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edição
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primeira mão Revista Laboratório do Curso de Comunicação Social da Ufes
Abandono e paternidade 18
Política e sociedade
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Transporte público
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Minha Ufes, Minha Casa
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Cobertura de desastres
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Novos Escritores
Capa
Pe rfil
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Classe Hospitalar
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Dívidas de campanha
“A favela em que nasci”
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Intercâmbio Social
Políticas Culturais
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Editorial
As disciplinas laboratórios costumam ser as mais cansativas, mas, sem dúvida, as que reforçam e/ou nos fazem questionar sobre o motivo de termos escolhido o jornalismo. Ou dele ter nos escolhido e termos aceitado. Pois esta é a nossa primeira edição de uma das últimas empreitadas em termos práticos antes de nos formarmos. E onde tudo sempre começa? Na pauta. A discussão da pauta da Primeira Mão número 130 foi longa. Longa e super produtiva. Pelo menos enquanto estudantes, temos tido indícios de que não seremos filhos da pauta. Foram mais de trinta na primeira reunião. Logo, o que vocês verão aqui são as eleitas que julgamos ser de maior interesse e importância. E esta é mais uma das difíceis tarefas do jornalismo, ter que fazer escolhas a todo instante visando a um projeto do que consideramos ser o ideal. Pretensioso? Com certeza. Mas a dinâmica é essa. Definimos nosso público e pensamos na função de uma revista laboratório. Não só de notícias e reportagens uma revista é feita. Para que nosso trabalho consiga ser eficiente em sua função de informar, tivemos que pensar e elaborar todo o projeto gráfico. Nossas escolhas e decisões foram na busca por três objetivos: harmonia, unidade e leveza. O resultado está em suas mãos.
expediente Primeira Mão é uma revista laboratório, produzida pelos alunos do 6º período do curso de Comunicação Social - Jornalismo, da Universidade Federal do Espírito Santo. Av. Fernando Ferrari, 514, Goiabeiras | Vitória - ES CEP 29075-910 jornal1mao@gmail.com. Ano XXIII, número 130. Semestre 2012/2. Diagramação: Any Cometti Professor Orientador: Edição e Revisão: Esther Radaelli Reportagem: Fábio Andrade Kauê Scarim Naiara Gomes Rafael Paes Henriques Esther Radaelli Inglydy Rodrigues Astrid Malacarne Henrique Montovanelli Leonardo Ribeiro Patrícia Garcia Maíra Mendonça Isabella Mariano Any Cometti Inglydy Rodrigues Leone Oliveira Rafael Silva Projeto Gráfico: Rhayan Lemes Izabelly Possatto Clerisson Souza Isabella Mariano Lívia Corbellari Viviane Machado Esther Radaelli Maíra Mendonça Daiane Delpupo Izabelly Possatto Lucas Rocha Isabella Mariano Thaiana Gomes Eduardo Dias Jéssica Romanha Maíra Mendonça Edição de Imagens: Thaiana Gomes Rhayan Lemes Esther Radaelli Karolina Lopes Michelle Terra Thaiana Gomes Viviane Machado Viviane Machado
PERFIL por CLERISSON SOUZA
Golias Mesmo com o aparecimento de novos formatos, a paixão pelos discos continua
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abelo comprido e grande barba branca. O visual pode dar a impressão de alguém fechado, sisudo, mas Golias se revela uma figura totalmente extrovertida, com um jeitão simples e comunicativo. Valter Vieira da Silva, o “Golias”, nascido em Baunilha, distrito de Colatina, é o proprietário da “Golias Discos”. Ele se assume como comerciante de fato. “Não sou o tipo que chamam de colecionador; trabalho com compra, venda, troca e aluguel de LPs!”. Mas isso não significa que não seja um amante dos discos. Golias se lembra da ironia da vida: começou a trabalhar com LP´s por necessidade, precisava ganhar a vida de alguma forma. Com o passar do tempo foi tomando gosto. Golias viveu o auge e a decadência dos discos de vinil e hoje é uma referência para quem quer comprar discos. A “Golias Discos” abriu em 1971, na avenida Jerônimo Monteiro, no centro de Vitória. Fechou suas portas em 1998, devido à concorrência com as lojas de departamentos e, também, por causa da progressiva substituição dos vinis pelos CDs. Hoje, depois de alguns anos seguindo por outros caminhos, tem sua loja de discos no Mercado Capixaba, novamente na Jerônimo Monteiro. Mas a história de Golias não começou nos discos. Antes de ser comerciante, ele trabalhou como engraxate, vendedor de jornais e de mariolas, empacotador, garçom e copeiro. O comerciante faz questão de contar uma experiência que ele mesmo define como uma verdadeira cilada. Foi quando tra-
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| Foto: Clerisson Souza
balhou dez meses em um navio que transportava minério de ferro, na limpeza do motor da embarcação. O navio tinha bandeira italiana, e Golias era o único brasileiro a bordo. Por ter perdido o pai muito jovem, Golias sempre teve que trabalhar para ajudar na renda da família. Foi o empregado responsável pelas compras dos discos na “Helal Magazin”, maior loja de departamentos do estado, que existiu entre as décadas de 60 e 70. O comerciante confessa que foi uma época em que aprendeu muito, já que pôde estender seus conhecimentos musicais. Só que, por outro lado, ele conta que também sofria muito, porque tinha que ouvir de tudo, tudo mesmo. O que podemos notar nesta figura popular, além da referência de mais de quarenta anos no comércio de discos, é a superação das dificuldades pessoais. Na juventude era visto como louco e maluco, pelo jeito extrovertido, pela forma de ser vestir e pela maneira como balançava os joelhos, dançando e animando as noites de Vitória. Apesar disso, diz não ter tido uma vida noturna muito agitada, pois estava sempre a trabalho. Durante décadas, era ele quem comandava o som nos clubes capixabas, antes mesmo do surgimento das discotecas, e dos disque jóqueis. Quando lembra dessa época, Golias sente saudade do tempo em que as pessoas saíam para dançar, para curtir as garotas, para namorar. Na avaliação do comerciante, a juventude de antigamente era mais saudável, não aconteciam brigas, a noite toda passava sem sequer uma confusão!
POLÍTICA ASTRID MALACARNE e KAUÊ SCARIM
O que sobrou da política? A ligação entre a política e a população está cada vez mais enfraquecida, exemplo disso é um desconhecimento sobre as funções dos cargos políticos e ainda mais sobre a influência deles na vida da sociedade
| Foto: Agência Brasil
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política é, antes de tudo, uma invenção humana. Os primórdios do que hoje entendemos como democracia foi forjado na Grécia Antiga, onde a participação política dos cidadãos fazia parte do cotidiano e estava ligada a constituição plena das pessoas. A política é o resultado da coletividade, da necessidade de se considerar o outro para tomar as decisões e tocar a vida nas cidades. Apesar disso, o que se vê hoje é um profundo afastamento da política em relação à vida das pessoas. A ligação entre a política e a população está cada vez mais enfraquecida, chegando ao ápice de um desconhecimento geral sobre as funções dos cargos políticos e ainda mais sobre a influência deles em sua própria vida. Poderia se dizer que isso vem de um simples desinteresse unicamente por parte da maioria dos indivíduos, que, “tocando a vida”, não teriam tempo para coisas mais complexas . Porém, a explicação parece ser bem mais complexa. Recebendo influências de fatores diversos, a pessoa aparece como apenas mais um dos muitos sujeitos envolvidos no processo que leva a esse afastamento – e em situação desfavorável na balança. As diversas forças compõem os mais amplos setores da vida do ser humano.
Para o professor do curso de Comunicação Social da Ufes, José Antonio Martinuzzo, o afastamento pode ser explicado principalmente por dois fatores: a tomada da política por sujeitos de pouco caráter e a onipotência do campo econômico sobre os outros setores da sociedade. O primeiro fator é o que há de mais óbvio . É sempre crescente o número de grandes casos de corrupção na máquina pública. Os corruptos, para Martinuzzo, utilizam a política de modo paternalista, usando o dinheiro para fazer “tudo”, menos política pública. “A política institucional tem se tornado nas últimas décadas o lugar escolhido dos picaretas de todos os níveis da nossa sociedade”, critica. Isso, segundo o professor, faz com que a política institucional tenha mais limitações para dar respostas concretas à população. “Num país como o nosso, devido à nossa formação histórica, [a população] acha que o Estado resolve todas as questões da vida dela, mas não resolve”. O segundo fator, mais complexo, diz respeito ao atual modo de produção – forma de organização, tanto social quanto econômica de uma sociedade que define em qual sistema vive a população. Hoje, no Brasil e na maioria dos países, este sistema é reconhecidamente o capitalismo, que se baseia na
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propriedade privada dos meios de produção econômicos e no lucro enquanto objetivo de quem os controla. Martinuzzo afirma que o capitalismo suplantou os outros dois campos da vida – o político e o cultural ou simbólico. O primeiro foi substituído pela cultura do individualismo, que tomou o lugar da política na organização social. Já o segundo, a subjetividade, teve o lugar tomado pelo consumismo desenfreado, que oferece a lógica de “ser o que consome” ao invés das questões existenciais do ser humano. “Isso acaba afastando as pessoas do espaço da política. Se a população se afasta do debate político, da questão ideológica em si, sendo que esse é o caminho para se chegar à política institucional, os espertos tomam esse lugar e fatalmente vão ocupá-lo”, afirma o professor. O sistema econômico, hoje, consegue oferecer respostas para todas as questões: o modo de produzir, o modo de viver e as questões existenciais. Assim, o Estado e a política têm cada vez mais o seu papel diminuído. O deputado estadual do Espírito Santo e jornalista formado pela Ufes, Claudio Vereza (PT), corrobora com a opinião de que o afastamento só traz consequências ruins. “Isso é ruim porque leva a equívocos de ambos os lados: a população busca nos políticos solução imediata para seus problemas mais emergenciais e pessoais, coisas que não são de sua prerrogativa ou função; por outro lado, políticos antiéticos se aproveitam dessa pouca informação do eleitor para prometer coisas que não podem realizar”.
a política. Ela precisa ser ensinada nas escolas, ser discutida nas famílias”, indica. Porém, para Martinuzzo, a prioridade nunca foi essa no Brasil. “Da colonização aos dias de hoje, nunca houve uma formação política da nossa sociedade”, critica. Para o professor, esse é um dos fatores para a desigualdade social no Brasil. “Temos um país riquíssimo e de extrema potência, mas um país com mais desigualdade no mundo”. Mais do que a atual situação, o professor critica ainda os que aceitam a opinião de que ela é a natural. “A história nunca tem fim e não nasce com o destino pré-configurado. A história, se a gente pudesse defini-la, é um lugar de luta, um lugar de debate e de disputa de hegemonia”. Para ele, o que vivemos é apenas um momento da história e, mais ainda, plenamente reversível.
