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Braganรงa Paulista

Sexta

12 Fevereiro 2010

Nยบ 522 - ano VIII jornal@jornaldomeio.com.br

jornal do meio

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sexta 12 • fevereiro • 2010 Jornal do Meio 522

Para Pensar

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EXPEDIENTE Jornal do Meio Rua Santa Clara, 730 Centro - Bragança Pta. Tel/Fax: (11) 4032-3919 E-mail: jornal@jornaldomeio.com.br

RAZÕES PARA NÃO DUVIDAR MONS. GIOVANNI BARRESE

Há muitas situações em nossa vida que não conseguimos expressar, completamente, com palavras. Temos que usar algum tipo de imagem para que esta, de certa forma, permita transmitir o que estamos sentindo. Não se trata de fantasias sobre o que não existe. Trata-se de linguagem metafórica sobre o que é real. Quero usar esta introdução para conversar sobre razões de fé. Não é muito fácil responder a pergunta: “Por que ter fé em Deus? Por que integrar-se numa igreja? Que bases sólidas temos para ter certeza de que não caminhamos pelos caminhos da ingenuidade? Comecemos com um dado de nossa existência: o que nos levou a escolher o caminho profissional que trilhamos? O que nos levou a assumir o estado de vida (casamento, separação, solteirice, viuvez, etc.)? Não é verdade que, mesmo dizendo que foi exemplo de alguém, há um sentir que supera tudo isso e que só faz parte de algo que supera a possibilidade de expressão? Claro

que podemos viver uma série de imposições. Elas podem vir da família, das instituições, da necessidade de sobreviver. Mas quando podemos viver nossas escolhas elas estão fundamentadas num “que” que está na linha do sublime. Nós sentimos. E só podemos manifestar pobremente pelas palavras. A linguagem verbal é ultrapassada. Percebemos que ela é pobre para dizer o que vai na alma. Refleti isto lendo sobre a vocação do grande profeta Isaias (6,1-8). Ele está no templo participando de uma cerimônia. Faz a experiência da majestade de Deus e, nesse contexto, percebe que é chamado a ser profeta: aquele que olhará a história com os olhos de Deus e denunciará o que não corresponde aos planos divinos. Sente-se pequeno, pecador e incapaz diante daquilo que Deus lhe pede. Um simbólico queimar de lábios lhe dá a certeza da purificação e da força do envio. Perde o medo e responde: “Eis-me aqui, enviame a mim”. Pareceria que Isaias teria vivido uma alucinação e, por

conta dela, se lançado na missão de enfrentar os desmandos do seu tempo. Esta situação só se entende na perspectiva da fé ou da loucura! Avancemos no tempo. Jesus está à margem do lago de Genesaré (Lucas 5,1-11). Uma multidão está ao seu redor para ouvi-lo. Num certo momento diz a Pedro e companheiros que se afastem da margem e que vão para águas mais profundas e lá lançem as redes. Pedro e os outros tinham acabado de fazer a limpeza das redes e dos barcos após noite de total insucesso. Surpreende a Pedro o pedido de Jesus. Embora ressabiado, responde a Jesus “porque mandas, lançarei as redes!” O resultado da obediência espanta a todos a tal ponto que Pedro pede a Jesus que se afaste dele porque era pecador. E Jesus diz a ele e a todos que, dalí para frente, iriam pescar gente. Outro chamado vivido numa experiência que foi muito maior do que viram. E chamado com alcance extraordinariamente maior que os limites do mar. O pescar gente se

coloca na linha teológica de tirar os seres humanos do lugar da dor, do desconhecido, da morte (tal era um dos significados do mar para os antigos). Por que aceitar o chamado e colocar-se a caminho? Para os que crêem a resposta está Naquele que se fez um de nós, foi crucificado, morreu e ressuscitou. O texto de São Paulo na Carta aos Corintios (capítulo 15) nos dá as razões para crer e para aceitar os apelos que Deus nos faz. A certeza do Cristo vivo é que move os cristãos a assumir a missão do anuncio-denúncia e a ir pescar fora de hora e lá onde parece não haver nada. É a confiança na palavra-mandato do Senhor que devemos basear nossas ações. Claro está que o Senhor não nos pede o absurdo e nem que abdiquemos de nossa inteligência e de nossas habilidades. Ele quer que, usando todos os nossos dons, não duvidemos que podemos ir mais longe. Exatamente para que a rotina do que já sabemos não nos impeça de ver outras e maiores possibilidades.

