O olhar da plateia MDP

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Material Digital do Professor ENSINO MÉDIO Elaborado por José De Nicola e Lucas De Nicola CC BY NC 4.0 International

Material disponibilizado em licença aberta do tipo Creative Commons – Atribuição não comercial (CC BY NC – 4.0 International). Permitida a criação de obra derivada com fins não comerciais, desde que seja atribuído crédito autoral e as criações sejam licenciadas sob os mesmos parâmetros.


O olhar da plateia – Três contos de Machado de Assis 1a edição – Rio de Janeiro/RJ – 2021 Material Digital do Professor – Ensino Médio Elaboração: José De Nicola, Lucas De Nicola Coordenação editorial: Nilcéia Esposito / Book Maker Composição Editorial Edição: Daniel Orlando e Flavia Brandão Assistência editorial: Paula Dias Revisão: Book Maker Composição Editorial Diagramação: Nany Produções Gráficas

Daimon Editora LTDA. Rua São Cristovão, 489, sala 303 São Cristovão - Rio de Janeiro/RJ CEP: 20940-001 Produzido sob licença CC BY NC 4.0 International

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Sumário Carta ao professor ......................................................................................4 Na ponta da língua ......................................................................................6 Proposta de atividades I Ampliando horizontes.............................................................................. 15 Proposta de atividades II Mergulhando na obra .............................................................................. 22 Aprofundamento Novos caminhos ....................................................................................... 29 Referências complementares Organizando a estante ........................................................................... 30 Bibliografia comentada

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Carta ao professor Caro professor(a), Este Manual tem como objetivo fornecer subsídios para o trabalho com a obra literária O olhar da plateia – três contos de Machado de Assis, antologia feita tomando por base contos publicados no livro Papéis avulsos. A obra, com os contos “Teoria do medalhão”, “O segredo do bonzo” e “O espelho”, permite ao aluno entrar no universo ficcional de Machado de Assis, tanto no que diz respeito à linguagem, como nas análises que o chamado “bruxo de Cosme Velho” fez da sociedade urbana brasileira da segunda metade do século XIX e início do XX. Os três contos que formam esta breve antologia, possuem trajetórias semelhantes. “Teoria do medalhão” foi publicado pela primeira vez em 18 de dezembro de 1881, no jornal carioca Gazeta de Notícias, que na época assumia uma postura republicana e abolicionista, contando entre seus colaboradores com nomes de destaque em suas páginas. No mesmo periódico, em 30 de abril de 1882, apareceu “O segredo do bonzo”; poucos meses depois, na edição 8 de setembro, foi a vez de “O espelho”, reunidos, anos mais tarde em Papéis avulsos. De um total de 12 contos, o que teria motivado a escolha desses três? Entendem os organizadores desta antologia que esses três textos têm uma evidente unidade e explicam, na teoria e na prática, um dos eixos centrais da obra realista de Machado de Assis: o peso que o olhar da opinião pública tem sobre o comportamento das pessoas, a ponto de esse julgamento determinar suas ações, suas ideias, seu comportamento. Em outras palavras, as pessoas passam a viver em função do outro, se o olhar da sociedade vai aplaudir ou

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vaiar no final do espetáculo, como se nós estivéssemos em um palco de teatro representando uma ópera, a ópera de nossa vida. A “Teoria do medalhão”, como o título evidencia, apresenta ao leitor os conceitos básicos que devem ser 190 seguidos para alguém se tornar uma ‘medalhão’, figura de destaque social, que sem dizer nada de relevante, impressiona a plateia. Ou, como confessaria o finado Brás Cubas, um típico ‘medalhão’, no romance homônimo: “Colhi de todas as cousas a fraseologia, a casca, a ornamentação...” para as despesas da conversação. “O segredo do bonzo” e “O espelho”, ambos com toques de uma narrativa fantástica, surreal, mostram ao leitor experiências que comprovam a tese de que os homens vivem sob a influência do olhar do outro, confortavelmente sentado na plateia. A fim de bem pensar e entender esse jogo de aparências, a leitura dos três contos dessa breve antologia é um deleite. Mais do que um deleite: como se verá, é uma mostra de como as obras clássicas são capazes de instigar pungentes reflexões que atravessam épocas e gerações. Boa jornada! QUADRO RESUMO Gênero

Tema

Conto

Cidadania

O conto é a mais breve das narrativas, centrada em um episódio. Por conta da brevidade característica do conto, podese chegar à concisão extrema, em que a narrativa se apresenta mínima, sem deixar de lado os elementos necessários para sua construção.

A obra de Machado de Assis é sempre um convite ao questionamento da sociedade. Recheado de cinismo, Machado de Assis nos convida a perceber o olhar sobre o outro.

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Na ponta da língua Proposta de atividades I

DE OLHO NA BNCC As atividades sugeridas nesta subseção contemplam as seguintes habilidades propostas pela BNCC: (EM13LGG103) Analisar o funcionamento das linguagens, para interpretar e produzir criticamente discursos em textos de diversas semioses (visuais, verbais, sonoras, gestuais). (EM13LGG201) Utilizar as diversas linguagens (artísticas, corporais e verbais) em diferentes contextos, valorizando-as como fenômeno social, cultural, histórico, variável, heterogêneo e sensível aos contextos de uso. (EM13LGG202) Analisar interesses, relações de poder e perspectivas de mundo nos discursos das diversas práticas de linguagem (artísticas, corporais e verbais), compreendendo criticamente o modo como circulam, constituem-se e (re)produzem significação e ideologias. (EM13LGG203) Analisar os diálogos e os processos de disputa por legitimidade nas práticas de linguagem e em suas produções (artísticas, corporais e verbais). (EM13LGG302) Posicionar-se criticamente diante de diversas visões de mundo presentes nos discursos em diferentes linguagens, levando em conta seus contextos de produção e de circulação. (EM13LGG303) Debater questões polêmicas de relevância social, analisando diferentes argumentos e opiniões, para formular, negociar e sustentar posições, frente à análise de perspectivas distintas. (EM13LGG401) Analisar criticamente textos de modo a compreender e caracterizar as línguas como fenômeno (geo)político, histórico, social, cultural, variável, heterogêneo e sensível aos contextos de uso.

