Primeira Mão 143 outubro 2015

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Revista Laboratório do curso de Jornalismo Universidade Federal do Espírito Santo Ano XXVI Outubro 2015 edição 143

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Tradições em risco Comunidades Quilombolas lutam por direitos em meio ao petróleo e ao eucalipto. Página 12

BICICLETA COM ARTE

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EDUCAÇÃO INTEGRAL páginaprimeira 10 OUT2015 1 ão

DE PASSAGEM PELA RUA


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DE PASSAGEM PELA RUA Histórias de vida e expectativas dos que vivem nas ruas

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EDITORIAL Vamos pedalar? Para essa edição da revista Primeira Mão, a equipe de Jornalismo te convida a pedalar nas bikes customizadas e caminhar pela cidade em busca de histórias. Para iniciar a nossa viagem vamos bater um papo com o reitor eleito e descobrir quais são os seus projetos para os próximos anos. Prosseguindo, fomos procurar pessoas que sentiram na pele a razão do Outubro Rosa e conseguiram vencer o drama por meio da vontade de viver. Nos embalos de nossas pedaladas passamos por pessoas que vivem a triste realidade de fazer das ruas seus lares passageiros, e lutam contra o preconceito. Fizemos uma parada para ouvir as suas histórias e os motivos de estarem hoje nessa condição de vida. Também rumamos para o norte do Espírito Santo para conhecer a história de tradições dos Quilombolas que correm o risco se extinguirem em meio à exploração de eucalipto e de petróleo. De volta para casa, acompanhamos as feiras de adoções de cães e gatos que alertam para as responsabilidades da adoção e visitamos uma das escolas de Vitória que adotou o modelo de ensino em tempo integral. Conversamos sobre a descriminalização da maconha e a forma que a companhia de dança Andora, da Ufes, encontrou de levar o debate sobre feminismo para as suas apresentações. Na Ufes também visitamos as obras da pista olímpica, que poderá servir para as Olímpiadas 2016. Para fechar com chave de ouro, guardamos as nossas bicicletas, lemos o horóscopo, fomos assistir uma boa e deliciosa série, e depois, cama! Mas não por muito tempo, pois descobrimos que os aparelhos eletrônicos podem roubar o nosso sono. Boa leitura e até a próxima.

SumÁrio OUTUBRO ROSA

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INIBIDORES DE SONO

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ENTREVISTA COM O REITOR 09 EDUCAÇÃO INTEGRAL

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TRADIÇÃO EM RISCO

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BICICLETA COM ARTE

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MACONHA NO STF

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CERVEJA ARTESANAL 21 ADOÇÃO DE ANIMAIS

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MARATONA DE SÉRIES

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CIA ANDORA

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PISTA OLÍMPICA

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ASTROLOGIA 30 Primeira Mão está utilizando nos seus textos principais a fonte tipográfica Ufes Sans, desenvolvida pelo Laboratório de Design História da Ufes. Autores: Ricardo Esteves e Filipe Motta.

Expediente

Altas doses As séries de tv têm provocado mudanças no comportamento dos telespectadores

Primeira Mão é uma revista laboratório, produzida pelos alunos do 6º período do curso de Comunicação Social/Jornalismo, da Universidade Federal do Espírito Santo (Av. Fernando Ferrari, 514, Goiabeiras | Vitória ES CEP 29075-910) revistaprimeiramao@gmail.com. Ano XXVI, número 143. Semestre 2015/02. Reportagem e edição: Alena Moreira, Andreia Ferreira, Ariane Barbosa, Barbara Coutinho, Bianca Vailant, Brigida Valadares, Bruna Vermeuln, Carina Dall Orto Costa, Caroline Pinna, Geraldo Campos Junior, Jessyka Saquetto, Julia Pavin, Julia Zumerle, Juliana Benichio, Kayque Fabiano, Lais Rocio, Lorraine Paixao Lopes, Luiza Marcondes, Mariah Friedrich, Nadine Alves, Paloma de Oliveira, Rafaela Laiola, Thalita Mascarelo, Thamara Machado, Vil Rangel. Foto de Capa: Rafaela Laiola; Diagramação: Barbara Coutinho, Paloma de Oliveira, Kayque Fabiano e Ruth Reis. Professora orientadora: Ruth Reis Impressão: Gráfica Universitária

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DE PASSAGEM PELA RUA “Não somos moradores de rua, só estamos na rua. Isso aqui é de passagem”

Lorraine Paixão e Luiza Marcondes Refaela Laiola

Dentro do Transcol vazio voltamos para casa com o peito inquieto e a sensação de que vimos o que não deveria ser visto. Humanos negligenciados habitam as marquises das grandes cidades. Eles são os sem teto, os sem rosto, os sem história. São pessoas que se encontram temporariamente, e por motivos particulares, na rua. São aqueles que a cidade finge não ver. Estão ali, diante dos olhos de todos: sob marquises e pontes, com mochilas, cobertores e colchonetes, mas não são vistos. Estão no entre. No vai e vem da cidade. Estão no meio. Sem casa e sem família só lhes restam as ruas. Nos aproximamos, eram três: Jorge, Josias e a cadela Branquinha, atropelada há pouco. “Boa noite.” Os três pares de olhos negros nos fitaram desconfiados. Nos apresentamos como estudantes de jornalismo e sentamos juntas a eles no chão, em suas residências passagei-

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Jorge se barbeou, escolheu a melhor camisa e fotografou para Primeira Mão: “a gente é invisível, as pessoas passam e nem olham. As crianças olham, elas ainda reparam”

ras. “Vocês podem entrevistar, mas primeiro vou entrevistar vocês”, disse Jorge com olhar firme e constante sorriso no rosto. Ele sabia o roteiro de cor de uma entrevista, então deixamos que fosse o entrevistador. Nós recebemos dele o apelido carinhoso de “repórter por um dia”. Jorge, constantemente, nos perguntava o que daríamos a eles como retorno: “O que a gente vai ganhar com isso? O que eu ganho com vocês sugando minha história?”, nos mostrando o quanto somos impotentes a um problema social, que mesmo quando estampa as capas dos jornais reforça a marginalidade. Os dois são o que o senso comum nomeia como moradores de rua. “Não somos moradores de rua, só estamos na rua. Isso aqui é de passagem”, sentencia Jorge, 45, que está nas ruas há quatro meses: “Eu sou é eletricista mecânico e tô numa situação difícil, numa situação de rua”, completa. Em 2009 foi instituído o decreto de Política Nacional para a População em Situação de Rua. De acordo com o texto, população em situação

de rua, constitui-se como um “grupo populacional heterogêneo que tem em comum a pobreza extrema, os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e a inexistência de moradia convencional regular”. Para a psicóloga e mestre em Psicologia Institucional pela UFES, Rafaela Amorim, o termo adequado para se referir a esse grupo de pessoas nessas condições é “população em situação de rua”. “Isso porque literalmente essas pessoas estão numa situação de rua. Elas não escolheram estar nas ruas, elas não são moradoras de rua”, analisa a psicóloga. Jorge veio de Teixeira de Freitas, Bahia, em 2011, depois de conflitos familiares. Deixou lá casa, duas filhas e a ex-esposa. Morou por três anos no distrito de Guaraná, Aracruz, norte do Espírito Santo. Lá, exerceu a profissão de eletricista mecânico até que foi demitido após falência da oficina onde trabalhava. Desempregado, foi morar com a irmã e o cunhado na Serra, município da Grande Vitória. No entanto, Jorge e o cunhado


não se deram bem e assim começa a história dele nas ruas, onde o homem deixou de ser cidadão. Nas andanças, perdeu os documentos. “Tô tirando os documentos de novo. Assim que eu tiver eles já vou procurar um emprego pra fichar. Quero sair da rua, mas pra sair mesmo, só com um serviço. Ô menina, coloca aí na matéria: arrumem um serviço pra Jorge porque Jorge já está ficando maluco”, disse com os olhos grandes e o sorriso largo. “Pode colocar aí na matéria: a gente é invisível. As pessoas passam e nem olham. As crianças olham, elas ainda reparam”, o grande motivo de incômodo é também de riso. Eles contam entre risadas do dia, que após uma chuva, a rua ficou cheia de poças e veio vindo um passante, que para não dividir a calçada com os três, preferiu passar ao lado da poça da BR. Para a infelicidade do passante, um ônibus vinha naquele exato momento fazendo com que tomasse um banho e garantisse a diversão da noite. Josias, 40, é de fala curta. Ao contrário de Jorge, todo extrovertido e brincalhão, é mais calado. Deitado sobre um colchonete cinza e coberto por uma manta lilás e amarela, se adianta dizendo que não dará entrevistas. “Prefiro ouvir as histórias do que contar a minha. Não tenho uma história boa pra contar”, disse ele antes de se calar por mais meia hora durante a conversa. Depois de um tempo, Josias se levantou e entrou na roda compartilhando, por vontade própria, parte da sua história. Natural de Linhares, norte do estado, saiu de sua cidade natal em 1992 para morar com uma irmã em José de Anchieta, também no município da Serra. “Eu queria arrumar trabalho aqui na cidade, por isso que vim”. Josias ficou com a irmã por pouco tempo, pois logo encontrou uma companheira com quem foi morar. “A gente não deu certo. Eu ainda gosto muito dela, mas preferi sair de casa pra evitar briga sabe?!”, lembra Josias com os olhos brilhando e conta do telefonema que fez a ela nos últimos dias: “o coração ainda dispara”, diz ele, com

a mão no peito e o olhar longe. Eles se separaram em 2004. Nesse meio tempo, ele se envolveu com drogas e, em 2011, desempregado, foi para as ruas. “É uma lembrança de que me arrependo e muito, viu? Mas graças a Deus consegui sair desse mundo do vício”. Josias é pedreiro e pintor. E quase todo fim de semana consegue um “bico”. Lembra que é difícil para uma pessoa em situação de rua conseguir um trabalho com carteira assinada: “As pessoas têm muito preconceito com a gente. Acham que somos todos bandidos, drogados. Mas tem um monte de gente aqui que é de coração bom e tá tentando sair da rua. Se tem gente ruim? Tem, mas tem em todo lugar, não é mesmo?” Nesse tempo de rua, Josias já chegou a alugar casa com o dinheiro que junta do seu ofício, porém ele diz que não sabe conviver bem com a solidão e isso fez com que voltasse para a rua, onde sempre tem