Diretor Responsável: Carlos Henrique Picarelli Jornalista Responsável: Alexandra Calbilho (mtb: 36 444)

As opiniões emitidas em colunas e artigos são de responsabilidade dos autores e não, necessariamente, da direção deste orgão. As colunas: Casa & Reforma, Teen, Informática, Antenado e Comportamento são em parceria com a FOLHA PRESS Esta publicação é encartada no Bragança Jornal Diário às Sextas-Feiras e não pode ser vendida separadamente. Impresso nas gráficas do Jornal do Meio Ltda.

Certamente é a falta de confiança em Deus que encurta os nossos horizontes. Não conseguimos ir além de nossas competências. O “ir para águas mais profundas” exige confiança Naquele que manda! É aqui que devemos firmar nossa atenção: não temos feito mais e melhor porque, talvez, não creiamos que é possível! O momento que vivemos está a pedir que sigamos a ordem Daquele que nos manda ir mais a fundo. Se fizermos isso a “pescaria” será estrondosa! E como ninguém gosta de voltar para casa, após a pesca, com peixe comprado para disfarçar o insucesso, que nossas respostas se assemelhem à de Isaias e de Pedro!


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Império Jovem

A união faz a força

O esforço e a emoção de quem luta com dificuldade para colocar uma escola na Avenida

Desempenho na Avenida é reflexo da união de todos os integrantes da escola por MARIANA VIEL

A paixão de Ezequiel Ferreira pela bragantino. Ele define a noite de desfile como Império Jovem nasceu da amizade a realização de um sonho vivido por todos com o atual presidente da escola Rafael os integrantes da escola ao longo de um ano Rossi. Os dois amigos de infância começaram inteiro. “É uma recompensa por todo o trabalho a compartilhar com mais cumplicidade o que você passou. É como se a nossa alegria interesse pelo carnaval bragantino em 2008, pudesse ser vista e sentida pelas pessoas na quando Rafael assumiu a presidência da Avenida. É muito gostoso”. escola e convidou Ezequiel para participar. Entre as mais importantes características “Quando ele começou das escolas que lutam com essa história de O fato de você estar em para se manter no Grupo carnaval me puxou. uma escola menor faz com Especial estão a garra Comecei na brincadeira, que você tenha que brigar e a vontade de vencer. mas as coisas foram mais por ela. Para nós é “O fato de você estar ficando cada vez mais e muito mais difícil, mas a em uma escola menor emoção também é maior. Só faz com que você tenha mais sérias e eu comecei o fato de permanecermos que brigar mais por ela. a realmente gostar da no Grupo Especial já é o Para nós é muito mais escola”. Os amigos que já mesmo de ser campeão difícil, mas a emoção haviam desfilado juntos na escola Mocidade Júlio também é maior. Só o Ezequiel Mesquita construíram fato de permanecermos uma história muito mais profunda na Império no Grupo Especial já é o mesmo de ser Jovem. “Eu já tinha desfilado na Mocidade, campeão”. mas quando comecei a participar da Império Dividindo o trabalho senti alguma coisa diferente”. A namorada de Ezequiel, Mônica Oliveira confirma que Para conseguir colocar as Alegorias na Avetambém começou a participar por influência nida os amigos dividem o trabalho pesado de construção dos carros. A escola depende, dos amigos. No ano passado a escola recebeu o título de quase que exclusivamente, da dedicação de campeã do Grupo de Acesso e conquistou todos os integrantes. Ezequiel explica que o o direito de participar da elite do carnaval “trabalho pesado” – ferragem, madeira, isopor e montagem dos carros – é responsabilidade dos homens. Já a decoração das Alegorias e os ajustes e colagens das fantasias são feitos pela equipe feminina da escola de samba. “Assumimos a parte mais bruta do trabalho, mas quando precisamos acabar alguma coisa com urgência não tem essa de homem e mulher. Todo mundo ajuda no que é possível”. Ao lado da sobrinha Natália e da mãe Isabel, Ezequiel vive a emoção do desfile da Império

Ezequiel e Robinho no desfile que garantiu o acesso ao Grupo Especial do carnaval de Bragança

Paixão alvinegra Mesmo admitindo ter iniciado o envolvimento com a escola de samba para ajudar o amigo, Ezequiel afirma que, atualmente, é completamente apaixonado pela Império Jovem. Ele conta que durante o desfile do ano passado descobriu que, o que antes era feito para ajudar Rafael, havia se transformado em algo muito importante também para ele.

