E eu não sou uma mulher? MDP

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“E EU NÃO SOU UMA MULHER?” A narrativa de Sojourner Truth Material digital do professor Julio Silveira livrosdecriação


Sumário Carta aos professores

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Propostas de atividade I

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Tema 1

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Tema 2

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Tema 3

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Propostas de atividade II

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Tema 1

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Tema 2

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Tema 3

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Aprofundamento

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A autora, a obra e seu contexto

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O gênero relato

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Articulações com produções contemporâneas e outras expressões

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Bibliografia comentada

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Carta aos professores Caro educador, cara educadora, É com prazer que apresentamos um livro que é tanto a narrativa de uma vida impressionante quanto um documento que ajudou a deixar o mundo menos injusto. Em 1850, a escravizada liberta Sojourner Truth contou sua vida à amiga abolicionista Olive Gilbert. Assim ficamos sabendo que Sojourner, nascida na escravidão e vendida aos nove anos, foi a primeira mulher negra a ganhar um processo contra um senhor de escravos, que havia vendido seu filho. Mesmo sem acesso à educação, tornou-se uma liderança moral e contribuiu para que negros e mulheres fizessem valer seus direitos. Assim como mobilizou a opinião pública ao ser publicado, o relato de Sojourner pode hoje contribuir para fomentar a reflexão sobre o regime social e econômico escravocrata e suas implicações e consequências nos países onde foi empregado, especialmente o Brasil. Sua história demonstra as lutas dos descendentes como agentes ativos e protagonistas, fortalecendo a luta contra o racismo e nos ajudando a compreender a formação de nosso povo, nossa história e cultura. Boa leitura e boa aula!

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Os editores


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PROPO STAS DE AT IVIDADE I

ATIVIDADE I TEMA 1

Identidade e identificação HABILIDADES BNCC EM13LP10, EM13LGG402, EM13LGG401 ATIVIDADE DE PRÉ-LEITURA

CONTEÚDO As variações linguísticas e o preconceito. OBJETIVO Capacitar o discente a distinguir as variações linguísticas em suas dimensões histórica e social, a partir da natureza dinâmica da língua. Conscientizar alunas e alunos sobre o fenômeno da constituição de variedades linguísticas de prestígio e estigmatizadas, e a fundamentar o respeito às variedades linguísticas e o combate a preconceitos linguísticos. JUSTIFICATIVA No capítulo “Início das provações na vida de Isabella” lemos que Sojourner, ainda que nascida nos Estados Unidos, teve por língua materna o holandês, e sua incapacidade de se expressar em inglês agravou a sua já precária condição de mulher, escravizada e menor de idade. Ela diz: “se eles me enviavam para pegar uma frigideira, sem saber o que eles queriam dizer, talvez eu lhes levasse ganchos de panelas. Então, ah! Que raiva a minha senhora ficava de mim!”

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Ao mesmo tempo, quando os jornalistas transcreveram seu famoso discurso, “E eu não sou uma mulher?” decidiram acrescentar características (de pronúncia e vocabulário) associadas à fala dos negros do sul dos Estado Unidos, embora essa nunca tenha sido a forma de falar de Sojourner, que aprendeu o inglês no estado de Nova York.


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E eu “num” sou “muié”? Eu posso “trabaiá” tanto e comer tanto quanto um “hôme” e também “guentá” o chicote! E eu “num” sou “muié”? Carreguei 13 “mininu”, e vi a maioria “sê” vendida como escravo, e quando chorei minha tristeza de mãe, só tinha Jesus pra me “ouvi”! E eu “num” sou “muié”? A decisão dos jornalistas de ressaltar uma variação linguística (que Sojourner sequer usava!) reflete um preconceito estrutural nos Estados Unidos que imputa a todos os descendentes dos africanos, não importando em que estado vivam, uma suposta “linguagem” ou “sotaque”, marcando-os como incapazes de se expressar na “língua de prestígio”, a falada pelos brancos do norte. Entender que existem diferenças linguísticas entre povos e até dentro do mesmo território, e respeitá-las, é um importante passo na redução das desigualdades sociais. Ao mesmo tempo, o modo de falar de um determinado indivíduo ou de um grupo social ou étnico não pode ser empregado para desmerecê-los e reforçar posições hierárquicas opressivas. Reconhecer a existência de alteridade, i.e., de que existem pessoas e culturas singulares, que pensam e agem no mudo de suas próprias maneiras e diferentes de qualquer suposto “padrão” ou “visão de mundo” é um importante passo para formação de uma sociedade mais justa, igualitária e construtiva, que ofereça aos educandos um ambiente mais saudável e seguro para o desenvolvimento de seu projeto de vida. Para esta atividade, propomos que os educandos ganhem consciência do fenômeno da variação linguística em seu dia a dia e reflitam sobre o emprego das variações como subterfúgios para o preconceito linguístico. METODOLOGIA Etapa 1 Inicie uma conversa sobre as variações linguísticas, pedindo exemplos de expressões próprias do grupo social deles. Em seguida pergunte se essa forma de falar seria compreendida em outros contextos (em uma entrevista de emprego, uma cerimônia religiosa etc). Inversamente, pergunte como seria se todos falassem mais formalmente em um ambiente como uma festa entre amigos, ou uma partida online.

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Em seguida peça depoimentos de episódios pessoais, em que as alunas e alunos lidam com grupos com variações linguísticas a ponto de criar ruídos na comunicação e, especialmente, de situações em que sofreram preconceito linguístico por não se expressarem da maneira “certa”, isto é, segundo a variação linguística privilegiada.


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Etapa 2 A partir da primeira conversa peça aos alunos que compilem um “dicionário pessoal”, com palavras e expressões que eles usam para falar com os amigos e colegas, na rua ou na internet, mas que dificilmente seriam compreendidos por outros grupos (pais, professores, parentes de outros estados etc…). O dicionário deve trazer os verbetes com uma “tradução” para um português que possa ser compreendido pelo maior número de pessoas. Apresente para a turma o conceito de “neologismo”, isso é, uma palavra ou expressão cunhada para explicar um conceito novo ou para marcar a individualidade linguística de um grupo. Os familiarize também com os elementos da morfologia e os processo de formação de palavras. Peça para que, ao lado de cada verbete, os alunos indiquem a categoria do neologismo, a saber: Popular (que foram criados e circularam inicialmente dentro de grupos sociais delimitados), como “sextou”, “formou” etc. Semântico (novos significados para vocábulos já existentes), como “laranja” (falso proprietário), “gato” (furto de energia) e “chapéu” (guarda-chuvas). Lexical (formadas a partir de elementos de outras línguas), como “clicar”, “shippar”, “deletar”. Estrangeirismos (palavras trazidas de outras línguas, sem adaptação), como “outdoor”, “cráude” (crowd), “story” (nas mídias sociais)

Etapa 3 Quando da apresentação dos dicionários, abra a discussão com os seguintes pontos de reflexão para abordar a questão do Preconceito linguístico: — Empregar neologismos significa falar “errado”? — O que seria falar “certo”? — Há algum grupo social que fala “certo”? — A língua deve ser do jeito que a gente fala, ou a gente é que tem que falar como a língua é?

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— Para que serve ter uma língua padrão (a “norma culta”) se ninguém fala assim?


