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Luta da população atingida

A pandemia não parou a mineração

No dia 1º de abril, foi divulgada a nota unificada “Paralisar a mineração por nossas vidas”, após o ministro de Minas e Energia do atual Governo Federal, Bento Albuquerque, lançar uma portaria que incluiu as atividades mineradoras como essenciais, em 28 de março, e a confirmação do primeiro óbito pela Covid-19 em Mariana ser de um terceirizado da Renova/Samarco/Vale/BHP Billiton. O intuito é de pressionar e gerar mobilização pela segurança dos(as) trabalhadores(as) do setor minerador e da população em geral. A nota foi assinada por diversas entidades, como a Federação das Associações de Moradores de Mariana (FEAMMA) e o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).

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Por Darcy Carvalho, Letícia Oliveira e Mauro Silva

Com o apoio de Wigde Arcangelo

Defendemos, tendo como referência, as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS), que o isolamento social seja a medida fundamental e prioritária para a “contenção” do avanço deste vírus. Sendo assim, as mineradoras, por mais que tomem medidas preventivas, não garantem, em sua total integridade, o não contágio ou transmissão e, como consequência, a plena garantia da saúde de seus funcionários. A vida não tem preço e deve ser prioridade acima de tudo, até mesmo sobre a produção, venda e lucro. Com ou sem pandemia, a dependência financeira da mineração não se altera em nada. Ela é inegável: não tem o que se discutir! Porém estamos vivendo um momento atípico. O foco é (e tem que ser) outro. Quarenta anos explorando e lucrando não permitiriam, às empresas mineradoras locais, paralisarem suas atividades por alguns meses, garantindo os salários de seus funcionários? Provavelmente, sim!

Darcy Carvalho, secretário da FEAMMA

O papel dos governos diante dessa questão deveria ser mais enérgico. Visar menos o lado financeiro do arrecadador de impostos. Os “benefícios” que a mineração gera, porque a Vale vem garantindo subsídios para hospitais e máscaras, ela usa isso como propaganda, tanto que todos os meios de comunicação têm propagandas vinculadas à Vale. Ela deve gastar muito mais com mídia do que o fato propriamente dito de ajuda. Há um interesse na imagem, que já vem arranhada desde o rompimento da barragem de Fundão. Ela quer melhorar essa imagem perante a sociedade e os investidores.

Mauro Silva, morador de Bento Rodrigues

As reivindicações da nota ganharam força após virem a público denúncias de trabalhadores contaminados pelo novo coronavírus nas obras de reparação da Renova/Samarco/Vale/BHP Billiton, que voltou a operar após aprovação, pela prefeitura, de um plano de segurança. Embora a Renova não seja uma mineradora, é importante relembrar que sua existência se deve aos crimes cometidos pelas empresas do setor.

A prefeitura de Mariana, na nossa opinião, foi bem omissa em ter liberado a volta das obras da Renova, porque estava claro que não seria cumprido nada do que ela prometeu. Nós sabemos também que a Renova quer fazer as obras nesse momento, porque os atingidos não podem fiscalizar, não podem se reunir para questionar. Mais de 45% das famílias atingidas da comunidade de Bento Rodrigues estão insatisfeitas com o reassentamento. Em Barra Longa, a Renova já apresentou, para algumas autoridades, um plano de retomada das atividades no município. Os atingidos estão muito apreensivos com essa possibilidade por entenderem que Barra Longa é pequeno, ainda não tem nenhum caso de coronavírus, mas, com a volta às atividades da Renova, pode haver uma chegada de trabalhadores que podem levar o vírus para a cidade. Não se deve voltar às atividades da Renova em Barra Longa, porque não é o momento.

Letícia Oliveira, coordenadora do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB)

As comunidades atingidas não são tão egoístas ao ponto de quererem que as obras sejam entregues a qualquer preço. Isso pode custar vidas e a gente não quer dessa forma. No meu ponto de vista, agora é hora de ter calma, sabedoria e ver o melhor momento para a volta das atividades nos canteiros de obra. Temos urgência, mas, acima de tudo, queremos que seja com responsabilidade.