“Acham que somos todos bandidos, drogados. Mas tem um monte de gente de coração bom tentando sair da rua.” companhia. Josias é um exemplo de como a dinâmica das ruas faz com que as pessoas estabeleçam novos laços afetivos e construam com “estranhos” uma rede familiar, como analisa a psicóloga Rafaela Amorim. “Algumas pessoas preferem ficar sozinhas, há outras que preferem ficar em grupos. As relações afetivas, os vínculos de amizade e amorosos, a ajuda mútua para a sobrevivência e a proteção entre si cooperam para a formação familiar”, aponta ela. Jorge e Josias, nesse tempo juntos formaram uma pequena família. No seu atual “bico” como pedreiro, Josias está construindo uma casa, por ironia do destino, em José de Anchieta, na Serra. Ele conta que pretende juntar um dinheiro para alugar uma casa para ele e o amigo Jorge. “Tô fazendo esse bico aí pra alugar um barraco

pra mim e esse doido”. Os dois passam o dia no Centro Pop da Serra - Centro Especializado para População em Situação de Rua - onde se alimentam e tomam banho; e à noite dormem sob a marquise de uma loja de material de construção na BR 101 norte km 03, próximo ao viaduto que liga os municípios de Serra e Cariacica. Na Grande Vitória há uma média de 600 pessoas em situação de rua, de acordo com as próprias prefeituras, e apenas três Centro Pop: um em Vila Velha, Vitória e um na Serra. O Centro Pop é uma instituição mantida pela Prefeitura Municipal da Serra vinculada à Secretaria de Assistência Social. Funciona como uma casa de acolhimento diurno, de segunda a sexta de 8h às 17 horas. “É assim, a gente acorda umas 6 horas, porque o dono da lojinha aí onde a gente dorme na calçada abre o comércio 7 horas. Aí, a gente levanta, arruma tudo, varre e lava a calçada, deixa tudo bonitinho e esperamos até às 8 horas pra tomar café lá no Pop”, conta Josias. “Aí, quando dá a noitinha, a gente vem pra cá pra dormir. Aqui é tranquilo. O rapaz aí da loja conhece a gente e disse que podemos ficar. É só deixarmos tudo arrumado. Somos gente de bem”, completa. Localizado no bairro Rosário de Fátima, na Serra, o Centro Pop atende cerca de 70 pessoas. Lá, as pessoas em situação de rua recebem alimentação - café da manhã, almoço e janta -, higienização, acompanhamento psicossocial e encaminhamento para vagas de emprego. “Mas quem quer contratar morador de rua? Nossa ficha chega na mão do patrão e quando ele vê nosso endereço como Centro Pop, já descarta”, lembra Jorge, que presenciou muitos colegas em situação de rua passarem por isso. Para ele isso acontece porque as pessoas ainda têm muito preconceito com quem está nas ruas. “Acham que estamos assim porque a gente quer. Não é verdade. Quem quer dormir assim no relento? Quem quer passar fome desse jeito? Pode até ter um ou outro que sim, mas não são todos não”, pondera Jorge.

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ROSA PELA VIDA Outubro Rosa envolveu várias instituições e pessoas na camanha de prevenção do câncer de mama Thalita Mascarelo, Caroline Pinna e Andréia Ferreira Refaela Laiola

Quando se descobre que se tem uma doença, muitos questionamentos podem vir à cabeça: por que comigo; como vou contar para a minha família; como ficar emocionalmente preparado para lutar contra essa doença? De acordo com o Instituto Nacional do Câncer, o câncer de mama é o mais comum nas mulheres brasileiras e o que mais causa mortes. Enfrentar essa doença traz consigo os impactos da quimioterapia, os efeitos sobre a aparência e a possibilidade de retirada parcial ou total da mama.

É preciso encarar os abalos na autoestima que uma doença pode ocasionar, ultrapassando as dificuldades que surgirem e enfrentar a doença. Superação é a palavra de ordem nesse tipo de situação e diante disso, histórias surgem e nos mostram coragem, determinação e vontade de viver. Ainda de acordo com o INCA, a prevenção do câncer de mama não é totalmente possível em função da multiplicidade de fatores relacionados ao surgimento da doença e ao fato de vários deles não serem modificáveis. Depois dos 40 anos, a mamografia começa a ser um exame importante para diagnosticar a doença e é recomendado que seja feito pelo menos uma vez por ano. Além disso, é aconselhável o uso do autoexame, que pode ser feito pelo menos uma vez ao mês, prefe-

rencialmente no mesmo dia do mês. Histórico O Outubro Rosa começou em 1990, quando a Fundação Susan G. Komen for the Cure distribuiu laços cor-de-rosa, aos participantes da primeira Corrida pela Cura. A partir desse ano, a corrida foi realizada anualmente. A adesão foi crescendo e várias entidades da cidade promoveram ações visando a prevenção do câncer de mama. No Brasil, as primeiras mobilizações começaram nos anos 2000. Para mostrar a adesão à causa, a iluminação de monumentos e prédios, em todo o mundo, fica cor de rosa. Além disso, são realizadas inúmeras campanhas para prevenção e orientação dessa doença.

PREVENÇÃO Modos de reduzir (em até 28%) o risco de desenvolver o câncer de mama: * Controlar o peso corporal; * Evitar a obesidade; * Alimentação saudável;

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* Prática regular de exercícios físicos; * E Evitar o consumo de bebidas alcoólicas; * A amamentação também é um fator protetor.


Eu consegui vencer. Duas vezes.

Andréia Ferreira

Eu tive dois cânceres de mama, um em 2000, e fui tratada apenas com radioterapia, não foi necessário o uso de quimioterapia e medicação. Eu achei que estava livre da doença, mas quando chegou em 2006, quando eu achei que estava livre da doença, seis anos depois, eu tive outro na mesma mama, aí foi retirada a mama toda. Eu fiz sessenta 60 sessões de radioterapia durante 30 dias, duas sessões por dia. O primeiro dia de quimioterapia eu fui me sentindo normal, mas quando eu sentei na cadeira para começar, aí eu desabei. Não sei por que, mas eu desabei naquele momento. Em seguida eu me recuperei. As pessoas que estavam em volta, que estavam sendo tratadas também naquela hora e enfermeiros viram, mas eu me recuperei e pronto. Com certeza é Deus na nossa vida, é a vontade de viver. Eu encarei com realidade o que eu tinha que encarar. Minha filha estava com seis anos na primeira vez... eu tive que encarar. Acho que quem sofre mais em uma hora dessas é a família. Se tivesse acontecido com alguém da minha família eu acho que eu sofreria bem mais. É, eu tenho certeza que eu sofreria mais. É muito importante o apoio da família. A gente sabe que eles sofrem. E sofrem mais do que a gente, mas o apoio deles é extremamente importante e a presença de cada um deles na minha vida foi essencial. Perder uma mama, raspar o cabelo para mim não teve problema, porque eu acho que o mais importante é a saúde da gente, mas foi interessante porque foi no dia 31 de dezembro de 2006 que eu fiz a quimioterapia. Era virada de ano e a família iria se reunir... quando eu vi o meu cabelo caindo, caindo e caindo pela primeira vez, eu peguei uma máquina de raspar a cabeça e pedi a alguém que estava presente ali para tirar, mas ninguém aceitou. A minha irmã falava: não, deixa pelo menos passar o dia de hoje, deixa passar a noite de hoje, depois tira. E eu dizia: alguém, por favor, faz isso para mim e ninguém da família, quis fazer. Quando o último que estava lá em casa foi embora, eu peguei a máquina fui lá para o quintal, na casa da minha mãe, e eu mesma passei a máquina. Foi essa a minha reação. Para mim isso foi o de menos, o importante é que consegui vencer a doença. Duas vezes.

Elilde Pestana Freire , aposentada, 60 anos

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SONO ROUBADO Estudos recentes afirmam que usar aparelhos eletrônicos antes de dormir é pior para o sono do que tomar café.

Brígida Valadares e Geraldo Júnior Refaela Loiola

O que antes era apenas uma suspeita agora foi comprovado: o uso de aparelhos eletrônicos um pouco antes de dormir, como celulares, tablets, notebooks, videogames e até mesmo a velha televisão, pode fazer mal à saúde. Segundo uma pesquisa divulgada esse ano pela Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, e publicada no site Business Insider, isso ocorre devido ao contato com a forte luz das telas ou monitores, fazendo com que o cérebro entenda que ainda não é hora do sono. Esses dispositivos emitem um tipo de luz com comprimento de onda curta (luz azul) que tem um efeito muito forte de supressão da produção de melatonina, que é o hormônio indutor do sono. “Isso diz para o seu cérebro; não libere melatonina, ainda não é hora de dormir”, afirma o médico e professor de psiquiatria californiano, Dan Siegel, em seu estudo. Acordados por mais tempo, soOUT2015

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fremos as consequências negativas disso. O sono ajuda os neurônios a descansar e permite que o cérebro limpe as toxinas liberadas por eles. Ter em média oito horas de sono é de suma importância. Dormindo menos que isso, o cérebro não consegue realizar essa limpeza. Essa necessidade de horas de sono varia de acordo com a idade. Os jovens, por exemplo, são os que mais sofrem com esse fenômeno, sendo também os que mais precisam dessas horas de descanso. Segundo dados levantados por pesquisadores da revista Science Translational Medicine, as alterações no organismo provocadas pelo uso de um aparelho celular antes de dormir teriam um efeito maior que o de um café expresso. Foram avaliadas cinco pessoas por 49 dias, que usaram aplicações diferentes como a cafeína e o tempo de uso de um dispositivo móvel. O resultado mostrou que apenas um cafezinho consegue atrasar cerca de 40 minutos o sono habitual de uma pessoa, enquanto a luz de um aparelho atrasa cerca de 85 minutos. Juntas, cafeína e luz de dispositivos atrasaram aproximadamente 105 minutos no sono de alguém. A associação do celular ás do-

enças ligadas ao sono pode ter um efeito ainda pior quando o indivíduo está sob níveis elevados de stress. Entre outros agravantes relacionados a noites mal dormidas estão a diminuição da capacidade de perder calorias; a elevação do risco de doenças como o câncer de mama; o aumento das chances de um derrame cerebral; o desencadeamento de sintomas de TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade); a obesidade e a impotência sexual. A memória é outro fator que é comprometido pelas horas de descanso. Para a médica capixaba e especialista em Medicina do Sono, Simone Prezotti, da clínica Medsono, a memória é organizada em fases específicas desse período. “Na fase do sono de ondas lentas (sono profundo) e durante o sono REM (movimentos oculares rápidos) é quando a memória se consolida. A privação de sono ou um sono com qualidade ruim compromete a memória, a atenção e outras funções cognitivas”, afirma. A estudante de Direito, Bruna Teixeira Freitas, contou que se sente afetada por esse fenômeno pela distração causada em especial pelas redes sociais. “No horário em que eu devia estar me preparando para dormir e começando a me desligar das coisas, eu acabo me distraindo com as redes sociais. Quando isso acontece em uma noite no outro dia eu acabo me sentindo indisposta e cansada” comenta. Para o médico Sérgio Barros, do Centro de Diagnóstico e Tratamento dos Distúrbios do Sono do Espírito Santo (Unisono), uma forma de amenizar esses efeitos seria controlar a distância das telas dos aparelhos em relação à visão e reduzir o tempo de contato com essa luminosidade. Já para a doutora Simone, diminuir a luminosidade da tela seria outra alternativa, no entanto a mais eficaz seria evitar o uso de qualquer dispositivo eletrônico próximo ao horário de dormir.