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(EM13LP01) Relacionar o texto, tanto na produção como na leitura/escuta, com suas condições de produção e seu contexto sócio-histórico de circulação (leitor/audiência previstos, objetivos, pontos de vista e perspectivas, papel social do autor, época, gênero do discurso etc.), de forma a ampliar as possibilidades de construção de sentidos e de análise crítica e produzir textos adequados a diferentes situações. (EM13LP02) Estabelecer relações entre as partes do texto, tanto na produção como na leitura/escuta, considerando a construção composicional e o estilo do gênero, usando/reconhecendo adequadamente elementos e recursos coesivos diversos que contribuam para a coerência, a continuidade do texto e sua progressão temática, e organizando informações, tendo em vista as condições de produção e as relações lógico-discursivas envolvidas (causa/efeito ou consequência; tese/argumentos; problema/solução; definição/exemplos etc.). (EM13LP03) Analisar relações de intertextualidade e interdiscursividade que permitam a explicitação de relações dialógicas, a identificação de posicionamentos ou de perspectivas, a compreensão de paráfrases, paródias e estilizações, entre outras possibilidades. (EM13LP04) Estabelecer relações de interdiscursividade e intertextualidade para explicitar, sustentar e conferir consistência a posicionamentos e para construir e corroborar explicações e relatos, fazendo uso de citações e paráfrases devidamente marcadas. (EM13LP06) Analisar efeitos de sentido decorrentes de usos expressivos da linguagem, da escolha de determinadas palavras ou expressões e da ordenação, combinação e contraposição de palavras, dentre outros, para ampliar as possibilidades de construção de sentidos e de uso crítico da língua. (EM13LP07) Analisar, em textos de diferentes gêneros, marcas que expressam a posição do enunciador frente àquilo que é dito: uso de diferentes modalidades (epistêmica, deôntica e apreciativa) e de diferentes recursos gramaticais que operam como modalizadores (verbos modais, tempos e modos verbais, expressões modais, adjetivos, locuções ou orações adjetivas, advérbios, locuções ou orações adverbiais, entonação etc.), uso de estratégias de impessoalização (uso de terceira pessoa e de voz passiva etc.), com vistas ao incremento da compreensão e da criticidade e ao manejo adequado desses elementos nos textos produzidos, considerando os contextos de produção.

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1. O conto, enquanto gênero literário, é uma narrativa curta, densa e tensa, retratando um episódio da vida, do qual o leitor pode tirar um ensinamento, uma moral; o foco narrativo é, em geral, único, centrado em um ou outro personagem, que atua em um espaço reduzido e o tempo transcorrido também é curto. Discutir com os alunos essas características nos contos “Teoria do medalhão” e “O espelho”. Comentar com os alunos que em “Teoria do medalhão”, por exemplo, temos apenas dois personagens – o pai e o filho – sendo que o pai expõe a sua teoria e o filho ouve; quando este último se pronuncia, o faz com frases curtas ou expressões monossilábicas. O diálogo entre os dois começa às 11 horas da noite e termina exatamente quando o relógio marca meia-noite, ou seja, toda a ação do conto, o diálogo dura exatamente uma hora. O espaço se resume à sala onde eles estão. Em “O espelho” temos uma narrativa dentro da narrativa, o que resulta em dois narradores: o narrador principal, onisciente e que está fora da ação, que pouco narra, que logo passa a palavra para o narrador Jacobina, que faz o relato de sua experiência fantástica. Na narrativa principal, temos “quatro ou cinco” personagens em uma pequena sala no morro de Santa Teresa e o tempo transcorrido é exatamente o tempo do relato de Jacobina; na narrativa de Jacobina, são poucos os personagens que tomam a palavra e a ação se passa toda em um sítio afastado e solitário em alguns poucos dias. Comentar com os alunos que o conto “O espelho” foi publicado, na íntegra, na primeira página do jornal Gazeta de Notícias, edição da sexta-feira, 8 de setembro de 1882, um mês antes de ser publicado o livro Papéis avulsos. O fato de o texto ser publicado integralmente em um terço de página de jornal, passa a real noção de quanto é curta a narrativa. Relembrando que os romances que eram publicados em forma de folhetim, ocupando espaço semelhante, levavam meses, e às vezes anos, para se completarem.

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Comentar também que o primeiro texto de Papéis avulsos – “O alienista” – tem a estrutura de uma novela, com divisões em capítulos, um número grande de personagens e a ação se desenrola ao longo de um tempo maior; em consequência, foi publicado semanalmente em forma de folhetim durante seis meses.

Primeira página da Gazeta de Notícias, edição de 8 de setembro de 1882, na qual foi publicado o conto “O espelho”, na seção “Folhetim”.

2. Julio Cortázar, em uma famosa palestra intitulada “Alguns aspectos do conto”, fala sobre os contos que ficam em nossa memória, que “crescem” dentro de nós. Sugerimos que seja lido para os alunos o seguinte trecho: Pensem nos contos que não puderam esquecer e verão que todos têm a mesma característica: são aglutinantes de uma realidade infinitamente mais vasta do que sua narrativa, e por isso exerceram influência em nós com uma força que a modéstia de seu conteúdo Material disponibilizado em licença aberta do tipo Creative Commons – Atribuição não comercial (CC BY NC – 4.0 International). Permitida a criação de obra derivada com fins não comerciais, desde que seja atribuído crédito autoral e as criações sejam licenciadas sob os mesmos parâmetros.

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e a brevidade do texto jamais levantariam suspeitas. E esse homem que, em um determinado momento, elege um tema e escreve com ele um conto, será um grande contista se a sua escolha contém — às vezes sem que ele o saiba conscientemente — essa fabulosa abertura do pequeno para o grande, do individual e circunscrito à essência da condição humana. Todo conto perdurável é como a semente onde está dormindo a árvore gigantesca. Essa árvore crescerá em nós, dará sua sombra em nossa memória. (Cortázar, p. 155)

Em seguida, perguntar para os alunos se eles já leram algum conto que ficou na memória deles; em caso afirmativo, pedir para que falem sobre o conto e por que ele ficou em suas memórias. 3. Retomar a seguinte passagem da palestra de Julio Cortázar: “fabulosa abertura do pequeno para o grande, do individual e circunscrito à essência da condição humana”, a fim de discutir com os alunos se esse conceito se aplica ao conto “O espelho”; por que e como se aplica. Espera-se que os alunos comentem que Machado de Assis parte de uma experiência particular, individual e circunscrita – o caso do alferes –, que pode ser considerado um “pequeno” episódio da vida, para formular uma nova teoria sobre a alma humana, uma “grande” questão relativa “à essência da condição humana”. 4. Ler com os alunos duas passagens de Memórias póstumas de Brás Cubas. Uma é a cena em que o pai de Brás Cubas apresenta duas propostas ao filho: ser deputado e casar (as duas combinadas porque, segundo o pai, um homem público tem de ser casado). O diálogo termina assim: – Ah! brejeiro! Contanto que não te deixes ficar aí inútil, obscuro, e triste; não gastei dinheiro, cuidados, empenhos, para te não ver brilhar, como deves, e te convém, e a todos nós; é preciso continuar o nosso nome, continuá-lo e ilustrá-lo ainda mais. Olha, estou com

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sessenta anos, mas se fosse necessário começar vida nova, começava, sem hesitar um só minuto. Teme a obscuridade, Brás; foge do que é ínfimo. Olha que os homens valem por diferentes modos, e que o mais seguro de todos é valer pela opinião dos outros homens. Não estragues as vantagens da tua posição, os teus meios... E foi por diante o mágico, a agitar diante de mim um chocalho, como me faziam, em pequeno, para eu andar depressa. (Cap. XXVIII – Contanto que...)

