Folhas molhadas

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Beto Furquim


Beto Furquim

João Pessoa, 1a edição, 2021


© 2021 Beto Furquim para o original. © 2021 JC para esta edição.

Projeto gráfico de capa: Luyse Costa Projeto gráfico de miolo e diagramação: Luyse Costa Revisão e fechamento de arquivo: Book Maker Composição Editorial

Catalogação na publicação Elaborada por Bibliotecária Janaina Ramos – CRB-8/9166 F989 Furquim, Beto Folhas molhadas / Beto Furquim – João Pessoa: JC, 2021. ISBN 978-65-89809-02-9 (Livro do Estudante) ISBN 978-65-89809-03-6 (Manual do Professor) 1. Poesia. 2. Memória. 3. Família. 4. Cultura japonesa. 5. Literatura brasileira. I. Chundo, Saburo. II. Título. CDD 869.91

Índice para catálogo sistemático I. Poesia : Literatura brasileira

Avenida dos Tabajaras, 960 Centro – CEP: 58.013-270 João Pessoa - PB


Beto Furquim




apresentacao


Poesia é minha cachoeira, meu pântano, meu mar. Os versos aquáticos acima iniciam meu poema “Poesia tudo pode”, do mesmo livro em que foi originalmente publicada boa parte dos versos reproduzidos nesta coletânea temática. Um dos poemas transpostos daquele livro para este é “Banhei minha mãe”, que intitula a obra, coautoria com o artista Alex Cerveny publicada pela editora Laranja Original. O gesto de retribuição à mãe idosa é um bom exemplo do significado que a água pode ter para as pessoas. A água está na paisagem, no corpo, na linguagem e até na sua ausência, como clamor dramático. Com poemas breves e longos, confessionais ou impessoais, cantando sofrimentos, buscas, desejos, epifanias – demonstração de que, de fato, a poesia tudo pode –, eis estas Folhas molhadas de cachoeira, pântano, mar, lágrimas, seiva, sangue e estio. Beto Furquim


sumario


Puruba No ouvido Sununga Margem Largas léguas de láguas Riacho Língua viva Bico da noite Átimo Por um triz Cisma Impassível Húmus La nave va O poema não sai Paisagem Pós-poesia Rastro Canção amarela Divisa Fazenda Barcaça Banhei minha mãe Muda – uma canção-trova

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A obra Por que ler Folhas Molhadas? Os Versos Livres A importância a literatura no Ensino Médio O autor Referências

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Puruba Dia claro, noite escura, Escura noite, claro dia. Cavo a barra, furo a onda. Carrego tocos de pau. Levo em troca caracóis. Quebro o lodo em maresia. Pingo sal na lama pura. Dia claro, noite escura, Escura noite, claro dia. É o rio que murmura. Água zune, bate e chia. Lembra a língua, diz a voz. Traz o sino do cristal. Todo canto se arredonda. Dia claro, noite escura, Escura noite, claro dia. Na mira da embaúba Pulo num jorro frio. Caio no vão da serra. Escorro dentro da mata. Sigo a curva da areia. Dia claro, noite escura, Escura noite, claro dia.

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Gota a gota, se encadeia. Mal desata, já reata. Lava o mar, sacia a terra. Sopra a reza, o assobio. É a conversa do Puruba. Dia claro, noite escura, Escura noite, claro dia. A vida pelo rio

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No ouvido O vaticínio não facilitava nada: “Será preciso revolver o curso do rio. Persuadir a maré”. Mas a voz do encantamento, mesmo suave, em meio ao meu torpor aflito, assoprou bem assim: Prossiga.

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Sununga Hoje vi cumes da discórdia dos mares. Estilhaços em voo organizado rumo adentro do seco. Toda roupa foi pouca. Todo passo foi polka Para enfrentar o vento embebido das profundezas. Cartas, como adagas, mal recolhidas, relançadas (por algum mago entre as algas) indagavam: Agora?

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Margem Errando só no rio, nu corpo da canoa. Os olhos no vazio e o oco só ressoa o murmúrio do rio. Sondaia solta um pio e a sombra se amontoa. O peito sente frio, o braço rema à toa a escuridão do rio. Cê vai, ocê fica, você não volta mais...1 O mundo por um fio que a água desenhou e o corpo conduziu até que a mão deixou a vida pelo rio.

1 Citação não literal do conto “A terceira margem do rio”, de João Guimarães Rosa.

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Largas léguas de láguas O vento preenche o que a água não vence molhar. As duas faces da superfície oscilam-se em ócio. A água escorrega às cócegas dos seus seres. O leito sedimenta: assenta e aguenta.

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Riacho Entre o cheiro verde-escuro Pedras passam, pedras ficam. Microsseres se mantêm. Desperdiçam sua cota em espasmos angulosos. Camundongo negro e cego para um pouco – sem parar o tremor do seu bigode – e engana sua fome.

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Língua viva Liquens, guelras, tíbias, lóbulos, labirintos. Polvos e jaguarés e celenterados. O lince e o faisão. As algas e os ciprestes. A linfa e os alvéolos. Os figos e os felinos. Alces, cervos e cajus. A relva e os ramos, a avenca e os golfinhos. O mandril e o celacanto. Dálmatas, quatis, esquilos, avelãs, javalis. A seiva percorre o caule da sequoia secular. O sangue pulsa quente em minha veia jugular.

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Bico da noite Lago garças lua. Brilho do galho flutua. Olhar continua.

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Átimo Bilhões de átomos de zinco fazem o óvulo relampear no momento exato em que é fertilizado. Um átimo; um jato de luz. A chance de vingar com vigor e saúde é tão maior quanto for o fulgor primordial desse lume. Eu, você, Usain Bolt, Pina Bausch, Stefi Graf, Dalai Lama, Yma Sumac, Amos Oz, Michelle Obama, Arafat, Julio Cortázar, Rita Lee, Uri Geller, Rasputin, Cleópatra, Bartira, Lúcio Flávio,

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