Memórias Póstumas de Brás Cubas em cordel

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4ª Capa

Capa ALUNO

Machado de Assis

Memórias Póstumas de Brás Cubas em cordel

ISBN 978-659942090-0

9 786599 420900

Recontado por

Ilustrado por

Stélio Torquato Lima

Rafael Limaverde


Memórias Póstumas de Brás Cubas em cordel


Copyright 2021 © Editora Sonora. Todos os direitos reservados. Direção geral Ricardo Prado Coordenação editorial Duda Albuquerque Colaboração editorial Vicente Castro Pereira Revisão Sâmia Rios Capa, projeto gráfico e editoração eletrônica AGWM Editora e Produções Editoriais Ilustrações Rafael Limaverde Pesquisa iconográfica Márcia Sato Impressão e acabamento

Edição atualizada com o Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

Catalogação na publicação Elaborada por Bibliotecária Janaina Ramos – CRB-8/9166 L732 Lima, Stélio Torquato Memórias Póstumas de Brás Cubas em Cordel / Machado de Assis; Stélio Torquato Lima (Adaptador) – Rio de Janeiro: Sonora, 2021. ISBN 978-65-994209-0-0 (Livro do Estudante) ISBN 978-65-994209-2-4 (Manual do Professor) 1. Literatura juvenil. 2. Literatura de cordel. 3. Clássico da literatura brasileira. I. Assis, Machado de. II. Lima, Stélio Torquato (Adaptador). III. Título.

CDD 028.5 Índice para catálogo sistemático I. Literatura juvenil

Editora Sonora Ltda. Rua São Cristovão, 489 - Sala 303 CEP 20940-001 Rio de Janeiro/RJ


Machado de Assis

Memórias Póstumas de Brás Cubas em cordel Recontado por

Stélio Torquato Lima Ilustrado por

Rafael Limaverde



Para a Alexia e para minha prole MALUVIDA (MAtheus, LUcas, VInícius e DAvi)


Dedico eu ao primeiro Dos vermes que então roeu As frias e podres carnes Do triste cadáver meu Estas Póstumas1 Memórias, Que, em lembranças merencórias,2 Este meu punho escreveu.


Com a pena da galhofa3 E a melancólica tinta, Eu escrevi esta obra Singela, porém, distinta. Ela é, em seu conjunto, Uma obra de defunto, Digo, de forma sucinta.4 Desde já informarei Ao meu prezado leitor: Não sou um autor defunto, Mas sim um defunto autor, Pois só depois que morri É que, de novo, nasci, Dessa vez como escritor. Foi aqui, no outro mundo, Depois que deixei os meus, Que esta obra foi escrita, Com todos os defeitos seus. A quem gostar, eu saúdo; Se odiar, leva um cascudo,5 E digo, após isso, “Adeus!”. Bem antes de estas memórias Trazer ao leitor fiel, Assaltou meu coração Uma dúvida cruel: Eu as abriria, enfim, Pelo início ou pelo fim, No espaço deste papel? Sendo bem mais criativo, Comecei pelo final, Iniciando esta obra Com o momento fatal Do meu último revés.6 Mais criativo que Moisés7 Eu vim a ser, afinal.

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Depois que cada detalhe Preliminar foi exposto, Convém dizer que morri Pra tudo ficar bem posto, Lá no século dezenove, No ano sessenta e nove, Numa sexta-feira de agosto. Com sessenta e quatro anos E sem nunca ter casado, Eu da vida vinha a ser Para sempre desterrado.8 E, além de ser solteiro, Eu possuía dinheiro, Fique o leitor informado. Apenas onze pessoas Lá no cemitério havia. Não houve anúncio e nem cartas, E acrescento que chovia... Foi por isso, certamente, Que tão pouquíssima gente Em meu enterro se via. Sob uma chuva fininha Que caía sem cessar, Um amigo, ao pé da cova, Veio a todos declarar: “Vejam que até o céu chora Ao dizer um adeus agora Ao nosso amigo sem-par!”9 Que bom e fiel amigo! Jamais me arrependerei, Sim, daquelas vinte apólices10 Que para ele deixei. Seu discurso tão sentido Deixou-me bem comovido, E quase que solucei.