A outra passagem é uma reflexão de Brás Cubas ao voltar ao Rio de Janeiro após o bacharelado em Direito cursado em Coimbra: Fiquei prostrado. E contudo era eu, nesse tempo, um fiel compêndio de trivialidade e presunção. Jamais o problema da vida e da morte me oprimira o cérebro; nunca até esse dia me debruçara sobre o abismo do inexplicável; faltava-me o essencial, que é o estímulo, a vertigem. . . Para lhes dizer a verdade toda, eu refletia as opiniões de um cabeleireiro, que achei em Módena, e que se distinguia por não as ter absolutamente. Era a flor dos cabeleireiros; por mais demorada que fosse a operação do toucado, não enfadava nunca; ele intercalava as penteadelas com muitos motes e pulhas, cheios de um pico, de um sabor... Não tinha outra filosofia. Nem eu. Não digo que a Universidade me não tivesse ensinado alguma; mas eu decorei-lhe só as fórmulas, o vocabulário, o esqueleto. Tratei-a como tratei o latim; embolsei três versos de Virgílio, dois de Horácio, uma dúzia de locuções morais e políticas, para as despesas da conversação. Tratei-os como tratei a história e a jurisprudência. Colhi de todas as coisas a fraseologia, a casca, a ornamentação... (Cap. XXIV - Curto, mas alegre)

Pedir para os alunos relacionarem os dois trechos ao conto “Teoria do medalhão”, propondo as seguintes questões: que semelhanças há entre Janjão e seu pai e Brás Cubas e seu pai? Seria Brás Cubas um “medalhão”? Por quê?

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Espera-se que os alunos percebam que há muitas semelhanças entre o pai de Janjão e o pai de Brás Cubas, ambos determinando não só o futuro de seus filhos como também o modo de se comportar socialmente, atitudes reveladoras da estrutura patriarcal da sociedade brasileira da época. Brás Cubas, que não casa com Virgília (mas acaba tendo um caso adúltero com ela), torna-se deputado e faz discursos empolados, mas vazios, como manda o manual de um medalhão. Destacar a ironia de Machado de Assis ao colocar Brás Cubas reproduzindo as opiniões de um cabeleireiro que se distinguia por não ter opiniões; de sua experiência na universidade de Coimbra, decorou algumas frases em latim, alguns provérbios, uns versos para as “despesas da conversação”. Ou seja, não sabemos se Janjão aprendeu a lição de seu pai, mas Brás Cubas sim, tornou-se um perfeito “medalhão” e se assumiu como tal... afinal, ele é um defunto-autor 5. Em nota ao conto “O segredo do bonzo”, Machado de Assis afirma que o “capítulo inédito” seria intercalado aos capítulos CCXIII e CCXIV do livro Peregrinação, de Fernão Mendes Pinto. Para entender melhor a simulação feita pelo escritor, apresentar aos alunos o início do capítulo CCXIII da obra original: Cap. CCXIII – De tudo o mais que o padre passou com estes bonzos até se embarcar para a China Não se acabaram por aqui as disputas do nosso santo padre com bonzo Fucarandono, porque ajuntando ele a si outros seis em que tinha confiança, o vieram buscar muitas vezes, e lhe propunham muitas questões, nas quais arguiam sempre muitas coisas de novo contra a verdade que o padre lhes pregava, e duraram nelas por espaço de mais cinco dias, nos quais el-Rei sempre assistiu em pessoa, assim por folgar de os ouvir por via da curiosidade, como pelo seguro que de sua palavra tinha dado ao padre a primeira vez que se viu com ele nesta cidade Fucheo, como atrás fica dito.

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O texto de Fernão Mendes Pinto é modelo, no estilo e na construção das frases, da linguagem literária do século XVI em Portugal, notadamente a dos textos dos viajantes. Pedir aos alunos que comparem o fragmento acima com a linguagem empregada no conto por Machado de Assis e apontem semelhanças. Espera-se que os alunos apontem semelhanças tanto na estrutura das frases como no estilo descritivo; os textos dos viajantes eram marcados pelas narrativas em primeira pessoa, com os eles narrando suas experiências, o que viram de exótico, de diferente em outras paisagens. Machado de Assis reproduz esse modelo do princípio ao fim, como se percebe na abertura do conto: “Atrás deixei narrado o que se passou nesta cidade Fuchéu...” e na última frase: “O que tudo deixo relatado para glória do bonzo e benefício do mundo”. Sobre a estrutura da frase, a seguinte passagem é ilustrativa: “mas, enfim, estava feito, e todo redundava em glória do reino de Bungo, e especialmente da cidade Fuchéu, cujo filho era”. Sobre a descritividade e a preocupação em tudo datar e localizar, o seguinte trecho é emblemático: “Um dia, andando a passeio com Diogo Meireles, nesta mesma cidade Fuchéu, naquele ano de 1552, sucedeu deparar-se-nos um ajuntamento de povo, à esquina de uma rua, em torno a um homem da terra, que discorria com grande abundância de gestos e vozes”.

Frontispício da 1ª edição de Peregrinação, de Fernão Mendes Pinto, de 1614. Material disponibilizado em licença aberta do tipo Creative Commons – Atribuição não comercial (CC BY NC – 4.0 International). Permitida a criação de obra derivada com fins não comerciais, desde que seja atribuído crédito autoral e as criações sejam licenciadas sob os mesmos parâmetros.

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Abertura do capítulo CCXIII de Peregrinação; o longo título é uma característica dos relatos de viagem, sempre preocupados com a descrição de lugares e situações.

6. O bonzo Pomada, quando começa a revelar o seu ‘segredo’, diz: – Haveis de entender, começou ele, que a virtude e o saber têm duas existências paralelas, uma no sujeito que as possui, outra no espírito dos que o ouvem ou contemplam. Se puserdes as mais sublimes virtudes e os mais profundos conhecimentos em um sujeito solitário, remoto de todo contato com outros homens, é como se eles não existissem. Os frutos de uma laranjeira, se ninguém os gostar, valem tanto como as urzes e plantas bravias, e, se ninguém os vir, não valem nada; ou, por outras palavras mais enérgicas, não há espetáculo sem espectador.

Pedir para os alunos relacionar essa fala com o que sucedeu com o alferes, personagem do conto “O espelho”. Espera-se que os alunos comentem que, no fundo, a ideia é a mesma, resumida na frase “não há espetáculo sem espectador”; o alferes, que passou a ter apenas a alma exterior representada pela farda, estava sendo eliminado pela ausência de espectadores; ele recupera a alma exterior quando tem a sua imagem fardada projetada no espelho de origem nobre e passa a ser espetáculo e espectador ao mesmo tempo.