unir para fortalecer Caroline Pina e Nadine Alves

No dia 6 de outubro, o professor Reinado Centoducatte foi reeleito reitor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) para o mandato 2016-2020. Graduado em Engenharia Elétrica pela Ufes, doutor em Física pela UFRJ e professor do Departamento de Física, Centoducatte ocupou o cargo de vice-reitor durante oito anos (mandatos 2004-2008 e 2008-2012), e de reitor por quatro anos (2012-2016). No seu primeiro mandato, teve como vice-reitoras as professoras Maria Aparecida Barreto, que faleceu no segundo ano de mandato e foi substituída pela professora do Departamento de Enfermagem, Ethel Maciel, eleita vice para o mandato 2016-2020. Primeira Mão conversou com o reitor sobre seu mandato atual e projetos para o próximo. Qual o balanço que se traz do mandato anterior como será o próximo? Nós temos que trabalhar numa perspectiva de unir todos aqueles que tem interesse e disposição em fortalecimento e construção da nossa universidade. O balanço que a gente tem é justamente nesse aspecto. Os dias de campanha, da pesquisa eleitoral, foram muito importantes para a nossa universidade porque várias propostas foram apresentadas e, certamente, contribuirão para a próxima gestão. Nessa gestão que se encera, criamos pro-reitorias, reorganizamos vários setores e reestruturamos outros. Para os próximos anos pretendemos ampliar e consolidar uma universidade que converse com diferentes mundos, uma universidade plural, moderna, inclusiva e democrática. Vamos trabalhar para melhorar o ensino e pesquisa, assim proporcionar aos dis-

centes um ambiente de ensino que lhe conceda conhecimentos. No âmbito da assistência estudantil, iremos qualificar as políticas de gestão assistencial, visando sempre a melhoria para o estudante. Em breves palavras, quais as obrigações diárias de um reitor? As principais atividades do reitor, além de coordenar a equipe, estão ligadas diretamente a um conjunto de ações que promova o funcionamento da universidade: assinatura de contratos e convênios e de todas as parcerias que sejam interessantes para as partes. Faz a interlocução e a representação da universidade junto aos demais setores da sociedade, em especial aos órgãos governamentais. Alguns etudantes questionam a sua ausência na universidade. O que você faria para mudar essa situação? Na verdade eu não estou ausente da universidade. Talvez eu esteja grande parte do tempo no gabinete sem percorrer os outros setores. Mas já na gestão anterior instituímos o Gabinete Itinerante, que conta com a presença do reitor e da vice-reitora nos campi da Ufes. Tentaremos aproximar o gabinete e a ação da reitoria de outros membros da comunidade. Faremos o possível, mas dificilmente conseguiremos estar presente em todos os espaços, pois a comunidade conta com mais de 35 mil pessoas. Diversos alunos ficam com medo de perder as bolsas estudantis e de que o preço do RU se eleve. Quais são as medidas que serão tomadas quanto ao corte de gastos e seus impactos? Uma das prioridades do uso dos recursos é que o pagamento de bolsas dos estudantes seja efetivado dentro do prazo estabelecido. Todo estudante que é bolsista tem recebido suas bol-

sas. A outra prioridade é o pagamento da mão de obra na universidade e assim, gradativamente, até chegarmos ao processo de finalização dos nossos compromissos financeiros anuais. Nós temos buscado um equilíbrio nas atividades e estamos negociando junto ao Ministério da Educação para que tenha algum tipo de suplementação ou que os cortes não sejam tão extensos. E sobre a assistência estudantil? Quando nós assumimos, tínhamos pouco mais de mil estudantes. Hoje nós temos mais de 4500 estudantes. A política nossa é atender os estudantes que necessitam do auxílio concedido pela assistência estudantil. Esse processo de integração garante a permanência dos estudantes. Outro planejamento nosso é o da moradia estudantil, cujo projeto já está registrado no MEC. O Ministério ainda não liberou esses recursos. Por enquanto, o uso da assistência estudantil para o pagamento de aluguéis, mesmo que insuficiente, é a ferramenta que temos. Vemos pelos campi obras e serviços inacabados e novos prédios em construção... Temos como definição que as obras inacabadas têm prioridade paras serem finalizadas antes de outras começarem. A não ser que os recursos de determinada obra seja carimbado, como recursos oriundos de Finep. Circula entre os alunos o boato de que a Ufes, todo mês, atrasa alguma conta para pagar outra, O que o sr. tem a dizer sobre isso? Não é boato. Algumas contas da universidade estão em atraso. Negociamos junto às empresas uma forma de pagamento, já que não estamos recebendo o suficiente para pagar todas as nossas dívidas. Mas nosso déficit está diminuindo. Estamos começando a equilibrar as contas.

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presente para o futuro Implantada em três escolas municipais da Grande Vitória, a Escola de Tempo Integral subverte o ensino tradicional

Laís Rocio Douglas Schneider

Uma escola que ressignifica a relação entre professor e aluno, os moldes de ensino e até a avaliação em sala de aula. Os alunos debatem com professores e diretores, expressam suas demandas e são parte das mudanças na escola. Assim é a Escola Municipal de Ensino Fundamental Moacyr Avidos, na Ilha do Príncipe, em Vitória. A escola, que atende alunos do sexto ao nono ano, é uma das três primeiras a implementar a Política de Ensino em Tempo Integral no município e começa, gradativamente, a apresentar mudanças no futuro do ensino no município. “A gente vai modelando a escola, não temos só dever em sala de aula”, comenta Agustim Gonzalez, 14, líder de turma e presidente do Clube de Lol (jogo digital), um dos grupos organizados pelos estudantes para discutir e praticar temas de seu interesse na escola.

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A escola em tempo integral passou a ser parte da realidade de cerca de 900 alunos do ensino público de Vitória, no início deste ano letivo, por meio do Programa de Escola de Tempo Integral, uma das vertentes do Programa Educação Ampliada. A implementação do Programa faz parte de uma iniciativa da Prefeitu-

A gente vai “ modelando a escola, não temos só dever em sala de aula

Agustim Gonzalez

ra de Vitória em parceria com outras instituições, correspondendo à uma das metas do Plano Nacional de Educação do Governo Federal, lançado em 2014. No entanto, a jornada escolar em tempo integral não é novidade na rede municipal. O Programa de Educação em Tempo Integral, projeto que existe desde 2006, como outro braço da Educação Ampliada,

oferece esse modelo de ensino aos alunos da rede municipal, atendendo a alguns alunos das escolas com projetos e oficinas. O diferencial da Moacyr Avidos e as outras duas instituições que integram o novo projeto da Prefeitura é a abrangência do ensino integral a todos os estudante das escolas e a programação curricular diversificada. Um entrelace entre as disciplinas obrigatórias, as disciplinas diversificadas (projeto de vida, protagonismo, iniciação científica e orientação de estudos) e as disciplinas eletivas reformula o ensino, o aprendizado e a vivência no ambiente escolar. “Agora, a pretensão é ampliar o alcance da educação integral a todos os alunos, estendendo a jornada escolar com atividades que favoreçam as aprendizagens dos estudantes”, explica Janine Ramos, coordenadora da equipe de implantação da Escola de Ensino Integral, sobre as mudanças do novo ensino. Em uma medida estratégica do Governo Federal e da Prefeitura Municipal com o objetivo garantir

Na EMEI Moacyr Avidos, estudantes ajudam a criar atividades que educam e desenvolvem potenciais


maior permanência nas escolas e expandir o acesso ao ensino, o Programa Escola de Tempo Integral acaba subvertendo parte do significado de escola que conhecemos. A avaliação rigorosa, a obrigatoriedade do silêncio, a passividade do aluno diante do aprendizado e a punição severa àqueles que apresentam um comportamento que destoa dos demais são valores de um ensino ultrapassado diante das desigualdades educacionais do país, das carências de uma sociedade participativa e, principalmente, de um ensino público que se encontra defasado e desvalorizado. O processo de implementação do novo modelo de ensino passou pela resistência de estudantes, professores e famílias de alunos. O aumento da carga horária nas escolas para uma programação curricular desconhecida por todos motivou o conflito com o projeto, que até hoje encontra desafios na substituição de antigos paradigmas. “O novo assusta, a gente sai da zona de conforto”, comenta a professora Rosemaria Duarte, que aderiu ao ensino de tempo integral ministrando disciplinas diversificadas e disciplinas eletivas. Potencializar a voz dos estudantes, escutá-los e ensinar a partir de suas próprias realidades não são tarefas fáceis, principalmente quando os alunos passam a atuar de forma crítica e questionadora na avaliação do ensino que estão recebendo. “Nesse modelo de ensino, o aluno deixa de ser o problema da escola e passa a ser parte da solução”, propõe Renata Nascimento, assessora pedagógica do Núcleo de Implantação do projeto. Todas as turmas têm líderes e vice-líderes, que se reúnem regularmente com os colegas para um balanço de suas necessidades e demandas para a escola. Posteriormente, os líderes se reúnem com o diretor e professores para colocar as solicitações em prática. “Na escola tradicional, havia uma briga muito grande por acharem que o aluno nunca poderia falar e sempre seria retaliado. Nesse novo modelo, eles têm uma visão muito clara do que está sendo feito, nos dando suporte e um olhar diferenciado para mu-

dar profissionalmente”, afirma Elisa Santos de Oliveira, professora que ministra português e duas disciplinas diversificadas. Uma atividade de participação política dentro da própria escola é o que realizam os alunos da Moacyr Avidos. Os debates em discussões em prol de seus próprios interesses e reinvidicações se configuram, ainda, nos Clubes Estudantis. Outra atividade que diferencia a Escola de Tempo Integral das outras, os Clubes se configuram em grupos formados e liderados pelos próprios estudantes para discutir e praticar temas de seu próprio interesse, cumprindo um dos princípios do Programa: o protagonismo dos alunos. José Maria, do 6º ano, já mobiliza e coordena o Cineclube da escola, onde, em sua primeira edição, irá compartilhar um de seus filmes fa-

“ O novo assusta, a gente sai da zona de conforto ” Rosemaria Duarte

voritos, mas afirma abrir oportunidade de sugestões de filmes pelos participantes. Já Letícia Gomes, 9º ano, presidente do Clube do Debate, cria expectativas para a inauguração do grupo no horário de almoço da escola. A temática da primeira edição do Clube será o racismo, a ser aberta por palestra de uma professora seguida de discussões entre os alunos, que lotaram as inscrições para o encontro. O Clube de Dança e o Clube de Redes Sociais são outras ações que surgem a partir da iniciativa de alunos com um interesse em comum: tornar a escola proveitosa e mais interessante. Esse é também o caso da Radioescola, que vai além da função de entreter os alunos na hora do recreio com músicas sugeridas por eles. A rádio montada com alto falantes no pátio da escola dá avisos importantes e conduz a volta dos alunos às salas de aula. O marco do protagonismo do aluno é associado à “pedagogia da presença” e ao “ensino interdimen-

sional”, princípios que pretendem modificar as relações de convivência entre professor e aluno, buscando estabelecer um contato mais próximo, afetivo e humanizado entre esses dois protagonistas da educação. “A professora nos trata de igual para igual, como se fossemos íntimos, além de nos fazer refletir sobre a nossa vida”, observa o estudante Gabriel Fernandes, 9º ano, ao descrever a disciplina diversificada Projeto de Vida, uma das matérias presentes na programação do ensino integral. As disciplinas diversificadas não têm provas de avaliação, mas representam um espaço de construção de pensamento dos alunos a partir de discussões e dinâmicas, que trazem à tona suas histórias e perspectivas pessoais, estimulando o questionamento e a experimentação. “Estamos passando por um processo em que o aluno começa a se abrir, tendo a chance de testar o que é certo e o que é errado. Muitos deles não sabiam que tinham o direito de sonhar, aqui nós estimulamos a expressar seus sonhos e quebrar algumas barreiras”, explica Kátia Bragança, professora de Português e de duas disciplinas diversificadas na escola. A apropriação de professores e alunos dos princípios e mudanças garantidos pela política de Ensino Integral representa o principal objetivo e o desafio para a expansão deste ensino, que é pioneiro a trabalhar com as séries iniciais do Ensino Fundamental em todo o país. O modelo se inspira em escolas do Ensino Médio que resultaram na ampliação da permanência estudantil, em estados como Pernambuco, Ceará e São Paulo. Com essas mudanças iniciais, a Educação de Tempo Integral já se destaca em meio à ideia tradicional de educação e escola, embora ainda esteja delimitando seu funcionamento na Grande Vitória. “Vamos ter mais uma história para contar. Lá na frente vai ser bom ter vivido uma experiência nova e única nas nossas vidas”, conclui Emely Ferreira, que cursa seu último ano na escola (9º ano) e cria novas expectativas para o futuro.

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TRADIÇÕES EM RISCO Sob o cerco do deserto verde e a mira das petroleiras, comunidades quilombolas lutam pelos seus direitos Júlia Zumerle, Luiza Marcondes e Mariah Dadalto Rafaela Laiola

Adentrando a comunidade por uma estrada de terra ainda com poças da última chuva, chega-se à planície onde acontece o Festival do Beiju. Grandes tachos preparavam as tradicionais tapiocas de Beiju e uma porção de barracas se enfileiravam no entorno do campo de futebol da comunidade, vendendo comidas feitas com produtos típicos da cultura quilombola. Numa tenda próxima às barracas, aconteciam mesas e oficinas ao longo do dia, sobre cultura, mulher quilombola, regulação fundiária, educação, ancestralidade, juventude e saúde. Durante a noite, bandas de forró se apresentavam no palco montado para o evento. Entre São Mateus e Linhares e à margem da BR 101, o Divino Espírito Santo é um dos quilombos que formam a região do Sapê do Norte, que abrange localidades nos municípios de Conceição da Barra e São Mateus e se divide em 32 comunidades quilombolas. A celebração é realizada desde 2003 e, nesta sua 11º edição, discutia-se o tema central “Terra titulada, liberdade conquistada”. O nome do festival vem do símbolo mais típico da região, o Beiju, feito a partir da mandioca. O festival foi um dos instrumentos que a população encontrou para celebrar sua negritude e preservar a memória da luta quilombola. Até meados do século XX, o Sapê foi um núcleo de resistência para aproximadas 12 mil famílias de negros que buscaram refúgio e manutenção para suas tradições. Após o processo de chegada das empresas de monocultura, iniciado durante a Era Vargas, permaneceram no local

apenas 1200 famílias, segundo estimativas da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase). Os quilombolas que vivem nessa porção geográfica se encontram ilhados no deserto verde e cercados pelas empresas de eucalipto e de extração madeireira, Fibria e Suzano; pelo agronegócio, com a DISA, usina de cana-de-açúcar, e sujeitos aos impactos causados pelas petroleiras - entre estas, a Petrobras, a Votorantim, a Chevron e a Odebrecht-, interessadas na exploração da

bacia de petróleo encontrada sob solo quilombola. Maria Aparecida Josefa, 50 anos, morou toda a sua vida na comunidade do Divino Espírito Santo. Ela conta que na área hoje ocupada por eucalipto viviam famílias quilombolas que, devido às coerções, se viram obrigadas a vender seus terrenos para buscar condições melhores nas cidades. “Hoje tem pessoas que estão regressando. O Divino é uma comunidade que sempre lutou e sempre teve a agricultura como seu forte. O eucalipto veio e tomou

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as terras, muitas foram vendidas e muitas foram griladas. E agora a gente vive a mesma coisa com o petróleo, que vem tomando essas áreas de resistência”, desabafa. A pesquisadora e professora doutora do Departamento de Geografia da UFES, Simone Batista Ferreira, diz que o marco dos direitos quilombolas foi a Constituição Federal de 1988, que se tornou o primeiro instrumento jurídico conquistado pelo movimento negro. O território quilombola passou a ser assegurado pelo artigo 68, cabendo ao Estado garantir a titulação dessas terras. Segundo Simone, apenas em 2003, por meio do decreto presidencial, a identificação das comunidades quilombolas passou a acontecer por meio da autoatribuição. “Não era a academia que ia dizer quem é e quem não é. A própria comunidade é que diz. A partir daí, muitas delas começaram a se declarar quilombolas e a pedir o reconhecimento do estado”, explica. Ela relata que os conflitos se acirraram depois da publicação do decreto de autoatribuição, porque as comunidades perceberam que também eram sujeitos de direito perante a lei, inclusive de território, e come-

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çaram a pleiteá-los. Um tratado assinado pelo Estado Brasileiro em 2002 na Organização Internacional do Trabalho (OIT), a Convenção 169, assegura aos povos indígenas e tribais o direito de definirem a sua própria identidade. “E eles têm que ser consultados previamente antes de qualquer alteração de seus territórios. O Brasil assinou essa convenção, porém não a aplica. Isso merece uma denúncia na OIT”, alerta Simone Batista Ferreira. Com seus processos de reconhecimento do solo reféns das burocracias dos órgãos públicos, dos conflitos de interesses e sujeitos à aprovação do capital, a luta dessas comunidades pela permanência na terra é recorrente em todo o Brasil. Mesmo após a titulação, os quilombos enfrentam uma longa espera até receberem das empresas de monocultura a devolução das terras que, segundo as comunidades, foram roubadas de seus antepassados em processos de invasão e grilagem. Simone conta que o processo de titulação do quilombo do Linharinho, em Conceição a Barra, está parado devido à intervenção da Fibria em Brasília. A empresa

alegou falsidade ideológica dos quilombolas na ata de autorreconhecimento da comunidade, pois muitos moradores eram analfabetos e um terceiro assinou por eles. Apesar de o Espírito Santo ter se destacado como a segunda maior província petrolífera brasileira, com uma produção de 500 mil barris diários, segundo dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), o que deveria ser símbolo de progresso vem travando batalhas com as populações tradicionais. Impactadas pela exploração do petróleo, essas comunidades têm o direito ao solo e à autonomia de seu povo colocados à prova novamente. Ao assinar a Convenção da OIT, o Estado brasileiro se comprometeu a assegurar consulta prévia para qualquer tipo de exploração do solo, mas os moradores alegam não serem ouvidos. Em defesa dos direitos desses povos foi lançada, durante o festival, a campanha “Nem um poço a mais”, que pretende alertar a sociedade sobre os riscos da dependência econômica e política do petróleo. A intenção é gerar debate sobre as consequências das comidas envenenadas pelos agrotóxicos em


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nossas mesas e as guerras provocadas por interesses econômicos nas jazidas de petróleo mundo afora. Nascida na comunidade do Divino Espírito Santo e militante do movimento quilombola, Kátia Santos teve um poço instalado em suas terras e afirma que a população dessas comunidades tradicionais tem tomado consciência de que os lucros obtidos com a exploração petrolífera não são revertidos em qualidade de vida para quem mora nos territórios ocupados. “Hoje eles estão cientes de que o petróleo não vai deixar ninguém rico. A extensão de terra que esses maquinários tomam é bem grande. No espaço de um poço cabem quase 5 mil pés de café ou 10 mil pés de pimenta. A renda que repassam para nós não vale o que se ganha com a agricultura”. Ela relata que o diálogo com a Petrobras é falho e questiona o fato de os royalties da exploração irem para o município, pois deixa a critério dos governantes delimitar quais são os locais que receberão os investimentos prioritários e, geralmente, a população das comunidades quilombolas é esquecida. “Nós somos explorados duas vezes, uma pela empresa e outra pelo poder público. A gente paga a escola de todo mundo e nossos filhos não têm escola para estudar”. Essa realidade é recorrente em outras comunidades tradicionais do Espírito Santo. “A gente não tem mais terra para trabalhar. A Petrobras fechou um contrato de servidão. Nós estamos indo no Incra, para pedir terra para poder trabalhar. Estamos perdendo as terras para esse empreendimento e não recebemos valor nenhum por isso. Nós falamos que essas empresas quando chegam contam histórias que não existem”, afirmou Kátia Penha, integrante de uma comunidade pesqueira em Regência, Linhares. Hoje ela mora de aluguel fora de suas terras porque não consegue produzir o suficiente para seu sustento no que sobrou do território. Kátia assegura que a concessão

As variedades de beiju fazem parte do patrimônio cultural quilombola e continuam sendo preparadas na casa da farinha conforme a tradição. das terras para a exploração do subsolo foi feita de forma inescrupulosa. “Eles se aproveitaram do meu pai, que não sabia ler e escrevia o nome muito mal, e colocaram ele pra assinar o contrato. Meu marido pescava no Rio Preto e hoje, quando vai pescar, a rede sai cheia de óleo e nata de petróleo. O peixe tem gosto de óleo. O câncer, que não tinha, começou a aparecer. Tem pessoas morrendo e ninguém nunca veio ver as causas. A gente tem que parar de

pensar no petróleo e pensar no que a gente come: feijão, arroz, legume. A gente não come petróleo”, defende Kátia. Os relatos dos moradores da região do Sapê do Norte mostram também a discrepância de tratamento entre as comunidades e as grandes empresas ali localizadas, que não possuem nenhum poço instalado em suas terras. De acordo com os quilombolas, algumas das estações de exploração foram instaladas nas

“nem um poço A mais” “Nós, que somos obrigados a conviver com os poços de petróleo e suas infraestruturas nos nossos quintais, mangues e águas, entendemos que este momento de crise nos cobra uma reflexão sobre o modelo de desenvolvimento calcado na “petrodependência” econômica e política em que estamos afundando o nosso país. De que nos valem os empregos gerados por esta máquina, se nossos filhos, maridos e mulheres são obrigados a destruir seus próprios territórios em troca de um salário que, em poucos anos, deixará de existir? O pescador que vende seu barco e sua rede para aterrar os manguezais onde é construído um poço, um porto, um duto, do que vai viver ao final da obra? Do que viverá sua família que perdeu o direito de pescar nas áreas de plataformas, que perdeu os mariscos nos arrecifes e coroas destruídos? De que viverá o quilombola sufocado por poços de petróleo que contaminam a terra, por desertos verdes e agrotóxicos, todo esse povo que teve a água e o ar poluídos e se contorce em câncer, embolias pulmonares e intoxicações com metais pesados? Nós dizemos que este modelo não nos serve, e não estamos dispostos a nos sacrificar e perder os nossos modos de vida em nome de um desenvolvimento que não nos diz respeito”. (Trecho da carta elaborada pelos militantes da campanha “Nem um poço a mais”)

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Os quitutes e iguarias da culinária negra ficavam armazenados em barracas próximos à casa de farinha para serem vendidos durante o festival. divisas com a Fibria para que as petroleiras pudessem puxar de dentro das comunidades o óleo localizado dentro dos limites da empresa. A Petrobras se posicionou afirmando que tem seguido a legislação vigente e atuado de acordo com as determinações dos órgãos ambientais, estaduais e federais. “A Legislação Brasileira prevê que o proprietário é dono da superfície, o subsolo pertence à União. No caso do petróleo quem responde pela União é a ANP. Portanto, toda reserva de petróleo no subsolo não pertence nem a “A” nem a “B”, pertence a quem adquire o direito de exploração junto à ANP”, esclarece a petroleira. Segundo a empresa, para perfuração de poços terrestres não há previsão legal de consulta prévia com pessoas que residam na região e declara que a anuência e a indeni-

zação são destinadas ao proprietário oficial da área aonde será perfurado o poço. “Não há nenhum poço perfurado em áreas oficialmente reconhecidas como comunidades quilombolas na bacia do Espírito Santo. Os poços localizados na comunidade do Divino Espírito Santo, em São Mateus, se encontram em propriedade de terceiros”, afirma a estatal. Além da ameaça à permanência na terra, o eucalipto é também uma das causas dos problemas hídricos que as comunidades têm enfrentado. O tema foi pautado na audiência pública promovida pelo Ministério Publico Federal na tarde anterior ao festival, em Conceição da Barra, e colocava em questão a contaminação e o assoreamento dos mananciais no município. A maioria dos presentes se identificou como quilombolas e assentados.

