kubota Antes que o termo pós-moderno entrasse em voga para explicar a cultura contemporânea, o Japão já era pós-moderno. É o que nos informa o crítico Teixeira Coelho, no prefácio do livro Beleza e Tristeza, de Yasunari Kawabata. Diz ele que, quando os pesquisadores querem estudar e citar fatos concretos da pós-modernidade, uma das duas referências óbvias é o Japão. A outra é o Brasil. O encontro entre o arcaico e o futurismo é que marca este estilo. Dentro dos parâmetros ocidentais, a modernidade no Japão começou na Era Meiji, que foi de 1868 a 1912. O historiador

Yuri Hichmeh, citando o filme O Último Samurai, explica, na página 13 desta edição, como se deu a transição do feudalismo para a modernidade. Porém, para os críticos culturais, o Japão sempre foi moderno. Talvez por ser permanentemente assolado por catástrofes (como o terremoto de 11 de março), e temer a ameaça de desastres naturais cotidianamente, o Japão se tornou uma cultura única. Isso fez esse país desenvolver uma filosofia baseada na transitoriedade da vida e no valor da perda. Não se trata de uma crença e sim um sistema de pensamento disseminado por

Equipe Editoria Geral: Marília Kubota Editoria Artes: Sandra Hiromoto Editoria Imagem: Simonia Fukue Nakagawa Editoria Palco: Patrícia Kamis Editoria Internet: Mylle Silva Editoria História: Yuri Sócrates Saleh Hichmeh Revisão: Alvaro Posselt Fotografia: Gustavo Morita Ilustração: Guilherme Match Colaboradores: Alice K., Jorge Yamawaki, Ricardo Herdy, Shigueyuki Yoshikumi, Moni Mika, Marina Okumura. Colunistas: Lina Saheki e Suzana Tamae Inokuchi Convidado especial: Jô Takahashi

Impressão: Gráfica O Estado do Paraná Tiragem: 2.500 unidades 秋 Aki (Outono), 2011

Projeto gráfico: Sandra Hiromoto Diagramação: Raphael Faria Kruger CAPA: Foto de Gustavo Morita

séculos. Os ocidentais viram, logo após o pior desastre natural da história japonesa, multidões em fila, sem um caso de saque de supermercados ou lojas. A disciplina causa espanto, mas é também estratégia de sobrevivência. Nós, do JORNAL MEMAI, flertamos tanto com a modernidade quanto com a tradição. Por viver numa cultura híbrida, de tantas etnias, ficamos entusiasmados com o silêncio e o barulho, a disciplina e a anarquia, o simples e o complexo. Por isso, iniciamos o nosso ano com um Banzai ao Japão pela recuperação de suas cidades e cidadãos.▀

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ASSINATURAS

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contato@jornalmemai.com.br

Rua Mateus Leme, 314 – Apto. 301 CEP: 80510-190. Curitiba/PR

Chibi Seto é um personagem criado pelo cartunista Guilherme Match – uma homenagem a Claudio Seto. Saboro Nossuco é um personagem criado por Thadeu Wojcioechowski. O texto da tira Chibi Seto desta edição é de Sandra Hiromoto.

EDIÇÕES

R$ 25 (nacional)


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MEMAI

VERTIGEM

A ARTE DE TRANSFORMAR TEMPO FÚTIL EM TEMPO ÚTIL

Gustavo Morita

Leitor surpreso: Shigueyuki Yoshikumi. O que o levou a ter vertigem? O título do livro não atrai a atenção de um nikkei. Mas, logo constatei que o mundo japonês está todo retratado ali em minúcias: costumes, período incerto da guerra, modalidades teatrais, problemas de dekasseguis. Todos os personagens são japoneses e o narrador é bisneto de imigrante brasileiro e não fala uma palavra de japonês. Mais que a narração de um triângulo amoroso, a obra surpreende pela intriga e final inesperado. A ação do romance inicia-se no bairro da Liberdade, em São Paulo, e passa pelas colônias japonesas: Lins, Bastos, Promissão. Em Lins, o autor cita a estada do escritor Yukio Mishima na Fazenda Tarama. Lá, Mishima escreveu a peça A Toca de Cupins, inspirado na paisagem repleta de cupinzeiros. O autor também cita Junichiro Tanizaki. Muito bem pesquisado. Se traduzido para o japonês, tem tudo para ser bem-sucedido.▀

MUSASHI

Arquivo Pessoal

Arquivo

O SOL SE PÕE EM SÃO PAULO

Leitora voadora: Alice K. O que faz: Diretora de teatro e atriz O que a levou a ter vertigem? Esta é uma tradução livre para Tsurezuregusa, um clássico da literatura japonesa cheio de reflexões, aforismos, escrito há mais de 600 anos. O autor é um sacerdote budista e poeta bem-humorado, por sinal, que teria vivido em monastérios para desenvolver a sua vida espiritual e a meditação. ▀

Leitor insone: Ricardo Herdy O que faz: Economista. Trabalha na área de risco de mercado. O que o levou a ter vertigem? O livro me agradou tanto que decidi saborear a leitura bem devagar para não terminar logo. O autor desfia a estória daquele que viria a se tornar o mais famoso samurai de todos os tempos, e o leitor mergulha no fascinante universo do Japão feudal, com seus guerreiros e monges, katanas e templos budistas. Depois que venci a preguiça de ler as primeiras 900 páginas, fui ávido para a 2ª, de mais 900. Quando terminei, queria mais uma 3ª parte. Curiosidade: o livro começa com o protagonista no campo da famosa Batalha de Sekigahara, onde termina o livro Xogun, de James Clavell. ▀

CARTAS ESPELHO NIKKEI Fiquei muito feliz em receber o JORNAL MEMAI número cinco. Parabéns por estarem completando 1 ano. Gostei do artigo sobre o mestre do butô, Kazuo Ohno e também da entrevista com a origamista Mari Kanegae. O jornal é um mundo diferente que criamos dentro de nós. É como se fosse um espelho de algo de muito especial que temos, mas que por algum motivo está ficando cada vez mais difícil de visualizar. Quando vejo vou lendo as matérias uma a uma e saio satisfeito por ter encontrado um raro material de leitura.

pelos que assinam as matérias. Um aluno questionou o porquê do nome. Como não havia atentado para o editorial que contém a explicação de sua origem, brinquei: como é que se diz? Porque você deve ficar “zureta”, palavra que saiu de minha boca com naturalidade. Essa resposta me deixou encucada. Ficou a dúvida de pesquisador e tradutor chato: Memai não seria mais sintoma patológico e físico do que emocional e psicológico?

Taro Jinbo (Curitbanos, SC)

Neide Sensei, muito nos honra a sua mensagem. O nome do jornal é mesmo irreverente, foi tirado de uma canção de J-Pop. Para nós, significa a paixão pela cultura japonesa, algo que vira o mundo de ponta-cabeça, deixa tonto, como uma vertigem. É o que buscamos fazer, a cada edição.

POR QUE MEMAI? Parabéns pelo 1º. ano de vida. É uma conquista manter o jornal. E você, Marília, está bem assessorada, pelo que pude ver

Neide Nagae (Assis, SP)

AGRADECIMENTO Agradeço por ter enviado o jornal para minha casa. Estudo língua japonesa no Bunkyo e às vezes tenho acesso a alguns exemplares. Gosto bastante das matérias publicadas por vocês. Patrícia Borges (São Paulo, SP) -ERRATANa edição 05, o haicai original de Regina Alonso foi publicado com um erro: ancorado no lugar de acocorado (= de cócoras). O correto é:

À beira do rio o caboclo acocorado – No céu, lua fria.


