Vivendo com ELA

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Vivendo com ELA A luta e superação de uma mulher forte revestida de fé e esperança




© 2020 Todos os direitos reservados. Maria José Souza Vivendo com ELA

Publicado por: Revisão e edição: Luis Gustavo Rocha Cover Design by: Gabriel Godinho Escritora: Kátia Chistina Souza ISBN: X XXXXX XXX X


Maria José Souza VIVENDO COM ELA A luta e superação de uma mulher forte revestida de fé e esperança



Vivendo com ELA MARIA JOSÉ SOUZA


SUMÁRIO

Prefácio

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Introdução

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Minha origem

Descobertas

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Descobertas de 15 anos

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Choque de realidade

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Minha vocação, minha profissão

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Descobrindo paixões

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Primeiros sintomas

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Diagnóstico

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Nunca fui perfeita...

Desconstrução

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Dificuldades da ELA

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Pai x filhos

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Amigos são uma família

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Preconceitos

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A saga das cuidadoras

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Minhas cuidadoras

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Meus netos

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Meus filhos e ELA

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Ser portadora de necessidades especiais

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Privilégios

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Evolução dos sintomas de ELA em mim

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Aos cuidadores

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É bem assim

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Privilegiada

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Inacreditável

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Quem participou



PREFÁCIO

Por que um livro? Minha vontade de ter mais um dia de vida é muito grande. Entendi que não vim a este mundo à toa, que na vida nenhum estado momentâneo, ou até mesmo fixo, deve ser usado como desculpa para deixar que mudanças não aconteçam em nós. O simples fato de respirar mais um dia é transformador – tome isso como verdade em sua vida. Certa vez escutei que fui vencedora do maior concurso já existente. Entenda: para ser eu a escolhida naquele óvulo, concorri com 300 milhões de espermatozoides. Segui nessa corrida sem pensar no risco de não conseguir chegar antes que os demais, sem certo ou errado, sem pernas e sem braços, sem me preocupar com o preconceito dos que julgam; eu só tinha uma cabeça e uma calda. É interessante avaliar esse momento porque, de fato, aquele espermatozoide seguia em frente sem medo, apenas seguia em frente... Que coragem! Que coragem! Ele só queria

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chegar àquele óvulo, vencer... chegar! Não deveríamos jamais nos esquecer desse concurso, do qual fomos e somos vencedores! Eu venci! Eu vivi! E ainda vivo! Quero que saiba que tudo que passei em minha vida de ruim e desmotivador, toda atitude de preconceito que tiveram comigo, até mesmo a falta de amor e compreensão, nada fez com que eu desistisse. Continuo aqui querendo mais um suspiro, um sorriso, um abraço, uma oportunidade de me tornar melhor. Procurei não esquecer hora nenhuma de que sou VENCEDORA, não importa se minhas pernas não respondem mais, se não posso tocar mais o meu rosto, ou mesmo pentear o meu cabelo. Hoje, ainda tenho a oportunidade de olhar algo novo, ou mesmo algo velho. Temos que aproveitar todas as nossas oportunidades para viver com amor e generosidade essa jornada que se chama VIDA. Escrever este livro é apenas mais uma forma de poder contemplar todo o meu crescimento e aprendizado com essa jornada.

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INTRODUÇÃO

Aos 35 anos fui diagnosticada com Esclerose Lateral Amiotrófica, doença degenerativa – também conhecida pela sigla ELA – que causa a morte dos neurônios que controlam os músculos voluntários. A ELA é caracterizada por rigidez e espasmos musculares. Gradualmente, a fraqueza aumenta devido à diminuição do tamanho dos músculos. Neste livro procuro mostrar que mesmo diante de todas as dificuldades da doença eu ainda estou aqui. Dentro dessas páginas conto como foi e como está sendo passar por ELA. Falo de como foi minha descoberta, minhas dificuldades, frustrações, limitações e muitas outras situações. Falo de todas as fases que passei e descrevo um pouco melhor a de agora. Não quero, com este relato, ser motivo de pena ou dó, apenas quero poder ajudar a todos que assim desejarem, mostrando que tudo vale a pena.

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Já ouvi muita gente falar que sou exemplo de vida, de perseverança e determinação. Eu dou VALOR a minha VIDA, vejo com gratidão a oportunidade de ainda estar respirando, além do mais tenho sorte e tenho muita vontade de seguir em frente. Acredito que a minha vontade de viver frustrou profissionais da área médica que acreditam apenas em diagnósticos lógicos. Entenda: Existe uma estimativa de sobrevida, quando se é diagnosticado com ELA. Estima-se que o paciente sobreviva no máximo três anos. No meu caso, lá se vão 21 anos vivendo com ELA. Houve casos em que especialistas médicos se espantaram com meu estado físico. Alguns chegaram a ter dúvidas do meu diagnóstico. Nos momentos em que isso aconteceu, eu própria questionei se realmente tinha essa doença. Pensava comigo: isso é bom ou é ruim? Porque eles colocam de uma forma que me sinto na obrigação de me perguntar. Imagine como fica sua cabeça: ser diagnosticada com uma doença rara, devido à qual você fica sabendo que rapidamente não conseguirá fazer mais nada do que faz habitualmente, que rapidamente poderá perder a dignidade de escovar seus dentes, e toda necessidade fisiológica e emocional... Na verdade, qualquer outra necessidade que você tenha, simplesmente você não conseguirá mais fazer nada. E os profissionais que você procura ainda te tratam de uma forma onde não observam tudo que lhes foi apresentado. Eu me senti desanimada por várias vezes, pois todos que conhecem a ELA sabem que são devastadores seus sintomas. Comigo não foi diferente. A cada dia a doença tira um pouquinho de você, do que você é, do que você tem.

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Pelas estatísticas de instituições conceituadas, a doença geralmente se manifesta em pessoas mais idosas, mas há casos de pessoas que apresentaram a doença na faixa dos 20 anos de idade, o que é mais raro de acontecer. No meu caso, ela se manifestou quando eu estava com 33 anos. Em nenhuma das fases da doença eu me entreguei, não rendo facilmente. Confesso que desanimei muitas vezes, porém, sigo lutando contra cada dificuldade que aparece. Espero que de alguma forma minha história possa ajudar você, sua motivação, seus objetivos, seus sonhos, seu sorriso, pois acredite: escrever este livro para que você possa ler foi uma das maiores motivações da minha vida. Pode virar a página. Boa leitura!

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MINHA ORIGEM

Nasci no ano de 1964, no dia 20 de abril, em uma cidade do interior de Goiás chamada São Miguel do Araguaia. Eu era a quarta filha a nascer. Minha família é de origem simples. E como muitas famílias desfeitas, a minha não foi diferente. Logo após o meu nascimento, meus pais se separaram. Com esse fato, houve também a separação dos filhos. Minhas irmãs mais velhas ficaram com meu pai e meu irmão e eu ficamos com a minha mãe. Logo minha mãe entrou em um novo relacionamento, com um senhor chamado Antônio Rocha, que em minhas lembranças foi um grande pai para mim. Ele tinha quatro filhos e nos dávamos muito bem. Um homem distinto, do bem, que nos acolheu com amor, juntamente com seus filhos, nos oferecendo um lar e a chance de ser família novamente. Eu sentia muita falta do meu pai e irmãs, mas olhava com carinho e compreensão para aquela situação, pois sempre que podia meu pai nos visitava. 19


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Minha mãe se esforçava para lidar com aquela nova situação: muitas crianças e a sua nova vida. Assim também, meu irmão e eu nos esforçávamos. Estudávamos distante de casa, íamos a pé para a escola. Lembro-me da carreirinha de irmãos na estrada: os mais velhos nos guiavam. Essa lembrança me faz sorri, porque vejo amor, cuidado, proteção e zelo. Uma das lembranças mais simples e gostosa que tenho é de quando aquele senhor que estava generosamente sendo nosso pai ia até a cidade para buscar suprimento. Essa viagem era feita poucas vezes ao mês. Entre todas as coisas que ele trazia, uma era muito esperada por nós (os filhos): um imenso saco de pães. Não comíamos sempre, então posso afirmar: “QUE DELÍCIA ERA AQUELE PÃO!” São Miguel do Araguaia era uma cidade pequena, sem asfalto e com poucos recursos. Lembro-me de uma pequena pracinha, a energia que vinha de gerador. Na época, os geradores eram bem barulhentos e era possível escutar de longe seu barulho. Eu me lembro de uma vez que, para um avião aterrissar, foi necessário mobilizar todos que tinham um carro para iluminar a pista para que o mesmo tivesse sucesso em seu pouso. Mesmo sendo acolhida por aquela família com generosidade e amor, eu continuava sentindo muita falta do meu pai e das minhas irmãs. Ficamos nessa situação até os meus sete anos. Foi quando meu pai entrou em acordo com a minha mãe e eu pude morar com ele e minhas irmãs mais velhas. Ele tinha um sonho de voltar para sua terra natal – onde morava toda sua família – e levar os quatros filhos. Devido às dificuldades enfrentadas na cidade, meu pai decidiu recomeçar a vida em outro lugar, então, surgiu a oportunidade de nos mudarmos para Catalão, que também é uma cidade interiorana do estado de Goiás. Nossa viagem para Catalão foi uma grande aventura. Pense: um pai com poucos recursos e 20


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quatro crianças indo viajar de trem. A viagem seria cansativa e demorada. Esperamos muito tempo para poder embarcar no trem em Anápolis. Para a viagem, meu pai estava levando uma farofa de frango em uma lata que soltava ferrugem para nos alimentar enquanto esperávamos. Meu pai era um homem muito simples, caridoso, de um coração imenso, e que sempre viveu para ajudar o próximo e sua família. Passava horas olhando para ele e vendo o quanto eu o amava. Nessa viagem tivemos muitas dificuldades. Nossa comida era pouca para a demora, mas não estávamos sozinhos. Como nós, também havia outras pessoas no mesmo estado – o meu pai sempre observava a sua volta. No momento em que ele serviu a farofa para nós, percebeu que a sua volta havia outras pessoas que também tinham fome e não tinham nada para comer, e aquela farofa, que já era pouca para nós, foi dividida com outras pessoas que também tinham fome. Nunca me esqueço dessa cena, nunca me esqueço da lição que aprendi com meu pai. Ali aprendi o que é partilhar, partir, dividir. O gosto daquela farofa de frango com sabor de ferrugem foi, com certeza, a farofa mais gostosa que eu comi em toda a minha vida. Para muitas pessoas, riqueza está na fartura de tudo a sua volta, para mim, naquele momento, a riqueza estava na generosidade de compartilhar o pouco que se tem e poder olhar com carinho para quem está a sua volta.