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HABILIDADES

EM13LP10 Analisar o fenômeno da variação linguística, em seus diferentes níveis (variações fonético-fonológica, lexical, sintática, semântica e estilístico-pragmática) e em suas diferentes dimensões (regional, histórica, social, situacional, ocupacional, etária etc.), de forma a ampliar a compreensão sobre a natureza viva e dinâmica da língua e sobre o fenômeno da constituição de variedades linguísticas de prestígio e estigmatizadas, e a fundamentar o respeito às variedades linguísticas e o combate a preconceitos linguísticos. EM13LGG402 Empregar, nas interações sociais, a variedade e o estilo de língua adequados à situação comunicativa, ao(s) interlocutor(es) e ao gênero do discurso, respeitando os usos das línguas por esse(s) interlocutor(es) e sem preconceito linguístico. EM13LGG401 Analisar criticamente textos de modo a compreender e caracterizar as línguas como fenômeno (geo)político, histórico, social, cultural, variável, heterogêneo e sensível aos contextos de uso.


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ATIVIDADE I TEMA 2

Identidade e lugar de fala HABILIDADES BNCC EM13LGG303, EM13LP24, EM13LP27 ATIVIDADE DE LEITURA

CONTEÚDO A partir do célebre discurso “E eu não sou uma mulher?”, vamos estimular os alunos a refletirem e participarem das grandes questões atuais. OBJETIVO Desenvolver a capacidade argumentativa e inferencial dos estudantes e suas habilidades para formular, negociar e sustentar posições, frente à análise de perspectivas distintas. Promover o debate de questões polêmicas e de relevância social, e o engajamento em busca de soluções que envolvam a coletividade. JUSTIFICATIVA A BNCC nos alerta da necessidade de “intensificar o desenvolvimento de habilidades que possibilitem o trato com o diverso e o debate de ideias. Tal desenvolvimento deve ser pautado pelo respeito, pela ética e pela rejeição aos discursos de ódio.” No cerne do campo de atuação na vida pública estão a ampliação da participação em diferentes instâncias da vida pública, a defesa de direitos e a discussão e o debate de ideias, propostas e projetos. Ao oportunizar a vivência de diferentes papéis em debates regrados (debatedor, apresentador/mediador, juiz/avaliador), vamos estimular a capacidade argumentativa e inferencial dos estudantes, e assim desenvolver as habilidades de realização de debates e discussões de temas de interesse dos jovens; à elaboração de propostas de ações e de projetos culturais e de intervenção. METODOLOGIA

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Partimos do célebre discurso de Sojourner Truth, “E eu não sou uma mulher?”. Aqui a organizadora do congresso feminino, Francis Gage, pondera se aceita a participação, improvisada, de Sojourner Truth, contra a opinião das outras participantes, que acreditam que introduzir questões sobre aboli-


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cionismo poderia enfraquecer o tema do feminismo.

As líderes do movimento tremeram ao ver a alta e esquelética mulher negra vestida de cinza e usando um turbante branco, encimado por uma rústica boina, marchando deliberadamente igreja adentro, caminhando pelo corredor com ares de rainha e sentando-se aos degraus do púlpito. Um zunzum de desaprovação foi ouvido em todo o recinto, e pôde-se ouvir “vai falar de abolição”, “direitos das mulheres e niggers”, “eu te falei”, “vai lá, negra!”... E mais de uma vez, tremendo de medo, vieram me dizer, insistentemente: “não deixe que ela faça um discurso, Mrs. Gage. Isso vai nos arruinar. Todos os jornais vão misturar nossa causa com a abolição e os niggers, e vamos acabar denunciadas.” Minha única resposta foi, “vamos ver o que vai acontecer”.

A partir desse trecho, consulte a turma qual dos seguintes temas preferem debater: racismo ou machismo. (Opcionalmente, determine um desses temas a partir da relevância para o ambiente social de sua escola). Conforme a escolha, familiarize a turma com a discussão, apresentando dados sobre, por exemplo, a disparidade salarial entre homens e mulheres ou entre brancos e não brancos. Em seguida, anuncie que a classe vai se engajar em um debate. Apresente as seguintes teses:

A. Somente quem sofre o problema é que tem direito a demandar mudanças e a criar soluções. B. O problema é de toda a sociedade portanto cabe a todos demandar mudanças e a criar soluções.

O que a tese A afirma é que cabe ao grupo oprimido (“negros” ou “mulheres”) o protagonismo da discussão, para que seus discursos não percam legitimidade. (Para estender o argumento, propomos a leitura do livro “O que é lugar de fala”, indicado na bibliografia). A tese B argumenta que menosprezar a contribuição de uma pessoa somente por esta não ser do grupo oprimido (por ser “branco” ou “homem”), só irá perpetuar a disparidade e impedir as mudanças necessárias.

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O professor deve indicar uma aluna ou aluno, que se declare neutro e imparcial, para assumir o papel de moderador. Sua função será a de zelar pelo andamento do processo, garantindo a ambos os lados as mesmas oportuni-


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dades e tratamento. Opcionalmente, a educadora ou educador pode assumir esse papel. Cada um dos debatedores disporá de cinco minutos para argumentação, alternadamente. Eles devem apresentar argumentos a favor de suas teses e apresentar dados e exemplos para sustentá-los. O moderador deve intervir quando o debatedor se exaltar ou perder a objetividade. Ao final do debate, consulte a classe para ver qual das teses prevaleceu. A seguir, promova a construção colaborativa de um texto ou apresentação audiovisual com propostas para alcançarmos a igualdade de direitos entre todos os brasileiros.

HABILIDADES

EM13LGG303 Debater questões polêmicas de relevância social, analisando diferentes argumentos e opiniões, para formular, negociar e sustentar posições, frente à análise de perspectivas distintas. EM13LP24 Analisar formas não institucionalizadas de participação social, sobretudo as vinculadas a manifestações artísticas, produções culturais, intervenções urbanas e formas de expressão típica das culturas juvenis que pretendam expor uma problemática ou promover uma reflexão/ação, posicionando-se em relação a essas produções e manifestações.

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EM13LP27 Engajar-se na busca de solução para problemas que envolvam a coletividade, denunciando o desrespeito a direitos, organizando e/ou participando de discussões, campanhas e debates, produzindo textos reivindicatórios, normativos, entre outras possibilidades, como forma de fomentar os princípios democráticos e uma atuação pautada pela ética da responsabilidade, pelo consumo consciente e pela consciência socioambiental.