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Ampliando horizontes Proposta de atividades II DE OLHO NA BNCC As atividades sugeridas nesta subseção contemplam as seguintes habilidades propostas pela BNCC: (EM13LGG101) Compreender e analisar processos de produção e circulação de discursos, nas diferentes linguagens, para fazer escolhas fundamentadas em função de interesses pessoais e coletivos. (EM13LGG103) Analisar o funcionamento das linguagens, para interpretar e produzir criticamente discursos em textos de diversas semioses (visuais, verbais, sonoras, gestuais). (EM13LGG202) Analisar interesses, relações de poder e perspectivas de mundo nos discursos das diversas práticas de linguagem (artísticas, corporais e verbais), compreendendo criticamente o modo como circulam, constituem-se e (re)produzem significação e ideologias. (EM13LGG203) Analisar os diálogos e os processos de disputa por legitimidade nas práticas de linguagem e em suas produções (artísticas, corporais e verbais). (EM13LGG301) Participar de processos de produção individual e colaborativa em diferentes linguagens (artísticas, corporais e verbais), levando em conta suas formas e seus funcionamentos, para produzir sentidos em diferentes contextos. (EM13LGG401) Analisar criticamente textos de modo a compreender e caracterizar as línguas como fenômeno (geo)político, histórico, social, cultural, variável, heterogêneo e sensível aos contextos de uso. (EM13LP02) Estabelecer relações entre as partes do texto, tanto na produção como na leitura/escuta, considerando a construção composicional e o estilo do gênero, usando/reconhecendo adequadamente elementos e recursos coesivos diversos que contribuam para a coerência, a continuidade do texto e sua progressão temática, e organizando informações, tendo em vista as condições de produção e as relações lógico-discursivas envolvidas (causa/efeito ou consequência; tese/argumentos; problema/solução; definição/exemplos etc.). Material disponibilizado em licença aberta do tipo Creative Commons – Atribuição não comercial (CC BY NC – 4.0 International). Permitida a criação de obra derivada com fins não comerciais, desde que seja atribuído crédito autoral e as criações sejam licenciadas sob os mesmos parâmetros.

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(EM13LP03) Analisar relações de intertextualidade e interdiscursividade que permitam a explicitação de relações dialógicas, a identificação de posicionamentos ou de perspectivas, a compreensão de paráfrases, paródias e estilizações, entre outras possibilidades. (EM13LP04) Estabelecer relações de interdiscursividade e intertextualidade para explicitar, sustentar e conferir consistência a posicionamentos e para construir e corroborar explicações e relatos, fazendo uso de citações e paráfrases devidamente marcadas. (EM13LP30) Realizar pesquisas de diferentes tipos (bibliográfica, de campo, experimento científico, levantamento de dados etc.), usando fontes abertas e confiáveis, registrando o processo e comunicando os resultados, tendo em vista os objetivos pretendidos e demais elementos do contexto de produção, como forma de compreender como o conhecimento científico é produzido e apropriar-se dos procedimentos e dos gêneros textuais envolvidos na realização de pesquisas. (EM13LP31) Compreender criticamente textos de divulgação científica orais, escritos e multissemióticos de diferentes áreas do conhecimento, identificando sua organização tópica e a hierarquização das informações, identificando e descartando fontes não confiáveis e problematizando enfoques tendenciosos ou superficiais. (EM13LP46) Compartilhar sentidos construídos na leitura/escuta de textos literários, percebendo diferenças e eventuais tensões entre as formas pessoais e as coletivas de apreensão desses textos, para exercitar o diálogo cultural e aguçar a perspectiva crítica. (EM13LP50) Analisar relações intertextuais e interdiscursivas entre obras de diferentes autores e gêneros literários de um mesmo momento histórico e de momentos históricos diversos, explorando os modos como a literatura e as artes em geral se constituem, dialogam e se retroalimentam. (EM13LP54) Criar obras autorais, em diferentes gêneros e mídias – mediante seleção e apropriação de recursos textuais e expressivos do repertório artístico –, e/ou produções derivadas (paródias, estilizações, fanfics, fanclipes etc.), como forma de dialogar crítica e/ou subjetivamente com o texto literário.

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7. O charlatão Patimau, um típico pomadista, embasa sua descoberta sobre a origem dos grilos em pressupostos aparentemente científicos, conforme suas afirmações: Que ele não queria outra coisa mais do que afirmar a origem dos grilos, os quais procediam do ar e das folhas de coqueiro, na conjunção da lua nova; que este descobrimento, impossível a quem não fosse, como ele, matemático, físico e filósofo, era fruto de dilatados anos de aplicação, experiência e estudo, trabalhos e até perigos de vida; mas enfim, estava feito, e todo redundava em glória do reino de Bungo, e especialmente da cidade Fuchéu, cujo filho era; e, se por ter aventado tão sublime verdade, fosse necessário aceitar a morte, ele a aceitaria ali mesmo, tão certo era que a ciência valia mais do que a vida e seus deleites.

Tomando por base esse trecho, pedir aos alunos para explicar qual era a posição de Machado de Assis em relação ao cientificismo que marcou a segunda metade do século XIX. Antes, orientar os alunos a realizar pesquisas sobre as correntes cientificistas daquele período. Espera-se que os alunos percebam a ironia de Machado de Assis em relação aos excessos do cientificismo daquela época, que tudo procurava explicar, tanto as coisas do mundo físico como questões metafísicas. Comentar que Machado de Assis não se filiou à corrente naturalista, que seguia os preceitos do cientificismo. 8. Discutir com os alunos o conceito de intertextualidade e propor a atividade que segue. No conto “O espelho”, temos a seguinte passagem: ... desde que ficara só, não olhara uma só vez para o espelho. [...] era um impulso inconsciente, um receio de achar-me um e dois, ao mesmo tempo, naquela casa solitária; e se tal explicação é verdadeira, nada prova melhor a contradição humana, porque no fim de oito dias deu-me na veneta de olhar para o espelho com o fim justamente de achar-me dois. Material disponibilizado em licença aberta do tipo Creative Commons – Atribuição não comercial (CC BY NC – 4.0 International). Permitida a criação de obra derivada com fins não comerciais, desde que seja atribuído crédito autoral e as criações sejam licenciadas sob os mesmos parâmetros.

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Jorge Luís Borges (1899 – 1986), um dos mais importantes escritores da Argentina, é o autor do seguinte poema: Ao espelho Por que persistes, incessante espelho? Por que repetes, misterioso irmão, O menor movimento da minha mão? Por que na sombra o súbito reflexo? És o outro eu sobre qual fala o grego E desde sempre espreitas. Na brunidura Da água incerta ou do cristal que dura Me buscas e é inútil estar cego. O fato de não te ver e saber-te Te agrega horror, coisa de magia que ousas Multiplicar a cifra dessas coisas Que somos e que abarcam nossa sorte. Quando eu estiver morto, copiarás outro E depois outro, e outro, e outro, e outro... BORGES, Jorge Luis. Obras completas de Jorge Luis Borges. São Paulo: Globo. 1999. v. 2. p. 550.

Que relações intertextuais é possível estabelecer entre a passagem do conto e o poema? Espera-se que os alunos discorram a partir da ideia de que o espelho é um elemento multiplicador. 9. Em Dom Casmurro, o capítulo IX tem o emblemático título “A ópera”; nele, o tenor italiano Marcolini explica a sua teoria: — A vida é uma ópera e uma grande ópera. O tenor e o barítono lutam pelo soprano, em presença do baixo e dos comprimários, quando não são o soprano e o contralto que lutam pelo tenor, em presença do mesmo baixo e dos mesmos comprimários. Há coros numerosos, muitos bailados, e a orquestração é excelente... — Mas, meu caro Marcolini... — Quê...?

