Cooperação e Intercâmbio na Gestão Sustentável e Integrada dos Recursos Hídricos - Diálogos

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PROGRAMA DE TRABALHO E ROTEIRO PARA A COOPERAÇÃO ENTRE UE-BRASIL EM MATÉRIA DE ÁGUA


GOVERNO FEDERAL Presidente da República

Jair Messias Bolsonaro

AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUA Conselho de Diretores

Christianne Dias Ferreira (Diretora-Presidente) Ricardo Medeiros de Andrade Oscar Cordeiro de Moraes Netto Marcelo Cruz Rodrigo Flecha Ferreira Alves (Diretor-Substituto)

DELEGAÇÃO DA UNIÃO EUROPEIA NO BRASIL Embaixador da União Europeia no Brasil

Ignacio Ybáñez

Primeira Secretária – Chefe do Sector FPIRegional Team Américas

Maria Rosa Sabbatelli

Adido Civil – Gerente de Projetos – Instrumento da Parceria (FPI) Team Regional Américas

Costanzo Fisogni

Consórcio Executor

CESO Development Consultants/WYG/ Camões, I.P.

Assessoria Internacional – ASINT

Gisela Damm Forattini

MINISTÉRIO DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL Ministro de Desenvolvimento Regional

Rogério Marinho

Secretário Nacional de Saneamento

Pedro Ronald Maranhão Braga Borges

AUTORES António Eduardo Leão Lanna Francisco Nunes Correia

CONTATOS Direção Nacional da Iniciativa

dialogos.setoriais@planejamento.gov.br www.sectordialogues.org

Secretário Nacional de Segurança Hídrica

Sérgio Costa

MINISTÉRIO DA ECONOMIA Ministro da Economia

Paulo Roberto Nunes Guedes

___________

Secretário de Gestão

Uso e Divulgação dos Dados Os dados da presente proposta não deverão ser divulgados e não deverão ser duplicados ou utilizados, no todo ou em parte, para qualquer outra finalidade que não a de avaliar a proposta.

Cristiano Rocha Heckert Diretor Nacional da Iniciativa

Ganesh Inocalla

MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES Ministro de Estado das Relações Exteriores

Ernesto Araújo

Chefe do Departamento da Europa

Carlos Luís Dantas Coutinho Perez Chefe da Divisão Europa III

Marcela Pompeu de Sousa Campos

Disclaimer: As opiniões emitidas nesta publicação são de exclusiva e inteira responsabilidade dos autores, e não representam, necessariamente, o ponto de vista do Governo Brasileiro e da União Europeia. ___________ IMPLEMENTAÇÃO DO PROJETO:


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SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO.............................................................................................................7 1.1 Antecedentes e Atividades a Desenvolver.................................................................... 8 1.2 Breve apresentação das principais instituições europeias........................................ 10

2. ESCOPO DAS INICIATIVAS A DESENVOLVER................................................ 12 2.1 Iniciativa 1 – Aperfeiçoamentos dos Sistemas de Gerenciamento de Recursos Hídricos do Brasil e tendo por base a experiência da UE.................... 13 2.2 Iniciativa 2 – Conteúdos mínimos, divisão de atribuições e articulações entre os Planos de Recursos Hídricos........................................................................ 14 2.3 Iniciativa 3 – Gestão de transposição de água entre bacias hidrográficas............... 15 2.4 Iniciativa 4 – Segurança de barragens........................................................................ 16 2.5 Iniciativa 5 – Planos de contingência para enfrentamento e adaptação às secas....................................................................................................................... 17

2.6 Iniciativa 6 - Regulação do Saneamento Básico...................................................... 18

3. DETALHAMENTO DAS INICIATIVAS................................................................. 19 3.1 Roteiro de execução (Road Map)................................................................................. 20 3.1.1 Identificação de entidades brasileiras interessadas ou intervenientes no âmbito dos governos federal e das unidades federadas, quando for o caso......... 20 3.1.2 Atividades preparatórias para o primeiro nivelamento no âmbito brasileiro... 20 3.1.3 Primeiro nivelamento no âmbito brasileiro dos representantes das entidades interessadas ou intervenientes............................................................... 20 3.1.4 Atividades preparatórias para a primeira reunião de consolidação de conhecimentos Brasil/UE.............................................................................................. 20 3.1.5 Primeira reunião de consolidação de conhecimentos entre as entidades brasileiras e da UE, de forma a organizar as atividades a serem realizadas............ 21 3.1.6 Atividades preparatórias para realização das missões das entidades brasileiras à UE...................................................................................................................... 21 3.1.7 Realização de missões das entidades brasileiras à UE para conhecimento local das organizações e práticas adotadas............................................. 21 3.1.8 Atividades preparatórias para o segundo nivelamento no âmbito brasileiro... 21 3.1.9 Segundo nivelamento no âmbito brasileiro dos representantes das entidades interessadas ou intervenientes............................................................... 21 3.1.10 Atividades preparatórias para a segunda reunião de consolidação de conhecimentos................................................................................................................ 22 3.1.11 Segunda reunião de consolidação de conhecimentos entre as entidades brasileiras e da UE, de forma a orientar a implementação dos aperfeiçoamentos organizacionais e operacionais........................................................ 22 3.1.12 Cronograma das atividades.................................................................................... 22

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3.2 Detalhamento das iniciativas prioritárias.......................................................................... 22 3.2.1 Iniciativa 1 – Aperfeiçoamentos dos Sistemas de Gerenciamento de Recursos Hídricos do Brasil e tendo por base a experiência da UE........................ 22 3.2.2 Iniciativa 2 – Conteúdos mínimos, divisão de atribuições e articulações entre os Planos de Recursos Hídricos......................................................... 30 3.2.3 Iniciativa 3 – Gestão de transposição de água entre bacias hidrográficas..... 33 3.2.4 Iniciativa 4 – Segurança de Barragens.......................................................................... 36 3.2.5 Iniciativa 5 – Planos de contingência para enfrentamento e adaptação às secas............................................................................................................................................... 38 3.2.6 Iniciativa 6 – Regulação do Saneamento Básico....................................................... 40

4. REFERÊNCIAS..................................................................................................................... 42 ANEXO........................................................................................................................................ 43 Contextualização.......................................................................................................................... 44 Temas de pesquisa propostos................................................................................................... 46 Iniciativa Prioritária 1 – Aperfeiçoamentos dos Sistemas de Gerenciamento de Recursos Hídricos do Brasil, tendo por base a experiência da EU................................ 46 Iniciativa Prioritária 2 – Conteúdos Mínimos, Divisão de Atribuições e Articulações entre os Planos de Recursos Hídricos............................................................ 46 Iniciativa Prioritária 3 – Gestão de Transposição de Água entre Bacias Hidrográficas.... 46 Iniciativa Prioritária 4 – Segurança de Barragens................................................................. 47 Iniciativa Prioritária 5 – Planos de Contingência para Enfrentamento e Adaptação às Secas................................................................................................................... 47 Iniciativa Prioritária 6 – Regulação do Saneamento Básico................................................ 47

Lista de Figuras Figura 3.1 – Mapa do Brasil comparado aos dos países europeus........................................... 24 Figura 3.2 – Biomas brasileiros............................................................................................................. 26 Figura 3.3 – Proporção de massas de água classificadas em rios e lagos nos diferentes distritos de bacias hidrográficas com um estado ecológico atual ou potencial inferior ao bom (European Parliament, 2015)................................................................ 29 Figura 3.4 – Interrelacionamento dos planos de recursos hídricos.......................................... 31 Figura A.1 – Gestão de Recursos Hídricos no Brasil...................................................................... 44

Lista de Quadros Quadro 3.1 – Cronograma tentativo de execução das atividades propostas para o Diálogo............................................................................................................................................ 23

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1. INTRODUÇÃO Nesta introdução são apresentados os antecedentes e as atividades a serem desenvolvidas nesta iniciativa de Diálogo entre a União Europeia – UE e o Brasil, na cooperação sobre águas. Como pano de fundo às análises que virão, serão, em um segundo momento, brevemente apresentadas as principais instituições europeias que poderão participar desta iniciativa.

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1.1 Antecedentes e Atividades a Desenvolver De acordo com o Termo de Referência, o projeto pretende identificar e estabelecer estratégias para a solução de lacunas que dificultam a implementação da gestão integrada dos recursos hídricos no Brasil e apresentar uma proposta para o aprofundamento da cooperação entre o Brasil e a União Europeia - UE1. O objetivo é identificar as etapas concretas, os interesses, as áreas de trabalho, os roteiros do trabalho conjunto que podem ser implementados, os resultados potenciais da colaboração e os modos de implementação. A discussão também deve investigar os benefícios de se trabalhar na formulação da interface entre ciência e políticas públicas. Este diálogo deverá incluir uma análise abrangente da Diretiva-Quadro da Água da UE2 (DQA) e, com base nas semelhanças em termos de arranjos multi-institucionais e em vários níveis com o cenário brasileiro, explorar como a experiência da UE pode contribuir para abordar as questões e desafios atuais relacionados à Gestão dos Recursos Hídricos no Brasil. Impactos de eventos climáticos na água, no monitoramento da quantidade e da qualidade de água das bacias hidrográficas, a crise hídrica decorrente de eventos extremos ou demanda crescente de água e a segurança de barragens são exemplos não exaustivos de temas que podem se beneficiar da troca de informações com foco na experiência europeia no contexto da Diretiva-Quadro da Água, ou de outras Diretivas que dela resultam, habitualmente designadas por “Diretivas Filhas”. O resultado final deve identificar ações e iniciativas concretas que possam ser implementadas. As seguintes atividades foram previstas: 1. Reunião Preparatória organizada no Brasil visando organizar reuniões técnicas, missões e discussões entre a UE e o Brasil do interesse de Instituições brasileiras e europeias: realizada em maio de 2019; 2. Primeira Reunião Técnica organizada no Brasil com o objetivo de trocar experiências e pontos de vista entre a UE e o Brasil, de forma a definir temas de interesse do Ministério de Desenvolvimento Regional – MDR, envolvendo a sua Secretaria Nacional de Segurança Hídrica – SNSH e a sua autarquia Agência Nacional de Águas – ANA, pelo Brasil, e representantes da Comissão Europeia e/ou de Estados Membros, pela União Europeia - UE

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A UE é uma entidade política com vários órgãos: o Conselho (que corresponde a uma “espécie” de governo), a Comissão Europeia (que corresponde a uma espécie de administração pública, mas com poderes reforçados porque pode levar os Estados Membros à justiça), além do Parlamento Europeu e do Tribunal de Justiça Europeu. Não é fácil fazer um paralelismo rigoroso com um país federal como é o Brasil, porque a UE é basicamente um acordo entre Estados soberanos que concordam em partilhar parte das suas soberanias, não se constituindo em uma federação.