Entenda: “Tudo que se oferece ao universo, você recebe de volta.” Acredite, é a mais pura verdade. Mais adiante, em nossa viagem, meu pai ficou preso no banheiro do trem. Devido à pressão de ficar fechado, ele sentiu muita dor no ouvido. No sufoco, a minha irmã pingou o colírio no ouvido pensando que era remédio para dor. Estávamos com muita fome e a farofa acabou. Meu pai não tinha dinheiro para nos oferecer outro alimento e, ao nosso lado, havia um senhor – o mesmo que 21


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arrebentou a porta do banheiro para salvar o meu pai – com duas marmitas e o mesmo nos ofereceu, mais uma vez, generosidade, caridade, e ali, com uma marmita oferecida por um estranho, a minha família e eu pudemos mais uma vez compartilhar da nossa riqueza: neste momento visualizei a VOLTA. Meu pai foi, com certeza, o maior exemplo do que eu queria ser. Lembro-me com carinho de cada detalhe, cada sabor. Mesmo feliz por estar com eles novamente, não me esquecia de minha mãe com minhas irmãs mais novas Luzinete e Eliete, fruto do novo casamento. Ela se esforçava para estar com a gente e nós com ela. Moramos com meu pai alguns anos, ele estava doente e nós ajudávamos no que podíamos para facilitar para ele. Há uma segunda parte da minha infância da qual não posso deixar de falar. Um tempo que vivi com meu pai e meu irmão, já que duas irmãs mais velhas ficaram na cidade trabalhando e nós três fomos morar na fazenda do meu tio. Eu era uma criança adulta, acho que posso falar assim. Não tive tempo de brincar – não porque eu não podia, mas porque eu sempre fui muito responsável e sempre olhei muito a minha volta, me sentindo na obrigação de ajudar. Gostava de cuidar dos afazeres de casa e ajudar meu pai a cuidar do meu irmão – tarefa que eu tinha amor em realizar. Um dia eu peguei uma calça dele para lavar, estava muita suja da roça, seu tecido era tergal. De tão suja, tive que colocá-la para ferver e ela encolheu, ficou pequeninha. Tomei um susto quando vi: “O que foi que eu fiz?” Quando meu pai chegou da roça, a calça estava no arame enxugando. Pensei que fosse receber uma grande bronca, porém, ele apenas riu e falou: “Tá bom, minha filha!” Meu irmão Adolfo e o nosso primo gostavam muito de brincar. Um dia eles foram para o mato matar passarinho com estilingue 22


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e trouxeram um periquitinho. Eles pediram para eu cozinhar, pois queriam comer, só que o bichinho ficou o dia inteiro no fogo e não cozinhou. Peripécia de criança... As situações naquela época não eram fáceis. Para poder comprar umas roupas e sapatos, era preciso vender a colheita. Todos ajudavam. Era o esforço que tínhamos que fazer. Lembro-me de uma vez que fomos para a roça ajudar a colher algodão para poder comprar roupa e calçado. Durante um tempo, familiares do meu pai nos ajudaram. Na fazenda de um tio em que moramos, nossa professora era uma prima querida. Posso dizer que éramos amigas, companheiras. Achava lindo que minha prima fosse nossa professora. Eu a admirava e queria ser como ela. Na região onde morávamos eram comuns festas de roça (até hoje existem), são festas típicas com forró e leilão. Sempre que aconteciam as festas, minha prima e eu íamos, cada uma em um cavalo. Diversão garantida! Eu era a dama de companhia da minha prima, e com isso me sentia importante, além de responsável. Eu era companhia não só para ela, mas para as vizinhas de fazenda. Vivemos uma vida simples, de dificuldades, mas cheios de amor. Sonho quase todos os dias voltando naquele lugar. Sempre acreditei na força de alguém que nos olha lá do céu. Deus. Sinto no meu coração que Deus sempre olhou por nós. Lembro de uma vez que não tínhamos nada para comer em casa, eram dias difíceis. Eu estava com meu pai, voltando para casa, e avistamos uma seriema. Logo pensei que podíamos pegar aquele bicho e matar para podermos comer. Meu pai não matava nem uma formiga. Ainda assim eu sugeri e ele falou olhando para o bicho com uma pedra na mão: “Senhor meu Deus, se for para matar a fome dos meus

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filhos, que eu acerte essa seriema.” E foi só uma jogada certeira – o pássaro caiu no chão. Quando eu tinha 12 anos, meu pai Pedro Pereira Duarte veio a falecer, ele sofria da doença de Chagas no intestino. Eu trabalhava na casa de uma família, estava lavando o fogão à lenha, toda suja de carvão, quando meu irmão chegou dizendo que meu pai estava me chamando. Como ele já estava muito doente, eu nem pensei e saí correndo. Quando cheguei, ele estava deitado, então me aproximei da cama, mas ele já não me conhecia mais. Coloquei a cabeça dele no meu colo e fiquei do seu lado enquanto pude. Quando saí de perto, escutei meu primo dizendo: “Ele está morrendo.” Entrei em desespero naquele momento, nunca senti uma dor tão forte. Era costume colocar uma vela na mão dos mortos, naquela época, e me lembro que, para seguir a tradição, meu primo colocou um isqueiro na mão do meu pai, e foi assim que me despedi dele, meu amado pai.

Entenda: Hoje olho com mais clareza e posso afirmar que meu pai é meu maior exemplo de vida. A formação do meu caráter foi com seus exemplos, tenho muito dele em meu ser. Como não havia possibilidade de continuar em Catalão, meu irmão e eu voltamos a morar com nossa mãe. Eu não queria ter ido embora, porque eu tinha um namorado de adolescência – sonho com ele até hoje –, mas a minha mãe não podia morar lá. Fiquei feliz de estar junto com a minha mãe e ao mesmo tempo triste.

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DESCOBERTAS

Voltando a morar com a minha mãe, mal sabia eu que iria começar uma nova história da minha vida. No mesmo ano em que voltei a morar com ela, conheci meu futuro marido. Nessa época eu tinha 12 anos. Ele havia saído da casa dos pais – que moravam em uma fazenda – para buscar sua independência e dinheiro. Morava sozinho e era minha mãe quem lavava e passava as roupas para ele, foi assim que nos conhecemos. O namoro naquela época era assistido e mal segurávamos na mão. A minha mãe não me deixava sair sozinha com ele. Quando era para eu sair, a minha mãe colocava meu tio, irmão mais novo dela, para nos acompanhar. Além de tio, ele também era meu amigo e foi muito importante na minha vida. Conversávamos muito. Eu era só amor porque era só isso que eu tinha conhecido. A nossa diversão naquele tempo era ir ao cinemacirco que sempre chegava à cidade, parque de diversão e um forró

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em casa de família. As festas de família tinham que ter forró. Nós gostávamos de dançar. Uma das prioridades do meu marido era casar-se com uma moça de família, “virgem”. Ele dizia que se eu não fosse virgem, ele não teria casado. Por muitas vezes eu escutei isso. Tive até que provar para ele que eu era virgem, permitindo que ele tocasse em mim. Durante muito tempo namoramos por carta, pois logo me mudei de cidade. Acho que, de certa forma, começava a tecer em minha mente um romance nunca visto. Imaginava um príncipe encantado para mudar minha vida... Imagino que toda menina sempre sonhe com este momento na vida. Sempre guardava comigo as cartas que ele me escrevia e sempre que podia eu as lia. Sempre que ele podia, pegava um táxi para me visitar na fazenda que eu morava. Pagava por hora o táxi. Eu o esperava ansiosa, me preparando, vestindo minha melhor roupa, cuidando da casa e deixando tudo preparado para esperar por ele. Entre namoro e noivado foram três anos. Meu sonho era me casar com aquele moço! Eu tinha 15 anos quando me casei.

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DESCOBERTAS DE 15 ANOS

Em minha cabeça casamento era igual ao de filmes, desenhos... Mágico, para sempre, regado de muito amor, por mais que ele tivesse me pedido a prova de que eu era virgem, não imaginava o que de fato aquilo significava. Nunca havia conversado com ninguém sobre casamento e o que estava implicado na decisão de casar, quais seriam minhas obrigações de esposa, o que eu faria na cama além de dormir. Nunca fui faladeira. Sempre muito reservada, jamais dei ousadia para ninguém falar sobre minhas intimidades, e com isso eu acaba sem por não ter acesso a muitas informações. Nem de longe eu imaginava como seria um homem nu! Meu casamento aconteceu. Somente após 10 dias consegui ter relação sexual com meu marido, aquilo era assustador para mim. Ele foi compreensivo comigo, sou grata por isso. Meu marido era 31


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um homem bom, honesto, porém sua formação influenciou em muitas tristezas que eu atravessaria no futuro. Amar e ser amada! Um sonho. Eu sei que fui agraciada com amor. Porém, na companhia desse amor também veio junto muita obsessão, ignorância, traição... Meu marido veio de uma família tradicional de São Miguel do Araguaia. Seu pai, não muito diferente dos outros de sua época, era muito severo. Seus métodos educacionais eram severos e doloridos. Hoje visualizo as coisas dessa forma, naquela época me causou muito sofrimento. Antes de nos casarmos, em um momento de conversa com minha mãe, ele disse: “Se for preciso eu vou bater!” Na hora eu escutei, mas não imaginei jamais que ele poderia fazer isso. Eu não imaginava qual era o exemplo que ele tinha em casa, até porque o pai dele foi contra nosso casamento, ele acreditava que eu não era moça para ele, que minha família não era boa. Os primeiros cinco anos de casada foram muito difíceis, pois eu apanhava muito, sofria com as ignorâncias dele, com ciúmes excessivos. Eu não tive uma família com pai e mãe unidos, mas eu nunca vivi em casa nada parecido que pudesse me preparar para o que eu estava vivendo. Meu pai nunca me bateu. Meu marido fingia que saía de casa e ficava me vigiando, para ver se alguém ia até a nossa casa. Logo fiquei grávida, imaginei que na minha gravidez ele cessaria as agressões, mas isso não aconteceu e apanhei várias vezes com meu filho na barriga. Eu sempre desejei meu lar, minha família. Na minha cabeça, eu tinha que passar por tudo isso, porque ele era parte do meu sonho. Grávida, então, todos os dias eu pensava: “Isso não vai mais acontecer.” 32


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Quando meu filho nasceu, meu marido não mudou nada, queria colocar ordem até no bebê. Achava que o bebê se calaria com “cara feia” e ordem de cale a boca. Meu filho sofreu muito com o pai. Aí foi que as coisas pioram para mim, pois meu instinto de mãe não permitia as atitudes do pai dele. Passei a apanhar mais. Vivi cinco anos muito difíceis, até que engravidei novamente. Quando minha filha nasceu, parece que, com ela, nasceu também algo diferente em meu marido, então começamos a viver dias melhores. Começamos a viver em paz, sermos mais família. Eu era dona de casa, não tinha uma profissão – no máximo eu ajudava lavando e passando roupa quando havia oportunidade para ter algum dinheiro. Para completar, meu marido gostava de outras mulheres, eu não bastava para ele.

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CHOQUE DE REALIDADE

“O que os olhos não veem o coração não sente”, dizem. Eu imaginava muitas coisas, mas, de fato, nunca vi. Até que logo eu descobri uma traição, uma amante. Meus filhos estavam crescidos, nessa época estávamos morando Catalão. Eu me senti perdida e refém da situação, com duas crianças, sem renda própria, o que eu poderia fazer? Engolir a amante? Ou viver refém daquela situação?

Entenda: Sempre desejei ter uma família, eu fui construída com amor, nenhuma dificuldade que vivi me preparou para todas essas decepções e dores. Eu me esforcei muito para que meu marido fosse diferente comigo e nessa época ele me mostrava que era, vivíamos tempos de paz. Nessa época meu marido já havia se tornado outro homem e eu sempre o amei. Diante dessa nova realidade me senti obrigada a mostrar para ele, mais uma vez, que eu era diferente, que dentro de mim existia ainda muita força e que não tinha vivido tudo o que vivi com ele para terminar assim! Mais uma vez pensei na família, mas não deixei de me posicionar, mostrar quem eu era, quem eu sou. 35


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MINHA VOCAÇÃO, MINHA PROFISSÃO

Diante do cenário de mulher do lar traída, sem eira nem beira, nasceu uma costureira, uma mulher mais forte, e independente. Costurar, para mim, foi um divisor de águas, me permitiu conhecer um novo mundo, construir sonhos antes não sonhados. Consegui meu primeiro emprego como costureira. Aliava o trabalho com os afazeres de casa, pois eu sentia que deveria melhorar. Criar moda era minha paixão. Criar... cortar... costurar!!!! Então comprei minha primeira máquina. Morando em Catalão, com a ajuda de algumas pessoas influentes, conseguimos uma casa doada pelo governo. Foi maravilhoso sentir a sensação de termos nossa casa, e meu marido já me via com outros olhos, confiava em mim, então tudo estava caminhando para termos mais felicidade, estávamos construindo nossos sonhos. Que sensação boa. Junto com a casa, logo veio minha confecção. Ali naquele local eu me sentia abençoada, tínhamos amigos, estávamos sorrindo mais. Eu conseguia partilhar o que havia recebido. Um dia me ensinaram uma profissão e eu podia retribuir. Assim fiz. Ensinei quem eu pude, posso dizer que, de certa forma, contribuí com a vida de algumas mulheres, algumas que estavam na mesma situação que eu estava, outras não. Ali eu fazia o que me realiza profundamente: compartilhar. 37


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DESCOBRINDO PAIXÕES

COZINHAR: Sempre cozinhei, mas nessa época eu estava uma master chef do cerrado. Sempre que podíamos, reuníamos os vizinhos com suas famílias para os almoços de domingo. Meu marido no comando da churrasqueira e eu no fogão. Diziam que minha galinhada não tinha igual. Eu acredito. AJUDAR: Nossa casa era pouso para todos que precisavam. Familiares sempre se hospedavam conosco, para tratamento de saúde – minha mãe, irmãs e irmãos meus e de meu marido. Eu fazia questão de ajudar com os médicos. ESTUDAR: Eu estudei pouco, parei na quarta série, e sempre desejei voltar aos estudos. O incentivo maior veio da minha filha, pois ela estava vivendo uma fase de rebeldia e com isso matava muito as aulas. Foi quando decidi me matricular para estudar com intuito de poder acompanhá-la de perto. Com isso ela mal ficava perto de mim – imagino que por sentir vergonha –, porém eu fingia nem ver e foi assim que aproveitei essa oportunidade de estudar. 39


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PRIMEIROS SINTOMAS

Em 1998 comecei a sentir os primeiros sintomas da doença. Formigamento nos ombros e mãos, perda da força no ombro e braço esquerdo. Procurei o ortopedista, em Catalão mesmo, e me disse que poderia ser LER (Lesão por Esforço Repetitivo). Ele me pediu para não costurar por trinta dias e me aconselhou fisioterapia. Mas os sintomas só aumentavam. Continuei minhas atividades normalmente. Tarefas simples como cozinhar, tirar poeira da casa e costurar ficavam cada vez mais difíceis. Lembro-me, naquela época, de um comercial de uma emissora de televisão sobre o HIV. Nele, o ator dizia: “Você acha que não vai acontecer com você.” Essa é uma realidade. Nunca achamos que algo ruim vai acontecer conosco. 41


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Meu coração ficava apreensivo. Logo meu marido ficou desempregado. Eu sabia que eu não podia parar de trabalhar, mas só sentia piora. Ele conseguiu trabalho em Goiânia e ficou abrigado na casa de uma familiar por um tempo. Tínhamos que resolver essa situação, porque não podíamos continuar morando distantes. Foi assim que decidi me mudar para Goiânia, com a expectativa de unir nossa família novamente. Mas não foi assim, outra separação iria dilacerar meu coração. Meu filho se recusava a ir para Goiânia. E permaneceu morando na casa de amigos que eram como irmãos para ele. Cidade nova, vida nova... Ops! Os sintomas só pioravam, mesmo assim, organizei minha confecção em casa mesmo, e continuei trabalhando. Procurei vários médicos em Goiânia, então fui percebendo que não era uma simples LER o que eu tinha. A cada hora era um exame diferente, um médico diferente. Aflita por meu filho não estar comigo, sem ter muitas notícias, eu me apegava a algumas paixões, como escutar música. Sou fã de Zezé de Camargo e Luciano, Leandro e Leonardo, e adorava escutá-los. Fazia coleção de reportagem e fotos deles. De certa forma, me abrigava nas músicas deles. Logo, meu filho veio morar com a gente, começar uma vida nova.

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DIAGNÓSTICO

O médico que me deu o diagnóstico foi o neurologista. É claro que antes passei por várias outras especialidades, e muitos exames, alguns tive até que repetir. Cheguei a fazer uma tomografia da cabeça, que mostrou uma mancha enorme no meu cérebro. O médico disse: “Não é possível você, com uma mancha dessas, em pé!” Repeti o exame. Teve um erro. Até eu ser diagnosticada, passei por inúmeras situações assim: erros, descaso, profissionais mal preparados... Já parou para pensar em quanto sofrimento situações e pessoas assim causam na vida do outro? O neurologista que me acompanhou após estar com todos os resultados de exames em mãos chamou uma especialista para falar comigo. Ela também era neurologista. 45


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A médica não me poupou de nada, foi direta e reta: – O que você tem é Esclerose Lateral Amiotrófica. Os movimentos que você perdeu não vão voltar mais. Essa doença só piora, tudo o que você perder, não vai mais recuperar. Geralmente, evolui em até três anos, levando ao óbito seus portadores. Ela é degenerativa, progressiva, ela atrofia seus músculos, e músculos você tem por todo corpo... Simples assim! Eu me pergunto até hoje que tipo de profissional é aquela mulher. Perdi meu chão, me senti desolada, com falta de ar, sem saber o que fazer ou falar. Eu estava sozinha no consultório. Saí dali e me sentei em um banco de praça e não conseguia parar de chorar. “Meu Deus!” eram as duas únicas palavras que eu conseguia elaborar. Cheguei em casa depois de muito tempo, estavam minhas ajudantes e amigas na confecção, meu filho no sofá, eu simplesmente me joguei em cima dele e não parava de chorar, não conseguia parar. Todos sabiam que eu tinha ido ao médico para obter meu diagnóstico, porém, não sabiam o que era. Meu mundo desabou. Comecei a pesquisar mais sobre a doença e eu só me assustava mais e mais. Minha casa não tinha internet, então fui pedindo às pessoas que tinham. Tive um choque de realidade a cada informação obtida. Nunca me esqueço das palavras que li: “Não há cura, não há remédio!” Esperei um tempo até contar para as pessoas que eu amava. Pensei muito em como falar, pois não queria que soubessem da mesma forma horrível que eu soube. Depois de muitas pesquisas, fui acumulando informações para poder falar o que era preciso.

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Meu marido viajava bastante, por telefone eu não conseguia falar, porque só chorava. Disse a ele que iria passar o telefone para alguém dizer o que sabiam, mas ele queria falar comigo. Respirei fundo e então eu disse para ele tudo o que a médica havia falado quando ele chegou de viagem. Estava distante, frio, parecia que uma parede me separava dele. Eu precisava tanto do apoio dele e ele não me ofereceu. Minha dor só aumentava. Fomos até a médica para ele entender melhor tudo que estava acontecendo. Ela pediu para falar a sós com ele, estava bem aflita. Então, ela explicou o que iria acontecer comigo. Depois de ser diagnosticada, eu ainda procurei vários médicos, escutei muitas coisas doloridas, entre elas, não me esqueço de uma que um médico disse: “Você deve se acostumar com ELA.” Como? Como me acostumar com a triste realidade que passei a viver?

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NUNCA FUI PERFEITA...

A vida me derrubou várias vezes e eu me levantei, e sem entender o porquê de tanta queda, seguia sem olhar para trás. Caminhei segura do que eu queria: VIVER. Dentro do meu coração o amor fala mais alto, mesmo que eu queira não tem espaço para ódio e mágoa. Mesmo errada em alguns momentos, recuar nunca. Muitas vezes quebrei a cara sim, magoei pessoas queridas, com certeza, eu tenho consciência disso, sem ter a intenção, e me magoei também, tomei decisões em momento de raiva das quais depois me arrependi. Mas isso não me fez desistir. Confesso a você que está lendo este livro que me enfraqueci em alguns momentos, chorei demais da conta em outros, mas nada disso tirou minha gigantesca fé, e mesmo não indo muito à igreja, leio a Bíblia e conheço a Palavra. 49


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Sempre priorizei Deus acima de tudo, de minha própria vida. Não sou perfeita, aliás, ninguém é perfeito. Muitas pessoas me disseram que eu sou exemplo de vida, de perseverança e determinação. Eu tento manter a expectativa que me desenham, tento vencer todos os dias, procurando não olhar para os lados, nem para trás. Busco absorver só o que edifica a minha alma, o que faz bem ao meu coração. Eu acredito que sou muito apegada à minha vida, e além do mais, tenho sorte de estar viva até hoje, porque Deus tem um propósito para mim. Contar até dez nunca funcionou comigo, confesso. Já tentei, para não agir na ira e falar sem pensar, para não sair da linha e dos meus princípios, e para não perder tudo o que eu aprendi até aqui. Já tive sonhos destruídos, muitas vezes tive vontade de sumir. Por mais que eu tente ser forte o tempo todo, não consigo, sou humana, isso faz parte da vida. Já passei por tantos desertos, já encarei gigantes emocionais, já chutei o balde, e só não morri na praia porque o sou uma mulher revestida de fé e esperança. O que eu sou hoje, já estava nos planos dele. Encho-me de alegria por saber que tudo posso, sim, n’Ele que me fortalece. Os dias difíceis passam, estou afirmando. A dor, o sofrimento, e a decepção não são para sempre, e quanto mais testados somos, mais fortes e experientes ficamos, isso é fato. Eu já me senti a pior pessoa do mundo. Se sentir abandonada, traída, não anula o que já foi preparado para você. Não há tempestade que te distancie de Deus quando se tem fé, porque vem dela a certeza de que seguir em frente é mais importante que o medo.

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DESCONSTRUÇÃO

Com o diagnóstico de ELA eu me vi sendo desconstruída. Tudo que lutei para ter e ser estava se desfazendo. Aos poucos fui perdendo minha independência, e cada vez mais eu precisava das pessoas. Foi muito difícil para mim, me ver declinando, eu estava perdida, perdendo minha locomoção, a força do corpo, a força da fala... Estava começando minha prisão em um corpo sem resposta. Não conseguia mais costurar, eu tentei o máximo que pude. Muitas vezes me machuquei tentando. Eu não conseguia. Aos poucos fui me desfazendo das máquinas e materiais que possuía. Insisti muito para que Kátia Christina e Fabiana, que naquela época moravam comigo, aprendessem meu legado, mas isso não aconteceu. Eu ia me afundando em tristeza, via meus sonhos se desfazendo, e eu não tinha forças para lutar.

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Meu marido se distanciou de mim. Cada vez menos ia em casa, nem encostava em mim; me colocou em um altar e lá me deixou. Quanta perda em um só momento, cada vez mais fraca, mais ia se acumulando sentimentos em mim. Uma realidade nova começava a surgir. Eu não tinha plano de saúde, gastamos o que tínhamos e o que não tínhamos. O tratamento indicado era fisioterapia e fonoaudiologia para o resto da vida. No início eu paguei, e tudo era muito caro, até que um dia me falaram sobre a Associação dos Deficientes Físicos do Estado de Goiás (ADFEGO). Lá eu consegui tratamento sem custo algum. Como eu ainda conseguia andar, também fiz o passe livre para que eu pudesse ir de ônibus para o tratamento, três vezes por semana. Para essa tarefa, cada vez mais eu sentia dificuldades como a de subir os degraus do ônibus e me segurar, pois muitas vezes não conseguia lugar para sentar. Como as pessoas eram desumanas! Das muitas vezes que usava o transporte público, em poucas tive ajuda para me levantar. Eu me machuquei muito. Quanto preconceito existe nas pessoas, no coração delas. Quanta indiferença! Conheci de perto todos esses sentimentos, pude senti-los em minha carne. Fazendo tratamento na ADFEGO tive a oportunidade de conhecer projetos ligados a ela, o que acabava enchendo meu coração de esperança, de companhia, de saber que eu não estava sozinha. Com eles fui a Brasília duas vezes conhecer melhor o projeto do Instituto Paulo Gontijo. O doutor Paulo Gontijo era portador da ELA. Físico e engenheiro civil, o empresário dedicou sua vida a transformar sonhos em realidade e gostava muito de ciência. Eu tive o prazer de conhecê-lo. Eu ainda andava quando o conheci. O instituto, para ele, era o templo da ciência, onde ele investiu tempo 54


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e dinheiro com a finalidade de descobrir algo para ajudar com a doença. Para mim foi um choque conhecê-lo, porque ele estava em um estágio mais avançado da doença: encontrava-se na cadeira de rodas e minha cabeça já começava a pensar como seria quando eu estivesse como ele. Trocamos contato. Ele até ligou algumas vezes. Estava empenhado na descoberta da cura. Sempre recebia correspondências do instituto. Quando ele veio a falecer, foi um baque para mim, pois me sentia vista através da luta dele. Com sua morte, veio o sentimento de abandono e solidão em uma luta muito difícil. Mas as pesquisas continuaram, pois era o desejo dele. Naquela época, as informações eram poucas, diferente de hoje, que temos acesso às novidades por meio de entidades como a Associação Brasileira de Esclerose Lateral Amiotrófica (ABRELA) e a Associação Pró-Cura da ELA, que sempre atualiza a situação de casos iguais ao meu.

