Boletim da Casa de Goa

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Boletim da Casa de Goa JANEIRO / FEVEREIRO 2018

2018

17h30


BOLETIM DA CASA DE GOA ÍNDICE 3

EDITORIAL

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PRESS RELEASE ESPETÁCULO: “GOA SONS E RITMOS”

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AS ASSEMBLEIAS GERAIS: DO BALANÇO À ESCOLHA

Associação de Goa, Damão e Diu Pessoa Coletiva de Utilidade Pública Calçada do Livramento, 17 1350-188 Lisboa Contactos: 21 393 00 78 91 505 74 77 casadegoa@sapo.pt www.casadegoa.org

Diretor – Edgar Valles (Presidente da Direção) Coordenação – Ana Paula Guerra Designer/Diagramação - Juliano M. Mariano

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ENTREVISTA “CLÁUDIO FERNANDES”

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GOEMCHO FESTAKAR “FESTIVAIS DAS ALDEIAS

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VAMONA NAVELKAR HOMEM DO ANO EM GOA

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II FESTIVAL LITERÁRIO EM FÁTIMA

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A LENTA AGONIA DE UM FACTO HISTÓRICO

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SOBRE A MORTE DO HERÓI PORTUGUÊS

16-17

A IMPORTÂNCIA DOS “MAIORES” PARA A RESOLUÇÃO DOS PROBLEMAS DE PORTUGAL

Eugênio Viassa Monteiro

18-20

MALDITA/BENDITA INVASÃO DE GOA

João Coutinho

21-22

A DESGRAÇA DA COLONIZAÇÃO PORQUÊ SÃO POBRES OS PAÍSES POBRES?

Manuel Vieira Pinto

23-24

ESPAÇO DOS JOVENS

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ACONTECEU

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AGENDA

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ANÚNCIOS

CASA DE GOA Associação de Goa, Damão e Diu Calçada do Livramento, 15 - 1350-188 LISBOA Contactos: Tel. 21 393 00 78 / Tlm. 915 057 477 @ casadegoa@sapo.pt / www.casadegoa.org Edição: Janeiro/Fevereiro - Ano: 2018

Colaboraram neste número: Capa: Cartaz espetáculo “Goa Sons e Ritmos” António Faria António Rodrigues Catarina Guerra Claudio Fernandes Constanza Vasconcelos David Vaz Henrique Machado Jorge Joana Janeiro José Filipe Monteiro Manuela Alegre Odete Fernandes Valentino Viegas Vicente Fernandes

ESTATUTO EDITORIAL O Boletim da Casa de Goa visa divulgar a atividade da associação, sendo um instrumento de divulgação da realidade de Goa e de tudo o que se insira nos fins estatutários da Casa de Goa. O Boletim aposta numa comunicação viva, imaginativa, atual e atuante, privilegiando as notícias mais relevantes da área, sem descurar a crónica, a opinião ou o comentário mais desenvolvido. O Boletim é da responsabilidade da Direção. Publicará textos que sejam solicitados, reservando-se o direito de não publicar as colaborações que não sejam expressamente solicitadas. Caso as mesmas sejam publicadas, respeitará na íntegra o texto enviado, exceto se o autor aceitar as sugestões de alterações que venham a ser propostas, em razão de critérios de espaço.

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Editorial grande espectáculo do EKVAT, que se realizará no dia 8 de abril, no Teatro Tivoli/BBVA, culmina, da melhor forma, as Comemorações do 30º aniversário da Casa de Goa, que se iniciaram no ano passado.

Estamos convencidos que este evento, pela qualidade do grupo e pelos artistas participantes, será excelente, perdurando na memória da assistência por muito tempo. O belo teatro terá de estar repleto, para que o êxito se amplifique. Para tal, terá de haver um esforço acrescido de divulgação, pelas mais variadas formas.

O nosso boletim traduz esse esforço, como se verifica pela sua capa. Após este evento, teremos ainda, no dia 11 de abril, a apresentação de dois livros do nosso sócio Francisco Sá. Depois, no dia 14, terá lugar a assembleia geral eleitoral, na qual serão eleitos os novos titulares dos órgãos sociais. A actual direcção cessará, assim, o seu mandato nesse dia, dando lugar a novos responsáveis. Trata-se de um reflexo da força da nossa associação, onde não há mandatos vitalícios e existem muitos homens e mulheres de boa vontade empenhados no fortalecimento da Casa de Goa. Da nossa parte existe o sentimento do dever cumprido, nas múltiplas actividades desenvolvidas ao longo destes quatro anos. Quando iniciámos o mandato, a Casa de Goa não tinha qualquer contacto com a Junta de Freguesia da Estrela, a autarquia mais próxima de nós, nem com a Indo Portuguese Friendship Society, em Goa, nem como governo de Goa. Hoje, a Casa de Goa tem protocolos de cooperação com as duas primeiras entidades e com outras. Prestigiámos a Casa de Goa, que se tornou mais conhecida não apenas em Portugal como no estrangeiro, em particular em Goa. Como aspeto negativo, não podemos deixar de registar a fraca afluência de sócios muitos dos nossos eventos, a não implementação de controlo no parque de estacionamento e o atraso na reabertura do restaurante. Apesar de todos os constrangimentos, fizemos muito com poucos meios. Não deixamos dívidas. Poderíamos ter feito mais e melhor? Certamente que sim. Temos a plena consciência de que muito ficou por fazer e que alguns dos nossos objectivos não foram atingidos. Oxalá a nova Direção consiga, prosseguindo o nosso trabalho, alcançar os maiores sucessos. A Casa de Goa tem futuro. Está nas mãos dos seus sócios garanti-lo!

EDGAR VALLES

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GOA Sons e Ritmos Espetáculo de música, canto e dança Teatro Tivoli BBVA, Lisboa, 8 de abril às 17.30 horas Organizado pela CASA DE GOA e pelo seu Grupo EKVAT de música, canto e dança, que já realizou digressões à India, a Londres e aos Estados Unidos, este espetáculo conta com convidados, nomeadamente, Lajja Sambhavnath, Catarina Guerra, Judite Dilshad e Daniel Matos, entre outros, que apresentarão dança clássica Indiana, dança contemporânea e belly dance. De Goa, vem a música, canto e dança de cariz tradicional e popular. O mandó, cantado e dançada nas casas senhoriais, num jogo de sedução entre as damas com os seus leques e os cavalheiros com os lenços brancos que ornamentam os bolsos das suas casacas. O dekhni das bailadeiras, em que o brilho dos trajes e dos adereços refletem a beleza dos movimentos da dança O fugddi natch dos trabalhadores do campo, alegre e ritmado. Como não só de tradição vive o folclore, também haverá algumas incursões musicais: peça de folclore popular teatralizada e coreografia contemporânea do mandó. Da Índia, danças clássicas de Kathak e Bharatanatyam, prosseguindo a internacionalização da dança clássica indiana com pureza e rigor. Dança do ventre no estilo de fusão tribal indiana, onde a dança de raiz árabe recebe a influência estética indiana. Será uma noite inesquecível, para assinalar o 30º aniversário da fundação da Casa de Goa em Lisboa, em que desde o Nomoskar de abertura do espetáculo até ao Adeus do mandó de despedida, instrumentistas, cantores e bailarinos irão envolver a assistência num mundo de sons, ritmos e cores.

Casa de Goa, Calçada do Livramento, nº 17, 1350-188 LISBOA Telefones: (+351) 21 393 0078; (+351) 96 233 2901 casadegoa@sapo.pt ; www.casadegoa.org

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As Assembleias Gerais: do balanço à escolha

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um curto intervalo de 17 dias vão realizar-se duas assembleias na nossa instituição: no dia 28 de Março a assembleia geral ordinária e no dia 14 de Abril a assembleia eleitoral. A primeira assembleia, a de 28 de Março, tem na agenda a aprovação de dois novos sócios honorários − Dr. João Soares e Prof. Carmona Rodrigues – e a discussão e aprovação do Relatório de Contas e do Parecer do Conselho Fiscal relativo ao ano de 2017, enquanto a assembleia de 14 de Abril é uma assembleia eleitoral para a escolha dos novos corpos sociais da Casa de Goa para o quadriénio 2018-2022. É a propósito destas duas reuniões que na qualidade de presidente da assembleia vos dirijo esta missiva. Estas duas assembleias, tão importantes como outras tantas que se realizaram ao longo do último mandato, têm por objetivo, no meu entender, temáticas e opções que reclamam uma presença significativa da parte dos nossos associados. Na razão de ser do meu apelo está em causa a matéria que vai ser objeto da discussão e que a seguir especifico: A aprovação de um sócio honorário implica, de acordo com os nossos estatutos, uma pessoa que tenha prestado à instituição serviços reconhecidamente distintos. É da mais elementar justiça reconhecer que o Dr. João Soares e o Prof. Carmona Rodrigues foram dois dos mais altos e insignes autarcas, desta linda cidade de sete colinas, que em muito contribuíram para que hoje os sócios, amigos e simpatizantes da nossa instituição pudessem usufruir destas faustas instalações. A Casa de Goa, através dos seus associados, sabe reconhecer e agradecer àqueles que muito nos ajudaram, enquanto instituição, para que tivéssemos um espaço condigno nesta cidade. Um grande bem-haja aos dois! A aprovação do relatório de contas e do parecer do conselho fiscal será, de algum modo, um balanço do mandato que agora chega ao seu termo. Em termos globais, uma reflexão sobre os objetivos propostos no início e ao longo do mandato e as metas atingidas no seu termo. É um exercício que deve ser efetuado quer pela direção quer pelos associados. Não deve, em minha opinião, ter outro intuito que não seja reconhecer tudo o que de bom foi feito e refletir sobre aquilo que não foi atingido no sentido de num futuro próximo puder ser alcançado por aqueles que vierem a suceder aos que agora terminam o seu mandato! Por último a assembleia leitoral. A presença maciça dos associados numa assembleia eleitoral de qualquer instituição demonstra a sua vitalidade! Numa encruzilhada do tempo e das gerações, como é, na minha opinião, o caso da nossa instituição, é um imperativo moral dos associados fazerem parte integrante das opções em causa! O desinteresse e a ausência dos associados poderão, num futuro próximo, ter consequências nocivas para a nossa instituição. Nunca é demais relembrar que “No prevenir é que está o ganho” como diz o adágio popular! Em pleno processo eleitoral, que está a decorrer, e até ao dia das eleições espero uma postura proactiva de todos os associados! Espero de todos uma participação plena, para fortalecer os objetivos que estiveram na génese da fundação da Casa de Goa há mais de três décadas atrás.