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E, depois de beber um gole de licor, pousou o cálice, e expôs-me a história da criação, com palavras que vou resumir. Deus é o poeta. A música é de Satanás, jovem maestro de muito futuro, que aprendeu no conservatório do céu. Rival de Miguel, Rafael e Gabriel, não tolerava a precedência que eles tinham na distribuição dos prêmios. Pode ser também que a música em demasia doce e mística daqueles outros condiscípulos fosse aborrecível ao seu gênio essencialmente trágico. Tramou uma rebelião que foi descoberta a tempo, e ele expulso do conservatório. Tudo se teria passado sem mais nada, se Deus não houvesse escrito um libreto de ópera do qual abrira mão, por entender que tal gênero de recreio era impróprio da sua eternidade. Satanás levou o manuscrito consigo para o inferno. Com o fim de mostrar que valia mais que os outros, — e acaso para reconciliar-se com o céu, — compôs a partitura, e logo que a acabou foi levá-la ao Padre Eterno. — Senhor, não desaprendi as lições recebidas, disse-lhe. Aqui tendes a partitura, escutai-a, emendai-a, fazei-a executar, e se a achardes digna das alturas, admiti-me com ela a vossos pés... — Não, retorquiu o Senhor, não quero ouvir nada. — Mas, Senhor... — Nada! nada! Satanás suplicou ainda, sem melhor fortuna, até que Deus, cansado e cheio de misericórdia, consentiu em que a ópera fosse executada, mas fora do céu. Criou um teatro especial, este planeta, e inventou uma companhia inteira, com todas as partes, primárias e comprimárias, coros e bailarinos.

Pedir para os alunos relacionarem essa teoria com os três contos de Machado. Espera-se que eles relacionem a teoria do tenor italiano com a tese dos três contos, ou seja, as pessoas vivem para representar um papel; importa a opinião do outro, ou, como diz o bonzo Pomada: “Considerei o caso, e entendi que, se uma coisa pode existir na opinião, sem existir na realidade, e existir na reaMaterial disponibilizado em licença aberta do tipo Creative Commons – Atribuição não comercial (CC BY NC – 4.0 International). Permitida a criação de obra derivada com fins não comerciais, desde que seja atribuído crédito autoral e as criações sejam licenciadas sob os mesmos parâmetros.

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lidade, sem existir na opinião, a conclusão é que das duas existências paralelas a única necessária é a da opinião, não a da realidade, que é apenas conveniente”. Enfim, não há espetáculo sem espectador. 10. Pedir para os alunos, em duplas, produzirem um conto fantástico centrado nos temas do espelho ou da ópera, ou na combinação de ambos. Gênero textual: conto fantástico Apresenta os mesmos elementos de diversos outros gêneros de narrativas: ações de personagens envolvidos em conflitos que ocorrem em determinados tempo e espaço, relatadas por um narrador que pode ou não participar dos acontecimentos. A diferença está na presença da magia, do absurdo, do inexplicável. Contradizem-se o natural e o sobrenatural, e os personagens, marcados pelas limitações humanas, em geral contam com o auxílio de forças extraordinárias para poderem enfrentar e vencer os desafios que costumam transcender nossa compreensão dos fenômenos da vida e da morte. Os contos fantásticos são textos não restritos à esfera literária, circulando também nas esferas cinematográfica, teatral ou televisiva, seja por suporte oral, impresso, digital ou midiático. A escrita do conto pode se basear nas seguintes orientações: • A trama deverá trabalhar entre os limites do real e do irreal; não definam as situações nem como naturais nem como sobrenaturais, alimentando sempre certa ambiguidade, por meio de personagens e fatos enigmáticos. • Alternem os vários tipos de discurso para reproduzir as vozes dos personagens.

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• Usem na construção do texto sequências narrativas para relatar as ações e sequências descritivas, assim como para compor o panorama do local da ação. • Procurem revestir os fatos e as atitudes dos personagens de um significado simbólico. • Atribuam um título bastante interessante ao conto, de preferência que possa dar margem a várias interpretações. • Relembrem as características linguísticas das sequências narrativa e descritiva.

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Mergulhando na obra Aprofundamento

O conto, Machado e sua época Ao chegar ao Ensino Médio, é necessário que os estudantes se aprofundem na compreensão das múltiplas linguagens e, sobretudo, da linguagem literária. Em relação à literatura, a BNCC traz as seguintes considerações: [...] a leitura do texto literário, que ocupa o centro do trabalho do Ensino Fundamental, deve permanecer nuclear também no Ensino Médio. Por força de certa simplificação didática, as biografias de autores, as características de épocas, os resumos e outros gêneros artísticos substitutivos, como o cinema e as HQs, têm relegado o texto literário a um plano secundário do ensino. Assim, é importante não só (re)colocá-lo como ponto de partida para o trabalho com a literatura, como intensificar seu convívio com os estudantes. Como linguagem artisticamente organizada, a literatura enriquece nossa percepção e nossa visão de mundo. Mediante arranjos especiais das palavras, ela cria um universo que nos permite aumentar nossa capacidade de ver e sentir. Nesse sentido, a literatura possibilita uma ampliação da nossa visão de mundo, ajuda-nos não só a ver mais, mas a colocar em questão muito do que estamos vendo/vivenciando. (Brasil, 2018, p. 499)

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O gênero conto Como matéria de reflexão para aprofundar alguns conceitos sobre o gênero conto, reproduzimos mais algumas passagens da palestra de Julio Cortázar. Por exemplo, ele insiste que o conto apresenta certas constantes, independentemente de ser um conto fantástico ou realista, dramático ou humorístico. Entre essas constantes, Cortázar destaca que “o conto, em última análise, se move nesse plano do homem onde a vida e a expressão escrita dessa vida travam uma batalha fraternal, se me for permitido o termo; e o resultado dessa batalha é o próprio conto, uma síntese viva ao mesmo tempo que uma vida sintetizada, algo assim como um tremor de água dentro de um cristal, uma fugacidade numa permanência”. Sobre o papel do escritor, afirma que ele está antes e depois do tema escolhido, por mais significativo que seja o tema; o escritor está antes “com sua carga de valores humanos e literários, com sua vontade de fazer uma obra que tenha sentido; o que está depois é o tratamento literário do tema, a forma pela qual o contista, em face do tema, o ataca e situa verbal e estilisticamente, estrutura-o em forma de conto, projetando-o em último termo em direção a algo que excede o próprio conto”. E, mais adiante, sobre o ofício de escritor, considera que “esse ofício consiste entre muitas outras coisas em conseguir esse clima próprio de todo grande conto, que obriga a continuar lendo, que prende a atenção, que isola o leitor de tudo que o rodeia, para depois, terminado o conto, voltar a pô-lo em contato com o ambiente de uma maneira nova, enriquecida, mais profunda e mais bela”.