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DIFICULDADES DA ELA

Estar doente trouxe para mim muitas dificuldades nos relacionamentos. Meu marido se afastou de tal maneira que antes ela ficava 30 dias viajando, e logo passou para 60 dias. Eu me sentia sozinha e abandonada. Quando ele chegava, eu era uma estranha, não havia mais diálogo entre nós. Eu amava meu marido, sentia sua falta, a saudade doía... Quando tinha oportunidade, eu o abraçava e falava PRECISO DE VOCÊ, mas não surtia enfeito sobre ele. Nem em nosso quarto ele dormia mais. Colocava o colchão no chão, na área, e dizia: “O Quarto está quente demais”, mas eu sabia que não era por esse motivo. Ele não queria estar perto de mim. Eu estava doente, não morta! Que marido passa tanto tempo longe de sua esposa e não a procura? Que dor terrível! Foi muito doido 57


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passar por essa fase, pois me sentia inútil, minha autoestima lá no chão. Inválida como mulher. Meu ex-marido sempre pulou a cerca, tinha essa certeza comigo. No fundo, eu sabia que ele tinha outra mulher – uma certeza que tivemos depois de um tempo. Ter certeza de uma traição quando se é sadio, podendo fazer novas escolhas, já é difícil e doloroso, imagine na minha situação? Dependendo de pessoas, passando por momentos tão doloridos que, em uma escala de 1 a 10, a nota merecida é 1000. Nem para brigar eu tinha forças, minha voz era fraca. Como pode? Meu coração se dilacerava de dor, tristeza e solidão. Não podia contar com meu marido, estava só nessa jornada de “até que a morte nos separe”. Acho que só eu escutei “na saúde e na doença” que falamos diante do padre. Ali começou uma batalha dentro de mim. Queria atrapalhá-lo, tinha necessidade de colocar para fora minha dor. Então o procurei de várias formas, por mensagens de SMS e várias ligações, importunar a mulher com quem ele se relacionava... Mal sabia eu que nessa história a pessoa que mais ia se ferir era eu mesma. Hoje, olho para essa fase e percebo o que Deus desejava me mostrar, e percebo que muitas vezes nos perdemos na raiva, na mágoa e na dor. Muitas vezes precisamos olhar para dentro e entender que corrigir a falha do outro não depende de nós e que alimentar mágoa e raiva dentro de nós só nos causa mal. Meu casamento só estava existindo de fachada. Em uma última conversa, em que procurei palavras para destruí-lo e atingi-lo, mandei-o embora de casa. Desejava vê-lo na sarjeta. Eu que estava! Ele poderia recomeçar, fazer o que quisesse, estava livre em seu corpo e escolhas. Eu, presa em meu corpo, refém de uma escolha que não pude fazer.

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Pés tipo tesoura.

Mãos parecendo garras.

Perda do equilíbrio.

Endurecimento da panturrilha direita ou esquerda.

Perda da fala.

• Bruxismo. •

O cérebro permanece em perfeito estado biopsicossocial.

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PAI X FILHOS

À medida que a doença avançava me via sem forças para ser a mulher que era: mãe, trabalhadora, guerreira. Meus filhos cuidando de mim e me colocando nos planos deles, nos projetos deles, pois cada vez mais eu precisava deles. Minha separação fez com que meus filhos também se separassem. Tomaram minha dor, por muito tempo se mantiveram distantes do pai por minha causa. Toda decisão tem uma reação. É preciso estar preparado para ela. Não queira culpar a reação a uma decisão que não foi sua.

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AMIGOS SÃO UMA FAMÍLIA

Tudo que alguém pode desejar na vida é sentir-se valorizado, amado. Mesmo que você seja independente, tenho certeza que quer segurar na mão de alguém e sentir que não está sozinho. Não tive meu marido para me acompanhar nas descobertas mais difíceis, mas tive meus filhos, amigos que vieram como presentes. Mesmo se não acreditasse em Deus, eu passaria a acreditar. Quando a locomoção já era bem difícil, tive anjos como amigos, que fizeram questão de me ajudar. Guardo no coração com todo carinho e generosidade o meu Calmi Dias, uma vez ele me disse: é um privilégio para quem pode estar ao seu lado, acredite. Quantas vezes me levou às fisioterapias sem me cobrar nada... Quantas vezes me abraçou, foi me visitar e me levou para passear... comer peixe frito, que, por sinal, era muito gostoso! Os motoristas de ambulância, senhor Manoel e senhor Eleomar, sempre tão carinhosos, nunca me esqueciam. Minha viagem com eles era alegre, eles tinham vontade de me escutar, e nunca vou me esquecer deles. Tive o benefício do município por não ter veículo próprio. Com isso, ganhei amigos. Grandes amigos. 63


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Deus trouxe para minha vida pessoas incríveis, me mostrando que meu marido poderia não estar ao meu lado, assim como algumas pessoas poderiam ter se afastado, mas que Ele me trouxe outras. Ter dificuldades na vida todos nós temos, não reclame! Olhe à sua volta e veja um gesto gentil, um sorriso de canto de boca, alguém que aparece como milagre para completar sua existência. Pessoas assim foram enchendo meu coração de alegria e me fortalecendo cada vez mais. Eu cuidei de tudo até onde consegui. Lembro-me de lavar roupa e, como não tinha máquina, tinha que torcer as peças. Para isso eu mordia um lado e ia torcendo devagar, segurando com os pulsos, porque eu não conseguia segurar com minhas mãos. Dessa forma, lavava as roupas aos pouquinhos, até terminar. Costumava ficar com os braços queimados, pois para cozinhar segurava a colher com os pulsos. Eu lutei enquanto pude, até que minha filha assumiu todo esse papel, passou a cuidar da casa e dos afazeres. Eu tinha necessidade que ela fizesse como eu falava. Foi uma aventura, pois minha filha era impulsiva, sempre de muita opinião. Assim, começamos uma fase de proximidade e mais intimidade. Ela era meu cão de guarda, me defendia de tudo, às vezes muito explosiva. Vivemos muitas coisas juntas. Estar doente faz você olhar para as coisas e para as pessoas de modo diferente. Os lugares que você passa a frequentar te mostram que você não está sozinha, e que seu caso não é o pior. Existem piores. O lugar onde eu fazia minhas terapias me mostrou isso.

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PRECONCEITOS

Posso dizer que vi e senti na pele o peso dessa palavra. Certa vez fui a uma agência da Caixa Econômica Federal com minha filha e a fila estava imensa, minha filha então disse: “Mãe, vai até o gerente e veja se ele atende a senhora enquanto eu seguro a fila.” Assim eu fiz. Estava tão cansada, sem forças nas minhas pernas, meus braços se movimentavam de forma aleatória, pois eu não me controlava mais. Cheguei até o gerente e expliquei a situação. Disse que era portadora de necessidades especiais e ele me respondeu: “Necessidades especiais de quê? A senhora tem mais saúde que eu”, disse com muito pouco caso. 67


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Abaixei minha cabeça e voltei para perto da minha filha, que logo me perguntou o que ele falou. Eu não queria dizer nada, pois eu estava engasgada. Mas disse a ela o que aconteceu. Como falei antes, ela era o cão de guarda. Imagino que o gerente recebeu uma lição que nunca esqueceu – é claro, se ele foi inteligente. Minha filha foi até ele, explicou com um pouco mais de clareza como ele deveria tratar pessoas como eu. Creio que naquela tarde todos que estavam naquela agência puderam escutar minha filha falando com aquele senhor. Ela sempre se expressou muito bem. Ele veio me pedir desculpas e logo fomos atendidas. Outra vez fomos à missa em Trindade, em um dia de domingo, para levar a chave do carro que conseguimos comprar. Significava muito para nós, pois tínhamos como ir para as terapias. Eu estava na cadeira de rodas, na porta da igreja, porque lá estava muito cheio e não tinha como ficarmos do lado de dentro, quando uma senhora colocou uma moeda de um real no colo. “Meus Deus”, pensei, “como as pessoas podem ser assim?” Eu me senti humilhada com aquela situação. Já não basta você sair de casa e todos ficarem te olhando? Parecendo que você tem lepra. Por onde eu passo o olhar de “coitadinha” me acompanha, ou mesmo “Nossa, o que será que ela tem?”, “Nossa, ela baba!” Sinto isso, em cada olhar que recebo. Não sou diferente porque estou doente. Pedi a minha filha que devolvesse o dinheiro, mas ela não devolveu e disse para eu deixar para lá. Preconceito não é só uma questão de fala, mas como se olha, como seu corpo se mexe. Já estive na presença de vários médicos, que me trataram tão mal, que demorei a me recuperar de tais atitudes e falas. A humanidade não é toda preparada para tratar com generosidade e dignidade as pessoas que lutam como eu. É

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claro que existe quem muda essa regra. Vejo meus netos, que são criados com o diferente e acabam tendo dentro de si esse tempero. Muitas vezes estar doente não é o mais difícil, e sim o que vem com a doença. Poderia dar inúmeras lembranças do que vivi de preconceito, lições que aprendi com elas, mas deixo claro que essas lembranças estão em mim e me fizeram melhor. Quero compartilhar mais de generosidades.

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A SAGA DAS CUIDADORAS

Todas as cuidadoras que tive e tenho são meninas novas. Eu sentia falta de uma pessoa para conversar. Já estava acostumada ficar sozinha, por que os meus assuntos não interessavam a elas, e vice e versa. Até que um dia Deus enviou a Rose pra minha vida, ela é casada tem dois filhos, é uma mulher com muito amor no coração, companheira e amiga, onde eu estava ela estava junto. Tínhamos muitos assuntos . Cada dia que passava ela com seu jeito carinhoso de ser, foi me conquistando. Fiquei amiga de todos da família. Um dia nós fomos ao cinema assistir o filme ( como eu era antes de você) chegamos no shopping não tinha sessão, e ai me deu uma dor de barriga, tivemos que ir correndo ao banheiro, e logo depois voltamos para casa. A Ângela que nos levou, na volta eu sorria muito, e eles não entendiam o porquê quando chegamos em casa eu falei: fui no Shopping só pra fazer o número 2! No mesmo dia voltamos para assistir o filme, foi muito divertido. Ela ficou comigo um ano, depois ela conseguiu um outro trabalho. Mas, ela nunca me deixou, continua minha amiga do coração. 71


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Com a Cristina foi mais fácil, a minha filha já tinha conhecimento dos grupos. Foi só postar o anúncio que apareceram muitas candidatas. Na entrevista, a Kátia sempre perguntava a altura da pessoa – porque se fosse mais baixa que eu, ficava muito difícil, a pessoa poderia não dar conta de sustentar o meu peso em pé para trocar minha roupa. A Cristina era mais baixa e magrinha. De início minha filha achou que ela não fosse dar conta. Passou uma semana e não apareceu nenhuma candidata com o porte físico ideal. Eu já tinha visto a foto da Cristina e gostei. Falei pra minha filha: “Vamos tentar com ela!” E assim foi feito. A Kátia perguntou se ela queria me conhecer. Ela veio para ficar apenas três dias... e acabou ficando mais de um ano. Ela veio de Marabá, no Pará, à procura de serviço e para dar um tempo no ex-namorado, porque a tia não aceitava o relacionamento. Ela estava morando com uma amiga, só que a amiga já estava trabalhando e ela não. Estava passando fome, não tinha nada para comer e nem dinheiro. Mesmo assim, a tia dela ligava e ela dizia que estava tudo bem, para não dar preocupação. Depois de uns dias nessa situação, a tia mandou dinheiro, ela foi ao supermercado próximo do apartamento fazer um lanche e, enfim, pôde comer. Como ela havia passado muitos dias sem se alimentar, acabou tendo uma dor de barriga tão forte, que quase não deu tempo de chegar ao banheiro. Nos primeiros cinco dias que ela estava comigo, mal deu conta de me transferir de cadeira. Do jeito que ela conseguia me colocar na cama eu ficava. No primeiro dia que ela foi fazer o meu almoço, começou dez horas da manhã e terminou uma hora da tarde. A minha filha falou pra ela: “Não vou desistir de você.” De carinhosa ela não tinha nada, mas ela me conquistou pelo jeito de se 72


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preocupar com o meu bem-estar. Qualquer barulho diferente que eu fazia, ela vinha e me perguntava: “Está tudo bem?” Uma frase que ela sempre falava que eu não esqueço: “Não me deixa!” Isso fazia eu me sentir importante. Eu gosto de sair em lugar perto, onde dá para ir empurrando a cadeira, mas com ela a minha filha não deixava, porque achava que ela não dava conta de empurrar. Um belo dia nós fomos dar uma voltinha na rua. Eu havia chamado a Cristina para ir às escondidas na feira. Ela topou. Na volta o pneu da minha cadeira arrebentou em frente a uma pracinha cheia de gente. Fez um barulho como se tivesse soltado uma bombinha. Nós rimos tanto, até fazer xixi na roupa. Eu estava com as verduras no colo. Não teve jeito de ficar escondido. Depois de um tempo que essa minha cuidadora estava aqui, ela foi visitar a família e matar a saudade do namorado. Acho que essa foi a viagem mais importante da vida dela, pois ela voltou grávida. Foram os três meses mais longos da minha vida, porque ela enjoava muito e não podia passar creme perfume em mim. Antes da viagem dela, ela já tinha começado a digitar meu livro. Transformar a minha história em um livro é o meu sonho. Ela fez parte dele. Com a gravidez veio o estresse. A falta de paciência, a saudade de casa, os enjoos... Nós nos desentendemos várias vezes, um dia por causa do meu notebook: eu queria olhar as minhas redes sociais na mesa e ela queria ficar no sofá. Eu desisti. Ela me ofendeu, me chamou de pirracenta. Confesso que pensei que nunca mais iria conseguir gostar dela. Aos poucos ela foi melhorando e me conquistou novamente.

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Quando ela foi treina a outra cuidadora ela mostrou um lado que eu não conhecia. Ela quis ensinar a outra melhor do que ela fazia. Esforçada em todos os sentidos e organizada como nunca. No início ela entrou na academia pra fazer luta. Ela dizia que era para ficar forte, porque ela queria força para sustentar o meu peso. Um dia ela foi me coloca na cama e colocou tanta força que acertou meu pé na parede, arrancando a unha do dedão inteira. Saiu tanto sangue na hora! Doeu muito, mas eu não tinha visto o estrago. Ela ficou assustada e eu falei que foi um acidente. A Jack foi a cuidadora que mais me deu problema. De carinhosa ela também não tinha nada. De quinze em quinze dias tinha que sentar com ela e conversar para tentar mudar o jeito dela comigo. Ela é uma pessoa de coração bom, porém, devido à história dela na infância, fazia sentido o jeito dela. Carente de carinho da família, foi abandonada quando era pequena, foi criada pela avó, o pai casou de novo e a madrasta não era muito boa. A Jack não assumia quando estava errada, tinha sempre um argumento. Sabia da sua obrigação, mas só fazia se eu pedisse. Isso foi me deixando muito nervosa. No meu conceito, ser uma cuidadora não é só dar conta de dar banho, transferir de uma cadeira para outra... Tem que ter atenção, paciência e cuidado. E eu sou uma pessoa extremamente educada, gosto de receber bem as minhas visitas – visitas que quase sempre são os médicos. Ela, quando chegava, fazia questão de ficar no quarto. Foi difícil ensinar para ela, porque ela veio de outra educação. Em um dia de folga ela foi para a casa dela passado mal com dor de estômago. Voltou na segunda-feira e chegou dizendo que estava grávida. Na

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hora eu não acreditei, porque ela dizia que era uma “moça pura”. Eu pensei: “A história se repete. Lasquei-me!” Passamos dias difíceis, muito difíceis. Com ela foi pior. A Jack tinha um jeito que me irritava profundamente. Não esperava terminar de falar e virava as costas, ignorando. Pra mim, isso é o pior defeito. Eu confesso que não sou totalmente boazinha, eu tenho defeitos como todo mundo. Ela não fazia suas obrigações sem eu pedir e aí eu me tornava chata. Um dia chegaram todos da equipe médica e ela simplesmente sentou no sofá e cruzou as pernas. Todos ficaram em pé. Depois da gravidez ela cismou que eu estava humilhado ela. Um dia eu perdi a paciência e falei alto com ela (pelo mesmo motivo de sempre). Ela disse que ia chamar o advogado. Fiquei chocada. Ninguém nunca tinha falado isso pra mim. Eu chamei a cuidadora para ter uma conversa verdadeira e expliquei o que estava me chateando. Depois, perguntei a ela o que eu fazia que a chateava. Ela responde: “A senhora tá falando alto comigo.” Foi um aprendizado o que eu vivi com ela. No começo eu estava alimentando só sentimento ruim, só que passei a valorizar o contrário: o lado bom. O dia que ela amanhecia sorrindo, fazia suas perguntas de criança. Ela e minha neta de nove anos brigavam o tempo todo, não podia ficar perto uma da outra que dava choque. Aos poucos fui percebendo que ela tinha admiração por mim. Quando eu dava conselhos, percebia que ela dava importância. Quando ela foi comprar o enxoval do bebê dela, eu fui junto. Se eu não achasse bonito o modelo e a cor, ela não escolhia. Eu entendi que ela era apenas uma criança de vinte anos, carente de afeto e de carinho.

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MINHAS CUIDADORAS

Ser cuidada por alguém é aprender que sua vontade não prevalece, que suas prioridades não são as prioridades de quem te cuida. É trabalhar, segundo a segundo, seu temperamento para aceitar os próximos segundos que virão. Tive, assim, oportunidade de conhecer bem de perto pessoas com mentalidades diferentes. Meus filhos assumiram a missão de cuidadores. Trabalharam e trabalham para não me deixar excluída de suas vidas. Para que possam trabalhar, pagam uma ajudante. Meus filhos buscavam este perfil, pois geralmente eram moças que querem uma oportunidade para juntar um dinheirinho a mais, e conseguir um emprego. Oferecíamos nossa casa para moradia, nossa comida, nosso coração. 77


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Posso dizer que passei por muitos dias difíceis. Não é fácil conviver com um perfil que não é o seu, pensar na escolha de um cuidador apenas pelas habilidades físicas para cuidar de mim. Havia cuidadoras mecânicas que faziam o que era pedido, mas me ignorando Se eu não as chamasse, elas não ficavam perto de mim. Quando terminavam uma tarefa, não buscavam nem de uma forma remota ou simples ser agradáveis comigo. Por muitas vezes me senti sozinha e vazia, apenas respirando, e respirando, esperando o próximo dia, dia esse que seria igual ao anterior. Ter pessoas incompatíveis com você para ajudar a fazer uma tarefa que não consegue terminar sozinha é uma coisa, no entanto, ter essas mesmas pessoas para fazer algo que em hipótese alguma você conseguiria sozinha é desesperador. De certa forma, nunca perdi as esperanças de ter cuidadoras compatíveis, contrariando as que conseguiram deixar cicatrizes profundas em mim. Certa vez escutei a seguinte frase de uma delas: “Dona Maria, eu consigo viver sem receber o salário, mas a senhora não consegui viver sem mim. Você não consegue ficar um dia sem alguém por perto.” Outra, por estar nervosa, agoniada ao me pegar, estava me dando arranco, e para que ela parasse, eu disse: “Para de ser BRUTA”, só que ela entendeu que eu a chamei de PUTA... E ali mesmo começou a discutir e brigar comigo. Ela é deficiente auditiva, eu, com a dificuldade para falar, então só virava confusão. Apesar dessa situação, ela era uma boa pessoa. Em outros casos, eu dizia: “Estou com dor de barriga, preciso ir ao banheiro.” E eu escutava assim: “Mas agora?! Acabei de te 78


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deitar! Por que não falou antes?” Havia, ainda, as que eu chamava por vezes e fingiam não me escutar... Teve até quem saísse de folga para nunca mais voltar. Sempre entendi e aceitei a minha situação. Meu primeiro cuidador – meu marido – me rejeitou. Isso deixou um vazio imenso em meu coração. Pensei muitas vezes que não fosse conseguir, mas passei por isso! Muitas vezes ficava olhando minhas colegas de terapia sendo acompanhadas por seus companheiros. Meus olhos brilhavam de pensar no quanto eram afortunadas. Meus filhos assumiram o papel de cuidadores, e as pessoas que entraram em suas vidas – seus cônjuges –, também! E para que pudessem construir suas vidas, precisaram contratar minhas cuidadoras. Eu vivi e vivo um dia por vez, e com essas mocinhas não foi diferente. Tive também a oportunidade de ter cuidadoras incríveis como a Rose, que me mostraram que justificava ter esperanças de encontrar pessoas compatíveis. Fui privilegiada com dias alegres, nos quais eu era incentivada a sorrir, onde meus banhos eram tão gostosos que duravam hora, onde minha boca espumava de tanto conversar e minhas lágrimas corriam de tanto rir! Presentes de Deus em minha vida terem me dado a oportunidade de ser chamada de amiga, de sentir a sensação de ser uma “invalida necessária”. Definição de inválida necessária: É quando você não serve para nada, não consegue fazer nada, não tem nada e, ainda assim, você escuta: “Vamos passear comigo?”, “Me dá sua opinião?”, “Vim te ver”, “Preciso te contar algo, mas não conta para ninguém”, “Eu amo você”, “Confio em você”, “Como você está hoje?”, “Não gosto de ficar longe de você”, “Vou te ajudar 79


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a escrever seu livro”, “O que quer comer hoje?”, “Vamos passar um batom?”, “Preciso de você em minha vida”. Sou privilegiada por ter tido pessoas assim em minha vida!