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ATIVIDADE I TEMA 3

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CONTEÚDO

Biografia e projeto de vida HABILIDADES BNCC EM13LP19, EM13LGG305, EM13LP07, EM13LP15 ATIVIDADE DE PÓS LEITURA

Apresentando os elementos do gênero relato biográfico, vamos exercitar o desenho do projeto de vida. OBJETIVO Estimular alunas e alunos a produzir, editar e avaliar textos escritos, considerando sua adequação às condições de produção do texto, no que diz respeito ao lugar social a ser assumido e à imagem que se pretende passar a respeito de si mesmos. Promover entre os alunos a consciência quanto à adequação do texto produzido em relação ao gênero textual em questão e suas regularidades, à variedade linguística apropriada a esse contexto e ao uso do conhecimento dos aspectos notacionais (ortografia padrão, pontuação adequada, mecanismos de concordância nominal e verbal, regência verbal etc.). JUSTIFICATIVA Segundo a BNCC, “é papel da escola auxiliar os estudantes a aprender a se reconhecer como sujeitos, considerando suas potencialidades na definição e na concretização de seu projeto de vida”, ou seja, “o que os estudantes almejam, projetam e redefinem para si ao longo de sua trajetória, uma construção que acompanha o desenvolvimento da(s) identidade(s)”. Na BNCC, o protagonismo e a autoria traduzem-se, no Ensino Médio, como suporte para a construção e viabilização do projeto de vida dos estudantes, eixo central em torno do qual a escola pode organizar suas práticas.

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Sojourner Truth é um exemplo cristalino de alguém que perseguiu um projeto de vida ambicioso — tanto quanto pode ser a liberdade para quem está no cativeiro da escravidão — em um contexto cultural e em um momento histórico que anulava seus desejos e direitos. Na sua fenomenal transição de escravizada a líder moral, Sojourner Truth não pôde contar com a mais potente das armas: a palavra escrita. Ela nunca teve a oportunidade de aprender a escrever ou ler — ela pedia a amigos que


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lessem para ela; e sua história só chegou a nós porque ela a ditou para sua amiga. Na atividade que ora propomos, os educandos irão aperfeiçoar suas capacidades de expressão em narrativas escritas, ao mesmo tempo em que exercitam a auto-reflexão e a asserção de seu projeto de vida. METODOLOGIA Para esta atividade, começaremos por discutir com a classe o que caracteriza uma narrativa biográfica. Peça que deem exemplos (em livros e filmes) e que interpretem e avaliem os seguintes critérios empregados para se identificar uma biografia: É um relato da vida de alguém, portanto é contado no passado/ pretérito; É geralmente narrado seguindo a cronologia lógica (por exemplo, infância, juventude, velhice etc); É contada por um biógrafo, portanto será escrita na terceira pessoa (“ele” ou “ela”). Supostamente, deve ser fiel ao que aconteceu, ou pelo menos verossímil. Após essa preparação, vamos apresentar aos educandos o desafio: Imagine que estamos 20 anos no futuro. Como seria a sua biografia (ou autobiografia), contando como foi sua vida nessas últimas duas décadas? Peça para que os alunos produzam uma biografia fictícia, seguindo as características desse gênero literário. A história a ser contada deve refletir o projeto de vida dos alunos, isso é, do caminho que o jovem decidiu seguir, nos estudos, na carreira, na vida pessoal. Os educandos podem escolher entre escreverem uma biografia ou uma autobiografia.

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Como exemplo de uma biografia sucinta, a educadora ou educador pode exibir este vídeo com a biografia sintetizada de Sojourner Truth (ativando a opção de legendas em português):


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[“The electrifying speeches of Sojourner Truth”, por Daina Ramey Berry. Licença Creative Commons TED-Ed. Disponível neste link.]

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Quando da apresentação dos textos produzidos, os professores podem destacar para os alunos alguns recursos expressivos habituais nas biografias, como as paráfrases e as elipses, para garantir a coesão referencial, na concatenação dos episódios de vida do biografado.


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HABILIDADES EM13LP19 Apresentar-se por meio de textos multimodais diversos (perfis variados, gifs biográficos, biodata, currículo web, videocurrículo etc.) e de ferramentas digitais (ferramenta de gif, wiki, site etc.), para falar de si mesmo de formas variadas, considerando diferentes situações e objetivos. EM13LGG305 Mapear e criar, por meio de práticas de linguagem, possibilidades de atuação social, política, artística e cultural para enfrentar desafios contemporâneos, discutindo princípios e objetivos dessa atuação de maneira crítica, criativa, solidária e ética. EM13LP07 Analisar, em textos de diferentes gêneros, marcas que expressam a posição do enunciador frente àquilo que é dito: uso de diferentes modalidades (epistêmica, deôntica e apreciativa) e de diferentes recursos gramaticais que operam como modalizadores (verbos modais, tempos e modos verbais, expressões modais, adjetivos, locuções ou orações adjetivas, advérbios, locuções ou orações adverbiais, entonação etc.), uso de estratégias de impessoalização (uso de terceira pessoa e de voz passiva etc.), com vistas ao incremento da compreensão e da criticidade e ao manejo adequado desses elementos nos textos produzidos, considerando os contextos de produção. EM13LP15 Planejar, produzir, revisar, editar, reescrever e avaliar textos escritos e multissemióticos, considerando sua adequação às condições de produção do texto, no que diz respeito ao lugar social a ser assumido e à imagem que se pretende passar a respeito de si mesmo, ao leitor pretendido, ao veículo e mídia em que o texto ou produção cultural vai circular, ao contexto imediato e sócio-histórico mais geral, ao gênero textual em questão e suas regularidades, à variedade linguística apropriada a esse contexto e ao uso do conhecimento dos aspectos notacionais (ortografia padrão, pontuação adequada, mecanismos de concordância nominal e verbal, regência verbal etc.), sempre que o contexto o exigir.


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PROP OSTA S DE AT IVIDADE II

ATIVIDADE II TEMA 1

Trabalho e “raça” HABILIDADES BNCC EM13CHS402, EM13CHS404, EM13MAT104, EM13CHS601, EM13CHS606

ATIVIDADE DE PRÉ-LEITURA

CONTEÚDO Uma análise das condições de trabalho e emprego, correlacionadas com o nível de escolaridade e a “raça”, a partir de uma exploração estatística, permite uma discussão consciente sobre algumas das principais questões do Brasil e auxilia os alunos no desenvolvimento de seu projeto de vida. OBJETIVOS Desenvolver nos alunos a habilidade de analisar e comparar indicadores de emprego e renda e a interpretar taxas e índices de natureza sócio econômica, associando-os a processos de estratificação e desigualdade.

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Identificar e analisar as demandas das populações afrodescendentes no Brasil contemporâneo considerando o contexto de exclusão e inclusão precária desses grupos na ordem social e econômica atual, promovendo ações para a redução das desigualdades étnico-raciais no país.


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JUSTIFICATIVA No Brasil, um país caracterizado por profundas desigualdades sociais, os sistemas e redes de ensino devem construir currículos, e as escolas precisam elaborar propostas pedagógicas que considerem as necessidades, as possibilidades e os interesses dos estudantes, assim como suas identidades linguísticas, étnicas e culturais. Um indicador claro da desigualdade socioeconômica é o hiato entre a renda dos trabalhadores brancos e a dos negros. Na análise desta disparidade, que se mantém constante, veio se acrescentar um novo componente: mais e mais brasileiros, que se declaravam como “pardos”, passaram a identificar-se como “negros”. Ao apresentar ao estudante índices de trabalho, renda e “raça”, vamos propor a reflexão sobre a realidade brasileira, ao mesmo tempo em que o estimulamos a formular propostas para contribuir com geração de renda e a redução da desigualdade. METODOLOGIA Primeira etapa Vamos partir do trecho inicial do discurso de Sojourner Truth na convenção feminista de Ohio, em 1851, que ficou conhecido como “E eu não sou uma mulher?”. Aquele homem ali diz que as mulheres precisam ser ajudadas a entrar em carruagens, e que têm que ser erguidas para passarem sobre poças e terem os melhores assentos em qualquer lugar. Ninguém nunca me ajudou a entrar em carruagens, a passar por cima de poças de lama e nem me deu o melhor lugar! E eu não sou uma mulher? Olhem para mim! Olhem para o meu braço! [E ela ergueu o punho para revelar sua tremenda força muscular] Tenho arado e plantado e ceifado, e nenhum homem poderia me superar! E eu não sou uma mulher? Eu posso trabalhar tanto e comer tanto quanto um homem — quando consigo comida — e também aguentar o chicote! E eu não sou uma mulher?

Converse com os alunos sobre as consequências de termos passado pelo regime escravocrata, no tocante à desigualdade social e econômica entre os brasileiros.

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A partir desse depoimento, vamos abrir a discussão sobre identidade racial e disparidade econômica. Apresente aos alunos o conjunto de quadros estatísticos abaixo e peça que interpretem a informação. Explore a questão da disparidade de renda e da taxa de desemprego entre brancos e negros/pardos. Peça que a classe investigue a possível correlação entre renda e nível de escolaridade. Após a discussão coletiva, peça aos alunos que pesquisem e formulem


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caminhos para estreitar o hiato de renda, trabalho e escolaridade entre brancos e não brancos. As conclusões e propostas podem ser apresentadas em texto dissertativo ou por meio de cartazes e ferramentas digitais.


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[Reproduzido de Nexo Jornal, 22/05/2019. Disponível neste link.]

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[G1, 11 de Agosto de 2018. Disponível neste link.]


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[Instituto Locomotiva, Central Única das Favelas. Licença CC. Apresentação disponível neste link.]

HABILIDADES EM13CHS402 Analisar e comparar indicadores de emprego, trabalho e renda em diferentes espaços, escalas e tempos, associando-os a processos de estratificação e desigualdade socioeconômica. EM13CHS404 Identificar e discutir os múltiplos aspectos do trabalho em diferentes circunstâncias e contextos históricos e/ou geográficos e seus efeitos sobre as gerações, em especial, os jovens, levando em consideração, na atualidade, as transformações técnicas, tecnológicas e informacionais. EM13MAT104 Interpretar taxas e índices de natureza socioeconômica (índice de desenvolvimento humano, taxas de inflação, entre outros), investigando os processos de cálculo desses números, para analisar criticamente a realidade e produzir argumentos. EM13CHS601 Identificar e analisar as demandas e os protagonismos políticos, sociais e culturais dos povos indígenas e das populações afrodescendentes (incluindo as quilombolas) no Brasil contemporâneo considerando a história das Américas e o contexto de exclusão e inclusão precária desses grupos na ordem social e econômica atual, promovendo ações para a redução das desigualdades étnico-raciais no país.

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EM13CHS606 Analisar as características socioeconômicas da sociedade brasileira – com base na análise de documentos (dados, tabelas, mapas etc.) de diferentes fontes – e propor medidas para enfrentar os problemas identificados e construir uma sociedade mais próspera, justa e inclusiva, que valorize o protagonismo de seus cidadãos e promova o autoconhecimento, a autoestima, a autoconfiança e a empatia.


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ATIVIDADE II TEMA 2

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CONTEÚDO

Relatos da escravidão e relatos de escravizados HABILIDADES BNCC EM13CHS101, EM13CHS403, EM13CHS102, EM13CHS501, EM13CHS601 ATIVIDADE LEITURA

Uma apresentação crítica da história a partir dos documentos fundamentais: relatos de escravizados. OBJETIVO Ao apresentar ao educando narrativas de variadas fontes para sua interpretação, vamos estimular a análise das circunstâncias históricas, políticas e culturais de matrizes conceituais do etnocentrismo e do racismo, com vistas a identificar as demandas e os protagonismos políticos, sociais e culturais das populações afrodescendentes no Brasil contemporâneo considerando a história das Américas e o contexto de exclusão e inclusão precária desses grupos na ordem social e econômica atual. JUSTIFICATIVA A BNCC enfatiza a importância de formarmos jovens como sujeitos críticos, criativos, autônomos e responsáveis e de lhes proporcionarmos experiências que garantam aprendizagens necessárias para a leitura da realidade e a tomada de decisões éticas e fundamentadas. O mundo deve lhes ser apresentado como campo aberto para investigação e intervenção quanto a seus aspectos políticos, sociais, produtivos, ambientais e culturais, de modo que se sintam estimulados a equacionar e resolver questões como o racismo, — legada pelas gerações anteriores e que se reflete nos contextos atuais —, abrindo-se criativamente para o novo.

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Compreender o processo identitário para além de esquemas redutores ou dos estereótipos requer o confronto com a pluralidade de depoimentos, fontes e expressões, para conscientemente identificar, analisar e discutir suas circunstâncias históricas e culturais da matriz conceitual do etnocentrismo e do racismo, comparando-as a narrativas que contemplem outros agentes e discursos. A atividade ora proposta busca o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico, como contribuição ao combate às diver-


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sas formas de injustiça, preconceito e violência, adotando princípios éticos, democráticos, inclusivos e solidários, e respeitando os Direitos Humanos. METODOLOGIA Sojourner Truth é apenas uma das pessoas escravizadas que deixou seu testemunho por escrito. Seu livro foi publicado como manifesto abolicionista e, ao sensibilizar o público, contribuiu para o fim do regime de escravidão nos Estados Unidos. Entre os ex-escravizados que contribuíram para o movimento abolicionista estão Frederick Douglass (1818-1895). No trecho abaixo ele comenta como aprender a ler e a escrever deu-lhe a consciência do estado em que se encontrava: Quanto mais eu lia, mais era levado a abominar e detestar quem me havia escravizado. Não podia considerá-los sob nenhuma outra luz senão um bando de ladrões bem-sucedidos, que deixaram suas casas e foram para a África, e nos roubaram de nossas casas, e em uma terra estranha nos reduziram à escravidão. Eu os odiava por serem os mais mesquinhos e também os mais perversos dos homens. Ao ler e refletir sobre o assunto, eis! que o descontentamento [vinha para] atormentar e picar minha alma até uma angústia indizível. Enquanto me contorcia, às vezes sentia que aprender a ler havia sido uma maldição, em vez de uma bênção. Isso me deu uma visão de minha condição miserável, abriu meus olhos para o fosso horrível, mas para nenhuma escada pela qual eu pudesse sair. Em momentos de agonia, invejei meus companheiros escravos em sua ignorância. Muitas vezes desejei deixar de ser humano. Eu preferia a condição do pior réptil à minha. Qualquer coisa, aconteça o que acontecesse, para me livrar do pensamento! Foi esse pensamento eterno sobre minha condição que me atormentou. Não havia como me livrar disso. Todos os objetos à minha vista ou audição, animados ou inanimados, lembravam-me disso, pressionando-me. A trombeta de prata da liberdade despertou minha alma para a vigília eterna. A liberdade apareceu agora, para não desaparecer mais para sempre. Foi ouvido em todos os sons e visto em todas as coisas. Estava sempre presente para me atormentar com a sensação de minha condição miserável.