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Diretiva 2000/60/CE – Quadro de Ação Comunitária no Domínio da Política da Água

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com vista a discutir a experiência europeia sobre esses temas: realizada em julho de 2019; 3. Reunião técnica entre as autoridades brasileiras e a Comissão Europeia na UE para discutir, finalizar e acordar o relatório / mapa / programa de trabalho. A reunião servirá para apoiar o intercâmbio de informações em algumas áreas de interesse do MDR/SNSH/ANA, que correspondam às prioridades da UE: realizada em outubro de 2019, em viagem técnica à UE. 4. Segunda Reunião Técnica organizada no Brasil para aprofundar o intercâmbio de informações e experiência entre o MDR/SNRH/ANA e a UE e discutir as bases para ações mais amplas de cooperação entre o MDR/SNRH/ ANA e a UE. O objetivo do evento é detalhar a abordagem desses temas de interesse mútuo, discutir uma estratégia para sua inclusão na agenda técnica do MDR/SNRH/ANA e avaliar como os Estados-Membros da UE e a Comissão Europeia podem ser envolvidos e como as suas participações podem ser organizadas: realizada por meio de vários contatos presenciais e à distância entre novembro de 2019 e fevereiro de 2020, em março de 2020. 5. Seminário Brasil-UE sobre Gerenciamento Integrado e Sustentável dos Recursos Hídricos com o objetivo de trocar experiências e aproximar a UE e o Brasil das prioridades mútuas no campo da gestão dos recursos hídricos: realizado em março de 2020. 6. Elaboração de um roteiro e programa de trabalho sobre a cooperação Brasil - UE sobre a água, utilizando o resultado das reuniões e de suas discussões, e outras informações fornecidas pelos parceiros brasileiros e da UE, em estreita colaboração com as autoridades brasileiras e a Comissão Européia: este relatório. Os resultados esperados são: 1. Proposta de abordagem conjunta entre o MDR/SNRH/ANA, pelo Brasil, e a União Europeia - UE para discussão de temas técnicos de interesse para a agenda de ambas as instituições brasileiras e também da UE. 2. Roteiro e programa de trabalho sobre a cooperação UE-Brasil em água, com clara identificação dos objetivos, as atividades a serem realizadas, o interesse do Brasil e da UE, os parceiros a serem envolvidos e como o progresso da cooperação será medido. 3. Relatório que contemple a análise técnica dos temas tanto da perspectiva da União Europeia quanto do Brasil; o produto final deve identificar ações e iniciativas concretas que possam ser implementadas. 4. Os resultados devem também identificar os stakeholders que estarão envolvidos na implementação do programa de trabalho. As instituições envolvidas nos temas a serem selecionados definirão os especialistas que

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serão capazes de contribuir com suas habilidades técnicas para a obtenção dos resultados do projeto. 5. O resultado final esperado é influenciar a formulação de políticas, sua implementação e aplicação. As políticas envolvidas são água, energia, agricultura, preparação para desastres e planejamento urbano. Os setores públicos e privados, assim como as partes interessadas e as ONGs, também devem ter um papel na implementação do roteiro. 6. Discussão e elaboração de uma proposta de cooperação entre MDR/SNRH/ ANA e UE. 7. O roteiro deve identificar o objetivo da cooperação e as ações e iniciativas propostas, devendo ser totalmente alinhado com as políticas previamente mencionadas: água, energia, agricultura, redução de risco de desastres e questões urbanas. E também articulando com o setor público e privado. Em última análise, o objetivo é apoiar e influenciar a elaboração de políticas, suas implementações e aplicações.

1.2 Breve apresentação das principais instituições europeias No âmbito das instituições da União Europeia, a Comissão Europeia e as suas Direções Gerais (atualmente 33) são responsáveis por desenvolver, executar e gerir as políticas, a legislação e os programas de financiamento da UE. Possuem papel fundamental no direcionamento das ações realizadas pelos Estados-membros, ou seja, zelam para que as diretivas e políticas sejam implementadas pelos países. Para tanto, devem reunir e encorajar as boas iniciativas, ajudar os Estados-membro na implementação das ações (com direcionamento de fundos da UE para esse fim) e podem cobrar, inclusive judicialmente, o alcance das metas por parte dos membros. A Comissão Europeia e as suas várias Direções Gerais são, pelo menos de um ponto de vista formal, independentes dos Estados Membros e têm o “poder de iniciativa” face a todas as outras instituições da UE, o que é uma das suas principais prorrogativas. Contudo, a sua ação é politicamente “balizada” pelo Conselho Europeu, que é um colegiado dos Primeiros Ministros dos 28 Estados Membros ou dos 28 Ministros setorialmente relevantes. Assim, a Comissão Europeia, dirigida por um Presidente e vários Comissários Europeus setoriais (atualmente 26), é um verdadeiro fator de continuidade e um verdadeiro “motor da construção europeia”. Por sua vez, o Conselho Europeu é presidido rotativamente pelos vários países (em breves mandatos de seis meses) e os seus membros, por pertencerem aos governos desses países, estão sujeitos às alterações políticas que vão ocorrendo

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em cada um deles. Portanto, enquanto a Comissão é formalmente independente dos Estados Membros e tem poder de iniciativa, tal como foi já referido, aproximando-se portanto das funções de um “governo federal”, o Conselho Europeu pode ser encarado como um “último reduto” dos poderes nacionais que, apesar de tudo ainda prevalece no que respeita às grandes orientações políticas e à aprovação dos principais documentos legislativos (Diretivas e Resoluções). No topo destas instituições está o Parlamento Europeu que, como é habitual nas sociedades democráticas, tem poder de fiscalização e aprova alguns documentos fundamentais como o orçamento e o programa genérico de ação da Comissão. O Parlamento Europeu tem ainda um poder muito importante que consiste em chamar a si (avocar) a discussão e aprovação das Diretivas, nomeadamente das Diretivas Quadro, quando elas contêm disposições consideradas particularmente importantes ou sensíveis. É interessante referir que, enquanto a Comissão é formalmente independente dos Estados membros, sendo legalmente obrigada a atuar como tal, e o Conselho Europeu representa os governos desses Estados Membros, o Parlamento Europeu representa acima de tudo as várias “famílias políticas” presentes na União Europeia, nomeadamente Cristãos Democratas, Socialistas e Sociais Democratas, Liberais, Verdes e Comunistas. Os membros do Parlamento Europeu, encarados como os representantes das populações, são os únicos eleitos por sufrágio direto em cada país num número aproximadamente proporcional à população desse país, mas depois reunem-se em Grupos Parlamentares de acordo com as respetivas “famílias políticas”. Em suma, todas estas instituições da União Europeia correspondem a um “equilíbrio” entre Governos, povos e famílias políticas, todos engajados num processo complexo de construção de uma nova realidade supranacional, em que a Comissão Europeia, pela sua independência e continuidade, desempenha o papel de um verdadeiro “motor”.

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2. ESCOPO DAS INICIATIVAS A DESENVOLVER A Agência Nacional de Águas, após a 2ª Missão do Projeto “Construção de Cooperação em Gestão Integrada de Recursos Hídricos, no âmbito da 10ª Edição dos Diálogos União Europeia – Brasil”, reconheceu os pontos referidos a seguir (2.1 a 2.6) como prioritários para a sua agenda. Eles servirão de base para a construção de um “Roadmap” que culminará num projeto conjunto Brasil-UE para os próximos anos.

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2.1 INICIATIVA 1 Aperfeiçoamentos dos Sistemas de Gerenciamento de Recursos Hídricos do Brasil e tendo por base a experiência da UE O Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos do Brasil – SINGREH foi instituído pela Lei Federal no. 9.433/1997 da Política Nacional de Recursos Hídricos. As Unidades Federadas legislaram administrativamente sobre a matéria, como prevê a Carta Magna, e instituíram seus próprios Sistemas Estaduais (e Distrital) de Gerenciamento de Recursos Hídricos - SEGREH. A articulação entre estes sistemas – Nacional e Estaduais (e Distrital) – ocorre no colegiado máximo do SNGRH, o Conselho Nacional de Recursos Hídricos – CNRH. A Diretiva-Quadro da Água (DQA), que pode ser considerada a base de uma Política Europeia de Recursos Hídricos, foi um dos instrumentos aprovados pelo Parlamento e Conselho Europeu, em 2000, tornou-se o principal instrumento da UE relativo à água, definindo ações comunitárias para a proteção de águas de superfície interiores, águas de transição, águas costeiras e águas subterrâneas. Ela não deve ser, a rigor, considerada como uma Política de Recursos Hídricos para a UE, apesar da sua grande importância. Com efeito, ela é complementada por muitas outras diretivas sobre temas específicos (por exemplo qualidade para vários fins, controle de enchentes etc.) e por Resoluções do Conselho (como por exemplo sobre secas). Mais do que definir uma “política”, a Diretiva-Quadro estabelece os grandes objetivos e as traves mestras da governança. A forma de alcançar esses objetivos e os detalhes da governança são deixados para a legislação de cada Estado membro, desde que não contrariem as disposições gerais da DQA. Assim, uma das características principais desta Diretiva é que ela define grandes linhas da atuação para os países e prevê, também, mecanismos de sanção para os não-cumpridores das metas ou outras determinações nela estabelecidas3. Desta forma, os países da UE se assemelham às Unidades Federadas brasileiras, apesar de suas maiores autonomias político-administrativas. Numa visão um pouco simplificada tudo se passa como se no Brasil o poder se exercesse primordialmente de “cima para baixo”, herança bastante natural de um passado colonial e de um estado imperial, enquanto na União Europeia o “poder central” vem sendo construído lentamente de “baixo para cima” com

3 A DQA dispõe apenas que os Estados-Membros deverão estabelecer sanções para as entidades não cumpridoras. Se forem os próprios países da UE a não cumprir as disposições, a própria Comissão Europeia pode aplicar sanções, mas nada é explicitamente especificado sobre isso porque está implícito. Isto é, qualquer Diretiva que não seja devidamente transposta para as legislações nacionais ou que não seja devidamente aplicada, pode dar origem a sanções ou, em casos mais complexos, a um contencioso no Tribunal de Justiça Europeu.

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base numa crescente partilha de soberania entre países independentes e ciosos dessa independência (em alguns casos com cerca de mil anos). Enquanto no Brasil existe alguma “tensão” no sentido de reforçar a autonomia dos Estados federados, criando um novo modelo de federalismo, na União Europeia existe uma “tensão” no sentido inverso precisamente com base na crescente partilha de soberania, aproximando-se crescentemente de um modelo federal, embora ainda muito longe desse modelo, isto é, desse nível de integração. Os modelos de gerenciamento de recursos hídricos no Brasil e na UE refletem estas realidades, cuja compreensão é mutuamente enriquecedora. Assim, é interessante, no âmbito desta iniciativa, dar a conhecer estes arranjos com vista a avaliar as possibilidades de obtenção de lições que possam contribuir para a evolução das práticas do SINGREH e, também, para uma possível evolução dos SEGREH.

2.2 INICIATIVA 2 Conteúdos mínimos, divisão de atribuições e articulações entre os Planos de Recursos Hídricos Os Planos de Recursos Hídricos são instrumento da Política Nacional de Recursos Hídricos podendo ser elaborados por bacia hidrográfica, por Estado e para todo o País. Os conteúdos mínimos dos planos de recursos hídricos são dispostos nesta política, e não são diferenciados de acordo com o âmbito geográfico: nacional, unidades federativas e bacias hidrográficas. Esta lacuna precisa ser preenchida e isto faz parte dos interesses do novo Plano Nacional de Recursos Hídricos - PNRH, em elaboração e que entrará em vigor em 2021. Observa-se que na legislação, e até mesmo na prática de planejamento de recursos hídricos no Brasil, permanece uma significativa indefinição tanto sobre o conteúdo, quanto sobre as articulações e interrelações que devem existir entre os planos de recursos hídricos de diferentes escalas de abrangência. Apesar destas indefinições, Planos Estaduais (PERH), de Bacias estaduais e interestaduais (PBH) e até o PNRH têm sido elaborados sob o mesmo escopo, a despeito de sua abrangência, e de maneira desarticulada. Há necessidade, pois, de se definir com mais clareza a função, o alcance e os tipos de articulações entre os diversos níveis de planos de recursos hídricos. Na UE, a Diretiva-Quadro obriga à elaboração de Planos de Gestão de Bacias Hidrográficas, de natureza essencialmente estratégica, e de Programas de Medidas, de natureza operacional. Está neste momento em preparação a “segunda geração” destes instrumentos de planeamento, pelo que importa recolher esta experiência e compará-la com a experiência existente no Brasil.