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MEUS NETOS

Posso dizer que ser mãe foi a maior descoberta de amor que tive. Deus, quando vi meu filho não sabia onde guardar tanto amor, e quando pensei que não era possível amar mais, veio minha filha dobrando o amor no meu peito. E então vieram os meus netos! Como é maravilhoso amar um neto. Quando descobri que seria avô, me veio um sentimento de desespero. Minha filha que cuidava de mim estava grávida! Quem iria cuidar de nós duas? Como eu, naquela situação, poderia ajudar ela? Cuidar dela? Mas tudo se ajeitou e, então, olhei meu primeiro amor infinito: meu neto Lucas, que delícia de bebê! Como foi importante viver na sua vida. Logo veio a minha Maria Clara, adoçando meus dias. Meu filho demorou bem mais para ter filhos. Quando a pequena Esther chegou, celebramos muito. Posso afirmar que eles são a energia da minha vida! Como é maravilhoso amar meus netos, mesmo não conseguindo segurá-los em meus braços, eles sempre vêm até mim. Por último, veio a rapinha do tacho da minha filha, o pequeno Pedro Rafael. 83


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MEUS FILHOS E ELA

Tenho certeza que você já riu ou fez piada de sogra. Sogra é o complemento do seu cônjuge. Eu sou o complemento dos meus filhos – preciso deles para sobreviver. Considero-me uma mulher de sorte, porque tenho meus filhos comigo, meus cuidadores e companheiros. Sei que não é fácil para eles administrarem seus relacionamentos com meus cuidados. Nem todos entendem as necessidades deles – assim como meu marido não me compreendeu e não esteve presente no início da minha história com a ELA. Minha filha teve dois relacionamentos nos quais vivemos dificuldades de entendimento, cada um com a sua. O tempo fez com que amadurecêssemos e, hoje, ela foi abençoada com um companheiro com o qual estão construindo uma família. Meu filho foi abençoado com uma companheira. Uma grande mulher. Não há nada melhor na vida de uma mãe do que ver seus 85


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filhos felizes e bem acompanhados. Tenho que dizer que a maior dificuldade que todos enfrentam é a privacidade. Hoje moro com os dois, eles dividem os cuidados comigo. Tenho meu espaço na casa de cada um. Isso não me faz ter um lar. Não estou sendo ingrata em dizer tal coisa, mas não sinto que tenho uma casa – tenho um espaço. Um espaço não é um lar, um lar é um sentimento seu, de ser seu... No seu lar, você tem seu espaço, privacidade e liberdade. Não tenho uma privacidade, nem liberdade. Costumo dizer que mato um leão por dia. Quando as pessoas se chateiam, um casal briga, amigos, ou em qualquer tipo de relacionamento, as pessoas têm a opção de ir cada um para um lado, opção de sair ou ficar, falar ou calar. Eu não tenho essa opção. Logo vêm milhares de perguntas e possibilidades. Eu entendo toda a preocupação e aceito, pois até para chorar eu preciso de companhia, não consigo enxugar meu nariz, secar minhas lágrimas; não consigo escolher estar sozinha. E por ter dificuldades para falar, sou mal compreendida muitas vezes, não só pela dificuldade de falar, mas porque às vezes nem esperam eu terminar de falar e tentam deduzir o que eu estou falando, viram as costas e se dão por entendidos. Estar com ELA é ver as pessoas decidindo por você, como se sua opinião não contasse. A vida de uma pessoa dependente é, de certa forma, a sobra, o vão na vida de seu cuidador. Expressar minhas desavenças profundas não é reclamar, mas sim deixar exposto o que sinto. Vejo no rosto dos meus cuidadores o cansaço. Eu me coloco no lugar deles e compreendo. Cuidando de alguém por tanto tempo, tudo vai virando rotina, e normalmente vamos nos esquecendo de quão grave e devastador é essa doença conhecida por ELA.

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Todos vão se revezando nos cuidados básicos para minha vida. Vejo-me olhando meu corpo, quase uma consciência externa. Minha cabeça fica a mil, imagino milhões de coisas que gostaria de fazer: Visitaria as pessoas que tenho saudade; Passearia mais; Ajudaria mais e mais pessoas; Faria um desfile só para experimentar as roupas do guarda-roupa; Iria ver meus familiares, quantas vezes eu quisesse. Volto para meu corpo e vejo que não é dessa forma que as coisas irão acontecer. E percebo que minhas prioridades não são as prioridades alheias. Estar dependente é conviver com clareza dessa realidade. Ser dependente é sofrer no paraíso. Eu falo que viver com a ELA é sofrer num paraíso porque sofrer é ter vontade de comer e não poder; é ter de dormir antes do desejado para desocupar quem precisa acordar muito cedo; é perder o poder de decisão; é não poder vestir uma roupa e ficar em pé em frente ao espelho; é ter desejo e nunca mais conseguir realizá-lo; é não ter privacidade no banheiro; é ficar deitada por horas, na mesma posição, às vezes com vontade de algo que não peço por não querer incomodar ninguém. Deixei de entender na prática o sentido de palavras como liberdade, privacidade e escolha, e sinto muita falta de ser perguntada sobre minha opinião. Sendo alimentada por sonda, até me sinto saciada, mas a vontade de comer não passa nunca. Por outro lado, o paraíso é poder estar junto com minha família; é poder ter uma cuidadora, além de outros profissionais, para cuidar de mim; é poder ver meus filhos com saúde; ter amigos; 87


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poder provar algum sabor de vez em quando. Sinto-me abençoada por estar viva e por ter visto os meus netos nascerem; e ainda por ter vivido a emoção de entrar com meu filho na igreja, no dia do casamento dele. Eu não imaginava que ele iria fazer questão de entrar me empurrando. O fotógrafo pediu que ele ficasse do meu lado, senão ele não iria aparecer de corpo inteiro nas fotos, mas ele não quis, e entrou me empurrando até o altar, linda e maravilhosa, com a autoestima lá em cima! Viver no paraíso é isso. É viver uma emoção a cada dia. As pessoas acreditam que milagre é quando uma pessoa é curada de uma doença, mas não: milagres acontecem todos os dias e não percebemos. Dei alguns exemplos, mas entenda: não teremos nunca tudo o que queremos. Nada será sempre perfeito. Precisei amadurecer muito para entender isso.

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SER PORTADORA DE NECESSIDADES ESPECIAIS

Ser um portador de necessidades especiais é ter certeza de que vai ter pessoas a sua volta que não vão permitir que você se esqueça um só minuto que tem deficiências, que depende... Vão te mostrar a toda hora que você: 91


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Não pode.

Não é.

Não vai.

E até mesmo que você é: • Pesada. • Doente. Vai ter pessoas dizendo assim também: “Vá ao dentista e peça para arrancarem seus dentes, assim não vai ter o trabalho de escovar!”, “Corta seu cabelo bem curtinho para não ter o trabalho de lavar toda hora”, “Tem que emagrecer, porque ninguém dá conta de ficar te levantando toda hora, não!”. Quando eu ainda mastigava, comia extremamente pouco, porque não conseguia comer direito. Hoje me alimento por sonda, como tudo triturado, geralmente à base de verduras. Mas voltando às palavras duras, ouvi também: “Se quiser que eu atenda suas necessidades, fique junto de todo mundo.” Querer ficar sozinha é para não ver as pessoas te olhando como se você fosse uma extraterrestre, ou mesmo para elas nem te olharem. “Não atendo esse tipo de paciente”, “Larga de ser preguiçosa e pega na minha mão”, “Tadinha dela, ela baba”, “Nossa, olha como está a mão dela!”. Existe em nossas vidas pessoas que podem se afastar pelo simples fato de não querem te ver doente. Estranho isso, não é? “Gosto demais de você, mas vou me afastar porque não quero te ver assim.”

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E ver as pessoas te perguntando “Tudo bem?” sem terem a menor intenção de escutar a resposta. Assim, elas mesmas respondem: “Está tudo bem, não é?” E logo saem de perto de você. Acontece também de conversarem coisas sobre você na sua frente, falam alto porque pensam que sou surda, outras fazem gestos como se eu fosse muda porque acreditam que você não entende nada, está sofrendo demência. Em todas essas situações, você é ferido porque percebe que as pessoas estão despreparadas para você. E que poucas pessoas vão permanecer próximas para conviver com a sua luta diária.

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PRIVILÉGIOS

Estar em uma cadeira de rodas me fez conhecer o universo da leitura, e com ele poder sair das minhas limitações. Não é demagogia quando você escuta que ler um livro te dá asas. Tenho vários livros. Se dependesse de mim, eu lia um livro por dia, porém, dependo de uma mão para virar as páginas! Na correria do dia a dia as pessoas se esquecem do que realmente é importante. Estar limitada me permite observar o quanto as pessoas andam ficando vazias de si mesmas e como estão por fora de suas próprias vidas. Hoje as pessoas não compartilham momentos simples, como fazer uma refeição em uma mesa. Fazer uma refeição! Viver o momento de se alimentar, alimentar seu corpo e sua alma! Seu 95


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corpo: saborear com tranquilidade o alimento, mastigar a comida sentindo os sabores... Sua alma: poder alimenta-se da satisfação dos que estão em sua mesa, olhar para os seus e sentir a afeição que tem por eles, sentir falta dos que não estão à mesa... Não consigo me lembrar da última vez que comi um pé de frango! Poderia dizer uma coxa de frango, mas o pé de frango iria exigir minhas habilidades com a mão e minha boca... Eu fico imaginando se eu pudesse novamente comer um pé de frango: o comeria calmamente, chuparia cada ossinho, sentiria o caldinho na minha mão. Tenho certeza de que iria lamber meus dedos, depois! Certa vez assisti uma palestra em que um padre dizia a seguinte frase: “Você precisa cercar Jesus e não deixar que ele saia enquanto não te curar.” Por um tempo tive minha fé abalada, até entender que eu estava sendo curada sim, e posso afirmar a vocês que, sim, eu fui curada. Minha alma foi curada, aprendi a perdoar, a amar quem já havia desistido de amar. Sinto em meu coração que fui levantada todas as vezes que caí, que sou impulsionada por uma força maior que eu. Sinto hoje que minhas lágrimas não foram em vão, elas me permitiram ser melhor. Escuto muito que sou exemplo de vida, que meu sorriso é lindo. Então, tomei posse e mesmo muitas vezes não sendo esse exemplo decidi que eu iria sê-lo.

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EVOLUÇÃO DOS SINTOMAS DE ELA EM MIM

Começou com uma dor nos ombros, com isso fui perdendo a força na mão esquerda. Conforme o tempo foi passando, fui perdendo a força nos braços. Como a primeira manifestação foi no lado esquerdo, ele estava sempre pior que o direito. Logo, foi passando para as pernas. Sem a agilidade dos braços, fui perdendo o equilíbrio, e as pernas ficaram cada vez mais fracas, bobas. A fala foi piorando junto, minha língua se enrolava, as palavras saíam com mais dificuldades. Salivava mais e a deglutição foi ficando bem difícil. Minha alimentação era bem demorada, porque eu comia bem lentamente, minha boca não respondia como eu queria. Com as pernas mais fracas e toda a falta de equilíbrio, tive vários tombos. Caí 99


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muitas vezes, e várias vezes me machuquei muito, tive vários tipos de fraturas e cortes na cabeça, pois quando caímos nessa situação, a primeira parte do seu corpo a tocar o chão é seu rosto e cabeça. Percebi que as maiores pioras eram provenientes do estado emocional em que me encontrava: quanto mais abalado, pior eu ficava. Perdi muito peso por não conseguir comer direito, tive várias doenças respiratórias, muitas pneumonias aspirativas devido à quantidade de alimentos que iam para o pulmão. O declínio do meu corpo estava sendo inevitável, e tudo piorava mais e mais. Logo foi necessário fazer uma gastrostomia – o que me ajudou muito, pois não me alimentava direito e engasgava muito. Esse procedimento foi bastante dolorido, no corpo e na alma. No corpo: passei por uma endoscopia onde tive complicações devido à anestesia geral a que tive que me submeter, meu estômago e barriga furados, tive muitos enjoos e senti muitas dores. Como meus partos foram de cesariana, comparo muito as dores que senti com as dores da cesárea, pois parecia que o corte feito em mim era imenso. Na alma: COMER. Nunca imaginei não poder comer mais, nem nos piores pesadelos. A satisfação de se alimentar é algo que não tem explicação; é saciar uma necessidade física e mental. Muitas vezes comemos com os olhos, junto com isso vem uma necessidade imensa de mastigar. Não sei mensurar o quanto foi dolorido sentir vontade de comer. Com a sonda gástrica não sinto fome, porém não passa a vontade de comer. Muitas vezes chorei sozinha com vontade de comer coisas simples, como quiabo ao molho. Triste realidade, essa, onde os seus não se alimentavam perto de você, para que não sentisse vontade de comer. Com isso, perdia o mo-

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mento que sempre dei valor em minha casa: refeições em família; poder comer e olhar a minha volta. Com o passar do tempo fui me acostumando. Quando não consigo segurar a vontade, colocam uma pequena prova em minha boca. É o que me permite sentir um pouco dos sabores. De forma gradual fui perdendo toda a minha mobilidade e independência corporal, não consigo sustentar meu pescoço, isso me faz sentir dores fortes, pois nem sempre consigo estar em uma boa posição. Não consigo mais fechar minha boca. Dizem que quem fica de boca aberta, o mosquito assenta! Não consigo segurar saliva e, dessa forma, preciso sempre de um pano por perto. Minha fala ficou bem prejudicada, minha língua atrofiou bastante, me esforço muito para conseguir fazer as pessoas me entenderem. Geralmente falo letra por letra, então imagine como foi escrever estas palavras, expressar minhas ideias. Não existe nada mais frustrante do que desejar ser entendida, ouvida, compreendida e não conseguir. Ter histórias para contar, e demorar horas para formas palavras – imagine frases! Costumo dizer que falo muito com meus olhos, e posso afirmar que tento bastante não falar palavras novas, na esperança de que as pessoas entendam as mesmas que falo todos os dias. Faço uso de um aparelho que me auxilia na respiração, chamado BiPAP. Com ele, minhas noites se tornaram mais agradáveis – claro que com a ajuda de medicações para dormir.