Mais da metade da população brasileira se considerou negra ou parda no censo do IBGE de 2014. Dessas, segundo dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), 27 mil vivem em terras Quilombolas. De acordo com pesquisas da Fase, das 3.500 comunidades autoidentificadas, 1 mil foram reconhecidas pela Fundação Palmares e apenas 185 conseguiram titulação do solo. Dos 32 quilombos identificados no Sapê, 28 são reconhecidos e nenhum possui titulação.

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“O problema que nós estamos passando não é porque você bebeu um copo a mais de água ou lavou sua calçada; esse desastre foi causado pela chegada das grandes empresas aqui, o que muita gente chamou de desenvolvimento. Quanto veneno que é proibido lá fora está sendo usado nesses monocultivos? Os nossos irmãos estão sendo expulsos, as terras estão sendo tomadas para dar lugar a essa monocultura. Existe toda uma conjuntura aqui que tem impactado muito as pessoas que estão no campo e consequentemente na cidade. Porque se o campo não planta, a cidade não janta, se o campo não roça a cidade não almoça”, conclui Chapoca, morador da comunidade quilombola do Linharinho. Ele chamou a atenção para a calamidade que atinge Conceição da Barra, com quase 90% de seu território ocupado por eucalipto e cana de açúcar. . Procurada para falar sobre as questões levantadas, a Fibria não apresentou respostas até o fechamento da reportagem. Maria do Rosário, quilombola e líder comunitária, disse que as comunidades estão inseguras em relação à qualidade da água, impactada pelas grandes empresas que se instalaram na região e pelos cultivos de eucalipto e cana-de-açúcar. A cana, depois de sua destilação, libera um resíduo mal cheiroso conhecido como vinhoto que, quando o plantio é inundado, escoa para rios e córregos. Segundo Jorge Alexandre, membro de comunidade quilombola, outro fator agravante da questão hídrica é a omissão das esferas municipal, estadual e federal. Apesar da água nas comunidades quilombolas estar desqualificada para o consumo, as estações de saneamento implementadas pela Cesan em parceria com as prefeituras dentro dessas comunidades permanecem sem manutenção desde 2006. “Nós estamos perdendo muitos companheiros, tem gente morrendo, ficando cega e nós não sabemos de verdade as causas, não temos um diagnóstico preciso”, lamentou.


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a arte de dar vida às bicicletas Mais do que um meio de transporte, uma companheira.

Ariane Barbosa

Magrela, bike, camelo, ou mesmo bicicleta, quem nunca teve uma dessas na vida, seja por diversão ou meio de transporte?! As bicicletas podem ser encontradas em modelos diferenciados para cada tipo de ciclista, profissional ou não. Alguns preferem as convencionais, sem nenhum tipo de customização, outros preferem que elas tenham um estilo próprio, algo que as diferenciem no meio de muitas outras. As possibilidades de customização/estilização são infinitas e depende muito do que o dono está procurando. Adepto da simplicidade, o estudante do Ifes de Aracruz Ariel Luiz Barbosa, 16 anos, decidiu comprar o quadro usado, e apenas o pintou de preto fosco, aplicou três fios em vermelho, amarelo e verde (as cores do reggae) e montou sua bicicleta. Ele já tinha uma, mas não fazia muito o seu estilo. Preferia um quadro circular (daqueles antigos). A customização de bicicletas já oferece oportunidade para novos negócios. É o caso de Dora Moreira, artista autodidata, que hoje se dedica à arte da customização de bikes. Seu trabalho de estilização surgiu em 2007. Dora trabalhava

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numa empresa de telefonia móvel e precisava de uma bicicleta mais urbana. Não queria qualquer uma, mas algo mais personalizado, o que foi obtido com peças selecionadas e bom gosto. A carreira se solidificou mesmo após a saída do serviço, em 2011, quando, a pedido da filha, reformou uma Caloi Poty exatamente como

“A bicicleta sempre foi o principal meio de locomoção na minha família.” ela queria. “Todos que passavam na rua ficavam encantados e perguntavam aonde havia comprado, e quando a filha dizia que tinha sido sua mãe, logo perguntavam mais uma vez: Ela faz para outras pessoas?.De repente, por onde eu andava as bicicletas brotavam na minha frente. Comecei a não lutar mais contra a ideia e aceitei tudo o que vinha. Eu não procurei, veio a mim”, afirmou. “A bicicleta sempre foi o principal meio de locomoçã na minha família, que veio do Ceará

para o Espírito Santo em busca de melhoria de vida”, afirma. Sempre que tinha oportunidade estava em contato com ela, “limpava as rodas, lustrava os raios, olhava cada detalhe, mexia até prender os dedos entre a corrente e a coroa”. Dora não faz nenhuma bicicleta igual a outra. “Meu negócio é transformar, reinventar, recriar e não reproduzir. Respeito a individualidade dos seres humanos e gosto de ressaltá-las no trabalho. Busco a essência da pessoa que procura o meu trabalho e entrego todo o esforço necessário para tornar o processo uma experiência única e lúdica, porque quero que a bicicleta transforme a vida da pessoa para o bem dela e do planeta”, relata. Para a estudante de Jornalismo Luísa Perdigão, a utilização da bicicleta veio junto com a Ufes. Por morar próximo, decidiu adquirir uma para não precisar pegar ônibus. Ela afirma que com a necessidade de ter uma bicicleta só dela e não dividir com a mãe, foi procurar modelos que achava interessante, e em uma dessas procuras encontrou uma Brisa já reformada. Não tinha muita preocupação com a customização

em si, mas como gostou do modelo e o preço era bom. Juntou o útil ao agradável. Seja pelo carinho, pela utilidade

“De repente, por onde eu andava as bicicletas brotavam na minha frente [...] Eu não procurei, veio à mim...” ou pela facilidade, ter uma companheira dessas é sempre bom. Em tempos de crise como a que afeta o pais é melhor ainda pensar em utilizar outro meio de transporte que não seja carro ou moto. E imagina só ter uma bicicleta com uma personalidade embutida. Não importa a maneira como se chegou ao estado dela, seja comprada já pronta, seja feita pelo próprio dono, ou por alguém que a transforme numa peça única. O importante é que o mundo esteja com tanta alegria, delicadeza, personalidade, e tantos outros adjetivos e sentimentos como estes espalhados por ai.

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Maconha na pauta do STF A possibilidade de descriminalização do porte da maconha está nas mãos o STF. Defensores da causa reforçam mobilização O debate sobre políticas voltadas para o uso e o porte de drogas retornou ao Brasil no mês de agosto, após o caso do mecânico Francisco Benedito da Silva chegar ao Supremo Tribunal Federal (STF). Flagrado em 2009 com cerca de três gramas de maconha no Centro de Detenção Provisóra de Diadema (SP), Silva, que estava na preso por outras razões, ganhou uma nova condenação. Ele começou a ser julgado em 2010 tendo como advogado o defensor público Leandro Castro Gomes, da Defensoria de Taubaté (SP). Mesmo diante de uma condenação considerada branda - dois meses de prestação de serviços comunitários - o defensor decidiu recorrer ao STF confiante na inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas, de 2006, que enquadra o porte de substancias ilícitas como crime. Para Gomes, consumir drogas é um ato privado e a Lei fere o princípio da inviolabilidade da vida íntima, previsto na Constituição. O debate no STF se tornou um dos mais polêmicos dos últimos tempos e segue a passos lentos, com interrupções por pedidos de vista. Desde setembro, a análise da matéria está parada. Até o momento, segundo a imprensa nacional, três ministros já votaram em favor de não se considerar mais infração criminal o porte de maconha para uso pessoal. Restam ainda os votos de oito ministros. A descrimanlização da maconha conta com diversos defensores. O coletivo Marcha da Maconha é um dos mais atuantes da causa. No Espírito Santo, desde 2008, todos os meses de maio, simpatizantes saem às ruas para reafirmar a defesa da liberação da maconha. Integrante do coletivo Marcha da Maconha, o estudante de gaduação da Ufes Filipe Borba, em entrevista à revista Primeira Mão, analisou o caso e defendeu a adoção de leis mais justas e eficazes, que respeitem a cidadania e os Direitos Humanos.

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Júlia Pavin e Thamara Machado

Como e quando surgiu a Marcha da Maconha no Espirito Santo? Surgiu em 2006, quando marcamos um encontro com debate e exibição de filmes na Ufes. Dois anos depois aconteceu a primeira Marcha. Agora está tomando uma proporção maior, ocupando outros espaços, outros públicos. Quais são as principais bandeiras que o movimento da Marcha da Maconha, aborda? O movimento quer um novo modelo para se tratar as substancias que hoje são ilícitas num possível mercado legal. A gente tem trabalhado para a construção de propostas mais concretas dentro do Legislativo. O debate atualmente tomou proporções maiores, principalmente agora com o STF discutindo a legalização a gente precisa estar preparado para levantar propostas e criar um modelo que combine com a nossa sociedade. A nossa realidade é diferente dos países que já legalizaram. Nós temos a questão da violência muito forte, problema social que é maior que o problema do tráfico de drogas em si. Você acha que se houver a legalização, outros problemas como a questão do tráfico e da criminalização da pobreza se resolveriam? Eu acho que as drogas não são o grande problema social do Brasil, existem problemas muito maiores, mas com certeza esse álibi que se usa para criminalizar a pobreza é muito forte. Hoje em dia, é o tráfico que mais prende e que mais mata. Sendo assim, seria com certeza um avanço significativo, mas não resolveria todos os problemas sociais do país. No entanto, a legalização aliada a outras políticas sociais de saúde, educação, seria um avanço importante para

minimizar a criminalização da pobreza que existe atualmente. Você acha que a proposta de descriminalização está avançando? Sim, o próprio julgamento no STF é um avanço considerável, é uma prévia de que as coisas podem melhorar. Por isso, mos últimos anos o movimento tem se organizado melhor, abrangendo mais áreas, inclusive com aqueles que defendem o uso medicinal Em janeiro deste ano a Agencia Nacional de Vigilancia Sanitária (Anvisa), regulamentou o canabidiol para uso medicinal. Você considera isso um avanço na luta pela descriminalização? Com certeza é um avanço, pois pensamos a substância em si de uma outra maneira, envolvendo saúde pública e a vida de muitas pessoas que dependem da substância, mas ainda assim é um avanço tímido. Porque lutar pela legalização e descriminalização? Para mim é uma questão social importante. Foi o movimento social que eu me identifiquei e ajudei a construir desde o início. Eu e muitos amigos já passamos por diversas situações ruins por sermos usuários, por isso vejo como algo importante a ser discutido. Além disso, moro perto de um local onde se trafica e vejo isso como um problema muito presente, muito visível. Acho que é uma questão de lutar pela nossa liberdade. Hoje em dia quem quer fumar um baseado fuma, inclusive o comércio das drogas é onde você vai de segunda a segunda, 24hs por dia, sete dias por semana e encontra um lugar pra comprar e fazer o uso. O problema é nós não termos nossa liberdade e sermos criminalizados.