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MEMAI PALCO

PIMENTA NA MÚSICA JAPONESA

Jovens brasileiros aprendem música tradicional japonesa colocando mais aji nas partituras. É o tempero brasileiro no espírito japonês, despertando a ilimitada capacidade humana de se reinventar. por Patrícia Kamis

Arquivo

shamisen, perceptível em sua construção e técnica de execução, timbre, formato e repertório. Com um esforço nipônico para seguir fielmente a sonoridade original do instrumento, o jovem músico hoje é respeitado por muitos nikkeis, muitos dos quais, ao ouvi-lo tocando, afirmaram que ele possui aji (tempero) como um verdadeiro japonês. Apesar de atualmente o som do shamisen ser mesclado com música pop, Vinícius diz que sua motivação em aprendê-lo foi a vontade de divulgar seu repertório tradicional. O músico concorda que às vezes a quebra da tradição ajuda a popularizar o instrumento, mas considera mais interessante quando isso serve como porta de entrada para a música tradicional, em uma tentativa de preparar os ouvidos ocidentais para a genuína música oriental.

Henrique é um entusiasta divulgador da música do shakuhachi na sua forma inata. - Se importa se eu ouvir música? - pergunta Oshima, um dos personagens do romance Kafka à Beira-Mar, do contemporâneo romancista japonês Haruki Murakami. A pergunta é dirigida para o protagonista Kafka, que responde “Não”, e Oshima liga o tocador de CDs, revelando a Sonata em Ré Maior, de Schubert. Inicia-se um belo diálogo entre eles sobre executar as sonatas desse compositor com perfeição. Oshima diz a Kafka que não existe um único pianista que o tenha conseguido. O motivo é porque a própria composição é imperfeita. No entanto, ele ressalta: - Certos tipos de imperfeição tornam uma obra potencialmente mais atraente por causa da imperfeição. Da mesma forma que Murakami se interessa pela música clássica ocidental, a música tradicional japonesa encontra jovens apaixonados pela sua imperfeição. Henrique Elias Sulzbacher, jovem músico gaúcho de Santa Cruz do Sul e fabricante da tradicional flauta de bambu japonesa, o shakuhachi, é um deles. Seu primeiro contato com o instrumento ocorreu na tentativa de fabricar seu próprio shakuhachi. Depois de quatro anos de namoro com o instrumento, o músico diz que o som e as sensações que ele e o soprar causavam, deixando o corpo mais leve, a mente arejada e o espírito em paz, e a curiosidade e necessidade de alguma evolução, motivaram-no a fazer um primeiro investimento. Assim, através do site de Monty Levenson, Henrique importou livros sobre suas peças tradicionais, seu sistema de notação exclusivo, a história e filosofia do shakuhachi e informações sobre sua feitura. Esse aprofundamento capturou-o e veio ao encontro com o modo como Henrique sempre se relacionou com a música, que é o de valorizar o gosto pela pureza dos sons e de como eles agem na alma.

“Internamente, no meu ser, com certeza uma alquimia ocorreu e segue ocorrendo, tanto devido ao estudo da música do instrumento quanto ao estudo da construção dele.” (Henrique Elias Sulzbacher) Em Curitiba, encontramos Sérgio Vinícius Monfernatti, natural de Cornélio Procópio, amante da música tradicional japonesa, que se destaca pela sua habilidade com o shamisen (instrumento musical japonês de três cordas). Inspirado pela professora Lina Abe, Vinícius foi cativado pelo exotismo do

TRANSFORMAÇÕES Henrique é um entusiasta divulgador da música do shakuhachi na sua forma inata. Em sua opinião, sua mescla com a música contemporânea pode levar a um afastamento sem retorno à essência sonora do instrumento. No caso específico do shakuhachi, sua essência remete ao zen-budismo, que o utilizava como prática meditativa. A dedicação ao estudo da sonoridade tradicional do instrumento, devido às suas raízes na meditação, levou o músico a uma transformação musical e pessoal: a música mudou, ganhou sutileza, força. Aprendeu a ser ora borboleta, ora furacão. Internamente, em seu ser, com certeza uma alquimia ocorreu e segue ocorrendo, tanto devido ao estudo da música do instrumento quanto ao estudo da construção dele. Esses

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MEMAI

Shakuhachi, a flauta de bambu. dois aspectos se entrelaçam de forma bela e perfeita. Cada movimento solitário nessas disciplinas leva-o para dentro do seu ser e sempre encontra algum lugarzinho inexplorado a ser lapidado, ou alguma lição a ser levada pela vida. Vinícius também menciona uma experiência de transformação, não apenas no que tange

à música, mas pelo seu enlace com a cultura japonesa em geral. Como nasceu no norte do Paraná, sua mãe sempre teve amigas nikkeis. Com o pequeno Vinícius no colo, ela entoava a canção infantil Kutsu ga naru (algo como o som dos sapatos), aprendida

MA, o vazio, o silêncio permite que os sons do ambiente permeiem as peças. Tragédias como o terremoto do Japão, ainda que calem a voz de um povo por um instante, constituem breve espaço entre as notas. com a vizinha japonesa. Sua afinidade com a cultura, portanto, segue-o desde a infância. Hoje, além de tocar o shamisen, o shinobue (flauta transversal japonesa), o taiko (tambor japonês), e o próprio shakuhachi, Vinícius é professor de língua japonesa e praticante de cerimônia do chá há mais de quatro anos. A atração e o sólido vínculo desses jovens ocidentais com a música tradicional japonesa são algo tão interessante quanto procurar uma execução perfeita da Sonata

Shamisen, banjo japonês. em Ré Maior, de Schubert. O personagem de Murakami nos ensina que se as sonatas fossem executadas apenas conforme a partitura não seriam arte e não nos emocionaríamos. Seria demasiadamente monótono ter apenas músicos japoneses tocando sua música tradicional e jovens ocidentais tocando música contemporânea. É o tempero brasileiro no espírito japonês, fazendo soprar as cordas de uma consciência artística adormecida e despertando atenção para a ilimitada capacidade humana de se reinventar. Enquanto finalizo este artigo, sou surpreendida pela notícia de um terremoto devastador no Japão. Lembro-me das palavras do músico Henrique, quando menciona que uma das grandes lições aprendidas com o shakuhachi é o MA, o vazio, o silêncio que permite que os sons do ambiente permeiem as peças. Quero crer que tais tragédias naturais sejam dessa qualidade de MA, as quais, ainda que calem a voz de um povo por um instante, constituam apenas um breve espaço entre as notas. Um vazio necessário para permitir que a música japonesa seja de uma beleza ainda mais forte e significativa. Meus votos de coragem e garra para que o povo japonês reerga-se, reconstrua-se, reinvente-se uma vez mais. ▀ Patrícia Kamis é atriz e dramaturga.

Shino-bue, a flauta transversal.

Taiko, tambor japonês.


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MEMAI ENTREVISTA

JÔ TAKAHASHI, A ASSINATURA ENTRE JAPÃO E BRASIL

À frente da Fundação Japão, Jô Takahashi (nascido Russio Jô Takahashi, em 3 de Agosto de 1953), em 27 anos, desenvolveu mais de 1500 projetos de intercâmbio entre o Brasil e o Japão. Lançar tendências é seu trabalho e sua assinatura é também uma grife que revela produções em que o ingrediente básico é a curiosidade pelo novo e o inusitado. por Jorge Miyashiro

O ARQUITETO DE PONTES CULTURAIS - Você é parente do Jô Takahashi? É uma pergunta que me fazem muitas vezes, o que sempre me enche de orgulho. Não temos parentesco, mas qualquer tipo de lembrança que me ligue à figura de Jo é muito honrosa, a honra que se tem pelo brilho do amigo. Não há ninguém no meio cultural que trabalhe com as relações entre o Brasil e o Japão que não tenha contado em algum momento com o envolvimento generoso de Jô. O que a gente vê na geografia é o Japão do outro lado do mundo, a uma distância enorme. Há algumas décadas essa distância vai ficando menor, em termos culturais.