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“Narrative of the Life of Frederick Douglass”. T​radução do editor.


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[Douglass (esq.) e Gama (dir.). Domínio público. Wikimedia]

No Brasil, podemos destacar Luís Gama (1830-1882), vendido como escravo aos dez anos de idade, pelo próprio pai, um fidalgo português arruinado. Assim que conseguiu aprender a ler, aos dezessete anos, começou a lutar pela abolição, pela palavra: por meio de discursos e também em petições à Justiça, que resultaram na alforria de quase mil brasileiros cativos. Em uma de suas cartas, Gama escreveu: Sim! Milhões de homens livres, nascidos como feras ou como anjos, nas fúlgidas areias da África, roubados, escravizados, açoitados, mutilados, arrastados neste país clássico da sagrada liberdade, assassinados impunemente, sem direitos, sem família, sem pátria, sem religião, vendidos como bestas, espoliados em seu trabalho, transformados em máquinas, condenados à luta de todas as horas e de todos os dias, de todos os momentos, em proveito de especuladores cínicos, de ladrões impudicos, de salteadores sem nome; que tudo isso sofreram e sofrem, em face de uma sociedade opulenta, do mais sábio dos monarcas, diante do mais generoso e mais interessado dos povos; que recebiam uma carabina envolvida em uma carta de alforria, com a obrigação de se fazerem matar à fome, à sede e à bala nos esteiros paraguaios e que nos leitos dos hospitais morriam, volvendo os olhos ao território brasileiro, os que, nos campos de batalha, caíam, saudando risonhos o glorioso pavilhão da terra de seus filhos; estas vítimas que, com seu sangue, com seu trabalho, com sua jactura, com sua própria miséria constituíram a grandeza desta nação, jamais encontraram quem, dirigindo um movimento espontâneo, desinteressado, supremo, lhes quebrasse os grilhões do cativeiro!...

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​“Luís Gama”, Luis Carlos Santos.SãoPaulo: Summus Editorial, 2010.


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D. Pedro II, a quem Luís Gama chamava de “o mais sábio dos monarcas” permitiu que o Brasil fosse o último país do ocidente a abolir completamente a escravidão, em 1888, temendo a reação da elite fazendeira. De fato, seu império durou pouco mais de um ano após a decretação da Lei Áurea. Um exemplo da pressão pela manutenção da escravatura é a carta que lhe foi dirigida, em 1865, pelo célebre escritor José de Alencar (1829-1877). Se a raça americana [os indígenas brasileiros] suportasse a escravidão, o tráfico não passara de acidente e efêmero. Mas, por uma lei misteriosa, essa grande família humana estava fatalmente condenada a desaparecer da face da terra, e não havia para encher esse vácuo senão a raça africana. […] Sem a escravidão africana e o tráfico que a realizou, a América seria ainda hoje um vasto deserto. A maior revolução do universo depois do dilúvio fora apenas uma descoberta geográfica, sem imediata importância. Decerto não existiriam as duas grandes potências do novo mundo, os Estados Unidos e o Brasil. A brilhante civilização americana, sucessora da velha civilização europeia, estaria por nascer. No seio da barbaria, o homem, em luta contra a natureza, sente a necessidade de multiplicar suas forças. O único instrumento ao alcance é o próprio homem, seu semelhante; apropria-se dele ou pelo direito da geração ou pelo direito da conquista. In “Cartas a favor da escravidão”, de José de Alencar. Organização Tamis Parron. São Paulo, Hedra, 2020

José de Alencar apela para argumentos ora de ordem prática (“se não há indígenas a escravizar, a solução é trazer africanos”), ora míticos (“a escravidão é um processo histórico civilizatório”). O discurso histórico também está presente no poema “O fardo do homem branco” (1898), do britânico Rudyard Kipling (1865-1936), em que descreve a “obrigação moral” do colonizador branco em “civilizar” africanos e asiáticos, que são “meio demônios, meio crianças”. Assumi o fardo do Homem Branco — Envia teus melhores filhos Vão, condenem seus filhos ao exílio Para servirem aos seus cativos; Para esperar, com arreios Com agitadores e selváticos Seus cativos, servos obstinados, Meio demônios, meio crianças.

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“The White Man’s Burden”. Tradução dos editores.


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[Caricatura norte-americana de 1899 satirizando o conceito de “fardo do homem branco” Domínio público, Wikimedia.]

Apresente os textos acima aos educandos e peça que eles desenvolvam uma reflexão a partir dos seguintes pontos: Que interesses econômicos davam sustentação à escravatura no Brasil no século 19? De que forma esses interesses estavam por trás de ideologias que justificavam o racismo e a exploração neocolonial? Que relações podem ser estabelecidas entre a desigualdade social brasileira e o fato de que fomos o último país do ocidente a abolir a escravidão? Qual foi o papel dos escravizados no processo abolicionista e qual o papel dos descendentes de africanos no processo de redução das desigualdades econômicas e sociais entre brancos e não-brancos no Brasil?

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Que ações o Estado brasileiro pode promover para resolver as desigualdades? Elas podem de fato tornar o Brasil um país mais igualitário e justo?


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HABILIDADES

EM13CHS101 Identificar, analisar e comparar diferentes fontes e narrativas expressas em diversas linguagens, com vistas à compreensão de ideias filosóficas e de processos e eventos históricos, geográficos, políticos, econômicos, sociais, ambientais e culturais. EM13CHS403 Caracterizar e analisar os impactos das transformações tecnológicas nas relações sociais e de trabalho próprias da contemporaneidade, promovendo ações voltadas à superação das desigualdades sociais, da opressão e da violação dos Direitos Humanos. EM13CHS102 Identificar, analisar e discutir as circunstâncias históricas, geográficas, políticas, econômicas, sociais, ambientais e culturais de matrizes conceituais (etnocentrismo, racismo, evolução, modernidade, cooperativismo/desenvolvimento etc.), avaliando criticamente seu significado histórico e comparando-as a narrativas que contemplem outros agentes e discursos. EM13CHS501 Analisar os fundamentos da ética em diferentes culturas, tempos e espaços, identificando processos que contribuem para a formação de sujeitos éticos que valorizem a liberdade, a cooperação, a autonomia, o empreendedorismo, a convivência democrática e a solidariedade. EM13CHS601 Identificar e analisar as demandas e os protagonismos políticos, sociais e culturais dos povos indígenas e das populações afrodescendentes (incluindo as quilombolas) no Brasil contemporâneo considerando a história das Américas e o contexto de exclusão e inclusão precária desses grupos na ordem social e econômica atual, promovendo ações para a redução das desigualdades étnico-raciais no país.