“Se a população se afasta do debate político, da questão ideológica, os espertos tomam esse lugar e fatalmente vão ocupá-lo”
Como ocupa um cargo público, Vereza “sente na pele” o resultado desse afastamento e da diminuição do espaço da política. “A dimensão pública da política é comprometida na medida em que ela também é posta sob a lógica utilitarista, de mercadoria, de consumo, e tem como trágica consequência o vazio na capacidade de interpretações de nossas realidades”. Assim, o momento atual parece ser o da perda das características política, ou seja, a sua própria “despolitização”. Em meio à visão utilitarista, a pergunta permanece: ainda sobrou algo da política antes conhecida? Martinuzzo caracteriza a restauração do lugar da política na sociedade como “a principal tarefa para o século XXI”. Para solucionar esse imbróglio, o professor lembra que a política, antes de tudo, é uma questão cultural e requer aprendizado. “Isso é uma questão de formação, uma opção que a sociedade faz em educar os seus cidadãos para
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| Foto: Kauê Scarim
“Entender o valor e o lugar da política é uma questão de formação. Isso no nosso país nunca foi prioridade”
| Foto: Kauê Scarim
O papel da mídia e do jornalismo Um dos grandes fatores de formação das pessoas em relação à política é a cobertura da mídia, principalmente o jornalismo, que tem um lugar central na referência da população – fator amplificado ainda mais pela profunda midiatização da atual sociedade. O jornalismo tem um papel decisivo nesse debate, uma vez que é por meio dele que grande parte das pessoas tem conhecimento e reflexão sobre o mundo. “O que está na internet está na grande mídia, o que está na grande mídia está sendo discutido com o vizinho e na rede social. O sistema circulatório midiático, por assim dizer, dinamiza o mundo”, analisa Martinuzzo. Porém, para o professor, a estrutura do jornalismo limita objetivamente a sua capacidade de ser um centro de debates. O jornalismo tem uma característica única de ser uma crônica produzida no calor do dia-a-dia, o que faz com que ele não tenha forças para fazer uma crítica ideológica sobre os casos da política, principalmente. A limitação estrutural do jornalismo somada ao seu princípio de vigiar e criticar a sociedade leva a uma consequência “dramática” – nas palavras do professor – de cobertura. O que sobra para o jornalismo cobrir é “o sequestro da política pela corrupção”, afirma. “O jornalismo cumpre o papel dele quando noticia os desvios, a corrupção. Mas há um efeito colateral dramático. Porque a sociedade que vive de consumir jornalismo acaba tendo só essa visão da política.” O deputado Vereza compartilha da mesma ideia. “É uma relação que não é fácil de lidar no cotidiano da vida política, pois a imprensa liga muito mais para o fato midiático, negativo e de retrocesso, do que nos
fatos positivos e com alcance social”. Segundo o petista, muitas vezes projetos em discussão com amplos setores sociais não têm espaço midiático, enquanto fatos pejorativos conquistam grande atenção. “Isso leva a população a classificar os políticos de forma negativa, como se todos fossem iguais. E não são”. Martinuzzo critica, também, uma visão utilitarista que o jornalismo em geral tem da política. Tornouse a única opção de cobrir a política a partir de uma visão unicamente factual, sendo que ela é necessariamente processual. “Se a política não ofereceu tal resposta, não ofereceu tantas obras, tantos projetos de lei, se o político não está lá batendo cartão, não está gastando tanto, ele não serve”, critica. “Talvez o noticiário cotidiano precisasse fazer outra abordagem da política que não seja a do escândalo e utilitarista”. É preciso entender que o jornalismo tem uma limitação estrutural para observar e analisar a sociedade, vinculado a determinado modo de produção. Feitas essas ressalvas – e mesmo entendendo que, da forma como está, contribui para o afastamento da política – o jornalismo é um lugar decisivo para se debater e criticar a sociedade. O problema que permanece, na síntese dos fatores, não é apenas a cobertura que temos ou as limitações do jornalismo. A grande questão é: ele se tornou o único espaço de debate, com a perda da política enquanto disputa ideológica, bem como do seu afastamento com a população. “O jornalismo tem um papel decisivo, mas não pode ser visto como um espaço de redenção da sociedade”, define Martinuzzo. Afastando a possibilidade de enxergar salvação em notícias, o debate inicial persiste. A retomada da política continua sendo a prioridade.
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CULTURA ISABELLA MARIANO e LÍVIA CORBELLARI
A escrita e seus caminhos
Jovens se aventuram no mercado editorial e apontam os passos para quem quer tirar seu livro da gaveta
| Foto: Thaiana Gomes
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onceber a ideia de uma estória, escrever, planejar gastos, calcular a tiragem, imprimir, publicar, distribuir e ainda conseguir chamar a atenção do público são alguns passos importantes para se lançar um livro. Ainda podemos incluir nessa lista encontrar uma editora interessada ou uma empresa disposta a ajudar financeiramente. Na verdade, esse é o caminho mais tradicional para publicação de uma obra literária. Com a ajuda de Internet, o processo simplificou-se. Se você opta por lançar um livro eletrônico, por exemplo, não irá precisar desembolsar muito dinheiro e pode, também, nem pensar na tiragem. Aqui, no Espírito Santo, não é diferente. Quem estiver interessado em publicar um livro pode escolher um desses caminhos, mas terá que investir muito na divulgação, caso pense em uma distribuição ampla. Os editais de incentivo são, também, uma forma de apoio aos novos escritores. Em 2012, pelos editais da Secult (Secretaria de Cultura) foram contempladas 10 obras literárias adultas, duas infanto-juvenis e duas de quadrinhos. Alguns dão apenas apoio fiscal, outros bancam a publicação e garantem uma maior divulgação da obra. Saulo Ribeiro, produtor editorial da Editora Cousa desde sua fundação em 2009, diz que ser escritor
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aqui no estado é como em qualquer lugar. Para ele, ser escritor não é mais sinônimo de prestígio, de forma que quem deseja fama procura outros caminhos. Sobre a influência dos avanços tecnológicos na publicação de livros, ele diz que os custos foram reduzidos e a tiragem não precisa ser grande. “É possível fazer 10 livros e lançar em casa com amigos. O mais difícil é chamar a atenção do público e ter retorno do que se escreve”, afirma. A Editora Cousa se dedica a lançar seis livros por ano, mas o número de pessoas que a procuram é bem maior. “Existe uma demanda que não conseguimos atender sem prejuízo da qualidade das publicações”, explica Saulo. Uma dessas pessoas foi Leandro Reis, 22 anos, escritor e estudante de Jornalismo, cujo livro “Catamaran” foi lançado dia 28 de fevereiro deste ano. Leandro conheceu Saulo ao entrevistá-lo com o Cronópio, um grupo da Ufes de discussão e produção literária do qual faz parte. Foi por participar deste grupo que Leandro começou a ler e a escre-
ver mais. Ao perceber uma unidade no que escrevia, pensou que a história pudesse resultar em um livro. Quando ele estava quase terminando de escrevê-lo, mandou para Saulo avaliar o conteúdo. “Por algum motivo, ele gostou e aí começamos a correr atrás da publicação”, afirmou o jovem escritor. Leandro contou com a ajuda de um edital de incentivo, que o levou a escrever quase todo o material em seis meses. Um prazo relativamente curto principalmente para quem escrevia seu primeiro livro. Apesar disso, ele afirma que se não houvesse um prazo, não terminaria o livro nunca. “Até hoje, evito reler, porque sempre vou querer mudar alguma coisa. Imagina se eu não tivesse publicado. O livro seria outro e, no mês que vem, seria outro”, acrescenta Leandro.“Catamaran” reúne contos que podem ser lidos seguindo a ordem do livro ou não, sem perder o sentido. O autor afirma, ainda, que “não houve – é bom dizer – muito exercício autobiográfico, o livro é feito de representações. Mas aquilo tem que sair de algum lugar. A dor que está ali é real”. Gabriel Ramos, 24 anos, é outro jovem que se aventurou a escrever e a publicar um livro. O estudante de arquitetura resume sua publicação de uma forma poética: “Gosto de pensar que ‘longevo quando’ é uma aventura que nem sei bem aonde quer chegar, mas que bateu em algum lugar em mim e lá chegou”. Para nós, chegou mais precisamente em maio de 2012, graças a editora Quorum, em um lançamento aberto, quando os presentes puderam inclusive participar de uma espécie de banca de troca de poemas.
Bastou ter o livro diagramado e revisado para, em seguida, armazená-lo em um site que transforma arquivos de textos em flash. Certos sites de armazenamento podem fazer isso de forma rápida e prática, como o escolhido por Thalita, o Issuu. com – que permite acesso gratuito. Há, também, sites que oferecem serviço de autopublicação sem nenhum custo, como o edoAutor e o AGBook, mas nem sempre o acesso ao conteúdo é aberto. Sobre a popularização desse tipo de livro, Thalita afirma: “No Brasil, essa popularização está bem lenta. Mas não deixa de ser – e eu creio que cresça – um caminho viável àqueles que querem publicar seus livros e revistas sem muitos custos”.
Gabriel teve ajuda de um edital de incentivo, e afirma que esse tipo de financiamento tem um lado bom e um lado ruim. Para ele, a notória vantagem é o prestígio, que facilita até mesmo na divulgação. Outro aspecto positivo do edital é que ele pôde utilizar os mecanismos de comunicação da própria prefeitura.“As pessoas olham seu projeto de outra forma, pois, sendo bom ou não, ele passou por um júri e mereceu ser bancado pelo estado”, diz. Em seu caso, o ponto negativo foi o próprio sistema do edital, que o sujeitou a correr atrás de uma empresa interessada e convencê-la a apoiar sua ideia. Para quem pretende participar de editais como esse, Gabriel aconselha: “É importante respeitar as diretrizes que você traça ao montar seu projeto: custos, prazos, contrapartidas, distribuição e tudo mais”. Diferente de Gabriel e de Leandro, há quem prefira publicar seu livro de maneira eletrônica, fugindo de certas burocracias e gastos. É o caso de Thalita Covre, 27 anos, que lançou, no ano passado, o livro “Cacos de Verbos Inflamados”. Trata-se de uma seleção de poesias escritas entre os anos de 2006 a 2012, abordando temáticas como “silêncio” e “pele”. Ela optou pelo formato online para que seu público tivesse acesso ao conteúdo com mais facilidade. De fato, neste caso, a plataforma foi mais eficiente do que a impressa, uma vez que seu público eram as pessoas que já a conheciam pelo blog. São diversos os meios para se conseguir publicar um livro, alguns mais difíceis e demorados do que outros. Em todo o caso, a distribuição acaba sendo um fator preocupante. Se o autor publicou um livro eletrônico apenas pela satisfação pessoal, pode ser que não esteja muito interessado no retorno. Mas, normalmente quem investe em uma publicação, busca, no mínimo, cobrir os gastos. E, para isso, é preciso que as pessoas conheçam o trabalho do autor, identifiquem-se com ele e, enfim, abracem a ideia, lendo o livro. Essa é uma boa forma de investir na cultura do estado e de estimular a produção de livros por novos e antigos escritores.
Serviço - Cacos de Verbos Inflamados, de Thalita Covre, issuu.com/karinasc/docs/cacosdeverbosinflamados - longevo quando, de Gabriel Ramos, gabrieltramos.com/longevoquando/ - Catamaran, Leandro Reis, www.cousa.com.br/site/
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EDUCAÇÃO INGLYDY ROGRIGUES e IZABELLY POSSATTO
Educação que supera limites
Remédios, soros e agulhas. Em meio a tudo isso, crianças lutam pela vida sem perder a vontade de aprender
| Foto: Izabelly Possatto
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entro da sala é possível ver carteiras, mesas, quadros, letras coloridas, borrachas e livros. O lugar parece um ambiente escolar comum, mas não é. Esse cenário faz parte do Hospital Infantil Estadual Nossa Senhora da Glória (HINSG), localizado em Vitória. Os estudantes são crianças e adolescentes que estão internados ou em tratamento na unidade de saúde. Estão impedidos temporariamente de irem à escola regular pela baixa imunidade. O nome dado a esse projeto é “Classe Hospitalar”. Em 1988, Hiran Pinel, doutor em Psicologia Escolar, com experiência profissional no campo da educação especial e inclusiva no programa de pós-graduação da Ufes, realizou no Hospital Dr. Dório Silva (localizado na Serra) o que se pode chamar de uma tentativa de instituir uma forma de pedagogia hospitalar. Ele se encarregou de transmitir conteúdos fornecidos pela escola Aristóbulo Barbosa Leão a três alunos, que naquele momento não podiam ausentar-se do tratamento para comparecer a instituição de ensino. Pinel
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defende “mesmo a um segundo de morrer, todos têm direito a escolaridade”. No Hospital Infantil, em Vitória, a Classe Hospitalar teve início em 2000, por meio de um projeto de Sílvia Trugilho e Tânia Bitti. Emocionada, Sílvia conta que inicialmente não havia professores, somente assistentes sociais que trabalhavam de forma lúdica com as crianças internadas. Os profissionais da área de educação chegaram somente após a formalização da parceria com a Secretaria de Educação do Governo do Estado (Sedu), em 2003. Atualmente, são 12 professores na unidade de saúde, sendo um deles disponibilizado pela Acacci (Associação Capixaba Contra o Câncer Infantil), de acordo com Eliane Custódio, coordenadora do projeto. Ela diz ainda que são 550 alunos regulares em média. Mas, no total, pode chegar a 1500, porque as aulas oferecidas aos acompanhantes e as crianças da Educação Infantil (até os seis anos) não são contabilizadas no relatório oficial enviado à Sedu.
Sílvia Trugilho, assistente social, afirma que as atividades dadas no hospital se comparam aos conteúdos estudados nas instituições de ensino regulares. Quando a criança é encaminhada a Classe Hospitalar, uma professora realiza uma avaliação individual para detectar possíveis dificuldades de aprendizado, mesmo tendo as informações sobre a vida escolar dos alunos. Assim, buscam ajudar os estudantes a desempenharem da melhor forma as tarefas. As aulas Em um espaço semelhante a uma classe escolar, porém atendendo as especificidades do ambiente, crianças, adolescentes e até adultos acompanhantes que estejam em fase de escolarização, realizam tarefas auxiliados por professores capacitados. Os educadores não restringem o atendimento por considerar que todos tem direito à educação. As aulas acontecem de segunda a sexta-feira, no período da manhã e da tarde, com a mesma carga horária de outras escolas: 4 horas.
desses é o contato direto com a morte. Outra dificuldade é a não especialização dos profissionais em educação especial. Luíza Elena de Almeida, Técnica em Educação Especial na Sedu, afirma que a não exigência dessa especialização no edital do concurso, contribui com a ausência de educadores que se encaixem no perfil esperado para trabalhar nas Classes Hospitalares. Contudo, ela ressalta que já existe uma medida que venha regularizar tal situação. Devido aos profissionais já terem iniciado as aulas letivas esse ano, Luíza afirma que uma estratégia está sendo pensada para dar mais suporte emocional e psicológico aos novos professores, como um projeto de capacitação. É muito grande a quantidade de materiais didáticos usados pela Classe Hospitalar do Hospital Infantil de Vitória. De acordo com Eliane, dependendo do quadro clínico que se encontra o aluno não é possível o manuseio do material por outro o que leva a um aumento das despesas.
“Mesmo a um segundo de morrer, todos têm direito a escolaridade”
A professora de matemática Marcela Fardin ressalta que há uma empatia entre alunos e professores, porque nesse caso, o educador é uma espécie de tutor particular, o que, para muitos, facilita o aprendizado. Ela também afirma que a criança sente a necessidade da escola, e estar ali naquele espaço com aquelas atividades é uma maneira de esquecer, ainda que momentaneamente, a doença.
Sílvia relata que a Classe Hospitalar trabalha com as diferenças, e isso faz com que seja mais agradável e incluída no processo educacional o aluno. Pois, quando este não pode sair de seu leito, os educadores levam todo o material até eles, para que não se sintam inferiores ou incapazes de estudar. Para o professor Pinel, a criança tem direito de viver a escola e que esse ambiente juntamente com a alegria, a felicidade e o lúdico contribui para o fortalecimento da imunidade. Entretanto, Eliane de Custódio relata que em algumas situações as escolas de origem da criança ou do jovem criam empecilhos para o retorno deles. Ela diz existir cinco casos em vigência em que as escolas estão receosas de receberem os alunos que saem da Classe Hospitalar. Para ela, isso ocorre devido à falta de preparação e de estrutura tanto emocional dos profissionais, quanto do espaço físico para recebê-los, muito pelo receio da instituição regular devido a condição anterior do estudante. Mesmo com o aval do médico autorizando a frequência no ensino regular, a escola teme pela saúde do aluno e o priva de atividades que ele poderia executar. Dificuldades São muitos os desafios sofridos pelos profissionais que atuam na Classe Hospitalar. Para Sílvia o maior
Luíza diz que em 2012 foram separados R$ 3.000,00 para as compras dos materiais utilizados na classe, e que o valor será o mesmo em 2013. Esse total é gasto junto à escola referência, incumbida de repassar os materiais aos responsáveis pela Classe Hospitalar; no caso do Hospital Infantil de Vitória, é a Escola Fernando Duarte Rabêlo. Alegrias No sorriso do rosto de Kátia Vieira dos Santos ao falar sobre seu filho, é possível ver toda a alegria que ela sente ao saber que o Jorginho, de 10 anos, ama frequentar a Classe Hospitalar. Jorge está fazendo tratamento desde maio de 2012, e desde quando foi internado participa das aulas. Sua mãe afirma que no começo a proposta não foi muito aceita, mas que agora o rapazinho nem quer mais voltar para a escola de origem. Kátia diz ainda que as aulas são ótimas, pois seu filho, que tinha grandes dificuldades com leituras, já não possui mais, além de adorar as aulas de artes e matemática.
A Classe Hospitalar recebe todo tipo de material didático. Para contribuir com esse trabalho basta entrar em contato com a Assistência Social do Hospital. Tel: (27) 3636-7569 ou 3636-7570.
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ELEIÇÕES KAROLINA LOPES
Dívidas de campanha: após as eleições, como fica o prejuízo? Alguns ex- candidatos acumulam dívidas milionárias. Fornecedores e prestadores de serviço batalham como podem para receber o pagamento
| Foto: Thaiana Gomes
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s eleições municipais de 2012 na Grande Vitória foram marcadas pela mudança de rostos nas prefeituras, mas também por candidatos que não conseguiram arcar com os gastos de campanha. Em Vitória e Serra, as dívidas deixadas pelos ex-candidatos chegam a milhões. Fornecedores e prestadores de serviço que ficaram no prejuízo esperam os pagamentos sem nenhuma previsão de quando eles serão feitos. De acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), quem deixou a maior dívida foi Luiz Paulo (PSDB), que deve mais de R$ 4,2 milhões. A Deputada Federal Iriny Lopes (PT) é a segunda mais endividada, ultrapassando R$ 2,2 milhões. Em Serra, o ex-prefeito Sérgio Vidigal (PDT) acumula um débito de mais de R$ 219 mil. O excesso de gastos não é sinônimo de sucesso nas campanhas. Para se ter uma ideia, Luciano Rezende (PPS), eleito prefeito de Vitória, realizou toda a sua campanha com cerca de R$ 2,1 milhões, valor inferior á dívida de Iriny e que representa apenas a metade do débito de Luiz Paulo. Atrás desses números está quem sente, de fato, o
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prejuízo: os fornecedores e prestadores de serviços, que confiaram nos candidatos. Um deles é proprietário de um restaurante de Vitória, que serviu cerca de 100 refeições diárias para a equipe de Luiz Paulo durante os dois turnos da campanha. Para preservar o comerciante, que teme esperar ainda mais pra receber caso seja identificado, usaremos um nome fictício. Glauco, 36, conta que antes do início das eleições, um agente de campanha do ex-candidato o procurou para fechar a parceria. O assessor repassava tickets para a equipe almoçar e as contas eram pagas a cada 15 dias. Glauco explicou que as dívidas do primeiro turno foram pagas e acredita que o ex-candidato tenha tido dificuldades para levantar verba devido à derrota no segundo turno, quando não houve mais pagamento. De uma dívida de R$ 155 mil, restam R$ 45 mil a serem quitados. “Era difícil prever esse prejuízo, porque as eleições foram muito apertadas. Se tivesse ficado óbvio a derrota, eu teria encerrado o acordo anteriormente”, ressaltou. O prejuízo de Glauco gerou consequências em sua rotina de trabalho e ainda afeta as contas do res-
taurante. Ele precisou demitir três funcionários e fazer um empréstimo bancário, que tem dificuldades para pagar. “O dinheiro que recebi não pagou nem o investimento que fiz na compra de alimentos. Eu e minha esposa tentamos contato com o responsável pela campanha diariamente e raramente conseguimos retorno. Quando alguém nos responde, pede paciência e diz que seremos os primeiros a receber, mas conheci a proprietária de uma agência de publicidade, com um prejuízo de R$ 70 mil, que recebeu os mesmo recados”, ressaltou. Em nota, a Assessoria de Contas Eleitorais do Tribunal Regional Eleitoral do Espírito Santo (TRE/ES), afirma que a norma nacional para as eleições de 2012 permite que os candidatos encerrem a prestação de contas de campanha com dívidas, desde que elas sejam assumidas pelo partido, não sendo mais de responsabilidade pessoal dos ex-candidatos.
Nesse caso, o pagamento das contas deve ter data prevista e suas análises são feitas em juizados eleitorais municipais. De acordo com Henrique Arraes de Castro, chefe do cartório da 56ª Zona Eleitoral de Vitória, aonde tramita o processo de Glauco, a transferência da dívida de Luiz Paulo para o PSDB deve ser feita com cronograma de pagamento. Porém, ainda não foi possível saber quem assumiu a dívida com o restaurante, tão pouco a respeito da previsão de acerto. Não foi possível acompanhar a movimentação de outros processos relacionados a dividas de campanhas eleitorais, pois os documentos só podem ser consultados através de pedidos formulados por autoridades públicas ou órgãos partidários e com autorização da Justiça Eleitoral. Nenhum dos candidatos endividados quis se pronunciar até o fechamento desta edição.
Conheça a prestação de contas de campanha dos principais candidatos nas Eleições de 2012 em: Vitória Luciano Rezende (PPS) - Eleito Campanha quitada: R$ 2.073.378,77 Luiz Paulo Vellozo Lucas (PSDB) Total de Receitas R$ 5.388.146,72 Total de Despesas R$ 9.655.505,82 Dívida: 4.267.359,10 Iriny Lopes (PT) Total de Receitas R$ 2.201.500,00 Total de Despesas R$ 4.427.933,46 Dívida: 2.226.433,46
Serra Sérgio Vidigal (PDT) Total de Receitas R$ 2.157.027,80 Total de Despesas R$ 2.376.785,18 Dívida: 219.757,38 Audifax Barcelos (PSB) – Eleito Total de Receitas R$ 1.960.409,94 Total de Despesas R$ 1.959.676,11 Campanha quitada: +R$ 733,83 Professor Renato (PSOL) Campanha quitada: R$ 11.104,00
Vila Velha Max Filho (PSDB) Total de Receitas R$ 1.488.411,00 Total de Despesas R$ 1.488.240,32 Campanha quitada: + R$ 170,62
Cariacica Juninho (PPS) – Eleito Total de Receitas R$ 456.901,69 Total de Despesas R$ 456.589,33 Campanha quitada: + R$ 312,36
Neucimar Fraga (PR) Total de Receitas R$ 3.139.626,36 Total de Despesas R$ 3.139.386,44 Campanha quitada: + R$ 239,92
Marcelo Santos (PMDB) Total de Receitas R$ 1.305.329,75 Total de Despesas R$ 1.305.226,81 Campanha quitada: + R$ 102,94
Rodney Miranda (DEM) – Eleito Total de Receitas R$ 2.908.075,00 Total de Despesas R$ 2.900.848,97 Campanha quitada: + R$ 7.226,03
Lúcia Dornellas (PT) Total de Receitas R$ 787.200,00 Total de Despesas R$ 787.159,21 Campanha quitada: + R$ 40,79
* Os dados da prestação de contas foram recebidos até dia 05/12. Após essa data, nenhuma possível alteração sobre acerto de dívidas foi registrada.
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ENTREVISTA por VIVIANE MACHADO
Carlos Abelhão O rapper que acredita que a arte e a cultura são os caminhos para a transformação diz que é possível mudar realidades com o cooperativismo
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Carlos Abelhão no Centro de Referência da Juventude (CRJ), em Vitória | Foto: Viviane Machado
úsico, compositor, rapper, poeta, ator, colaborador do Centro de Referência da Juventude (CRJ) de Vitória, ativista em prol de políticas públicas da juventude, articulador cultural do ProJovem Adolescente e presidente do Instituto Tamo Junto. Carlos Henrique Gonçalves Victório, o Carlos Abelhão, tem 25 anos, também é estudante e pai, mas encontra tempo para lutar por melhores condições de vida para a juventude e para a população que vive nas periferias capixabas. Em março, viajará para a Guatemala onde vai apresentar um seminário de desenvolvimento de base sobre arte e cultura, fruto de um trabalho realizado na comunidade de Paul, em Vila Velha. Natural do Rio de Janeiro, veio para Vitória ainda criança com a mãe. Morou no Jaburu, morro em Vitória, por parte de sua infância, adolescência e juventude. Há dois anos e meio mudou-se para a Praia do Suá. O objetivo era ficar mais próximo da faculdade e dos diferentes locais onde trabalha. Ele realiza atividades em várias comunidades de Vitória e precisa morar em um bairro neutro para evitar a criação de possíveis conflitos. Abelhão se considera um poeta marginal e vê a vida como uma grande fonte de inspiração. Você desenvolve bastantes atividades e uma dela é ser poeta. Como e quando começou a escrever poesia marginal? Eu comecei a escrever quando eu tinha 11, 12 anos, porque era meu ponto de fuga. Quando eu pegava o caderno para escrever, eu sentia liberdade. Eu me transportava para um outro mundo que não era a realidade que eu vivia. Eu escrevia versinhos pra namoradinha, pra escola. Na oitava série, eu mostrei o que eu fazia pra minha
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professora e ela disse que aquilo não era poesia, que poesia tinha que ter quatro estrofes, versos. Ela acabou me matando, eu fiquei muito frustrado e parei de escrever. E quando voltou a escrever? Depois que eu entrei no Hip Hop, eu voltei a escrever. A gente falava que se a história era nossa, é a gente quem tem que contar essa história. Aí eu comecei a escrever letra de rap, que é a poesia rimada. O que me motivava a escrever era tudo o
que eu via. Eu via as coisas acontecendo e simplesmente escrevia. O menino soltando pipa era minha inspiração, a tia fazendo café pra mim era inspiração, a namoradinha que eu tinha também era inspiração, as pessoas com quem eu encontrava eram inspirações, o cotidiano difícil e complicado que eu vivia era inspiração. Eu escrevia e ao mesmo tempo eu buscava solução no que eu escrevia. Quando eu descobri a poesia marginal, me apaixonei mais por isso. Era massa, a galera escrevia muito livre. Qual o papel da arte urbana para mudança de percepção sobre as periferias que por diversas vezes é negativa e repleta de estereótipos? A arte e a cultura urbana tem papel importantíssimo pra mostrar que nas periferias não há só violência, que a violência que tem lá é menos de 1%. Mas os veículos de comunicação insistem em ficar mostrando que lá só têm bandidos, só tem mortes, ninguém mostra as coisas boas. E as periferias e comunidades de Vitória são um celeiro de talentos. É gente que canta funk, é gente que dança, é gente que toca violino, é um tio que toca seresta, é gente que produz artesanato, é gente que cozinha maravilhosamente bem. A arte e a cultura urbana são feitas, em sua maioria, por jovens e eles têm sede de mudança, querem ter orgulho do bairro em que eles vivem. Então eles vão pra cidade, vão fazer coisas maneiras e isso acaba desencadeando uma série de parcerias e troca de experiências entre comunidades. A interação permite ver possibilidades. Você começa a ver a questão da solidariedade, do cooperativismo, da igualdade, de lutar por direitos. Como você vê esse cenário aqui no Espírito Santo? Estamos caminhando para melhorias e proporcionando mais troca e interação por projetos de cooperativismo? Está caminhando, mas a passos muito lentos. Por exemplo, se você olha para os outros estados da região sudeste, Vitória está muito aquém. Mas está muito aquém ainda por que há falta de investimentos, porque a representatividade de arte urbana que temos aqui não deixa a desejar pra Belo Horizonte, nem pro Rio de Janeiro. Aqui no Espírito Santo, você tem referências internacionais, como por exemplo, o grafiteiro Freboni, que é referência na América Latina. Nós temos caminhado pelas organizações do terceiro setor, mas faltam investimentos do poder público. Eles parecem não acreditar no potencial dos jovens, não apostam no novo. A gente precisa acreditar mais no novo. Qual seria a participação do Hip Hop na arte urbana feita em Vitória? O Hip Hop em Vitória quer dizer para todo mundo: tamo aí, tamo chegando. A arte e a cultura transformam, empoderam as pessoas, faz com que as pessoas olhem para trás, conheçam o seu passado,
valorizem seu presente e vão fazer a diferença no futuro. O Hip Hop aqui em Vitória, hoje, é tão forte, mas tão forte, que conseguiu dialogar com outros movimentos, outros segmentos culturais que até então não tinham uma interlocução tão legal, como é o caso do funk, do rock e do reggae. E o hip hop vem puxando uma série ações, de eventos culturais, de ações sociais, de ações de interlocução. E hoje, se existem vários espaços de poder para a juventude, o Hip Hop foi o grande responsável por esse espaço acontecer. O Centro de Referência da Juventude (CRJ ), por exemplo, era uma discussão que o Hip Hop encabeçou. O Conselho de Juventude, o Hip Hop estava lá também encabeçando. E o Hip Hop não está falando apenas para a periferia, para as favelas, ele está falando para toda a sociedade. E ele vem dizer que, para vivermos bem, precisamos ter união, coletividade e equidade, que é uma igualdade diferenciada. Como você considera a abordagem da mídia acerca das periferias em Vitória? Posso citar o fato que aconteceu ultimamente: o bairro da Penha e São Benedito. Tudo o que tem acontecido lá, tudo o que a mídia tem relatado. Ela só relata coisas voltadas para a violência, mas essa mesma mídia não vai lá para mostrar os projetos sociais que tem lá e que estão fazendo uma diferença imensa, por exemplo o Ateliê de Ideias, o Banco Bem, o Crer com as Mãos, o CAJUN, e uma corrida
“A arte e a cultura urbana tem papel importantíssimo pra mostrar que nas periferias não há só violência ” de rolimã que é referência no estado. Ou seja, tem muita coisa boa que acontece. Não estou negando que existam coisas ruins dentro dos bairros, mas também existem coisas legais e interessantes. Uma abordagem bacana seria se for falar de violência, vamos mostrar quem está fazendo coisas para acabar com isso. E o cooperativismo nas periferias de Vitória? Pelo que eu tenho visto, é algo que está caminhando. As pessoas estão, cada vez mais, buscando entender o cooperativismo, a sustentabilidade. E elas estão, cada vez mais, buscando informação e conhecimento. As pessoas que moram em comunidades e periferias já nascem com espírito de cooperação, porque morar em favela, morar em periferia é se ajudar. No Jaburu mesmo, os comerciantes se uniram para montar uma central de compras, comprar alimentos em atacado e vendêlos a preços mais baratos para toda a comunidade. Eu acho que daqui a uns cinco, seis anos, a gente vai estar bombando com a questão do cooperativismo aqui em Vitória. Primeira Mão | Março de 2013
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CIDADE LEONE OLIVEIRA e RAFAEL SILVA
“Se eles lá não fazem nada, faremos tudo daqui”
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eliê At de Ideias
Como propõe o trecho da canção Rap da Felicidade, de Cidinho e Doca, moradores de bairros periféricos de Vitória se unem para superar o preconceito e a exclusão social
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urante a Guerra de Canudos a favella, um arbusto com flores brancas, crescia aos montes nos arredores do Arraial de Canudos e se tornou uma espécie de símbolo do movimento. Mais tarde, depois de vencidos, muitos dos integrantes da revolta foram recomeçar suas vidas no Rio de Janeiro. Sobrou para eles se instalarem nos morros da cidade, construindo seus barracos no então Morro da Providência, à espera da assistência do governo. O local, pouco tempo depois, passaria a ser chamado de Morro da Favella. Assim surgiu o substantivo que viria nomear os subúrbios das principais cidades brasileiras. No exterior não teve tradução, ficou favela mesmo. Hoje, elas despertam atenção e curiosidade e, em algumas, o turismo chega a ser uma atividade econômica emergente. Em Vitória, o processo de formação das favelas se assemelha ao ocorrido com os seguidores do líder Antônio Conselheiro. Em 1954, depois de seis tentativas, descendentes de quilombolas, expulsos de Aracruz e liderados por um militar conhecido como Sargento Carioca invadiram o morro (onde hoje é o São Benedito) durante a noite, empunhando tábuas e papelão para construir seus barracos antes do amanhecer. Além de uma imagem de São Benedito, considerada pedra fundamental na construção das ruas e becos da comunidade. A partir da década de 70, a pequena comunidade quilombola se expandiu e até deu origem a novos bairros. Com o crescimento desordenado e certa resistência do poder público em prestar assistência a quem habitava aquela invasão, os problemas começaram a aparecer. Algumas ONGs e voluntários apareciam sazonalmente e faziam projetos pontuais que ajudavam os moradores com cestas básicas, mas depois iam embora sem deixar efeitos duradouros.
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Segundo dados de 2007, somente a região da Poligonal 1, que fica acima da avenida Leitão da Silva e envolve as comunidades de São Benedito, Bairro da Penha, Itararé, Consolação, Gurigica, Bonfim, Jaburu, Constantino, Floresta e Engenharia, tem aproximadamente 31 mil habitantes. Quase 10% da população de Vitória, com 333 mil habitantes. Para Valmir Rodrigues Dantas, de 40 anos, todos eles vividos em São Benedito, existe o preconceito sobre como é a realidade no morro: “Muitos veem o morro como um lugar violento, existe uma grande diferença de classes com os bairros vizinhos, por exemplo, mas existe uma barreira cultural que nos impede de ser tratados sem preconceito”, avalia. Marcelo Gomes, coordenador da Central Única das Favelas, Cufa, no Espírito Santo, mora em Bela Aurora, em Cariacica. Ele explica que, para os moradores, existe uma mudança clara de ambientes quando se sai da favela. “São habitats bem diferentes. Muitas pessoas saem todos os dias para trabalhar e estudar fora da comunidade, mas para os mais jovens, a cidade deles é a comunidade, o que conhecem do mundo lá fora é o que é visto na televisão ou contado pelos pais”, afirma o coordenador. Da mesma forma, a imagem de quem mora fora não é a mesma de quem frequenta o morro. Grande parte da noção que as pessoas têm da favela foi construída graças à mídia. “Nos últimos cinco anos já é possível observar conteúdos direcionados a fazer essa integração de quem enxerga tudo de fora. Somos melhores representados em filmes e novelas, e se constrói em programas de auditório o respeito por nossa cultura. Mas nem sempre foi assim, as pessoas ainda tem em mente apenas a questão da violência”, analisa Marcelo. Uma pesquisa realizada em 2008 por estudantes de Geografia, através do banco de dados da Agência O
Globo, constatou que de 99 fotos rastreadas com a tag “favela”, 80 foram feitas de longa distância, com a visão de quem está sempre do lado de fora. Já no banco de dados da Agência O Dia o resultado foi ainda mais assustador, todos os 27 resultados encontrados estavam ligados a guerra entre policiais e traficantes.
Mas os moradores não se contentaram apenas em aparecer na TV. Conselhos locais são realizados todos os meses para decidir o que se fazer para atender as necessidades do morro. Se antes era difícil trazer um assistente social para conversar com as famílias, atualmente os conselhos são visitados por secretários municipais e diretores de banco.
Em uma tentativa de vencer o paradigma da violência, em 2003, sessenta costureiras do bairro São Benedito criaram o Ateliê das Ideias, um pequeno empreendimento cooperativo. Em pouco tempo, resolveram emprestar o dinheiro que lucravam para dar início a uma marcenaria e uma pequena empresa de alimentos dentro da comunidade. Destas experiências nasceu o Banco Bem, oferecendo crédito a pequenos comerciantes.
A partir desses conselhos locais, um antigo problema foi resolvido. Não havia uma cultura entre os moradores de como se descartar o lixo. “Criamos o Ecos do Bem, uma forma de conscientizar os moradores, organizar mutirões e pressionar até conseguir fazer o caminhão da prefeitura passar por mais ruas do morro”, conta Denise. Dois dos principais locais de lazer da comunidade surgiram dessas limpezas: o Parque do Bem, no Jaburu, e o Teatro de Arena, em São Benedito.
Esta iniciativa é considerada um divisor de águas na comunidade, como explica o morador Valmir. “O Banco do Bem deu maior visibilidade ao morro. Agora existe um sentimento de pertencimento maior dos moradores. Antes as pessoas menosprezavam quem vinha do São Benedito, hoje os moradores já sentem orgulho em dizer que na sua comunidade surgiu o primeiro banco comunitário do estado”, conta. Débora Barbieri é quem coordena atualmente o Ateliê. Ela relembra a comoção que houve quando uma equipe de televisão subiu o morro para realizar uma matéria sobre o desenvolvimento da comunidade, em abril de 2011. “Foi a primeira vez que se tem registro da televisão vir até aqui para falar de coisas boas. Chegar isto até nós, nos fez perceber que somos parte da cidade também e da agenda dela”, diz a coordenadora.
Muitas vezes as necessidades e os problemas sociais das comunidades não são resolvidos pela falta de diálogo. O representante da Cufa, Marcelo Gomes, explica que somente com a troca de informações é possível se construir algo duradouro. Ele lembra que muitos dos secretários e políticos no poder não pertencem à favela, por isso cometem alguns erros no planejamento dos projetos. “Eles têm estatísticas e dados, mas não conhecem quem mora aqui, não sabem como resolver nossos problemas. Por isso é que muitas vezes, quando conseguimos montar nossa forma de trabalho e atuar em conjunto com o estado, conquistamos resultados mais positivos. Nós vivemos no olho do furacão e temos uma busca diferente que pode juntar com as propostas deles e ser melhor aproveitado”, explica Marcelo.
Casas no bairro São Benedito em Vitória. Nesta comunidade, surgiu o Ateliê de Ideias | Foto: Giovanna Faustini (flickr.com)
CAPA MAÍRA MENDONÇA e MICHELLE TERRA
| Foto: Thaiana Gomes
Abandono: sinônimo de não pertencer H
Mesmo com a independência feminina, ainda recai sobre a mulher o papel de criação dos filhos, enquanto a responsabilidade masculina diante da reprodução e do cuidado familiar é deixada em segundo plano. As consequências são o abandono e a ausência de um referencial paterno na vida das crianças
á 20 anos nasceu M.H., fruto de um relacionamento curto entre sua mãe e um homem casado, cuja família até hoje desconhece a existência da jovem. Embora tenha recebido auxílio financeiro, a presença do pai na vida de M.H sempre foi limitada e sua ausência sentida em datas festivas e doenças.“Já posso ter cruzado com meus avós e meus irmãos na rua sem saber que eram eles”, diz. Casos como esse não são raros. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, em 2010, 239.139 mulheres se declararam mães solteiras no país, sendo que destas, 34.203 são do Espírito Santo. Os números evidenciam um alto índice de abandono infantil e suscitam o questionamento: afinal, qual o papel dos homens na criação dos filhos? De acordo com a assistente social da Vara da Infância de Vila Velha e professora universitária, Jaqueline Silva, a figura paterna, ainda que não representada pelo pai biológico, é importante por estabelecer com as pessoas relações de afeto, responsabilidade, limites e zelo. A ausência de referenciais em função do abandono provoca nos indivíduos a busca por aceitação e pelo sentimento de pertencimento a algum lugar, tendo como consequências a baixa autoestima, problemas psicológicos e dificuldade de convívio social. Para a professora,
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o abandono é reflexo tanto da falta de compreensão dessas responsabilidades por parte dos pais, quanto pela falta de entendimento do assunto pela sociedade. “É comum as pessoas terem como referência de controle a figura paterna, enquanto a mãe tem função de cuidadora. Por isso, muitas vezes o discurso de poder decisório é delegado ao homem. É quando a mãe fala ‘quando o seu pai chegar ele vai te bater’. Se ele não chega ou se chega e é violento, temos uma ausência total ou sua autoridade passa a ser vista pela via da violência. Há um abandono em que há um pai presente, mas não exerce nenhum cuidado com a criança, que cresce sem referências”, afirma.
famílias de classes sociais mais altas a “circulação de crianças” não é vista de maneira tão naturalizada e por isso o aborto se mostra como opção desde o início. Caso ele seja mal sucedido, os filhos são entregues para adoção, embora muitas vezes o homem não saiba disso. O nascimento de Marianna Gomes, 20 anos, só foi possível graças à decisão da mãe em continuar a gravidez e afastar-se do parceiro. Ao saber que ela estava grávida da segunda filha do casal, o pai de Marianna sugeriu que a mãe abortasse, alegando não ter condições de criar mais um filho. A jovem conta que seu contato com o pai sempre foi limitado e ele nunca assumiu responsabilidades com ela e a irmã, inclusive financeiras. Natural de Minas Gerais, há cerca de um ano e meio Marianna veio morar no Espírito Santo para estudar e pôde conhecer melhor o pai, que também mora no Estado. “Até quando eu vim para cá, eu achava que minha mãe impedia nossa relação, mas depois percebi que ele nunca quis ser presente. Ele não nasceu para ter filhos”, conclui.
“Eu achava que minha mãe impedia nossa relação, mas depois percebi que ele nunca quis ser presente. Ele não nasceu para ter filhos”
O abandono paterno também se manifesta através do processo de “circulação de famílias reconstituídas”, em que o pai ou a mãe rompem o relacionamento e se envolvem com novos parceiros. Com a chegada de um novo companheiro, nem sempre os laços de afeto são criados e a criança é abandonada dentro do núcleo familiar. Nesses casos, muitas delas são entregues aos cuidados de outros parentes, que devem ajudá-las a superar as marcas do abandono. “Se ela continuar sendo uma intrusa nesse novo grupo, se ela não pertence nem aos pais, pois eles não a quiseram, e não pertence a esses outros, ela não é de lugar nenhum”, completa Jaqueline.
Quando o aborto se torna uma opção
Dados do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA) apontam que no Brasil são feitos cerca de um milhão de abortos clandestinos por ano, responsáveis por 602 internações diárias por infecção, 25% dos casos de esterilidade e 9% dos óbitos maternos, sendo considerada a terceira maior causa de morte materna no país. Para a pesquisadora do Centro de Pesquisas em Saúde Reprodutiva de Campinas (Cemicamp), Graciana Alves Duarte, várias situações podem levar uma mulher a optar por interromper a gravidez, incluindo questões econômicas e a falta de apoio da sociedade, das famílias e do parceiro. Sentindo-se só e acreditando ser incapaz de enfrentar os deveres da maternidade, que irão alterar fatores como sua independência e a formação de uma família, muitas delas, segundo a professora Jaqueline, abortam. “Passar por uma gestação é viver a expectativa de mudanças reais e imaginárias para as mulheres. Assim, enfrentálas não é fácil, necessitando do apoio de alguém, especialmente do companheiro. Sem tal suporte afetivo, material e social, a decisão pelo aborto se torna mais atrativa”. Jaqueline afirma que, ao contrário do que acontece nas classes sociais mais baixas, em que é comum as crianças serem criadas por outros familiares, em
Filhos só da mãe
As transformações culturais ocorridas ao longo dos anos foram responsáveis por mudanças nos papéis sociais de homens e mulheres e na organização da estrutura familiar. Desde a década de 80 tem crescido o número de mulheres que detêm sozinhas os deveres relativos ao cuidado da família, assim como os casos em que elas optam por ter filhos sem a participação dos homens. Porém, ainda paira na sociedade um discurso patriarcal, que se reflete desde os altos índices de violência contra a mulher até o papel de mero colaborador exercido por homens no processo de reprodução e criação dos filhos. Uma das expressões coloquiais usadas para se referir a indivíduos com problemas de conduta é “filho da mãe”. Para a professora Jaqueline, tal expressão evidencia um princípio enraizado culturalmente em que o encargo de criar os filhos não é partilhado igualmente entre pais e mães. “Se o adulto presta, ele não é filho só da mãe. Ou seja, é delegada a essa mãe a responsabilidade pelo erro, mas não se valoriza o acerto”, observa. Envolvido em uma esfera de poder, o homem assume a posição de progenitor, ocupando função complementar perante o cuidado com os filhos e com os afazeres domésticos para, inclusive, afirmar sua virilidade. “E aí continua o velho jargão de filho da mãe: a mulher continua tendo um peso emocional muito grande sobre a criação dos filhos e há a necessidade de conciliar a vida profissional e a vida doméstica”, reforça.
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Quando as coisas começam a mudar Embora predomine no cenário familiar a responsabilização da mulher perante a educação e a instrução dos filhos, existem homens dispostos a assumir tais deveres sozinhos, tomando medidas como a adoção e o pedido de guarda dos filhos. É o caso do fotógrafo Jove Fagundes, 42 anos, que é solteiro e adotou Vitória, de oito anos, em 2012. Ele conta que após o divórcio dos pais, sempre planejou adotar filhos. Para ele, “o filho é um estado concreto e imediato de que existe amor na vida”. “Vitória é a criatura mais fabulosa e mais adorável que já conheci”, acrescenta. Sobre os possíveis conflitos que ela poderá ter na adolescência em função da ausência de uma mãe, Jove diz que já está preparando Vitória para lidar com isso. “O Brasil ainda é muito retardatário quando se trata de questões psicossociais como essa. Mas tudo isso é pequeno diante da recompensa de ter um filho”, finaliza. | Foto: Jove Fagundes (colaborador)
O que dizem as Políticas Públicas Atualmente, as políticas públicas voltadas para esse tema focam a família, a fim de envolver pais e mães em um contexto de responsabilidades. Por isso, o Centro de Referência da Assistência Social (Cras) e o Centro Especializado de Assistência Social (Creas) tentam estimular a participação dos homens principalmente os adolescentes - nos processos de planejamento familiar e acompanhamento da gravidez desde o pré-natal. Já a Defensoria Pública possui projetos de mediação de conflitos relacionados à separação de casais e a pedidos de guarda. Além disso, o Ministério Público busca chamar o homem a assumir seus deveres paternos desde o nascimento da criança. Um exemplo disso é o projeto “Paternidade Responsável”, em que cartórios cobram que a mulher revele o nome do pai de seu filho logo no registro. Caso o homem alegue não ser o pai, o Ministério Público entra judicialmente com um pedido de investigação de paternidade ou a mãe, em nome da criança, pode iniciar a ação. O problema dessa medida é que o fato de os pais registrarem os filhos não significa que eles participarão de sua criação. “Há um número grande de crianças que têm o nome do pai no registro, mas cujo pai não exerce nenhum papel ou limita-se ao pagamento de pensão. São crianças órfãs de pais vivos”, diz Jaqueline.
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É justamente por isso que nos últimos dez anos vêm sendo discutida juridicamente a possibilidade de as vítimas de abandonos afetivos serem ressarcidas financeiramente pelos traumas emocionais sofridos. Tramita na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), um projeto de lei que modifica o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), caracterizando o abandono moral dos filhos como ilícito civil e penal. Aprovada na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), o projeto propõe a prevenção e solução de casos intoleráveis de negligência de pais, e estabelece que o artigo 3º do ECA passe a vigorar acrescido do artigo 232-A, que prevê detenção de um a seis meses para “quem deixar, sem justa causa, de prestar assistência moral ao filho menor de 18 anos, prejudicando seu desenvolvimento psicológico e social”. Outro fato relevante refere-se à importância que as áreas de Serviço Social, Psicologia e Direito tem dado à presença dos pais sócio-afetivos - que exercem a função de cuidadores mesmo não sendo pais biológicos das crianças - e que tem legitimado, inclusive, a adoção de crianças por parte de casais homossexuais. “A adoção é uma legalização da paternidade sócio-afetiva. Os vínculos de afeto e responsabilidade são mais importantes para a construção da identidade pessoal e social dos indivíduos do que os vínculos consanguíneos,” esclarece Jaqueline.
TRANSPORTE PÚBLICO EDUARDO DIAS e FÁBIO ANDRADE
Novo Transcol?
Usuários sofrem com veículos menos confortáveis e seguros enquanto gestores e empresários alegam que a compra de ônibus mais simples baixou os custos
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professor de educação física Gerlânio Almeida usa o Sistema Transcol diariamente. Ele mora em Serra Sede e gasta cerca de uma hora para ir de sua casa até o trabalho em Vitória e não se sente confortável como gostaria ao usar os coletivos: “A gente paga tarifas absurdas e os ônibus oferecidos são de péssima qualidade e não têm conforto. Para piorar, os buracos nas vias fazem com que a gente sofra ainda mais com os impactos”, reclama. Gerlânio não conhece os pormenores do serviço de transporte urbano, mas o que ele sente quando está dentro de um dos cerca de 1500 coletivos do Transcol é perfeitamente justificável. Transcol: de padron para convencional Implantado no final dos anos 80, o Sistema Transcol sofreu forte influência do modelo de transporte existente em Curitiba. Tal como na capital paranaense, o sistema capixaba foi concebido para operar de forma tronco-alimentada. Traduzindo, significa que ele foi pensado para operar com dois tipos de linhas principais, que se complementam: as alimentadoras fazem o percurso bairros x terminal, podendo operar com veículos convencionais. As linhas troncais, que saem com destino a outros terminais, passam pelos grandes corredores viários e centros de serviços das cidades e devem operar com ônibus do tipo padron, funcionando como o tronco do sistema.
As diferenças entre convencionais e padrons são muitas. O convencional é o tipo mais rústico de ônibus, com motor dianteiro e suspensão mais rígida, modelo utilizado também para o transporte de cargas. No transporte de pessoas ele é o tipo de ônibus indicado para terrenos irregulares e/ou linhas com demanda moderada. Já os ônibus modelo padron são indicados para as linhas mais pesadas, com alta concentração de demanda. Possuem motor com maior capacidade de carga e suspensão a ar, que oferece aos passageiros e ao motorista mais conforto, estabilidade e segurança. Os ônibus modelo padron são mais caros do que os convencionais. Em 2005, a Companhia de Transportes Urbanos da Grande Vitória (Ceturb-GV) autorizou a compra de veículos convencionais também para as linhas troncais. Em nome da contenção de custos e da menor pressão sobre o aumento da tarifa, o órgão liberou as empresas para comprarem um tipo de ônibus mais rústico e com menor qualidade de transporte para os usuários justamente no tipo de linha com mais demanda. A consequência do uso irrestrito dos convencionais se vê diariamente nas ruas da Grande Vitória. Caminhônibus Para Giancarlo Marchezi, membro da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP) radicado em Vila Velha, a substituição dos padrons pelos veículos mais simples nas principais linhas do
| Foto: Franz Hecher (colaborador)
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sistema piorou a qualidade do Transcol como um todo: “para o motorista ficou pior por causa da sua posição. Ele fica rodeado pelo motor, exposto a mais ruído, calor e instabilidade”, aponta. Giancarlo também acredita que a adoção indiscriminada dos convencionais piorou o serviço para os passageiros: “por causa do tipo de suspensão usado nesses veículos, o passageiro sofre mais com trancos, vibrações e falta de segurança. Por isso os ônibus convencionais ganharam o apelido de ‘caminhônibus’. Eles apresentam uma mecânica que joga para cima ao passar por ondulações e causa solavancos nas freadas repentinas. Isso, além do desconforto, implica em mais instabilidade e falta de segurança. Para completar, o degrau desses ônibus é mais alto, o que dificulta o acesso”. De acordo com Giancarlo há outra implicação negativa na liberação dos convencionais para todas as linhas que normalmente é pouco observada: a conservação do pavimento das vias. Equipados com a suspensão mais rígida, os coletivos atualmente utilizados em todas as linhas do Transcol não absorvem os impactos do asfalto irregular. Essa força é transferida para a carroceria – onde estão os passageiros – e parte dela é devolvida ao solo, o que, em tese, diminui a vida útil do pavimento e onera o poder público, responsável pela manutenção das vias.
anos de uso. A opinião é semelhante a do diretorexecutivo do Sindicato das Empresas de Transporte Metropolitano da Grande Vitória (GVBus), Elias Baltazar: “a frota foi renovada num espaço menor de tempo e muitos carros usados foram trocados por outros mais novos”, diz. O exemplo de Curitiba Apesar de não ser uma alternativa em países europeus e até em vizinhos como a Argentina – que só permitem o uso de ônibus padron – no Brasil o uso do ônibus convencional é aceitável quando observados determinados critérios. Curitiba é referência nacional em transporte público urbano. Lá, a Rede Integrada de Transportes (RIT) conta com 81km de corredores exclusivos para os ônibus tipo BRT (sistema Trânsito Rápido de Ônibus, no qual os coletivos circulam por corredores exclusivos) e atende a 14 municípios da região metropolitana, que totalizam 3,2 milhões de habitantes. Com todos esses atributos, a tarifa é apenas cinco centavos mais cara do que a do Transcol: R$ 2,60 de segunda a sábado. Aos domingos, os curitibanos pagam apenas R$ 1,00 para andar de ônibus. Dos 1.920 veículos que compõem a frota paranaense, 158 são biarticulados, 307 são articulados e 210 são modelo padron, num total de 675 veículos de alto padrão de transporte.
“Por causa do tipo de suspensão usado nesses veículos, o passageiro sofre mais com trancos, vibrações e falta de segurança. Por isso os ônibus convencionais ganharam o apelido de caminhônibus”
O Transcol, porém, não está sozinho na adoção dos ônibus convencionais em detrimento dos padrons para o sistema de transporte público. Em outros grandes centros, como Belo Horizonte e Rio de Janeiro, os convencionais também são maioria nas ruas em função do preço mais atrativo. É o que argumenta José Carlos Moreira, diretor de planejamento da Ceturb-GV. Segundo ele, o preço dos veículos convencionais é, em média, 30% menor do que o dos padrons: “o uso dos convencionais é uma tendência nacional, pois os custos operacionais crescem a cada ano e nós não temos como repassar esse aumento totalmente para a tarifa, a passagem ficaria alta para o usuário. Os governos passaram a se preocupar em conter os custos e uma das formas encontradas foi substituir os ônibus padron pelos convencionais, que são mais baratos. Com essa medida, a pressão sobre a tarifa diminuiu e os reajustes tarifários foram menores. Os custos operacionais do Transcol estão entre os mais baixos do país, inclusive inferior ao do sistema de Curitiba. Isso significa que nossa gestão de custo em favor do usuário está boa”, analisa. Segundo Moreira, a opção pelos convencionais também facilita a renovação periódica da frota: “a depreciação do ônibus padron acontece com dez anos, enquanto a do convencional ocorre com sete
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Esses ônibus, em geral, operam as linhas com maior demanda. Os outros 1.245 carros, que são micro-ônibus ou convencionais, realizam viagens nas linhas periféricas ou em linhas curtas no Centro de Curitiba. Ou seja, o problema não é o uso do convencional, mas sim sua implantação indiscriminada em qualquer tipo de linha. É o que explica Luis Filla, gestor de operação de transporte da Urbanização de Curitiba S/A (URBS), empresa que gerencia o sistema de transporte da capital do Paraná. Ele explica como a URBS seleciona o tipo de ônibus a ser utilizado em cada linha: “para definir o tipo de ônibus, em demanda baixa escolhemos o micro para ter um intervalo atrativo. Se no intervalo atrativo já couber o convencional, se faz a troca. Do convencional para o padron, pesam as características e infraestrutura da linha como no caso de uma troncal que é alimentada por veículos convencionais. A evolução para veículos de maior capacidade ocorre em função do crescimento da demanda”, esclarece. Celso Lúcio, coordenador de fiscalização e vistoria do transporte da URBS resume: “não se pode desprezar o preço do carro, mas há de se calcular o custo x benefício e definir o índice de qualidade que se deseja alcançar”.
SOCIEDADE JÉSSICA ROMANHA e NAIARA GOMES
|Foto: Arquivo pessoal / Thayla Fernandes
Conhecer o mundo e ajudar O intercâmbio social possibilita ao jovem realizar trabalhos voluntários e ao mesmo tempo conhecer diferentes lugares do mundo
O
mercado de trabalho valoriza cada vez mais o profissional que possui experiência internacional. Por isso, o número de jovens que procuram agências para trabalhar ou estudar no exterior aumenta a cada ano. Segundo a Associação Brasileira das Operadoras de Viagem Educacionais e Culturais, de 2011 para 2012 houve um crescimento de 30% na procura dos estudantes por intercâmbio. A experiência se revela como forma de aprimorar o idioma estrangeiro e conhecer novos países. Porém, há jovens que querem ter todas essas vantagens e
ainda ajudar o próximo. Para isso, eles optam pelo intercâmbio social. No intercâmbio social, o jovem viaja para países da África, América Latina e Leste Europeu e realiza trabalhos voluntários em ONGs relacionadas à saúde da mulher, comunidades e crianças carentes, entre outros. A estudante Thayla Fernandes, de 22 anos, optou pelo Leste Europeu e foi para Rússia em dezembro de 2011. Thayla conta que trabalhou com crianças e jovens em clínicas de reabilitação sócio-psicológica, em unidades de tratamento de câncer infantil e em orfanatos. “Quando lembro do meu intercâmbio, penso que nada pode ser mais bonito do que os agradecimentos que recebemos pelo nosso trabalho, os abraços, as homenagens, o afeto que criamos com as pessoas. Já fiz outros tipos de intercâmbios, principalmente para estudo, e posso dizer que esta foi de longe a experiência mais gratificante e que mais me fez crescer como ser humano”, conta, emocionada. O Brasil foi o destino do primeiro intercâmbio social feito pelo administrador colombiano Enrique Cuartas, de 27 anos. Enrique trabalhou captando recursos para a ONG Gaia Social, em São Paulo. Ao relatar sua experiência, ele afirma que “o trabalho de voluntário ajuda mais ao voluntário do que àquelas pessoas que são ajudadas”. Primeira Mão | Março de 2013
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Uma opção de vida Para algumas pessoas, o intercâmbio social se tornou tão importante que acabou virando lema de vida. É o caso da russa Katia Kovalchuk, de 26 anos. Katia já fez cinco intercâmbios, sendo três sociais, e passou por países como Brasil, Índia e Quênia. Para ela, o intercâmbio social faz a diferença. “É uma experiência de trabalhar em um país muito diferente do meu, conhecer não só os lugares bonitos, mas viver a vida com desafios, oportunidades e histórias interessantes para contar”, argumenta.
por dificuldades”, conta. Ela diz que, apesar do que presenciou ser lamentável, o que ficou marcado foi a alegria no rosto das pessoas. Cidadãos Globais Segundo Luiz Guilherme Menezes, 21 anos, estudante de publicidade e Diretor de Intercâmbio Social da Aiesec no Espírito Santo, a procura por intercâmbio social ainda é tímida. “Mas vem crescendo”, diz ele, em tom de entusiasmo. “Indico o intercâmbio social porque tem uma proposta de desenvolvimento diferente, te insere no cotidiano do país, trazendo um impacto positivo no desenvolvimento de suas capacidades”, diz o diretor.
“Aprendi a esquecer do meu ego quando é necessário”
Katia conta que sempre viaja sozinha, mas que volta para casa com amizades para toda a vida. Ela também afirma que o trabalho voluntário feito em outros países tornou-a uma pessoa melhor. “Eu quebrei pré-conceitos que eu tinha sobre mim e o meu próprio país, eu comecei a questionar tudo que antes parecia normal ou certo. Aprendi a esquecer do meu ego quando é necessário”, afirma.
O pastor e representante da Junta de Missões Mundiais no Espírito Santo, Fábio Daniel Ribeiro, de 37 anos, também é intercambista social de carteirinha. Ele, que já desenvolveu trabalhos sociais no Haiti, Panamá e República Dominicana, encara o intercâmbio social como uma missão, uma ordem bíblica em que compartilhar com outros suas habilidades e recursos é uma forma de agradecer por sua própria vida. “Ser um missionário voluntário é poder ajudar várias pessoas de lugares, culturas e necessidades diferentes”, ressalta o pastor. E ele acrescenta: “o maior aprendizado para mim é saber que tem gente que vive com muito menos do que nós e mesmo assim é feliz”, conta. Surpresa Nora Földes, 36 anos, é húngara e conheceu o Brasil aos 24 anos, por meio de um intercâmbio social. A jovem fala que conhecia muito pouco sobre o país. “Sabia que era um país muito grande, de clima bom e que tem futebol”, diz. Ela revela que aceitou fazer o intercâmbio social sem saber que não receberia auxílio financeiro por ele. “Fiquei preocupada quando cheguei e percebi que não ia receber, pois não tinha dinheiro para me sustentar”, conta. No entanto, a Association Internationale des Etudiants en Sciences Economiques et Commerciales (Aiesec), reconhecida pela Unesco como a maior organização de jovens universitários do mundo, ajudou Nora arrumando hospedagem gratuita e um emprego em uma escola de línguas para ela. Apesar do sufoco inicial, a húngara diz que não se arrepende. “Hoje não me arrependo, adoro o Brasil e o mundo parece bem menor do que antes do intercâmbio”, afirma. Nora trabalhou na ONG Cepas, em Jacaraípe, Espírito Santo. “Nós encontramos famílias em situações precárias, com muitos filhos, e passando
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A Aiesec tem um projeto chamado “Cidadão Global”, que oferece vagas para quem quer realizar um intercâmbio social. São oportunidades para ações voluntárias em ONGs e projetos educacionais nas áreas de gestão de projetos, educação cultural, ensino de novas línguas, entre outros. Para ser um “cidadão global” é necessário ter entre 18 e 30 anos, ter conhecimento intermediário de inglês ou espanhol e ser aprovado no processo seletivo da Aiesec. Os candidatos também devem estar alinhados aos valores da agência, buscando ser agentes de mudança e desenvolver sua capacidade de liderança, reponsabilidade social, respeito á diversidade e auto-consciência. Segundo dados da Aiesec, o investimento médio em um intercâmbio para América Latina é de R$ 3 mil e de R$ 5 mil para o Leste Europeu e varia de um a três meses, podendo, inclusive, ser feito nas férias da faculdade. Luiz Guilherme ressalta que, por realizarem um trabalho voluntário e, por isso, não receberem bolsa, os intercambistas geralmente não pagam pelos gastos com hospedagem e alimentação.