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AOS CUIDADORES

Amados, a deterioração dos meus nervos faz com que me comporte diferente do que eu gostaria. Tenho problemas com impulsos que não estão passando pelos meus neurônios, não me culpem pelos efeitos da doença. Não tirem de mim o poder de escolhas e participação! Concordo que perdi todo o meu físico, mas minhas faculdades mentais estão plenas e tenho consciência de tudo que vivo junto com vocês. Ainda estou VIVA! Quero ser incluída nas vidas e decisões que estão ligadas a mim. Não desistam de mim, me estimulem sempre, creiam que sou capaz e isso será um combustível em meus dias. Não facilitem meus obstáculos, isso somente me faz perder o

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respeito por mim e sentir-me inútil. Minhas mãos deformaram, os pés e os dentes, mas a vontade de sorrir é a mesma Não me repreendam ou discutam comigo só para sentirem-se melhor, pois para mim só piora as coisas, causando um isolamento interno e externo em mim – com isso, me afasto de todos; momento que causa muita dor e traz consigo um sentimento imenso de solidão e incompreensão. Quero que saibam que não sinto vergonha do meu estado. Entendam: é um ESTADO, não nasci assim! Não me escondam em casa, levem-me para passear, sentir o sol, ver o jardim florido, as crianças na praça, famílias unidas, risadas largas... pessoas vivendo sem prisão! Eu vejo a beleza do mundo que me cerca. Olhem-me nos olhos quando forem falar comigo, mostrem a mim respeito, dando valor às minhas expressões e falas. Tragam-me paz mesmo estando aflitos. Deem-me dignidade, não percam a paciência quando eu não conseguir realizar algo. Eu preciso de ajuda e compreensão. Sinto-me sozinha e às vezes bate um desespero: um preso isolado em uma prisão solitária. Já vi alguns filmes onde os mesmos em algum momento ficam loucos e começam a morder a parede, falam sozinhos, gritam, metalizam uma pedra e um avião... O avião no ar e ele com a pedra... Ficam tão loucos que acreditam que a pedra irá derrubar o avião! Assim sou eu em meu desespero, nessa prisão corporal. A doença faz com que eu mude meu temperamento e não controle o funcionamento do meu corpo. Não me causem constrangimento quando eu não der conta de controlar as necessidades fisiológicas. Para mim, esse momento foi e será devastador, tenha certeza.

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Deem-me sua mão, seu colo, seu ombro, seu abraço, seu carinho... Isso é o que eu preciso. Não sejam preconceituosos. Preconceito é o mal do mundo, afinal, ninguém escolhe ser diferente, muito menos ter uma enfermidade. A ELA é uma doença que vai matando aos poucos, aprisionando seu portador na realidade de decadência, impotência e inutilidade. Sejam minha força, meu sonho colorido de amor. Não sintam dó ou qualquer outro sentimento impossível de positividade, não lamentem o que eu não sou mais: me encorajem a ser melhor sempre! Deem-me seu coração. Por último, quando eu partir, não se desesperem, não se entristeçam, lembrem-se do meu sorriso e olhem no espelho e vejam que cheguei até onde cheguei por vocês! Entendam que isso não tem a ver com seu carinho ou o quanto amei vocês, e sim com VIVER DENTRO DE VOCÊS. Isso mesmo: DENTRO DE VOCÊS. A única certeza que temos é de que um dia todos morrerão, quero permanecer viva eternamente dentro do coração de quem amo.

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É BEM ASSIM

Gostaria de alguma maneira tocar sua alma! Trazer para o seu íntimo a sensação de depender dos cuidados de alguém, pois somente assim poderia sentir o que sentem todos que passam por esta necessidade. Feche seus olhos, tente por alguns segundos imaginar a seguinte situação: Seus braços e pernas amarrados, você não consegue se mexer, a posição que te colocaram está fazendo com que sinta dores, está desconfortável, para completar a cena tem mosquitos pousando no seu nariz e boca e de companhia tem formigas subindo na sua orelha. Você tenta se mexer, mas não consegue, está agoniado porque 107


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a formiga te atormenta, o mosquito te atazana, e não há comando nos braços e mãos para acabar com seu tormento. Neste mesmo cenário você está com muita sede, e você está olhando a garrafa de água bem gelada a sua frente, mas como está imobilizado(a), não consegue ir ate lá e saciar sua sede. Neste cenário existe uma pessoa próxima a você que poderia ajudar, então você vê a solução! Pede ajuda: – Por favor, tem uma formiga na minha orelha, pode tirar? – Por favor, tem mosquitos pousando em mim, pode fazer parar? – Estou com muita dor, pode mudar minha posição? – Estou com sede, me ajuda a beber água? Visualize a pessoa que não tem nenhum impedimento, podendo te ajudar com situações simples, mas que para você são grandiosas, te olhando com pouco caso, te oferecendo um olhar de desdenho, fazendo uma cara não muito amigável; como você imagina ser seu sentimento diante da situação? Continue com seus olhos fechados e imagine a mesma situação, e as mesmas necessidades, porém neste cenário existe ao seu redor uma pessoa que se oferece para solucionar seus problemas, que está com um pano abanando os mosquitos, que já tirou a formiga antes mesmo dela causar maior desconforto, que mudou sua posição para melhorar sua situação e que ofereceu um copo com água geladinha porque percebeu que poderia estar com sede! Consegue visualizar a diferença?

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Mesmo com suas dificuldades, limitações e dependência, qual pessoa pode melhorar seu cenário? Escolha ser por alguém o que você gostaria que fossem por você. Imagino que você, familiar, não teve o direito de escolha, pois tenho certeza que não escolheria ter alguém que dependesse inteiramente de seus cuidados, e esse é mais um motivo para que queira ser leve e fazer a diferença na vida de quem você cuida. E para você, que escolheu essa profissão, escolha que cenário quer trazer para a vida de quem você está cuidando. Cuidar e doar... Escolha doar sorrisos e boa vontade, pois ninguém escolhe ser cuidado, depender. Poderia trazer o seguinte ditado: “Faça com os outros aquilo que gostaria que fizessem com você, por você!” Para você que decidiu ou precisou ser um cuidador, entenda: humanizar um atendimento significa agregar, doar, abrir mão de suas vontades e priorizar as do outro.

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PRIVILEGIADA

Poucas pessoas têm o mesmo privilégio que eu, de apreciar o que é belo, como diz o escritor Augusto Cury. Momentos simples que acontecem no dia a dia. Na correria que as pessoas vivem não sobra tempo, mas eu tenho tempo de sobra, e procuro aproveitá-lo ao máximo. A tecnologia tomou conta das pessoas, quando elas têm tempo, estão preocupadas com os amigos virtuais, e não falam com quem está do seu lado, é lamentável. É muito fácil decorar uma casa hoje em dia, basta um sofá, televisão, Wi-Fi, um celular na mão... Ninguém senta na mesa para almoçar e nem para janta. Isso é fato. Parece insignificante o que vou dizer, mas para mim faz sentido. Vou dar alguns exemplos simples que ninguém para para observar: os passarinhos tomando banho em uma vasilha de água 111


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dos cachorros. Eu fico observando os pardais por horas, nem eles gostam de ficar sozinhos. A fêmea fica se exibindo para o macho e acontece a dança do acasalamento. Observar os aviões no espaço. Moro perto do aeroporto. Quando está fazendo calor, fico na porta da rua e vejo que eles aparecem de uma direção e viram rumo ao seu destino. Observar o formato das nuvens do céu, acompanhar com o olhar uma formiguinha no chão. Na época de muito vento, observo as pipas, qual está mais alta. Ouvir o galo da vizinha cantar de madrugada. Mas não pense que eu tenho essa delicadeza de acordar todo dia e apreciar esses pequenos detalhes, não! Tem dia que eu tenho vontade de cortar o pescoço dos passarinhos, jogar pedras nos aviões, esmagar as formiguinhas no chão e enforcar o galo da vizinha. Mas logo passa, graças a Deus, e assim eu vou vivendo um dia após o outro. Vida que segue.

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INACREDITÁVEL

Não fique esperando que sua vida mude sozinha. Não espere algo acontecer com você para poder mudar algo em você. Construa sonhos, deseje alto e alimente sempre em você estes desejos. Quando percebi o tamanho da minha vontade de viver, comecei a deletar as emoções como mágoas, decepções, raiva e todos os seus companheiros de dentro de mim. Comecei a focar nas coisas que queria para mim. Foi quando percebi que tudo estava vindo até mim. Pedi a Deus que eu não ficasse sozinha, e fui recebendo em minha vida pessoas que preenchiam meu vazio, fazendo com que nunca ficasse sozinha. Priorizei ir em frente, e sentir que meu companheiro um dia valorizasse tudo que um dia eu fui e fiz por ele. E recebi um homem que me ajudou de uma forma que nunca imaginei! Mesmo não vivendo como marido e mulher, meu marido voltou a estar ao meu lado, me auxiliando no que precisei, se preocupando com minhas vontades e pedidos, dando valor em nossa família. Desejei tanto uma pessoa que me escutasse, se importasse de verdade com meus pensamentos foi quando comecei fazer terapia com a Mayara, que fez meus dias mais suaves, me mostrando o quanto ela se importava e se interessava no que eu falava, me 115


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ensinando uma grande lição... Eu nunca vou me esquecer! Virou meu lema: “Pegue das pessoas somente as coisas boas! Foque nas coisas positivas, jogue fora o negativo.” Com isso vivi e vivo mais leve! Incentivadora e amorosa, minha terapeuta, que fez questão de me atender, mesmo sem receber! Toda vez que a vejo abro um grande sorriso. Desejei tanto médicos que fossem precisos e profissionais, que recebi verdadeiros padrinhos! Profissionais que me fazem ver que não estou sozinha, me mostram que podem ser mais que médicos! Me mostram que são filhos, pais, amigos... Desejei tanto cuidadoras que pudessem me compreender, que recebi amizades queridas! Desejei tanto um CD novo do Zezé de Camargo e Luciano que recebi a oportunidade de conhecê-los, e poder tocar seus rostos para me lembrar do início de minha doença, o quanto me confortei com suas músicas! Desejei tanto que meu filho tivesse uma boa companheira, que o compreendesse e o aceitasse com seus defeitos, que recebi uma filha, tão generosa, parceira, preocupada e única. A esta nora devo meu coração transbordado de gratidão. Recebo dela, a todo instante, zelo, cuidado, importância! Minha Ângela querida!!! Como eu a amo! Desejei tanto que minha filha também fosse afortunada com um companheiro, que recebi um outro filho! Como admiro meu genro! Literalmente, posso me jogar em seus braços que eu sei que ele conseguirá me segurar!