CERVEJA ARTESANAl GANHA MERCADO Fabricadas em pequenas cervejarias, as cervejas artesanais estão conquistando admiradores Carina Costa

O verão se aproxima e a melhor opção para amenizar o calor é a boa e velha cerveja. Antigamente, era comum chegar a uma mesa de bar e pedir a cerveja “de sempre” - aquelas tradicionais das grandes indústrias que todo apreciador de cerveja já experimentou-. A questão é que hoje as coisas mudaram e as opções de cervejas se tornaram diversas. As pessoas que gostam da bebida passaram a aderir às novas e inúmeras opções que surgiram no mercado. A nova tendência é ficar em dúvida na hora de escolher a bebida, diante dos imensos cardápios de cervejas dos bares e restaurantes. Na cidade de Vitória é possível encontrar um amplo leque de estabelecimentos que oferecem essas cervejas. O O’Frank Irish pub, localizado na Mata da Praia possui um variado cardápio e o mais interessante é que oferece chopes de cervejas produzidas no próprio estado. Os garçons do pub também dão dicas para ajudar aqueles que não entendem muito do assunto na hora de escolher a cerveja. O produtor da primeira cervejaria artesanal capixaba, José Olavo Médici, de Viana, conta que a produção da bebida no Brasil tem um crescimento de 10% ao ano. Médici ainda diz que na Europa e nos EUA o segmento de cervejas artesanais já era uma tradição e que no Brasil essa cultura está sendo descoberta agora. “O Brasil tem o hábito de consumo de um tipo de cerveja, que é industrial pilsen. E agora o consumidor brasileiro está tendo a oportunidade de experimentar, de ver o que é uma cerveja realmente bacana, tipo puro malte. Está tendo essa oportunidade, e consequente o consumo está aumentando.” Ainda sobre a expansão do mercado de cervejas, José Olavo diz que essas bebidas estão ganhando espaço nas prateleiras dos supermercados. O produtor ainda acredita que essa expansão do mercado cervejeiro é um caminho sem volta, porque agora as pessoas estão tendo a oportunidade de experimentar uma cerveja artesanal bacana. Muitos têm comprado essas cervejas

para experimentar as mais diferentes marcas disponíveis. José Olavo compara esse movimento com o que aconteceu com o vinho na década de 90. “O que está acontecendo com a cerveja hoje é o que aconteceu com o vinho há 20 anos. Há 25 anos a gente não tinha acesso a vinhos importados, tomava vinho de garrafão, de baixa qualidade. Aí quando o brasileiro começou a ter a oportunidade de experimentar um vinho de boa qualidade, começou também esse mesmo processo. O mesmo processo que aconteceu com o vinho está acontecendo com a cerveja. A cerveja, ela é uma bebida que apesar de popular, é uma bebida que você consegue harmonizar com pratos, definir aroma, definir sabor, definir amargura. Ela tem praticamente o mesmo ritual de um vinho, porém de uma forma mais simples.” O estudante William Acosta, que é um apreciador das cervejas artesanais acredita que a explosão do consumo facilitou o acesso às cervejas, entretanto, criou-se uma cobiça sobre essas bebidas e fez com que o preço subisse consideravelmente. “Essa explosão pode ter, de certa forma, a culpa na desqualificação das cervejas artesanais, já que muitas cooperativas vão em busca de venda de produto, e em segundo plano de qualidade.” Como consumidor, William prefere as cervejas escuras com muito lúpulo e as de café, mas também não abre mão das lagers maltadas. Em relação aos estabelecimentos, possui preferência em ir àqueles que são próprios para a venda de cerveja e consumir em casa. Para aqueles que gostam de cerveja e ainda não tiveram oportunidade de experimentar alguma produção artesanal, vale a pena dar uma chance às novidades e buscar nos estabelecimentos, como supermercados, pubs, bares e restaurantes. A primeira cerveja artesanal capixaba, Else Beer, pode ser encontrada nos supermercados e é possível agendar visitas à fábrica, localizada em Viana pelo telefone (27) 99232-4125.

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COMPRAR OU ADOTAR? A ESCOLHA É SUA! A compra ou adoção irresponsável de animais aumentam o número de cães e gatos abandonados nas ruas.

Jéssyka Saqueto Rafaela Laiola

Segundo a Organização Mundial da Saúde, atualmente existe no Brasil mais de 30 milhões de animais abandonados vivendo na rua. Destes, 20 milhões são cachorros e 10 milhões gatos. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o senso feito em 2013 mostrou que em 44% dos quase 60 milhões de lares brasileiros vive algum animal de estimação. Provavelmente, o leitor perspicaz vai elaborar um cálculo rápido e chegar à conclusão: se a outra metade dos domicílios da família brasileira adotarem um animal de rua, será o fim dos problemas dos animais abandonados! Porém, não é tão simples assim, porque ainda há preconceito em relação a animais mestiços, conhecidos como “vira-latas”. A opção acaba sendo recorrer aos pet shops, onde podem ser encontrado os que têm pedigree ou, mesmo que não o tenha, os que provêm de raças específicas. Segundo a Associação Brasileira da Industria de Produtos Para Animais de Estimação (Abinpet) o faturamento dos pet shops, em 2014, foi de 16,7 bilhões, (incluindo desde ração, apetrechos até a venda de animais), colocou o Brasil em 2º lugar no mundo entre os países que mais gastam com seus animais de estimação. Logo, enquanto temos uma das maiores economias nesse

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segmento, o incentivo à adoção fica em segundo plano, dependendo exclusivamente de ações de Organizações Não Governamentais (Ongs) para tentarem amenizar o drama dos animais que vivem na rua. Uma dessas Ongs, a Patinhas Carentes, localizada na cidade de Vila Velha, região metropolitana da Grande Vitória/ES, tem sido uma incentivadora do ato de adoção, além de cuidar provisoriamente de animais recolhidos nas ruas, até que eles encontrem um lar definitivo e responsável. O grupo foi criado em 2008, quando as universitárias Paula Kuhnert, Taíse Rodrigues, Ana Luiza, Alessandra Ceccato e Priscila Siqueira, começaram a se engajar na causa animal. As primeiras ações com animais abandonados foram com os cachorros e gatos que viviam na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Segundo as integrantes do grupo, o progresso foi lento e penoso, mas graças ao trabalho árduo e à ajuda das pessoas, o grupo atualmente conta com sede, abrigo próprio e integrantes fixos. No entanto, apesar de ter um local para abrigar os animais abandonados, a maioria deles precisam viver em lares provisórios. “Muitos dos animais acolhidos vivem provisoriamente na casa das voluntárias, que são consideradas madrinhas, devido a conflitos com os vizinhos da sede e, também, para evitar todos os problemas decorrentes da superlotação do abrigo”, informa Ana. Todo o trabalho

realizado pelo grupo é voluntário e não recebe apoio de empresas ou governo. Os custos são mantidos por meio de doações e parcerias com clínicas veterinárias. Como adotar O processo de adoção é simples e geralmente rápido. Para adotar os animais acolhidos pelo Patinhas Carentes é necessário o preenchimento de um questionário e o envio de fotos do local onde o animal vai viver, sendo às vezes obrigatória a visita domiciliar pelas voluntárias. O grupo administra uma página no Facebook onde publica as fotos dos animais disponíveis para adoção e as datas das feiras, e podem ser propostas doações para manutenção do abrigo. Caso opte por adotar lembre-se que você está retirando um animal que provavelmente já viveu na rua e que também pode ter sofrido maus tratos. Tenha paciência para conquistar a confiança do pet e planeje cuidadosamente se ele terá espaço na sua vida, independente de mudanças, condições financeiras ou que o bichinho cresça demais. Se o Brasil é o segundo no ranking dos países que mais gastam com os bichinhos, porque temos a população da Oceania em animais abandonados por aqui? Segundo uma das fundadoras do grupo Patinhas Carentes, Paula Kuhnert, os números exorbitantes de animais em situações de rua se dão por uma cascata de fatores. O primeiro e mais recorrente é o ‘fogo de pal-


HORA DE AJUDAR Você pode contribuir para minimizar o sofrimento desses animais doando dinheiro, ração, remédios, serviços, carinho, amor ou seu próprio lar. Procure um grupo em que você mais se identifique e participe. Ou ajude sendo responsável na hora da compra de um animal.

ha’, “isso acontece quando a pessoa é presenteada com um animal ou deseja ter um porque o amigo também tem. Depois que passa a empolgação ou quando o animal cresce, o interesse diminui e o animal é solto na rua, normalmente longe da residência, para não correr o risco de o animal encontrar o caminho de volta para o ‘lar’”, ressalta Paula. Em seguida, vem motivos familiares, mudança de residência, desconhecimento das necessidades do animal, compra ou adoção irresponsável ou ninhada indesejada. Bom exemplo Em Mascalucia, cidade na região da Sicília com cerca de 30 mil habitantes, a Câmara de Vereadores local aprovou um projeto que dá desconto de 50% na conta de coleta de lixo para quem adotar animais nos canis da prefeitura. A arrecadação de impostos da prefeitura cai com a iniciativa, mas a cidade economiza o equivalente a 500 mil reais em abrigos para animais abandonados.

Mas para evitar que alguém adira à campanha só para conseguir desconto, a prefeitura fiscaliza a casa e o bicho duas vezes por ano, verificando se não houve abandono ou maus-tratos e priorizando a adoção responsável.

Da rua para casa: como o animal é preparado para adoção Após o resgate de gatos ou cães abandonados, eles passam por consulta veterinária e exame de sangue, vermifugação, vacinação e pequenas cirurgias, se necessário. Por fim, todos os animais são castrados e então encaminhados para adoção responsável, que é realizada em sua maioria nas feiras realizadas pelo grupo. A maioria dos resgates é feita nas ruas, mas, eventualmente, também são acolhidos animais cujos donos não podem mais mantê-los.

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altas doses as séries de televisão vêm conquistando cada vez mais público e criando um novo hábito de consumo, as maratonas Kayque Fabiano e Juliana Benichio

Os seriados americanos passam por sua melhor fase. Nunca antes na história da televisão foram tão assistidos. Game of Thrones, The Walking Dead e House of Cards são exemplos de séries que, além de terem alcançado uma audiência indiscutivelmente grande, ganharam uma enxurrada de fãs. Eles acompanham todos os episódios com rigor, e compartilham suas impressões em fóruns, blogs e comunidades online. Alguns seriados já foram capazes de roubar frequentadores do cinema durante a exibição de um episódio especial. Na noite de 06 de maio de 2004, em que o último episódio de Friends foi ao ar, por exemplo, poucas pessoas se encontravam nas ruas, bares ou cinemas. Estima-se que aproximadamente 54 milhões de espectadores acompanharam o final da série em todo o mundo. Não é por acaso. O sucesso dos seriados dessa nova “era de ouro” da televisão é resultado de vários ingredientes capazes de criar uma identificação direta com o público e de fazer com que ele fique na expectativa e “necessite” acompan-

har o próximo episódio. Porém, o que vimos nos últimos anos é que, cada vez mais, o público está assistindo às narrativas seriadas de uma forma não segmentada. São as chamadas “maratonas” ou, do inglês, “bing-watching”, que nada mais é do que o ato de se assistir vários episódios de um mesmo programa em seguida, sem pausas ou hiatos. A estudante de Publicidade da Ufes, Jessica Ribeiro, diz que prefere ver suas séries favoritas em maratona. “Não aguento ver só um episódio por semana, ainda mais se eu sou viciada na série, fico muito ansiosa. Também gosto de assistir aos episódios no pique, sabe? Às vezes esse intervalo de uma semana me desanima”. De acordo com o professor do curso de Comunicação Social e coordenador do núcleo de Produção Audiovisual da UFES, José Soares Junior, em boa parte da história da TV só era possível assistir à programação no fluxo contínuo. “Tecnicamente, só foi possível quebrar o fluxo com a chegada dos videocassetes nos anos 80. Podíamos gravar seletivamente e assistir mais tarde. Mas as chamadas maratonas só viraram costume com o lançamento das temporadas em DVD,

