Primeira Mão 141- julho 2015

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Primeira Mão Mã Primeira

Edição 141 - julho 2015

PAIS DE CORAÇÃO PAG. 18

AJUDAR RECOMPENSA Pag. 04

A MAGIA DO RPG PAG. 26

Redução da maioridade penal

Juventude em risco Página 20


2 I Revista Primeira M達o - julho 2015


Juventude em risco

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Pais de Coração

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Voluntariado 04

Voluntariado 04 Vida de doméstica

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Viver com CDG

14

Crimes virtuais

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Trabalhadores de shoppings

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Coclorrotas 24 Sonho de ser universitário

26

A magia do RPG

28

Copa Ufes

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Culinária da vida real

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Expediente: Primeira Mão é uma revista laboratório, produzida pelos alunos do 6º período do curso de Comunicação Social/Jornalismo, da Universidade Federal do Espírito Santo. Av. Fernando Ferrari, 514, Goiabeiras | Vitória - ES CEP 29075910 revistaprimeiramao@gmail.com. Ano XXVI, número 139. Semestre 2015/01 Reportagem e edição: Betina Hatum, Carolina Sampaio, Cinthia Pimentel, Daniella Camilo, Danielly Carneiro, Edilaine Machado, Gabriela Costa, João Brito, Joicy Marques, Júlia Bragatto, Júlia Grillo, Júlia Salume, Juliana Do Amaral, Karolyne Mayra, Klebert Silva, Laura Mansur, Letícia Menezes, Linneker Almeida, Lívia Meneghel, Luana Pessoa, Maria Luiza Silva, Mariana Carvalho, Mariana Salomão, Marina Amorim, Nayara Santana, Poliana Santos, Stefhani Paiva, Yasmin Gomes. Diagramação: Letícia Menezes, Klebert Silva, Ruth Reis. Impressão: Gráfica da Ufes julho 2015 - Revista Primeira Mão I

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Zizi é voluntária no bazar social da Amaes há quase 8 anos

VOLUNTARiADO: AJUDAR É A RECOMPENSA

Quando a pessoa se disponibiliza, alguém passa a depender da sua ajuda, tornando o trabalho voluntário tão importante quanto o remunerado Stefhani Paiva e Julia Grillo

Há quase oito anos a aposentada Teresina Petroni, de 68 anos, se dedica ao voluntariado em uma associação sem fins lucrativos. Teresina, também conhecida como Zizi, é voluntária no bazar da Associação dos Amigos Autistas do Espírito Santo (Amaes), que atua no estado desde 2001. Antes do encontro com o serviço voluntário, Zizi era comerciante e possuía uma rotina ativa, repleta de contato com outras pessoas. Por isso, depois que ela se aposentou, sentiu falta de agitação e percebeu que precisava fazer algo para não ficar parada. “Eu falei ‘eu vou me dedicar a alguma coisa para preencher a minha vida. Não posso parar ou vou pirar”. Foi então que Zizi encontrou a Amaes e decidiu se voluntariar, mesmo não tendo tido contato com autistas até então. “Fui aprender sobre o autismo aqui. Só sabia que era uma síndrome. Eu entrei e falei ‘quero ser uma voluntária, faço qualquer coisa, lavo prato, limpo, cuido dos meninos, o que precisar’”. Hoje, Zizi reconhece ter aprendido muito nesses

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anos na Associação. Viu de perto como é difícil o trabalho das mães e pais que têm filhos autistas e aprendeu como as crianças autistas necessitam de cuidados especiais que estabeleçam uma rotina. O caso de Gustavo, filho de Eunice Morelato, que também é voluntária no bazar, é um exemplo. Ele tem o hábito de ver televisão todos os dias a tarde enquanto lancha, quando isso não acontece, ele cobra, porque para ele a tarde é hora de assistir TV e lanchar. Zizi conta que uma das coisas que aprendeu é que a palavra “não” deve sair do vocabulário das mães e pais de crianças autistas “É preciso falar firme e claro com a criança, mas sem usar a palavra não”, diz. Ensinando a criança o que dever ser feito, ao contrário de dizer o que ela não deve fazer. Para Zizi, a principal motivação do voluntário é a realização pessoal, o bem estar interior. “Não sirvo a Amaes, a Amaes é que me serve”. Ser voluntário é estar disposto a ajudar o outro, sem a necessidade de receber algo em troca, sempre movido pela satisfação de colaborar espontaneamente com a sociedade.


Quero ser voluntário, e agora?

Para quem tem o desejo de ser um voluntário, é importante estar por dentro de algumas informações, como por exemplo, a existência da lei do voluntariado, que desde de 18 de fevereiro de 1998, vigora no Brasil. A lei de nº 9.608 estabelece questões significativas a respeito do serviço voluntário, apontando três premissas básicas que o caracterizam: serviço não remunerado; serviço prestado por pessoa física a entidade pública de qualquer natureza ou a instituição privada sem fins lucrativos; e a existência de termo de adesão, no qual conste o objeto e as condições do trabalho a ser realizado. Ou seja, é necessário um breve processo, para estabelecer um vínculo entre a instituição e o voluntário. A Amaes, que trabalha sem fins lucrativos, luta pela defesa dos direitos de quem é autista, realizando acompanhamento a estes e aos seus familiares. Atualmente, ela atende 90 crianças autistas, tendo 240 na lista de espera. Aquela que chega à Associação passa pelo assistente social, depois pelos psicólogos e por último recebe os cuidados do setor de Atendimento Educacional Especializado. O trabalho desenvolvido pela Associação também conta com profissionais remunerados, mas a atuação dos voluntários e indispensável. Por isso, hoje, na Amaes, quem deseja ser voluntário passa por uma semana de experiência acompanhando o trabalho desenvolvido. Só depois deste período é que o termo é assinado, o que funciona para a pessoa ter certeza de que quer mesmo fazer parte do trabalho voluntário, pois uma vez que ela se disponibiliza, alguém passa a depender da sua ajuda, tornando o trabalho voluntário tão importante quanto o remunerado.

Katia Ama e Eunice Morelato são mães de crianças autistas e trabalham no bazar junto com Zizi

Espírito voluntário Algumas pessoas parecem ter nascido com o dom de ajudar os outros. Mas será que realmente existe um perfil ideal para o voluntário? Segundo o Conselho de Comunidade Solidária (CCS) e a União das Nações Unidas (ONU), existe sim. Para o CCS, responsável pela criação do Programa Voluntários (1997), desenvolvido para atender a lei nº 9.608, o voluntário é aquele cidadão motivado pelos valores de participação e solidariedade, doando seu tempo, trabalho e talento de maneira espontânea e não remunerada, para causas de interesse social e comunitário. Para a ONU pode ser o jovem, adulto

ou idoso que, devido a seu interesse pessoal e seu espírito cívico, dedica parte do seu tempo, sem remuneração, a diversas formas de atividades de bem estar social ou outros campos. A ONU também conta com um Programa dessa natureza, o Programa de Voluntário das Nações Unidas (UNV), que desde 1971 promove o conhecimento e a assistência sobre o papel e a contribuição do voluntário. Atualmente o programa é desenvolvido em mais de 140 países. No Brasil desde 1985, é comemorado em 28 de agosto o Dia Nacional do voluntariado. A data internacional proclamada pela ONU é 05 de dezembro.

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Crimiçalizacao da Juventude

- reduzir maioridade éao e solucao para violeçcia Está em discussão a lei que reduz a maioridade penal para 16 anos. Há os que defendem a medida como uma forma de diminuir a violência no país, e outros que se mostram absolutamente contra, já que a lei não interfere no problema central que levam os jovens a se envolver com o crime. No centro do embate e sem direito a voz nessa disputa, estão os adolescentes, suas famílias e seus sonhos. Edilene Machado e Mariana Cravalho

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“Do limão, eu faço uma limonada!”. Foi isso que ela me disse, quando liguei explicando o meu interesse em ouvir e contar um pouco da sua experiência. Filha de Águia Branca, interior do Espírito Santo, a mãe, cujo nome não será citado a pedidos dela, carrega toda a verdade sentida e vivenciada. É uma mulher que não perde a esperança de mudar ou transformar de vez a realidade que enfrenta. Aos 59 anos, engajada nos movimentos sociais, continua estudando e participando de encontros, que, para ela, são uma oportunidade de fazer a diferença na vida de outros. Mãe pela primeira vez já aos 39, carrega na memória os dias em que teve na vida uma sensação de inferno. Os dois filhos, um com 20 e outro com 15 anos, trilharam um caminho bem diferente do que sonhara. Podia ser qualquer uma das 1.042 mães de jovens internados em unidades socioeducativas do estado, registrados pelo Instituto de Atendimento Socioeducativo (Iases). Mas, coube a esta mãe deveras especial representá-las me confidenciando sua história. Cheguei às 16 horas, ela me esperava sentada em um banco rodeado de plantas. No caminho até o local escolhido para a entrevista, falou sobre a decepção com o governo, o que a fez lembrar de uma decepção maior, a aprovação da redução da maioridade penal.

Subindo as escadas, contou que passava a maior parte de seu tempo na Ufes durante a juventude. Um tempo em que a Rua da Lama, em frente à universidade, era celeiro de pensadores, artistas, gente alternativa e transgressora. A porta não quis abrir. “Talvez seja outra porta”, pensei. Voltei para a da primeira tentativa, meu medo era de que ela desistisse de me contar a sua história. Abriu. Sentei e perguntei se podia gravar nossa conversa; ela permitiu. Expliquei exatamente o que eu queria. A partir daí, me vi criança e adolescente, como se fosse um de seus filhos, e me vi reflexo: uma mulher, trabalhadora, estudante, mãe, esposa e sonhadora. A história começa quando o amor acontece, e foi rápido, igual a batida de um pulsar do corpo. Teve seu primeiro filho, Nascido Para Vencer, nome que ela escolheu para o relato. Desde cedo, apresentou uma alma impetuosa, disposto a conquistar o mundo. Habilidoso, criativo e com ótima coordenação motora, quando criança, parecia ter sido destinado para as artes. Nascido Para Vencer tinha o dom da música, aprendeu a ler partitura e a tocar saxofone. Durante nove anos estudou o instrumento. O som que saía do sax ainda enche sua mãe de orgulho. Infelizmente, todo artista tem um lado incompreendido. O pequeno saxofonista sofria bullying na escola, um nome sofisticado para

discriminação. O pai tinha assunto a tratar com a justiça. Esteve ausente e numa situação que tornou-se constante na vida dos filhos. A mãe se deparou com a missão de sustentar a casa, cuidar dos filhos e lidar com a falta do pai deles. A criança, rejeitada na escola por seu cabelo e cor da pele, respondia com um comportamento diferente do esperado. Era indisciplinado e rebelde e, aos nove anos, teve sua suspensão derradeira, a que mudou sua maneira de encarar o ensino. Com revolta, a mãe me conta que tudo começou quando o filho reagiu a uma provocação. Ele foi suspenso das aulas. No dia de retornar à escola, colocou o uniforme e foi a pé para o colégio. Em pouco mais de meia-hora, ele já estava em casa, gritando aos quatro cantos que nunca mais voltaria para aquele lugar. Sua mãe, assustada, perguntou o que havia acontecido, e ele respondeu: fui de chinelo e me expulsaram de novo. Ela lamentou a atitude desproporcional do colégio. Para a mãe, eles tiraram do filho o desejo de aprender. Com 13 anos, o garoto foi levado da companhia de sua mãe pela primeira vez. No mesmo dia, a família velava o corpo da avó paterna da criança. Mas o luto não foi só pela matriarca, parte daquele menino saxofonista morreu naquele dia. Seduzido pelo tráfico, Nascido Para Vencer foi preso em