José Filipe Monteiro

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CLÁUDIO FERNANDES: “RESULTADO POSITIVO” Cláudio Fernandes, nasceu em Pangim, Goa, em 1958. É o membro da Direção da Casa de Goa responsável pelo pelouro do Património. O lugar está bem entregue, pois é engenheiro de profissão, com o grau de Mestre. Casado, tem uma filha. Além do trabalho voluntário na Casa de Goa, colabora também com a Universidade sénior da área da sua residência. Tem como hobby o desporto, com participação em vários provas de atletismo, sendo também graduado com o Cinturão Negro - 1º Dan de karaté. Eis a breve entrevista que nos concedeu.

BOLETIM: Vai continuar nos órgãos sociais da Casa de Goa? CF: Após 4 anos de trabalho, não tenho a intenção de continuar a fazer parte dos órgãos sociais da Casa de Goa por motivos de compromissos profissionais. No entanto, darei a minha colaboração sempre que for possível em prol dos interesses da Casa de Goa. BOLETIM: Que conselhos daria à nova Direção, se tal lhe fosse solicitado? CF: À nova Direção espera-se a continuação do trabalho de crescimento, dinamização e consolidação na defesa dos interesses da Casa de Goa. Desejo os maiores sucessos para este exigente desafio.

entrevista

BOLETIM: Qual o balanço do seu trabalho neste mandato? CF: Chegado o fim do mandato como responsável do Pelouro do Património e fazendo o balanço dos 4 anos (2014-2018) o resultado foi positivo. A minha atuação teve como objetivo o desenvolvimento e melhoria das infraestruturas do edifício sede da Casa de Goa, assim como a resolução das solicitações relacionadas com a reparação de obras na zona envolvente. Foram efetuados levantamentos e pedidos de orçamentos a várias entidades no sentido de melhorar, reparar e manter as infraestruturas da Casa de Goa, nomeadamente a fachada sul da sede. Neste momento, perspetivam-se obras da responsabilidade do Concessionário do Restaurante da Casa de Goa que abrangem o Restaurante e também a zona de cobertura do nosso museu. Em relação à guarita na muralha foram efetuadas várias solicitações à Câmara Municipal de Lisboa reportando o estado em que se encontra, solicitando uma intervenção imediata e eficaz.

BOLETIM: Qual o futuro da Casa de Goa? Sendo a Casa de Goa um polo social e cultural, o futuro compreende um maior envolvimento de gerações mais novas, de modo a dar continuidade ao trabalho que se tem vindo a desenvolver ao longo dos vários mandatos. Palavras-chave que traduzem o futuro são: Esperança, Confiança, Dinamismo e Transparência.

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“GOEMCHO FESTAKAR”, FESTIVAIS DAS ALDEIAS

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m Goa, decorrem vários festivais, ao longo do ano. Carnaval, S. João, Ganesh e Diwali são os mais conhecidos, envolvendo as comunidades católica e hindu, com muito espírito comercial à mistura. Nos últimos anos, surgiu uma nova “modalidade”: a dos festivais amigos do ambiente, como o pattoleanchem, vangodd, poderachem, cachuchem, ghumatache, moll’lamchem, ramponkaranchem, ponsachem e muito outros, realizados nas aldeias de Goa. O que distingue estes festivais dos tradicionais? Carlina Colaço, que participou na Confererência Internacional de 6 de maio passado, em Lisboa diz-nos: “Ausência de álcool, ausência de patrocínios, ausência de convites a políticos. São festas do povo para o povo. Sim, o povo de Goa apoia estes festivais, onde tem a oportunidade de ter um almoço verdadeiramente goes, cozinhado por donas de casa e onde se ficam a conhecer as tradições culturais de Goa, que urge preservar. As novas gerações conhecem pouco a culinária, as canções populares em Konkani, os instrumentos musicais, as danças tradicionais. Por isso, quando as senhoras mais velhas da aldeia de Socorro dão uma aula de culinária e ensinam os mais jovens a fazer patoleos, estão a garantir que durante muitos anos se continuará a saborear essa delícia. Há doces que estavam esquecidos e que voltaram ao nosso paladar, como o vonn, manos, pude, ale bele, chonneache doce e mangada. Quando os ghumots (instrumentos musicais de percussão) estavam quase a desaparecer, o festival Ghumot em Siridao ajudou financeiramente os artesãos locais e trouxe de volta os instrumentos para as casas dos goeses. Os festivais são um exemplo de cooperação, camaradagem e iniciativa. Casa aldeia tem algo para oferecer, alguma herança cultura a preservar, algum eco-sistema em perigo. Festivais como estes são e extrema importância”. FESTIVAS MAIS IMPORTANTES Pattoleanchem: realiza-se na aldeia de Socorro, no dia 15 de agosto, com a ajuda do pároco Padre Santa Carvalho. Neste dia, têm lugar vários eventos, como danças tradicionais e canções, incluindo fugddi, mando e dekkni. Procede-se a uma demonstração das ocupações tradicionais da aldeia, como cerâmica, entrelaçar cadeiras e ramos de coqueiros. Pratos tradicionais como Pex, Vonn, Patolleo, Pudde, Kharre, Sanna são servidos em conchas de coco enquanto o arros, Samarachikodi e Kismur são servidos em pratos biodegradáveis feitos de folhas de banana ou de jaca. O pattoleo é um doce tradicional cozinhado por hindús e cristãos durante o período da monção. É uma panceca de arroz com uma mistura de coco e jagra, preparada num fogão tradicional. Vangodd: realiza-se em Saligão no terceiro domingo de junho, coincidindo com a festa de S.João. As pessoas da aldeia, independentemente da sua religião e estatuto económico ou social, juntam-se à volta do poço da igreja, decorado de forma garrida, e rezam por uma boa monção. As pessoas vestem-se com roupa colorida, algumas com vestidos de fantasia, com flores e frutas na cabeça. Fazem uma procissão encabeçada por uma banda tradicional que toca música festiva. Torna-se um autêntico carnaval, com danças, doces, bebidas (não alcoólicas), em que todos participam, mesmo que chova. Frutos das árvores da aldeia, como manga, jaca a ananas, são partilhados livremente. Poderachem: este festival mostra os vários tipos de pão, ingrediente essencial num pequeno almoço em Goa e que mostra a influência dos 7


portugueses. O padeiro tradicional (Poder) será em breve um resquício do passado, devido à rápida modernização das padarias. O despertar matinal das buzinas das bicicletas dos poder’s está em risco de ser silenciado pela vida moderna. A arte do fabrico do pão é a maior atração deste festival. Os pães são desenhados e fabricados sob a forma de caranguejos crocodilos, peixes, cestos e outras. É servido pão com chouriço, pão com omelete e outros pratos em que o pão é o acompanhamento. Têm lugar danças tribais, folclore e música em konkani. Cachuchem: é a única exceção à proibição do álcool, sendo certo que este fica em lugar secundário. São mostrados os métodos tradicionais de tratamento da castanha de caju e de destilação. Servem-se doces de caju e sumos, neero, e até caju de sarapatel. Como todos sabem, o feni tem um papel importante na vida das aldeias, sendo uma bebida muito apreciada e que resulta da destilação do caju. A urraca e a primeira destilação, mais fraca, devendo ser consumida nos meses seguintes. Ghumtachem: o ghumot é o único instrumento musical tocado por cristãos e hindús. Enquanto os cristãos o usam para os mandós, os hindús usam-no ara os aartis durante o festival do Ganesh. Durante os Zaagors, as pessoas de ambas as comunidades juntam-se e tocam este instrumento, que só existe em Goa e é anterior aos Portugueses. Em 2017, o festival teve lugar na aldeia de Socorro, com muitos ritmos. As pessoas cantavam e dançavam ao som dos ghumots. Ramponnkharanchem: este festival é dedicado aos pescadores tradicionais, que estão a sofrer o ataque dos grandes barcos que recolhem quantidades enormes de peixe. Em 2017, o festival realizou-se na praia de Arambol, numa atmosfera vibrante, em que se falou dos problemas dos pescadores e das suas dificuldades para trazerem algum peixe. As pessoas das cidades tomaram consciência de tais problemas, não deixando de saborear peixe acabado de pescar. MARIUS FERNANDES, O CRIADOR O grande animador destes festivais é Marius Fernandes. Nascido em Larre, uma aldeia no Quénia, Marius sempre se sentiu goes. A sou mãe trouxe a família para Divar, de forma a que os filhos se familiarizassem com o modo de vida em Goa A necessidade de trabalhar levou-o a emigrar para Inglaterra, onde permaneceu alguns anos. Mas mesmo aí manifestou empenho por Goa: “A minha campanha por Goa não foi apenas em Goa mas também em Inglaterra. Juntei-me a alguns amigos e lançamos o programa “Salvar Goa”, em Londres. Goa estava então com graves problemas ambientais e de desenvolvimento, que ainda persistem, e quisemos com a campanha despertar a comunidade goesa de Inglaterra. O apelo de Goa foi maior e acabou por voltar. Explica-nos as razões do regresso: “No ano de 1976, a minha família juntou-se ao nosso pai, que tinha emigrado do Quénia para Leicester, Inglaterra. Aos 20 anos, comecei a trabalhar na British Telecom. Apesar de ter adquirido a nacionalidade britânica, fiz uma promessa a mim próprio e à minha família: voltar a Goa quando tivesse 40 anos de idade. Muitos perguntaramme porquê. A resposta é simples: tal como a minha mãe permitiu que eu vivesse o sonho de Goa, também eu queria que a minha família tivesse esta experiência fantástica. A geração depois da minha escolheu emigrar para os Estados Unidos, Canada, Austrália e outros países. E aqui estava eu a fazer uma viagem ao contrário, regressando a Goa. Eu vi a vida em África, na Europa e em Goa, mas ao contrário de muita gente eu consigo ver as duas facetas da realidade. Concluí que os meus filhos iriam crescer de forma mais saudável em Goa, descobrindo as suas raízes e a sua 8


herança cultural. Na Inglaterra é sempre a mesma vida agitada, com o frio e a chuva persistente, as correrias, os centros comerciais, não há vida para além disso. Em Goa, cada mês parece uma eternidade. Tanto para ver e fazer! Há tempo para estar nos rios, nas aldeias, nas praias”. Regressado a Goa, resolveu então dar início aos festivais, contando com a ajuda de um importante grupo de amigos, entre os quais o padre Santana Carvalho, do Socorro. No dia 28 de janeiro, teve lugar o festival de encerramento da época, em Socorro. Marius irá, entretanto, para Inglaterra durante algum tempo, certamente por razões financeiras. Mas os festivais não vão terminar. O Homem dos Festivais de Goa (como consta na capa do livro apresentado no festival de encerramento) deixou um grupo coeso e forte, que dará continuidade ao seu trabalho.