A intertextualidade O círculo que envolve a interação pela linguagem se constrói apoiado no já dito, no já lido e no já conhecido, podendo reiterá-los, reafirmá-los, reformulá-los, refutá-los. É muito difícil pensar na produção de um texto totalmente inédito, criado a partir do nada. É como se todo texto fosse um hipertexto que Material disponibilizado em licença aberta do tipo Creative Commons – Atribuição não comercial (CC BY NC – 4.0 International). Permitida a criação de obra derivada com fins não comerciais, desde que seja atribuído crédito autoral e as criações sejam licenciadas sob os mesmos parâmetros.

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possui links explícitos ou implícitos com outros. O termo intertextualidade foi cunhado, na década de 1960, no âmbito da teoria literária por Julia Kristeva e, nessa concepção, trata do universo dos textos literários e do diálogo entre esses textos ao longo da história da literatura. Quando a intertextualidade se dá entre dois textos literários efetivamente escritos e se manifesta de forma direta, clara, explícita, podemos dizer que se trata de intertextualidade em sentido mais restrito. Na literatura brasileira temos um exemplo significativo. O poeta romântico Gonçalves Dias escreveu, em meados do século XIX, a famosa Canção do exílio; desde então, vários outros poetas produziram intertextos, ou por simples imitação, ou para repensá-la. O conhecimento das relações entre os textos – e dos textos utilizados como intertexto – é um poderoso recurso de produção e apreensão de significados. Quando um determinado autor recorre a vários textos para compor os próprios, certamente tem um motivo muito claro – por exemplo fazer uma crítica, uma reflexão ou uma releitura desses textos. Percorrer o caminho inverso, ou seja, buscar esse motivo e reconstruir o processo de produção leva a desvendar os significados específicos do texto produzido, já que os textos se completam, lançam luz uns sobre o outros. Esse conhecimento, porém, não se dá por acaso nem por obra da intuição, mas por meio de um trabalho bastante específico: o exercício da leitura. Quanto mais experiente for o leitor (entenda-se como leitor experiente aquele que leu muito e bem) mais possibilidades terá de compreender os caminhos percorridos (e os textos visitados) por um outro autor em sua produção e de percorrer o próprio caminho em suas criações. Portanto, nossos processos de leitura podem ser mais proveitosos quanto mais caminhos de leitura tivermos percorrido. Nossas produções podem aprimorar-se na medida em que incorporamos essas leituras a nossos textos. E não é exagero dizer que esses procedimentos ampliam-se de tal forma que atingem uma outra área, bem mais ampla – a que diz respeito à própria leitura do mundo.

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O século de Machado: a revolução industrial e o cientificismo A Revolução Industrial, iniciada no século XVIII, entra numa nova fase em meados do século XIX (a chamada Segunda Revolução Industrial), caracterizada pela utilização do aço, do petróleo e da eletricidade; ao mesmo tempo, o avanço científico leva a novas descobertas no campo da Física e da Química. O capitalismo se estrutura em moldes modernos, com o surgimento de grandes complexos industriais; por outro lado, a massa operária urbana avoluma-se, formando uma população marginalizada que não partilha os benefícios gerados pelo progresso industrial, mas, ao contrário, é explorada e sujeita a condições subumanas de trabalho. Esse momento histórico repercute na leitura de mundo realizada pelos artistas e resulta em novas linguagens, novas formas de expressão. Em 1865, as cidades de Coimbra e Lisboa, em Portugal, foram abaladas por uma polêmica literária conhecida como “Questão Coimbrã”, que, extrapolava os temas artísticos, como se percebe nas palavras pronunciadas por Antero de Quental, um dos líderes dos jovens realistas: Todavia, quem pensa e sabe hoje na Europa, não é Portugal, não é Lisboa, cuido eu: é Paris, é Londres, é Berlim. Não é a nossa divertida Academia de Ciências que resolve, decompõe, classifica e explica o mundo dos fatos e das ideias. É o Instituto de França, é a Academia Científica de Berlim, são as escolas de Filosofia, de História, de Matemática, de Física, de Biologia, de todas as ciências e de todas as artes, em França, Inglaterra, em Alemanha.

Nota-se que, para o poeta português, o que importava era “resolver, decompor, classificar e explicar o mundo dos fatos e das ideias”. Em outras palavras, ele defendia o pensamento científico. Essa postura intelectual é chamada de cientificismo.

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Para tanto, muito contribuíram os vários “ismos” daquele momento, responsáveis por uma reinterpretação da realidade que gerou teorias de variadas posturas ideológicas. Numa sequência cronológica, surgiram: • o positivismo de Augusto Comte, preocupado com o real-sensível, com o fato, defendendo o cientificismo no pensamento filosófico e a conciliação entre “ordem e progresso” (a expressão, utilizada na bandeira republicana do Brasil, é de inspiração positivista); • o socialismo científico de Karl Marx e Friedrich Engels, a partir da publicação do Manifesto comunista, em 1848, que define o materialismo histórico e a luta de classes (“O modo de produção da vida material condiciona o processo de vida social, político e intelectual em geral”, K. Marx); • o evolucionismo de Charles Darwin, a partir da publicação, em 1859, de A origem das espécies, livro em que são expostos os estudos sobre a evolução das espécies pelo processo de seleção natural, negando, portanto, a origem divina defendida pelo Cristianismo. Representando essa nova ordem, é publicado na França, em 1857, Madame Bovary, de Gustave Flaubert, considerado o primeiro romance realista da literatura universal. Em 1867, Émile Zola lança Thérèse Raquin, inaugurando o romance naturalista.

Machado e a introdução do realismo no Brasil Considera-se 1881 o ano inaugural do Realismo no Brasil. De fato, esse foi um ano fértil para a literatura brasileira, com a publicação de três narrativas fundamentais, que modificaram o curso de nossas letras: O mulato, de Aluísio Azevedo, considerado o primeiro romance naturalista brasileiro; Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, o primeiro romance realista de nossa literatura; e O alienista,

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também de Machado, uma novela exemplar, publicada em capítulos em A Estação, de outubro de 1881 a março de 1882, e que seria incluída em Papéis avulsos.

Edição do 15 de outubro de 1881 do periódico A Estação – jornal ilustrado para a família, que iniciava a publicação dos capítulos de O alienista.

O romance realista, cultivado no Brasil por Machado de Assis, é uma narrativa que se volta para a análise psicológica dos personagens e, a partir do comportamento deles, critica a sociedade. É interessante constatar que os cinco romances da fase realista de Machado apresentam nomes próprios em seus títulos – Brás Cubas, Quincas Borba, D. Casmurro, Esaú e Jacó, Aires –, revelando inequívoca preocupação com o indivíduo. O romance machadiano analisa a sociedade através de personagens capitalistas, ou seja, pertencentes à classe dominante: Brás Cubas não produz, vive do capital, o mesmo acontecendo com Bentinho; já Quincas Borba era louco e mendigo até receber uma herança; o único dos personagens centrais de Machado que trabalhava era Rubião (professor em Minas), mas recebe a herança de Quincas Borba, muda-se para o Rio e não trabalha mais, vivendo do capital. O romance realista é documental, retrato de uma época. Material disponibilizado em licença aberta do tipo Creative Commons – Atribuição não comercial (CC BY NC – 4.0 International). Permitida a criação de obra derivada com fins não comerciais, desde que seja atribuído crédito autoral e as criações sejam licenciadas sob os mesmos parâmetros.