Eventos de taikô, cosplay, disseminação de mangás, oficinas e shows de artistas japoneses estão em nosso cotidiano. E escolas de samba, futebol, shows de MPB, já passaram a ser sensações no Japão. Tudo isso ficou próximo hoje, graças à internet, podem dizer, e ao Jô Takahashi. Com o trabalho à frente da Fundação Japão, e agora com a Jojoscope, ele arquitetou a maior ponte cultural que poderia unir dois pontos tão distantes no planeta. Sem ele, o Japão estaria ainda do outro lado do mundo. Jiro Takahashi

JORNAL MEMAI - Foram 25 anos na Fundação Japão. Durante esse período, você esteve à frente da produção de eventos lendários do Japão, como a vinda de Kazuo Ohno ao Brasil, do grupo de butô Sankai Juku, em 2010, e do grupo de bonecos Bunraku de Osaka, para citar alguns. Que tipo de influência essa experiência de cultura extrema exerceu em sua vida, em um país como o Brasil? JÔ TAKAHASHI - Na verdade, quase 27 anos, contando os anos em que não tinha dedicação exclusiva. Foram em média 120 projetos por ano, o que equivale a mais de 3 mil projetos, desde grandes produções como o Teatro Kabuki, até pequenas palestras no nosso extinto auditório. Fechamos o ciclo do teatro tradicional: trouxemos Kabuki, Nô e Bunraku, a dança moderna, representada pelo Butô, hoje disseminado em todo o Brasil. E o mais surpreendente, com a vinda do grupo Kodô, o taiko virou febre no Brasil inteiro. Atuamos na cultura pop: hoje mangá, cosplay e anime, além dos games, são segmentos que atraem a juventude para a cultura japonesa. No cinema, pudemos rever grandes clássicos de Ozu e Mizoguchi até a vanguarda e o cinema independente. Apesar de estar em imersão diária na cultura japonesa, não me julgo um especialista. Sou um generalista panorâmico, flanando com asa-delta por várias áreas, mas sem fronteiras. Sinto-me muito livre porque não sou compromissado com nenhum segmento específico, nem pelo tradicional, nem pelo contemporâneo. Minha felicidade é criar felicidade para os outros, promovendo projetos que vão oferecer novos olhares, novos pensamentos. Polemizar. Afinal, não existe arte de consenso. O que foi bom na Fundação Japão foi a liberdade com que pude conduzir os projetos, as curadorias e poder investir nos processos criativos. Esse é um trabalho pouco visível e nada exuberante, mas que para o artista é essencial. Poder acompanhar a evolução do pensamento criativo, dar apoio aos momentos de dúvida e até de crises. Compartilhar experiências. Meu maior patrimônio nestes 25 anos de trabalho na Fundação Japão foi poder dialogar com gente que pensa e cria. São pessoas que constroem um futuro, e é essa gestão de futuros que me interessa agora. O projeto cultural nada mais é do que viabilizar sonhos. Sonhos são programas de construção de futuros. Dar um passo para fora dos padrões da Fundação Japão vai me permitir abraçar metas mais amplas, porque não preciso mais aplicar as equações, por vezes burocráticas, da Fundação Japão ou de qualquer órgão governamental. A cultura não cabe nesses padrões. Por isso resolvi disponibilizar essa minha experiência para o terceiro setor, para as parcerias público-privado. O Centenário da Imigração Japonesa em 2008, que foi uma grande experiência nacional, despertou em mim a necessidade de um compartilhamento maior da experiência cultural. Transformar as vontades culturais em projetos sustentáveis, enfim, viabilizá-los com estratégia.


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MEMAI MEMAI - Você está trabalhando a Dô Cultural, alimenta o blog Jojoscope. Em quais projetos está envolvido? JÔ - A Dô Cultural começa com um padrão de ação que chamo de design de cultura. Como disse, o projeto cultural é a viabilização de sonhos, que por sua vez são programas de futuros. Por isso, a Dô Cultural pretende fazer também um design de futuros. Desenhar futuros é uma das poucas atividades que nos difere de outros animais. Deve ser também um processo lúdico. Brincávamos de desenhar futuros desde pequenos: construindo cidades de blocos de madeira, desenhando discos voadores. Um dia, deixamos esse futuro de lado para nos dedicarmos a coisas práticas do cotidiano. Aí, perdemos os sonhos e a nossa capacidade de pensar nos futuros. Deixamos de ser gente, enfim. Resgatar esse prazer lúdico de desenhar o futuro faz parte do meu cotidiano hoje, e que quero compartilhar. Por isso criei o Jojoscope, que é um painel divertido onde posto o meu processo de trabalho. É como um escritório com uma janela aberta, onde qualquer um pode ver o que estou fazendo. Um dos maiores paisagistas do Japão, que criou os mais belos jardins de Kyoto, chamava-se Musô, (夢窓), que significa Janela para os Sonhos. Quero me espelhar nele: Musô é a minha referência de trabalho. MEMAI - Montando os blocos de lego. Como isso funciona? JÔ - A Dô Cultural está trabalhando em sistema de holding com empresas parceiras. Assim, com a Editora JBC criamos um segmento dedicado a cursos imersivos de cultura japonesa, e em fevereiro lançamos um novo produto no mercado, um curso de cultura brasileira para japoneses. O curso se chama DôJô, como as academias de judô. A DôJô Cultural pretende levar cursos de cultura para que possamos trabalhar os alicerces da cultura. Em projetos culturais, a Dô inicia o ano com dois shows do Grupo Mawaca, de música étnica. Foram dois dias grandiosos, comemorando os 15 anos de existência desse grupo, que leva os cantos de todos os povos para todos os cantos. No Jojoscope, as pessoas ficam sabendo como o projeto nasceu, como ele aconteceu e ainda recebem vídeos, documentários e informações sobre cada um dos projetos. Quero investir nesse processo de consolidação da informação, em várias vias, mas sem nunca esquecer a pegada lúdica. MEMAI - Percebe-se pelo design do blog e do site da Dô um profundo abraço nos detalhes estéticos. Nos eventos em que você está envolvido podemos perceber uma escolha, uma devoção a critérios e linguagens definidos, não produzidos apenas pela educação formal. Além dessa educação formal, qual é a sua prática? Qual é a sua disciplina? JÔ - Como a proposta de trabalho da Dô Cultural é o design da cultura, procuramos um apelo visual que nos satisfaça. Mas é uma procura constante, nada é permanente, tudo é efêmero. A minha escolha é pelos parceiros e por gente que se junte nessa causa de construção de futuros. Por isso, pensamos na Dô como um observatório de tendências. Jojoscope é um olhar cinemascope pelas tendências. Mas com o tempo, pensamos em criar tendências também. Não tenho disciplina. Tenho curiosidade, especialmente pelas coisas novas. MEMAI - É justamente essa poética que o distingue como produtor. Posso não classificá-lo, posso deixar de configurá-lo numa etiqueta social? Então só para a satisfação imediata do consumo desavisado, sendo você esse visionário, ou vidente, ou catalisador, ou melhor ainda, esse andarilho (DÔ = trajeto, trilha, modo de vida, estilo) nesse novo projeto do DÔJÔ (o Estilo do Jô). Até onde o Jô issei da Fundação Japão, que estava comprometido com a difusão da Cultura

Nipônica, agora o Jô nissei, sansei, que promove o MAWAKA, pretende ir? Existe esse impulso de misturar, mestiçar, embolar? JÔ - A Dô já nasce mestiçada e híbrida. Além dos caminhos que se cruzam, agora temos o caminho inverso: o Brasil no Japão. Esse é um projeto que não deu para praticar na Fundação Japão, lamentavelmente. 25 anos investidos, mas a palavra “intercâmbio” não saiu do papel. Agora é hora de mostrar o Brasil para o Japão. Adoro essa denominação andarilha, como Bashô passeou para escrever suas Sendas de Oku. Tem um lado intuitivo que gostaria de preservar como sendo a antena da raça, como disse Ezra Pound. Sem a intuição, seremos guiados por normas, editais e regras. MEMAI - O que você acha das mudanças na Lei de Incentivo à Cultura? Melhor que a Rouanet? E a nova Ministra Ana de Hollanda? JÔ - Ainda não reuni inspirações para me debruçar na mesa para estudar as mudanças nas Leis de Incentivo. Na realidade, tenho uma consultora de formatação de projetos para isso. Aliás, estou cercado de consultoras, que eu chamo de navigator. Tenho a navigator administrativo-financeiro, a navigator de tendências, a navigator fiscal, a navigator de imprensa. Percebeu? Só mulheres. São as antenas da raça. Sem querer ser feminista, meu apreço pela sensibilidade,