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VAMONA NAVELKAR, HOMEM DO ANO EM GOA

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revista mensal “Goa Today” conferiu a Vamona Navelkar o título de “Homem do Ano”. As pinturas e desenhos de Vamona revelam um artista de grande qualidade, com prestígio. Curiosamente, na Índia não tem sido reconhecido o seu valor, designadamente não lhe foram atribuídos prémios nacionais, desde o Padma Shree a Padma Vibhushan. A sua história de vida é intrigante e também impressionante, estando em curso a produção do filme “I GOT NOTHING”, cuja estreia está prevista para maio. A Casa de Goa recebeu o pedido de exibição do filme em Lisboa, estando a desenvolver iniciativas para o efeito. Na edição de janeiro de “Goa Today” vem publicada uma extensa entrevista ao artista, que nos permite conhecer a sua vida. DE GOA A LISBOA Vamona fez a escola primária em Pomburba, Goa. Naquela altura (anos quarenta) a maioria dos alunos seguia para o liceu, seguindo o modelo de ensino português; porém, optou por frequentar o ensino em língua inglesa, inscrevendo-se no St. Thomas High School, em Aldona. Depois das aulas, usava o tempo restante para desenhar, enquanto os outros rapazes jogavam à bola ou brincavam. No seu primeiro emprego, trabalhou para uma empresa de Jack Sequeira (o “pai” da opinion poll). Mais tarde, mudou-se para Chowgules. Mostrou um dos desenhos a Vishwasrao Chowgule, que gostou tanto dele que fez uma moldura e pendurou o quadro no seu gabinete. Por mero acaso, o Governador Geral de Goa viu o quadro e gostou tanto que quis conhecer o autor. Trocou impressões com o jovem e, dias mais tarde, este foi surpreendido por receber uma carta do Palácio do Governo, convidando-o a deslocar-se a Portugal para frequentar estudos em Belas Artes. Fez a pós-graduação em Lisboa, mas o seu futuro promissor ficou manchado por se ter recusado a assinar um documento atacando o Primeiro Ministro da Índia, Jawaherlal Nehru. Nunca se assumiu como político (na entrevista declarou não ter qualquer interesse pela política), mas não concordou com o teor do documento. PASSAGEM POR MOÇAMBIQUE Mais tarde, fixou-se em Moçambique, em Nampula, aceitando ensinar desenho e artes. Após a independência, ainda ficou dois anos no novo país. Teve aquilo que designa por “experiência traumática”, quando as autoridades o prenderam durante 51 dias, num “incidente em que fui vítima”. Todos os seus desenhos e pinturas foram roubados, regressando a Portugal praticamente de mãos vazias, sem sequer poder provar que era um artista. O SUCESSO Recomeçando praticamente do zero, os seus desenhos e pinturas (com a assinatura de Ganesh, nome do irmão e de uma divindade) tiveram grande êxito, com exposições internacionais. Apesar do nome Ganesh, Vamona assume-se como não religioso. É hindu, mas não frequenta os templos. “O templo está dentro de mim, Não desrespeito nenhuma religião. Recito shlokas diariamente. Adoro Jesus Cristo. Sou mais cristão nas minhas ações”, declarou. Tudo aconselharia a ficar em Portugal, após a experiência falhada de Moçambique, mas o apelo de Goa foi mais forte. 10


REGRESSO A GOA Regressado a Goa, tem feito exposições na Fundação Oriente e na Sunaparanta Art Gallery e os seus trabalhos são altamente apreciados. Como salientou Vinaya Naik, editor do “Goa Today”, “são obras de arte de valor incalculável”. No ano passado, ofereceu um quadro (retrato de Fernando Pessoa) ao Primeiro Ministro de Portugal, António Costa, na Conferência Internacional da Casa de Goa, de 6 de maio. Apesar do sucesso, está arrependido de ter saído de Portugal. Eis as suas palavras de ressentimento: “Regressar a Goa de Portugal (onde poderia ficar para sempre) foi o maior erro que cometi na minha vida. Não é que não tivesse lá alguns problemas, mas eu era lá feliz apesar desses problemas. Os meus trabalhos eram muito apreciados. Eu era muito respeitado como artista. Eu tenho de dizer honestamente que lamento ter regressado a Goa. Todos os meus sonhos têm sido afetados. Qual é o respeito para com uma pessoa como eu? Estou muito desapontado. Mas já não é possível voltar a Portugal, devido à minha idade (85 anos)”. A grandeza e estatura moral de Vamona revela-se, também, no extrato reproduzido. Teria sido bem mais vantajoso e politicamente correto distanciar-se de Portugal. É este goes ilustre que merece também ser homenageado em Portugal.

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II Festival Literário de Fátima Em Novembro de 2017 realizou-se o II Festival Literário de Fátima, no qual a Casa de Goa se fez representar por via de apresentação feita pelo consócio Henrique Machado Jorge, conforme noticiámos no Boletim de Novembro-Dezembro p.p. Ao texto dessa apresentação, que está em vias de publicação nas Actas do Festival, reagiram dois leitores com comentários que se nos afiguram de interesse informativo para os sócios da Casa de Goa e demais leitores do nosso Boletim. O primeiro foi subscrito por Joaquim Domingues, personalidade de relevo no panorama actual da filosofia portuguesa, designadamente por via da sua autoria de obras de que são exemplo os títulos: «O Essencial Sobre Sampaio (Bruno)» e «De Ourique ao Quinto Império», ambos editados pela Imprensa Nacional (2002) e a «Filosofia Portuguesa para a Educação Nacional» (1997; Fundação Lusíada). Eis o excerpto em apreço: «Não podendo, por esta via, ir mais além, permito-me fazer apenas duas observações marginais. Uma, a propósito de Francisco Luís Gomes, que teria morrido no Mediterrâneo, segundo algumas fontes, como o emocionado testemunho do seu amigo Tomás Ribeiro, em Jornadas. Entre Palmeiras, Coimbra, 1874, pp. 39-43. A outra, acerca de Sebastião Rodolfo Dalgado, para lembrar que era irmão de Daniel Gelásio Dalgado, a quem ficámos a dever a reedição da obra do Abade de Faria, assim como a publicação de alguns estudos sobre a sua biografia e pensamento.» O segundo proveio de José Eduardo Serra, licenciado em Filosofia e também em Psicologia, neste segundo domínio com formação na Sorbonne e que, além de experiente praticante de artes plásticas, nos dá o prazer de ser um regular participante em actividades da Casa de Goa. Eis o excerpto em causa: « [...] vou permitirme uma ou outra reflexão, com a consciência de que corro o risco de qualquer leigo, no caso, da complexa e rica realidade goesa presente e passada. Para além do que é visível através do testemunho monumental que resta da presença portuguesa, para mim, o mais importante é o lastro intangível da espiritualidade que é a verdadeira herança simbiótica da Goanidade e que perdurará, para além do enfraquecimento da presença da língua portuguesa através das gerações que se seguirem, não só no território mater como na diáspora goesa, em que a referência a Portugal e à sua cultura, já não poderá de deixar de constituir um traço profundo da sua identidade, da sua goanidade. Recordo a leitura de cartas duma comunidade piscatória da costa leste de Ceilão que reclamavam a sua identidade hereditária de marinheiros portugueses que por lá tinham estado, para já não falar no testemunho de Malaca... E Timor, e Macau; A propósito, recordo com emoção o ter sido um dia interpelado, numa rua qualquer daquela cidade, por um cidadão autóctone que me puxou para uma conversa, num português fluentíssimo, sobre a nossa literatura mais recente de então... E, como estava feliz aquele senhor chinês! Infelizmente perdi-lhe o rasto. Em suma, na minha confinada reflexão penso que Goanidade, “Macauidade” ou “Timoridade” e outras que se começam a perfilar não são senão braços comuns duma Portugalidade cultural e humana a que tanto se entregou o Agostinho da Silva, entre tantos outros, por exemplo.»

Henrique Machado Jorge 12


A lenta agonia de um facto histórico

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ecentemente, no jornal O Heraldo, o título do resumo do meu artigo “Maldita/Bendita invasão de Goa” foi substituído por “Boa ou má, a Libertação de Goa”. Para compreender esta atitude redactorial, tomada sem minha autorização, segui várias vias de raciocínio e de reflexão, designadamente, a seguinte:

É um facto histórico incontroverso que, no dia 18 de Dezembro de 1961, o exército da União Indiana penetrou no território do antigo Estado Português da Índia, por terra, mar e ar e, em pouco mais de vinte e quatro horas, dominou as forças defensoras. Desde o início, os vencedores consideraram esta acção bélica de libertação de um povo sob o jugo colonial, e os representantes dos vencidos, sediados em Lisboa, de invasão. Seguiu-se uma longa batalha jurídica, até que se deu a revolução de 25 de Abril de 1974, em Portugal. Com a mudança dos paradigmas nos centros da decisão portuguesa, no dia 31 de Dezembro de 1974, Portugal reconheceu a plena soberania da Índia naqueles territórios. Embora não conste no documento, pode haver quem possa deduzir que, a partir desta data, Portugal também reconheceu oficialmente que Goa foi libertada. Antevendo aquele previsível desenlace protagonizado por Mário Soares, António Bruto da Costa assumiu-se como porta-voz dos seus conterrâneos protestando, atempadamente, contra a solução preconizada pelo governo português, pois, do seu ponto de vista, ela nunca podia vincular a população goesa. Passados que são cinquenta e seis anos, creio que para a maioria dos portugueses deve ser indiferente falar-se de libertação ou invasão, até porque muitos jovens nem sequer sabem que Goa foi pertença de Portugal. Realmente esta controvérsia teve relevância extraordinária no passado, mas foi sendo lentamente consumida pela escuridão dos tempos. É notório que há mais de cinco décadas e meia os meios de comunicação social da Índia falam da libertação de Goa. Pessoas que nasceram naquele território depois de 1961 apenas ouviram falar da libertação, que passou a ser a única definição dos acontecimentos então ocorridos, sendo assim tida como verdade absoluta, assumida sem contestação. Desta maneira, gradualmente, a palavra libertação começou a fazer parte do vocabulário corrente do povo e entranhou-se na mentalidade da população residente em Goa. Qualquer outro termo que pretenda caracterizar os acontecimentos do passado de forma diferente passou a ser incompreensível e inaceitável, uma autêntica aberração anacrónica e sem sentido. Todavia verifica-se, no presente, que os goeses mais audazes, os tais que defendem um estatuto especial para Goa, com vista a alcançarem as suas reivindicações, têm tido a coragem de escrever nos jornais locais que aquele território foi anexado. Apesar desta mudança significativa, por razões inteligíveis, estou em crer que dificilmente utilizarão o termo invasão, como se para ser anexado, pela utilização da força como realmente aconteceu, não tivesse de ser conquistado e, para ser conquistado, não houvesse necessidade de invadir o espaço territorial por conquistar. Fazendo uma retrospectiva, constato que aquele facto histórico está em lenta agonia. Prevejo que, quando a minha geração deixar de existir, na melhor das hipóteses, talvez só os mais sentimentalistas e determinados historiadores questionem a legitimidade do uso do vocábulo libertação para se caracterizar os acontecimentos que tiveram lugar em 18 e 19 de Dezembro de 1961 no antigo Estado Português da Índia.

Valentino Viegas

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Sobre A MORTE DO HERÓI PORTUGUÊS

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De Valentino Viegas

alentino Viegas nasceu em Goa, onde levou a cabo os seus primeiros estudos. Quase no fim da adolescência assistiu, na sua terra natal, com manifesta surpresa e não menos evidente curiosidade, àquilo que não se julgava possível: a invasão e ocupação do território pelas Forças Armadas da União Indiana. Não aceitou aquela brusca e acentuada mudança no estatuto do centenário Estado Português da Índia e empreendeu, meses depois, por sua própria conta e quase sem recursos, ajudas ou protecções, uma longa e aventurosa viagem em direcção ao rectângulo europeu onde chegou passados meses. Apanhado aqui foi imediatamente incorporado no Exército, em cumprimento do serviço militar obrigatório, o que não deixou de ser, apesar de tudo, uma saída para a situação difícil em que se encontrou após a sua chegada a este jardim à beira-mar plantado, para ele completamente desconhecido. Como não tinha completado ainda o ensino secundário foi destinado ao curso de sargentos milicianos. Depois, após um período de serviço na metrópole, foi mandado para Angola, como furriel miliciano, a fim de participar nas operações que ali se desenvolviam contra as guerrilhas que actuavam no Norte da Província. E são as situações por ele vividas quer em Angola (como combatente) quer em Goa (como espectador da invasão) que constituem a matéria constante deste livro. No primeiro caso (a guerra em Angola) as emboscadas, o drama das populações civis envolvidas no desenrolar das operações, as crianças que sobravam do extermínio dos pais e que eram salvas pelos que os tinham morto, as deslocações para a quadrícula, a sobreposição com as unidades rendidas, os movimentos de pressão sobre o inimigo, as dificuldades do reabastecimento, a fome, a sede, as horas passadas no estacionamento, os efeitos do isolamento, as insólitas oportunidades inesperadamente surgidas mas que acabam por influência e direccionar toda uma vida. No segundo, os voos da aviação militar indiana sobre o pequeno e pacífico território, as detonações sentidas ao longe, o silêncio das comunicações, os boatos, o encontro com os invasores, os carros de combate com as peças apontadas para Pangim, a morte dos oficiais indianos frente à Fortaleza da Aguada já depois da cessação das hostilidades, o combate entre as três fragatas indianas e o Afonso de Albuquerque, e a táctica da infantaria Indiana na sua progressão em direcção à costa de Goa. Valentino descreve os acontecimentos com uma exactidão milimétrica. Precedi Valentino em Angola (cheguei em 1963 e parti em 1965, ano em que ele arribou). Vivi muito do que ele descreve e reconheçome em tudo, com excepção de alguns laivos de conforto. Nós não tínhamos tendas, nem colchões insufláveis, nem carregadores para nos transportar qualquer bagagem mas conhecemos tudo o resto. Não posso atestar da mesma forma a descrição do que se passou em Goa, mas acredito que ela é igualmente escrupulosa e exacta. Nenhum pormenor significativo escapa à visão do autor, que o revela num estilo aparentemente eivado de alguma ingenuidade, logo desmentido na volta do caminho. Como acontece quando se refere aos primeiros massacres perpetrados no Norte de Angola, que critíca fortemente, mas declara “compreensíveis” em face da exploração passada que sofreram os seus autores. No relato dos empenhamentos é empolgante. Atarda-se na descrição do estado de espírito que invade os combatentes na espera do confronto. As frases acumulam-se e sucedem-se umas às outras, cada uma mais intensa do que a anterior. A tenção torna-se incomportável, a ponto de nos fazer ansiar pelo início da acção. Valentino cumpriu de forma excepcional as suas obrigações militares. Foi um valioso colaborador dos seus superiores, como o prova o facto de o comandante da subunidade lhe ter emprestado o próprio gabinete para estudar, o que nada tinham que ver com o serviço1. Foi louvado e condecorado com uma 1 O autor conta que começou a estudar história para aproveitar o tempo livre passado no estacionamento, por sugestão de um camarada. Mas ao

contrário deste, que não levou à prática este projecto, aproveitou a sugestão, que o havia de levar a completar os estudos secundários e depois à Licenciatura, ao Doutoramento e ao desenvolvimento de uma carreira em História Medieval na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e na Universidade Lusófona.

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cruz de guerra2. Mas o respeito pelos seus deveres de português e de militar, que sempre manifestou, nunca o inibiu de apreciar livremente os acontecimentos em que se viu envolvido e de que foi, simultaneamente, actor e crítico. Manifesta assim, em elevado grau aquilo que os eruditos chamam o dom de alteridade. Valentino revela neste seu trabalho alguns aspectos importantes da invasão de Goa, para mim anteriormente desconhecidos. Encontro nele, pela primeira vez, uma análise desapaixonada das instruções dadas por Salazar a Vassalo e Silva. Salazar, que como governante sempre viveu confinado nos seus estreitos limites, não foi capaz de assimilar as transferências verificadas no Mundo. E essas instruções, geralmente consideradas como manifestação de extrema perfídia, foram na minha perspectiva, fruto de um completo desconhecimento da situação que se vivia no terreno. Neste pormenor Valentino antecipa-se ao tempo, e dá-nos, aproveitando a sua competência de historiador, uma antevisão do que a História dirá da efeméride dentro de algumas décadas. Depois, a táctica posta em prática pelas forças indianas com o objectivo de limitar ao máximo as baixas infligidas quer à população, quer às nossas tropas: quando encontrava resistência suspendia o avanço, chamava a artilharia que batia as imediações das posições dos resistentes, induzindo-os a recuar, possibilitando novo avanço da infantaria indiana. O “bluff” indiano, concentrando os carros de combate junto ao Mandovi, em frente à cidade de Pangim, com os canhões apontados para a outra margem, e mandando dizer para o Palácio que arrasariam a cidade caso o Governador não se rendesse. A disciplina revelada pelas forças invasoras que não exerceram represálias pela morte, por parte das forças portuguesas, de dois oficiais, junto à Aguada, já depois da rendição, que a guarnição da fortaleza desconhecia. Por tudo Valentino Viegas escreveu talvez um dos mais interessantes livros que focam o tema da guerra de África. Livro cuja leitura se recomenda vivamente e a que deu o título o título de “A Morte do Herói Português”. Mas a meu ver falta qualquer coisa no título: um ponto de interrogação. Será que o herói português morreu mesmo? Não deveremos aguardar um pouco antes de lhe passar a certidão de óbito? Que ele tem estado ausente, disso não tenho dúvidas. Mas há sinais que justificam a esperança de o ver de novo, agora com outros objectivos e métodos, para continuar uma gesta que, mau grado os erros e as injustiças cometidas no passado não tem paralelo no Mundo.

M. Vieira Pinto

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Segundo o regulamento da medalha militar da altura esta condecoração era atribuída a quantos revelassem coragem, decisão, sangue frio e serena energia debaixo de fogo.

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A IMPORTÂNCIA DOS “MAIORES” PARA A RESOLUÇÃO DOS PROBLEMAS DE PORTUGAL

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estino esta reflexão aos maiores de idade que dispõem de saber, disponibilidade de tempo e equilíbrio financeiro, e que estão interessados em assegurar o futuro sustentável de Portugal e dos seus filhos e netos. Por meio dela procurarei enunciar os problemas mais importantes que afectam a nossa comunidade, explicar por que razão não podemos ignorá-los nem deixá-los para a população mais jovem e ainda, como devemos proceder para ajudar na respectiva solução. Vou expor sobretudo propostas, que deverão ser debatidas, para ajuizar da respectiva validade. Elas pretendem, em simultâneo, aproveitar de uma forma útil o tempo de que dispomos, e beneficiar a nossa comunidade.

PRELIMINARES Os problemas mais importantes com que Portugal se defronta, relevam das finanças públicas e da economia e podem sintetizar-se em quatro palavras começadas por d: défice, dívida, desemprego e defesa. O défice é a diferença de sinal negativo entre as receitas e as despesas do Estado. A dívida, (pode ser pública ou privada, mas para simplificar as coisas referir-me-ei apenas à pública) é o valor ainda em dívida dos empréstimos contraídos pelo Estado. Como perdemos a possibilidade de emitir moeda, contrair dívida é a única forma que temos para colmatar a diferença resultante do défice. O DÉFICE A disponibilidade de receitas suficientes para financiar as despesas do Estado, a que hoje se chama a consolidação orçamental constitui um problema crónico na nossa História. Até hoje só duas pessoas conseguiram equilibrar as contas. D. João II e Oliveira Salazar. Mas nenhum deles governou em democracia. Todos os governantes democráticos se defrontaram com o problema sem o conseguir solucionar. O actual Governo foi o que maior êxito conseguiu em matéria de consolidação orçamental. Esperase para 2017 um défice de 1,2% do PIB1, o mais baixo do regime. Mesmo assim representa, pelas minhas contas, cerca de 2800 milhões de euros. É absolutamente necessário eliminar os défices para nos libertarmos dos juros e amortizações da dívida e podermos dispor de mais dinheiro para investir, assegurar a defesa e aumentar o nosso bem-estar. Mas como? A DÍVIDA PÚBLICA Como ainda temos défice continuamos a ter necessidade de emitir dívida pública e de pagar juros e efectuar amortizações. Os empréstimos implicam o pagamento de juros. Os juros aumentam a despesa e portanto o défice. Logo, défice e dívida são realidades que se alimentam uma à outra. Nos termos do art.º67.º da Constituição de 1933 o Estado não podia recorrer a empréstimos “senão para aplicações extraordinárias em fomento económico, aumento indispensável do património nacional ou necessidades imperiosas de defesa e salvação públicas”. Mas o presente regime acabou com tal princípio, apesar de estadistas como Ataturk2, terem dito que a dívida pública é o caminho mais directo para a perda da independência de um país. 248.200 Milhões de euros era a quantia que a dívida somava já no final de Novembro passado. Isto significa que qualquer criança que nasça hoje em Portugal deve já cerca de € 24820. Neste momento estamos a pagar juros baixos devido ao facto do Banco Central Europeu a fim de estimular a economia, 1 O PIB (abreviatura de Produto Interno Bruto) é o valor total dos bens e serviços produzidos numa determinada região (quer sejam, estado, etc..), durante um período determinado (aqui referimos o ano). 2 Mustafa Kemal, Ataturk (pai dos turcos), o criador da Turquia moderna.