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um dos becos da periferia da capital, com drogas embaladas e prontas para o consumo. Primeira de muitas, a mãe perdeu as contas de quantas vezes recebeu telefonemas informando as apreensões. Buscando na memória contou nove internações. Na última, Nascido Para Vencer foi traído pelo seu dom: a polícia estava investigando menores que usavam da música para expressar a realidade em que viviam. Os jovens trovadores de letras consideradas “apologia ao crime”, foram entregues às autoridades. No julgamento, ele foi o único condenado e levado ao cárcere por três anos. A reincidência foi condenatória. A mãe foi em busca de uma unidade socioeducativa melhor para dar uma oportunidade de reintegrá-lo à sociedade, e encontrou o Centro Socioeducativo (CSE), em Cariacica. O jovem conseguiu uma vaga na instituição e passou por várias etapas. Dentro do Centro se destacou em um dos cursos de capacitação oferecidos. O que a mãe e o filho ainda não sabiam é que tal instituição era alvo de uma investigação. Em 2012, a Operação Pixote foi responsável por desvendar um esquema de fraudes e irregularidades em contratos entre o governo e Organizações Não Governamentais (ONGs), somando cerca de R$

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38 milhões desviados dos cofres públicos. No site Século Diário, consta que 13 pessoas foram presas suspeitas de envolvimento no esquema, inclusive, Silvana Gallina (diretora-presidente do Iases) e Gerardo Bohórquez (diretor-executivo da Associação Capixaba de Desenvolvimento e Inclusão Social, Acadis). Além desses, o secretário de justiça na época, Ângelo Roncalli, respondeu por improbidade administrativa e fraudes em contratos. O jovem interno estava bem, recuperando sua auto-estima, mas esse episódio o desmotivou; ele se revoltou com o sistema imposto. Com a revolta cresceu o desejo de abandonar o CSE. Em uma de suas saídas para o trabalho fora da unidade, Nascido Para Vencer deixa de vez a sua profissão, para desempenhar o que para ele estava destinado. Fugiu faltando pouco tempo para ter sua liberdade concedida. Decidiu morar longe da mãe e perto de quem considerava amigo, do grupo que se sentia parte. Nascido Para Vencer retorna ao mesmo beco onde foi preso pela primeira vez. Lá, constituiu família e trabalhava no “plantão da boca”; o trabalho consiste em vigiar a droga e atender os clientes durante o turno da noite. Em uma dessas noites, o jovem quase se encontrou com a morte. O au-

tor dos doze tiros era seu amigo, trabalhava no mesmo beco. Por ironia do destino, foi determinado pelo chefe a morte de Nascido Para Vencer. Mas, esse mesmo destino fez com que alguém o levasse ao hospital. Ele contou com a ajuda da mãe; como dizem: “mãe nunca desiste do filho”. Após a recuperação, um deslize o colocou de novo no sistema prisional. Numa blitz, foi encontrada uma grande quantia de maconha no carro em que dirigia. Agora, com 20 anos, não reponderá como menor; terá que cumprir pena por tráfico de drogas. O filho mais novo cresceu observando todas as idas e vindas do irmão. Batizado aqui como O Vencedor, o caçula, de apenas 15 anos, segue os passos do primogênito. Já fora apreendido e levado ao Departamento Polícia Judiciária diversas vezes. O jovem largou os estudos e se dedica aos plantões do tráfico, já é pai e ainda mora com a mãe. Esta sabe que a qualquer momento o filho pode ser retirado da sua companhia. Perguntei sobre o que ela espera do futuro dos seus filhos? Ela iniciou a fala: se eles sobreviverem, desejo o melhor para os meus filhos, que a essência que eu coloquei neles, o desejo pela arte e pelo conhecimento se sobressaia ao que eles aprenderam com o tráfico. (Edilaine Machado)


Entenda a PEC 171/93

' Algozes ou vItimas? Caso a Proposta de Emenda Constitucional 171/93 seja aprovada, jovens com uma história muito semelhante a “nascido para vencer” esta serão inclusos no sistema carcerário brasileiro. A proposta causa comoção na internet e está cada dia mais próxima de ser aprovada pelo legislativo brasileiro, mas tem enfrentando críticas de organizações civis e representantes dos direitos da criança e do adolescente. A OAB (Ordem de Advogados do Brasil) é uma das organizações que tem se posicionado radicalmente contra a proposta de redução da maioridade penal. Segundo Gilvan Vitorino, presidente da Comissão de Politica Criminal e Penitenciária da OAB-ES, a ideia de que a redução da maioridade penal reduzirá a violência é uma falácia: “Temos um aumento no número de pessoas presas, e ao mesmo tempo um aumento da violência. Então daí a gente percebe que a redução da violência não tem relação com o número de pessoas presas. A verdade é que o cárcere que produz a violência. Porque existe muita violência no cárcere, e quando esse sujeito quando sai ele tem dificuldade de conseguir emprego, se distanciou da família, não teve acesso à educação nesse período. Ele fica sem opções além da violência.” O representante da OAB também destaca que a medida vai na contra mão das diretrizes internacionais e da própria Constituição Federal: “A redução fere o principio da

proteção integral, que diz que o sujeito de 0 a 18 anos deve ser tratado de uma maneira diferenciada pelo Estado. Essa é uma orientação da ONU, está presente na Constituição Federal e foi consolidada no Brasil através do Estatuto da Criança e do Adolescente”. Para Vitorino, a medida trata de um grupo já excluído da sociedade, que recebe tratamento diferenciado da polícia e tem oportunidades e direitos restritos: “quem defende a redução da maioridade penal não está propondo isso pro seu filho e sim para o filho do outro, que é negro, pobre e marginalizado”. De fato, o Mapa da Violência de 2015 aponta um crescimento vertiginoso de violência contra adolescente de 16 e 17 anos. Em contrapartida, segundo o Ministério da Justiça, apenas 0,5% dos homicídios e tentativas de homicídios foram cometidos por jovens. Com a redução da maioridade, além de liderar as estatísticas como vítimas de assassinato esse adolescente também corre risco de uma morte simbólica. “Para esse jovem a redução significa a supressão da adolescência dele. Nós estamos sujeitos a suprimir não só a adolescência, mas a juventude inteira. Hoje, um jovem que entra no sistema socioeducativo só pode ficar lá por três anos, no máximo. Ao invés de dar uma plena vida pra esse jovem, você dá a morte, porque a gente sabe que o cárcere causa patologias, abandono e tira a chance de uma vida de qualquer um.” Conclui o advogado. (Mariana Carvalho)

A Proposta de Emenda Constitucional foi proposta pela primeira vez em 1993, mas foi arquivada no mesmo ano. A PEC 171/93 propõe a alteração do Art. 228 da Constituição Federal, reduzindo a maioridade penal para 16 anos. Ao longo dos anos, a proposta voltou ao plenário da câmara diversas vezes, sendo arquivada a última vez em janeiro deste ano. Em fevereiro, com a posse dos novos deputados, a PEC voltou a ser discutida pela Câmara. Em março, a proposta foi aprovada pela Comissão de Justiça e Cidadania da Câmara e pela Comissão Especial criada exclusivamente para analisar a PEC. No dia 30 de junho, a proposta foi levada a votação no Plenário da Câmara dos Deputados, mas não foi aprovada. Por se tratar de uma Emenda Constitucional a proposta poderia ser aprovada apenas se obtivesse 3/5 de votos favoráveis. Na ocasião, ela obteve 303 votos a favor, 184 contrários e três abstenções. Em uma manobra política na madrugada do dia 1º de julho, a proposta foi aprovada com 323 votos a favor, 155 contrários e duas abstenções, após pequenas alterações no texto. A ação foi comandada pelo presidente da Câmara Eduardo Cunha e foi muito criticada nas redes sociais. Na proposta aprovada, a maioridade penal será reduzida em casos de crimes hediondos, homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte. Pelo texto, os adolescentes também deverão cumprir as penas em um espaço separado dos maiores de idade. Por se tratar de uma alteração na Constituição Federal, a proposta ainda vai passar pelo segundo turno de votações na Câmara dos Deputados e, se aprovada, segue para a votação em dois turnos no Senado. Caso passe pelas duas instancias legislativas, ela ainda precisa da aprovação da Presidente Dilma, que já se posicionou contra a medida.

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mapa da violencia No Brasil, 379 adolescentes de 16 e 17 anos foram assassinados em 2013, Esse número representa 46% das mortes não naturais nessa faixa etária. Desde 1980, esse número subiu 373% QUEM É ESSE ADOLESCENTE?

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o

93%

são homens

80%

são negros

62%

estiveram na escola por 4 a 7 anos

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O Espírito Santo é o segundo estado brasileiro com o maior índice de homicídios, com 140,6 mortes a cada 100 mil jovens nesta idade

O Brasil é o terceiro país onde mais se mata jovens de 15 a 19 anos

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o


opiniao

Para quE reduzir? Quem conhece o sistema carcerário no Brasil é contra a redução da maioridade penal. Diversas organizações têm se manifestado contra, e a presidente Dilma também já se mostrou contrária à proposta. Os níveis de reincidência no sistema prisional são maiores que no sistema socioeducativo. O tráfico de drogas consta como acusação em mais de 40% das internações. Para o professor de criminologia do Centro de Ensino Superior de Vitória (CESV) Deivison Souza Cruz, outro fator a se considerar quando se discute a redução da maioridade é o processo de amadurecimento biológico dos jovens de 16 e 17 anos. “O cérebrouvenil está em formação e é muito sujeito ao stress. Sujeitar jovens, cujos cérebros estão ainda em formação, a condições de encarceramento adulto implica em elevar a propensão a internalização do comportamento desviante; não importa quão grande seja o

corpo (...) Quem propõe isso ignora mecanismos causais de delinquência e efetividade de políticas públicas”, afirmou Reduzir a maioridade penal é tratar de maneira leviana o que causa a violência. É deixar que o menor receba toda a culpa pela ineficácia do Estado. Esse menor é alguém que, desde a infância, só recebe do Estado a violência. Na favela chega Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), mas quase não chegam direitos básicos como educação de qualidade, saúde, lazer, oportunidades e dignidade. E aí, quando esse jovem inevitavelmente entra para o mundo do crime, o Estado resolve se fazer presente, enjaulando-o num sistema em que ele só aprenderá a ser mais violento. A redução da maioridade penal é uma solução muito simples pra um problema tão complexo como o ciclo da violência. (Gabriela Costa)