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Folha de rosto da primeira edição de Memórias póstumas de Brás Cubas.

Memórias póstumas de Brás Cubas, ao lado de inúmeras outras qualidades, apresenta uma narrativa absolutamente inovadora, além de uma interessante revisão crítica do Romantismo. Uma das críticas mais eficazes, e que nos interessa particularmente por opor o Realismo nascente à escola anterior, está no capítulo XIV, em que Brás Cubas, o personagem-narrador, se descreve aos dezessete anos de idade: Ao cabo, era um lindo garção, lindo e audaz, que entrava na vida de botas e esporas, chicote na mão e sangue nas veias, cavalgando um corcel nervoso, rijo, veloz, como o corcel das antigas baladas, que o romantismo foi buscar ao castelo medieval, para dar com ele nas ruas do nosso século. O pior é que o estafaram a tal ponto, que foi preciso deitá-lo à margem, onde o realismo o veio achar, comido de lazeira e vermes e, por compaixão, o transportou para os seus livros.

Em outro momento, o narrador descreve Virgília, sua amante: Era isto Virgília, e era clara, muito clara, faceira, ignorante, pueril, cheia de uns ímpetos misteriosos; muita preguiça e alguma devoção, – devoção, ou talvez medo; creio que medo. (cap. XXVII)

Para não chocar os leitores, o narrador já advertira que “isto não é romance em que o autor sobredoura a realidade e fecha os olhos às sardas e espinhas”.

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Novos caminhos Referências complementares AGUIAR, Luiz Antonio. Almanaque Machado de Assis. Rio de Janeiro: Record, 2008. • Em formato descontraído, a obra traz informações e curiosidades sobre a vida, a obra e a época do criador de Brás Cubas, com fotos, listas e mapas instigantes. O espelho de Machado de Assis em HQ. Adaptação de Jeosafá; roteiro e desenhos de João Pinheiro. São Paulo: Mercuryo Jovem, 2012. • Adaptação do conto de Machado de Assis para a linguagem das histórias em quadrinhos, mantendo-se fiel ao texto original. O espelho. Filme com roteiro, direção e música de Becca Lopes. 2008. 32:12 min. Disponível em https://www.youtube.com/ watch?v=a7VWPHzu5IE. • Adaptação do conto de Machado de Assis para a linguagem do cinema. Memórias póstumas. Direção: André Klotzel, 102 min, 2001. • Baseado no romance Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, o filme apresenta a história do defunto-autor no Rio de Janeiro da segunda metade do século XIX. No elenco, Reginaldo Farias, Petrônio Gontijo e Sônia Braga. www.machadodeassis.net • Por meio de hipertextos, o site permite a leitura online e gratuita de contos e romances de Machado de Assis, incluindo links de acesso a notas explicativas sobre as diversões alusões e referências presentes nos textos machadianos. Material disponibilizado em licença aberta do tipo Creative Commons – Atribuição não comercial (CC BY NC – 4.0 International). Permitida a criação de obra derivada com fins não comerciais, desde que seja atribuído crédito autoral e as criações sejam licenciadas sob os mesmos parâmetros.

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Organizando a estante Bibliografia comentada ASSIS, Machado de. Contos: uma antologia. 2 volumes. Seleção, introdução e notas de John Gledson. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. • Coletânea de 75 contos de Machado de Assis, com um excelente estabelecimento de texto, introdução e comentários de John Gledson. Os dois volumes, por contar com tais paratextos, podem ser muito úteis tanto para quem deseja se iniciar na obra do autor quanto para quem pensa em aprofundar pesquisas e leituras. ASSIS, Machado de. Crônicas escolhidas. Organização, introdução e notas de John Gledson. São Paulo: Penguin; Companhia das Letras, 2013. • Reunião de crônicas publicada por Machado de Assis na imprensa carioca, entre 1859 e 1900. Obra propícia para quem deseja conhecer um aspecto fundamental da produção machadiana, assim como para perceber o substrato humano e social de onde o autor criava as suas obras de ficção. ASSIS, Machado de. Machado de Assis: crítica literária e textos diversos. Organização de Silvia Maria Azevedo; Adriana Dusilek e Daniela Mantarro Callipo. São Paulo: Editora Unesp, 2013. • Reunião de textos de crítica literária de Machado de Assis, uma de suas facetas menos conhecidas como escritor. A leitura da obra crítica do autor, que esteve dispersa por jornais e revistas, permite compreender a maneira como ele pensava a cultura e a literatura, sobretudo a brasileira, que passava por um processo de consolidação e de criação de tradições.

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ASSIS, Machado de. Machado de Assis: obra completa. 3 volumes. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1986. • Consagrada edição da obra completa de Machado de Assis, organizada por Afrânio Coutinho, com o primeiro volume dedicado aos romances, o segundo aos contos e teatro e o terceiro à poesia, crônica e escritos diversos. Na introdução do volume I, há artigos analisando a produção de Machado, além de um esboço biográfico. ASSIS, Machado de. Papéis avulsos. Rio de Janeiro: Lombaerts, 1882. • Primeira edição de Papéis avulsos, publicada um ano após o lançamento de Memórias póstumas de Brás Cubas, podendo ser considerada o marco inicial do movimento realista brasileiro no gênero conto. ASSIS, Machado de. Papéis avulsos. Prefácio de John Gledson. Notas de Hélio Guimarães. São Paulo: Penguin; Companhia das Letras, 2011. • Uma das edições mais recentes do fundamental livro de contos de Machado de Assis, provida de prefácio e diversas notas que auxiliam no esclarecimento e entendimento das instigantes narrativas. Bíblia Sagrada. Tradução, introdução e notas de Ivo Storniolo e Euclides Martins Balancin. São Paulo: Edições Paulinas, 1990. • São raros são os textos de Machado de Assis que não fazem referências a passagens bíblicas, tanto do Antigo quanto do Novo Testamento; nesse trabalho de intertextualidade, é fundamental que o leitor de Machado tenha sempre uma bíblia ao alcance das mãos. BOSI, Alfredo. Machado de Assis. São Paulo: Publifolha, 2002. • Obra breve e de divulgação, feita por um dos mais renomados críticos literários do Brasil, grande especialista na obra de Machado de Assis. Livro propício para quem procura uma boa porta de entrada no universo da literatura machadiana. Material disponibilizado em licença aberta do tipo Creative Commons – Atribuição não comercial (CC BY NC – 4.0 International). Permitida a criação de obra derivada com fins não comerciais, desde que seja atribuído crédito autoral e as criações sejam licenciadas sob os mesmos parâmetros.