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ter fixado taxas de juro muito diminutas. Não temos dificuldades em conseguir empréstimos por o mesmo banco ter posto em execução um programa de compra maciça de títulos da dívida pública. Mas quando a economia crescer e tal programa cessar os juros crescerão novamente e nessa altura, poderemos encontrar-nos outra vez em dificuldades. Portugal vive portanto numa situação muito perigosa. É necessário começar o mais depressa possível a reduzir a dívida pública. Mas como? O DESEMPREGO A generalidade das pessoas precisa de recursos para pagar os custos da vida. Necessita também de se sentir útil e inserida na sociedade. Por isso o desemprego é uma lacra, causadora de miséria, fome, desespero, depressão, exploração, deportação, diminuição da natalidade, criminalidade, desagregação familiar, exclusão, etc.. Sem emprego não há liberdade. Aqueles que dependem do trabalho para sobreviver ficam escravos de quem lhes possa oferecer um salário, por modesto que seja. Também aqui o actual Governo tem conseguido grandes progressos mas o problema persiste. A taxa global já está em cerca de 8,1%, a melhor dos últimos oito anos, mas o desemprego apresenta-se de forma desigual no que respeita aos vários grupos etários. No primeiro trimestre de 2017 a taxa de desemprego dos mais novos roçou os 25%. O desemprego acaba com a esperança de muitos jovens e impede-os de construir o seu futuro entre nós. E subsiste a questão da má qualidade do emprego, com contratos precários, trabalhos temporários e outros pagos a recibos verdes ou à comissão, circunstância que faz viver os trabalhadores e suas famílias numa insegurança permanente. É necessário reduzir tão brevemente quanto for possível o desemprego, especialmente dos jovens. Mas como? A DEFESA Portugal está também em enorme risco no que se refere à segurança exterior. O islamismo radical já não domina territórios na Síria e no Iraque mas continua fortemente implantado na Líbia e na Tunísia, países que ficam a dois passos de Portugal. E a expandir-se na direcção do Golfo da Guiné, ameaçando vários estados da CPLP. Apenas a ditadura militar argelina e o regime autoritário de Marrocos nos separam dele. Mas a NATO, de que fazemos parte, não se interessa pelo flanco Sul. Só pensa em acossar a Rússia, obrigando-a a defender-se, e criando assim mais uma corrida aos armamentos e um risco acrescido de conflito mundial. Trump é um isolacionista. A Grã-Bretanha, o país militarmente mais credível da Europa, vai abandoná-la. A Espanha, já fortemente infiltrada pelo islamismo e contaminada pelos separatismos que nela medram, encontra-se em risco de desintegração. E as nossas cada vez mais reduzidas Forças Armadas não têm capacidade para defender o território nacional. Esta é uma situação que pode afectar gravemente a segurança dos nossos filhos e netos. Necessitamos por isso de aumentar a nossa força militar, o que implica despesas. Mas onde vamos arranjar o dinheiro para as financiar?

M. VIEIRA PINTO

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Maldita/Bendita Invasão de Goa

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enhum ser humano, em seu perfeito juízo, pode apoiar uma invasão, seja ela qual for, muito menos da sua terra natal, porque qualquer guerra, uma vez desencadeada, deixa sempre feridas difíceis de sarar e jamais sabemos quando e como acaba.

A invasão da Normandia, iniciada a 6 de Junho de 1944, pelas forças aliadas com apoio dos franceses, é apontada como exemplo de uma necessidade inquestionável, pois sem ela era impossível livrar a Europa do domínio nazi e garantir a liberdade dos povos. Nas circunstâncias objectivas em que ocorreu, a decisão sobre a invasão parecendo correcta pode ser enganosa, porque a verdadeira questão não é esta, mas termos a consciência de que os vencedores da Primeira Guerra Mundial, em vez de criarem condições para evitar a repetição da tragédia humana e reconciliar o mundo, humilharam a Alemanha vencida e, em lugar de apaziguar as almas e sarar as feridas, chocaram a população derrotada com imposição de perdas territoriais, pagamento de pesadas indemnizações e implementação de aviltantes medidas preventivas com vista a impedir a repetição dos acontecimentos. Com esta actuação desastrosa, facilitaram o caminho para o nascimento nas chefias da nação punida e amesquinhada de indivíduos possuidores de mente frustrada e vingativa. A argumentação, segundo a qual, era um mal menor lançar as bombas atómicas sobre as cidades japonesas de Hiroxima e Nagasáqui, nos dias 6 e 9 de Agosto de 1945, respectivamente, para pôr termo à guerra entre o império do Japão e os Estados Unidos, caso contrário, assegurava-se, o arrastar do conflito ceifaria muito mais vidas, podendo ser justificável aos olhos dos autores do acto praticado, jamais será para aqueles que sofreram na pele e no solo as suas consequências. Por isso, no estudo da Segunda Guerra Mundial, o papel desempenhado pelo bombardeamento daqueles dois alvos de natureza civil na rendição do Japão e, principalmente, a sua justificação ética, jurídica e militar, foi discutido e continuará a ser objecto de debate, tanto entre académicos como pela sociedade. Com a descoberta do caminho marítimo para a Índia por Vasco da Gama e a afirmação da força bélica portuguesa nos mares orientais, numa altura em que os primeiros passos da globalização começavam a ser impostos e inexistiam leis internacionais capazes de garantir a coexistência pacífica entre os povos, as normas eram ditadas pelo poder da espada e o fogo de canhões. Aliciado por Timoja, que lhe garantia existir uma conjuntura político-militar extremamente favorável para se apossar de Goa, Afonso de Albuquerque invade e conquista aquela cidade em 25 de Fevereiro de 1510. Depressa acossado pelos partidários dos vencidos, em várias frentes, viu-se forçado a abandonar a cidade, para tornar a conquistá-la no dia 25 de Novembro do mesmo ano. Pela maneira como Goa foi governada pelo vencedor pode-se concluir que não foi libertada do domínio muçulmano para ser entregue aos anteriores possuidores hindus, mas conquistada por Afonso de Albuquerque para engrandecer Portugal. Com avanços e retrocessos, a partir de 1543, Bardez e Salsete passam para o poder dos portugueses. A região de Novas Conquistas, que se estende de Tiracol até ao cabo de Rama, é anexada definitivamente ao Estado Português da Índia no século XVIII. Nos finais deste século, por causa da rivalidade anglofrancesa, Goa vai ser ocupada, temporariamente, pelos ingleses entre 1799 e 1813. Se após a invasão vitoriosa de Normandia e a rendição incondicional do Japão, os países sob o domínio germânico e nipónico recuperaram a sua independência, desde 25 de Novembro de 1510 até 17 de Dezembro de 1961, os governantes portugueses nunca deram aos goeses a oportunidade para poderem escolher entre continuar debaixo da soberania portuguesa ou decidir pela autodeterminação e independência. A União Indiana, no dia 18 de Dezembro de 1961, invadiu e conquistou Goa não para libertá-la do domínio português, mas para anexá-la ao seu território. Posteriormente os goeses tiveram de lutar para, a partir de 30 de Maio de 1987, ganharem o estatuto de Estado dentro da Índia. Tal como aconteceu com Portugal, também a Índia nunca perguntou se Goa queria ser independente. 18


Caso acontecesse e os goeses votassem em maioria pela integração, tínhamos de inferir que Goa havia sido libertada do domínio português, mas como isso jamais aconteceu a questão ficou em aberto como uma ferida que não sara. Passados que são mais de cinquenta e cinco anos, analisemos a realidade presente. No tratado estabelecido entre representantes da Índia e Portugal, no dia 31 de Dezembro de 1974, em Nova Deli, onde Mário Soares representava Portugal, como Ministro de Negócios Estrangeiros, consta o seguinte: Artigo 1.º - Portugal reconhece que os territórios de Goa, Damão, Diu, Dadrá e Nagar Aveli se tornaram já parte integrante da Índia e reconhece por este meio a plena soberania da Índia sobre estes territórios com efeito a partir das datas em que se tornaram partes da Índia nos termos da Constituição da Índia. Este tratado é aprovado e ratificado em Conselho de Ministros no dia 5 de Abril de 1975 e o correspondente Decreto n.º 206/75 publicado no Diário do Governo, 1.ª Série, no dia 17 do mesmo mês e ano. No que diz respeito à Índia, o Supremo Tribunal de Justiça, em Nova Deli, decidiu em 26 de Março de 1969 que a ocupação de 20 de Dezembro de 1961 não foi uma ocupação beligerante, nem ocupação antecipada, mas uma verdadeira anexação por conquista e subjugação. Nos dias que correm, depois de António Costa, Primeiro-ministro português, ter sido convidado a visitar a Índia pelo seu homólogo, Narendra Modi, e recebido com honras de chefe de Estado, tornouse maior o estreitamento de relações entre os dois países. Reconhece-se também o relevante papel desempenhado pela actual embaixadora da Índia em Portugal, Nandini Singla, que tem vindo a envidar esforços de forma denodada nessa linha de orientação. Analisando a marcha dos caminhos da histórica, há já alguns anos, na roda de amigos, temos vindo a reflectir se valeu a pena a decisão tomada de partir voluntariamente de Goa para Portugal, depois de Dezembro de 1961. Não tenho procuração nem posso falar por terceiros, mas vou explanar os meus pensamentos. Quando ela se deu, maldisse a invasão de Goa por variadas razões que dispenso repetir por constar nos meus livros e artigos. Recordo apenas aquilo que perguntei a um amigo, na noite do dia 18, ao olhar para as tropas indianas, que iam chegando e engrossavam o contingente, em ondas sucessivas, na margem oposta de Pangim, em Betim: E agora, quem é que os tira daqui? No fundo, devia temer que Goa viesse a ser colonizada pela União Indiana. Todavia, tenho de reconhecer que há males que vêm por bem e onde há crise surgem oportunidades. Fazendo a leitura do curriculum vitae de muitos jovens, que partiram comigo na odisseia para aportar no outro lado do mundo, é inquestionável depreender que a maioria deles foi bem-sucedida, daí ter sido apelidada de geração de sucesso. Apesar disso, é legítimo colocar a seguinte questão: Se permanecessem em Goa não poderiam ser tanto ou melhor sucedidos? Em relação à Goa hodierna, constata-se que em alguns aspectos houve retrocessos, mas em termos demográficos, de infra-estruturas rodoviárias e de desenvolvimento económico e social, Goa deu passos de gigante, pois, sendo o menor dos estados indianos em termos territoriais e o quarto menor em população, é o mais rico em PIB per capita da Índia. Conhecendo, grosso modo, os companheiros da jornada e tendo em conta as competências, as habilitações literárias e a rede de influências que detinham durante a presença portuguesa, posso inferir que, os choques que inevitavelmente iriam surgir com a mudança da governação e o concomitante predomínio da língua inglesa e hindi, salvo raras excepções, dificilmente teriam a possibilidade de vingar na nova ordem estabelecida. Se está cientificamente comprovado que a mudança de mentalidades é um processo lento e demorado, vejamos como é que reagiu e se comportou a juventude. 19


