Jornal Brasília Capital 537

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Brasília Capital n Cidades n 5 n Brasília, 23 a 29 de outubro de 2021 - bsbcapital.com.br

I N F OR M E

Nem heróis nem sacerdotes, somos médicos Gutemberg Fialho (*) No dia 18, comemoramos o Dia do Médico, data em que enaltecemos a dedicação, a abnegação, o comprometimento e o empenho desses profissionais no que há de mais caro a todos nós: a defesa da vida. Especialmente nestes tempos de pandemia, médicos, enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem e outros profissionais de saúde foram chamados de heróis. Isoladas em suas casas nos momentos de maior restrição, pessoas ao redor do mundo foram para as janelas aplaudi-los. Governantes de todo o planeta cobriram de elogios os médicos e demais profissionais de saúde. No Brasil e aqui no Distrito Federal, esse reconhecimento ficou em discurso. Nem ao menos o pagamento do adicional de insalubridade em grau máximo pela exposição à contaminação pelo coronavírus saiu do papel. Dois dias após o Dia do Médico, fui ao Hospital Regional do Gama. Na verdade, foi um retorno, pouco mais de dois meses depois de uma vistoria após a qual me vi obrigado a solicitar ao Conselho Regional de Medicina que fizesse a interdição ética no atendimento da clínica médica daquela unidade de saúde. A suspensão da prestação de

assistência à saúde da população é uma medida extrema e a última coisa que queremos ver acontecer, em especial sendo médicos. Na sala vermelha da emergência do HRG, encontrei a colega de plantão, responsável pelos pacientes que se apinhavam no ambiente onde era até difícil transitar. Oito leitos estavam ocupados. Tinha até uma criança de colo (o local é para atendimento a adultos) que sofrera uma convulsão. Mesmo não sendo pediatra, ela estabilizou a criança para que pudesse ser removida para a pediatria do Hospital de Santa Maria. Ela não deixaria o bebê e a mãe sem socorro. Na parede, próximo da cabeça da colega, havia uma plaquinha com a frase “não somos heróis”. De fato, a função do médico e dos demais profissionais de saúde não é ser herói, tampouco sacerdote ou milagreiro. A prática da medicina é uma atividade profissional baseada em ciência, técnica e evidências. Mas a realidade que cerca o médico que trabalha no serviço público, e aquela médica, especificamente, é de falta de estrutura física e equipamentos adequados, de medicamentos, de exames e de apoio institucional para executar seu trabalho da forma como deveria e que todo médico almeja: o que chamamos “estado da arte”, ou seja,

quando dominamos a técnica e temos os meios para dar ao paciente o melhor tratamento que podemos. O problema no Hospital do Gama que motivou o pedido de interdição ética é a falta de médicos, clínicos e emergencistas, para minimamente preencher as escalas em todos os turnos de trabalho. Por isso, pacientes internados ficam um, dois ou mais dias sem serem vistos por médicos, sem ter verificada a prescrição médica, os pedidos de exames necessários para serem encaminhados para cirurgia ou até para receberem alta. O resultado disso é desastroso: desde aumento de custos para o Sistema Único de Saúde até o aumento do risco de óbitos. Mortes evitáveis ocorrem por causa disso e, de diversas formas, isso recai sobre os médicos e demais profissionais – por implicações éticas, administrativas e legais, mas também emocionais e psicológicas, no nível pessoal. Não ter a condição de dar a assistência adequada e merecida ao paciente é um martírio para nós. E o exercício profissional de ninguém deve ser assim. Enquanto médico, humanista, cidadão e sindicalista, minha luta é para mudar essa realidade, para que o médico e demais profissionais da saúde tenham os meios para realizar seu potencial,

Dr. Gutemberg Fialho Médico e advogado Presidente da Federação Nacional dos Médicos e do Sindicato dos Médicos do Distrito Federal

sua missão e a plenitude do prazer de exercer sua atividade, que é curar, cuidar, evitar ou mitigar a dor dos pacientes. O que esperamos do Poder Público, que administra os recursos da sociedade para a prestação de assistência à saúde, é que nos dê os meios para realizar, o nosso trabalho. Não nos chamem de heróis, não nos cobrem o sacerdócio nem nos exijam milagres. Só nos dêem os meios para fazer o nosso trabalho da melhor forma possível.

** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasília Capital

I n fo r m e

Feminicídio cresce no DF com desmonte das políticas para a mulher Sinpro-DF A pandemia do novo coronavírus parece ter banalizado ainda mais as agressões e os assassinatos de mulheres no Distrito Federal e no País. As estatísticas, que são altas e mantêm o Brasil no quinto lugar no ranking mundial de violência contra as mulheres, cresceram muito e preocupam responsáveis comprometidos com a segurança pública e famílias de pessoas em situação de vulnerabilidade e mobilizam os movimentos de defesa da vida das mulheres. Estudos realizados pelo Fórum Nacional de Segurança Pública em 2021 mostram que, de fato, a pandemia da covid-19 piorou a violência doméstica e familiar no Brasil. Este ano, em apenas 10 meses, o DF registrou o assassinato de duas mulheres a cada mês. Ou seja, de janeiro a outubro de 2021, houve 20 vítimas de feminicídio. Só dos dias 16 a 18 de outubro, três feminicídios foram

registrados, aumentando para 53% esse tipo de ocorrência no DF. A violência contra a mulher aumentou em todo o País. No dia 18, o Instituto de Segurança Pública (ISP), do Rio de Janeiro, divulgou o Dossiê Mulher 2021, no qual revela que 98 mil mulheres foram vítimas de violência doméstica e familiar no estado em 2021 – cerca de 270 casos por dia e 11 vítimas por hora. Segundo o documento, 78 mulheres foram vítimas de feminicídio e em 15 deles os filhos presenciaram os crimes. Levantamento da Secretaria de Segurança Pública do Rio Grande do Sul indica alta de 225% no número de feminicídios de agosto de 2020 a agosto de 2021. No acumulado desde janeiro, houve aumento de 26% entre 2020 e 2021. Foram 57 feminicídios nos primeiros oito meses de 2020, contra 72 no mesmo período deste ano. Além disso, houve 20,9 mil ameaças, 11,2 mil casos de lesão corporal e 1,2 mil estupros no ano. O Diagnóstico de Violência Doméstica

e Familiar contra a Mulher, divulgado pela Polícia Civil de Minas Gerais em agosto deste ano, revelou que 90% das vítimas de feminicídio no estado, de 2019 a 2021, não tinham medida protetiva. O documento indica que entre 2017 e 2021, 12 mulheres foram mortas por mês; que 69% das vítimas eram negras; que o número de casos de violência doméstica do primeiro semestre de 2021 foi maior do que o de 2020 no mesmo período, dentre outros dados. Os estudos constatam que os feminicídios têm aumentado entre mulheres negras. No DF, o mais recente foi contra a dirigente sindical Cilma da Cruz Galvão, 51 anos, assassinada a facadas pelo namorado, no início deste mês, em sua própria residência. Ela era diretora de Políticas para as Mulheres e Combate ao Racismo do Sindicato de Serviços Terceirizáveis (Sindiserviços-DF). No dia seguinte, o grupo de mulheres que se intitula “Levante Feminista contra

o Feminicídio no DF” realizou um protesto contra a morte da sindicalista e das demais vítimas desse crime. No dia 19, o Levante Feminista apresentou uma petição a ser entregue ao Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) pedindo a instauração de procedimentos para apurar a responsabilidade do Governo do Distrito Federal por omissão na adoção de políticas públicas para o enfrentamento dos feminicídios, “cujo número, no primeiro semestre deste ano, foi 100% maior do que o do mesmo período em 2020”, diz a petição.

** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasília Capital


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