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No instante da minha morte, Estavam, bem junto à cama, Minha irmã, a filha dela E uma terceira dama, Da qual nada agora conto, Pois me volto para um ponto Importante desta trama.11 Contentem-se de saber Que essa anônima senhora, Mesmo não sendo parenta, Padeceu mais nessa hora Do que as parentas reais. É verdade, sofreu mais, Urge destacar agora. Não digo que ela carpisse Ou que rolasse no chão. Não era assim tão dramático Meu óbito, com razão. Assim, triste, mas sem drama, Mal podia, ao pé da cama, Crer na minha extinção. “Morto! morto!” – Ela pensava, Enquanto a mente febril Voava, como cegonhas, A uma era juvenil. Deixe-mo-la, por enquanto, Sofrendo ali o seu pranto, Meu leitor bom e gentil. Pois é necessário agora Informar qual o motivo Que me levou deste mundo, E nisto sou taxativo: Foi pneumonia a causa. Mas é preciso uma pausa Pra fazer um aditivo.

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Mais do que a pneumonia, Uma ideia grandiosa Arrebatou-me do mundo E da existência penosa. Vou expor sumariamente, Deixando, assim, bem contente A plateia curiosa. É necessário contar A minha leal plateia Sobre uma minha invenção, Uma genial panaceia.12 A humana melancolia Logo extermínio13 teria Ao ganhar corpo esta ideia. Emplastro14 Brás Cubas era O nome dessa invenção Que iria livrar o mundo Da tristeza e depressão. A milagrosa pomada Por mim idealizada Era minha obsessão.15 Muito mais do que o dinheiro Que me daria o invento, Eu sonhava com o meu nome Batizando o tal unguento.16 Pela vaidade embalado, Esforço não foi poupado Atrás do medicamento. Com tanto esforço, eu fiquei Muito exaurido17 e suado. E para arejar18 o quarto, Que se encontrava abafado, A janela eu fui abrir. Veio então a me atingir Um golpe de ar gelado.

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E eu, que ainda gozava De um resto de juventude, Com o tal golpe de ar Tive abalada a saúde. Porque logo a brisa fria Causou-me pneumonia, E me curar já não pude. Por esse motivo, ela Veio ao meu leito de morte. Mesmo muito enfraquecido, Eu quis parecer-lhe forte. Mas tudo era esforço vão, Porque bem selada então Já estava a minha sorte. “Vem de visita a defuntos?” – Logo perguntei a ela. Num muxoxo,19 respondeu-me Minha amiga ainda bela: “Ando a ver se ponho agora Os vadios porta afora Ou mesmo pela janela”. Tinha o nome de Virgília A dama misteriosa, Que fora, na juventude, Uma mulher mui formosa. Eu a tivera em meus braços, Naqueles tempos devassos, Época louca e saudosa. Ei-la, agora, a minha frente, Sem disfarçar a tristeza. Com esforço, buscava nela Traços da antiga beleza. Porém, para meu martírio,20 Passei a ter um delírio,21 O qual conto, com presteza.22

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No início, tomei a forma De um mau barbeiro chinês, Que fazia a barba de um Mandarim23 nada cortês.24 Com beliscão e confeito,25 Pagava o trabalho feito Aquele rude freguês. Eu, na Suma Teológica,26 A de São Tomás de Aquino, Me transformei, em seguida, De um modo bem repentino. Minhas mãos (vi entre a bruma)27 Os fechos eram da Suma, Livro famoso e divino. Então, voltando a ser homem, Vi um hipopótamo imenso. Pondo-me em seu dorso, disse Algo que me pôs bem tenso: “Agora, sem contratempos,28 Vamos à origem dos tempos, Cruzando o ar frio e denso”.

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Nada vi pelo caminho, Pois tinha os olhos fechados. Mas logo senti chegar Em territórios nevados. Quando os meus olhos abri, Bem lá embaixo, eu vi Os brancos vales gelados. Perguntei ao animal: “Onde é que nós estamos?” Respondeu-me o hipopótamo: “Do Éden nós já passamos”. “Podemos ver Abraão?” O animal me disse: “Não! Pois para trás caminhamos”. Logo vi a minha frente Uma colossal senhora. “Quem és?”, perguntei aflito. “Sou a Natura ou Pandora,29 Tua mãe e inimiga. Bem sei que isto te intriga. Mas não chegou a tua hora!” Numa imensa gargalhada, Que um vil30 tufão promoveu, Disse que bem poucas horas De vida teria eu. Supliquei à referida: “Dê-me mais anos de vida!” Ao que ela respondeu: “Importa a hora que vem, Não a que ficou pra trás. Se a onça mata o novilho, Pra viver é que o faz. Por essa razão, te aviso: De ti eu já não preciso! Nem um segundo terás!”