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No caso específico de bacias transfronteiriças, a Diretiva-Quadro estabelece um conjunto de orientações visando uma cooperação efetiva entre os Estados-Membros que é importante comparar com a experiência brasileira relativa às bacias hidrográficas que envolvem vários Estados ou que envolvem outros países. A França e Portugal têm experiências de integração dos processos de planejamento de recursos hídricos em várias abrangências espaciais. Também, apresentam novas possiblidades para a forma como se formulam os planos de gestão de recursos hídricos. Finalmente, estes países podem contribuir para a diferenciação das escalas de aplicação dos planos, bem como do escopo que os planos devem ter de acordo com sua finalidade, ora mais genéricos e estratégicos, ora mais específicos e operacionais. Este é o interesse desta iniciativa de cooperação. Portugal e Espanha têm uma experiência muito rica de planeamento de bacias transfronteiriças em situações de stress hídrico (rios Minho, Douro, Tejo e Guadiana), sendo também muito relevantes os casos do Reno e do Danúbio envolvendo, entre outros, a Hungria, a Áustria, a França, a Alemanha e a Holanda.

2.3 INICIATIVA 3 Gestão de transposição de água entre bacias hidrográficas A ANA tem a atribuição de regular e fiscalizar, quando envolverem corpos de água de domínio da União, a prestação dos serviços de adução de água bruta, cabendo-lhe, inclusive, a disciplina em caráter normativo, da prestação desses serviços, bem como definição de tarifa pelos serviços e a fixação de padrões de eficiência, dentre outros aspectos. O Projeto de Integração do Rio São Francisco com as Bacias do Nordeste Setentrional (PISF) é o primeiro projeto em que a Agência levará a efeito essa atribuição. E essa atividade se torna especialmente desafiadora porque não existe no Brasil nenhuma obra de infraestrutura hídrica com o porte e a complexidade do PISF, que possa ser utilizada como referência para a regulação e fiscalização da ANA. Em função disso, não se tem histórico de custos de operação e manutenção da infraestrutura ou de indicadores da prestação do serviço. Nesse sentido, para subsidiar o trabalho de regulação e fiscalização de sistemas de adução de água bruta a ser realizado, é importante promover o intercâmbio de experiencias com realidades internacionais. No caso da UE, é especialmente na Península Ibérica que ocorrem as principais transposições (ou transvazes), o que resulta essencialmente das grandes assimetrias regionais entre um Norte e Noroeste muito húmido (mais de 3.000 mm

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de precipitação anual) e de um Sul e Sueste muito seco (menos de 300 mm de precipitação anual). Assim, considera-se particularmente relevante em Portugal recolher as experiências da transposição do Douro para o Tejo e deste para o Guadiana (parcialmente executada), e a partir do Guadiana para o sistema do sotavento algarvio (albufeiras interligadas de Odeleite e Beliche) e destas para o sistema do barlavento algarvio (albufeiras interligadas de Odelouca e Funcho). Este sistema é considerado fundamental para o desenvolvimento sustentável do sul de Portugal (Algarve) que tem uma considerável atividade agrícola e uma muito intensa atividade turística, apesar das suas características climáticas semiáridas, tal como acontece no nordeste brasileiro. Em Espanha, reveste-se também de grande importância o transvaze Tejo-Segura que visa essencialmente o desenvolvimento de uma região muito seca, nomeadamente na província de Murcia.

2.4 INICIATIVA 4 Segurança de barragens A legislação brasileira instituiu a Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB), abrangendo as acumulações de água para quaisquer usos e as acumulações para disposição final ou temporária de rejeitos minerários ou de resíduos industriais. Na PNSB foram estabelecidas as responsabilidades de empreendedores e fiscalizadores. Os empreendedores são os agentes privados ou governamentais com direitos reais sobre as terras onde se localiza a barragem, ou que explorem a barragem em benefício próprio ou da coletividade. Os fiscalizadores podem ser os órgãos gestores que autorizaram ou outorgaram o direito de uso de recursos hídricos (barragens de acumulação de água), de exploração do potencial hidráulico (barragens para aproveitamento hidrelétrico), os direitos minerários (barragens para disposição de rejeitos), ou que emitiram a respectiva licença ambiental (barragens para contenção de rejeitos industriais). Dentre as atividades de fiscalização, estão a obrigação de manter cadastro e a classificação das barragens quanto a Categoria de Risco e por Dano Potencial Associado (DPA) e pelo seu volume, com base em critérios gerais estabelecidos pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH). Cabe à ANA a fiscalização das barragens construídas em corpo hídrico de domínio da União, com objetivo de acumulação de água, exceto para fins de aproveitamento hidrelétrico (que é competência da ANEEL), e a promoção da articulação entre os órgãos fiscalizadores de barragens; organizar, implantar e gerir o Sistema Nacional de Informações sobre Barragens - SNISB e elaborar anualmente o Relatório de Segurança de Barragens, que trata da avaliação da a implementação da PNSB.

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Desde a promulgação da PNSB em 2010, diversos desafios e gargalos têm sido enfrentados no processo de sua implementação. Diante deste quadro, entende-se que o intercâmbio e discussões com outros países podem auxiliar no desenvolvimento de atividades de fiscalização de segurança de barragens e avançar na cultura da segurança e da gestão de riscos de barragens. Portugal tem uma experiência muito significativa no domínio da instrumentação e monitorização de barragens, quer do lado das entidades gestoras, nomeadamente Agência Portuguesa do Ambiente - APA (Autoridade de Segurança), Eletricidade de Portugal e Ministério da Agricultura, quer do lado técnico-científico, designadamente o Laboratório Nacional de Engenharia Civil - LNEC. No que se refere ao LNEC, a sua vasta experiência estende-se a todos os continentes, com especial destaque para África e América do Sul, onde empresas portuguesas têm sido responsáveis pelo projeto e/ou construção de barragens ou têm colaborado com as autoridades locais no estabelecimento de planos de segurança. O envolvimento de especialistas da APA, enquanto autoridade, e do LNEC, enquanto “know how” técnico, nos contatos com os especialistas e responsáveis brasileiros poderá ser particularmente útil.

2.5 INICIATIVA 5 Planos de contingência para enfrentamento e adaptação às secas Cabe à ANA estabelecer condições de operação e acompanhar a evolução de reservatórios e sistemas hídricos prioritários para a gestão de eventos críticos no Brasil. Esse acompanhamento constitui a base de atuação em eventos de seca, a partir da qual se apreende a realidade presente, os comportamentos passados e as tendências futuras, orientando avaliações, previsões e propostas de intervenção da ANA como agência reguladora. Estas funções podem ser também estendidas aos órgãos gestores das Unidades Federadas mais bem organizados no gerenciamento de seus recursos hídricos, descentralizando e dispersando as atribuições desta natureza. Cada crise hídrica tem características próprias – estágio, duração, intensidade e complexidade, além da população afetada, infraestrutura disponível e arranjos sociais e econômicos – que demandam abordagens e respostas diferentes para seu enfrentamento. A experiência de Portugal, Espanha e França no enfrentamento e adaptação às secas em seus territórios poderá orientar a ANA e as Unidades Federativas na busca de estratégias de pactuação com os atores sociais e no incremento da resiliência do sistema e no atendimento dos usos prioritários e dos usos múltiplos da água.

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2.6 INICIATIVA 6 Regulação do Saneamento Básico A ANA receberá a atribuição legal de emitir normas de referência a serem seguidas por agências reguladoras de saneamento básico subnacionais. Essas normas de referência deverão nortear a regulação do setor, relativamente a seus quatro componentes: abastecimento de água, coleta e tratamento de esgotos, coleta e destinação final de resíduos sólidos e manejo e drenagem de águas pluviais urbanas. O tipo de regulação que a ANA exercerá é semelhante, conceitualmente, a uma coordenação regulatória ou oversight regulation. Existem experiências relevantes em Portugal, Reino Unido, França e Alemanha que poderão subsidiar a organização da ANA para exercer as competências relatadas. Em Portugal, a Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos - ERSAR, responsável pela regulação em nível nacional em Portugal, atua de forma semelhante à que a ANA atuará e tem já alguma tradição de colaboração com a sua congénere brasileira que será útil aprofundar. O Reino Unido dispõe de uma das mais antigas e prestigiadas agências reguladoras, o Ofwat, cuja experiência é importante conhecer. No caso da França tem prevalecido uma abordagem bastante distinta, designada por “regulação por contrato”, que também é importante conhecer para aprofundar a reflexão sobre o tema, embora se afaste da abordagem brasileira. Outras experiências de interesse para a ANA, relativamente a componentes específicos do saneamento, ocorrem no manejo de resíduos sólidos, na Alemanha e em Portugal, e no manejo e drenagem de águas pluviais urbanas, no Reino Unido e na França. São estas experiências que serão consideradas visando preparar a ANA para o exercício de suas novas atribuições regulatórias na área de saneamento básico.

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3. DETALHAMENTO DAS INICIATIVAS Neste capítulo é realizado o detalhamento da implementação das iniciativas previamente descritas. Inicia-se com um Road Map aplicável a todas as iniciativas, e prossegue-se com detalhamento das mesmas.

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3.1 Roteiro de execução (Road Map) Os Diálogos referentes a cada iniciativa prioritária deverão ser desenvolvidos mediante um roteiro de execução comum que envolve as seguintes atividades:

3.1.1 Identificação de entidades brasileiras interessadas ou intervenientes no âmbito dos governos federal e das unidades federadas, quando for o caso Além da ANA, outras entidades do governo federal e das unidades federadas serão identificadas e consultadas quanto aos seus interesses em participação do Diálogo; esta participação decorrerá seja em funções de suas atribuições nos temas selecionados, seja por terem caráter de facilitação ou viabilização dos procedimentos organizacionais e operacionais a serem implementados.

3.1.2 Atividades preparatórias para o primeiro nivelamento no âmbito brasileiro Estas atividades visam elaborar o estado-da-arte brasileiro na temática e organizar documentos e uma apresentação para o nivelamento a ser realizado com representantes de entidades brasileiras.

3.1.3 Primeiro nivelamento no âmbito brasileiro dos representantes das entidades interessadas ou intervenientes Devido às diferenças de capacitação entre as entidades brasileiras é prevista uma etapa de nivelamento dos conhecimentos a ser realizada mediante um encontro técnico presencial; neste encontro, deverão ser explicitadas a natureza do Diálogo a ser estabelecido e identificado o estado-da-arte brasileiro no tema, de forma que a interação com as entidades da União Europeia seja realizada sobre questões ainda não resolvidas ou dominadas no âmbito das entidades do Brasil.

3.1.4 Atividades preparatórias para a primeira reunião de consolidação de conhecimentos Brasil/UE Estas atividades têm por objetivo elaborar a apresentação do estado-da-arte da iniciativa considerada aos representantes das entidades da UE, bem como identificar problemas e oportunidades que poderão contar com as suas contribuições.

3.1.5 Primeira reunião de consolidação de conhecimentos entre as entidades brasileiras e da UE, de forma a organizar as atividades a serem realizadas Este primeiro encontro deverá ser realizado por meio de uma videoconferência de forma que possa ser apresentado pelo lado das entidades brasileiras o estado-da-arte relacionado à temática a ser objeto do Diálogo e os avanços que se julga serem adequa-

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dos e possíveis. Pelo lado das entidades da UE, serão apresentadas propostas de interação, visando atender às demandas de aperfeiçoamento do estado-da-arte brasileiro. Como produto final, espera-se que sejam identificadas as oportunidades específicas de Diálogo com cada entidade da UE, e que serão objeto das missões a serem realizadas na próxima etapa, sendo também selecionados os interlocutores brasileiros mais aptos a participar das missões e, posteriormente, divulgar os aprendizados entre seus pares.