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BOSI, Alfredo. Machado de Assis: o enigma do olhar. São Paulo: Martins Fontes, 2007. • Ensaio de Alfredo Bosi que “articula dois eixos de significados: 1) o olhar do narrador é móvel no plano da história das mentalidades, não derivando imediata e mecanicamente do quadro social observado; 2) Machado não só representou tipos, como o fizeram os realistas e naturalistas do seu tempo, mas criou personagens densas, singulares, capazes de resistir à cultura do favor (peculiar à rotina brasileira do século XIX), encontrando na própria consciência forças para viver com honra”. CORTÁZAR, Julio. Valise de cronópio. Tradução de Davi Arriguci Jr. E João Alexandre Barbosa. Organização Haroldo de Campos e Davi Arriguci Jr. São Paulo: Perspectiva, 2013. • Nesta coletânea de ensaios do contista argentino Julio Cortázar, o destaque fica para a reprodução da palestra “Alguns aspectos do conto”, texto clássico sobre o gênero, com reflexões sobre a estrutura, os temas, certas características constantes e o ofício de escritor de contos. COUTINHO, Afrânio. Notas de teoria literária. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978. • Obra básica que o professor Afrânio Coutinho escreveu como material de apoio aos alunos do recém instituído curso de Teoria Literária; a obra discute o conceito de teoria literária e caracteriza os gêneros literários. FREYRE, Gilberto. Vida social no Brasil nos meados do século XIX. São Paulo: Global, 2008. • Dissertação de mestrado de Gilberto Freyre, defendida na Universidade de Columbia, em Nova York, na década de 1920. Livro que apresenta as características que serão marcantes nas grandes obras do autor, como o trabalho com a linguagem e as referências

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ao cotidiano na interpretação da formação do patriarcado no Brasil, permite compreender diversos aspectos da época em que Machado de Assis viveu e criou seus textos. GLEDSON, John. Por um novo Machado de Assis. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. • Reunião de 14 ensaios do crítico inglês John Gledson, um dos mais importantes intérpretes da obra machadiana. Os textos se propõem a abordar a obra de Machado de Assis a partir de perspectivas inovadoras, tratando de temas controversos e fazendo relações por vezes inesperadas, sempre valorizando a multiplicidades de leituras e perspectivas. KAYSER, Wolfgang. Análise e interpretação da obra literária. Coimbra: Armênio Amado, editor, 1976. • Obra clássica que serve como introdução à ciência da literatura; discute conceitos fundamentais de conteúdo e forma, além de apresentar e exemplificar questões relacionadas ao ritmo, ao estilo e aos gêneros literários. KURY, Mário da Gama. Dicionário de mitologia grega e romana. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1990. • Essa obra de referência, feita pelo escritor e tradutor Mário da Gama Kury, é de grande auxílio para quem deseja compreender a fundo as diversas citações feitas nos textos de Machado de Assis à mitologia greco-romana, algo que não só é importante para a construção de sentido de seus textos, como era frequente no repertório literário do século XIX. LOURENÇO, Eduardo. “A Peregrinação ou a metamorfose do olhar europeu”. In: ALMEIDA, Isabel. (org.) Pereguinaçam, 1614. Lisboa: Centro de Estudos Clássicos da Universidade de Lisboa, 2017. Material disponibilizado em licença aberta do tipo Creative Commons – Atribuição não comercial (CC BY NC – 4.0 International). Permitida a criação de obra derivada com fins não comerciais, desde que seja atribuído crédito autoral e as criações sejam licenciadas sob os mesmos parâmetros.

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• Ensaio do célebre crítico português, publicado em uma coletânea feita em homenagem aos quatro séculos do livro de Fernão Mendes Pinto. Em seu texto, Eduardo Lourenço comenta como a dimensão fantasiosa do livro foi fundamental para a sua difusão e sucesso, pois isso estava ligado ao entendimento que os leitores europeus tinham acerca do mundo, à época dos grandes descobrimentos marítimos. MACEDO, Joaquim Manuel de. Um passeio pela cidade do Rio de Janeiro. Edição revista e anotada por Gastão Penalva e prefaciada por Astrojildo Pereira. Brasília: Edições do Senado Federal, 2005. • Nessa obra, publicada originalmente em dois volumes, entre 1862 e 1863, o escritor Joaquim Manuel de Macedo, um dos principais nomes do romantismo brasileiro, conduz os leitores pelas ruas do Rio de Janeiro, narrando de maneira leve e atrativa fatos ligados à origem dos espaços da cidade que à época era a capital do Império brasileiro. PINTO, Fernão Mendes. Peregrinação. Lisboa: Imprensa Nacional; Casa da Moeda, 1983. • Nesse livro, publicado em 1614, o viajante Fernão Mendes Pinto, mesclando ficção e realidade, constrói um relato fantasioso acerca de suas viagens pela Ásia, realizadas no século XVI. A obra se tornou um dos mais famosos relatos do período das grandes navegações, permitindo compreender algo da maneira como os europeus pensavam e se expandiam pela outras partes do mundo. ROQUETTE, José Inácio. Código do Bom-Tom, ou, Regras de civilidade e de bem viver no século XIX. Organização de Lilia M. Schwarcz. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. • Manual de boas maneiras publicado pelo cônego português José Inácio Roquette em meados do século XIX. O livro, organizado como

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uma série de conselhos de um preocupado pai que se esmera em garantir uma boa educação aos filhos, fazia sucesso no Brasil, sobretudo na Corte, permitindo compreender mais a fundo alguns dos comportamentos sociais analisados por Machado de Assis em suas narrativas. SCHWARCZ, Lilia M. As barbas do imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. • Livro no qual a historiadora e antropóloga Lilia Schwarcz faz uma análise do reinado de D. Pedro II, tratando dos elementos culturais e rituais que lhe garantiam representatividade e longevidade, orientando assim o processo de formação do Estado Nacional brasileiro ao longo do século XIX. Um dado interessante é que Machado de Assis nasceu praticamente junto com o Segundo Reinado, tendo vivido toda a sua formação nesse período. SCHWARCZ, Lilia M. & STARLING, Heloisa M. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. • Obra escrita a quatro mãos, na qual as autoras, com uma narrativa fluida e agradável, mas sem perder o rigor da análise, traçam um longo panorama da história do Brasil. Um livro de grande auxílio para quem deseja explorar as nuances históricas das narrativas de Machado de Assis. SCHWARZ, Roberto. Ao vencedor as batatas: forma literária e processo social nos inícios do romance brasileiro. São Paulo: Duas Cidades; Editora 34, 2000. • Nesse ensaio, um clássico da crítica literária brasileiro, Roberto Schwarz se debruça sobre as obras iniciais de Machado de Assis, anteriores às Memórias póstumas de Brás Cubas. Com isso, analisa o processo de formação do escritor até o momento de sua grande

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virada, para o qual foi fundamental o desenvolvimento de um fino entendimento da sociedade brasileira do século XIX, assim como a transposição de seus mecanismos para o âmbito da literatura. SCHWARZ, Roberto. Um mestre na periferia do capitalismo: Machado de Assis. São Paulo: Duas Cidades; Editora 34, 2000. • Ensaio que dá continuidade às reflexões iniciadas em Ao vencedor as batatas. Nesse segundo livro, Roberto Schwarz analisa a fase madura de Machado de Assis, na qual o escritor produziu verdadeiras obras-primas, originais em seus aspectos formais e temáticos, marcadas pela ironia e pela capacidade de criticar as contradições e desigualdades da sociedade brasileira.

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