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Desejei netos!!! Recebi seres iluminados que me dão a oportunidade, a cada momento, de me sentir útil, viva! Não pare de desejar!! Deseje, almeje, queira sempre mais, e tenha certeza: você receberá o que precisa, receberá o que encherá seu coração de paz! Agora, quero que você possa olhar com mais carinho para os que estão a sua volta. Toque calmamente seu cabelo e sinta o fio passando por seus dedos! Dê valor à liberdade que seu corpo tem, às escolhas que você pode fazer! Entenda, meu amigo, minha amiga: você está vivo e sua vida é uma conquista orquestrada por você, faça valer a pena! Seja a bateria da vida de alguém, podendo assim não perder a sensibilidade de se enxergar! Queira sempre tocar seu nariz, escolher seus sapatos! Seja feliz, não perca sua família, dê qualidade aos seus, ofereçase por inteiro! Não espere uma doença ou qualquer dificuldade para perceber o valor de cada uma dessas coisas, comece agora a tratar você com mais amor e preocupação! Alimente sua alma! Faça-se necessário! Ainda tem tempo, coloque a mão do lado esquerdo do seu peito... Sentiu? Seu coração está batendo! Agradecimentos, gratidão, sempre! 117


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Quero muito agradecer ao Crer, instituição de referência

em tratamento para pessoas portadoras de necessidades especiais, que têm em sua equipe profissionais como Sávio e Patrícia, que me incentivaram a escrever este livro. Dra. Lorraine, que me acompanha mensalmente, avaliando meu estado e me auxiliando nas dificuldades diárias. Às cuidadoras que me auxiliaram escrevendo minhas palavras, em especial a Rose, que me mostrou o quanto posso ser especial e que ainda estou viva, que cuidou de mim com carinho e zelo, trazendo para minha vida seus familiares, fazendo de mim uma amiga! Sou muito grata a você, minha amiga. À minha nora amada, Ângela Maria Moreira, que nunca desistiu de mim, que trouxe para minha família o sentindo de família e de união. Admiro-a do fundo do meu coração, você é uma mulher de qualidades magníficas, e eu sou afortunada por tê-la em minha vida. Você é uma filha querida, seu olhar cuidadoso está entranhado em minha alma. Ao meu genro, Saulo Rafael Ribeiro Martins, que generosamente me acolheu em seu coração e em seus braços, me trazendo paz e conforto. Seu zelo e atenção são especiais, seus braços fortes e sua tranquilidade ao me segurar deixam claro para mim que posso contar com você sempre. Obrigada por me fazer sorrir e se preocupar com a organização na finalidade deste livro. Ao meu sobrinho querido, Luís Gustavo, que sempre me alegrou e me abraçou fortemente. Não me esquecerei jamais da matéria que você fez no jornal sobre mim e minhas necessidades especiais, onde acarretou o ganho do primeiro aparelho respiratório (BiPap), você promoveu uma qualidade de vida melhor para mim. Meu incentivador ajudando no direcionamento das minhas ideias para 118


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este livro, me ajudou a colocar em prática. Toda vez que penso em você, junto vem um sorriso. Obrigada! Aos meus netos queridos, Lucas, Maria Clara, Esther, Pedro Rafael, por serem motivos de sorrisos em minha vida. A vovó ama demais vocês! Aos meus filhos amados, Alessandro e Kátia, que sempre estiveram comigo, se dedicando e aprendendo. Vocês são a razão da minha existência! No meu peito não cabe o amor que sinto por vocês, Vocês são uma lâmpada que aquece o meu coração e ilumina os meus dias difíceis, que a felicidade, o amor, a paz, a saúde, a sabedoria, a paciência e o sucesso nunca se esgotem nas suas vidas, as estrelas do meu céu. Minha gratidão a todos os profissionais que me trataram e tratam com carinho e respeito. Agradeço ao Dr. Alex Caetano, meu gastro. Agradeço ao Dr. Danilo Magnus, neurologista que me emociona pelo carinho com que sou recebida em seu consultório. Agradeço também a todos os profissionais do Melhor em Casa, que toda semana estão comigo. Agradeço ao fisioterapeuta Bruno Barbosa, que é tão incrível comigo, sempre presente e especial para mim. Mayara Marina foi minha psicóloga, é importante na minha vida, teve participação direta no livro. E escreveu algumas partes, dando sua opinião. Cada parte que escrevia mostrava para ela. Ficava feliz porque ela sempre dizia: “Tá lindo!”

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Agradeço aos familiares que permaneceram ao meu lado, ajudando e se fazendo presentes. Em especial ao meu irmão Adolfo Duarte, que já não se encontra junto a nós. Minhas lembranças de nós são muito especiais, saiba que você permanece em mim, IRMÃO. Agradeço a minha querida mãe, que mesmo diante de todas as dificuldades se mantém presente em minha vida, me ajudando no que pode. Cuidou de meu irmão quando eu não pude fazer, ficou do lado dele até o fim. Deixou o conforto da sua casa no interior e veio para Goiânia para zelar e cuidar do meu irmão. Mãe, a senhora é uma guerreira, luta com as dificuldades que aparece e não desiste nunca. Eu te amo muito! Agradeço a minhas irmãs Joana Pereira, Eva Pereira e Eliete Rocha, por terem cuidado de mim em momentos difíceis, obrigado pelo amor, pelas risadas, pelas lágrimas e pelo apoio. Também por terem cuidado do meu irmão com zelo e carinho. Agradeço a minha irmã Luzinete por ter participado do meu livro. Ela é mãe de todos, faz o possível e impossível para ajudar os outros. Está sempre do lado da minha mãe, cuidando e protegendo. Ela é meu socorro, na falta de cuidadora é com ela que eu posso contar. Agradeço à família da minha nora, com quem morei por um tempo, que me acolheu e participou da minha vida! Minha grande amiga Maria Rosa, o senhor Adailton e a Núbia Moreira. Agradeço as minhas sobrinhas Priscila e Michele, por ter me presenteado com um suporte de livros, tornando assim, minhas leituras mais agradáveis, amo muito vocês! Agradeço ao fisioterapeuta Balduino Neto por ter me defendido de uma cuidadora. Ele chegou para fazer mais uma sessão, e ela falou para ele que iria sair, porque estava muito cansada e eu era 120


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muito pesada. Ele disse a ela que tinha que falar para os meus filhos, porque eu já carrego um peso muito grande que é a doença, não precisava ouvir aquilo. Ela é deficiente auditiva, não entendeu que ele estava me defendendo, achou que eu tinha falado mal dela para ele. Obrigada. Uma vez escutei que precisamos ser gratos, e que atraímos para nós a energia que doamos. Quero dizer à ELA que sou grata pelos aprendizados que tive e tenho, através das limitações que me ocasionou. Entenda: não pulo de alegria por ter esta doença, mas também não pulo de tristeza. Hoje aceito o meu estado e trabalho todos os dias para melhorar minha realidade. Agradeço a Paula Sales que me presenteou com a foto da capa. Sou grata ao talento do designer Gabriel Godinho pelo seu excelente trabalho e paciência e pôr em ordem as minhas idéias e ajudar a realizar meu sonho. Dedico esse livro a memória do meu irmão, Adolfo que partiu muito cedo devido a complicações de uma pancreatite. Ele que foi meu companheiro de infância sempre juntos nos momentos de dificuldades, e nos momentos de alegrias. Você permanece vivo eternamente no meu coração. E Para a minha mãe Itelvina, que sentiu a dor de perder um filho e sabe que pode perder a sua filha (Eu) e mesmo assim permanece firme. Enfrenta a solidão, os problemas de saúde e nunca desiste. Eu te amo Mãe. Por fim, obrigada a todos que estão presentes em minha vida, em especial obrigada a você que decidiu entrar nela através deste livro.

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QUEM PARTICIPOU DO LIVRO:

Kátia Christina

{Minha filha}

Saulo Rafael

{Meu genro}

Ângela Maria

{Minha nora}

Mayara Marinho

{Psicóloga}

Rosilene Ferreira

{Cuidadora}

Luciana Monteiro

{Cuidadora}

Cristina Chaves

{Cuidadora}

Luís Gustavo

{Meu sobrinho} 123


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OS PROFISSIONAIS

Home Care, Adfego. Bruno Barbosa

{Fisioterapeuta}

Hericca Fernandes

{Psicóloga}

Waldirene Pires

{Fonoaudióloga}

Dr. Danilo Magno

A equipe do Melhor em Casa, da Secretaria de Saúde de Senador Canedo. Sou grata ao Dr. Luiz Felippe que já me atendeu em casa, com carinho e atenção e deixou muitas saudades. A Dra. Maísa Cristina que também fazia parte do programa. Obrigada por sua atenção e cuidado. A Dra. Shayeen Sandes e a Dra. Jéssika Sandes que atualmente, toda semana me faz visita, as vezes fico emocionada com a dedicação e os seus cuidados. Já somos amigas. Gratidão

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Poema escrito por David M. Romano em 1993, intitulado: “QUANDO O AMANHÃ COMEÇAR SEM MIM”

Quando o amanhã começar sem mim, E eu não estiver lá para ver, Se o sol nascer e encontrar seus olhos Cheios de lágrimas por mim, Eu gostaria que você não chorasse Da maneira que chorou hoje, Enquanto pensava nas muitas coisas Que deixamos de dizer. Sei quanto você me ama, E quanto amo você, E cada vez que pensou em mim, Sei que sente minha falta. Mas quando o amanhã começar sem mim, Por favor, tente entender 127


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Que um anjo veio e chamou meu nome, Tomou-me pela mão E disse que meu lugar estava pronto Nas moradas celestiais, E que eu tinha de deixar para trás Todos os que eu tanto amava. Mas quando me virei para ir embora Uma lágrima escorreu-me pela face. Por toda vida eu pensei Que não queria morrer. Eu tinha tanto para viver, Tanta coisa por fazer, E pareceu quase impossível Que eu estivesse indo sem você.

Pensei em nossos dias passados, Nos dias bons e nos dias ruins, Em todo o amor que vivemos, Em toda a alegria que tivemos, Se eu pudesse reviver o ontem, Ainda que só por um instante, 128


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Eu diria adeus e daria um beijo E talvez visse você sorrir. Só então descobrir Que isso não aconteceria, Pois o vazio e as lembranças Ocupariam meu lugar. Quando pensei nas coisas deste mundo Vi que posso não voltar amanhã, Então pensei em você E meu coração se encheu de dor, Mas quando cruzei os portões do céu Eu me senti em casa. Quando Deus olhou para mim e sorriu De seu grande trono dourado, Ele disse: “Isto é a eternidade E tudo que lhe prometi. Agora sua vida na Terra é passado, Mas aqui uma vida nova começa. Eu prometo que não haverá amanhã, Mas que o hoje durará para sempre. E como todos os dias serão iguais, 129


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Não haverá saudades do passado. Você foi tão fiel, Tão confiável e verdadeiro, Embora tivesse feito coisas Que sabia que não deveria. Mas você foi perdoado E agora finalmente está livre. Então, que tal me dar a mão E compartilhar da minha vida?” Logo, quando o amanhã começar sem mim, Não pense que estamos separados, Pois todas as vezes que pensar em mim, Eu estarei dentro do seu coração.

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