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O dia a dia de quem Cerca de 105 mil trabalhadoras domésticas atuam no Espírito SAnto. Desse total, apenas 44 mil possuem carteira assinada. Terezinha de Jesus é uma delas e fala aqui sobre sua rotina e expectativas Juliana do Amaral, Lívia Meneghel e Luana Pessoa

P

romulgada em 3 de abril de 2013, a mudança na Cons- PEC das domésticas: tituição conhecida o que muda? como PEC das Domésticas amAntes da PEC: plia os direitos de trabalhadoao salário mínimo, irredutibilidade res domésticos, ampliando be- Direito salarial, décimo terceiro salário, repouso nefícios como recebimento de semanal remunerado, férias anuais remuhora extra, Fundo de Garantia neradas, licença gestante, licença maternidade, aviso prévio e aposentadoria. por Tempo de Serviço (FGTS), seguro desemprego e jornada Após a PEC: de trabalho de oito horas. San- Os direitos antigos foram mantidos e cionada pela presidente Dilma somaram-se a eles a jornada de trabalho limitada, adicional noturno, proteção Rousseff no dia 1º de Junho, a do salário da forma da lei, duração do PEC equiparou o trabalhador trabalho normal não superior a oito horas, remuneração do serviço extraordinário doméstico aos demais. (hora extra), redução dos riscos inerentes Para que essa mudança fosse ao trabalho; proibição de diferença de possível, foi preciso modificar salários (sexo, cor, idade, estado civil), admissão em razão de deficiência física e a Constituição Federal, uma proibição de trabalho noturno e insalubre vez que seu artigo 7º vedava a menores de 18 anos. alguns benefícios que eram A lei complementar instituiu o regime unificado de pagamentos de tributos previstas para outros trabalhade contribuições e demais encargos do dores. Até outbro, o governo empregador doméstico. Por determinação criará o “Simples Doméstico” legal, esta forma de recolhimento deverá ser regimentada num prazo de 120 dias para unificar recolhimento de a contar do vigor da lei (1º de junho de FGTS, seguro contra acidentes 2015). de trabalho, INSS e fundo para demissão sem justa causa, além do recolhimento do Imposto de Renda devido pelo trabalhador. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), desenvolvida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), atualmente, cerca de 105 mil trabalhadores domésticos atuam no Espírito Santo. Desse total, apenas 44 mil possuem carteira assinada (veja gráfico ao lado).

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T

erezinha Maria de Jesus, 61 anos, segue a mesma rotina todos os dias da semana. Empregada doméstica há 20 anos, trabalha em Vila Velha, cidade onde também reside, entre 8 a 10 horas de segunda a sexta-feira. O trajeto até sua em-


m cuida de outra casa

preitada é feito de ônibus e leva cerca de 40 minutos. Para isso, ela precisa acordar às sete da manhã e só retorna à família após às oito horas da noite. Mãe de três filhos homens e avó de quatro netos, Terezinha conta que apesar do dia a dia corrido se sente satisfeita com o emprego. Ela tem carteira assinada e raramente trabalha após o horário, mas quando isso acontece, recebe uma quantia extra. Sua maior dificuldade no início da profissão foi cuidar dos filhos, que na época eram pequenos. “Quando comecei a trabalhar, só o filho mais velho era maior de idade. Os mais novos eram crianças e sempre precisei arranjar um jeito para não deixá-los sozinhos. Então, todos iam para escola enquanto eu trabalhava”, conta. A ocupação como empregada doméstica começou cedo. Do interior de Pancas, Terezinha não teve

escolha: abandonou o ensino fundamental na quarta série, pois precisou encontrar uma maneira de ajudar a sustentar a casa. Com 11 anos, trabalhava na lavoura e para complementar a renda já lavava roupas para algumas famílias. Depois, estabelecida em Vila Velha, decidiu trabalhar como empregada porque não tinha muito estudo. “Não sabia muito bem o que fazer. Se eu pudesse, queria ao menos completar meus estudos de ensino fundamental e fazer o ensino médio”, lamenta Terezinha. A empregada doméstica trabalha há 20 anos com os mesmos patrões, com quem tem uma convivência harmoniosa. Considerada praticamente um membro da família, ela acredita ser muito amiga de sua patroa, Elisa, a quem ela trata como dona Elisa; viu seus filhos crescerem e assistiu ao casamento deles. Segundo Terezinha, a patroa comprou tudo para ela ir às festas de casamento: vestido, sapato e bolsa. Além disso, pagou um táxi para que voltasse para casa depois dos eventos. “Somos muito amigas mesmo. Quando fiquei internada por causa de um acidente, os patrões sempre me visitavam quando podiam. Eles não me tratam muito como empregada, não. Me tratam como se fosse da família mesmo”. Mas não é só em relação à amizade com os patrões que Terezinha se sente contemplada. Ela diz ter todos os seus direitos em dia - como vale transporte e plano de saúde - e receber ajuda quando precisa de algum auxílio. Há seis anos, a empregada sofreu um acidente doméstico ao cair do segundo andar de casa onde morava, no bairro Vale Encantado, em Vila Velha. Na ocasião, machucou a perna e precisou colocar pinos para que não ficassem sequelas. Durante esse período, teve ajuda dos patrões com as despesas médicas. Sobre a PEC das Domésticas, recentemente sancionada pela presi-

dente Dilma, Terezinha diz não ter conhecimento. “Não sei do que se trata, mas conheço meus direitos sem precisar dessa PEC. Não houve mudanças desde a aprovação, pois trabalho há muito tempo com a mesma família. Sempre foi tudo correto, então a emenda não fez muita diferença no meu emprego. Meus patrões sempre “seguiram as regras” e souberam dos meus direitos”, afirma. Empregador Falta de tempo e praticidade para limpar a casa são alguns argumentos usados por muitas pessoas para contratar uma empregada doméstica. É o caso da noticiarista Marla Bermudes, de 26 anos. Como ela e sua mãe trabalham o dia todo, optaram por contratar um serviço para suprir essa demanda durante a semana.“Conto com esse auxílio na limpeza de casa há cerca de 10 anos; antes disso, minha tia morava comigo e ajudava nos afazeres domésticos”, explica. Rosane, sua empregada atual, trabalha na residência há três anos. Com carteira assinada, ela recebe um salário mínimo mais uma gratificação por às vezes ajudar sua mãe no trabalho. Entretanto, as funcionárias anteriores não tinham assinatura na carteira. Segundo Marla, era uma decisão consensual, pois quando necessário tiravam folga, férias, levavam os filhos para o trabalho, entre outras coisas. A noticiarista conta que se dá muito bem com sua empregada, que tem a chave da casa e é convidada para todas as festas de aniversário e casamento da família. Com a aprovação da PEC das Domésticas, Marla continuará com os serviços de Rosane, porém, mantendo o acordo da PEC antiga. “Já conversei com ela sobre isso. Acho muito importante a conquista dessa emenda, mas vamos ter que manter o acordo anterior, sem os direitos a mais. Caso contrário, não conseguiríamos mantê-la aqui”. julho 2015 - Revista Primeira Mão I

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O TOUCHDOWN DO DUDU Atento a cada lance de futebol americano, Eduardo Braga Fernandes não perde um jogo sequer. Fã do Vila Velha Tritões, o menino de apenas 10 anos acompanha pessoalmente as partidas do seu time de coração e vibra com cada vitória. Dudu, como gosta de ser chamado, foi diagnosticado com a doença CDG, síndrome rara, genética e sem cura. Apesar disso, o menino assiste às partidas, ansioso, da arquibancada. Não fosse pela cadeira de rodas, sua companheira quase inseparável, ele não denunciaria, em um primeiro momento, que é especial, como ele mesmo diz. O brilho de seus olhos e seu sorriso encantador transmitem a quem se aproxi-

Características

ma uma felicidade indubitável. Para proporcionar esse sentimento, entra em campo sua família, todos empenhados e dedicados a suavizar a dura rotina de Dudu, que inclui sessões de fisioterapia quatro vezes por semana. Ele ainda frequenta o quarto ano de uma escola municipal de Vila Velha, que é referência em cuidados com crianças especiais. “Escolhemos essa escola porque na rede particular a gente teria que mandar uma pessoa com ele, já que ele não faz todas as coisas sozinho, como ir ao banheiro. E a escola municipal é obrigada a oferecer suporte , além de dar maior atenção”, conta Juliana Mansur, tia do Eduardo e que mora com ele. “Lá, ele tem uma cuidadora que o acompanha. E, além da professora regular, tem uma outra profes-

Glicoproteína corretamente formada

LAURA MANSUR E POLIANA CARVALHO

Proteína Faltam açúcares

Glicoproteína formada incorretamente

Os principais sinais clínicos da doença são: atraso psicomotor, estrabismo, atrofia cerebelar, ataxia, hipotonia, dismorfias faciais, disfunção hepática, cardiopatia, nefropatia, distúrbio hormonal, coagulopatia e episódios semelhantes ao acidente vascular cerebral (AVC) isquêmico (stroke-like). A mortalidade é de 20% nos primeiros anos de vida do paciente, causada principalmente pela falência de variados órgãos. 14 I Revista Primeira Mão - maio 2015

Açúcar

Adaptado de: Errores Congênitos do metabolismo. Guia divulgativo.

14 I Revista Primeira Mão - julho 2015

Açúcares formados incorretamente

sora especial, que o tira em alguns horários da sala e dá uma aula individual”, completa. Além disso, Dudu tem aulas de reforço em casa com uma pedagoga duas vezes por semana. Ela faz os deveres de casa com ele e o alfabetiza, pois só a professora da escola não é suficiente para suprir as suas necessidades de aprendizado. O desenvolvimento do Eduardo é um pouco atrasado em relação às outras crianças da sua idade, mas ele evolui a cada dia. A sua coordenação motora já se desenvolveu muito: ele adora jogar videogame, usa o computador e não pode ver um celular na frente que já começa a cutucar em tudo. A Síndrome A síndrome CDG (Congenital Defects of Glycosylation) é uma doença genética e recessiva caracterizada pela deficiência total ou parcial de diversas enzimas envolvidas na glicosilação de proteínas, que é a adição de moléculas de açúcares às proteínas. Esse processo é primordial para a formação proteica da membrana e das secretórias. Calcula-se que cerca de 500 genes estão envolvidos nos processos relacionados com a glicosilação. São conhecidos atualmente 28 tipos de CDG, e até hoje foram identificados cerca de 1000 portadores no mundo. O caso de Dudu foi o 14º registrado no Brasil pelo Hospital Sarah Kubitschek, em Brasília.