Passos para fazer intercâmbio: 1 - Fazer a inscrição no site da Aiesec; 2- Estar alinhado aos valores da agência; 3- Pagar uma taxa de R$ 900,00 para a Aiesec para que ela dê todo o suporte necessário (banco de dados à disposição, com as informações de empresas internacionais interessadas em voluntários e treino de intercambistas para entrevistas nas empresas). Para mais informações sobre o Cidadão Global, acesse www.aiesec.org.br.
UFES ESTHER RADAELLI e LUCAS ROCHA
Estudantes levantam acampamento na Ufes para mostrar que a moradia estudantil é uma das garantias de permanência de qualidade na universidade
M
orar na Ufes. Quem nunca ouviu alguém dizer brincando “praticamente moro na Ufes, fico tanto tempo aqui que só falta trazer o colchão”. Pois é, há seis meses existem alunos que de fato, quando dizem ir para casa, vão para seus colchões e barracas que ficam perto do Restaurante Universitário (RU) e da entrada do Diretório Central dos Estudantes (DCE). No ambiente, que parece não ser muito grande quando olhado de fora, há os dizeres na porta “Quero uma casa no Campus”. Este é o movimento por moradia estudantil que tem o nome de “Minha Ufes, Minha Casa”. Uma brincadeira com o projeto do governo federal “Minha Casa, Minha Vida”. Mas, até a história chegar ali, lugar onde hoje moram oito estudantes, muita coisa aconteceu. Os vários acampamentos No dia 1º de agosto de 2012, durante a última greve de instituições federais, aproximadamente 30 estudantes montaram acampamento em frente à Ufes. Era uma organização que envolvia o comando de greve estudantil e contava com apoio do Sindicato dos Trabalhadores na Ufes (Sintufes). Rafael do Rosário Campos, 21 anos, finalista do curso de Ciências Biológicas, descreve esse período de mais de um mês como um tempo difícil, pois chovia muito e as barracas sempre estavam cheias d’água. Mas logo eles iriam encontrar um bom lugar, coberto e com poucos mosquitos. Antes disso, porém, houve um marco no movimento.
Morar para permanecer
| Foto: Thaiana Gomes
A partir da invasão do Núcleo de Processamento de Dados (NPD) da Ufes, no final de agosto, houve uma dissolução do comando local de greve e surgiu um movimento que tinha uma luta específica, a moradia estudantil. Estes estudantes, pouco depois, se mudaram para o vão da Biblioteca Central. Nessa segunda etapa, o número de moradores reduziu pela metade, se comparado ao anterior. “Quando fomos para a Biblioteca foi a melhor fase, a gente brinca. Até por que era coberto, e não tinha muito mosquito. Ficamos lá umas três semanas até que inventamos de colocar um fogão”, conta Rafael. Foi pedida a reintegração de posse da área, sob a alegação de que o fogão poderia colocar em risco o acervo da biblioteca. Depois de uma passagem pelo Sintufes, resolveram montar acampamento entre os prédios dos ICs, no chamado Elefante Branco. Segurança Dia 18 de setembro foram montar as barracas. Estavam todos cansados depois do dia de trabalho e, aproximadamente às 23h, muitos já haviam deitado. Rafael era um deles. Foi quando ouviu o barulho de uma discussão. Acordou e abriu sua barraca, era o chefe de segurança da Ufes. “Ele chegou assim, me contaram depois, ‘olha, vocês, chegou um mandado de reintegração de posse, e terão que sair agora.’ Foi aí que eu acordei. Os meninos começaram a questionar. A gente queria o papel. Ele disse, ‘não Primeira Mão | Março de 2013
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precisa de mandado, o mandado aqui sou eu, vocês vão sair’.” De repente, o chefe de segurança fez um sinal, “quando ele fez o sinal, apareceram uns 20 homens com roupa de guarda patrimonial, portando armas de todos os tipos. Tinha gente com taco de beisebol, cassetete, canivete, arma de fogo”, lembra Rafael. A pró-reitora de Gestão de Pessoas e Assistência Estudantil, Maria Lúcia Casate, afirma que foi aberta uma sindicância, que ainda está para ser concluída, sobre o episódio de violência relatado pelos estudantes. Comunicação com a reitoria A comunicação com a reitoria começou apenas depois da repercussão do que aconteceu no dia 18, conta Rafael. No último levante por moradia, em 2010, foi criada uma comissão para pensar na viabilidade de um projeto para a demanda. De acordo com o estudante, eles foram informados que a Ufes enviou a Brasília um Plano de Necessidades em vez de mandar um projeto concreto, e o governo federal não libera orçamento em cima de necessidades e sim de demandas de fato. “Nessa conversa com o reitor Centoducatte, ele falou que em 2010 era outro mandato e ele não poderia se responsabilizar por isso, mas agora os interesses são outros, ele quer uma universidade pública e popular. O que se tem hoje da reitoria é que já existe um plano aprovado.” Porém, de acordo com Rafael, o advogado que acompanha o movimento pela moradia conseguiu informações de Brasília e parece não existir registro de alguma movimentação da Ufes com relação ao tema. Mas o reitor justificou que é por uma questão de demora no processamento desse trâmite. Ronan Aguiar de Freitas, 21 anos, primeiro período de Comunicação Social – Audiovisual, e participante do “Minha Ufes, Minha Casa” desde o inicio, explica que sempre é feita uma pressão do movimento para que o maior número de pessoas possa comparecer às reuniões com a reitoria. Os estudantes, segundo Ronan, tomam decisões de maneira horizontal e buscam, ao máximo, ter uma grande rotatividade de funções para que ninguém seja visto de forma centralizada. A pró-reitora de Gestão de Pessoas e Assistência Estudantil diz que não está fechada a batalhar junto ao Governo Federal, às prefeituras e ao Governo do Estado pela possibilidade da construção de prédios
Gilda Cardoso de Araújo, doutora em Educação pela USP. Professora da Ufes desde 2004 “A assistência tem que ir além do assistencialismo, tem que bancar livros, garantia de boa biblioteca, a permanência na universidade o dia inteiro, bolsas de pesquisas mais atraentes e não colocar alunos em cargos administrativos. Assistência no sentido mais amplo. Atualmente, existem várias políticas para aumentar vagas, mas pouca garantia de permanência na universidade. Não acredito que isso mudará em curto prazo.”
para a moradia estudantil. “Nós precisamos de recursos externos para viabilizar isso. Hoje, só o auxílio moradia pode ser viabilizado”. O benefício cobre parte das despesas com moradia para estudantes cujas famílias residem fora da Grande Vitória. Ele foi ampliado após reivindicações de alunos, passando a ser entregue de dez para 12 meses ao ano. Nova fase Uma nova fase começou quando os estudantes do movimento encontraram o lugar onde estão atualmente - um espaço que descobriram ser dos estudantes. Rafael conta que inicialmente pediram a chave para a administração do RU, mas sem esperança de serem atendidos. “Abrimos a porta e descobrimos uma montanha. Lá é enorme. E só tinha papel higiênico. Nessa última etapa tivemos algumas saídas, mas uma renovação”. Rafael explica que hoje o objetivo do movimento é transformar o espaço em uma Casa do Estudante. Um local de troca política e cultural, sem deixar de lutar por moradia, mas repensando o método. Ronan reforça: “estamos querendo transformar aos poucos em um lugar de vivência e continuar pautando a luta pela moradia”. Convivência e aprendizado Depois de todos esses meses de convivência com pessoas diferentes, e que, às vezes, nem mesmo se conheciam, Rafael ressalta o que aprendeu. “A lição é de solidariedade. Afinal de contas, todas as pessoas que estão aqui até hoje deram tudo para lutar por moradia estudantil. É uma experiência que te humaniza, no sentido de que você aprende que o ser humano é um grande problema, mas um lindo problema”.
Raphael Sodré, formado em Direito pela Ufes, participou da comissão em 2010 que estudou a viabilidade da construção de moradia estudantil “Foi instituída uma comissão em meio a uma polêmica que existia na universidade sobre a viabilidade ou não da moradia estudantil e se isso seria financeiramente mais adequado ou não em comparação a uma proposta concorrente, que era de concessão de auxílios moradia mensais. Após alguns estudos, a comissão chegou à conclusão de que era financeiramente viável a construção da moradia e era mais aconselhável. Não foi um projeto, foi uma indicação da comissão para a construção; e um laudo técnico e dos conselheiros todos favoráveis à construção da moradia. A Ufes é uma das poucas instituições federais que não tem nenhum tipo de estrutura como alojamento ou coisa parecida. Esse sempre foi um tema recorrente.”
CULTURA DAIANE DELPUPO e PATRÍCIA GARCIA
Muita arte e pouco espaço Alunos querem mais oportunidades para expor suas produções artísticas nos ambientes culturais da Ufes
| Foto: Patrícia Garcia
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lém de um centro acadêmico para formar profissionais, a universidade é também um cenário cultural importante, onde diversos grupos trocam informações, desenvolvem aptidões e se manifestam artística e cultuAlunos querem mais oporralmente. Como todas as atividades acadêmicas, tunidades para expor suas as manifestações culturais também precisam de produções artísticas apoio, investimento e espaço.nos Noambientanto, não é entes culturais da Ufes sempre que os universitários contam com esta “forcinha especial”. Apesar de existirem lugares para o desenvolvimento destas atividades na Ufes, estudantes reclamam da falta de organização, divulgação e de políticas que os atendam, garantindo a eles oportunidades de expor seus trabalhos. Teatro Universitário Entre os ambientes culturais de maior expressão da Ufes está o Teatro Universitário (TU). Apesar de estar localizado dentro do campus, estudantes reclamam da falta de oportunidade para se apresentarem no local.
A educadora de teatro e estudante de Artes Visuais, Dulcineia da Silva Fernandes, nunca se apresentou no TU. Ela diz que o aluguel é caro e os grupos teatrais geralmente não conseguem arcar com os custos. “O Teatro da Ufes é muito mais voltado para as pessoas de fora do que para nós. Apesar de estudar disciplinas que se relacionam com o teatro, como ‘Arte da Performance’ e ‘Interpretação e Direção’ nunca tive uma aula demonstrativa lá. O espaço podia ser mais aberto aos estudantes e melhor aproveitado”, afirma. Dulcineia acredita que uma solução para o problema é a promoção de ações e projetos voltados aos estudantes e produtores de arte, democratizando as oportunidades para o uso do teatro. De acordo com a Superintendente de Comunicação e Cultura da Ufes (Supecc), Ruth Reis, a política do TU é atender tanto a comunidade acadêmica quanto o público externo à universidade. “O Teatro Universitário dispõe de um es-
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paço muito amplo que lhe permite atender bem a população como um todo. Se olharmos apenas para a comunidade interna, transformamos o teatro em um espaço restrito”, afirma. Ruth acrescenta que a escolha das produções artísticas que são exibidas no teatro segue critérios como sua base cultural, qualidade, e aproveitamento do espaço interno. “Produções acadêmicas podem não passar pela seleção de acordo com suas características”, completa.
sitário (Gaeu), vinculada à Supecc, e a Galeria de Arte e Pesquisa (GAP), do Centro de Artes. Porém, estudantes alegam ter dificuldades para expor suas obras. A aluna de Artes Visuais Jéssica Braun se sente indignada com o pouco espaço oferecido. “Normalmente os alunos só conseguem expor seus trabalhos com orientação de um professor, mas isso não é fácil. Há rejeição a alguns tipos de obras, a escolha não é feita de forma democrática”, conclui.