3.1.6 Atividades preparatórias para realização das missões das entidades brasileiras à UE Previamente à realização de suas missões, os técnicos e dirigentes brasileiros selecionados deverão se preparar analisando a documentação de apoio obtida justo às instituições da UE que serão objeto de visitas; o propósito é que os componentes das missões brasileiras tenham conhecimentos sobre as atividades das entidades da UE, de forma que possam aproveitar as visitas para esclarecimentos e aprofundamento dos conhecimentos previamente adquiridos, tornando mais efetivas as missões.

3.1.7 Realização de missões das entidades brasileiras à UE para conhecimento local das organizações e práticas adotadas Estas missões serão organizadas em função dos resultados da etapa prévia, tendo por objetivo conhecer as experiências da UE mais adequadas à implementação no Brasil e consequente aperfeiçoamento do estado-da-arte brasileiro; participarão técnicos brasileiros selecionados em função dos seus conhecimentos no tema e capacidade de compartilhamento das informações e aprendizados obtidos com seus pares.

3.1.8 Atividades preparatórias para o segundo nivelamento no âmbito brasileiro Os participantes das missões à UE deverão elaborar material documental e apresentações para serem disponibilizadas aos seus pares previamente e durante a realização do segundo nivelamento.

3.1.9 Segundo nivelamento no âmbito brasileiro dos representantes das entidades interessadas ou intervenientes Este nivelamento servirá para compartilhar as informações e aprendizados obtidos pelas contrapartes brasileiras a respeito dos possíveis aprimoramentos do estado-da-arte sobre o tema considerado; será realizado na forma de um encontro técnico presencial, ao qual serão convidados tanto os participantes do primeiro nivelamento, quanto outros técnicos e responsáveis pelas implementações dos aperfeiçoamentos organizacionais e operacionais considerados relevantes.

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3.1.10 Atividades preparatórias para a segunda reunião de consolidação de conhecimentos Estas atividades contemplarão a implementação das propostas de aperfeiçoamento das iniciativas objeto dos Diálogos, visando a avaliação de adequações e de inadequações práticas, tendo por propósito discuti-las durante a segunda reunião de consolidação de conhecimentos com a UE. Atribui-se grande relevância a estas atividades pois se constituirão em estudos de caso a serem considerados na reunião mencionada, devendo haver comprometimento dos participantes com a implementação das propostas e avaliação dos avanços e dificuldades encontradas.

3.1.11 Segunda reunião de consolidação de conhecimentos entre as entidades brasileiras e da UE, de forma a orientar a implementação dos aperfeiçoamentos organizacionais e operacionais Esta reunião, realizada por videoconferência, servirá para discussão do processo de implementação dos aperfeiçoamentos, e obtenção de sugestões para superação de eventuais impasses e para aprimoramento das organizações e práticas operacionais. Parte-se do pressuposto que previamente a esta fase tenham ocorrido os aperfeiçoamentos organizacionais e operacionais em cada temática e que tenham sido identificados problemas de execução e oportunidades de aperfeiçoamento. Eles serão apresentados às contrapartes da UE e discutidas formas de superar os problemas e de aproveitar as oportunidades.

3.1.12 Cronograma das atividades O cronograma tentativo é apresentado no Quadro 3.1. Prevê a realização dos Diálogos no período de 24 meses, com tempo adequado para execução das atividades preparatórias previamente definidas. Ele poderá ser alterado, no sentido de ampliação ou redução dos prazos, dentro das precedências propostas de atividades.

3.2 Detalhamento das iniciativas prioritárias As iniciativas consideradas prioritárias foram detalhadas, levando em consideração as propostas apresentadas pela ANA.

3.2.1 Iniciativa 1 – Aperfeiçoamentos dos Sistemas de Gerenciamento de Recursos Hídricos do Brasil e tendo por base a experiência da UE O Brasil apresenta uma grande heterogeneidade geográfica. Embora as experiências dos países da UE possam ser consideradas no aprimoramento do processo de gerenciamento de recursos hídricos brasileiro, dificilmente elas terão aplicação

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direta e imediata a todo país. O mapa da Figura 3.1 ilustra que, em termos de área, todos os países europeus cabem no território brasileiro permitindo a suposição de que as experiências obtidas em países da UE específicos devem ser filtradas quando à possibilidade de aplicação a alguns, mas possivelmente não a todas as Unidades Federadas brasileiras.

Quadro 3.1 – Cronograma tentativo de execução das atividades propostas para o Diálogo. Meses 1

1 Identificação de entidades brasileiras interessadas ou intervenientes

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9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24

Reuniões Atividades

2 Atividades preparatórias para o primeiro nivelamento 3 Primeiro nivelamento no âmbito brasileiro 4 Atividades preparatórias para a primeira reunião de consolidação 5 Primeira reunião de consolidação entre entidades brasileiras e da UE 6 Atividades preparatórias para a realização das missões das entidades brasileiras à UE 7 Realização de missões das entidades brasileira à UE 8 Atividades preparatórias para o segundo nivelamento 9 Segundo nivelamento no âmbito brasileiro 10 Atividades preparatórias para a segunda reunião de consolidação 11 Segunda reunião de consolidação entre entidades brasileiras e da UE

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Por outro lado, os países que compõe a UE apresentam também grande diversidade em termos de clima, demografia, economia, cultura e organização político-administrativa. Estas diferenças têm, em muitos casos, raízes históricas e culturais profundas e muito distintas, como, por exemplo, uma cultura de “commons”, bens de uso comum geridos pelos “compartes”, de tradição celta, em contraste com uma cultura de “bem público”, gerido pelo Estado, na melhor tradição do direito romano. No que se refere ao clima, economia e demografia os países da UE apresentam, no seu conjunto, diversidade comparável à do Brasil4. Já em termos culturais e de organização político-administrativa a condição brasileira é de maior homogeneidade.

Figura 3.1 – Mapa do Brasil comparado aos dos países europeus.

4 Com efeito, as diferenças entre a Lapónia, no norte da Finlândia, e o sul mediterrânico são enormes. Nas zonas mais pluviosas da Europa (Norte da Escócia e Norte da Suécia) a precipitação anual é superior a 3.500 mm/ano enquanto nas zonas mais áridas de Espanha não chega a 200 mm/ano. Obviamente em cada Estado-membro, considerado individualmente, as diferenças são menores. Mas mesmo nesses casos, países como a França, que vão desde o Atlântico Norte ao Mediterrâneo, as diferenças são muito grandes. Algo que torna Portugal um caso de estudo interessante, é o fato de, em um território relativamente pequeno, existirem regiões francamente úmidas (Serra do Gerês com mais de 3.000 mm/ano) e zonas semiáridas com menos de 250 mm/ano (margem esquerda do rio Guadiana), ou seja, valores 12 vezes menores.

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Devido a isto, a experiência europeia de organização de seu “Sistema Europeu de Gerenciamento de Recursos Hídricos”, do qual a Diretiva-Quadro das Águas (DQA) se constitui como principal marco legal, é de grande interesse para o Brasil. A questão fundamental para o Brasil é “como organizar os Sistemas Nacional e Estaduais de Gerenciamento de Recursos Hídricos, considerando as diversidades encontradas nas suas Unidades Federadas, de forma que sejam promovidos progressos no uso, controle e proteção dos recursos hídricos nacionais?” Neste sentido, de “organização das diversidades”, a experiência da UE pode trazer relevantes lições ao Brasil. Uma das características mais interessantes da Diretiva-Quadro da Água é precisamente o fato de ter sido capaz de integrar toda a diversidade geográfica existente na UE num modelo de governança que, sendo comum nas suas traves mestras, reconhece de forma explícita essas diferenças. Cabe, porém, classificar a heterogeneidade brasileira no que se refere aos recursos hídricos para melhor entendimento do quadro existente. A observação das características de seus principais biomas, ilustrados na Figura 3.2, resulta na possibilidade de definição de 5 categorias, que são brevemente comentadas a seguir: 1. Bioma Amazônia (Região Amazônica): grande abundância de água, grandes áreas, população rarefeita, problemas importantes de conservação ambiental, que devem ser tratados com uma visão geograficamente ampla e problemas de recursos hídricos localizados no entorno das aglomerações humanas, especialmente as capitais, e que devem ser resolvidos localmente e não necessariamente com o conceito de bacia hidrográfica; 2. Bioma Caatinga (Região do Semiárido Nordestino): problemas de escassez hídrica, do ponto de vista climático; importância das obras hidráulicas (reservatórios, transposições, canais, etc.) que agregam segurança hídrica; conceito de bacia hidrográfica nem sempre deve ser adotado de forma estrita, sendo alargado pelo conceito de bacias interligadas por obras hidráulicas, ou delimitadas em função das áreas beneficiadas por reservatórios (açudes, na terminologia regional); 3. Biomas Cerrado e Pantanal (Região Centro-Oeste): repete de certa maneira a situação da Amazônia, embora com menos água, especialmente na época da estiagem; região intensamente ocupada pela agropecuária, mas ainda com população esparsa. Conceito de bacia hidrográfica pode-se aplicar, mas deve ser considerada a grande extensão das bacias principais e dificuldades de transporte, que dificultam em alguns casos a adoção da proposta de Comitês de Bacia Hidrográfica, a não ser nas bacias dos seus afluentes. 4. Biomas Mata Atlântica e Pampa (Regiões Temperadas Úmidas do Sudeste e Sul, e bacias costeiras de Estados nordestinos): nelas podem ser aplicados os conceitos para os quais o Sistema Nacional de Recursos

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Hídricos foi elaborado, mas com as dificuldades de termos Sistemas Nacional e Estaduais, e demanda de integração, em bacias com águas de domínio da União e dos Estados, em conjunto. 5. Bacia do Rio São Francisco: situando-se em situação intermediária, na qual existem os biomas Cerrado e Caatinga, aplicando-se as características de ambos biomas. Portanto, não se deve conceber acriticamente Sistemas Nacional e Estaduais de Gerenciamento de Recursos Hídricos homogêneos, mas considerar antecipadamente que deverão ocorrer adaptações dos Sistemas Estaduais a cada região acima definida. O Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, porém, deve ser orientado, a exemplo do “Sistema Europeu”, para a organização da diversidade encontrada e promoção de progressos no uso, controle e proteção das águas, tendo como objetivo o desenvolvimento sustentado de toda nação.

Figura 3.2 - Biomas brasileiros

A já referida Diretiva-Quadro da Água da União Europeia (Diretiva 2000/60/CE – Quadro de Ação Comunitária no Domínio da Política da Água ) foi aprovada em

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2000, e estabelece um quadro para a Política Europeia (supranacional) de Recursos Hídricos5. Seus princípios gerais são: •

Gestão de recursos hídricos por grandes regiões hidrográficas, constituídas por conjuntos de bacias hidrográficas com algum grau de afinidade;

Recuperação dos custos dos serviços associados ao uso dos recursos hídricos;

Transparência da informação e participação da sociedade por meio de um acesso facilitado a toda a informação relevante e a procedimentos de consulta pública prévios à tomada de decisão.

Mais especificamente, a DQA: •

Incorporou o bom estado e a proteção adequada das águas aos objetivos do planejamento, entre outros objetivos ambientais, além de mitigar os efeitos das inundações e secas;

O seu âmbito territorial incluiu as águas de transição e costeiras, e acrescentou aos planos a efetiva integração da zona terrestre e marinha;

O conteúdo dos planos foi ampliado, incorporando determinações sobre pressões e incidências antrópicas, fluxos ecológicos, reservas naturais fluviais, áreas protegidas, redes de controle e análise econômica do uso da água, entre outros;

Nas bacias hidrográficas transfronteiriças, os Estados Membros passaram a ficar obrigados a medidas de consulta prévia, à realização de avaliações de impacto ambiental em todo o território potencialmente afetado, mesmo que noutro país, e à necessidade de realizar uma efetiva coordenação no planeamento e gestão das bacia hidrográficas compartilhadas.