Portador de síndrome rara, Dudu é fã de futebol americano e, com o auxílio da família, desvia das limitações diárias que o CDG tenta lhe impor. Para aumentar a divulgação da doença e atrair os olhares de pesquisadores internacionais, pais de crianças diagnosticadas estão se unindo e criando a Associação Brasileira de CDG. Dudu possui CDG tipo 1A. Os tipos não dizem respeito ao grau da doença, mas sim às características dos sintomas. Mas, dentro de um mesmo tipo, as características variam muito de paciente para paciente. Diagnóstico Não bastassem as angústias trazidas pela doença, os portadores de CDG sofrem na busca pelo diagnóstico, seja pelos sintomas que muitas vezes são confundidos com outras doenças, seja pela falta de estudos sobre o tema – já que se trata de uma doença rara. Geralmente, o diagnóstico é realizado ainda na infância, baseado nos sinais e sintomas do paciente e confirmado por exames laboratoriais. No caso do Dudu, a descoberta também não foi imediata e levou um tempo até ter a confirmação. Ana Cristina Braga, mãe do Eduardo, conta que foi percebendo al-

gumas diferenças em relação aos outros bebês, pois ele era bem molinho, não levantava a cabeça e não sentava, o que levou a família a suspeitar de que se tratava de algum problema muscular. Sem diagnósticos precisos, a família conseguiu uma consulta no Hospital Sarah Kubitschek, referência em problemas de locomoção. Lá, foi confirmado que a criança tinha a síndrome CDG, sobre a qual o hospital não possuía estudos suficientes, e por isso não poderia ajudar. Diante do diagnóstico e da falta de informações sobre a doença, Juliana Mansur recorreu à internet. Pesquisando no Orkut, encontrou uma família que passava por situação semelhante e foi procurá-la em Porto Alegre, onde foram indicados a Dr.ª Ida Schwartz, médica que detectou o tipo de CDG de Dudu. Acompanhamento médico O médico que acompanha Dudu

desde 2011 é o Dr. Charles Marques Lourenço, geneticista que pesquisa doenças da área no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto. Charles tem contato com os estudiosos de outros países que estudam a síndrome CDG e prepara residentes de outros lugares do Brasil para que possam reconhecer melhor essas doenças. Em Vitória, Eduardo também é acompanhado pela médica Francini Sepulcri, neuropediatra, que tem contato direto com o Dr. Charles e fez residência no hospital em que ele trabalha. É por meio dela e do Dr. Charles que a família fica sabendo das novidades sobre a doença e dos avanços nas pesquisas. Dudu também deveria fazer terapia ocupacional e fonoaudiologia em casa, mas atualmente ele só faz a fisioterapia, pois a família não acha profissionais em Vitória que desenvolvam as outras funções.

Associação Brasileira de CDG A família de Dudu e de mais uma criança com a síndrome se uniram para iniciar a criação da Associação Brasileira de CDG e esperam ter o apoio de mais nove famílias já contactadas sobre a questão. O objetivo é divulgar a doença, conseguir recursos, ajudar os familiares das pessoas recém-diagnosticadas e chamar a atenção de pesquisas internacionais. “Na Europa, tem investimento e

estudo, mas não tem muito paciente. No Brasil, tem paciente, mas não tem investimento e nem estudo. Então, se tiver algum pesquisador querendo testar um remédio em algum paciente, vai escolher ir aonde tem associação de CDG”, conta Juliana. As famílias estão elaborando um termo de autorização de uso de nome e imagem dos portadores de CDG. Atualmente, elas têm uma

página (“CDG Brasil”) e um grupo no Facebook, administrados pelos parentes das crianças, além de um grupo no Whatsapp para as mães manterem contato. Em agosto vai ter um encontro sobre CDG na França, no qual e o Dr. Charles vai participar como pa2015 -estão Revistase Primeira lestrante. Asmaio famílias orga- Mão I nizando para fazer um encontro em São Paulo em outubro. julho 2015 - Revista Primeira Mão I

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Penas reais para Compartilhar conteúdos sem procedência: um crime que poucos conhecem. Nayara Santana e Maria Luiza Silva Madrugada do dia 24 de junho, o cantor sertanejo Cristiano Araújo e a sua namorada Allana Moraes faleceram em um acidente de carro, na BR153, em Goiás. O vídeo da autópsia do corpo sendo preparado para o sepultamento e fotos do acidente se espalharam em questão de segundos nas redes sociais e em aplicativos de mensagens instantâneas. Isso poderia ser justificado pela simples curiosidade alheia se não fosse um crime que muitos desconhecem. A sofisticação da tecnologia nos últimos 10 anos vem surpreendendo até os mais antenados. Há pouco tempo, nem se imaginava existir aparelhos portáteis. Hoje, além de existirem esses equipamentos têm acesso à internet wi-fi e grande capacidade de armazenamento. A era da conectividade chegou e com ela veio a do compartilhamento que nos interliga a todo o mundo. Está se tornando cada vez mais comum o compartilhamento de imagens íntimas, preconceituosas e mórbidas na Internet. No aplicativo WhatsApp, por exemplo, a circulação desses arquivos tem surpreendido muitas pessoas, fazendo com que o conteúdo se torne viral. Com a aprovação do Marco Civil da Internet (Lei nº

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12.965/2014), que regula o uso da internet no Brasil, os servidores e redes de aplicações tiveram regras definidas para o armazenamento de informações, o que facilita a investigação e punição contra quem captura ou espalha os conteúdos ofensivos na rede. No caso do cantor sertanejo, três pessoas foram indiciadas pelo crime de vilipêndio de cadáver (desrespeito ao corpo) e, se condenadas, podem pegar de 1 a 3 anos de prisão O compartilhamento e divulgação de conteúdo íntimo sem autorização na rede pode também gerar punições. Um levantamento feito pela ONG SaferNet Brasil, especializada em crimes cibernéticos, revelou que, neste ano, 34% dos jovens entre 16 e 23 anos já namoraram pelo menos uma vez pela rede usando ferramentas de produção de vídeo. Os números não param por aí. A pesquisa apontou também que 8% já publicaram fotos sensuais de si mesmos pelo celular e 31% receberam fotos sensuais de amigos. Com a evolução dos meios de comunicação, ser prudente ao divulgar conteúdos ou fazer comentários é o primeiro passo para não ser vítima de crimes virtuais. Em uma busca rápida no Google não é difícil de encontrar casos de adolescentes, na maioria das vezes mulheres,

que cometeram suicídio após serem ameaçadas e terem suas fotos e vídeos íntimos divulgados na Rede. Segundo a professora de Direito da Ufes, Margareth Vetis Zaganelli, o Código Penal Brasileiro, nos artigos 138, 139 e 140, prevê punições para os crimes contra a honra. “Quando se faz um comentário ou divulga imagens que ferem a honra de uma pessoa, o responsável pelo ato que expõe e muitas das vezes interfere na vida da vítima por causar constrangimento, pode


a crimes virtuais Você sabia? Projeto de Lei Existem dois projetos de lei tramitando na Câmara dos Deputados a respeito do assunto. O primeiro (PL6713/2013) é o do deputado federal Eliene Lima (PSD-MT), propondo que o autor do crime fique preso por um ano e ainda pague uma multa de 20 sálarios míninos à vítima.

Vigança Pornô Já o segundo é o Projeto de Lei 6630/2013, do deputado federal Romário (PSB-RJ), que sugere tipificar o crime de “vigança pornô”. A pena varia entre um e três anos de cadeia, e o autor pagaria multa.

Lei Carolina Dieckmann

responder criminalmente, com pena de até dois anos”, afirma. Caso ocorra a exposição, a vítima deve pedir ajuda denunciando e guardando as informações como links, url e os perfis que retransmitiram os conteúdos. Margareth ressalta também que a divulgação ou compartilhamento de imagens, que envolvam crianças e adolescentes é um crime previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), no artigo 241 –B, que implica em uma pena de 1 a 4 anos de prisão e

multa. As pessoas que desejam tirar fotos íntimas devem evitar mostrar o rosto e partes do corpo que possam identificá-las, como tatuagens, pois a legislação brasileira ainda é incipiente contra esses crimes. O simples fato de excluir as fotos não garante total segurança de que o material não será recuperado. Deletar um arquivo é como amassar um papel, sempre existe a possiblidade de recuperá-lo.

Em 2 de abril, começou a vigorar a Lei 12.737/12, que criminaliza a invasão de computadores para obter vantagem ilícita, como a falsificação de cartões de crédito e a interrupção de serviço telegráfico, telefônico, informático, telemático ou de informação de utilidade pública. A nova legislação foi apelidada de Lei Carolina Dieckmann porque, em 2012, a atriz teve o computador invadido e fotos pessoais divulgadas na internet.

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Os olhos viram,, ˜ o coracao escolheu ,

Para cada criança na fila de adoção há seis famílias interessadas. O tempo de espera pode chegar a até três anos. O obstáculo para a realização do sonho de ser pai ou mãe, está entre o perfil idealizado e o mundo real. Cinthia Pimentel e Linneker Almeida Linneker Almeida

João Fernando e Gisele ao lado dos filhos Elaine e Kauã: processo de adoção durou aproximadamente 1 ano e meio

T

er filhos é um sonho para a maioria dos casais. A alegria de uma criança pela casa muda todo o clima do ambiente familiar. Alteram-se os planos, quebram-se as rotinas e floresce um sentimento único e singular na vida das mães e dos pais. A coordenadora do grupo de apoio à adoção Raízes e Asas, Gisele Dutra, e o professor João Costa Junior tinham planos para engravidar, em 2009, mas devido há uma proposta de trabalho resolveram adiar. Nesse meio tempo, eles ingressaram no programa

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de apadrinhamento afetivo e conheceram a menina Elaine, de 10 anos, que morava em um abrigo. “Já tivemos desejo de adotar, mas não tínhamos planos em relação a isso. O projeto de apadrinhamento não implica no objetivo específico de adotar, mas em nenhum momento nós nos fechamos para essa possibilidade. Fomos apresentados à nossa filha como padrinhos, em outubro de 2009. Desde o primeiro momento em que a vimos nos apaixonamos pelo rostinho dela.”, disse a coordenadora. Seis meses após esse primeiro contato com Elaine, o casal conheceu um de seus quatro irmãos bio-

lógicos, Kauã, na época com três anos de idade. Ele não poderia ser apadrinhado por ser muito novo e as crianças muito novas se apegam muito rápido aos padrinhos, o que é ruim para elas. “Por Kauã ser irmão da Elaine, a diretora do abrigo permitiu esse contato”, relatou. A partir daí, os dois irmãos começaram a passar os finais de semana na casa de Gisele. Mas, por falta de informação, o casal tinha muitas dúvidas em relação à adoção tardia. Por meio de contato com outras histórias e experiências de pessoas que adotaram, eles venceram os medos e


quebraram tabus. “Alguns meses depois, Kauã precisou ser internado por conta de uma pneumonia. Ficamos desesperados. Vimo-nos pais deles nesse momento. Os dias longe deles foram horríveis. Quando os reencontramos, não nos restava dúvidas; o medo deu lugar à certeza de que eles eram nossos filhos” disse. Após quatro meses de apadrinhamento, o casal deu entrada ao processo de adoção, em 2010. O perfil das crianças escolhidas foi: irmãos de até 10 anos idade, sem restrição de cor e sexo ou doenças. Em quatro meses, o casal já tinha a guarda dos irmãos. Mas ainda havia a possibilidade de outras famílias na fila de espera, com o mesmo perfil de crianças, conseguirem a adoção. Enquanto o processo de adoção tramitava, o casal permanecia com a guarda apenas nos finais de semana. “Toda sexta-feira era um ‘parto’, quando nós os recebíamos, era uma festa. No domingo, na hora da despedida, ao retornarem para o abrigo, nossos corações ficavam partidos. Nunca vou esquecer o choro do meu filho quando eu tinha que entregá-lo à cuidadora na porta do abrigo.” Após um ano e seis meses de espera, o resultado do processo chegou e eles já estavam com as certidões de nascimento dos seus filhões em mãos. Toda a espera deu lugar à alegria. “Minha família ofereceu uma festa para receber as crianças. Quando elas vieram morar conosco, nós fizemos questão que eles entendessem que a partir daquele momento aquela casa se tornou deles. Eles são a nossa razão de viver!”, conta emocionada. Asas para voar Em 2010, Gisele Dutra e João Fernando fundaram o Grupo de Apoio a Adoção (GAA) Raízes e Asas, uma organização não governamental (ONG) com o objetivo de compartilhar suas experiências de “gravidez” do coração com ou-

tras pessoas engajadas no tema. A partir de um blog e uma lista de e-mails, onde relatavam suas experiências de adoção tardia, mais pessoas se aproximavam com dúvidas e perguntas, ou até mesmo, com seus relatos pessoais sobre processos de adoção. Cautela ou burocracia? O processo de adoção, neste caso, foi relativamente curto. O tempo de espera menor aconteceu por optarem adotar crianças mais velhas. O que chamamos de burocracia pode ser entendido como cautela, pois tirar uma criança de sua família natural e remanejar para outra é algo extremamente delicado. “Entregar uma criança a alguém que a Justiça supõe ter melhores condições físicas e psicológicas é uma grande responsabilidade. Assim como na gravidez biológica, que requer uma atenção especial e um acompanhamento completo durante todo o processo até o parto, eu não considero isso ‘burocracia’ e sim uma cautela”, afirma Gisele. Os desafios da adoção Dos muitos dramas vividos pelas crianças e adolescentes brasileiros, um deles passa ao largo do olhar da mídia e da sociedade. Trata-se da realidade dos milhares de abrigos espalhados pelo país, onde hoje se concentram cerca de 5,6 mil meninos e meninas à espera de uma família. A maioria dessas crianças e adolescentes não se encaixam no perfil desejado pelas mais de 30 mil pessoas querendo adotar, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Se há tantas pessoas dispostas a acolher uma criança sem família, por que o número de meninas e meninos no Cadastro de Adoção não para de crescer? “A maioria prefere bebês ou crianças de até dois anos, sem doenças. A justificativa para a escolha, se explica, pelo desejo de um pai adotivo buscar uma ex-

Conheça mais sobre o GAA Raízes e Asas na página do Facebook (/GAARaizeseAsas) ou acesse o blog gruporaizeseasas.wordpress.com.

periência considerada completa com a criança”, responde a assistente social da 1ª Vara da Infância e Juventude de Cariacica, Michela Ventorim Siqueira. No entanto, a falta de informação sobre o processo de adoção, pode contribuir para o aumento da distância entre os que desejam um filho e as muitas crianças e adolescentes que buscam uma família. A primeira questão a ser observada por aqueles que querem adotar é a motivação. “Adotar, é ato que se faz por vias legais, pelo qual se criam laços semelhantes à filiação biológica, ou seja, o filho adotivo tem todos os diretos e deveres que um filho biológico teria e deve ser o resultado de uma decisão muito bem pensada e madura. Ela envolve principalmente o desejo de paternidade e maternidade. É um erro adotar por mero capricho ou por afirmação social, por caridade, para resolver conflitos conjugais ou para fugir da solidão”, ressalta Michela.

O passo a passo da adoção 1º Passo: Procure o Fórum ou a Vara da Infância e da Juventude da sua cidade ou região, e leve os documentos solicitados. 2º Passo: Os documentos serão submetidos a análise pelo Cartório e serão remetidos ao Ministério Público. 3º Passo: Os postulantes à adoção serão entrevistados por uma equipe técnica multidisciplinar do Poder Judiciário composta por assistente social e psicólogo. 4º Passo: Participação no curso de preparação para adoção, oferecido duas vezes por ano. 5º Passo: A partir dos relatórios da equipe técnica, da participação em todas as etapas acima, o juiz proferirá sua sentença deferindo ou não o pedido de habilitação à adoção. 6º Passo: Com o deferimento do pedido de habilitação à adoção, os dados são inseridos no cadastro estadual, SIGA/ES, e, caso opte, no cadastro nacional. A habilitação do postulante à adoção é válida por três anos, podendo ser renovada pelo mesmo período.

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O abrigo como possibilidade De acordo com a Constituição Federal (artigo 227) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em seu artigo 19, a convivência familiar e comunitária é um direito fundamental de crianças e adolescentes. Sendo assim, fica estabelecido em lei que a criança e o adolescente têm direito de ser criados e educados por sua família e, na falta desta, por família substituta. Entretanto, cerca de 140 menores ainda esperam por uma família no Espírito Santo, segundo informações da coordenação das Varas da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES). Para eles que ainda não estão inseridos no ambiente familiar, suas casas passam a ser abrigos de acolhimentos mantidos pelo Estado. O acolhimento institucional de crianças e adolescentes é considerado pelo ECA uma medida de proteção excepcional e temporária para aqueles que tiveram seus direitos violados. Na casa de acolhimento Transformando Caminhos, para crianças de 7 a 12 anos, em Cariacica, hoje estão 18 crianças, dos quais sete têm possibilidade de retorno para a família biológica. Segundo a coordenadora do abrigo Krigélica Vaz Siller, as crianças Cinthia Pimentel

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chegam à casa abaladas emocionalmente, já que tiveram que ser retirados da família. “A fragilização começa no momento em que acordam e percebem que não estão mais em casa. Apesar da situação de violência e maus tratos, eles não entendem porque precisam ser retirados do ambiente familiar”, relata. “Nosso papel passa a ser tornar esse ambiente o mais familiar e acolhedor possível”, explica Krigélica. Para cuidar e dar toda assistência necessária às crianças, a equipe do abrigo é composta por 19 pessoas, em funções de cuidadores, educadores, auxiliar de serviços gerais, cozinheiros, motorista, pedagogo, psicólogo e assistente social. O tempo de adaptação à nova realidade é de, no mínimo, quatro meses. “A criança chega aqui com um nível de revolta muito grande. E pode demostrar chorando, sendo violenta com os outros colegas ou danificando os espaços físicos da casa. Nesse primeiro momento, precisamos mudar esse sentimento da criança e transmitir confiança para que ele comece a se adaptar”, explica. Por serem crianças maiores, eles vivem o drama da possivelmente não serem adotados, já que os interessa-

dos preferem bebês. “Das 18 crianças, 15 são meninos, e as possibilidades de adoção são bem remotas. Estou na casa há um ano e meio e só tive um caso de adoção”, lamenta. “É um trabalho constante de alimentar a autoestima e a esperança de um futuro melhor. O meu desafio pessoal é saber lidar com a dor deles”. Antes de serem acolhidos, todas as possibilidade de reinserção familiar já foram esgotadas, e isso é alcançado, geralmente, pelas meninas, o que justifica o maior número de meninos no abrigo. As crianças têm uma rotina bem acelerada, que inclui atividades básicas como escola, alimentação, higiene, diversão e descanso, além de esportes e atividades de cultura e lazer no contraturno escolar. “Em geral, as crianças são encaminhadas para nós, por alguma negligência dos pais, e isso reflete, em primeiro lugar, na escola. Por isso, temos que atuar de forma mais incisiva nas atividades escolares, já que a maioria deles vivem a defasagem escolar. A disciplina de ir para a escola, fazer o dever de casa, ter alguém auxiliando nas tarefas é algo muito novo para eles, coisas que são básicas na rotina de uma família, considerada estruturada”, ressalta.


“Ficar longe da minha família e dos meus pais é a parte mais difícil para mim. E deve ter muito tempo que estou aqui, porque até hoje não vi meu pai. Mas me sinto feliz, me tratam como se fosse da família. Meu sonho é ir morar com meu tio, ele é o único que me quer” (menino de 10 anos, que está em sua segunda passagem pelo abrigo. Ele foi entregue pela mãe para adoção e depois devolvido ao abrigo pelos pais adotivos, que, idosos, não se sentiam aptos para mantê-lo)

“Queria minha família de volta, sinto muita falta deles. Quando estou triste oro para voltar para casa, ou fico no canto quietinho. Daqui, eu gosto muito das tias, elas cuidam de mim. Quando eu crescer, quero ser médico para cuidar de outras pessoas também” (Menino de 13 anos, que está no abrigo à espera de adoção)

Apadrinhamento afetivo Para aqueles que não desejam ou não estão preparados para a maternidade e paternidade existem outros caminhos que possibilitam contribuir afetivamente com a vida de algumas das crianças que têm pouca possibilidade de serem adotadas. O projeto intitulado “Apadrinhamento Afetivo” permite que a criança ou o adolescente passe algum tempo com você, um dia da semana, ou o final de semana, sem implicar qualquer vínculo jurídico. “A maioria das crianças e adolescentes que estão no abrigo não têm referência de amor, família e cuidado. E esse projeto vem para aproximar nossas crianças que possivelmente não serão adotadas, mas que podem ser inseridas em alguma família para serem amada, cuidada e acompanhada”, destaca Michela. Os padrinhos ou madrinhas têm a liberdade de escolher lugares para levá-los para passear, participando efetivamente da vida da criança ou do adolescente. Além disso, também podem contribuir com roupas, remédios, material escolar e brinquedos. Família Acolhedora Já o Família Acolhedora consis-

te em cadastrar e capacitar famílias da comunidade para receberem em suas casas, por um período determinado, crianças, adolescentes ou grupos de irmãos em situação de risco pessoal e social. A família dá a eles acolhida, aceitação, amor e a possibilidade de convivência familiar e comunitária. Receber uma pessoa em acolhimento provisório não significa integrá-lo como filho. A família de apoio assume o papel de parceira no atendimento e na preparação para o retorno à família biológica ou substituta. Toda família acolhedora recebe, por seis meses, período determinado de uma adoção provisória, uma ajuda de custos de um salário mínimo. A maioria das crianças e adolescentes retornam aos seus lares, após o período de acolhimento em lares substitutos. A participação nos projetos “Apadrinhamento Afetivo” e “Família Acolhedora” são acompanhados pela Vara da Infância e da Juventude e executados pelas prefeituras. Os interessados em conhecer mais das ações podem procurar a Vara da Infância e Juventude da sua cidade. Cinthia Pimentel