Friends: 54 milhões de espectadores acompanharam o final

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no começo da década passada. Era a exploração, pelo mercado, de um outro público, aquele que ainda não assistiu, somado àquele que queria reassistir”, analisa. Então a prática de se realizar maratonas de séries não é exatamente nova: antes do surgimento dos serviços de streaming ou da popularização da internet banda larga, os grupos de fãs já costumavam se reunir durante os hiatos das suas séries favoritas para assistir a vários episódios passados de uma vez, inicialmente por meio de boxes em fitas VHS’s, DVDs, e mais recentemente bluray. A diferença agora, é que a tecnologia trouxe a prática para o público comum, qualquer um com acesso à internet pode baixar os episódios e assistir-los em seqüência. As novas produções já focam nisso. Jose Junior diz que “os episódios e as temporadas são escritos já levando em conta a possibilidade de que os espectadores assistirão, não necessariamente no momento em que for ao ar. Aliás, a maior parte do faturamento de uma produção já vem das reprises, das vendas de DVDs, streaming,etc.” A facilidade de encontrar diversos seriados, e todos os seus episódios, em um mesmo lugar também são características de serviços online como a Netflix, o Hulu, e a Amazon. Essas são empresas que oferecem um generoso acervo de séries e que têm a políticade soltar todos os episódios de uma vez, que podem ser assistidos em TVs, computadores, tablets e smartphones, potencializando o consumo dessas séries em “altas doses”. Até mesmo as redes de televisão tradicionais estão se rendendo ao formato. No último ano, o canal por assinatura Warner Channel exibiu a última, e inédita, temporada de


Fringe em um formato direto, sem intervalos, durante horas em sua programação. Canais como a HBO já possuem seu próprio serviço de streaming. Gigantes como a Rede Globo planejam lançar novidades na área e potencializar o seu provedor, Globo.com. José Junior explica que no final dos anos 90, os canais a cabo, especialmente o HBO, resolveram partir para produções ousadas como forma de conquistar um público adulto. “Isso funcionava como um lastro para que as operadoras incluíssem o canal no seu cardápio. Logo depois, perceberam que até mesmo comercialmente essas séries são vantajosas”, afirmou. O costume de assistir séries de forma não seriada está se tornando tão popular que acaba por influenciar e trazer maior complexidade aos textos e às produções. No caso dos serviços online, as séries originais da Netflix, por exemplo, são pensadas, roteirizadas e produzidas para serem assistidas em um formato de maratona. Não é preciso lançar mão de artifícios consagrados nas fórmulas das séries, como ganchos e recapitulações antes de cada episódio. Não é preciso ficar na expectativa durante toda a semana, basta esperar alguns segundos até começar o próximo episódio. Claro que os ganchos entre um e outro continuam deixando as séries interessantes, mas eles passam a não ser tão necessários. José Junior cita o escritor Salman Rushdie, que diz que algumas séries chegam a um nível de complexidade textual comparado a literatura, isto é, o formato mais longo dos seriados permite um aprofundamento que é percebido na literatura. “Ninguém consegue fazer uma leitura aprofundada numa única experiência. A primeira leitura é uma ‘leitura inexperiente’. Toda boa obra requer pelo menos uma segunda leitura pra que os signos, os sinais deixados pelo texto, sejam mais bem percebidos”. Quando já sabemos quem é o assassino, por exemplo, conseguimos, numa segunda leitura, enxergar pistas largadas ao longo da narrativa que já o indicavam. José Junior afirma que a sofisticação narrativa dessas séries nos

House of Cards, do Netflix: todos os episódios dae cada temporada de uma só vez permite assisti-las pela segunda vez e viver uma nova experiência. “É quase como assisti-las por um novo ângulo”, citou. O público que gosta de maratonas costuma ser, além de mais fiel, mais interessado no aprofundamento da sua leitura. Existem comunidades na internet, por exemplo, que desvendam e compartilham signos identificados nessas leituras e que passam despercebidos por muitos espectadores. Diante desse fenômeno, os autores das novas séries não economizam sua criatividade, tendo a certeza de que suas intenções serão percebidas pela audiência. Desde pequenos, estamos acos-

tumados a assistir às narrativas seriadas. O poder de conhecer os personagens, as suas faces, seus objetivos, nos faz torcer por eles e nos afeiçoar. Todos esses elementos fazem das séries de TV um instrumento de entretenimento completo. Mas vale lembrar que a TV em fluxo não irá acabar, mas sim coexistir com esse novo hábito mundial. O novo jeito de “ver séries” trouxe mudanças e vantagens para o produto audiovisual e para o mercado. O produtor alcança seu objetivo de atingir o público e vender seu produto e o espectador, por sua vez, tem acesso a uma variedade muito maior de séries para assistir.

A série The Walking Dead é bate record de audiências a cada temporada

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A DANÇA NO COMBATE À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER “Solte o cabelo, deixe a trança balançar” é o novo tema da Cia de Dança Andora em referência ao feminicídio

Vil Rangel Marcio Martins

Presente na Universidade Federal do Espírito Santo há sete anos, a Cia de Dança Andora, também chamada de Grupo Parafolclórico Andora, tem papel de destaque no reconhecimento do folclore capixaba e brasileiro ao redor do mundo. O grupo é fruto de um projeto de ensino, pesquisa e extensão com sede no Centro de Educação Física e Desportos. O objetivo da Cia de Dança é a formação de professores para atuação direta no ensino do folclore em escolas e comunidades do ES. O grupo realiza pesquisa durante suas apresentações, onde coletam dados e os difundem nos laboratórios e oficinas, produzindo material didático e criando as coreografias para eventos futuros. Toda a produção é registrada, armazenada e disponibilizada para o público. O Andora conta atualmente com 28 integrantes. Entre dançarinos,

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músicos, equipe técnica e o professor coordenador, Antônio Carlos Moraes. O grupo é composto por alunos de licenciatura em Educação Física, História, Pedagogia e por professores já formados em várias áreas. Há também alunos de outros cursos e membros da co-

“No méxico,

a Cia de Dança Andora deu continuidade ao seu trabalho contra o feminicídio

munidade externa à universidade. O grupo, constantemente, abre espaço para novos membros. Este ano, o Andora lançou um novo tema para as apresentações, direcionado para o combate à violência contra a mulher. A professora de Educação Física e membro do grupo, Cecília Nunes da Silva, fala sobre o processo de escolha dele para essa temporada: “Numa das discussões que sempre fazemos, uma das meninas destacou o fato de o Espírito Santo estar pre-

sente na lista de estados que mais matam mulheres em todo o país. O grupo ficou com esse tema no ar, e pelo fato de o grupo ele ser formado, em sua maior parte por mulheres o escolhemos para a temporada deste ano. Nossa proposta foi evidenciar das diversas manifestações, seja no jongo capixaba ou no xaxado nordestino com Lampião e Maria Bonita, a presença da mulher.”. Antônio Carlos, coordenador do projeto, deu todo apoio à escolha. Ele relata que o grupo já tem essa tendência, pois quando se trabalha com a cultura popular, a participação da mulher e é de extrema importância. “Somos um grupo que começou apenas com mulheres; os homens foram chegar depois, timidamente, e ainda são minoria. Então, a gente já tem essa marca. A ideia de que a cultura africana influencia a gente nessa direção matriarcal. Quando observamos, por exemplo, a história dos Terreiros de Candomblé da Bahia, o papel de liderança da mulher é visivelmente marcante, uma vez que o homem não herda a direção do terreiro”, afirmou.É a primeira


o folclore capixaba ganha o mundo Durante o mês de julho deste ano, o grupo de dança Cia Andora participou, no México, de dois festivais internacionais de folclore: O XIV Festival Internacional de Folclore de San Pedro Atocpan, na Cidade do México, e o XX Zacatecas de Folclore Internacional, em Zacatecas. Mestre em Educação Física, dançarina e integrante da comissão de ensaio do grupo, Cecília Nunes da Silva, participou das apresentações e conta um pouco de sua experiência durante os eventos em uma entrevista à revista Primeira Mão. Como foi participar dos festivais internacionais? Foi uma experiência riquíssima. Além de mostrar a nossa cultura para os mexicanos e diversos outros países, pudemos desenvolver nossa formação em muitos quesitos. Todos do grupo tiveram que se expressar em espanhol, visto que no primeiro festival fomos hospedados pelas famílias da cidade onde acontecia o festival, o que além de nos colocar em contato absoluto com a língua nos permitiu um intercâmbio cultural constante. Tivemos a partir daí a chance de conhecer parte da história dos mexicanos, contada e mostrada pelos seus habitantes e, assim de nos reconhecermos como irmãos latinos que compartilham um mesmo calor, respeito e amor pela sua cultura, pela sua nação. Qual a experiência de ter participado de uma abertura de Copa do Mundo? Na verdade nós participamos de toda a Copa do Mundo. O Ministério da Cultura lançou um edital, no qual grupos de um estado poderiam participar, mostrando sua produção cultural, em alguma cidade sede. Nós fomos selecionados e pudemos passar uma semana em, Manaus, mostrando a cultura

capixaba para os manauaras e todos os turistas que naquela cidade se encontravam. Foi uma experiência muito bonita e gratificante porque para nós é sempre uma alegria e privilégio mostrar e ensinar sobre a cultura popular capixaba. Como é andar pelo mundo mostrando o folclore capixaba? Como o grupo é composto majoritariamente por estudantes de licenciaturas e por professores já formados, poder viver experiências assim é de uma riqueza sem tamanho. Todos os membros do grupo já trabalharam em suas escolas e nos projetos sociais que desenvolvem o folclore nacional e capixaba com a riqueza dessas experiências. Creio que a partir dessas viagens desenvolvemos e valorizamos a identidade capixaba, a identidade nacional e, ao retornar, levamos para as crianças e jovens, por meio da educação, a oportunidade de compreender e conhecer o que foi historicamente construído pelo nosso povo, o que é absolutamente de direito dessas crianças e jovens. Além disso, os festivais que participamos nesses diversos países trabalham com a ideia de cultura de paz entre os povos e acreditamos firmemente que por meio da arte pode se plantar a paz.

Marcio Martins

vez que o grupo trabalha com um assunto fortemente político, que levanta além da cultura, outras ações e de certa forma, esperam que ajude a conscientização para o tema que merece ser divulgado para mostrar sua importância para a sociedade. Daí surgiu a ideia de utilizar o trecho “solte o cabelo, deixe a trança balançar”, retirado de uma música de congo estadual, para intitular a peça. A temporada teve sua estreia no Teatro Universitário, no início deste ano, e contou com a presença da professora Maria Beatriz Nader, referência estadual no estudo do feminismo e da história da mulher. Antes do show, a professora fez uma pequena palestra como introdução ao tema, realizou um debate sobre o assunto e iniciou a campanha de assinaturas de uma lista criada pelo grupo sobre a questão da violência contra a mulher no estado e no Brasil. No México, a Cia. Andora deu continuidade ao seu trabalho contra o femincídio (morte intencional de pessoas do sexo feminino), apresentando sua proposta a outras companhias de dança internacionais, que também participavam dos festivais. Cecília conta que no princípio a aceitação não foi das melhores, talvez por ser o México também um país machista e que enfrenta essas discussões. Mas, com o passar dos dias, as pessoas foram conhecendo melhor a causa através de cartazes e palestras explicativas e antes e durante as apresentações conseguiram várias assinaturas na lista. O fato de os eventos serem organizados por mulheres que também trabalham essa causa em seu país ajudou na aceitação e apoio as brasileiras. No retorno ao Brasil, a Cia de Dança levou a lista para ser entregue à Maria da Penha, que deu nome a lei que protege as mulheres vítimas de agressões. Na ocasião, Maria da Penha recebeu um grupo de integrantes da companhia, foi bem receptiva, assinou a lista, mas disse que o trabalho merece continuar e que não ficaria com a lista, que já conta com cerca de 600 assinaturas e acompanha o grupo em suas apresentações. Os que se tocam pela causa podem procurar o grupo para assinar.