“Apesar de estar em imersão diária na cultura japonesa, não me julgo especialista. Minha felicidade é criar felicidade, promover projetos que vão oferecer novos olhares e pensamentos.” intuição e foco das mulheres é tão alta que acabei inconscientemente priorizando o trabalho delas nessa empreitada. A ministra Ana de Hollanda será a navigator cultural do Brasil. MEMAI - Na década de 1980, houve o Ponkã, o grupo do Paulo Yutaka e do Sarraceni. As pessoas começaram a relembrar do Nacional Kid, Ultraman, assistiram ao Jaspion e hoje não podem viver sem Hayao Miyazaki e o barquinho de sushi de sexta-feira. O que

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você detecta? Isso é eficiência industrial ou enlevo poético? JÔ - É bom que a cultura japonesa continue viva, lançando essas tendências. Mas acho que já chegou o momento de lançarmos as nossas marcas, produtos e gostos brasileiros. Você sabia que a tubaína é exportada para o Japão? E queria dar parabéns para a equipe do JORNAL MEMAI. Logo na primeira vez que vi o jornal, fiquei impressionado com a linha editorial, diferente, atual e fora dos clichês, com um padrão de jornalismo crítico cultural que me empolga. É certamente a melhor publicação do gênero no Brasil, com a densidade que o assunto merece e construído por gente sintonizada com a arte e a cultura, empenhada em praticar um jornalismo pensante e inspirador. ▀ VIDA Jô Takahashi é consultor especial de arte e cultura da Fundação Japão e diretor da Dô Cultural, uma produtora de arte e cultura especializada na conexão Brasil – Japão. Foi diretor de projetos em arte e cultura da Fundação Japão em São Paulo, onde atuou desde 1984. É arquiteto de formação (Mackenzie, 1978) e pós-graduado em Artes (Musashino, Tokyo), Administração Cultural. Colabora com diversas revistas de arte e cultura. Traduziu para o português Doido na Manhã, do poeta Gozo Yoshimasu, e é co-tradutor de Os Cinco Elementos (Conrad Editora), de Miyamoto Musashi. Foi organizador do Guia da Cultura Japonesa em São Paulo. É um dos autores do livro Leituras do Corpo (Annablume), organizado por Christine Greiner e Claudia Amorim, prêmio APCA 2004. Em 2010, lançou o blog Jojoscope Conexão Brasil-Japão, plataforma onde a Dô Cultural expõe seus projetos culturais, seu processo de criação e os seus resultados. Jorge Miyashiro (jorge.miyashiro@gmail. com) é ator-bonequeiro, diretor da Miyashiro Teatro de Bonecos, especialista no fantoche pelos quais produz textos, ensaios, peças e vídeos.


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MEMAI PERFIL

OSAMU TEZUKA, O PAI DO MANGÁ MODERNO Criador de personagens antológicos como Astroboy, A Princesa e o Cavaleiro e o Leão Kimba, Tezuka firmou um estilo de mangá seguido até hoje. por Simonia Fukue Nakagawa

Astroboy, o mais famoso personagem de Osamu Tezuka. Impossível falar de mangá sem mencionar o Pai do mangá moderno, Osamu Tezuka. Ele começou a introduzir os efeitos cinematográficos nas histórias, criando sequências mais fluidas. Foi muito influenciado pelos desenhos animados de Walt Disney e filmes alemães e franceses. Os olhos grandes, comuns nos traços do mangá, foram criados por Tezuka, inspirados nas atrizes do teatro Takarazuka, típico da cidade onde morava. A especialista em mangá, Sonia Luyten, comenta que ele ficava fascinado com os olhos muito maquiados

das atrizes, bastante aumentados, que, com a luz dos refletores, davam a impressão de conter uma estrela brilhante em seu interior.

Os olhos grandes, comuns nos traços do mangá, foram inspirados nas atrizes do teatro japonês, que maquiavam os olhos e, com a luz dos refletores, davam a impressão de ter uma estrela em seu interior. Para Tezuka, era importante construir histórias sensíveis para atingir crianças de todo o mundo. Criticava a explosão da produção japonesa de mangá em relação à exposição de violência e erotismo, que diminuíam a qualidade dos desenhos. Um grande animador brasileiro, Maurício de Souza (criador da Turma da Mônica), conheceu Tezuka. Já doente por causa de um câncer, Tezuka se encontrou pela terceira vez com Maurício de Souza e comentou sobre sua dedicação à animação e os problemas que tivera com sua empresa, aconselhando-o a não repetir os mesmos erros. Em um depoimento, Maurício descreveu a preocupação de Tezuka sobre o futuro do mangá: “Mostrava-se triste com a

Maurício de Souza e Osamu Tezuka no Japão

Produções de Osamu Tezuka e Maurício de Souza

onda de histórias em quadrinhos e desenhos animados cheios de violência, que varriam o mundo a partir do Japão. E sentia-se meio responsável por isso. Afinal, suas produções e estúdios foram verdadeiras escolas para milhares de desenhistas e animadores japoneses. (...) Seu acompanhante, diretor da Tezuka Produtions, conduziu-o de volta para o hospital de onde ele tinha fugido só para nossa conversa.” Tezuka pretendia fazer uma co-produção com Maurício de Souza, em que seus personagens se uniriam à Turma da Mônica. Mas isso não foi possível. A doença o deixou muito fraco e ele acabou falecendo em 1989. VIDA

No dia 03 de novembro de 1928, nasceu Osamu Tezuka, na cidade de Toyonaka, em Osaka. Ainda criança, seus pais, Fumiko e Yukata Tezuka, mudaram-se para a província de Hyogo, Takarazuka. Foi nessa cidade que o artista passou a se identificar: Takarazuka, cidade de termas e música, no meio das brancas nuvens que flutuam em Rokkou. Você será a minha morada (Shounen Club, 1995). A vizinhança de Tezuka era toda formada por cantoras de ópera, ou seja, ele estava cercado de artistas, além disso, sua mãe praticava e ensinava o pequeno Tezuka a tocar piano. Era de se esperar que ele acabasse se tornando um artista, mesmo que fosse um artista do desenho.


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MEMAI

Algumas de suas principais obras: Tetsuwan Atomu - Na versão brasileira: Astroboy. É um menino robô construído por um cientista para substituir seu filho morto em um acidente de carro. Vendo que o andróide não cresceria para se tornar um adulto, entrega-o a um circo onde a atração principal é uma luta de robôs. Através de uma manifestação o pequeno Astroboy é libertado e adotado pelo Dr. Elefun, que acaba presenteando o menino com uma família robô.

diversos personagens aparecem em diferentes reencarnações. No período em que a obra estava sendo produzida, o Japão estava se reerguendo da segunda guerra, então pode-se dizer que Phoenix é o próprio Japão. Tezuka Osamu continuou até sua morte com Phoenix, que dizia ser o trabalho de sua vida. Ele foi o único desenhista a receber em vida um título de Manga no Kamisama, “Deus dos Quadrinhos”.

Ribon no Kishi - Na versão Outras obras brasileira: A princesa e o cavaleiro. Safiri é uma princesa Ma-chan no Nikkichou (O Diário que ao nascer recebe dois de Ma-chan), 1946; corações por erro de um anjinho: A princesa e o Cavaleiro, a princesa com dois corações. Shin Takarajima (Nova Ilha do Teum de menina e outro de menino. souro), 1947; Para salvar seu reino, Safiri se veste, age e luta como um homem, mas, Phoenix - É a obra que desencadeou Jungle Taitei (Kimba, o Leão Branco) 1950escondendo-se, liberta toda sua feminilidade. um grande desafio intelectual ao mestre 54; Vilões e muita feitiçaria cruzam seu caminho. Tezuka. Phoenix é um animal mitológico Black Jack, 1973-83; Um grande amor se revela. Nessa obra, de grandes leituras na simbologia. Uma Buddha (Buda), 1974-84; Tezuka remete-se a muitos contos de fada, ave imortal, uma vez que renasce de suas Adolf ni Tsugu (Os três Adolfs), 1983-85; dando um toque de humor, beleza e encanto. próprias cinzas. Talvez seja por isso que os Magma Taishi, 1966-1967.