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Enquanto você curte, Cada dia que passa os shoppings têm sido mais procurados por jovens como uma alternativa de trabalho durante graduação. A equipe do Primeira Mão foi conferir os que está por trás desse cenário. Júlia Salume e Klebert Silva

Os shoppings são hoje grandes polos do comércio a varejo em todo o mundo. Isso equivale a movimentar grandes capitais nesse campo e também a empregar um número expressivo de pessoas. Ao contrário do comércio ao ar livre, eles ganharam a fama de seguros e confortáveis. Quanto aos trabalhadores alocados nessas “fortalezas comerciais”, estes têm acesso a empregos exercidos em caráter diferenciado se comparados às vagas oferecidas pelo comércio de rua. Nos shoppings, os comerciários não têm horário fixo, trabalham nos fins de semana e têm um dia de folga a cada sete dias - as lojas costumam dar um domingo de folga por mês; os outros repousos são gozados às segunda a sexta-feira. Nesta classe de trabalhadores

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estão os jovens, cobiçados pelos recrutadores. Segundo Maria Rita Sales, sócia da DesignGente Consultoria e professora na Faesa e da Favi, a presença deles nesse mercado é fortalecida devido à importância da juventude na cultura brasileira: “provavelmente, o pensamento é contratar jovens porque eles chamam mais clientes”, analisa Maria Rita. A mão de obra universitária é uma das mais presentes em estabelecimentos localizados em shoppings. “Uma vantagem é a pessoa dedicar um turno aos estudos, se não for uma faculdade que lhe demande tempo integral. Mas a desvantagem é que as tarefas são repetitivas e não oferecem o desafio necessário para o universitário amadurecer”, avalia. Mas por que os jovens são atraídos por esses empregos? A

recém-formada em Publicidade e Propaganda, Karlla Caires, 23 anos, enveredou por esse caminho quando ainda estava na universidade. “Na época em que trabalhei no shopping, procurei um estágio na minha área e não obtive sucesso. Então, decidi me candidatar a outras vagas. Outro fator que me chamou atenção foi o salário que junto com a comissão, por vezes, era maior do que o salário de mercado oferecido para os publicitários já formados. Dessa forma, por conseguir conciliar os horários, resolvi encarar a experiência”, explicou. Já a estudante de Relações Internacionais Gabriela Tavares, 22 anos, disse que almejava dinheiro em curto prazo: “eu queria um trabalho temporário, de no máximo dois meses, que você ganhasse mais que num estágio.


, eles trabalham duro Nenhum outro tem essas características”. Dentre as oportunidades oferecidas pelas lojas, existem os cargos de estoquista, vendedoras, embaladora e caixa. Gabriela diz que não existe nenhuma premissa, mas, nos bastidores, o comentário é que para as vendas eles “só recrutam as meninas bonitas”. As metas de venda são estipuladas de acordo com a época do ano e o número de funcionários – por isso sempre há um aumento do quadro e empregados próximo às festas de final de ano. Para as vendedoras a remuneração é variada. Algumas lojas adotam um piso salarial mais um percentual obtido por meio de comissão de vendas, outras pagam só comissão mas admitem uma porcentagem maior. “Aonde eu trabalhava era só comissão de 3,5%. Caso eu batesse as metas, aumentava para 3,8%. Caso a meta individual não fosse alcaçada, recebia apenas 800 reais”, explica. Segundo Gabriela, as lojas de marca vendem uma média mensal de R$ 1 milhão e cada vendedora ganha cerca de

30 mil. Os cargos não relacionados a vendas são remunerados com um valor fixo. Assim como a remuneração, a jornada também é variável. “Durante um mês foram sete horas diárias de trabalho, mas no período entre o Natal e o Ano Novo era de 12 horas. E ainda tínhamos que ficar depois que fechava o shopping para arrumar as araras”, informa Gabriela. Karlla garante que o trabalho é pesado e que a disposição é necessário. “Lidar com o público é muito complicado, pois além de vendedor muitas vezes exercemos o papel de psicólogos com pessoas que chegam a ficar duas horas na loja conversando. Outro ponto negativo é trabalhar aos domingos e feriados e ter que dobrar serviço trabalhando 12 horas seguidas em datas comemorativas”, informa. Porém, ela não deixa de evidenciar o lado bom da jornada de trabalho: “não posso negar que também existem vantagens: a carga horária de 6 horas por dia ajuda bastante se a pessoa tem outra atividade pois compromete apenas um turno”.

Trabalhar em shopping não é uma atividade para a vida toda. A professora Maria Rita esclarece que esse tipo de trabalho é um ponto de partida e que as oportunidades de crescimento são muito limitadas. Por isso, deixa uma recomendação: “se as pessoas querem partir para outro segmento, eu sugiro sempre que estude bastante e que se atualize frequentemente. Karlla tabalhou um ano e um mês em uma loja de semi-joias, bolsas e relógios. Voltaria a se empregar em um shopping? “Trabalharia apenas se tivesse interesse em alguma loja específica, ou seja, trabalharia exclusivamente se a loja fosse me trazer alguma experiência diferenciada e não pelas vantagens de trabalhar em um shopping”, afirma. Já Gabriela pontua que o trabalho é difícil no quesito físico, contudo, ela presume: “as pessoas continuam porque consideram um trabalho fácil que não exige muita preparação. Só continuam naquilo porque não se encontraram na vida, não sabem do que gostam”, afirma.

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Júlia Bragatto Luchi e Karolyne Mayra

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itória é a segunda cidade em proporção de malha viária e malha cicloviária do país, e caminha para ser a capital brasileira das bicicletas. Segundo a Secretaria Municipal de Transportes, Trânsito e Infraestrutura Urbana (Setran), cerca de 22.835 viagens de bicicleta são realizadas, todos os dias, pelo município. A cidade possui 29 km de ciclovias e 17 km de ciclofaixas, mas, de acordo com o ciclista Victor Luchi, falta planejamento. “Boa parte delas começam ou terminam repentinamente, colocando em risco a vida dos que utilizam essa alternativa como meio de transporte ou lazer”, declara. A partir dessa necessidade de trajetos seguros surgiram as ciclorrotas, que são caminhos (sinalizados ou não) que correspondem a uma determinada rota de melhor acesso ao destino onde o ciclista deseja ir. As ciclorrotas costumam ser implantadas em regiões críticas, onde as avenidas principais são estreitas, com tráfego intenso e corredores de ônibus. Nesses casos, as rotas alternativas são entrecortadas e, para a maioria dos ciclistas, são desconhecidas. A principal característica da ciclorrotas é que não se faz necessário reduzir a faixas de rolamentos destinadas aos automóveis, facilitando sua implementação com maior agilidade e baixo custo. Nestes percursos, a velocidade máxima permitida para os carros é diminuída para 30km/h, para aumentar a segurança nas vias, tanto para os ciclistas como para os pedestres e os próprios motoristas. O problema encontrado neste caso é a falta de sinalização dos percursos. “Os ciclistas não sabem quais são as ciclorrotas porque não existe sinalização”, afirma o ciclista. A equipe da Primeira Mão encontrou, no site da Companhia de Transportes Urbanos da Grande Vitória (Ceturb-GV), um mapeamento das ciclorrotas de Vitória. Nele, também é possível identificar as ciclovias e ciclofaixas existentes e em fase de construção. Basta o ciclista traçar sua rota para seu destino diário e pedalar com mais segurança. Ainda não é a so-

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Ciclorrota: voc

Vitória prepara Baike Sharing lução, mas já é uma boa iniciativa! A Prefeitura de Vitória está se mobilizando para implantar o Pedala Vitória. Trata-se de um serviço compartilhamento de bicicletas, ou bike sharing, que pretende reafirmar a bicicleta como transporte público saudável e não poluente, além do impacto positivo para a mobilidade urbana da cidade. O projeto prevê, a distribuição de 250 bicicletas em 25 estações de compartilhamento, que contarão também com vagas de estacionamento para as bikes. Para utilizar o serviço, o usuário deverá ser cadastrado pela empresa vencedora da licitação e alugar o equipamento por até 70 minutos. A forma de pagamento será um dos critérios técnicos para avaliação dos concorrentes nessa licitação. Conforme nota da Setran, a secretaria está revendo o termo de referência do edital do Pedala Vitória para que a publicação ocorra em breve.


cê sabe o que é? Ciclovia Ciclofaixa Ciclorrota Ciclovia: É um espaço separado fisicamente para o tráfego de bicicletas. É o modo mais seguro, porque há um isolamento impedindo o contato com os demais veículos. Essa separação pode ser através de meio fio, grade, muretas, blocos de concreto ou outros tipos de isolamento fixo. Esse tipo de segregação é encontrado em avenidas e vias expressas, pois protege o ciclista do rápido e intenso trânsito. Ciclofaixa: É uma faixa para bicicletas na mesma rua usada por carros. É, na opinião dos cicloativistas, a melhor forma de integrar a bicicleta ao transporte urbano, pois a assume como um meio de transporte, e não apenas como uma forma de lazer. Esse recurso só é possível em avenidas ou ruas mais largas, ou ainda, que têm a possibilidade de ampliação. Ciclorrota: Não reduz o espaço destinado aos carros, mas caracteriza-se por ser alternativas com menor fluxo de trânsito e com velocidade máxima de 30km/h. É a forma mais barata e fácil de proporcionar uma forma segura de locomoção onde não é possível implantar a ciclovia ou ciclofaixa.