Para agendar os espetáculos que serão realizados este ano no TU foi aberto um edital em agosto do ano passado. De acordo com Ruth, o objetivo é tornar o processo de escolha das peças mais transparente para todos. Mas, para o professor do Centro de Artes da Ufes, Erly Vieira, o edital não resolve todos os problemas. “O edital de ocupação garante a data, mas os contemplados ainda precisam pagar o aluguel. Por isso a produção para o Teatro Universitário tem que ser de grande porte. Uma possível alternativa seria tentar ações para, por exemplo, promover mais shows, de gente que não tem grana pra bancar o valor do aluguel”, sugere.
De acordo com a Diretora da Gaeu, Neusa Mendes, a galeria tem função de formar artistas. O objetivo não é receber portfólios de estudantes, mas oferecer um espaço onde os jovens tenham contato com a arte contemporânea e ampliem suas referências. Segundo Neusa, as curadorias são realizadas com base em três aspectos: produções expressivas de jovens artistas locais, produções de arte contemporânea, e grandes coleções feitas em parceria com museus nacionais. Já a GAP foca as pesquisas de professores e alunos dos cursos de graduação e pós-graduação, com abertura para convidados externos. Segundo o coordenador da galeria, Marcos Martins, os objetivos da GAP são o desenvolvimento da capacidade crítica dos alunos, a formação de público para a arte contemporânea, a aproximação entre artistas e espectadores e o seu intercâmbio com outras instituições.
"O Teatro da Ufes é muito mais voltado para as pessoas de fora do que para nós”
Cine Metrópolis Outro espaço importante para a Universidade é o Cine Metrópolis, que tem capacidade para 240 pessoas e exibe filmes diariamente. Mas, de acordo com a gerente de bilheteria, Vera Lúcia Schletz, em muitas sessões grande parte das cadeiras ficam vazias. Ela acredita que um dos problemas é a falta de interesse do público pelos filmes exibidos, por serem produções alternativas, que fogem aos padrões hollywoodianos.
Já para Erly, a maior dificuldade do Metrópolis é a divulgação. “O cinema tem que ter ações de divulgação junto com a comunidade, pois é barato (a partir de R$3,00), tem programação todos os dias e é muito acessível”, afirma. O professor destaca que boa parte dos estudantes da Ufes nunca entrou no Metrópolis e não sabe que muitos filmes que esgotam as bilheterias de outros cinemas são exibidos em sessões vazias dentro do campus. O estudante de Publicidade e Propaganda Krystofer Cipriano nunca assistiu filmes da programação regular do Cine Metrópolis e acredita que há falhas em sua divulgação. “Poucas pessoas sabem sobre os filmes que são exibidos diariamente aqui e, também, que há a possibilidade de assisti-los por um preço muito mais acessível”, diz. Galerias de Arte A Ufes possui duas galerias de arte no campus de Goiabeiras: a Galeria de Arte Espaço Univer-
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Marcos acrescenta que a participação dos estudantes depende dos programas da GAP. “Anualmente, abrimos um edital ao Centro de Artes, que chamamos de Ocupa”, diz. “Além do Ocupa, outra forma de participação é por meio de pesquisa e extensão. Para isso, o aluno deve estar ligado a um grupo que tenha como foco a produção artística”, explica. Rádio Universitária A Rádio Universitária, segundo seu diretor Rogério Borges, tem como foco divulgar a produção cultural e científica da Ufes, além de agir como amplificadora da arte feita no estado. “Nossa prioridade é resgatar e posicionar novamente a rádio de acordo com sua função de rádio pública, educativa e cultural, que tenha a participação de toda a comunidade acadêmica”, enfatiza. Para o estudante de música Daniel Romanelli, que produz o programa “Ópera Universitária”, o apoio às produções estudantis melhorou muito após a mudança da diretoria da rádio no ano passado. “Algumas pessoas reclamam da falta de oportunidade na rádio, mas acredito que, na verdade, falta organização e projetos consistentes”, avalia.
MÍDIA ANY COMETTI e HENRIQUE MONTOVANELLI
Tragédias:
grandes casos midiáticos Acontecimentos como o de Santa Maria ganham notoriedade na mídia, chocam e emocionam a sociedade, levantando o debate sobre a cobertura da imprensa e o tratamento da notícia
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incêndio na boate Kiss, que provocou a morte de mais de 230 jovens e deixou centenas de feridos, comoveu o país e repercutiu na imprensa nacional e mundial. O incidente, que ocorreu na madrugada do dia 27 de janeiro, em Santa Maria (RS), teve cobertura intensa. O assunto do dia. Boletins a cada intervalo comercial, flashes ao vivo ao longo da programação, programas com edições especiais, entrevistas com sobreviventes, imagens fortes, telejornais ancorados direto da cidade gaúcha. Diante de grandes tragédias, entretanto, a cobertura da imprensa corresponde à importância do fato e respeita a legislação e os princípios éticos da profissão? Qual a dimensão que os fatos trágicos precisam ter na mídia? A imprensa determina a pauta para a opinião pública ao destacar determinados temas e preterir, ofuscar ou ignorar tantos outros. Nesta seleção, são avaliados diversos critérios, como relevância, novidade, proximidade geográfica e cultural, alcance e impacto. “Um dos principais valores notícias que fundamentam a cobertura do jornalismo é o inusitado, o que tem gravidade suficiente para alcançar uma comunidade, seja ela um município, uma estado, uma nação ou um planeta inteiro”, explica José Antonio Martinuzzo, jornalista, professor doutor de Comunicação Social na Ufes e membro da Escola Lacaniana de Psicanálise de Vitória. “Ou seja, os acidentes se enquadram nessa categoria de valor notícia”, completa. Dessa forma, diante de crimes diários e brutais, alguns se destacaram mais na imprensa nacional nos últimos anos, como os casos Suzane von Richthofen (2002), Isabella Nardoni (2008), Eloá (2008), Eliza Samudio (2010) e o massacre na Escola Municipal Tasso da Silveira, em Realengo-RJ (2011), além das tragédias naturais, como as enchentes na região serrana do Rio de Janeiro. O diretor de jornalismo da Record News ES, Carlos Alberto Tourinho, explica como a redação age
nesses casos inesperados. “Você começa a deslocar equipes para os hospitais, ouvir bombeiros, ouvir as famílias. Procurar saber que outros aspectos podem ser abordados o mais rápido possível. É um trabalho incessante na redação. Tem que decidir muito rápido”. A partir daí, inicia-se uma busca incessante por informações. O jornalista precisa alimentar a cobertura com novidades, dar os furos de reportagem, e, em pouco tempo, apurar corretamente os fatos. “Acaba tendo muita confusão. As pessoas vão com muita cede ao pote, querendo repercutir demais, falar demais, enquanto na verdade nós temos que buscar a informação pura, sempre pensando no que é preciso informar para a
Constituição da República Federativa do Brasil Art. 5º, inciso X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação Art 221 - A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios: IV - respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família. Art 220, parágrafo 3º: Compete à lei federal: II - estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente.
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população naquele momento”, afirma Tourinho. Diante desse quadro, a imprensa costuma cometer deslizes na cobertura e na apuração. “Os rumores ou uma primeira informação acabam virando ‘A’ informação, porque não se tem tempo de checar ou não se prioriza a checagem”, analisa Martinuzzo. No caso de Santa Maria, por exemplo, o número de mortos oscilou constantemente. Além disso, o especialista em Legislação e Ética, Edgard Rebouças, também professor de Comunicação Social da UFES, observa que alguns veículos acabam infringindo a Constituição e o Código de Ética da atividade profissional. São comuns, por exemplo, julgamentos da imprensa antes mesmo das investigações serem concluídas, e a divulgação de imagens que não preservam o direito de privacidade dos envolvidos. “Os jornalistas tem que sair atrás da informação, mas nem por isso tem que invadir a privacidade das pessoas. Acabam expondo as famílias a uma situação de sofrimento maior do que elas já estão passando e se irritam se não elas querem falar, dizendo que estão cerceando o acesso à informação”, afirma. Edgard entende que os jornalistas precisam se prender aos fatos. “A notícia é que morreram mais de 200 jovens em uma boate, o incêndio. Mostrar o sofrimento da família é uma exposição da miséria humana que o jornalismo não precisa fazer”. Para realizar a cobertura do caso alguns canais generalistas mudaram grande parte da programação, como Record, SBT e Band. Outros mantiveram a grade, com flashes nos intervalos e nos programas ao vivo, como a Globo. Devido ao forte compromisso comercial dos canais convencionais, os grandes acontecimentos acabam ganhando espaço dentro dos horários de entretenimento, medida criticada por Edgard. “Em uma situação como essa, eles querem se transformar em um canal noticioso. Só que eles não são preparados para isso. Você pegar no meio do Domingo Legal, do Celso Portiolli, e botá-lo para ficar entrevistando as pessoas não dá, não é a praia dele”. Além da falta de preparo e de informações precisas, a espetacularização é uma das principais críticas. Sobre a tragédia na boate Kiss, Martinuzzo observou que “as possibilidades de repercussão espetacular e as possibilidades de dramatizar foram utilizadas pela maior parte da cobertura”. Repórteres informavam que os celulares dos mortos ainda tocavam, que alguns pareciam estar dormindo e não mortos, que ventiladores estavam ligados para amenizar o odor dos corpos, e outras informações desnecessárias. Na construção do drama, no Plantão da Band, o apresentador Datena afirmou: “Nós estamos falando com um dos heróis do caso, porque ele ajudou a salvar vidas”. O jovem entrevistado respondeu: “Eu não ajudei muito não, eu considero heróis o pessoal que ficou lá dentro”. Tourinho critica a
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espetacularização, que para ele ocorre apenas em alguns casos. “Televisão é emoção. Mas você pode fazer isso de uma maneira mais ética. Esse fato por natureza já tem uma carga pesada de emoção. Não precisa criar mais”. As tragédias acabam virando um grande espetáculo midiático, e não um fato que precisa ser melhor apurado. “O acontecimento da semana é esse, o da outra semana é outro. E aí o Papa e Santa Maria já não interessam mais. O fato ganhou tanta notoriedade num dia e no outro já não é tão importante assim?”, indaga Edgard. Tourinho entende que a repercussão e a apuração sobre um fato é importante, porém afirma que esse espaço é dado na medida em que há interesse da opinião pública. “Ninguém está aqui para ficar falando de um assunto que ninguém vai querer ver. A necessidade de se refrescar a memória sobre esses assuntos é interessante e importante. Agora, se você ficar o tempo todo ocupando o espaço na grade para relembrar casos do passado, o que vai sobrar para o presente? As pessoas querem novidades”.
É de Lei Veja em quais casos é possível registrar queixa formal, caso haja exposição indevida de imagens: - Familiares de vítimas retratadas, ou as próprias pessoas retratadas, que se sentirem constrangidas ou ofendidas, podem entrar com uma ação de danos morais contra os veículos de imprensa na Justiça Estadual; - Não existe uma legislação que proteja o cidadão lesado que não tenha ligação direta com o fato. O veículo impresso tem liberdade de publicação, entretanto, se esses estiverem expostos em bancas de revistas com imagens chocantes, de modo que todos tenham acesso, o cidadão pode acionar a Vara da Infância e da Juventude (Pela Constituição Brasileira, a família, a sociedade e o Estado devem manter a criança e o adolescente a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão); - Já na Televisão, há a classificação indicativa. Nesse caso, o Ministério da Justiça, em sua Vara da Infância e da Juventude, pode ser acionado caso se constate tratamento indevido de informações e/ou exposição desacordante com a faixa etária estabelecida para o horário (mas cabe lembrar: programas ao vivo e telejornais são isentos de classificação indicativa). Fonte: Ministério Público Federal (MPF-ES)
feito à mão Isabella Mariano
Cheio
Gota por gota. Até transbordar.
Projeto de Extensão
GRUP O
FOTO
de
Twitter: @grupodefoto Facebook: Grupo de Foto www.grupodefoto.wordpress.com O Grupo de Foto é um Projeto de Extensão da Ufes que tem o objetivo de conhecer um pouco mais sobre a fotografia, discutir técnicas e realizar experiências