Muitos jovens goeses, na flor da idade, não estiveram dispostos a dar tempo ao tempo para depois decidir sobre o seu futuro. Acreditaram nas suas capacidades e tiveram a arte de transformar os obstáculos em energia e redobrada força anímica. Foi com grande dificuldade e determinação que fizeram face a terríveis obstáculos, acabando por singrar no novo rumo escolhido, pois sabiam não haver outro caminho a seguir a não ser, com redobrado ânimo, ultrapassar as adversidades, porque estavam por sua conta e risco. Estou em crer que se tivessem aplicado o mesmo esforço em Goa, os resultados seriam claramente inferiores porquanto, na altura, os horizontes eram muito mais limitados e as oportunidades extremamente reduzidas. Na verdade, foi a bendita invasão que lhes abriu os olhos e os despertou para a existência de um mundo muito para além das diminutas fronteiras de Goa, e os obrigou a enfrentar toda a sorte de desafios e destemer a incerteza do desconhecido. No estudo da situação, ao tempo efectuado, em regra com pendor positivo e entusiástico, admitiam que as portas do mundo estavam abertas e à sua disposição. Bastava apenas acreditar para conquistá-lo com trabalho e perseverança. Foram resilientes, mesmo quando este vocábulo era desconhecido na linguagem corrente. Quando lhes surgiam pensamentos negativos e o medo recalcado projectava imagens do tenebroso Adamastor, agora escondido por entre as nuvens em pleno oceano Índico e desejoso de ajustar contas contra aqueles que se ousavam chegar ao local de onde partira Vasco da Gama, os novos aventureiros acreditavam no beneplácito de Júpiter e na protecção de Vénus. Uns realizaram os sonhos, outros foram readaptando as aspirações às múltiplas circunstâncias da vida. O certo é que foi a ruptura dos paradigmas, ocasionada no dia 18 de Dezembro de 1961, que lhes permitiu acalentar a possibilidade de existir, algures, uma esperança escondida mais condicente com os sonhos por realizar. Ampliando o horizonte visual, visualizaram um futuro promissor e consentâneo com as aspirações1. Quando estamos em plena comemoração dos trinta anos da fundação da Casa de Goa, jamais podemos esquecer que esta Casa só existe em Lisboa por causa dos factos relatados que se deram, uns há mais de quinhentos anos, outros há pouco mais de meio século. Não é por acaso que nós, os membros da Comissão Instaladora, vimos pela primeira vez a luz do dia naquela terra distante, banhada pelo oceano Índico. Deixámos aquele solo saudoso, mas criámos a Casa de Goa como extensão do cordão umbilical que liga Portugal ao berço do nosso nascimento. Se dos treze eleitos nas primeiras eleições da Casa de Goa, realizadas no dia 17 de Abril de 1988, todos os membros dos seus corpos sociais tinham nascido em Goa, e se dos actuais sete membros da direcção, só dois nasceram naquela terra, isso só pode significar que houve passagem de testemunho e a Casa de Goa está livre de traçar o seu futuro. Abrindo as suas portas e rasgando novos horizontes, o futuro da Casa de Goa estará assegurado! Lisboa, Casa de Goa, 6 de Maio de 2017.

Valentino Viegas 1 Comunicação apresentada no trigésimo aniversário da Casa de Goa. Na versão escrita para ser publicada em Goa, retirei o texto subse��quente a este parágrafo e substituí pelo seguinte: Quando recentemente desfrutei mais uma temporada em Goa, tive a oportunidade de presenciar, logo de manhã, extensas filas de goeses à porta do consulado para obter o passaporte português, com o intuito de emigrar. É sabido que a escolha do caminho da emigração é decidida por milhentas razões, quer por insatisfação de natureza económica, social, política, religiosa, cultural e familiar, quer por incapacidade de inserção no meio em que se vive, ou até, de entre uma variedade de outros motivos, por simples desejo de aventura. Como migrante, quero recordar aos goeses mais jovens que nós, simples criaturas humanos, muitas vezes, cometemos o grave erro de procurar descobrir pedras preciosas peregrinando pelo mundo fora, quando elas se encontram debaixo dos nossos pés. Daí aconselhar aos potenciais emigrantes que, em primeiro lugar, lutem para ter sucesso na terra que os viu nascer, todavia, caso considerem esta opção de todo impossível de realizar, jamais esqueçam de que necessitam de acreditar, genuinamente, nas vossas capacidades e de estar, física e mentalmente, preparados para enfrentar todo o tipo de dificuldades, sem jamais esmorecer, tendo bem presente que somos nós que temos de nos adaptar ao país de acolhimento e não esperar que aconteça o contrário.

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A desgraça da colonização. Porque são pobres os países pobres? No 70º aniversário da Independência da India, ocorrida a 15 de Agosto de 1947, é oportuno interrogar sobre a riqueza da Europa e a pobreza da India. Há arrogância na UE ao tratar com cidadãos de países pobres. Dos mesmos países que foram arrasados na colonização. Um amigo falou-me de uma entrevista em Delhi para obter o visto de entrada. Vi-o preocupado e fiquei revoltado com a falta de respeito, de fazer perder 2 dias e dinheiro, para ir de Bangalore a Delhi, distância superior a 1800 Kms, mais que de Lisboa a Frankfurt! Por desgraça, é a forma habitual de actuar da UE; não consta que a Embaixada da India faça qq entrevista. A UE suspeita de que? Há quem se responsabilizou pela estada e viagem de regresso. E...há o skype. Será ostentação do poder, que se vai extinguindo? Ou complexo de culpa na pobreza? Recordei-me da patética tirada, atribuída a Macaulay, no parlamento britânico, em 2-II-1835: “Viajei pela India profunda e não vi sequer uma pessoa mendiga ou ladra. Tal riqueza vi no país, tais valores morais, pessoas de tal calibre, que eu não penso que algum dia possamos conquistá-lo, a não ser que quebremos a coluna vertebral desta nação, que é a sua herança cultural e espiritual. Daí, eu propor que substituamos o seu velho sistema de ensino, a sua cultura, para que os indianos pensem que tudo o que é estrangeiro e inglês é bom e melhor do que o seu; perderão a auto-estima, a cultura nativa, e eles serão o que nós quisermos, uma nação verdadeiramente dominada. (Macaulay foi membro do Supreme Council of India) A ‘India’ foi bem mais rica que a Europa, até ao século XVII. Angus Maddison, afirma que em 1700 a India representava 27% da riqueza mundial e a Europa só 23%. Além disso, os indianos tinham perfeita convicção do alto valor da sua civilização. A história trágico-marítima portuguesa que, apesar disso, trouxe enormes vantagens materiais, não teria lugar sem relatos fidedignos prévios, da riqueza e comércio da India, confirmados depois pelos marinheiros com riqueza trazida, sendo a India apetecida a qualquer país ganancioso. Sobre as suas técnicas de produção, J. T Sunderland1, dos EUA, nascido em Yorkshire, escreve: “Quase todos os tipos de manufactura e produtos conhecidos no mundo civilizado –quase todo o tipo de criação da mente e mãos humanas, existente em qualquer parte, e louvados quer pela sua utilidade ou belezaeram há muito feitos na India. A India era de longe a maior nação industrial e manufactureira, mais do que qualquer outra na Europa ou na Asia. Os seus têxteis –finos produtos dos seus teares, em algodão, lã e seda- eram famosos no mundo civilizado; bem como a esplêndida joalharia e as pedras preciosas lapidadas em lindas formas; também o eram a porcelana e cerâmica, de todos os tipos, qualidade, cor e formas; e os delicados trabalhos em metal: ferro, aço, prata e ouro. 1

Jabez T. Sunderland, India in bondage: Her right to Freedom and a place among the great nations, New York: Lewis Copeland, 1929, p. 367

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“Tinha grande arquitectura –igual em beleza a qualquer outra do mundo. E notáveis trabalhos de engenharia. E grandes mercadores, homens de negócio, banqueiros e financeiros. Não era só a maior nação construtora de barcos, mas tinha muito comércio por mar e terra que se estendia por todos os países civilizados conhecidos. Assim era a India que os britânicos encontraram quando lá chegaram.” O historiador e filósofo americano Will Durant2, autor da The Story of Civilization (em 11 volumes), viajou pelo mundo e ao chegar à India, em 1930, impressionado com a barbárie inglesa, interrompeu a Story, para escrever o The case of India, onde denuncia, com imensa mágoa a rapina inglesa: “A conquista britânica da India foi a invasão e destruição de uma alta civilização por uma empresa comercial (a East India Company, britânica), absolutamente sem escrúpulos ou princípios, sem se importar com a arte, mas só a ganância de ganhar, destruindo a ferro e fogo um país temporariamente transtornado e sem ninguém que o acudisse, subornando e matando, anexando e roubando, e começando a corrida de posse ilegal para lhe dar aparência de ‘legalidade’, ao que agora (1930) já conta com 173 anos de uso..”. Relata o “espanto e indignação” com o que viu e leu sobre a “consciente e deliberada sangria da India”, que denúnciou como o “maior crime da história”. Há historiadores sérios e muitos, felizmente. Podem não dispor de todos os documentos; os lacaios dos colonizadores eram senhores quase absolutos e os relatos ‘comprometedores’ eliminá-los-iam, para suprimir ‘o juizo da história’. Um destaque entre os historiadores vai para Shashi Tharoor e o seu magnífico livro An era of Darkness (Uma era negra), do qual citei as duas passagens anteriores. Onde está a India industrial e rica? Os paises que a deixaram de rastos dão-se ares de nobreza, endinheirados, a pregar ética.... e a humilhar os pobres que eles assim deixaram depois de espoliados, com exigências sem sentido para um visto de entrada. Fica no ar a pergunta incómoda: qual a base da riqueza da Europa? Donde provem ela? Do roubo e esbulho das suas colónias, sendo a India um bom exemplo...