Mauro Silva, morador de Bento Rodrigues

Um Dia das Mães diferente

O Dia das Mães é uma das datas comemorativas mais importantes do Brasil. Geralmente, é um dia que separamos para homenagear aquelas pessoas que assumiram o papel de cuidado com os seus. É muito comum que, nessa data, as famílias se reúnam para celebrar a vida e o amor a essas mães. Neste ano de 2020, no entanto, o Dia das Mães foi diferente. Algumas mães das comunidades atingidas nos contaram como foi passar esse dia com a saudade dos(as) filhos(as) e dos(as) irmãos(ãs) distantes, sem o abraço e o contato físico de familiares e vizinhos(as) dos territórios. Um dia saudoso, nostálgico, mas com a responsabilidade de continuar cuidando da saúde de cada pessoa querida por meio do distanciamento social.

Por Gracinha Costa, Olívia Gonçalves, Terezinha Maria dos Santos (Nega) e Vera Lúcia

Com o apoio de Júlia Militão

Geralmente, antes da barragem romper, nós íamos pra casa da minha mãe, em Paracatu. Juntávamos os irmãos e íamos. Agora, estamos aqui, com essa quarentena. Também foi aniversário da minha menina, inventei um bolo surpresa de emergência, cantamos “parabéns”. E ficamos ali, a família reunida contando caso, relembrando as coisas que aconteciam em Paracatu, nessa época. Lá em Paracatu, no Dia das Mães, era prática das famílias receber visita. Por exemplo, eu ia na casa das minhas tias; a cada lugar que você ia, tinha que comer um pouquinho, era costume você ir na casa de todo mundo assim. Geralmente, eu ia nas minhas tias, na casa dos vizinhos que eu tinha costume… Hoje, como muitos não moram tão perto, acabou esse contato de ir em casa. Lá na roça, era gostoso, porque, quando chegava o Dia das Mães, era dia de um ir na casa do outro, provar um “tiquinho” da comida do outro, era muito gostoso, sabe? E, aqui, eu vi que acabou. Então, lá em Paracatu, todo mundo ia na casa de todo mundo, contar caso; aqui, depois que a barragem rompeu, isso acabou, você não vê ninguém na casa de ninguém, ninguém visitando ninguém… Eu sinto muita falta disso.

Olívia Gonçalves, moradora de Paracatu de Baixo

Uma parte foi boa, porque eu passei com meu marido e três filhos meus. Na outra parte, eu me senti muito triste, porque é a primeira vez que eu passo sem os outros três, de Belo Horizonte, que não puderam vir por causa da quarentena. Então isso foi muito triste, porque, em todos os Dias das Mães, a minha casa fica cheia, com os meus filhos, meus genros, meus netos. E esse ano, por causa da quarentena, foi triste. Mas fazer o quê, né? Em nome de Jesus, isso vai passar logo, logo e eu vou estar junto, em dezembro ou até no Dia dos Pais, com todo mundo presente.

Gracinha Costa, moradora de Gesteira

Foi um Dia das Mães diferente, em que não houve abraços. Mas não posso falar que foi ruim, tive meus filhos comigo, mantendo todo cuidado que devemos ter. Mesmo com toda restrição, foi um Dia das Mães feliz. Se Deus quiser, no próximo ano, poderemos abraçar e ficar juntinhos sem medo de nada, basta ter fé e paciência.

Terezinha Maria dos Santos (Nega), moradora de Bento Rodrigues

Passei bem, graças a Deus. Saudosa, né? Com saudade da nossa rotina… Só com os filhos presente, que estavam em casa. Cheia de saudade, mas com respeito à nossa saúde, porque essa epidemia vem nos trazendo um transtorno muito grande. Passamos só com quem estava em casa mesmo, sem tumultuar, só com as lembranças e as ligações do meu filho, que mora fora e não veio, em respeito à nossa saúde, à nossa idade… E só o tempo que vai responder, pra nós, isso aí. A gente tem que cuidar, a gente tem que estar atentos, porque o vírus não é brincadeira. O vírus avança muito rápido. Então a gente, tendo esse cuidado de não estar expostos, mais quietos dentro de casa, a gente pode ficar livre dele. Então, pra mim, foi um dia bom, um dia saudoso, mas uma saudade que é pra prevalecer a minha saúde e a do meu marido… Recebi muitas ligações de amigos, de mães e filhos, que me completaram.

Vera Lúcia, moradora de Gesteira

A fé que permanece

Foto: Joice Valverde

Festa do Menino Jesus, Paracatu de Baixo, em 2019.

O mês de junho marca o início das celebrações e das festividades para a religião católica. Como de costume, mesmo após o rompimento da barragem, os(as) atingidos(as) se reúnem em seus territórios para celebrar a alegria, a fé e a devoção. Neste ano, porém, o isolamento social devido à pandemia da Covid-19 impede, por hora, esses momentos de contato coletivo. Ainda sim, mais do que nunca, é importante relembrar a força e a união das comunidades atingidas.

Por Joice Valverde, Juliana Carvalho, Larissa Pinto e Tainara Torres

Com o apoio de Joice Valverde

Foto: Larissa Pinto

Foto: Juliana Carvalho Foto: Juliana Carvalho

Festa de Nossa Senhora das Mercês, Bento Rodrigues, em 2019.

Foto: Tainara Torres

Festa de Nossa Senhora das Mercês, Bento Rodrigues, em 2019. Festa de Santo Antônio, Paracatu de Baixo, em 2019.

Foto: Joice Valverde

Assessoria busca reinventar formas de trabalho e segue na luta pela reparação integral durante a pandemia

Por Ellen Barros

Hoje completam 80 dias de distanciamento social ocasionado pela pandemia de Covid-19. Nesse período, a Cáritas, em Mariana, precisou reorganizar suas formas de trabalho. As equipes sentem falta de estar em campo, presencialmente, com as atingidas e os atingidos, mas não deixam “a peteca cair” e seguem firmes, na luta pela reparação integral dos danos causados pela Samarco, Vale e BHP nas vidas dessas milhares de pessoas de Mariana, desde 2015.

Durante o distanciamento social, a Cáritas MG tem realizado as atividades de Assessoria Técnica, Assessoria Jurídica e do Processo de Cadastramento remotamente, isso significa que as equipes estão trabalhando de casa. O trabalho tem se dividido entre organização interna e atendimentos às atingidas e aos atingidos - via contato telefônico, WhatsApp e reuniões virtuais com as famílias. Além disso, são realizadas atividades administrativas, elaboração de ofícios, documentos técnicos, comunicados e materiais informativos para as pessoas atingidas.

A cada semana, são debatidos os assuntos apresentados como demanda pelas comunidades atingidas, mas também pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e pela Fundação Renova. Assim, a equipe da Assessoria Técnica, além de participar das reuniões internas, virtualmente, tem se dedicado ao assessoramento das famílias e ao aprofundamento dos principais assuntos tratados neste ano, como: violações de direitos em Mariana; continuidade dos danos gerados pelo rompimento da barragem de Fundão; projetos das casas; fiscalização de obras; impactos das obras nas comunidades do entorno; disponibilidade hídrica nos reassentamentos; ações do Plano de Adequação Socioeconômica e Ambiental (PASEA); disponibilidade de áreas nos reassentamentos coletivos; readequação dos lotes e desafetação das áreas institucionais; contaminação das áreas atingidas; garantia de direitos nos casos de descumprimento da Fundação Renova dos acordos judiciais; análise da situação dos herdeiros para a reparação; monitoramento dos atendimentos que envolvem os auxílios emergenciais e ajuizamentos individuais; e instrumentalização do MPMG para ajuizamento dos Cumprimentos de Sentença.

A equipe responsável pelo Processo de Cadastramento tem se dedicado à elaboração de meios de compartilhamento de informações entre as equipes da Cáritas MG, de forma a subsidiar a melhor assessoria possível às atingidas e aos atingidos, além de trabalhar na organização e no arquivamento de todo o histórico de cada núcleo familiar do cadastro 2018, consolidando um inventário que centraliza os diversos documentos do cadastro. Tem sido realizada também a análise de consistência e planejamentos dos fluxos de dados para aumentar a agilidade na produção dos dossiês. No que se refere ao atendimento direto às pessoas atingidas, tem sido construído um roteiro e formada a equipe do Cadastro para as Tomadas de Termo de Entidades, que começam a acontecer por videoconferência. A preparação para validação de cartografia social e de vistoria à distância também tem acontecido. Já foram realizadas 78 Tomadas de Termo por videoconferência. Em maio, 154 dossiês foram impressos, totalizando 192 dossiês prontos para entrega do Cadastro 2019. Por fim, neste período de distanciamento social, já ocorreram 61 disponibilizações de dossiês para a Fundação Renova (via FTP).

Nesses 80 dias, a equipe da Assessoria Jurídica tem elaborado documentos que auxiliam os(as) atingidos(as) na Fase de Negociações Extrajudiciais (FNE) das indenizações, produzido documentos de declarações complementares ao dossiê e analisado as propostas de indenização, apresentadas pela Fundação Renova, para as pessoas que solicitaram o assessoramento jurídico gratuito da Cáritas. A Assessoria Jurídica também tem enviado ofícios de denúncia de descumprimentos e violações por parte da Fundação Renova ao MPMG. Além disso, são elaborados relatório de acompanhamento dos núcleos familiares e pareceres jurídicos. Essa equipe ainda tem mantido diálogo, via celular, com atingidas e atingidos assessorados, para tirar dúvidas e fazer repasses dos informativos institucionais da Cáritas. Há também o tempo dedicado à pesquisa e à formação continuada nas temáticas relacionadas à atuação da Assessoria na FNE. Por fim, a equipe tem se debruçado sobre a valoração dos dossiês, fazendo cálculos, a partir da Matriz de Danos dos(as) atingidos(as), em cima das perdas e danos declarados nos dossiês dos casos em acompanhamento.

O horizonte continua a ser de incertezas. Não se sabe como ou quando a crise ocasionada pela pandemia terá um fim, mas os empenhos em prol de justiça para as famílias atingidas segue sendo o norte da Assessoria da Cáritas. Apesar de distantes fisicamente, atingidas e atingidos de Mariana, saibam: vocês não estão sós.

10 coisas que você precisa saber sobre o andamento do Plano de Ações em Saúde de Barra Longa

Por Aline Pacheco Silva (psicóloga) e Matheus Soares Ferreira (advogado), Assessoria Técnica AEDAS

1. Participação dos(as) atingidos(as) na reparação integral

Atingido(a) como agente central na elaboração do Plano de Ações em Saúde: participação nas reuniões de Grupo de Base, reuniões de Câmara Técnica, construção da Feira da Saúde, protagonistas da 1ª Conferência Livre de Saúde dos Atingidos e Atingidas pela barragem da Samarco, participação nas Conferências Estadual e Nacional de Saúde.

2. Bases para a construção do Plano

O Plano de Ações em Saúde de Barra Longa foi construído conjuntamente entre poder público e atingidos(as), por meio da utilização de estudos científicos, dados oficiais e relatos dos(as) atingidos(as).

3. Sobrecarga de demandas ao SUS

Desde o rompimento, a população percebe mudanças em suas vidas e problemas relacionados à saúde. Diversos estudos foram realizados e indicaram o que a população já percebia: o SUS do município ficou sobrecarregado e precisou de verba extra para dar conta de toda a demanda.

4. O caminho da aprovação do Plano de Ações em Saúde

O Plano de Barra Longa foi aprovado pelo CIF, após cumprir todo o caminho de acordos extrajudiciais: construção pela população, aprovação pela Câmara Técnica de Saúde, reuniões em território, auxílio do Ministério da Saúde e da Secretaria Estadual de Saúde.

5. Direito à saúde

O Plano de Ação em Saúde compreende a saúde em seu sentido pleno, ou seja, como algo que, para além da integridade física e mental, também diz respeito à qualidade de vida e ao bemestar social. Assim, para que a reparação à saúde seja integral, devem ser respeitadas as normas previstas na Constituição e as recomendações da Organização Mundial de Saúde.

6. Ação Civil Pública ajuizada pelo MPF

O Ministério Público Federal entrou com uma Ação Civil Pública para requerer que a Justiça Federal de Ponte Nova condene a Fundação Renova a pôr em prática, imediatamente, o Plano de Ação em Saúde de Barra Longa. Com isso, o Ministério Público buscou que a reparação ao direito à saúde saísse do papel o quanto antes para evitar, assim, que a demora do processo por parte da Renova pudesse gerar ainda mais danos aos(às) atingidos(as).

7. Demora da Renova em fazer reparação é mais um dano à saúde!

O Ministério Público Federal afirma que a conduta da Fundação Renova tem sido marcada pela prática proposital de fazer com que o processo de reparação demore e não chegue a lugar nenhum. Ele afirma que é obrigação da Renova, diante dos acordos assinados, cooperar para a efetiva reparação dos danos e que ela não deve se aproveitar da boa-fé dos(as) atingidos(as). Além disso, afirma que todos os(as) atingidos(as) têm direito à reparação, assim como à saúde da comunidade barralonguense em seu conjunto.

8. Danos à saúde e a obrigação de reparar

O Ministério Público Federal afirma que o atraso no cumprimento das obrigações, por parte da Fundação Renova, é responsável por um profundo sentimento de humilhação e desgosto entre os(as) atingidos(as). Ressalta que o comportamento da Renova tem gerado uma sensação de desrespeito com os(as) atingidos(as), o que faz com que eles(as) gastem tempo e energia, e resultem em sofrimento e insegurança para a população de Barra Longa. Diante dessa realidade, o Ministério Público afirma que é uma questão de justiça a reparação dos danos sofridos pelos(as) atingidos(as) de Barra Longa.

9. Está nas mãos do juiz da 12ª Vara

Ao tomar conhecimento da Ação Civil Pública, a Fundação Renova alegou que a Justiça Federal de Ponte Nova não seria a responsável pelo julgamento das questões relativas à reparação da saúde dos(as) atingidos(as) de Barra Longa. Com isso, o processo foi enviado a Belo Horizonte, para ser julgado pelo juiz da 12ª Vara Federal, que já estava responsável por tratar de toda a reparação do crime socioambiental cometido na bacia do rio Doce.

10. Luta da população atingida

O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) proferiu decisão favorável aos(às) atingidos(as), ao anular a decisão original do juiz da 12ª Vara Federal, para determinar que os resultados dos estudos feitos pela AMBIOS, em Barra Longa, sejam levados em conta nas ações de reparação.

Precisamos lutar, juntos(as), para que os acordos já firmados sejam respeitados. As decisões judiciais têm de levar em conta a realidade do território e da população atingida, afinal, é o(a) atingido(a) quem sabe dos seus problemas e quem constrói as soluções! O Plano de Ações em Saúde deve ser implementado já!

Editorial

“Eu costumo dizer, e vi muitas pessoas dizendo na época: ‘o que seria de nós se o rompimento tivesse sido à noite?’ Vejo essa pandemia como uma barragem que se rompe à noite. A gente não sabe de onde vem, como vem, só tem a noção da forma de contágio. Então a gente fica meio perdido, é como se tivesse uma barragem rompendo durante a noite, a gente no escuro, sem saber pra onde correr.” Foi assim que Mauro Silva, morador de Bento Rodrigues, definiu a pandemia de Covid-19. Essa forma de enxergar o novo coronavírus percorre o rio Doce e chega até o Espírito Santo. Para Luciana Souza de Oliveira, moradora de Regência, “ser atingido durante a pandemia é reviver todo o sofrimento de 2015. Nós não sabíamos de nada, sabíamos ter uma lama de rejeito, mas não sabíamos a real gravidade. É assim esse quadro da pandemia. A gente sabe que essa doença está aí, a gente está vendo os nossos colegas, pessoas conhecidas, vizinhos sendo contaminados”. Uma doença sobre a qual ainda sabemos pouco, mesmo assim, possui um efeito grande sobre as nossas vidas. Por proteção à nossa própria saúde e daqueles(as) que nos rodeiam, temos de reinventar algumas comemorações, como aconteceu no Dia das Mães, no mês passado. Nesta edição, você confere uma matéria com algumas mães que contam como foi essa data para elas.

Mas não foi apenas esse momento que precisou ser adaptado, nosso calendário se tornou incerto. Junho, normalmente, é mês de festa junina. Época em que a comunidade atingida de Mariana costuma retornar aos seus territórios para demarcar seu espaço e sua existência por meio das celebrações religiosas, pois, nas comunidades atingidas, a fé e a ação são formas de luta e resistência. Por entendermos a importância dessas festas para a luta dos(as) atingidos(as), trouxemos, nesta edição, um ensaio que resgata os registros dessas festas que fizemos ao longo dos quatro anos.

Mas compreendemos que as religiões são múltiplas, assim como as histórias e as demandas das pessoas atingidas. Por isso, na capa, trouxemos o Pai de Santo Adão Bento, morador de Barroca, que é garimpeiro tradicional. Esses profissionais, há tempos, escutam negativas às suas reivindicações. No entanto, a pandemia também traz urgências a essas questões.

Nesta edição do Jornal A SIRENE, você lerá sobre as luta dos(as) atingidos(as), que resistem a esse momento de incertezas. Embora fisicamente separados, essa força é coletiva. Ainda nas palavras de Luciana Souza de Oliveira, “ser atingida é, sobretudo, também, se colocar como um sujeito que se vê no outro, que busca força dentro de si, dentro do outro, para continuar sobrevivendo. Porque eu acho que é bem isso a palavra, ficar vivo, vivo e bem, vivo e com saúde”, reflete a atingida, moradora de Regência-ES.

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