O desenho sempre esteve com ele. Desde pequeno carregava um caderno para desenhar os acontecimentos do dia a dia. Eram nas óperas, nas missas. Assim que acordava e não encontrava o caderno ao seu lado, Tezuka ficava nervoso. Quando suas folhas em branco acabavam, ele reclamava para a mãe, que apagava os desenhos das folhas e o entregava como se fossem novas. Na escola, suas redações eram criativas, talvez por influência da forma como sua mãe contava histórias para ele dormir: através de gestos e expressões. Mais tarde, Tezuka viria a publicar um livro intitulado Oka-san no mukashi (Era Uma vez da Mamãe). Em 1945, iniciou o curso de medicina na Universidade de Osaka. Foi com Akai hon (livro vermelho), história de Sakai Sichima, Shin Takarajima (Nova Ilha do Tesouro) que acabou sendo reconhecido. Em 1946, começou a escrever a Yonkoma (tiras/ histórias de quatro quadros) e O Diário de Ma-chan no Shokokumin Shimbun (Jornal das crianças da escola de Mainichi), quando começou a fazer sucesso. Passou a residir em Tokyo. Lá ele teria mais chances de publicação, mas no início não foi fácil. Através de um amigo, lançou Kimba (Kimba, o leão branco), tendo como parâmetro as animações da Walt Disney. Em 1953, Tezuka apresentou o primeiro mangá para meninas, na revista Shoujo Club, a história Ribon no Kishi (A princesa e o Cavaleiro). E foi em uma visita escolar a um planetário que surgiu Tetsuwam At-

omu (Astro Boy). Ele ficou tão fascinado que chegou a construir planetários caseiros, que apresentava para os colegas e a família.

Desde pequeno Tezuka carregava um caderno para desenhar o dia a dia. Quando acordava e não encontrava o caderno ao lado, ficava nervoso. Acabadas as folhas em branco, a mãe apagava os desenhos e entregava o caderno como novo. Na 2ª. Guerra Mundial, ele ingressou em uma escola militar, onde era proibida a expressão artística. Mesmo assim Tezuka passava noites desenhando. Às vezes, saía com colegas e começava a fazer caricaturas. Por venturas da guerra, começou a ter ideias do que seria depois Metrópole. Partes do cenário do mangá surgiram por causa de imagens que havia visto de Nova York. Seu encanto pelos insetos o levaria a Zéfiros. Osamu Tezuka Production surgiu em 1961, conhecida depois como Mushi Production. Fez a primeira série de animação da televisão japonesa, Tetsuwan Atomu. Passou a divulgar as histórias em quadrinhos japonesas em todo o mundo, causando grande explosão de

fãs desde a década de 70 até os dias atuais. Tezuka teve câncer no estômago e faleceu no dia 9 de fevereiro de 1989, deixando seu legado de paz transcendente nas suas obras. CURIOSIDADES • O apelido de Tezuka, no primário, era Gadjaboy. Gadja-gadja era uma onomatopeia usada para definir seu cabelo duro e desarrumado. Depois que Tezuka o lavava, seu cabelo ficava em pé, isso o inspirou para a cabeleira do Astro Boy. • Quando Tezuka era pequeno, nem sabia falar direito, queria dizer ópera (kagueki) para suas vizinhas, mas acabava dizendo texugo (tanuki). ▀ Referência Bibliográfica: LUYTEN, Sônia Bibe. Mangá: o poder dos quadrinhos japoneses. São Paulo: Hedra, 2001; SHOUNEN Club, 1995. In. “Uma biografia mangá; Osamu Tezuka”. São Paulo: Conrad, 2003; SOUZA, Maurício de. “Tezuka-san, meu irmão temporão”. http://www.monica.com.br/mauricio/cronicas/ cron018.htm Simonia Fukue Nakagawa é artista visual e trabalha com ilustração, gravura, fotografia artística e leciona mangá no Centro Cultural Tomodachi, além de pesquisar HQ e cultura japonesa.


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MEMAI ARTES VISUAIS

UM CLIQUE É ZEN

A confluência entre o milenarismo zen e a modernidade da fotografia provocou um encontro entre o Ocidente e o Oriente, disseminado pelos poetas beatniks americanos. O resultado foi a ampliação do conceito do haiku como instantâneo ou fotografia da realidade. por Gustavo Morita

A arte japonesa, profundamente influenciada pelo zen, de certa forma esteve ligada à religião e, em um contexto religioso, os artistas japoneses sempre se animaram em usar suas técnicas milenares. A busca pelo novo nunca era uma preocupação como foi para a arte ocidental. A busca é pela beleza, mesmo quando a realidade é feia. Ao escutar música tradicional japonesa, por exemplo, percebe-se total comprometimento em extrair a beleza do instrumento e da melodia circular (não pautada em compassos). A perfeita execução da canção é o único objetivo, e a inovação, uma ideia incapaz de atingir a mente concentrada do artista. Com a fotografia, a arte zen tradicional não teve tempo de se relacionar em seu período áureo. A fotografia surgiu no Japão durante o período da Restauração Meiji, quando o zen já não tinha tanta influência numa cultura que se voltava para o pragmatismo ocidental. Assim, a fotografia não se estabeleceu na estética zen clássica (se podemos chamar

Na arte japonesa, a busca pelo novo nunca foi uma preocupação como na arte ocidental. O único objetivo é a perfeita execução da canção, e a inovação, uma ideia incapaz de atingir a mente concentrada do artista. assim), ficando livre para ser experimentada por quem a quisesse. Imagino que muitos a tenham praticado como caminho de vida ao longo da história sem se declararem como fotógrafos zens, e que tampouco se preocupavam com questões como essa. Talvez esse interesse seja um fenômeno nascido no ocidente, quando após a 2ª Guerra Mundial os beatniks¹ voltaram seus olhos para o oriente e incorporaram

religiões em seus discursos libertários ideais, misturando-os com a rebeldia da contracultura que surgia. Ou antes deles, o oriente já despertava interesse em um grupo de artistas e intelectuais europeus de vanguarda, os impressionistas. Diz-se que eles eram colecionadores de gravuras e pinturas chinesas e japonesas em papel de seda e diziam-se influenciados por essa arte. E quando, além de Paris, Nova York também passou a ser sede das vanguardas artísticas ocidentais no começo do século XX, um grupo de fotógrafos modernistas também foi de alguma forma influenciado pela arte japonesa. O movimento PhotoSecession, encabeçado por Alfred Stieglitz, que buscava devolver à fotografia o status de arte valendo-se das qualidades próprias da fotografia na contramão dos pictorialistas que aproximavam suas fotos de pinturas com retoques, recebeu influência da arte japonesa incorporando a verticalidade na composição das fotos (do mesmo modo que as gravuras japonesas), ajustandose perfeitamente ao olhar moderno que se voltava para uma cidade que crescia para cima com seus arranha-céus. Mas no campo fotográfico da arte ocidental da era moderna, ninguém foi tão influente e ao mesmo tempo influenciado pelo zen quanto Henri Cartier-Bresson. Seu livro de cabeceira era A Arte Cavalheiresca do Arqueiro Zen, um livro essencial para o entendimento da analogia feita por Bresson entre a arte japonesa do arco e flecha (Kyu-dô) e a arte de fotografar, que o levou a escrever o texto O Momento Decisivo. De fato o zen pode se relacionar com qualquer fazer, artístico ou não, é uma religião de mais ação que ideias, e Bresson soube conciliar essa religião com seu fazer fotográfico como fotojornalista, inspirando gerações de fotógrafos. CLIQUE PALAVRA Aqui no Brasil, um diminuto gênero poético japonês chamou a atenção de Paulo Leminski: o haicai. Praticante nada tradicional,

sempre extraía humor do cotidiano, Leminski observou uma relação entre o ato fotográfico e a arte de compor haicais. Na V Semana Nacional de Fotografia em Curitiba em 1986, sintetizou a forma japonesa como um clique

O livro de cabeceira de Henri Cartier-Bresson, A Arte Cavalheiresca do Arqueiro Zen, é essencial para entender a analogia entre a arte japonesa do arco e flecha (Kyu-dô) e a arte de fotografar. de palavras. E a relação entre haicai e fotografia da seguinte forma: “Como tudo no Japão, a prática está profundamente influenciada pela filosofia Zen, essa quase não-religião, que valoriza o cotidiano e a instantaneidade, a materialidade e a imediatidade da experiência contra a pobreza do pensamento conceptual e a tirania do mundo das palavras. O haicai valoriza o fragmentário e o insignificante, o aparecimento do banal e o casual, sempre tentando extrair o máximo de significado do mínimo de material, em ultra-segundos de hiperinformação”. Características quase idênticas às da prática fotográfica da fotografia de rua de Cartier-Bresson, que valorizava o instante decisivo em suas fotos. Existe um ditado zen que diz que o intelecto é um bom servo, mas um mau mestre. E pensando em fotografia, pode-se perceber a importância de uma intuição bem treinada, pois na maioria das vezes o fotógrafo dispõe de pouco tempo para raciocinar ao fazer uma foto, (pelo menos no caso da fotografia de rua e acontecimentos, quando temos pouco controle sobre a situação e queremos captá-la no máximo de seu significado e espontaneidade). Portanto, não se pode dar ao luxo de pensar muito ao fazer uma foto.