A Avaliação Ambiental Estratégica foi incorporada ao processo, com vistas a garantir a integração ambiental dos planos de recursos hídricos.

Incorporou a obrigação de preparar um programa de medidas (ou de ações);

Um amplo processo de participação pública foi estabelecido.

A DQA tem força de lei (em rigor, é uma espécie de “Lei das Leis”)6. O Conselho da União Europeia, que reúne os Primeiros-Ministros ou os Ministros setoriais

5

Esta Diretiva, por se tratar de uma “Diretiva-Quadro” estabelece apenas um “Quadro” geral e não pode ser dissociada de várias outras Diretivas e Resoluções de âmbito mais específico ou setorial.

6 Todas as Diretivas têm força de lei, mas não são aplicadas diretamente (ao contrário do que acontece com os Regulamentos da UE). Assim, têm que ser obrigatoriamente “transpostas” para a legislação de cada Estado-Membro num prazo que a própria Diretiva determina. O que se aplica depois, é a legislação de cada Estado-Membro. A Comissão Europeia “fiscaliza” se os Estados –Membros cumpriram a obrigação de transpor e se essa transposição está bem-feita. Se isso não acontecer a Comissão Europeia pode aplicar multas muito pesadas e/ou levar a questão ao Tribunal Europeu de Justiça. É notável o fato da capacidade de “enforcement” da Comissão Europeia ser superior à do Governo Federal relativamente às UFs no Brasil, apesar da União Europeia não ser uma federação. Isto decorre possivelmente da dominialidade das águas que a Carta Magna brasileira atribui às UFs.

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dos Estados-Membros, e o Parlamento Europeu aprovaram um texto impositivo. A DQA permite acomodar grandes diferenças entre as abordagens que cada país adota, desde que alcance bons resultados. No que se refere a parâmetros de qualidade, tanto a Diretiva-Quadro como outras Diretivas Europeias têm em conta a diversidade regional. Neste arranjo institucional multilateral, os princípios e objetivos da Política Europeia de Recursos Hídricos são definidos em conjunto, mas cada Estado-Membro tem autonomia de implementação. A DQA estabelece, principalmente, metas, sendo que o meio adotado para as alcançar fica a critério de cada Estado-Membro. A DQA teve como meta que todos os Estados-Membros da Comunidade Europeia atingissem uma condição de “bom estado” das águas até 2015, havendo possibilidade de aditivo de prazo por motivos técnicos e/ou financeiros. A DQA definiu também um cronograma para alcance de metas: •

2004: definição de unidades de gestão (regiões hidrográficas) e de uma autoridade competente para a sua gestão;

2006: elaboração de um diagnóstico e implementação de um programa de monitoramento;

2009: definição de planos diretores de regiões hidrográficas e programas de ação, que devem ser atualizados a cada 6 anos;

2015: os objetivos de bom estado das águas devem ser alcançados.

Porém, “apesar do esforço significativo investido na coordenação da implementação da DQA nos Estados-Membros da UE, e do calendário rigoroso, o processo de implementação tem sido muito desafiador e o progresso para alcançar os objetivos da DQA e melhorar o estado ecológico das águas na Europa, tem sido lento em todos os Estados-Membros” (Giakoumis e Voulvoulis, 2018). A Figura 3.3 ilustra as dificuldades de implementação da DQA, tendo por referência o ano 2015. Não obstante as dificuldades de alcance das metas, a DQA estabeleceu as bases duma política comum que os Estados-Membros, entre os quais aqueles cujos processos de planejamento serão analisados, acataram e tentaram se enquadrar. Três demandas determinaram alterações significativas nos processos de elaborações de planos de recursos hídricos: 1. Estabelecimento de uma meta de qualidade de água, como foi previamente relatado, que pode ser considerada análoga ao processo de enquadramento de corpos de água em classes de qualidade no Brasil; 2. Demanda de incorporar a Avaliação Ambiental Estratégica no processo de planejamento, algo que ainda não foi considerado no Brasil; 3. Definição de um Programa de Medidas, ou de Ações, na terminologia brasileira, procedimento usual no processo de planejamento do país.

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Figura 3.3 - Proporção de massas de água classificadas em rios e lagos nos diferentes distritos de bacias hidrográficas com um estado ecológico atual ou potencial inferior ao bom (European Parliament, 2015) Fonte: Giakoumis e Voulvoulis (2018).

Desta forma, a os Sistemas Nacional e Estaduais de Gerenciamento de Recursos Hídricos, poderão promover progressos substantivos pelo conhecimento e análise do modus operandi da UE, de modo a adaptar suas organizações e práticas operacionais. Por isto, é relevante que esta iniciativa conte com a participação da ANA e de representantes dos Sistemas Estaduais de Recursos Hídricos das Unidades Federadas que mais se destacam em cada uma das regiões listadas em termos de organização de seus sistemas. Isto permitirá avaliar que conceitos e experiências da UE podem ser acatados sem alterações e quais aqueles que deverão ser adaptados ou alterados para se ajustarem às condições regionais brasileiras. Na análise destas questões é importante ter também em conta outros estudos recentes feitos por organizações internacionais a pedido das autoridades brasileiras, designadamente os relatórios da OCDE sobre a governanças dos recursos hídricos no Brasil (OCDE, 2015) e sobre a cobrança pelo uso dos recursos hídricos neste país (OCDE, 2017). Com base nestas premissas, esta iniciativa terá as seguintes características:

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Ficha da Iniciativa 1 - Aperfeiçoamentos dos Sistemas de Gerenciamento de Recursos Hídricos do Brasil e tendo por base a experiência da UE Objetivo

Avaliar a experiência da UE com a implementação da DQA quanto às possibilidades de adaptação aos Sistemas Nacional e Estaduais de Gerenciamento de Recursos Hídricos.

Entidades envolvidas

Brasil: Agência Nacional de Águas e entidades selecionadas dos Sistemas Estaduais de Gerenciamento de Recursos Hídricos das 5 regiões previamente definidas.

Modalidades preferenciais

Encontros presenciais, videoconferências e visitas técnicas.

UE: Direção-Geral do Ambiente e Agências Nacionais de alguns Estados-Membros da UE (importante que sejam feitos também contatos com agências nacionais para que os problemas não sejam discutidos apenas num enfoque “de cima para baixo” mas também “de baixo para cima”).

- Avaliar a articulação entre os Estados-membros da UE e a Direção-Geral do Ambiente no que se refere ao cumprimento das metas da DQA; Resultados esperados

- Avaliar as linhas de financiamento e fundos para aplicação visando o alcance das metas definidas pela DQA; - Avaliar os mecanismos de sanção/multas aplicados aos Estados-membros europeus que não cumprem as metas estabelecidas pela DQA; - Propor modelo que adapte a atuação da Direção-Geral de Ambiente, na aplicação da DQA, no âmbito dos Sistemas Nacional e Estaduais de Gerenciamento de Recursos Hídricos, para aplicação de suas normativas.

3.2.2 Iniciativa 2 - Conteúdos mínimos, divisão de atribuições e articulações entre os Planos de Recursos Hídricos Os planos de recursos hídricos são instrumento da Política Nacional de Recursos Hídricos instituída pela Lei Federal no. 9.433/1997. São planos diretores de longo prazo que visam a fundamentação e a orientação da implementação da referida Política. Podem ser elaborados por bacia hidrográfica, por Estado e para o País. Os conteúdos mínimos dos planos de recursos hídricos, apresentados na Lei 9.433/1997, não são, entretanto, diferenciados conforme o âmbito geográfico. Isto prejudica a abordagem lógica, de acordo com o princípio de subsidiariedade, de que os planos referidos a espaços geográficos mais amplos (nacional e estadual) devem ter caráter estratégico, enquanto os que visam espaços geográficos mais restritos (bacia hidrográfica) devem ter caráter operacional. Cabe observar que esta inadequação se aplica às águas de domínio da União, cujos planos são regidos pela Lei Federal 9.433/1997, devido a que muitas Unidades Federativas, na elaboração de suas leis das Políticas Estaduais de Recursos Hídricos, diferenciaram os conteúdos de seus Planos Estaduais de Recursos Hídricos dos Planos de Bacia Hidrográfica. Portanto, a Lei Federal no. 9.433/1997 deixou uma lacuna que precisa ser preenchida. O novo Plano Nacional de Recursos Hídricos, em elaboração e que entrará em vigor em 2021, deverá supri-la.

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A Resolução CNRH no. 145/2012 se refere aos Planos de Recursos Hídricos de Bacia Hidrográfica (Art. 1º.) sem considerar Planos Estaduais e Nacional de Recursos Hídricos. Porém, estabeleceu que estes últimos deverão ter suas diretrizes consideradas nos Planos de Bacia Hidrográfica (Art. 7º). O normativo não especifica, entretanto, quais diretrizes os Planos Nacional e Estaduais deverão estabelecer para os planos de bacia. Observa-se com a legislação e, até mesmo, com a prática de planejamento de recursos hídricos no Brasil, a indefinição tanto sobre o conteúdo, quanto sobre as articulações e interrelações que devem existir entre os planos de recursos hídricos de diferentes escalas de abrangência. Apesar destas indefinições, Planos Estaduais, de bacias hidrográficas estaduais e interestaduais e até um Plano Nacional de Recursos Hídricos têm sido elaborados sem garantias de que obedeçam a escopos compatíveis com suas abrangências espaciais e os respectivos caráteres estratégicos e operacionais; também, nem sempre são asseguradas as articulações entre níveis diferentes de planejamento. Há necessidade, pois, de se definir com mais clareza a função, o alcance e os tipos de articulações entre os diversos níveis de planos de recursos hídricos. O Projeto Legado (ANA, 2017) constatou que “apesar de grande parte do território brasileiro estar coberto por planos de recursos hídricos, esses planos não articulam um planejamento integrado e efetivo...”. Diante disto, propõe “... estabelecer resolução do CNRH (Conselho Nacional de Recursos Hídricos) que detalhe as diferenças de foco e estrutura dos planos de recursos hídricos, atribuindo caráter mais estratégico ao PNRH e aos planos estaduais e caráter mais operacional aos planos de bacias”. A Figura 3.4 ilustra a forma como, atualmente, a ANA tem interpretado essa relação entre os diversos planos previstos na legislação.

PLANO NACIONAL DE RECURSOS HÍDRICOS 2021-2040

PLANOS DE RECURSOS HÍDRICOS DE BACIAS INTERFEDERATIVAS

PLANOS ESTADUAIS DE RECURSOS HÍDRICOS

Programa Nacional de Segurança Hídrica

Programas Estaduais de Segurança Hídrica

PLANOS DE RECURSOS HÍDRICOS DE BACIA HIDROGRÁFICA

Diretrizes Demandas Articulações

Figura 3.4 – Interrelacionamento dos planos de recursos hídricos.