Cecília Nunes, mestre em Educação Física e dançarina.

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OLIMPÍADAS a VISTA! nove cidades do Espírito Santo estão na rota da tocha olímpica. O Estado também tem possibilidade de receber delegações para treinamento

Bruna Vermeuln e Lucas Donato

Parece que foi ontem, mas já se passaram seis anos desde a cerimônia realizada em Copenhague, Dinamarca, que escolheu o Rio de Janeiro para sediar os Jogos Olímpicos de Verão de 2016. O Rio venceu a disputa com cidades como Madrid, Tóquio e Chicago, fazendo com que o evento esportivo fosse levado pela primeira vez a terras sul-americanas. A trajetória dos Jogos Olímpicos contrasta história com mitos. De acordo com os historiadores, desde o ano 800 a.C., os gregos realizavam, na cidade de Olímpia, eventos esportivos em homenagem aos deuses, principalmente à Zeus. Essas competições, que normalmente aconteciam de 4 em 4 anos, atraiam pessoas de vários lugares, suspendendo até conflitos entre cidades. Os participantes competiam em provas atletismo, luta ou

pentatlo, recebendo coroas de folha de louro como premiação. Mas, em 394 d. C, com a Grécia já dominada pelos romanos, os jogos, considerados pagãos, foram proibidos pelo imperador Teodósio II, após a conversão deste ao cristianismo. O evento foi retomado apenas em 1896, por iniciativa do francês Pierre de Fredy. Ao longo desses anos, as Olimpíadas passaram por diversas situações políticas conflituosas, como o cancelamento do evento devido às duas guerras mundiais, a discriminação racial de Hitler frente ao atleta negro Jesse Owens (1936), o atentado do grupo Setembro Negro à delegação de Israel (1972), e os boicotes dos EUA às Olimpíadas de Moscou (1980) e da extinta URSS às Olimpíadas de Los Angeles (1984), ambos em plena Guerra Fria. O Rio de Janeiro será a cidade-sede da 31ª edição dos jogos Olímpicos, recebendo 206 delegações. Apesar disso, outros lugares do Brasil também entram no clima do evento. Além da passagem da Tocha Olímpica em algumas cidades Espírito Santo, outro motivo para as ter-

ras capixabas participarem do evento é a possibilidade de recebimento de algumas delegações olímpicas para treinamento. Com um clima semelhante e a proximidade do Rio de Janeiro, o estado pode receber atletas para o período pré-Olímpico, para adaptação com o ambiente. O local mais cotado é a pista de atletismo que está sendo construída na da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). De acordo com a Diretora do Centro de Educação Física e Desportos (CEFD) da Ufes, Zenólia Figueiredo, a previsão para o término da obra é dezembro de 2015. ‘‘A Ufes conseguiu cerca de R$ 5 milhões do Ministério do Esporte para a realização da obra, que está sendo executada com parâmetros internacionais’’, afirma a diretora. Zenólia explica ainda que a construção da pista também é importante para o uso de alunos e para a comunidade em geral. O Centro de Treinamento de Tiro com Arco do CEFD também está apto a sediar treinamentos. Em visita ao estado no início de setembro, o Ministro dos Esportes, George Hilton, visitou

O ministro dos Esportes, George Hilton, a diretora do CEFD, Zenólia Figueiredo e o reitor, Reinaldo Centoducate, visitam as obras da nova pista de atletismo da Ufes.(foto: divulgação)

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o CEFD, no campus de Goiabeiras, e o estádio Kléber Andrade, em Cariacica. Segundo Hilton, o Espírito Santo tem condições de receber delegações para treinamento. ‘‘Penso que a cidade tem condições de virar um centro de referência no atletismo, sediando competições Sul-Americanas e Mundiais, pois a pista de atletismo tem certificado, atende a todas as exigências internacionais’’, afirmou o ministro. Ainda de acordo com ele, várias obras em infraestrutura esportiva estão em construção no país, integrando o programa da Rede Nacional de Treinamento, que visa ser o legado que o governo deixará após a realização das Olimpíadas. Criada em 2011 através da lei federal nº 12.395, a rede é uma parceria entre o governo federal, estados, municípios e Confederações, e pretende desde

a identificação e formação de talentos até o treinamento de atletas, equipes olímpicas e paralímpicas. Esse programa, se levado à frente seriamente, poderá ser um divisor de águas na vida de vários atletas e futuros talentos que estão por aí. Muitos encontram dificuldades como más condições de treinamento, atraso nos salários, falta de incentivo e patrocínio. O que se espera é que a Rede Nacional de Treinamento não fique com seus objetivos no papel. As obras em infraestrutura para o esporte devem ser de fato construídas e preservadas, servindo à população como um todo. Que o Brasil aprenda com as grandes potências esportivas e se aperfeiçoe, e assim venham mais Daiane, Arthur, César, Gustavo, Martha, Oscar.

A CHAMA OLÍMPICA Chamada também de Chama Olímpica, a Tocha Olímpica é um símbolo dos jogos que possui forte interação com o público, desde a encenação do ritual que os gregos antigos faziam em Olímpia, acompanhamento de seu trajeto e a chegada ao evento. A Tocha Olímpica tem um significado ancestral, fazendo referência a histórias do povo grego. Eles consideravam o fogo um elemento divino, pois, de acordo com a mitologia, Prometheus roubou o fogo dos deuses e deu aos homens. A partir disso, corridas de revezamento de tocha eram organizadas na Grécia Antiga como tributo aos deuses, e o primeiro participante a chegar ao altar tinha a honra de acender o fogo em sua homenagem. As tochas também sempre eram mantidas acessas durante a realização dos Jogos Olímpicos antigos. Os Jogos Olímpicos Modernos mantêm a tradição do acendimento da tocha em Olímpia, na Grécia, onde atores representando antigos sacerdotes realizam a cerimônia. A tocha passa por várias cidades até chegar à cidade sede do evento. Nas Olímpiadas do Rio, o percurso, que é feito por atletas, ex-atletas, e também pessoas da comunidade, começará por Brasília, em maio de 2016. No Espírito Santo, a tocha passará pelas seguintes

cidades: Cachoeiro do Itapemirim, Guarapari, Vila Velha, Vitória, Serra, Aracruz, Colatina, Linhares e São Mateus. A estudante Ariane Barbosa, de Aracruz, não esconde a sua empolgação de ver um dos símbolos olímpicos passando por sua cidade. ‘‘A tocha passar em Aracruz é bem significativo, colocando a cidade em um evento muito importante. Acho bacana essa passagem pelo interior do estado, pois, a maioria das vezes, tudo acaba passando só pela Grande Vitória’’. A Tocha Olímpica chega ao Rio no dia 5 de agosto, durante a cerimônia de abertura dos jogos no estádio do Maracanã. A Olimpíada de 1928, na Holanda, foi a primeira edição dos Jogos na Era Moderna a ter uma pira olímpica acesa em um dos seus estádios. O revezamento da tocha foi realizado pela primeira vez em 1936. Já a cerimônia realizada nas ruínas de Olímpia acontece desde os jogos de Helsinque, em 1952. A Chama Olímpica queima na pira até ser apagada na cerimônia de encerramento dos jogos. Esses rituais, repetidos até hoje, simbolizam e homenageiam o povo grego e os Jogos Olímpicos da Antiguidade, reforçando os ideais de paz, amizade, bom relacionamento entre os povos e o espírito olímpico, princípios da competição.

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ASTROLOGIA Carina Costa

MAPA ASTRAL O mapa astral é um mapa de sua vida e de seu potencial, conforme representado pelas posições planetárias no horário, data e local exatos de seu nascimento. Um mapa astral possui quatro componentes essenciais, sendo doze signos do zodíaco, dez planetas, doze casas e aspectos. A partir do estudo do seu mapa é possível identificar as áreas que se sobressaem naturalmente e as que são desafiadoras. Ele é capaz de mostrar suas forças, fraquezas e aversões. Assim, a astrologia tem o potencial de ensiná-lo sobre si mesmo, mas é importante destacar que ela fornece as informações, mas cabe a você usar este conhecimento e colocá-lo em prática para melhorar sua vida. LUA A lua representa sua energia emocional, mente consciente e hábitos. É sua zona de conforto e indica como você reage emocionalmente e compartilha de si com os outros em várias situações e relacionamentos. ASCENDENTE O signo ascendente é determinado pelo signo que se encontra na linha do horizonte no momento exato do nascimento da pessoa. É o signo que está “ascendente”, ou seja, levantando no horizonte no momento em que uma pessoa nasce. Ele rege o corpo físico da pessoa e influencia a sua personalidade sendo o veículo da expressão do Eu interior que é representado pelo signo solar. O ascendente influenciará a personalidade “aparente” da pessoa, o seu modo de agir, as respostas e necessidades de seu corpo físico, misturando-se assim com as influências do signo solar e com a lua, para compor a personalidade. Na maioria das vezes, seu signo solar e seu ascendente são diferentes, e é por isso que seu ascendente é uma “máscara”, ou seja, as atitudes e opiniões que tem e mostra para o mundo são disfarces e uma maneira que você encontra de esconder sua verdadeira personalidade.

VIRGEM

LEÃO Os leoninos são populares, extrovertidos e criativos. Por ser o signo regido pelo Sol, está associado ao brilho e à forte energia de ocupar o centro das vivências. Possuem uma habilidade de liderança natural, devido à natureza fixa-fogo e é um dos signos de ação e finalização. Podem ter muita criatividade, sendo representada de diversas formas. São alimentados por elogios e evitam ações que possam ferir sua autoestima. Por isso possuem um ego frágil e podem perder o equilíbrio quando não são reconhecidos. São amigos fiéis e amam serem amados!

LIBRA

ESCORPIÃO

Os librianos são os mais equilibrados do zodíaco. Também são hábeis para lidar com pessoas e populares, pela sua natureza sociável e gentil. Signo da diplomacia, da justiça, os librianos são idealistas e bons comunicadores. Possuem um apreço pelas coisas artísticas e prezam pela elegância ao se exporem. Mesmo que não gostem de confronto, quando pressionados podem revidar, mas nunca com a força física, pois preferem usar o cérebro. Vivem uma vida de dilemas, pois veem os 2 lados de tudo o que gera o estereótipo da indecisão neste signo.

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Os virginianos são práticos, organizados e eficientes. São hábeis com os detalhes e análises, mas podem se perder no resultado por se aterem aos detalhes das pequenas coisas. Mercúrio, o planeta associado a Virgem, faz do estímulo intelectual uma obrigação em sua vida. Os virginianos amam o trabalho, a prestação de serviço e precisam se sentir úteis. Como um signo mutável, são adaptáveis e despreocupados, além de prestativos, gostam de agradar e acabam se curvando demais aos outros. São os perfeccionistas queridinhos da mamãe!

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Os escorpianos são determinados, desconfiados e intensos. Conseguem ir até o fim em suas missões e por isso são bons pesquisadores. Não desistem de seus objetivos e vão além da superfície para descobrir informações. São intuitivos e psíquicos, com uma energia magnética que fascinam as pessoas. Por isso podem ser perigosos, pois fazem de tudo para atingirem seus objetivos. Também podem manipular e são vingativos. Tendo Plutão como planeta regente, são transformadores, profundos e mais ligados ao interno.


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j贸ias das ruas Barbara Coutinho

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