MEMAI Deve-se clicar quando sente. Assim, a intuição é o principal agente na escolha, enquadramento, focagem, etc., e ela só irá se manifestar plenamente na mente focada no presente, zen. Quero dizer que os flagrantes podem estar passando à frente do fotógrafo sem que ele dê conta por não estar vivendo o momento: pensando em outras coisas. A mente ocupada não tem espaço para captar o novo, já a mente no aqui e agora é naturalmente vazia e aberta às possibilidades que passam e mudam a cada

Haicais surgem de fora pra dentro, de um satori, como o instante captado pelas lentes da câmera, sem a presença do ego. instante ao redor. Mas... fotos são como haicais? Surgem, na maioria das vezes, de fora pra dentro (e não como na inversa maneira lírica, os sentimentos interiores expelem a obra pra fora), de um insight, satori², ou qualquer outro nome que isso tenha. Instantes fugazes captados objetivamente pelas lentes de uma câmera, sem a presença do ego do autor, dando lugar a um estado de espírito em que um Eu maior se manifesta, “aquele Eu que deixa as coisas serem, não as sufoca com seus medos e desejos, um eu que quase sempre se confunde com elas” (Leminski). Os poetas japoneses chamam esse estado de muga, não eu, o ponto harmônico entre o eu e as coisas. Ou, mais uma vez fazendo a analogia com o arqueiro zen, é o instante quando alvo, flecha e arco e arqueiro tornam-se um só. No caso da fotografia, alinham-se igualmente: alvo, câmera, superfície sensível e fotógrafo. Esse também é o estado ideal para compor haicais, ou como dizem os mestres, deixá-los se fazerem. E isso nunca foi tão verdadeiro quanto na fotografia de rua em que, após nossa escolha durante uma fração de segundo (de composição e luz), não fazemos mais nada a não ser apertar o botão e deixar a luz entrar. ▀

1 Poetas que iniciaram um movimento de contracultura na poesia americana, adotando como modelo de vida a filosofia oriental.

Para os zen-budistas, momento de iluminação, nirvana, estado de paz e tranquilidade extremas. 2

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MEMAI verde a árvore caída vira amarelo a última vez na vida

confira tudo que respira conspira

Haicais de Paulo Leminski Gustavo Morita é fotógrafo freelancer, graduado pelo Senac-SP (2010) e autor do blog fotoezen - crônicas fotográficas: fotoezen.wordpress.com As fotos desta matéria estão no site: flickr.com/photos/gusmorita


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MEMAI HISTÓRIA

TRANSIÇÃO PARA O MODERNO NA ERA MEIJI O filme O Último Samurai representa o impasse que a restauração Meiji significou, a disputa entre a tradição e modernidade. Em 2003 foi lançado o filme O Último Samurai, de Edward Zwick, retratando o período da história japonesa conhecido por Restauração Meiji, que se passou na segunda metade do século XIX. A conjuntura da época recebeu o título de restauração por conta da ousada mudança política que o Japão vivia: a queda do bakufu (governo em que o líder político e militar é o Shogun) e a ascensão do Império, justamente por restaurar os poderes políticos e militares sobre o território às mãos do imperador. Em minha matéria anterior falei a respeito do início do xogunato Tokugawa, através de uma breve apresentação desse ícone da história do Japão. O xogunato Tokugawa foi marcado especialmente pelo fechamento do Japão em relação às potências ocidentais, mantendo contato apenas com os holandeses, de forma estrita. Esse período, que se iniciou em 1600, declinaria a partir de 1852 com a chegada dos Estados Unidos às margens do arquipélago japonês, forçando a abertura de seus portos e o estabelecimento de tratados comerciais com o ocidente. E é aí que retomarei o início deste artigo, falando do filme de Zwick. O Último Samurai conta a história de Nathan Algren (interpretado por Tom Cruise), um militar americano contratado pelo governo japonês para modernizar as tropas imperiais, treinando-as aos moldes militares ocidentais, através do uso de armas de fogo. Pouco após treinar soldados inexperientes e temerosos, Algren ruma ao campo de batalha, liderando uma tropa japonesa que deveria combater seus compatriotas, representados pelos conservadores samurais. Em meio à confusão da batalha, Algren cai prisioneiro daqueles apresentados no início do filme como “selvagens”, os samurais, que mantêm o americano cativo em sua aldeia. A partir daí, como historiador, digo que o filme passa a representar de forma bastante fiel o grande impasse que esse período da história do Japão significou, tanto para japoneses quanto para estrangeiros: a disputa entre a tradição e modernidade. A tradição é representada no filme através dos guerreiros samurai, seu vilarejo e suas famílias, que prezam seus costumes e o culto ao Imperador acima de suas próprias vidas; a modernidade é trazida na figura dos militares norte-americanos, suas vestimentas, tecnologias, táticas de batalha e armamentos; o conflito aparece no filme através da personagem interpretada por Tom Cruise, que aos poucos, convivendo com os samurai, passa a valorizar a riqueza de costumes e a grande honra depositada nesses guerreiros e suas famílias. O conflito interno de Algren

Divulgação

por Yuri Sócrates Saleh Hichmeh

Cena do filme O Último Samurai representa o conflito travado na sociedade japonesa do período. Em 1868, de acordo com o historiador John Whitney Hall, o Japão oficialmente passou a ser reconhecido como um Império pelas potências da época, mas para isso teve de pagar um preço alto: caçar as tradições que, de alguma forma, fizessem alusão ao bakufu, proibindo que qualquer civil portasse espadas publicamente ou que fizesse referência à antiga hierarquia da sociedade. O samurai Sakuma Shozan (1811-1864), contemporâneo do momento representado no filme de Edward Zwick, foi considerado pelo império japonês do período como um traidor, uma vez que defendia a tese da fusão entre a ética oriental e ciência ocidental. Hoje Shozan é visto por historiadores japoneses como um visionário de seu tempo, que buscava harmonizar o que havia de mais valioso no Japão: as crenças, costumes e moldes sociais. O samurai Shozan foi morto em 1864 por difamar seus ideais entre diversos setores da sociedade japonesa. Ruptura Percebemos então que o período apresentado aqui a respeito da história do Japão foi um rompimento com parte do seu passado. Em nome da modernização, os japoneses abriram mão de muitos de seus costumes e tradições. Essa tomada de atitude feita pelo imperador, apoiado pelas potências ocidentais, deu forma ao Império Japonês do século XX, marcado pelo expansionismo e conquistas sobre diversas regiões da Ásia, entre as quais se destacam China, Coreia e Singapura. Os japoneses, desde os primeiros contatos com o ocidente, no século XVI, demon-

straram forte sentimento nacionalista, valorizando suas crenças, religiões e tradições frente às provenientes do estrangeiro. Com a Restauração Meiji e a supressão dos tradicionais, o Japão rumou para um exacerbado sentimento nacionalista que o levou, em menos de meio século, a se tornar uma potência asiática em termos militares e políticos. Nos dias atuais, o Japão é tido como um país que valoriza suas tradições e o seu passado. Na literatura, bem como no cinema e através de anime e mangá, temas como a história do Japão feudal ou a própria Restauração Meiji são resgatados constantemente. A temática trazida em O Último Samurai é também discutida na produção japonesa Samurai X, que faz referência ao édito de proibição do porte de espadas pela cidade e da caça do governo sobre os samurai e tradicionalistas. ▀ REFERÊNCIAS: HOBSBAWM, Eric J. A Era dos Impérios. Paz e Terra, 1996; MORTON, W. Scott. Japan its History and Culture. Nova Iorque. McGraw-Hill, 1984; SAKURAI, Célia. Os Japoneses. São Paulo. Contexto, 2007; TSUNODA, Ryusaku; BARY, William Theodore de; KEENE, Donald. Sources of Japanese Tradition, volume 2. Nova Iorque. Columbia University Press, 1958. Yuri Sócrates Saleh Hichmeh é historiador (UFPR), professor de História e consultor empresarial de Gestão da Qualidade. É um dos co-autores da coletânea de ensaios O Túnel do Tempo (Juruá, 2010).

Seja um Memaijin, assine o Jornal Memai Sim, aceito assinar o Jornal Memai por um ano - quatro edições - R$ 25,00 (vinte e cinco reais) a ser depositado na Conta de Marilia Kubota - Caixa Econômica Federal - Ag. 370 - Conta corrente 9357-3.

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MEMAI KINEMA

ÉPICO, COMÉDIA E ANIMÊ

por Suzana Tamae Inokuchi

SAMURAI

Dir. Kihachi Okamoto, 1965. (Conhecido internacionalmente como Samurai Assassin) - Ficcionalização da conspiração revolucionária que emboscou e matou Naosuke Ii, homem forte do xogunato Tokugawa, no dia 24 de março de 1860. O filme mostra, de um lado, os líderes da conspiração à procura de um traidor que estaria revelando os planos do grupo ao governo. De outro, é enfocada a vida de dois samurais participantes do movimento que os líderes consideram suspeitos: Tsuruchiyo Niiro, um ronin (guerreiro andarilho) empobrecido que nutre o sonho de alcançar a posição de sam-

urai, e Einosuke Kurihara, um samurai de linhagem aristocrática e ideais revolucionários que se torna amigo de Niiro. Além dos preparativos para o assassinato e das investigações em busca do traidor, o enredo trata também da origem de Niiro, um filho bastardo de um nobre samurai. Todos esses dados irão se entrelaçar até o desfecho trágico do filme.

Anma to Onna

Dir. Hiroshi Shimizu, 1938. (Conhecido internacionalmente como The masseurs and the woman) Os massagistas cegos – anma, uma das duas profissões tradicionais para os deficientes visuais, juntamente com o biwahōshi, instrumentista que toca biwa – Toku e Fuku vão a uma cidade de veraneio nas montanhas para trabalhar durante o inverno atendendo os turistas. Lá, eles encontram outros colegas de profissão e diversos clientes. Entre eles, Toku fica bastante interessado por uma mulher misteriosa

vinda de Tóquio e interage com um menino de aproximadamente seis anos, sobrinho de outro cliente de uma hospedaria. O menino e o tio – que vieram também de Tóquio – convivem por algum tempo com essa mulher. Além disso, há um ladrão agindo na cidade, roubando o dinheiro dos clientes. Os roubos que se sucedem e a investigação feita por Toku funcionam como um elemento que conduz o enredo até o ponto culminante em que ele suspeita da mulher.

Torre de Tóquio – Mamãe e Eu, e Às Vezes Papai Dir. Jōji Matsuoka, 2008.

(Tōkyō Tawā – okan to boku to, tokidoki, oton). Masaya – apelidado de Mā – vive com a mãe e, inicialmente, também com a avó. O casamento de seus pais deu errado e o pai é uma figura esporádica na vida dele desde garoto. No presente, a mãe está hospitalizada em Tóquio devido à reincidência de câncer. O filme alterna dois tempos narrativos: o

presente de sofrimento e o passado, que se aproxima gradativamente desse presente através das reminiscências do protagonista e narrador, Mā.

Em Busca do Arco-íris Dir. Yōji Yamada, 1996.

(Niji wo tsukamu otoko) – Ryō é um jovem que se encontra confuso quanto ao seu futuro. Por não saber o que quer, o rapaz decide viajar sem rumo por todo o Japão, empregando-se por um tempo em ocupações inusitadas em cada parada. No momento em que chega a uma pequena cidade do interior, ele se encontra com o dono de um cinema quase falido. Além de uma sede fixa, também atua como cinema itinerante pelas outras

localidades da região. Esse será o emprego temporário que irá mudar a sua vida.

Suzana Tamae Inokuchi (haikaisepoemas@ hotmail.com)é graduada em Relações Públicas e Letras e mestranda em Estudos Literários na Universidade Federal do Paraná, além de poeta e contista.


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MEMAI LITERATURA

APRENDIZAGEM TENAZ

Nelson Savioli segue o desafio de cultivar a disciplina para aprender a compor haicais

por Alvaro Posselt

Insistente Aprendiz,

Nelson Savioli, Qualitimark Editora, 191 páginas As primeiras impressões de alguns iniciantes na prática do haicai são de que há muita complexidade, muitas regras para um poema tão curto. Quem decide seguir sua jornada pelos caminhos do haicai logo descobrirá que essa trilha é estreita e infinita e que exigirá muita disciplina para o seu aprendizado. Todo esse panorama se reflete no título do novo livro de Nelson Savioli: Insistente aprendiz. Publicado pela Qualitymark Editora, o livro mantém as mesmas características de seu antecedente, Burajiru: haicais. Para cada poema há uma nota na parte intermediária do livro, recurso que normalmente não é usado em livros do gênero e que virou marca de Savioli. Esse mecanismo faz com que se tenham leituras paralelas, empregando ao ato de ler uma forma interativa capaz de deixar a sensação de que dialogamos com o autor. Nas notas constam explicações a partir da

introdução, comentários sobre o processo de composição dos haicais que podem se estender a pequenos textos de valor teórico, trazendo haicais de autores brasileiros e dos mestres japoneses. Além das notas, no índice ainda constam uma rica bibliografia e apêndices. As vivências do autor reúnem-se no livro conforme os temas das estações do ano: primavera, verão, outono e inverno em 68 haicais. Paulo Leminski tinha uma teoria de que a poesia tende a existir tanto no poeta quanto no leitor. Nos haicais de Savioli isso vai além, pois sua prática e técnica reservam ao poema, além do sabor da leitura, a condição de apenas insinuar, dando ao receptor a função de interpretar, de preencher as lacunas de significados que a síntese absorveu. Alguns de seus haicais: Mãos calejadas a andorinha de papel parece voar. Outono fenece o pelo do cão maltês mais comprido.

Estação chuvosa. Madeiras do templo parecem ondas do mar. Adeus, mestre Goga. No século XVIII surgiu uma variante do haicai que teve como representante máximo Karai Senryu. Essa variação de estilo introduziu uma linguagem coloquial e humorística no poema e não traz a natureza como tema. Atualmente é muito praticada no Brasil. Por conta de seu idealizador, foi batizado de senryu um poema com tais características. No livro constam dez. Um exemplo: Barca de sushis mais parece esgrima o namoro da casal. O haicai chegou de navio em terras brasileiras. Na bagagem do discípulo, a missão de semeá-lo na nova terra. De discípulo a discípulo, a semente fecundou no solo fértil de Nelson Savioli, um aprendiz-semeador na lavoura do haicai. Alvaro Posselt é poeta, professor de língua portuguesa e revisor de texto. Desde sua graduação divulga o haicai em escolas e em redes virtuais (alvaroposselt@yahoo.com.br)

Na ponta da bota, a manchete do jornal.

A PEDRA DE TOQUE DO CONTO JAPONÊS

Kappa traz contos inéditos e novas traduções de Akutagawa, o mestre da narrativa breve Kappa e o Levante imaginário,

Marilia Kubota (colaboração de Marina Okumura)

Ryonosuke Akutagawa, Estação Liberdade, 352 páginas. Akutagawa é um dos escritores mais celebrados no Japão contemporâneo, seus textos são constante presença nos livros didáticos e reza a lenda, é um dos autores que devemos ler antes de morrer. Kappa e o Levante Imaginário vem se somar ao único livro traduzido no Brasil, Rashomon e Outros Contos (Ed. Hedra, tradução de Madalena Hashimoto Cordaro e Junko Ota), em 2008. Em Kappa, o conto título logo evoca o gênero “Literatura fantástica”, que apenas acidentalmente funciona na literatura japonesa. Esta literatura, muito influenciada pela cultura budista, é quase toda composta por contos em que transitam entidades sobrenaturais. Como o Cortázar de História de Cronópios e Famas e o Orwell de A Revolução dos Bichos, Akutagawa cria personagens inspirados no folclore para falar da sociedade contemporânea. Kappa traz contos inéditos no Brasil, como Inferno, O dragão e Rodas dentadas, entremeados por novas traduções de contos célebres da narrativa japonesa moderna, como Rashomon e o controverso Kappa. Último de seus contos publicados em vida, Kappa gerou polêmica e diversas interpretações da crítica e do público. A partir de um

divertido relato, um homem internado num sanatório e desvenda suas peripécias pelo mundo dos kappas. Acompanham Kappa outros dez contos que matizam esta coletânea com os diferentes temas por onde perambulou a pena virtuosa do autor. Do Japão do Período Heian à Tóquio moderna, da ironia e do humor ácido ao texto introspectivo e melancólico. Autor de textos divertidos e bem-humorados como A mágica e O nariz, o mestre japonês consegue chegar às raias do horror, como em Inferno. Seus textos inspiraram toda uma geração de artistas, como Akira Kurosawa, que em 1950 filmouRashomon (filme que se inspira no ambiente do conto homônimo e tem o enredo baseado em No matagal, que também integra este livro). Ryonosuke Akutagawa nasceu em Tóquio, em 1892. Foi abandonado pelos pais e adotado por um tio. Em 1913, entrou na Universidade Imperial de Tóquio. Foi aí que começou a escrever narrativas breves. Ele foi poeta também, mas pela produção de 150 memoráveis textos curtos em prosa, é o escritor referência do moderno conto japonês. Rashomon é de 1915. Neste mesmo ano entrou para o grupo de Natsume Soseki, que muito influenciou sua obra. A partir de ‘1921, sua saúde declina O autor sofria de alucinações e temia haver herdado a loucura da mãe.Em 24 de julho de 1927 comete suicídio. Tornou-se um nome da literatura universal. A partir de 1935, batiza o prêmio literário mais importante do Japão. Seus contos mais famosos, Rashomon e

Dentro do Bosque foram imortalizados no filme Rashomon, de Akira Kurosawa, ganhador do Leão de Ouro no Festival de Veneza em 1951. Tanto nas cenas de séculos passados, como em tempos mais modernos, o que Akutagawa faz é trazer à discussão questões sobre ética e valores de uma sociedade japonesa em transformação, e o faz com a maestria de um exímio contador de histórias o que faz de sua leitura um prazer. TRECHO O dragão do lago Saruzawa aparecera em sonho à menina, e assim a notícia se espalhou pela cidade num instante. O boato então ganhava colorido, ora o dragão se apossara também de outra criança, levando-a a compor um poema, ora aparecera a uma vidente para trazer uma revelação divina. Parecia que a qualquer momento a cabeça do famigerado dragão surgiria na superfície do lago. Bem, talvez não pusesse a cabeça para fora do lago, mas houve até quem jurasse tê-lo visto no fundo das águas...(pág.255) Marilia Kubota é editora do JORNAL MEMAI, mestranda em estudos literários (UFPR) e organizadora do livro “Retratos Japoneses no Brasil” (2010), e integrante de 7 antologias de poesia e prosa. Marina Okumura é formada em Letras Inglês (UFPR) e pesquisadora de cultura japonesa.


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MEMAI VIDA

TIGER MASK, UM ANÔNIMO HERÓI COLETIVO

No último Natal, no Japão, uma doação de dez mochilas escolares e 30 mil ienes (cerca de 360 dólares) desencadeia um tsunami de doações feitas por Tiger Mask e outros heróis do mangá.

Moni Mika

por Lina Saheki

Em janeiro deste ano, enquanto acompanhava uma sisuda edição do noticiário da NHK, fui tocada pela emoção. A reportagem-gatilho trazia uma fantástica história de fantasia e solidariedade, nascida de uma doação de dez mochilas escolares e 30 mil ienes (cerca de 360 dólares) a uma instituição de caridade da província de Gunma no último Natal. As mochilas e o dinheiro foram deixados na entrada da instituição, com a seguinte mensagem: Por favor, use essas mochilas para as crianças. [Assinado] Naoto Date. Já seria legal se o Naoto em questão fosse uma pessoa comum; acontece, porém, que este é o nome civil do personagem Tiger Mask, protagonista de uma famosa série de mangá e animê das décadas de 60 e 70. No mangá, Tiger Mask era um temido e cruel lutador de luta livre que decide mudar radicalmente de atitude ao perceber que seu comportamento influenciava as crianças. Pois a reaparição de Tiger Mask, em espe-

Tiger Mask foi o protagonista de uma série de mangá e animê dos anos 60 e 70, um temido e cruel lutador de luta livre que decide mudar ao perceber que seu comportamento influenciava as crianças. cial porque associada à caridade (ao ler o mangá, sabemos que Naoto Date havia sido criado em um orfanato), serviu como ponto de partida de uma onda de doações que tomou conta do país. A partir do momento em que a primeira doação foi noticiada diversas escolas, orfanatos, prefeituras, delegacias e outras instituições passaram a receber pequenas doações do próprio Tiger e de outros heróis (como Doraemon, Momotarou, AnpanMan e até mesmo personagens de

Hayao Miyazaki) que até então restrigiam sua presença à fantasia de crianças e adolescentes. Como podemos intuir, a beleza dessas mensagens e a aparente materialização de uma fantasia – o herói que realmente aparece quando o mundo precisa - alimenta uma fome e uma necessidade maiores do que a doação material pode explicar ou sugerir. Cada um desses gestos nos supre de fé na própria humanidade, em nós mesmos, nos menores e melhores gestos. E também permitem romper os limites entre a fantasia e a realidade e nos fazem perceber que há, sim, Tiger Masks e Doraemon, e que eles somos nós. De certa forma, esses heróis também resgatam um aspecto da própria cultura nipônica: se Godzillas, Gameras e Mothras materializam os piores temores da população (de terremotos a catástrofes nucleares), eles representam a força que nasce da solidariedade e do esforço conjunto. Às vezes, imagino o autor da primeira doação – a pessoa sob a máscara de Tiger Mask – lendo as notícias sobre as aventuras seguintes dos heróis anônimos e descobrindo que até o dia 11 de janeiro de 2011 haviam sido contabilizadas mais de cem doações - 24 milhões de ienes (cerca de 290 mil dólares). Em seu esconderijo secreto – o sofá de casa, a cozinha, a carteira escolar ou a mesa de escritório – ele (ou ela) deve ter sorrido. E qual seria o seu maior poder? Maior, mesmo, que os de encher barrigas e levar esperança aos fracos e oprimidos? Certamente, o de nos fazer ver que também temos superpoderes, e que podemos acioná-los sem apelar a medidas extremas. Com uma dose de fantasia e uma lúdica autopercepção heróica, somos capazes de mudar o mundo. E isso é simplesmente maravilhoso – é tudo o que o mundo precisa. ▀ P.S.: Este texto foi gestado e escrito pouco antes do terremoto que atingiu o Japão em março. A tragédia, evidentemente, nos preocupou e entristeceu. Ainda assim, diante de exemplos como o referido no texto, temos a certeza de que as coisas ficarão bem. Os heróis aparecem, afinal, quando mais o mundo precisa deles. Lina Saheki (lsaheki@gmail.com) é Diretora do Centro Cultural Tomodachi, advogada, professora de japonês e mestre em Direitos Humanos.


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