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Os sistemas de planejamento de recursos hídricos da UE, em especial: •

o francês: com as articulações entre os planos de bacia hidrográfica – SAGE (Schémas d’Aménagement et de Gestion des Eaux) e os Planos de Recursos Hídricos das Regiões Hidrográficas – SDAGE (Schéma Directeur d’Aménagement et de Gestion des Eaux), e

o português: com as articulações entre o PNA – Plano Nacional da Água, os PGRHs - Planos de Gestão de Região Hidrográfica e os PEGAs - Planos Específicos de Gestão da Água,

... apresentam alternativas para formulação e articulação entre planos de recursos hídricos e podem contribuir para a diferenciação das suas escalas territoriais de aplicação, bem como do escopo que os planos devem ter de acordo com sua finalidade, ora mais genéricos e estratégicos, ora mais específicos e operacionais. Cabe enfatizar, porém, as diferenças entre as abordagens que devem ocorrer nos processos de planejamento para cada uma das 5 regiões previamente definidas. A França e Portugal apresentam diferenças consideráveis em relação às condições de várias destas regiões, sendo que suas experiências poderão ser mais bem aplicadas à região dos Biomas Mata Atlântica e Pampa, exatamente onde o processo de planejamento estão mais bem desenvolvidos no Brasil. Há necessidade de proposição de processos de planejamento para as demais regiões, especialmente a dos Biomas Amazônia, e Cerrado e Pantanal; avanços devem também ser buscados para a região do Bioma Caatinga e para a bacia hidrográfica do rio São Francisco. Portanto, propõe-se por meio desta iniciativa a elaboração de uma proposta de sistema de planejamento de recursos hídricos para o Brasil, considerando cada região, aproveitando a janela de oportunidade criada com a revisão do Plano Nacional de Recursos Hídricos. Com base nestas análises, propõe-se que esta iniciativa seja desenvolvida com as características da Ficha 2:

Ficha da Iniciativa 2 - Conteúdos mínimos, divisão de atribuições e articulações entre os Planos de Recursos Hídricos

Objetivo

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Proposição de um sistema de planejamento de recursos hídricos para o Brasil, considerando o princípio de subsidiariedade: planos de grandes abrangências territoriais devem ter natureza mais estratégica, enquanto planos com abrangências territoriais mais restritas, natureza mais operacional; e levando em conta o papel que cada plano deve exercer, considerando as articulações – ou divisão de atribuições - entre eles; também, deverão ser consideradas as características de cada região previamente definida, e as necessidades de adaptações aos processos de planejamento.

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Entidades envolvidas

Brasil: Agência Nacional de Águas – ANA, e órgãos gestores das Unidades Fede-radas mais adiantadas quanto aos seus processos de planejamento de recursos hídricos, em cada uma das cinco regiões acima identificadas.

Modalidades preferenciais

Encontros presenciais, videoconferências e visitas técnicas.

Resultados esperados

UE: Direção de Água e Biodiversidade (do Ministério da Transição Ecológica e Solidária) e Agência de Água do SenaNormandia (França)7 ; Agência Portuguesa do Ambiente, e pelo menos uma das suas Administrações de Região Hi-drográfica (Portugal)8.

- Estabelecer uma discussão nacional que permita alcançar uma proposta de sistema de planejamento de recursos hídricos para o Brasil, considerando as necessárias adaptações a cada região brasileira; - Esta proposta deverá ser encaminhada ao CNRH para deliberação na forma de uma Resolução, e comporá o Apêndice Normativo da atualização do PNRH.

3.2.3 Iniciativa 3 - Gestão de transposição de água entre bacias hidrográficas A ANA tem a atribuição de regular e fiscalizar a prestação dos serviços de adução de água bruta quando estiverem envolvidos corpos de água de domínio da União, cabendo-lhe, inclusive, a disciplina em caráter normativo, da prestação desses serviços, bem como definição de tarifa pelos serviços e a fixação de padrões de eficiência, dentre outros aspectos. O Projeto de Integração do Rio São Francisco com as Bacias do Nordeste Setentrional (PISF) é o primeiro projeto em que a Agência levará a efeito essa atribuição que lhe foi conferida a partir da publicação da Lei n° 12.058 de 2009, que alterou o Art. 4°, da Lei n° 9.984 de 2000. Por outro lado, os órgãos gestores de recursos hídricos dos Estados receptores das águas do PISF deverão se organizar para partilhá-las entre os usuários estaduais de água, bem como se ressarcir dos custos que deverão pagar à União pelos serviços de adução de água aos seus portais receptores. Especialmente esta necessidade de ressarcimento se reveste de caráter um tanto complexo, devido aos altos preços da água do PISF, estimados em mais de R$ 0,50/m3. E às consequentes dificuldades de repasses, especialmente à população difusa que se encon-

7 Deve haver previsão, tanto do lado francês como do português, sobre a participação de organismos do poder central e dos organismos regionais ou de bacia, tal como é previsto do lado brasileiro. Se não for assim, existe risco de ser gerada uma ideia distorcida da realidade. É frequente no Brasil a ideia de que na França apenas existem Agências de Água, ignorando completamente o papel importante dos serviços de âmbito nacional. 8 As 5 Administrações de Região Hidrográfica (ARH’s), criadas em 2005 como estruturas com autonomia administrativa e financeira, em 2014 foram integradas na Agência Portu-guesa do Ambiente (APA) enquanto departamentos de âmbito regional responsáveis por uma bacia ou conjunto de bacias próximas e com afinidades. As ARH’s têm uma participa-ção muito significativa na preparação dos planos e, sobretudo, na sua implementação.

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tra às margens dos canais e adutoras de adução, e de reservatórios receptores. Esta população, geralmente com baixíssimo poder aquisitivo e condições precárias de vida, deve ter de alguma forma a possibilidade de uso de parcelas desta água para as necessidades mais básicas da vida, apesar da extrema incapacidade de pagar pelo seu uso. Nesse sentido, para subsidiar o trabalho de regulação, fiscalização e promoção do equilíbrio financeiro de sistemas de adução de água bruta, é importante promover o intercâmbio de experiências com a UE, sendo identificados 2 sistemas de interesse: 1. A transposição do Tejo-Segura, em Espanha, que é um sofisticado projeto de engenharia hidráulica de barragens, estações elevatórias de água e canais que começou a funcionar em 1981. Desvia a água do rio Tejo desde as províncias de Cuenca e Guadalajara, na região Autonómica de Castilla-La Mancha, até uma das barragens do rio Segura, na região de Múrcia, por um percurso de quase 300 quilómetros, com o objetivo de combater a escassez de água no sudeste da Espanha, uma das regiões mais áridas do país. 2. Na França, o Canal de Provence conta com a Société du Canal de Provence (SCP), criada em 1957, para construir e operar todo o sistema. A SCP é responsável pelo gerenciamento dos recursos hídricos regionais, a fim de fornecer um abastecimento de água seguro e confiável para a agricultura, a indústria e os usos domésticos. Com quase 60 anos de experiência no gerenciamento de projetos hidráulicos e ambientais, a Société du Canal de Provence (SCP) fornece água a mais de dois milhões de pessoas em 110 cidades e vilas; 6.000 fazendas com um total de 45.000 hectares irrigados e 500 fábricas de grande e pequeno porte. 3. Em Portugal o caso mais significativo que merece discussão e, eventualmente, uma visita, é o da transposição do rio Guadiana (que faz fronteira com Espanha no sul de Portugal) para alimentar o abastecimento público e o regadio no Algarve, região que tem um clima semiárido e grandes carências hídricas em resultado de um grande desenvolvimento hidroagrícola e turístico. Trata- se de uma transposição dupla de sotavento para barlavento (isto é, leste para oeste) envolvendo no total 5 barragens: uma no Guadiana para efeitos de captação, duas interligadas entre si na zona oriental do Algarve (Odeleite e Beliche) e duas, também interligadas entre si, na zona ocidental (Odelouca e Funcho). Este sistema, é um dos mais sofisticados na Europa e permitiu recuperar os aquíferos costeiros que corriam riscos sérios de salinização em resultado de um uso excessivo. Um outro sistema muito relevante, mas que apenas está parcialmente construído, consiste na transposição do rio Douro para o rio Tejo e deste para o rio Guadiana. O objetivo consiste em mitigar a escassez de água no sul semiárido de Portugal com recursos hídricos provenientes de zonas com grande abundância de água, nomeadamente o norte húmido.

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A iniciativa possibilitará avaliar as estratégias para regulação, monitoramento, fiscalização e equilíbrio financeiro da operação de grandes sistemas de adução de água bruta, visando suas adaptações ao Brasil. Será importante contar com a participação de técnicos de várias superintendências da ANA, bem como de outras instituições brasileiras envolvidas com a operação do PISF, como o Ministério de Desenvolvimento Regional (MDR) e os Estados beneficiários do PISF: Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará. As características desta iniciativa são resumidas na Ficha 3.

Ficha da Iniciativa 3 - Gestão de transposição de água entre bacias hidrográficas

Objetivo

Conhecer as experiências internacionais na gestão de grandes sistemas de adução de água bruta, identificando os procedimentos de planejamento de distribuição da água, monitoramento, controle e recuperação de custos; também deverão ser avaliados os mecanismos financeiros de sustentabilidade destes sistemas e forma de participação dos atores envolvidos.

Entidades envolvidas

Brasil: Agência Nacional de Águas – ANA e MDR, pela União; e representantes dos órgãos gestores dos Estados beneficiários do PISF: Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará.

Modalidades preferenciais

Encontros presenciais, videoconferên-cias e visitas técnicas.

UE: Instituições envolvidas na transposi-ção do Rio Tejo-Segura (Espanha), do rio Guadiana para o barlavento algar-vio (Portugal) e do Rio Verdon/Canal de Provença (França).

Com relação aos aspectos operacionais: - Conhecer as técnicas adotadas para a operação, manutenção e monitoramento dos sistemas de adução de água bruta. - Identificar os equipamentos para medição de água bruta; - Conhecer técnicas de fiscalização e atividades empreendidas para fiscalização do uso desta água; - Conhecer procedimentos de controle de usos da água; - Estudar os procedimentos de coleta e transmissão de dados de vazão; - Conhecer as consequências ambientais das transposições entre regiões com características ecológicas distintas. Resultados esperados

Com relação a estrutura financeira para a sustentabilidade da ope-ração e manutenção do sistema, identificar: - Conhecer os indicadores de desempenho adotados para avaliar os prestadores de serviço de adução de água bruta; - Entender as estruturas tarifárias adotadas para cobrir os custos de operação e manutenção dos sistemas de transposição e adução de água bruta; - Identificar quais são os usuários pagadores e quais os valores pagos por eles; - Considerar as possíveis isenções de pagamento, decorrentes de incapacidades econômicas; - Avaliar as garantias adotadas para o caso de não pagamento; - Identificar experiências com a implantação de receitas alternativas para apoio no custeio da operação e manutenção das infraestruturas.

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3.2.4 Iniciativa 4 - Segurança de Barragens A Lei nº 12.334, de 20 de setembro de 2010, estabeleceu a Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB) no Brasil, abrangendo as barragens de acumulação de água para quaisquer usos, as barragens de disposição final ou temporária de rejeitos minerários e as barragens de acumulação de resíduos industriais. A PNSB trouxe, entre os seus objetivos, o fomento da cultura da segurança de barragens e da gestão de riscos, e estabeleceu as responsabilidades de empreendedores e fiscalizadores relacionadas à segurança das barragens construídas no Brasil. Os empreendedores são os agentes privados ou governamentais com direitos reais sobre as terras onde se localiza a barragem, ou que explorem a barragem em benefício próprio ou da coletividade. Os fiscalizadores podem ser os órgãos gestores que autorizaram ou outorgaram o direito de uso de recursos hídricos (barragens de acumulação de água), de exploração do potencial hidráulico (barragens para aproveitamento hidrelétrico), os direitos minerários (barragens para disposição de rejeitos), ou que emitiram a respectiva licença ambiental (barragens para contenção de rejeitos industriais). Dentre as atividades de fiscalização, estão a obrigação de manter cadastro das barragens sob sua fiscalização, com identificação dos empreendedores, para fins de incorporação ao Sistema Nacional de Informações sobre Segurança de Barragens (SNISB). Cabe também aos órgãos fiscalizadores a classificação das barragens quanto a Categoria de Risco e por Dano Potencial Associado (DPA) e pelo seu volume, com base em critérios gerais estabelecidos pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH). Nesse contexto, cabe à Agência Nacional de Águas (ANA) a fiscalização das barragens construídas em corpo hídrico de águas de domínio da União, com objetivo de acumulação de água, exceto para fins de aproveitamento hidrelétrico. A ANA, além das atribuições relativas aos órgãos fiscalizadores, tem a atribuição de promover a articulação entre os órgãos fiscalizadores de barragens; organizar, implantar e gerir o SNISB; e elaborar anualmente o Relatório de Segurança de Barragens, que trata da avaliação da a implementação da PNSB. As barragens construídas em corpos de água de domínio estadual, que são a maioria, deverão ser fiscalizadas por órgãos estaduais. Dentre as ações realizadas pela ANA, está a publicação da Resolução ANA n◦ 236, de 30 de janeiro de 2017, que estabeleceu, para cada barragem, a periodicidade de execução ou atualização, a qualificação dos responsáveis técnicos, o conteúdo mínimo e o nível de detalhamento do Plano de Segurança, das Inspeções de Segurança Regular e Especial, da Revisão Periódica de Segurança e do Plano de Ação de Emergência. Além disso, a ANA desenvolveu um conjunto de guias e manuais de orientação a empreendedores de barragens, como apoio do Banco