Mapa das ciclovias, ciclorrotas e ciclofaixas elaborada pelo Instituo Jones Santos Neves

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A

expansão do mercado de trabalho e a competitividade para alavancar uma carreira de sucesso têm exigido profissionais cada vez mais qualificados. Parte das habilidades que as empresas exigem são alcançadas através dos estudos, porém, a vida escolar ainda não é uma realidade para todos, uma vez que muitas crianças ainda abandonam a escola por conta de dificuldades financeiras. Mesmo assim é possível encontrar histórias como da catadora de lixo, Ercilia Stanciany, que realizou seu sonho 40 anos depois, quando passou para o curso de Artes Plásticas da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), em 2012. Nascida em Belo Horizonte, viu no projeto Educação para Jovens e Adultos (EJA) a oportunidade que lhe faltava para estudar e ingressar na Ufes. No entanto, essa decisão não seria tão fácil, já que a dura rotina de uma catadora de lixo não traz retorno financeiro suficiente para comprar o material necessário de estudo. “Eu estudava usando esses livros que eu encontrava no lixo, ou pegava emprestado em uma biblioteca perto de casa. Também tinha uma amiga que imprimia resumos da internet para mim”, contou Ercilia. A correria do dia a dia não a impedia de estudar. Ela fazia os trabalhos escolares à noite e dedicava o tempo livre para revisar as matérias. Na reta final para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), a rotina de estudos se intensificou, e a futura universitária precisou tomar novas medidas de preparação para a prova. “Eu cozinhava muita comida no jantar para não precisar fazer o almoço do outro dia. Assim, podia estudar pela manhã, porque sabia que precisava dar todo o meu esforço”, afirmou. Esse foi apenas o primeiro de muitos obstáculos que Ercilia encontrou entre os estudos e a aprovação. Há uma semana do Enem, descobriu que a sua inscrição foi feita com o endereço de Belo Horizonte. “Eu tive que viajar para Minas Gerais às pressas para fazer a prova. Tinha estudado muito, e não podia perder essa chance”, disse. A paixão por Artes Plásticas surgiu de uma infância árdua como catadora de lixo. Os restos de lápis de cor que encontrava eram quebrados e transformados nas cores para os de-

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Estudantes

senhos feitos nos poucos papéis que conseguia. Com cinco anos de idade, ela não tinha cola, nem tesoura, mas mesmo assim se virava como podia para desenhar. Atualmente, Ercilia garante que o estudo trouxe mudança de vida, e que a ajuda dos amigos fez toda a diferença. “Olhava para o céu e falava que queria estudar, vestir aquela roupa preta e segurar aquele papel na frente. Ainda não sabia que era chamado de colação de grau”, lembra. Após a aprovação, a universitária ainda enfrentaria novos desafios. O curso exige materiais especiais para as aulas, e por isso, precisou da ajuda de seus colegas de classe. Eles doavam materiais, além de auxiliá-la com a tecnologia. Como nunca havia tido contato com computador, ela aprendeu a usar o portal do aluno e a reali-

zar trabalhos acadêmicos. Com o intuito de ajudar pessoas em situação semelhante, a estudante mantém uma biblioteca em seu quintal. Assim, ela conscientiza a comunidade sobre os estudos. “Meus livros são guardados como relíquias para me lembrar da minha trajetória. Pretendo dar mais visibilidade à biblioteca oferecendo oficinas e palestras para as pessoas do bairro”, revela. Hoje, cursando o sétimo período, a estudante já se preocupa com os caminhos do filho de nove anos. Ela insere a arte na vida do garoto através de aulas de balé. “O meu filho já se interessa pela área, e se ele quiser se tornar um artista, terá todo o meu apoio”, afirma. Ercilia nos mostra que não há limites para os sonhos, e já foi questionada pelo marido sobre o mestrado.


Os caminhos em busca do conhecimento podem ser diferentes, mas a persistência é o ponto em comum nessas histórias. Betina Hatum e Joicy Marques

“Eu fiquei muito surpresa. Não me preocupo com o salário que vou ganhar; só não irei deixar meu diploma na gaveta, já que é ele que vai garantir um futuro melhor para minha família”, ressaltou. A busca pelo conhecimento une a história de Ercilia com a de Marcelo. Porém, no caso dele os caminhos para esse sonho foram um tanto diferentes. Já graduado em Engenharia de Alimentos, Marcelo Danzacker resolveu entrar, aos 54 anos, em sua segunda graduação. Há 30 anos trabalhando na área, decidiu voltar à sua paixão de criança e cursar Educação Física na Ufes. Sua afinidade com a área ficou mais forte durante a primeira graduação. Enquanto estudava para Engenharia, Marcelo entrou no time de basquete da sua antiga universidade

e virou diretor da Associação Atlética. Desde então, ele continuou nutrindo sua paixão pelos esportes, independente da modalidade. A sua decisão de prestar o vestibular surgiu a partir do acompanhamento dos estudos do filho, que estava no terceiro ano do ensino médio, em 2013. Marcelo estava despretensioso, mas ao passar no vestibular resolveu se arriscar na nova graduação. Apesar do apoio dos filhos para iniciar o curso, confessa que com a esposa não foi tão fácil. No início ela ficava um pouco desconfiada, mas acabou se acostumando com a ideia. Quando chegou à Universidade, ele se sentiu um pouco deslocado devido a diferença de idade em relação aos demais alunos. “Os outros alunos achavam que eu era professor. Já me pararam nos corredores para pedir

de infancia

s realizam sonho

informação”, lembra. Aos poucos, o estudante se adaptou à rotina e aos colegas de classe. Agora, Marcelo se acha muito entrosado com a turma inteira e tenta aproveitar o máximo do curso. “Sou muito participativo, gosto de perguntar, tirar dúvidas. Eu tento fazer o que não fiz na minha primeira graduação, porque eu era muito tímido”, conta. A única dificuldade encontrada por Marcelo foi o exercício físico. Apesar de ainda ser atleta, o engenheiro confessa não ter a mesma disposição que tinha anos atrás, e por isso não consegue realizar os exercícios com tanta facilidade. Em contrapartida, ele garante que seu desempenho intelectual está muito melhor que antes. “Eu me sinto muito mais preparado intelectualmente. Assimilo mais, em função da experiência de vida. Já sei o que é importante quando o professor fala, e aproveito melhor as informações”, ressalta. O engenheiro acaba de finalizar seu terceiro período na faculdade e já planeja, depois de formado, trocar de área também no trabalho. “Minha intenção é trabalhar com pesquisa. Eu tenho o desejo de fazer mestrado, fazer doutorado, continuar meu estudo na nova área”, conta.

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Um Dado para a todos governar De O Senhor dos Anéis a Caverna do Dragão, inúmeras são as influências do RPG, que tem os benefícios reconhecidos até pela ciência.

Danielly Carneiro

Danielly Carneiro e Mariana Salomão

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Num universo medieval, Isaac ataca seus inimigos sempre a distância. Arqueiro experiente, ele pega uma flecha e, sem respirar, certeiro, acerta seu alvo. Rodrigo, o mago, fica ferido, mas, ainda assim, lança feitiços contra seu opositor e, em questão de segundos, consegue se esconder numa caverna. Lá dentro está escuro, mas é possível enxergar uma luz, que está sendo carregada por Bárbara: uma guerreira perigosa! Ela olha para ele. Expectativa. Ele olha para ela. Medo. Os segundos tornam-se minutos. E então o Mestre diz: “Gente! Alguém vai fazer algum movimento para continuarmos o jogo?”. A cena anterior, obviamente, não é real, mas no RPG poderia ser. RPG é a sigla para “Role Playing Game” (ou “jogo de interpretação”, em português), um game que atrai a atenção de milhares de jovens ao redor do mundo. Os participantes interpretam personagens em um lugar fictício e desenvolvem


Danielly Carneiro

narrativas e histórias, utilizando também estratégias para conseguir superar as dificuldades apresentadas pelo “Mestre”, a pessoa que comanda o jogo durante as partidas – que podem ser online ou de mesa. Com um conjunto de regras pré-determinadas, as missões dadas variam de acordo com as aventuras, e o rumo da história depende das ações dos jogadores. Um jogo pode durar horas, dias e até anos. “É como atuar de verdade com direito a improviso. O Mestre faz as perguntas ou descreve os lugares e você tem que responder e agir da forma que o seu personagem faria, porque o jogo depende do seu movimento ou sua fala para continuar”, explica Maria Gabriela de Oliveira, jogadora de RPG há nove anos. O arqueiro, o mago e a guerreira, apesar de desconfiados, resolvem seguir o caminho juntos, pois são mais fortes assim. Encurralados na caverna, precisam derrotar o dragão vermelho que está do lado de

fora. “Eu vou na frente”, fala Barbara em um momento de coragem. Os outros dois companheiros vão atrás e... Sucesso! Sem dar explicações, o Mestre rola os dados fazendo com que o dragão fuja como uma lagartixa assustada. Volte para as trevas, ente terrível! Assim é um jogo de RPG. Para os iniciantes parece ser complexo e difícil, mas de forma geral, é uma grande viagem sem sair da cadeira. “Você senta à mesa com seus amigos, todos escolhem seus personagens e depois o Mestre começa a narrar a história. A partir daí a sorte dos personagens e as escolhas tomadas por eles vão ditar o rumo do seu destino”, ilustra Barbara. “Ufa!”, respira aliviado o mago. O arqueiro está feliz com as conquistas. Tudo parece em paz agora. Podemos continuar? Não! Algo parece estranho e o arqueiro não está gostando nada dessa história. Escondida no escuro, uma ladra muito experiente monta seu plano. Ela

pretende pegar as moedas do trio e fugir. Maria Gabriela bem que tenta, mas é pega pelo mago experiente. Após intensa discussão, a ladina concorda em se juntar ao grupo. Suas habilidades furtivas serão necessárias mais para frente. O jogo de mesa começa com a montagem das fichas dos personagens, que falam das características definidas pelos jogadores, como nome, raça, classe e aspectos físicos. As virtudes e defeitos, como força, agilidade e destreza também são definidos. Alguns optam por usar materiais, como espadas e armaduras e assim ilustrar melhor a cena. Mas não bastam incríveis habilidades. O andamento da história depende da sorte nos dados. São utilizados diversos tipos. Desde o mais conhecido, de seis lados, até os de oito, dez e até de vinte. A soma de uma boa ficha mais a sorte nos dados vai definir se um golpe ou ação é certeiro ou não. Por exemplo, para a magia do

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mago Rodrigo funcionar ele precisa tirar o valor de acerto nos dados, que varia de acordo com os atributos do seu personagem e das regras determinadas pelo Mestre. Se o jogador tirar 20 em um dado de mesmo valor, ele tem um “acerto crítico”, isto é, ele mandou muito bem e vai ganhar bônus por isso. Porém, se ele tirar 1, além não acertar o golpe, seu personagem ainda pode sofrer um dano. É o chamado “erro crítico”, ou seja, ele falhou miseravelmente. O jogo continua por muito tempo e a diversão também. Quando acaba, voltamos à vida real onde Isaac Alves, o arqueiro, é estudante de Publicidade, Rodrigo Bins Samora é bancário. Bárbara Pelição Correa estuda Relações Internacionais, e Maria Gabriela é estudante de Música. Rodrigo também atua como Mestre e explica que o RPG é como uma cadeia de eventos em que os personagens vão interagindo com o cenário. Há negociações de venda, contos de heróis cantados em taver-

nas pelos bardos e diversas outras situações. Cada partida ou sessão de RPG é chamada de aventura e várias aventuras com os mesmos personagens formam uma campanha. Todas essas descrições foram feitas a partir da versão medieval de mesa. Mas também é possível jogar de outra foma: Online Na hora de decidir qual é o melhor modo os jogadores se divergem, e às vezes, fica até difícil escolher. Barbara filosofa na hora de dar sua opinião: “Online você joga com centenas ou até milhões de pessoas, mas está realmente jogando sozinho”. Isaac acredita que esse é o melhor jeito, pois pode jogar onde e quando quiser. Rodrigo e Maria Gabriela são imparciais, mas assim como Barbara, acreditam que com os compromissos diários, juntar os amigos é cada vez mais difícil, e jogar online é mais prático. O RPG ainda é muito desconhecido e, muitas vezes, malvisto pela sociedade. Bárbara diz que existe um julgamento

negativo com os jogadores, causado pela falta de conhecimento. “Eu gostaria que as pessoas tivessem menos preconceito com o RPG. Acham que quem joga não tem vida social ou que são estranhos demais por gostar de um jogo de história e mundo “mágico” como muitos dizem, quando na verdade julgam sem conhecer”, defende. Interpretar um personagem em um jogo de estratégia e cooperação é muito parecido com a resolução de conflitos na vida real, opina Maria Gabriela: “Praticar isso de viver um personagem é como me colocar no lugar de outra pessoa e isso me ajudou a ser mais compreensiva e mais paciente, eu acho”. Isaac também diz que o RPG teve uma influência positiva na sua vida, pois o tornou uma pessoa mais sociável e flexível para lidar com situações diversas. Os benefícios do RPG não passam despercebidos pela ciência. E, por isso, o jogo é utilizado para outros fins, inclusive...