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Dizendo isso, levou-me Ao alto de uma montanha. Ali, como num cinema, Numa película31 estranha, Mostrou-me a humana história, A secular trajetória, Tão bela quanto tacanha.32 Vi a glória e a miséria, A grandeza e a sordidez.33 Vi a paz e vi a guerra, A honra e a mesquinhez.34 Os séculos desfilavam, E meus olhos nem piscavam, Vendo o que o homem já fez. E vi o homem correndo Atrás da felicidade, Em uma corrida inútil Que levava à insanidade, Pois, nunca sendo alcançada, Trazia a quimera35 alada Grande dor à humanidade. Cada século trazia Porções de sombra e de luz, Tendo sua glória e fracasso, Seu bônus36 e a sua cruz. E eu via tudo aquilo Extremamente intranquilo, Qual caça ante o arcabuz.37 Então, aumentou o ritmo Das tais imagens que eu via. A grande velocidade Vertigem38 em mim produzia. As imagens, misturadas, Não eram mais processadas Por mim, que nada entendia.

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Olhando para o hipopótamo, Eu notei, estupefato,39 Que ele então diminuía, Até transformar-se em gato. Eu, recobrando a razão, Vi meu bichano Sultão, Fazendo de bola um rato. E vejam agora a destreza Com que faço a transição, Da morte pra o nascimento, Sem trazer perturbação Do ritmo dessa história, Sendo uma coisa meritória40 De aplauso e de louvação: Meu delírio começou Tendo Virgília ao meu lado. E de minha juventude Foi ela o grande pecado. Mocidade segue à infância. E, assim, sem dissonância,41 Eis tudo bem costurado. Antes de falar de mim, Eu peço, por cortesia, Vênia ao meu bom leitor Para que, com fidalguia E sem qualquer alvoroço, E apresente, em esboço, Minha genealogia. Um certo Damião Cubas Veio a ser o fundador Da minha nobre família, Saiba o dileto leitor. Seu sobrenome altaneiro Veio de ser tanoeiro O obscuro senhor.

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Foi no século XVIII, Na metade da centúria, Que nasceu Damião Cubas, Que fazia, sem lamúria, Tonéis, cubas e barris. Terminou sendo feliz, Pois não morreu na penúria. É que, além de tanoeiro, Ele plantou e colheu. Boas e honradas patacas Deixou, pois, quando morreu. Luís Cubas, assim chamado Seu filho, um licenciado, Com essa herança cresceu. Porque tendo Luís Cubas Lá em Coimbra estudado, Conseguiu do vice-rei, Conde da Cunha chamado, Ser particular amigo. Conseguia assim abrigo Sob os auspícios do Estado. Meu pai, querendo ocultar Seu bisavô tanoeiro, Dizia que o sobrenome Ganhara um cavalheiro Que conquistou áureos louros Na batalha contra os mouros Em um país estrangeiro. Meu pai, mentindo, dizia Que o cavaleiro citado Trezentas cubas dos mouros Tinha então arrebatado. Era com graça tamanha Que contava tão façanha, Que não foi desmascarado.

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Se uma mentira serviu Para a família ilustrar, A história nos afirma Que ao clã veio a se entroncar Célebre figurão histórico, Embora bem pouco eufórico Meu pai viesse a ficar. É ao português Brás Cubas Que me referindo estou. Foi ele capitão-mor, A bela Santos fundou E a Vila de São Vicente Governou esse parente, De quem homônimo sou. Apesar de mui lustroso, Meu pai se desentendeu Com a família do Brás, O xará famoso meu. Logo, das cubas mouriscas, Com seus olhos em faíscas, Toda a história concebeu. Assim, tendo já descrito Minha genealogia, Volto agora a relatar Com garbo e com cortesia Sobre o eu nascimento, Tratando tudo a contento E singular maestria.

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