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Mundial e profissionais de outras instituições, incluindo do Laboratório Nacional de Engenharia Civil, de Portugal. Por fim, a ANA tem promovido regularmente eventos, workshops e cursos voltados à articulação e capacitação de empreendedores e fiscalizadores em todo o País. Contudo, desde sua promulgação em 2010, diversos desafios e gargalos têm sido enfrentados no processo de sua implementação. Os processos de desenvolvimento institucional, capacitação, normatização e regulamentação da PNSB têm sido lentos, sobretudo nos órgãos fiscalizadores estaduais, responsáveis pela fiscalização da maior parte das barragens existentes. Há grandes dificuldades de atendimento aos requisitos de segurança definidos na Lei por parte de empreendedores privados de pequenas barragens, em razão de capacidade técnica e financeira. Também há dificuldades enfrentadas por empreendedores públicos (órgãos de governo), principalmente em razão da ausência de mecanismos de financiamento de custos de operação e manutenção. Adicionalmente, há ainda lacunas sobre condições e critérios de segurança a serem observados e fiscalizados nas fases de projeto, construção e operação de barragens, sobre a integração de planos de emergência e planos de contingência, e sobre a avaliação de causas de acidentes e incidentes, que possa orientar revisões de normas existentes. Sendo assim, entende-se que o intercâmbio e discussões com a UE pode auxiliar no desenvolvimento de atividades de fiscalização de segurança de barragens e avançar na cultura da segurança e da gestão de riscos de barragens. Durante a visita realizada ao Laboratório Nacional de Engenharia Civil, em Portugal, no âmbito deste diálogo, houve debates sobre questões ainda pouco desenvolvidas no Brasil, tais como, plano de monitoramento de barragens, sistema de classificação de barragens e relevância e papel de uma Comissão Nacional de Barragens. O Brasil tem passado por diversas situações críticas envolvendo barragens, havendo necessidade de aprimoramento das práticas organizacionais e operacionais para enfrentá-los tanto no âmbito da União, quanto no das Unidades Federadas. Devido a estes fatores, propõe-se esta iniciativa, que é resumida na Ficha 4.

Ficha da Iniciativa 4 – Segurança de barragens

Objetivo

Proposta de aperfeiçoamentos no processo de implementação de Políticas de Segurança de Barragens no Brasil, a partir de experiências da UE referentes à a) regulamentação, b) fiscalização, c) controle de segurança de barragens, d) ações emergenciais, e) tratamento de pequenas barragens e f) desativação de barragens fora dos padrões de segurança; também, busca-se a capacitação em aspectos específicos de segurança de barragens.

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UE: Agência Portuguesa do Ambiente (APA), enquanto Autoridade Nacional de Segurança de Barragens (ANSB), Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), enquanto suporte técnico especializado da ANSB e Comissão Nacional de Segurança de Barragens (CSB), todos em Portugal.

Entidades envolvidas

Brasil: Agência Nacional de Águas e entidades selecionadas dos Sistemas Esta-duais de Gerenciamento de Recursos Hídricos dos Estados que apresentam maiores quantidades de barragens de mineração (Minas Gerais e Pará) e de regularização de vazões (Estados localizados no semiárido do nordeste do Brasil).

Modalidades preferenciais

Encontros presenciais, videoconferências e visitas técnicas. - Avaliação de problemas e desafios que têm sido observados no processo de implementação das políticas de segurança de barragens, e propor alternativas de aperfeiçoamento, a partir das experiências no Brasil e em Portugal;

Resultados esperados

- Elaboração de um Relatório Técnico sobre Segurança de Barragens, a ser elaborado por especialistas brasileiros e da UE, contendo propostas específicas de aperfeiçoamento nas formas de implementação das Políticas de Segurança de Barragens, com foco nos problemas encontrados em barragens de acumulação de água para usos múltiplos, de empre-endedores públicos e privados. - Promover a capacitação técnica de alto nível em segurança de barragens em temas específicos, voltado a fiscais e empreendedores de barragens de acumulação de água para usos múltiplos no Brasil.

3.2.5 Iniciativa 5 - Planos de contingência para enfrentamento e adaptação às secas A ANA estabelece condições de operação e acompanha a evolução de reservatórios e sistemas hídricos prioritários para a gestão de eventos críticos no Brasil. Esse acompanhamento constitui a base de atuação em eventos de seca, a partir da qual se apreende a realidade presente, os comportamentos passados e tendências futuras, orientando avaliações, previsões e propostas de intervenção da ANA como agência reguladora. O mesmo é desejável ocorrer com relação aos órgãos estaduais gestores de recursos hídricos, especialmente, mas não exclusivamente, dos Estados do semiárido nordestino. Cada crise hídrica tem características próprias – estágio, duração, intensidade e complexidade, além da população afetada, infraestrutura disponível e arranjos sociais e econômicos – que demandam abordagens e respostas diferentes para seu enfrentamento. A operação de reservatórios e demais infraestruturas hídricas em períodos de seca é parte fundamental para o cumprimento da atribuição legal da dos órgãos gestores de recursos hídricos, no sentido de planejar e promover ações destinadas a prevenir e minimizar os efeitos de secas e inundações no âmbito dos Sistemas Nacional e Estaduais de Gerenciamento de Recursos Hídricos.

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As medidas de preparação para secas devem ser ajustadas às características de cada sistema hídrico, serem flexíveis para adaptar-se a cada evento específico (como duração e intensidade), ter gatilhos claramente definidos, serem pactuadas com os principais interessados e dirigirem-se ao incremento da resiliência do sistema e ao atendimento dos usos prioritários e dos usos múltiplos da água. A ANA e alguns órgãos gestores estaduais vêm implementando medidas orientadas por esses critérios para fazer face a secas recentes, privilegiando a articulação e transparência das ações e a definição de condições mais flexíveis e com maior robustez. O objetivo da troca de experiências com outros países é fortalecer e melhorar tais procedimentos, com foco especial na identificação de gatilhos e limiares de desvios climáticos para atuação e integração em instrumentos regulatórios. Numa perspectiva de mais longo prazo, é também importante avaliar as possíveis consequências das alterações climáticas no que se refere à disponibilidade de recursos hídricos. Esse tipo de análise está a ser feito nos Estados-Membros da UE, em grande parte por exigência da Comissão Europeia, e começa a ser considerado obrigatório incorporar esse tipo de considerações no planeamento dos recursos hídricos de forma a diminuir a sua vulnerabilidade e a aumentar a sua resiliência numa atitude de precaução perante possíveis evoluções. Julga-se interessante e útil discutir estas matérias com as entidades responsáveis brasileiras. De forma resumida, a Ficha 5 caracteriza esta iniciativa: Ficha da Iniciativa 5 - Planos de contingência para enfrentamento e adap-tação às secas

Objetivo

Compartilhar conhecimento e experiências relativos ao estabelecimento de medidas de preparação para a seca em sistemas hídricos, incluindo a obtenção de parâmetros físicos de referência, estabelecimento de gatilhos para atuação, conceitos envolvidos, articulação entre entes e interessados, instrumentos regulatórios para efetivação e mecanismos de acompanhamento/cumprimento.

Entidades envolvidas

Brasil: Agência Nacional de Águas e entida-des selecionadas dos Sistemas Estaduais de Gerenciamento de Recursos Hídricos.

Modalidades preferenciais

Encontros presenciais, videoconferências e visitas técnicas.

Resultados esperados

UE: instituições da França, Espanha e Por-tugal, incluindo a forma como as secas são consideradas no âmbito da Conven-ção de Albufeira para a gestão das bacias Luso-Espanholas.

- Definição de protocolos operativos para fazer frente a desvios hidroclimáticos negativos observados com relativa frequência, mas que fogem à capacidade dos instrumentos usuais de planejamento e alocação hídrica, nomeadamente no quadro de eventuais alterações climáticas. - Consideração de sistemas hídricos complexos, envolvendo usos múltiplos da água, diferentes esferas de governo, infraestrutura de reservação, incluindo transposição de vazões entre bacias hidrográficas. - Consideração de sistemas hídricos transfronteiriços e da forma como as secas devem ser consideradas nesses casos.

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3.2.6 Iniciativa 6 - Regulação do Saneamento Básico A ANA receberá a atribuição legal de emitir normas de referência a serem seguidas por agências reguladoras de saneamento básico subnacionais. Essas normas de referência deverão nortear a regulação do setor, relativamente a seus quatro componentes: abastecimento de água, coleta e tratamento de esgotos, coleta e destinação final de resíduos sólidos e manejo e drenagem de águas pluviais urbanas. O tipo de regulação que a ANA exercerá é semelhante, conceitualmente, a uma coordenação regulatória ou oversight regulation. Ao longo dos últimos 20 anos, Portugal, ao incorporar as Diretivas da União Europeia relativas ao saneamento básico, vem atingindo metas de universalização do setor, resolveu questões de fragmentação da prestação dos serviços e desenvolveu a regulação, possibilitando homogeneizar padrões de qualidade dos serviços estendidos a todo o país. A ERSAR - Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos, responsável pela regulação em nível nacional em Portugal, não atua de forma semelhante à que a ANA atuará, pois esta última assumirá o papel de “reguladora das reguladoras”. Porém, entende-se que muito da experiência de regulação de saneamento básica da ERSAR poderá ser aproveitada pela ANA no sentido de estabelecer orientações à atuação de regulação dos entes reguladores subnacionais. Com efeito, as resoluções, manuais e guias técnicos da ERSAR funcionam como recomendações à prestação dos serviços em nível municipal – infraestruturas de redes de distribuição de água e de coleta de esgotos e coleta de resíduos sólidos, por eles chamados de sistemas em “baixa”. Em nível supramunicipal (ou regional) ou nacional, a ERSAR regula de fato os sistemas produtores de água, os sistemas de tratamento de esgotos e destinação final de efluentes e de resíduos sólidos, por eles chamados de sistemas em “alta”. A ERSAR dispõe de vasto material técnico acessível em seu sítio eletrônico9. A entidade poderá contribuir com capacitação em regulação do saneamento para especialistas da própria ANA e, também, para os reguladores subnacionais. Essa atividade de capacitação já é exercida pela ERSAR para países de língua portuguesa. Por outro lado, as dimensões e a complexidade da realidade brasileira podem constituir um desafio técnico instigante para os especialistas da ERSAR, que costumam atuar junto a países de língua portuguesa na África. A entidade poderá participar do desenvolvimento de estudos técnicos para apoiar a regionalização da prestação dos serviços e de proposições de soluções específicas para municípios escolhidos como representativos de diversos conjuntos ou blocos. 9

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Sítio da ERSAR: http://www.ersar.pt/pt acesso em fevereiro de 2020.