R PG na área de saúde O Departamento de Psicologia da Ufes conta com um projeto de extensão chamado Cada Doido com sua Mania, em que oferece várias oficinas com base na Psicanálise. Uma delas é a Oficina de Imaginação, que tem o RPG como ferramenta terapêutica, e atende adolescentes, normalmente encaminhados pelo Hospital Infantil. Matheus Almeida é estudante do curso e faz parte do projeto há quatro meses. Para ele, as histórias narradas durante a oficina envolvem conflitos que os pacientes passam porque acredita-se que se projete no personagem, reproduzindo os comportamentos da vida real. O projeto foi criado em 1984, pela professora Mara Alves Prates, hoje aposentada. O RPG entrou depois e de forma curiosa dentro das oficinas, pois seu filho Heitor era um adolescente apaixonado pelo jogo e que passava horas com os amigos, envolvido naquela atividade. “Era um jogo complexo, tinha que criar uma

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história e uma personalidade para um personagem, definir como ele era fisicamente. Aí você pegava esse personagem e o colocava em vários desafios que nem sempre saiam como o esperado, já que o jogo usa a sorte e o acaso também. O que o jogador fazia com a perda que ele teve? E com a vitória?” Quem fez os questionamentos foi Heitor Furieri, o filho da professora. Hoje ele é estudante de Medicina e também faz parte do projeto. O estudante afirma que a ideia do RPG veio como algo que pudesse ser aceito com pouca resistência por adolescentes. “Criar o personagem serve de amortecedor para as questões do paciente. Ele também expõe mais abertamente esses problemas. As diversas histórias possíveis, as decisões, as possibilidades, o grupo, os outros pacientes, isso tudo os leva a imaginar alternativas, que não é só aquela que pode tê-lo levado para a oficina”, defende.


Danielly Carneiro

Não é de hoje... O primeiro RPG surgiu em 1974, criado por Gary

portado para outro mundo ao embarcar em uma

Gygax e Dave Arneson. O Dungeons and Dragons -

montanha-russa chamada “Dungeons & Dragons”.

(D&D) existe até hoje e é um jogo de fantasia medie-

Lá, munidos de armas e armaduras, eles enfrentam

val fortemente influenciado pelos livros O Senhor

diversas missões dadas pelo Mestre dos Magos para

dos Anéis e O Hobbit, de J. R. Tolkien. Na década

conseguir voltar para casa. O último episódio, que

de 1980, o jogo virou um famoso desenho animado

revelaria se os personagens conseguiram derrotar

conhecido pela maioria dos jovens de hoje.

o vilão, O Vingador, e retornar à “vida real”, não

A Caverna do Dragão tinha todos os elementos

chegou a ser produzido e permanece em mistério.

de uma partida de RPG: os heróis, os monstros e

Várias teorias foram montadas pelos fãs do dese-

criaturas fantásticas, as armas, os dragões e o

nho para tentar desvendar o final.

Mestre do jogo, chamado na animação de “O Mes-

Sair da rotina, desenvolver a criatividade, encon-

tre dos Magos”, que era quem oferecia aos perso-

trar os amigos e trocar boas risadas. Na vida real, seria

nagens os desafios de cada episódio.

muito mais divertido se todos pudessem voltar sempre

No desenho, um grupo de seis jovens é trans-

para o RPG. E aí, pronto para começar uma aventura?

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TEVE COPA SIM Depois de um intervalo de dois anos, o evento voltou a acontecer, e reuniu quatro modalidades e mais de 1200 participantes João Brito e Carolina Sampaio

“Integração e rivalidade”. São com essas palavras que o atual diretor de esportes do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Ufes, Wesley Vitor, define o que a Copa Ufes 2015 representou para os mais de 1200 atletas envolvidos com o evento, organizadores e torcedores. A competição esportiva, que não ocorria desde 2012, voltou no dia 30 de maio, e com uma novidade: se nas edições anteriores somente o fustal era privilegiado, outras três modalidades tomaram conta da quadra do Ginásio Tancredão, em Vitória, e do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes), também na capital capixaba. “Primeiro definimos qual seria a estrutura, como fazer o evento. Além do futsal decidimos por ampliar, colocar handebol, basquete e vôlei. E é a primeira vez que a Copa Ufes é organizada com

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essas quatro modalidades, tanto no gênero feminino quanto no masculino”, ressalta Weslley. A Copa chegou ao fim em 28 de junho, um domingo, num dia todo reservado para as finais de cada modalidade. Logo no início do longo período de definições, o troféu para o vencedor do Basquete masculino foi entregue. A turma de Biologia derrotou a equipe de Engenharia Mecânica, por 54 a 36. O cestinha da partida foi o aluno de Engenharia civil André Casotti, que estava atuando pela equipe campeã. Praticante desde criança, André encontrou na universidade a chance de unir o seu gosto pelo basquete com os estudos. “Jogo desde os 10 anos. Junto com esse pessoal, representamos a Ufes no Junes, Jubs. Já tem anos que viajamos juntos para a competição. Somos amigos, queríamos jogar juntos e consegui-


mos Isso ajuda muito, a gente sai muito, somos muito amigos”. O foco do atleta, no entanto, não ficou só dentro de quadra. “Achei muito bacana a competição. Ano retrasado não teve nada, somente o futebol mesmo e a evolução foi muito grande. O trabalho foi muito bem feito pela Atlética. Achei mais organizado que muito campeontao de federação que jogamos por aí.”, salientou André, que terminou o jogo com 34 pontos marcados. Para merecer os elogios, o trabalho feito pela Atlética não foi tão simples. Além do desafio de pela primeira vez abranger quatro modalidades, toda a diretoria responsável teve que pedir apoio do Ifes, Prefeitura de Vitória e Secretaria de Esportes do Governo do Estado do Espírito Santo, para a utilização dos espaços do Ginásio Tancredão e da quadra poliesportiva do Ifes Vitória. A pergunta que fica é inevitável. Copa Ufes fora da Ufes? “Isso por que a Ufes está sem estrutura. Porque temos um ginásio que está há mais de quatro

anos parado por que está em obra. Dessa forma, não podemos utilizá-lo, e disponível temos somente duas quadras que são pequenas e também estão em reforma.” Conclui Weslley Vitor. Quem esteve no Tancredão ou na quadra do Ifes para acompanhar os jogos da Copa Ufes 2015, pode se animar com as pretensões da diretoria da Atlética para o próximo semestre. “Estamos no começo e nos próximos meses vêm mais. Temos a ideia de realizar competições individuais que devem acontecer no próximo semestre. Queremos preparar a volta dos Jogos Universitários da Universidade Federal do Espírito Santo (Jufes). Aí sim teremos variadas modalidades, tanto coletivas quando individuais, como natação, por exemplo” garantiu o diretor de esportes do DCE, que também tem um bom pressentimento quanto o futuro da Copa Ufes “Seja qual for a gestão do DCE, acredito que o esporte será privilegiado. Claro que algumas com mais dificuldades que outras, mas não o deixando de lado”.

OS CAMPEÕES FUTSAL FEMININO 1° Lugar - Física (CEUNES) 2° Lugar - Oceanografia (CCHN) 3° Lugar - Educação Física (CEFD) HANDEBOL FEMININO 1° Lugar - Serviço Social (CCJE) 2° Lugar - Administração (CCJE) 3° Lugar - Engenharia Ambiental (CT) VÔLEI FEMININO 1° Lugar - Engenharia Civil (CT) 2° Lugar - Engenharia Química (CEUNES) 3° Lugar - Química (CCA) BASQUETE FEMININO 1° Lugar - Engenharia Civil (CT) 2° Lugar - Direito (CCJE)

FUTSAL MASCULINO 1° Lugar - Educação Física (CEFD) 2° Lugar - Matemática (CCE) 3° Lugar - Engenharia Mecãnica (CT) HANDEBOL MASCULINO 1° Lugar - Arquitetura (CAR) 2° Lugar - Engenharia Mecãnica (CT) 3° Lugar - Sistemas de Informação (CCA) VÔLEI MASCULINO 1° Lugar - Administração(CCJE) 2° Lugar - Engenharia Civil (CT) 3° Lugar - Agronomia (CCA) BASQUETE MASCULINO 1° Lugar - Biologia (CCNH) 2° Lugar - Engenharia Mecânica (CT) 3° Lugar - Química (CCE)

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Sabor de festa junina O mês de junho já passou, o que não impede que os outros meses tenham um sabor típico de festa junina. E que tal saborear uma receita com o esse gostinho? No mês de São João e São Pedro, em todo o Brasil são realizadas as tradicionais festas juninas. Na comemoração, além da quadrilha, não podem faltar os pratos típicos: cuscuz de tapioca, broa de milho, quentão, pé de moleque... Inspirada nas festas do mês de

junho, a receita dessa edição traz um Pudim de Paçoca. Pudim é quase uma unanimidade entre os brasileiros, mas já pensou em juntar essa sobremesa com o gosto da paçoca de amendoim? Pois é, a receita fica deliciosa e mega-fácil de preparar.

do

Ingredientes: 200 gramas de leite condensa-

200 gramas de creme de leite 200 gramas de amendoim torrado e sem casca 1 envelope de gelatina em pó sem sabor incolor 1/2 copo de água quente Coloque a gelatina em uma tigela e acrescente o copo de água para hidratá-la. No liquidificador, junte todos os ingredientes e bata até a massa ficar homogênea. Despeje a massa em uma forma de redonda própria para pudim e leve à geladeira por 2 horas ou até firmar. Desenforme e sirva decorado com paçoca picada ou grãos de amendoins. Bom apetite! Edilaine Machado.

34 I Revista Primeira Mão - maio 2015 34 I Revista Primeira Mão - julho 2015


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Nao basta vestir a camisa, tem que passar no Enade

Os cursos da área de Comunicação Social da UFES - Jornalismo e Publicidade e Propaganda - estarão de volta a partir de 2015/02. Por três semstres, o MEC manteve suspensa a oferta de vagas devido à avaliação baixa registrada nas provas do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade). Manter a oferta de vagas para quem está lá fora esperando para entrar na única universidade pública do ES depende de quem está aqui dentro. Boa prova!

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