Eugénio Viassa Monteiro3

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Will Durant, The Case for India, New York: Simon & Schuster, 1930, p.7.

Professor da AESE-Business School e Dirigente da AAPI-Associação de Amizade Portugal-India

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ESPAÇO DOS JOVENS Olá a todos! Desafiaram-me para escrever um pequeno texto sobre a experiência de participar nos preparativos do próximo espetáculo do Ekvat no Teatro Tivoli BBVA. Como é de vosso conhecimento o grupo tem uma componente de canto e outra de dança. Eu faço parte do grupo de dança e tenho estado presente nos ensaios dos números que iremos apresentar para o próximo espetáculo. Temos reunido durante a semana e nos fins-de-semana, sendo que este esforço tem como intuito apresentar um programa de qualidade para quem o for assistir no dia 8 de Abril (às 17h30). Aproveitei esta oportunidade para apreender uma parte da cultura goesa, nomeadamente as danças folclóricas e as diversas canções presenteadas no reportório do Ekvat, bem como conviver com as diversas gerações que pertencem ao grupo Ekvat. Gostaria em meu nome e do grupo que o teatro estivesse com uma boa casa, pois antes de mais, o espetáculo é primeiramente para o público. Finalmente e desvendado um bocado do véu, apresentaremos um conjunto de novos números que espero que seja do vosso agrado.

David Vaz

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Aconteceu... 25 de Janeiro – Chá das 5 Em Janeiro retomámos esta atividade que esteve parada por causa das festas de natal e fim de ano. Reunimos os amigos de Goa e os sócios da Casa de Goa que vieram à procura dos quitutes tradicionais. Tivemos a participação do Prof. Manuel Vieira Pinto com o tema a que damos destaque neste mesmo boletim com o título “A Importância dos Maiores Para a Resolução dos Problemas de Portugal”. Este é um sócio ativo e cheio de ideias para a nossa instituição e a quem muito agradecemos.

26 de janeiro - Dia da República A Casa de Goa teve a honra de estar presente nas comemorações do Dia da República, organizadas pela embaixada da Índia. Uma receção memorável no espaço SUD em Belém onde estiveram presentes todas as entidades que mantém relações com aquele país e onde a Senhora Embaixadora Nandini Singla fez um discurso com introdução em Português. Bastante marcadas as relações entre os dois países e o importante papel de todos nós na construção destas pontes que unirão culturas e povos.

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9 de Fevereiro – VISITA DE DELEGAÇÃO DO GOVERNO DE GOA A Casa de Goa recebeu, no dia 9 de fevereiro, a visita de uma delegação do governo de Goa, dirigida por Dharmendra Sharma, Chief Secretary (o mail alto cargo não político na administração pública). Integraram a delegação técnicos goeses que se deslocaram a Portugal para analisar formas de cooperação com as Águas de Portugal. Foram acompanhados pela Sra. Embaixadora da Índia, Nandini Singla, bem como por dois secretários da Embaixada. Os nossos convidados tomaram conhecimento das funções relevantes da Casa de Goa, manifestando o seu apreço. No final, foi serviço um jantar informal.

10 de Fevereiro – Baile de Carnaval A convite e em parceria com o CAO – Clube Academico de Odivelas, no âmbito de a nossa cooperação estendida a outras instituições e associações no passado dia 10 de fevereiro no Salão Azul do Parque do Silvado-Odivelas organizamos o baile de carnaval. O referido baile teve como objectivo angariar fundos para a deslocação e participação de dois atletas do CAO em representação da Seleção Nacional de Badminton de Portugal, no Torneio de Badminton da Yonex Slovak - 2018 Badminton Europe Circuit. Participaram neste evento carnavalesco cerca de 120 foliões que animaram a Festa de Carnaval, pela noite a dentro. A animação musical esteve a cargo de DUO USB e o DJ Jesus.

22 de Fevereiro – Chá das 5 No passado dia 22 de fevereiro no habitual Encontro Chá das Cinco, após uma tarde bem passada saboreando as delicias goesas os participantes tiveram a oportunidade de assistir a uma conferência subordinada ao tema: “Crianças e Famílias na prática clínica” proferida pela Drª Joana Janeiro. A Dra Joana Janeiro é Licenciada e com o Mestrado em Psicologia Clínica, no ISPA. Além de trabalhar na Clínica ‘Repetição e Diferença’ que intervém em contexto escolar, no acompanhamento de crianças, do 1°, 2° e 3° ciclo e de dar consultas na Voz do Operário e em clínica privada, está presentemente a formar-se em psicoterapia psicanalítica relacional na associação Psirelacional. 26


A nosso pedido a Dra Joana Janeiro gentilmente enviou-nos um resumo da Conferência realizada na Casa de Goa: Crianças e Famílias na Prática Clínica “A Conferência com o título ‘Crianças e Famílias na prática clínica’, realizada a 22 de Fevereiro, teve como principal objectivo pensar as problemáticas atuais das crianças, do seu contexto familiar e que expressão terão na comunidade escolar. Este desafio surgiu pela importância que, nos dias de hoje, se faz sentir a necessidade de procurar e criar novos operadores de compreensão para pensar estas problemáticas, perante a falência destes sistemas atualmente - família, escola e sociedade - na responsabilidade e promoção das necessidades fundamentais para o crescimento saudável das crianças de hoje, futuros pais, educadores e adultos responsáveis. A comunicação refletiu também um pensamento organizado da prática clínica, em contexto escolar fundamentalmente, com ilustração de casos, demonstrando de que forma a sicologia clínica e os acompanhamentos psicoterapêuticos podem atuar e ser benéficos aos alunos, famílias e à comunidade escolar. Uma breve referência dos conceitos teóricos de Donald Winnicott - psicanalista da infância, mundialmente conhecido - conduzem-nos à importância da mãe e do adulto para o desenvolvimento infantil, com um estudo aprofundado da relação mãe bebé nos primeiros meses de vida: ‘Cada indivíduo nasce, desenvolve-se e atinge a maturidade. Não há maturidade adulta à margem de um desenvolvimento prévio, que é, ao mesmo tempo, complexo e contínuo, desde o nascimento, ou até antes, até à velhice. Não podemos passar ao lado de nada, nem sequer dos acontecimentos da mais remota infância’ D. Winnicott, em ‘A Família e o Desenvolvimento Individual’ A criança, que passa de estados de dependência absoluta, a estados de menor dependência, a caminho da maturidade e da autonomia, cresce e desenvolve-se em relação, com um grau de adaptação ativa às suas necessidades. Estas qualidades reúnem-se numa ‘mãe suficientemente boa’, que com a sua capacidade de devoção, pode compreender as necessidades do seu filho, cuidando, sustendo, promovendo uma presença estável e um sentido de continuidade e de previsibilidade relacional. Esta relação e este espaço que, mais tarde se amplia ao núcleo familiar, à família alargada, à comunidade escolar e à sociedade, serve para que a criança possa experimentar a sua intensa vida emocional e pulsional. É fundamental que se ofereça na relação a possibilidade da criança exprimir e experienciar a sua agressividade, por exemplo, sem que corra o perigo de causar dano ou de destruir a mãe. O que pede, no fundo, é que se possa exprimir, em determinadas fases do seu desenvolvimento, e que o adulto ‘sobreviva’, dando contenção e possibilidade de reparação (M.Klein). Quando as falhas superam os cuidados, os sintomas surgem, muitas vezes em contexto escolar, e os alunos são encaminhados para o Psicólogo. A nossa tarefa será a de oferecer um meio adequado à idade da criança em questão, que permita a cada uma, de forma gradual e pessoal, transformar-se ou constituir-se uma pessoa capaz de ocupar um lugar na comunidade sem perder a sua individualidade e sem sofrer tanto com o seu próprio sofrimento. Surge com frequência, em contexto privado e escolar, a tendência que a criança em apuros tem de ‘prestar contas fora de casa’. Para Winnicott, é uma manifestação de esperança de que o ambiente, o adulto, note a falha e a corrija. O adulto, que no tempo da infância corresponderá ao pai e à mãe, mas que no contexto escolar se passa a dirigir ao educador, ao professor, ao psicólogo, aos funcionários e aos diretores. No fundo, aos adultos de hoje que a criança continua a precisar. O T. porta-se muito mal. É provocador, mal-educado e insulta, sobretudo, os professores e os funcionários - os adultos, portanto. É uma presença indesejada na sala de aula, mas quer lá estar, apesar de não estar disponível para as aprendizagens. O T. procura o olhar do adulto, quer sentir-se seguro, protegido e amparado, num tal ‘ajuste de contas fora de casa’, porque as coisas por lá falham. O problema é que a escola, embora seja um lugar muito seguro para o T., nem sempre consegue compreender e responder às suas necessidades que exprimem as falhas de base da família. A escola, assoberbada por trabalhos, burocracias e avaliações, salas cheias, números crescentes de alunos com dificuldades de aprendizagem e com problemáticas graves de comportamento, e marcada pela instabilidade de permanência dos próprios adultos, está, ela própria, numa tentativa de sobrevivência. 27


Retomando a falência dos sistemas - família, escola e sociedade - mas mantendo a esperança de transformações significativas que permitam melhorias, ficaram questões implícitas e que incentivaram debates, presentes e futuros: que crianças e famílias temos hoje? Que escolas temos e de que escolas precisamos? Segundo Winnicott, e estou perfeitamente de acordo, as escolas deveriam servir: às crianças com famílias organizadas, com mães suficientemente boas e pais suficientemente presentes, que podem enriquecer-se com o que a escola tem para oferecer e beneficiarem-se através dessa contribuição; às crianças que necessitam receber dos adultos da escola, o que não receberam em casa (através das psicoterapias e outros apoios), até mais que o próprio ensino; e às crianças que estão entre estas duas categorias.”

27 de Fevereiro – Conversas Francas: “Será a Orientalidade um Orientalismo?” Iniciou-se a 27 de Fevereiro p.p., no auditório da Casa de Goa, a apresentação da série mensal Conversas Francas, dinamizadas pelos consócios Henrique Machado Jorge e António Faria. Numa primeira fase, a série estender-se-á até Junho p.f. À excepção da primeira Conversa, todas as sessões se realizarão na terceira terçafeira do correspondente mês; funcionarão em molde de tertúlia, ou seja, introdução de cada tópico pelos dinamizadores, seguida de discussão aberta a toda a assistência. A primeira sessão, que reuniu dezena e meia de participantes activamente contribuintes para o debate, teve por tema: «Será a Goanidade um “Orientalismo”»? Em conformidade, a apresentação e a subsequente discussão centraram-se nestes dois conceitos: «goanidade» e «orientalismo» – aliás, sequencialmente por ordem inversa. No que respeita a «orientalismo», embora com as inevitáveis (e úteis) nuances pessoais, predominou um reconhecimento de que a abordagem que usualmente se identifica como «orientalismo», que Edward Said severamente criticou na sua obra homónima de meados do século passado, de facto foi (e persiste ainda) como agenda de dominação e, também, expressão de indisfarçável menosprezo pelas culturas geoestrategicamente classificadas como «orientais»; não raro, em particular no que respeita às culturas asiáticas, reduzidas a incompreensível estatuto de «religiões», até com apelo a suposto «misticismo oriental» congénito. Na sequência dessa questão foi introduzido o tópico: «Qual a “essência” da goanidade?». A discussão foi prontamente convertida na questão: «Será “identidade goesa” o mesmo que “goanidade”?» (ou vice-versa). Não surpreendemente foi levantada, na continuação da troca de pontos de vista, a situação dos goeses de 2ª geração nascidos em diáspora. Poderá, nessas circunstâncias, falar-se em «identidade goesa», pois que quer «naturalidade» quer efectiva vivência são não goesas?! A aparente convergência de «sentimentos» tendeu para uma noção de «conteúdo de pertença», uma «ligação emocional à condição de “ser goês”». Em contrapartida (ou, talvez mesmo, essencialmente), o direito e dever de afirmar essa específica cultura – não por qualquer tipo de noção de «nacionalismo», aqui completamente despropositada, mas sim de enriquecimento cultural global por via de contribuintes diferenciações culturais (ou mesmo subculturais) locais. Ao que acresceu o perspectivante comentário de que o concani poderá emprestar ao termo «goanidade» uma conotação de ser e estar no tempo. Como corolário desta permuta orientada de pontos de vista sobreveio o tópico: «Poderá subsistir temporalmente uma “goanidade” cuja base territorial (Estado da Índia) cada vez menos nela se reveja?». Se, nessa matéria, não houve clara tendência para consenso, diversos e muitos interessantes foram alguns dos aspectos relevados. Designadamente: se «goanidade 28


e identidade» pelo menos têm valores comuns, a identidade cultural torna-se conditio sine qua non para a própria «sustentabilidade». Outra percepção: as minorias tendem a resistir a absorção descaracterizadora. Se não, como compreender o facto de estar presentemente em funcionamento, em Goa, uma Escola de Fado – aparentemente sustentada pela frequência de dezenas de alunos? Em fecho foi, pelos dinamizadores da Conversa, afirmada a intenção de tomar partido de argumentos defendidos no decurso da sessão, bem como de matéria que possa advir da II Conversa Franca, para a redacção de uma comunicação a submeter pela Casa de Goa a Conferência Internacional que terá lugar, em Lisboa, no Outono deste ano. O tema seleccionado para a Conversa de 20 de Março é: «Goanidade – Verso e Anverso de um “Luso-Orientalismo”?»

28 de Fevereiro - Exposição “Sentir Goa” uma exposição de Desenho, Pintura e Escultura Sem sair de lisboa pode “Sentir Goa” uma perspetiva transmitida por três artistas que visitaram Goa pela primeira vez através da sensibilidade e da arte com mais de 50 obras de desenho, pintura e escultura. Levada a cabo um ano após a viagem “Sentir Goa” tem surpreendido muitos pelas obras apresentadas e o espaço do auditório da Casa de Goa é agora uma “galeria” muito adequada às obras presentes com um magnífico ambiente criado ajudado pela iluminação e um teto “forrado” com saris tornando o espaço irreconhecível. A inauguração teve lugar no dia 28 de Fevereiro, muito concorrida e muitos, mesmo muitos marcaram presença ajudando a criar uma ambiência calorosa e após algumas palavras de abertura pelo presidente da Casa de Goa Dr. Edgar Valles, João Coutinho em seguida fez algumas referências sobre a viagem, motivação e o ambiente vivido aproveitando para agradecer mais uma vez ao grupo que participou e principalmente às artistas que transmitiram aos presentes algumas palavras sobre Goa e a sua obra. Fiquem atentos pois adivinham-se mais eventos a não perder durante o período desta exposição com os participantes da mesma.Quem sabe se com poesia e talvez música ou dança e ainda para fechar a exposição a apresentação de “O Roteiro da Viagem : Sentir Goa” no início de Maio. A exposição estará patente ao público até ao início de Maio nos dias de semana das 10:00 ás 12:30 e das 15:00 ás 19:00.

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Catarina Guerra

“A minha viagem a Goa deu-me bagagem para sonhar e por isso para criar, inventar através de memórias, sensações e emoções deixadas por ela. Goa terá sempre as suas cores e paisagens guardadas na minha imaginação como ferramenta de inspiração. O seu povo relembrar-me-á sempre do que é ter uma mente leve e simples. Mostrar-me-á também o poder da diversidade. Eterna ficou esta viagem, guardada preciosamente, como algo frágil e delicado mas poderoso.”

Manuela Alegre “Apesar das incertezas, era uma viagem prometida, que aconteceu, quase por magia….Na memória, ficou a neblina pela manhã, o confronto constante das cores inventadas, e os espaços, que lhes servem de limite, dramaticamente plásticos, deixaram em mim a sua marca. Para funcionalizar isso, utilizei a máquina fotográfica como registo de memória do imediato. Era urgente, segurar o que me passava à frente. Parece que nunca tinha sido confrontada, com uma sequência de cores tão fortes, tão vivas e algumas até eletrizantes. Pela manhã, eram esbatidas pela neblina, eram reinventadas… A viagem tinha um programa, bem preenchido, apetitoso e culturalmente bem concebido. De um rigor flexível, poderia dizer-se…O que foi ótimo. Assim cada um, pôde experienciar à sua maneira, momentos que poderão vir a ser únicos nas suas vidas. Foi oportuno e gratificante, poder mostrar nesta exposição uma síntese plástica, de todo aquele exercício visual, que é constante e natural em mim. Foi mais, um grande desafio nesta Casa, já tinha começado com o PowerPoint e vamos ver o que lhe seguirá… não é, João Coutinho?”

Constança Vasconcelos

“Goa foi uma revelação desde sempre pressentida e finalmente vivida em excelente convívio de viajantes. Um motivo de inspiração vida fora: pessoas, animais, cores, sons, cheiros e espaços numa harmonia diversa. Goa tão longe e sempre tão perto... “

As artistas, alguns dados: CATARINA GUERRA, tem 21 anos e é de Lisboa. É licenciada em Escultura pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa e foi aos 13 anos que começou a sua jornada pela dança clássica Indiana, Bharata Natyam com a professora Tarika Valli. Mais tarde juntou-se ao grupo da Casa de Goa de danças e cantares Goeses - “Ekvat”. Catarina junta estas suas duas vertentes para criar o seu trabalho artístico, sempre em busca de transmitir o movimento através das suas obras. Fez a sua primeira viagem a Goa em 2016, que serviu de inspiração fulcral para a produção das suas obras desde aí. MANUELA ALEGRE – Luanda 1950. Licenciada em Pintura pela E.S.B.A.L. Bolseira da Fundação Calouste Gulbenkian em 1980,1991/93 / 1.º Prémio Nacional de Pintura da Confraria do Vinho do Porto em 1991 / Menções Honrosas: Prémio Casa do Alentejo 2005 / XV,XVI eXVIII Galeria Aberta 2007, 2009 e 2013, Beja. / Representada em várias coleções públicas e privadas em Portugal e no estrangeiro / Exposições Individuais: 2013 Segredos Arquivados, Biblioteca, FCTUNL Campus da Caparica. /2008-Casa da Cultura de Mira Sintra / 2006 Galeria Municipal de Fitares, Rio de Mouro/ Sintra. / 1998 Casal de S. Domingos, Sintra (Desenho e Instalação) / 1995 Galeria Gymnásio, Lisboa (pintura e mosaico) / 1993 Galeria Ogiva, Óbidos / 1992 Clube 50, Lisboa / 1991 Galeria Arte Moderna, SNBA, Lisboa. Tem participado em diversas exposições coletivas, em Portugal e no estrangeiro. CONSTANÇA VASCONCELOS - Curso de arquitetura da ESBAL, doutoramento na Universidade de Salford, Reino Unido. Atualmente, Professora Associada da Universidade Lusófona, ECATI, no Departamento de Design e Coordenadora do Mestrado em Ensino das Artes. Investigadora do LEAU (Laboratório de Arquitetura e Urbanismo) e CICANT (Centro de Investigação em Comunicação Aplicada, Cultura e Novas Tecnologias). Publicações no âmbito do desenho, artes visuais, didática das artes plásticas, metodologias de investigação. 33


Agenda 20 DE MARÇO - 2ª SESSÃO “CONVERSAS FRANCAS” 21 DE MARÇO - CURSO DE CONCANI 22 DE MARÇO - ENCONTRO CHÁ DAS CINCO 28 DE MARÇO - ASSEMBLEIA GERAL 8 DE ABRIL - ESPETÁCULO “GOA SONS E RITMOS” 11 DE ABRIL - LANÇAMENTO DOS LIVROS DO AUTOR “FRANCISCO SÁ” 14 DE ABRIL - ASSEMBLEIA ELEITORAL 26 DE ABRIL - ENCONTRO CHÁ DAS CINCO 19 DE MAIO - LANÇAMENTO DO LIVRO DE “JOAQUIM CORREIA”

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