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Guardadas as devidas proporções, uma vez que Portugal, apesar da sua grande diversidade geográfica e socioeconómica, tem população equivalente à do estado do Paraná e área equivalente à do estado de Santa Catarina, a diversidade de problemas encontrados no país no início do processo de universalização, quanto aos diferentes estágios de desenvolvimento das regiões, variados portes de municípios e povoados, formas de prestação do serviço, onde havia, e as soluções empreendidas, inclusive a necessidade de regionalização e de agregação da prestação dos serviços, indicam que a experiência de Portugal no setor pode auxiliar o Brasil a encontrar soluções para as suas próprias questões. Outras experiências de interesse para a ANA, relativamente a componentes específicos do saneamento são encontradas na Alemanha. Na área de manejo de resíduos sólidos, e na França, no manejo e drenagem de águas pluviais urbanas. A Alemanha é reconhecidamente o país que mais recicla resíduos, não só na UE, mas no mundo. Seus índices são fruto de uma política pública de manejo de resíduos sólidos que tem a economia circular como base e o engajamento da população como um todo com a redução de volume de resíduos para destinação final10. É interessante conhecer toda a cadeia envolvida nessa produção econômica sustentável, a forma de conscientização da população e de responsabilização e comprometimento de produtores e distribuidores de mercadorias. A receita obtida pelo setor de manejo e reciclagem de resíduos é da ordem de 70 bilhões de Euros. A preocupação com a diminuição dos efeitos de gases do efeito estufa em aterros sanitários também é de se destacar como resultado de todo o processo. O contato inicial talvez deva ser feito via Cooperação Alemã para o Desenvolvimento Sustentável - Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit (GIZ) no Brasil. Com relação ao manejo de águas pluviais urbanas, o conceito de sistema de drenagem urbana sustentável teve sua origem na Escócia (Sustainable Urban Drainage System – SUDS). É adotado na Inglaterra, País de Gales e Irlanda do Norte. Baseia- se no princípio de manter o ambiente o mais próximo possível das condições naturais de pré-urbanização, para infiltração e escoamento das águas pluviais. As práticas propostas constam de manuais de projeto e passaram a ser mandatórias na Escócia desde 2003. Na prática, os SUDSs compreendem um conjunto de tecnologias e técnicas de manejo e drenagem de águas superficiais urbanas mais sustentável que as soluções convencionais. Na França, Estado-membro da UE, as técnicas alternativas, ou técnicas compensatórias – techniques compensatoires, termo surgido na região de Bordeaux –, são empregadas para alcançar objetivos de retardar o tempo e reduzir a quanti10 Fonte: Waste Policy, em https://www.bmu.de/en/topics/water-waste-soil/waste-management/ waste-policy/, acesso em fevereiro de 2020.

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dade do escoamento superficial, usualmente afetados pela urbanização, mantendo-se as condições naturais e melhorando a qualidade de vida. A Ficha 6, apresentada em sequência, resume as características desta iniciativa.

Ficha da Iniciativa 6 – Regulação do Saneamento Objetivo

Dotar a ANA de expertise para enfrentar os novos desafios advindos da atribuição legal de emitir normas de referência a serem seguidas pelas agências reguladoras de saneamento subnacionais.

Entidades envolvidas

Brasil: Agência Nacional de Águas.

Modalidades preferenciais

Encontros presenciais, videoconferências e visitas técnicas.

Resultados esperados

- Identificar as normas necessárias para o setor de saneamento e recomendar as bases para as suas elaborações, a serem elaboradas pela ANA.

UE: ERSAR (Portugal) – Entidade Regula-dora dos Serviços de Águas e Resíduos; GTZ (Alemanha) - Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit e entidade a ser identificada na França.

4 REFERÊNCIAS Giakoumis, T. & Voulvoulis, N. (2018). The Transition of EU Water Policy Towards the Water Framework Directive’s Integrated River Basin Management Paradigm. Environmental Management, 2018. Acesso em setembro de 2018 em https://doi.org/10.1007/s00267-018-1080-z. OCDE (2015). Governança dos Recursos Hídricos no Brasil. Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, Paris. ISBN 978-92-64-23813-8. Acesso em fevereiro de 2020 em http://dx.doi.org/10.1787/9789264238169-pt. OCDE (2017). Cobrança pelo Uso dos Recursos Hídricos no Brasil. Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, Paris. ISBN 978-92-64-28842-3. Acesso em fevereiro de 2020 em https://dx.doi.org/10.1787/9789264288423-pt.

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ANEXO PROPOSTAS DE TEMAS PARA PESQUISAS QUE PODERÃO INTEGRAR A PLATAFORMA DE COOPERAÇÃO TÉCNICA BRASIL – UE A articulação em curso entre o Brasil e a União Europeia, visando identificar e estabelecer estratégias para o enfrentamento de desafios relacionados com a implementação de seus correspondentes sistemas de gerenciamento de recursos hídricos, representa uma oportunidade para a academia aproximar os temas de suas pesquisas dos grandes desafios que têm se apresentado como obstáculos para o desenvolvimento do sistema brasileiro. Por um lado, a academia tem uma longa experiência em atuar em cooperação com parceiros de outros países. Por seu turno, a Agência Nacional de Águas, e as demais instituições que integram o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos do Brasil – SINGREH, lidam diariamente com problemas e obstáculos que dificultam o atendimento dos objetivos da Política Nacional de Recursos Hídricos. Com o propósito de contribuir para a versão final deste “Road Map”, um grupo de professores vinculados a quatro diferentes universidades - Fernando ,Falco Pruski, UFRB/UFV; Guilherme Marques, IPH/UFRGS; Jaildo Santos Pereira, CETEC/ UFRB; José Paulo Azevedo; COPPE/UFRJ; e Samiria Maria Oliveira da Silva, DEHA/ UFC – listou um conjunto de temas de pesquisas que poderão aproveitar a troca de experiências com os parceiros da União Europeia com o propósito de apresentar resultados que venham subsidiar o aprimoramento do Sistema Nacional de Recursos Hídricos.

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A forma de implementação destas pesquisas deverá ser discutida posteriormente. Em princípio, entende-se haver linhas de financiamento próprias, no Brasil e da UE, para estabelecer redes de instituições a serem propostas e consolidar as já existentes. A vinculação destas atividades de pesquisa a este Diálogo deverá facilitar as suas implementações e operacionalizações.

Contextualização Um desafio que intriga muitos especialistas é compreender as causas que praticamente travam a implementação do Sistema Nacional de Recursos Hídricos. Em diferentes níveis essas questões também estão presentes em outros países o que motiva a troca de experiências que podem ser viabilizadas a partir de cooperação técnica como aquela que está sendo construída entre o Brasil e União Europeia. A Figura A.1 apresenta de forma sintética o processo de Gestão de Recursos Hídricos no Brasil e poderá auxiliar na identificação dos principais gargalos. Conforme ela ilustra, um conjunto de conhecimentos aqui identificado como “Base Técnica” permite conhecer desde as características da bacia hidrográfica e, em função delas, a aptidão do solo; os usos – demanda e impacto -; e as medidas necessárias para recuperação da área. Naturalmente, existe espaço para melhorar o nível desses conhecimentos, mas não é razoável inclui-los entre os principais obstáculos para que objetivos de recuperação das bacias hidrográficas não sejam alcançados. Portanto a questão que se apresenta é: como assegurar que medidas para preservar e/ou recuperar as bacias hidrográficas sejam efetivamente implementadas?

BASE TÉCNICA

MODELO DE GESTÃO INSTITUCIONAL

INSTRUMENTOS

PUNIÇÃO

RESULTADOS

AVALIAÇÃO

INSTITUCIONAL

INSTRUMENTOS

PREMIAÇÃO

RESULTADOS

AVALIAÇÃO

...OUTRAS

LEGISLAÇÃO

ESCOAMENTO

LEGISLAÇÃO

GEOLOGIA

C&C

SOLO

ECONÔMICOS

RELEVO

MEDIDAS

VEGETAÇÃO

USO DO SOLO

EVAPORAÇÃO

APTIDÃO DO SOLO

PRECIPITAÇÃO

IMPACTOS/PRESSÃO

METEOROLOGIA

COMO GARANTIR QUE AS MEDIDAS SERÃO IMPLEMENTADOS?

BACIA HIDROG.

Figura A.1 – Gestão de Recursos Hídricos no Brasil

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Para responder à questão anterior o Estado brasileiro optou pela adoção de um modelo de gestão, em quase sua totalidade, na linha de Comando e Controle (também ilustrado na Figura A.1), o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos - SINGREH. Em que pese os esforços empreendidos desde 1997 para implementar o SINGREH, os objetivos definidos na Política Nacional de Recursos Hídricos estão muito longe de serem alcançados e não é necessário muitos esforços para demonstrar que as dificuldades estão de alguma forma relacionadas com o “Modelo de Gestão” ilustrado no lado direito da Figura A.1. Como lidar com o duplo do domínio das águas? A matriz institucional do SINGREH, em particular no que se refere aos órgãos colegiados, as funções das Agências de Bacia, a estrutura de financiamento, dentre outros, tem se revelado adequada para a realidade brasileira? Os critérios adotados para cada um dos instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos - PNRH são os mais adequados? Qual conteúdo mínimo deve estar presente nos planos de recursos hídricos? Os próprios instrumentos definidos na PNRH são os mais adequados? O enquadramento dos corpos hídricos em classes segundo os usos preponderantes deve mesmo ser utilizado como um dos instrumentos ou como definição das metas? Além da extensa lista de desafios apenas ilustrada com as questões mencionadas anteriormente, destaca-se ainda outro aspecto que deve ser considerado pela sua importância, a falta de articulação. A falta de articulação entre as atividades acaba motivando, por exemplo, a realização de pesquisas cujos resultados muitas vezes não têm aplicação prática. Essa situação poderá ser superada desde que os desafios ou problemas identificados no “Modelo de Gestão”, lado direito da Figura a.1, sejam traduzidos como temas de pesquisa. A título de ilustração, a outorga dos direitos de uso dos recursos hídricos precisa conhecer a disponibilidade de água em diversas seções dos mananciais, um grande problema para bacias com poucos dados disponíveis. Essa situação poderá motivar pesquisas cujo objetivo seja aperfeiçoar e/ou desenvolver métodos para estimar vazões em bacia com poucos dados disponíveis. Dessa forma, os resultados da pesquisa poderão de modo muito claro ter uma aplicação. Nesse contexto, aproveitando as seis iniciativas prioritárias já identificadas na proposta de “Diálogos”, segue um conjunto de temas de pesquisas que poderão integrar a “Plataforma de Cooperação Técnica Brasil-União Europeia em Gestão de Recursos Hídricos”. Antes de apresentá-las importa destacar que cada uma delas deverá seguir alguns princípios norteadores: 1. Demonstrar como os resultados da pesquisa poderão auxiliar na solução de problemas e/ou dificuldades referentes à implementação do SINGREH

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já reconhecidos pelos integrantes do SINGREH, em particular pela Agência Nacional de Águas – ANA. 2. Evidenciar como se dará a troca de experiências com países que integram a União Europeia. 3. Considerar as interfaces entre os diferentes temas e/ou instituições que integram o SINGREH.

Temas de pesquisa propostos Iniciativa Prioritária 1 - Aperfeiçoamentos dos Sistemas de Gerenciamento de Recursos Hídricos do Brasil, tendo por base a experiência da UE

Iniciativa Prioritária 2 - Conteúdos Mínimos, Divisão de Atribuições e Articulações entre os Planos de Recursos Hídricos

Iniciativa Prioritária 3 - Gestão de Transposição de Água entre Bacias Hidrográficas

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Iniciativa Prioritária 4 - Segurança de Barragens

Iniciativa Prioritária 5 - Planos de Contingência para Enfrentamento e Adaptação às Secas

Iniciativa Prioritária 6 - Regulação do Saneamento Básico

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www.sectordialogues.org

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