4 minute read

Danos à saúde e a obrigação de reparar

A lama invisível do adoecimento

Em fevereiro deste ano, a Vale surpreendeu os(as) moradores(as) de Antônio Pereira com a notícia de que teriam de ser removidos(as) de suas casas. Com a justificativa de que iniciaria um processo de descomissionamento da barragem do Doutor, localizada nas proximidades, a mineradora determinou que os(as) moradores(as) deveriam sair de suas moradias e ir para casas alugadas, hotéis ou pousadas. A comunidade, conhecendo o rastro de crimes que a Vale deixou em Minas Gerais, tem exigido a garantia de seus direitos antes de qualquer mudança. Atualmente, mesmo em meio à crise de saúde pública causada pela Covid-19, a empresa insiste em realizar mudanças coletivas, assediando aqueles(as) que se recusam a sair de suas casas em um momento como esse e sem garantia de reparação. Tanto os(as) moradores(as) da Zona de Autossalvamento (ZAS), quanto das áreas consideradas seguras, relatam um clima de insegurança, de medo e de danos à sua saúde mental.

Advertisement

Por Ana Carla de Carvalho Cota, Charles Romazâmu Murta, Elizabeth Cristina da Costa, Geraldo Pereira de Souza, Maria Helena Ferreira e Patrícia Ferreira Ramos

Com o apoio de Juliana Carvalho

A ZAS representa as localidades que podem ser atingidas caso a barragem do Doutor venha a romper.

A situação da barragem do Doutor tem roubado nossa paz, além de trazer inúmeros transtornos, inclusive em relação à saúde mental dos moradores. Os moradores sofreram diversas violências por parte dos funcionários da Vale. Vivenciamos momentos turbulentos, inclusive com boletim de ocorrência policial. O que mais nos incomoda é a postura de imposição dos funcionários da Vale, aliada à falta de informações e à falta de diálogo com os moradores. A luta não está fácil. A Vale aproveita a situação da pandemia e faz o que quer.

Maria Helena Ferreira, moradora de Antônio Pereira

A Vale elevou o nível para dois, no dia 1º de abril. No dia 2 de abril, já tinham dois funcionários da Vale aqui dentro, na porta da minha casa, oferecendo para os meus pais irem olhar casa para alugar. O nosso questionamento é por que, inicialmente, a empresa colocava que essa saída seria definitiva. Hoje, ninguém sabe se essa saída é definitiva ou se ela é temporária. Então todo mundo fala que isso faz parte da estratégia da empresa para desestabilizar a comunidade.

Geraldo Pereira de Souza, morador de Antônio Pereira

A minha preocupação hoje é com essa violência, essa forma abusiva e impositiva da Vale, ferindo os direitos humanos básicos, fundamentais de todo ser humano, com destrato mesmo, entrando dentro da casa das pessoas. Mais do que isso, essas pessoas [moradores(as)] querem falar, sabe? Quando eu paro pra conversar com eles, cada dia é uma história diferente. Isso precisava ter uma memória e a Vale, em momento algum, se preocupou ou deu o direito para as pessoas construírem algumas das suas reparações. Então, foi tudo muito imposto. A comunidade não construiu nada junto com a Vale.

Ana Carla de Carvalho Cota, moradora de Antônio Pereira

Tem insegurança, tem tristeza. Os vizinhos aqui eram vizinhos há 30, 40 anos. O último que saiu aqui, saiu chorando. Ele tinha a horta dele, ele ficou até o último minuto. Ele relutou para mudar, só que não teve jeito. A minha casa mesmo, foi por um triz que nós não mudamos. Então o clima é horrível, clima de insegurança, clima de vazio, clima de que não tem pessoas aqui mais.

Geraldo Pereira de Souza, morador de Antônio Pereira

O que mais me incomoda, como moradora, é a falta de respeito com que a Vale trata os moradores. Devemos lembrar que, quando a Vale chegou em Antônio Pereira, a comunidade já existia. É bom lembrar que a Vale quebrou nosso isolamento social, muitos moradores removidos fazem parte do grupo de risco. O vazio deixado pela remoção dos moradores, a Vale nunca irá conseguir reparar. Infelizmente, a Vale nos trata apenas como números, se esquece que somos seres humanos, dotados de sentimentos e emoções.

Maria Helena Ferreira, moradora de Antônio Pereira

Os(As) moradores(as) ouvidos relataram extremo desconforto com o dia 30 de abril, no qual diversos funcionários da Vale e operadores de caminhões de mudança ocuparam a rua Água Marinha. Os(As) moradores(as) contam que houve assédio e pressão por parte da empresa para que se retirassem rapidamente de suas casas.

Na época medieval, o pessoal fazia um cerco na cidade e tirava o suprimento. Aqui, o que eles fizeram? Cercaram a comunidade e distribuíram informações descentradas. “Vocês têm até o dia 30 de abril pra sair.” Primeiro, eles falaram assim: “a barragem está em risco e vocês têm que sair”. Alguns moradores já tinham um conhecimento maior, sabiam que a barragem não estava pior do que ela esteve no ano passado, porque, hoje, ela não recebe rejeito mais.

Geraldo Pereira de Souza, morador de Antônio Pereira

Isso aqui parecia uma guerra, sabe? A gente tava muito apreensivo, porque a Vale colocou o terror psicológico em todo mundo. Usando desse nível dois como um possível rompimento mais iminente.

E aí esse dia 30 é um dia emblemático, porque tava todo mundo sob uma tensão tão grande. A Vale, inclusive, chegou a fazer alusão de que teria um mandado judicial para tirar todo mundo.

Ana Carla de Carvalho Cota, moradora de Antônio Pereira

Não necessariamente precisa haver mudança física na estrutura, indicando uma patologia estrutural que pode levar a um rompimento, para se elevar o nível. Basta que existam índices, por exemplo, coletados durante o monitoramento que não atinjam os fatores de segurança preconizados pela prática mundial.

O auditor chegou à conclusão de que, mesmo com as intervenções que vinham sendo tomadas, a barragem não conseguiu atingir o fator

This article is from: