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Estrada Real fora da realidade

Manhã ensolarada, cadeiras distribuídas, buffet em uma mesa centralizada, Instituto Estrada Real e Renova unidos. O objetivo? A inauguração de um marco da Estrada Real em Bento Rodrigues. Tudo parece perfeito, mas não é. O desejo das pessoas atingidas não esteve presente no evento que aconteceu no dia 11 de fevereiro. Elas queriam que o marco em questão estivesse em Bento origem, não no reassentamento. Mais uma vez, a Renova desrespeitou quem sofreu o crime cometido por Samarco, Vale e BHP. Elas não foram tratadas com respeito e empatia.

Para piorar, o marco inventa uma história que nunca existiu. O caminho da Estrada Real (um conjunto de rotas antigas para o escoamento de minérios, sobretudo ouro e diamantes, de Minas Gerais até o litoral) nunca passou por ali. A demarcação do marco turístico que ignora a história e os afetos de quem irá ocupar o território é mais uma mostra de que a Renova não atende aos interesses das pessoas atingidas.

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Por Mauro Marques da Silva e Marta Gertrudes Monteiro Guimarães Ribeiro

“A colocação desse marco não vem ao encontro dos anseios da nossa comunidade desde o início, quando realizávamos as assembleias, os grupos de base e os GTs. O que pedíamos é que se desse condições mínimas de acesso à área atingida e, como forma de fomento da economia dos que aqui vão morar, tivéssemos pontos de apoio, tanto aqui quanto lá para receber os turistas que, porventura, viessem conhecer a área da tragédia. Na verdade, a história pode ser contada de várias formas, o que não pode é se deturpar de forma que a história fuja do contexto. A colocação desse marco nada mais é do que um papel de marketing da Renova. A todo tempo, as discussões são feitas sem a presença dos moradores ou de forma individualizada, a fim de colocá-los contra a comissão, a ponto de hoje estarmos aqui com essa meia dúzia de gatos pingados de moradores e levarmos a responsabilidade dos que aqui não estão por culpa da empresa que não nos quer aqui.

O combinado era os marcos estarem no lugar de origem como forma de retificar o que foi destruído pela lama. Seria colocado um marco na chegada de Camargos e outro na saída de Santa Rita.

Fui contatado para ir lá ver o local melhor para que esses marcos fossem instalados. Por surpresa, não pude ir, designei uma pessoa para estar lá. Essa pessoa me falou que nunca apareceu alguém lá no período que ela estava. Fiquei sabendo que os marcos seriam colocados aqui com a justificativa que Bento é área de risco. Eu desafio quem quer que seja a apresentar um documento atestando pelo Corpo de Bombeiros e Defesa Civil que as barragens de Germano, Santarém e o que sobrou de Fundão estão em algum nível de alerta de atenção para risco de rompimento. A história não pode ser desvinculada da verdade, não pode ser feita de notícias falsas. Precisamos acrescentar Antônio Pereira à Estrada Real, Cachoeira do Brumado, com suas panelas de pedra, seu artesanato, Padre Viegas, com o seu festival de cuscuz que foi tombado como patrimônio imaterial de Mariana, Ribeirão do Carmo, com sua estação ferroviária, que acrescentassem todos os distritos e subdistritos. Talvez assim amenizaria a frustração que estamos sentindo hoje de ver que uma decisão foi tomada, como tantas outras, pela Renova sem levar a fundo o desejo da comunidade. Que não seja em vão a vida das 19 pessoas que se foram no dia do rompimento. Que não seja em vão a vida dos que se foram pós-rompimento.”

Mauro Marques da Silva, morador de Bento Rodrigue

“Eu fui convidada para esse evento, mas eu não sabia que iria mexer tanto comigo. Me muito. Eu fico me questionando: cadê a comunidade? É revoltante. Não podemos nos esquecer do que aconteceu em 2015. Eu fico preocupada com Congonhas, minha cidade. Temos uma mina da Vale na cidade. Todos falam que está tudo controlado, e não está. Congonhas é minha história, minha vida, meus parentes, meus irmãos, meus amigos. E só de pensar que pode acontecer uma coisa dessas, me entristece muito. O reassentamento, essas casas não têm identidade. Eu conhecia aqui antes. As pessoas querem aquela cruz de papel na parede, o retrato do avô… Essas casas parecem Alphaville, onde estão as raízes? O grupo que veio comigo até aqui está interessado em tirar fotos, mas eu penso nessas vítimas a todo o momento.”

Marta Gertrudes Monteiro G. Ribeiro, moradora de Congonhas

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