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ATIVIDADE II TEMA 3

Igualdade em Lei HABILIDADES BNCC EM13CHS601, EM13CHS605, EM13LP25, EM13LP26 ATIVIDADE PÓS-LEITURA

CONTEÚDO Um exame dos fundamentos legais e morais da igualdade entre as pessoas, e dos subterfúgios pelos quais esse direito foi negado a certos grupos. OBJETIVO Capacitar os educandos a compreender e posicionar-se criticamente com relação aos processos de legitimização e regularização de desigualdades e supressão de direitos de um segmento da população ao arrepio de marcos civilizatórios como a Declaração dos Direitos Humanos. Estimular os alunos a participar, de forma consciente e informada, do debate público sobre a afirmação e defesa dos direitos pessoais e coletivos, engajando-os na busca de solução de problemas que envolvam a coletividade, denunciando o desrespeito a direitos, organizando, participando de discussões, campanhas e debates e produzindo textos. JUSTIFICATIVA Para o jovem poder assumir o protagonismo e projetar, com confiança e qualificação, o rumo que sua vida tomará, nos campo pessoal e profissional, é preciso primeiro deslocá-lo posição passiva e conscientizá-lo tanto do seu potencial quanto dos direitos a que possa reivindicar e exercer e dos deveres para o enfrentamento coletivo dos desafios da comunidade, do mundo do trabalho e da sociedade em geral.

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“A ninguém é dado desconhecer a lei” é um princípio ancestral do Direito, atestando que ninguém pode ser dispensado de cumprir seus deveres apenas alegando não saber que eles existem. Porém o mesmo princípio aplica-se ao inverso: desconhecer que a Lei abriga nossos direitos, e não reivindicá-los ou protegê-los, tem consequências graves para nossa vida pessoal e nossa comunidade. “Na prática a teoria é outra”, é outra frase de efeito invocada para explicar como as leis de fato operam algumas vezes, onde a intenção, em termos


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gerais e virtuais, choca-se com sua aplicação específica e efetiva. Tome-se por exemplo o tema básico da igualdade entre as pessoas. Desde as revoluções iluministas que abriram a Era Contemporânea em fins do século 18, há documentos gloriosos como a “Declaração dos Direitos do Homem” que afirmam, já de saída, que “os Homens nascem e são livres e iguais em direitos.” Mas efetivamente o que se observou nos mais de dois séculos que se sucederam a sua publicação? A escravidão — a mais extrema forma de desigualdade — persistiria no Brasil, por exemplo, mais de 100 anos depois. O século 19 viu o imperialismo e o neocolonialismo subjugar e oprimir pessoas da África, Ásia, Oceania e Américas, como se os que nascessem nessas terras não fossem também “livres e iguais”. “Alguns são mais iguais que os outros” brincou George Orwell na Revolução dos bichos (1945), mostrando a hipocrisia da Europa, onde foi escrita a Declaração dos Direitos do Homem, que se viu envolvida em massacres baseados na suposta desigualdade racial e étnica, no próprio território, como o Holocausto. “Direitos humanos são para humanos direitos” é outra frase com que nos deparamos com frequência, e que demonstra como os Direitos dos Homens estão longe de serem “Universais”, como quer afirmar a Declaração da ONU (1948). O apelo (mormente violento) à desigualdade, amplificado por porta-vozes do medo e raiva nas redes sociais é uma razão urgente pela qual a escola deve contribuir para a formação de alunos conscientes de seus direitos e com coragem para reivindicá-los. Nesta atividade, portanto, vamos contrastar textos legais à prática social observada, refletindo sobre o contexto histórico no qual foram redigidos e promulgados como forma a ampliar a origem das desigualdades persistentes na realidade brasileira (nomeadamente o racismo) para nos munirmos de ferramentas para a transformação da sociedade e aplicação concreta dos preceitos legais da igualdade entre as pessoas. METODOLOGIA Vamos partir deste trecho da Narrativa de Sojourner Truth quando ela, analfabeta e ainda escravizada, procurou a Justiça para impedir que seu filho de 5 anos fosse vendido como escravizado para um estado do sul, e assim perdesse a perspectiva de ganhar a liberdade, aos 21 anos, como era a lei do estado de Nova York.

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O doutor Chip depois informou à sua cliente, que a causa dela precisava agora esperar até a próxima sessão da Corte, alguns meses à frente. “A lei deve manter o seu curso”, ele disse. “O quê? Esperar outra sessão da Corte! Esperar meses?” disse a mãe perseverante. “Bem, muito antes desse tempo, ele pode sumir e levar meu filho com ele, ninguém sabe para onde! Eu não posso esperar; preciso tê-lo agora, enquanto ainda é possível.”


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“Bem”, disse o advogado, muito friamente, “se ele der cabo do menino, terá que pagar os 600 dólares, metade disso será seu”; supondo, talvez, que com trezentos dólares poderia comprar um “monte de filhos”, na cara de uma escrava que nunca, em toda sua vida, teve um dólar para chamar de seu. Mas, nesse caso, ele estava enganado em sua avaliação.

[Domínio público, licença CCØ]

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Coletivamente, ou em grupos, os alunos devem construir uma “Linha do Tempo da (Des)Igualdade)”, ordenando cronologicamente os trechos de textos legais abaixo elencados. Os alunos podem, a critério do(a) educador(a), pesquisar outros trechos que ajudem a compor e ilustrar a linha do tempo.


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A linha do tempo deve ter três eixos paralelos, situando os documentos em a) Mundo, para documentos de caráter universal; b) Estados Unidos, para leis e posturas locais norte-americanas e c) Brasil. A linha do tempo pode ser apresentada com recursos visuais plásticos (cartazes), com emprego de ferramentas digitais (“Powerpoint”, video etc). Os trechos, que devem ser apresentados aos educandos fora da ordem cronológica aqui listados, são: Trecho da Constituição dos Estados Unidos da América, escrita na Filadélfia, Norte dos Estados Unidos, 1787 (aqui por “homem” entende-se toda a humanidade) Acreditamos por auto-evidentes estas verdades, de que todos os homens são criados iguais, e que são agraciados por seu Criador com certos Direitos inalienáveis, e que entre esses está a vida, a liberdade e a busca de felicidade.

Trecho da “Declaração do Homem e do Cidadão”, escrita em Paris, França, em 1789 (aqui por “homem” entende-se toda a humanidade) Os Homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundamentar-se na utilidade comum.

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[Domínio público, licença CCØ. Disponível neste link.]


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Trecho da “Declaração Universal dos Direitos Humanos”, redigida conjuntamente pela Organização das Nações Unidas em 1948 Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade. […]Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.

Artigo 5º da Constituição Brasileira de 1988, redigida e promulgada no Brasil Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.

“Car act”, lei estadual da Louisiana, sul dos Estados Unidos, promulgada em 1890 (Foi a primeira vez que o racismo foi oficializado por uma lei. Um homem, que tinha um bisavô negro, foi preso por estar em um vagão para brancos. A Suprema Corte acabou julgando a prisão como legal e legitimou que os governos, clubes e instituições particulares passassem a negar a entrada de negros. O precedente jurídico possibilitou uma série de leis de segregação racial, as “Lei Jim Crow”, em conflito com os preceitos de igualdade na Constiuição estadounidense.) Qualquer passageiro que insista em sentar-se no vagão ou compartimento no qual, pela raça a que pertença, não é o seu lugar, pagará multa de 25 dólares ou, na falta, ficará detido por não mais de vinte dias na prisão paroquial.

Código Geral das leis de Birmingham, Alabama, Sul dos Estados Unidos, 1948-1950

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É contra a lei um restaurante no qual brancos e pessoas de cor sejam servidas na mesma sala, a não ser que tais pessoas brancas e as de cor sejam de fato separadas por uma divisória sólida, estendendo-se do chão até uma altura de 7 pés [2,10 metros] ou mais alta, e a não ser que haja uma entrada separada da rua para cada um dos compartimentos.


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Estatuto social de constituição do Esporte Clube Bahia, publicado em 1906 no Brasil. Art. 6º do Capítulo 2º, da Admissão dos sócios Para admissão do Clube é necessário: a) ser proposto por um sócio em gozo de seus direitos; […] que a proposta tenha parecer favorável da comissão de sindicância. § único: em hipótese alguma poderá fazer parte do Clube pessoas de cor.

Lei nº 14.363, de 15 de março de 2011, promulgada em São Paulo, Brasil. Artigo 1º - Fica vedada qualquer forma de discriminação em virtude de raça, sexo, cor, origem, orientação sexual, identidade de gênero, condição social, idade, porte ou presença de deficiência, ou doença não contagiosa por contato social no acesso aos elevadores de todos os edifícios públicos ou particulares, comerciais, industriais e residenciais multifamiliares existentes no Estado de São Paulo.”; § 1º - Os avisos de que trata o “caput” deste artigo devem configurar-se em forma de cartaz, placa ou plaqueta com os seguintes dizeres: “É vedada qualquer forma de discriminação em virtude de raça, sexo, cor, origem, orientação sexual, identidade de gênero, condição social, idade, porte ou presença de deficiência, ou doença não contagiosa por contato social no acesso aos elevadores deste edifício”.

Mostrando o que foi produzido pela classe ou pelos grupos, em cartazes ou apresentações digitais, estimule a discussão a partir das seguintes perguntas: — Se, como dizem as Constituições e Declarações, as pessoas são iguais, será que elas são tratadas, na prática, como iguais? Quais são as diferenças na forma como a sociedade trata determinados grupos, a partir da condição social ou “cor”? — Da “Constituição dos Estados Unidos” e a “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão” — os primeiros documentos a afirmar a igualdade dos homens — no fim do século 18 até os dias de hoje, o começo do século 21, a “Igualdade entre os homens” tornou-se uma verdade ou “ficou só no papel”? Nós evoluímos ou estamos no mesmo estágio que em 1789 no referente aos direitos iguais para todo mundo?

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— Seria admissível hoje legalmente um clube, por exemplo, vedar a entrada de pessoas por conta da “cor” ou do gênero? E, se a lei permitisse, seria ético, por exemplo, que um clube impedisse a entrada de brancos?


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— Embora nunca houvesse, no Brasil, leis que proibissem ou coibissem o direito de ir e vir dos negros, como houve nos Estados Unidos, será que houve (ou ainda há) aqui espaços e territórios culturalmente vedados aos afrodescendentes? HABILIDADES

EM13CHS601 Relacionar as demandas políticas, sociais e culturais de indígenas e afrodescendentes no Brasil contemporâneo aos processos históricos das Américas e ao contexto de exclusão e inclusão precária desses grupos na ordem social e econômica atual. EM13LP25 Relacionar textos e documentos legais e normativos de âmbito universal, nacional, local ou escolar que envolvam a definição de direitos e deveres – em especial, os voltados a adolescentes e jovens – aos seus contextos de produção, identificando ou inferindo possíveis motivações e finalidades, como forma de ampliar a compreensão desses direitos e deveres. EM13LP26 Engajar-se na busca de solução de problemas que envolvam a coletividade, denunciando o desrespeito a direitos, organizando e/ou participando de discussões, campanhas e debates, produzindo textos reivindicatórios, normativos, dentre outras possibilidades, como forma de fomentar os princípios democráticos e uma atuação pautada pe la ética da responsabilidade.

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EM13CHS605 Analisar os princípios da declaração dos Direitos Humanos, recorrendo às noções de justiça, igualdade e fraternidade, para fundamentar a crítica à desigualdade entre indivíduos, grupos e sociedades e propor ações concretas diante da desigualdade e das violações desses direitos em diferentes espaços de vivência dos jovens.


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Aprofundamento A AUTORA, A OBRA E SEU CONTEXTO

[Domínio público. Wikimedia.]

Sojourner Truth, nascida Isabella Bomefree, provavelmente entre os anos de 1797 e 1800, foi uma abolicionista americana e defensora dos direitos das mulheres. Seus pais foram escravos e ela mesma foi vendida à escravidão aos 9 anos de idade. Seu “proprietário” havia lhe prometido a liberdade em 1826, mas não cumpriu sua palavra e Sojourner resolveu se alforriar por conta própria. No ano seguinte, a escravidão foi oficialmente abolida no estado de Nova York, o primeiro dos Estados Unidos a reconhecer a liberdade dos negros.

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Para reaver um dos seus filhos, Peter, na altura com cinco anos, que havia sido vendido pelo senhor Dumont e enviado para o Alabama, Sojourner iniciou uma disputa judicial. Com a ajuda dos abolicionistas quakers, levou a questão ao tribunal e após meses de procedimentos legais, conseguiu recuperar seu filho. Ela se tornou, assim, uma das primeiras mulheres negras a ir ao tribunal e vencer uma causa contra um homem branco. Podemos ver ao longo da narrativa a transformação de Sojourner e dos seus diferentes pontos de vista, passando de sujeito passivo, — ela chegava a pensar que o senhor dela era um Deus, onisciente e onipresente — para uma mulher pioneira na luta pela abolição. Impulsionada por sua fé, tornou-


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-se abolicionista e pregadora itinerante, e entendeu a importância de lutar pela liberdade, adotando o nome de Sojourner Truth (“Verdade Peregrina”). Este novo nome refletia uma nova missão de divulgar a palavra de Deus e falar contra a escravidão. Sua biografia, ditada à amiga Olive Gilbert, foi publicada em 1850, como um manifesto abolicionista, e a converteu em líder do movimento pela libertação dos escravos no resto do país, o que só aconteceria após a Guerra Civil (1865). Em um discurso proferido na Convenção dos Direitos da Mulher em Akron, Ohio, em 1851, Truth proclamou que: “Se a primeira mulher que Deus fez foi forte o suficiente para virar sozinha o mundo de cabeça para baixo, estas mulheres juntas [e contemplou a plateia] devem ser capazes de trazê-lo de volta, e colocá-lo na posição certa novamente!”. Foi assim que Truth proferiu de improviso seu discurso mais famoso, “E eu não sou uma mulher”, repreendendo severamente aqueles que consideravam as mulheres e os negros inferiores. Sojourner tornou-se uma líder dos movimentos anti-escravidão e colaborou com a chamada “Ferrovia Subterrânea”, que ajudava os negros a fugirem do Sul escravocrata para a liberdade no norte. Assim como Sojourner, alguns ex-escravizados também lançaram suas biografias, e aqueles que já eram letrados a escreveram de próprio punho, como Frederick Douglas, Harriet Ann Jacobs, William Wells Brown. Uma das mais conhecidas é a de Solomon Northup, “Doze anos de escravidão”, adaptada para o cinema em 2013, sobre a vida desse homem que, nascido livre, foi raptado em Washington, D.C., e vendido como escravo para as plantações do sul dos Estados Unidos. No Brasil, também ficou conhecida a biografia de Mahommah Gardo Baquaqua, que havia recebido educação em árabe, na sua terra natal, em Benim, e trazido como escravo para o Brasil, de onde fugiria para os Estados Unidos e para o Haiti, antes de morrer, homem livre, no Canadá. No século 19 a escravidão negra foi oficialmente extinta no mundo ocidental — sendo o Brasil a última nação a fazê-lo. Apesar disso, os negros continuaram a ter, muitas vezes, menos direitos que os brancos. No sul dos Estados Unidos e na África do Sul houve sistemas legais de segregação, como as leis Jim Crow e o apartheid, que definiam e restringiam espaços para negros e brancos.

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Por outro lado, algumas histórias de resistência também ficaram bastante conhecidas, como a de Rosa Parks, que, em primeiro de dezembro de 1955, recusou-se a ceder o seu lugar no ônibus a um branco, tornando-se assim um símbolo da luta antissegregacionista.


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Começaram assim a surgir, em fins do século 19 e início do século 20, movimentos sociais negros em defesa da igualdade de direitos. Nos Estados Unidos foram encabeçados por Ida B. Wells, Martin Luther King e Malcolm X, por exemplo, e, posteriormente, por nomes do feminismo negro como Angela Davis e Bell Hooks, entre outros; na África do Sul, por Nelson Mandela e Desmond Tutu. No Brasil, o movimento contou com atuações importantes como Abdias do Nascimento e Lélia Gonzales, que contribuíram para o debate e pela luta contra preconceitos e práticas raciais discriminatórias. O GÊNERO RELATO A narrativa de Sojourner Truth é um exemplo de texto narrativo do gênero “biografia” ou “relato biográfico”. Em outras palavras, é a história de vida de uma pessoa. Esse gênero tem por característica a apresentação de um conjunto da vida de alguém, geralmente na ordem em que os fatos aconteceram e marcando os períodos (infância, adolescência etc…). Como se está contando o que aconteceu com alguém, o tempo verbal predominante é o pretérito. No caso de nosso livro, há uma especificidade. Ele pode ser compreendido como uma autobiografia, isso é, quando a pessoa conta a própria história, mas, a rigor, quem escreveu o livro não foi Sojourner, mas sua amiga abolicionista Olive Gilbert. Isso se deu porque Sojourner, embora grande oradora, nunca aprendeu a escrever, então contou a sua história (ou talvez a tenha ditado), para que Olive registrasse no papel. É interessante notar em alguns trechos como Olive preservou as características de relato oral (como inflexões e expressão corporal) conforme transformava o que ouvia de Sojourner nessa narrativa. Autobiografias escritas por uma pessoa que não o biografado não são tão raras. Na verdade, há uma categoria de escritor profissional, chamada de “ghost writer” (escritor fantasma) que ouve o que o biografado tem para contar e a transforma em narrativa autobiográfica, na primeira pessoa. Muitas biografias de celebridades são escritas assim.

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É sempre bom lembrar que as biografias podem contar os fatos do ponto de vista de quem os viveu, mas alguns biografados por vezes deixam de seguir outra das características da narrativa biográfica, que é o compromisso com os fatos tais como aconteceram. Isso é, eles “enfeitam” a história com coisas que não aconteceram. Existe até um gênero para as autobiografias inventadas, quando o autor escreve na primeira pessoa mas nada (ou quase nada) do que é narrado aconteceu de verdade, a esse gênero chamamos de “autoficção.” Mas isso já é, literalmente, outra história…


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ARTICULAÇÕES COM PRODUÇÕES CONTEMPORÂNEAS E OUTRAS EXPRESSÕES

No século 21, diversos ativistas e intelectuais negros têm se destacado na luta antiracista no Brasil, como Sueli Carneiro, Djamila Ribeiro, Conceição Evaristo, Silvio Almeida, além de inúmeros artistas, escritores e diversas personalidades da sociedade civil. A luta contra a discriminação racial vem tomando conta dos jornais, revistas e das mídias sociais, impulsionados também pelo resgate memorialístico de relatos e narrativas como Quarto de despejo, de Carolina Maria de Jesus; Eu sei porque o pássaro canta na gaiola, de Maya Angelou; Água de barrela, de Eliana Alves Cruz, entre outras. Além de filmes, vídeos, podcasts, como o “Vidas negras importam” (que se encontra nas sugestões de referências). Entre os músicos contemporâneos que tratam da situação dos descendentes de africanos no Brasil estão Criolo, Emicida e Chico César, este último autor de “Mama África” e “Respeitem meus cabelos, brancos”. Cabe destaque a Elza Soares na música manifesto “A carne (mais barata do mercado é a carne negra)” (composição de Marcelo Yuka, Seu Jorge e Ulisses Cappelletti). O cinema tem retratado a vida de alguns escravizados, como em 12 anos de escravidão (2013, com direção de Steve McQueen), a partir do relato de Solomon Northup e Harriet (2019, direção de Kasi Lemmons) sobre a trajetória da escravizada e abolocionista Harriet Taubman. Os traillers em português podem ser assistidos neste link e neste link, respectivamente. Devemos mencionar ainda o trabalho de Lázaro Ramos, tanto como escritor (Na minha pele), intérprete (Madame Satã e Mister Brau) quando como entrevistador, na série Espelho).

Emicida. Foto Bruno Figueiredo/Área de Serviço. CC BY-SA 4.0 Lázaro Ramos e a professa Diva no programa “Espelho”. Foto de divulgação. CC BY-SA 4.0

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Elza Soares. Foto de Patricia Lino. CC BY-SA 4.0


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Bibliografia comentada Escravidão: do primeiro leilão de cativos em Portugal até a morte de Zumbi dos Palmares, volume I. Laurentino Gomes. Rio de Janeiro : Globo, 2019. O primeiro volume de um longo trabalho de pesquisa sobre a história do comércio escravagista transatlântico, abordando os aspectos históricos e econômicos.

Lugar de fala. Djamila Ribeiro. São Paulo: Editora Jandaíra, 2019. Uma reflexão sobre a relevância e a legitimidade do discurso a partir do emissor, considerando um ambiente normativo definido pelos brancos.

E eu não sou uma mulher? bell hooks. Rio de Janeiro, Rosa dos Tempos : 2019. A partir do discurso de Truth, hooks discute o racismo e sexismo presentes no movimento pelos direitos civis e no feminista até os anos 1970. Examina o impacto do sexismo nas mulheres negras durante a escravidão, a desvalorização da mulheridade negra, o sexismo dos homens, o racismo entre as feministas e o envolvimento da mulher negra com o feminismo.

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Quarto de despejo. Carolina Maria de Jesus. São Paulo: Editora Ática, 1960. O diário da catadora de papel Carolina Maria de Jesus, relatando o cotidiano triste e cruel da vida na favela. A linguagem simples, mas contundente, comove o leitor pelo realismo e pelo olhar sensível na hora de contar o que viu, viveu e sentiu nos anos em que morou na comunidade do Canindé, em São Paulo, com três filhos.


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“E EU NÃO SOU UMA MULHER?” A NARRATIVA DE SOJOUNER TRUTH Material Digital do Professor Autor Pesquisa Revisão

Julio Silveira Ímã Editorial Carla Monteiro


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