Ezequiel é capaz de descrever o exato momento em que começou a enxergar a dedicação à escola com outros olhos. “Quando eu entrei na Passarela e olhei para a arquibancada lotada de pessoas gritando e pulando, senti algo diferente. É como se alguma coisa tivesse batido aqui Ezequiel e Mônica: amor na Avenida no peito com mais que nós havíamos vencido até o meu pai força. Pensei: agora começou a chorar”. é comigo mesmo”. Mônica lembra que a forte emoção vivida pelo Ezequiel explica que mesmo sem participarem namorado também foi compartilhada pelos do carnaval, os pais gostam muito da escola e outros integrantes da escola. “Tivemos um reconhecem toda dedicação dos integrantes. ano muito difícil. Muitas coisas deram erradas “Como as pessoas que trabalham na escola fora e dentro da passarela. Íamos desfilar são nossos amigos, meu pai e minha mãe com quatro carros e acabamos colocando perceberam todo nosso esforço e dedicação na Avenida apenas três. Foram momentos e também se emocionaram com a gente”. muito tensos que se transformaram em Família na Avenida uma alegria imensa quando pisamos na Mesmo sem fazer parte da escola, Eziquiel Passarela”, explica. afirma que sempre que precisa pode contar com o apoio do pai. “Quando precisa ele coLição importante O único momento que não deixa Ezequiel labora com o que pode. Outro dia tínhamos com saudades aconteceu há dois anos, quan- que trazer para o barracão um boneco gigante do a escola caiu para o Grupo de Acesso. “É de isopor, e ele veio com caminhão. Eles pomuito triste porque vemos todo o nosso dem até não estar aqui todo dia como nós, trabalho jogado fora. Pensamos em tudo mas com certeza são Império de coração”. A o que a gente fez e em todas as horas que família do casal de namorados é representada perdemos”. Mas o rebaixamento deixou pelos irmãos e sobrinhos. Mônica conta que marcas e lições importantes na história da a sobrinha de 16 anos, que no ano passado escola. “Tivemos que aprender, da maneira saiu em uma das Alas da escola, foi convidada mais triste possível, que em uma escola de para ser madrinha de bateria. “Ela não está se aguentando de alegria. Já me pediu para samba a união é fundamental”. chama-la para ajudar quando nós estivermos precisando”. Nervos à flor da pele Uma das primeiras lições que os apaixona- Na casa de Ezequiel também desfilam os dos por escolas de samba aprendem é que, dois irmãos, a irmã, e a sobrinha. “O bom é muitas vezes, momentos de grande tensão que a cada ano a coisa vai crescendo ainda são seguidos por lágrimas de alegria. No ano mais, e nós vamos chamando mais pessoas passado, a apuração das notas das escolas para participarem. Esse ano os meus tios e do Grupo de Acesso levou os integrantes da primos também vão sair na Avenida”. Mônica conta que apesar de pequena, a escola não Império a instantes de muita emoção. Até quem estava trabalhando conseguiu tem dificuldades para conseguir componentes dar uma paradinha para acompanhar pela para participar do desfile. televisão a contagem dos pontos. A disputa ponto a ponto ficou entre a Império Jovem e a Mocidade Júlio Mesquita – ambas instaladas no mesmo bairro. “Eu e meu pai demos uma paradinha no trabalho para conferir a apuração. Estava muito acirrado. Cada ponto perdido era aquele sofrimento. Quando finalmente eles anunciaram

Samba de amor Unidos pelo amor ao carnaval e à Império, o casal afirma que um namoro que bate no compasso do samba tem chances ainda maiores de dar certo. “Com certeza o carnaval consegue juntar todo mundo: amigos, famílias e também casais”.


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Nove de Julho

Histórias entrelaçadas Amizades que se transformaram em uma das mais tradicionais escolas de samba de Bragança

por MARIANA VIEL

Para Antônio José da Silva, conhecido A fundação oficial da escola aconteceu no como simplesmente Silva, contar a dia 1º de maio de 1962. “No começo nossa história da Nove de Julho é como intenção era apenas brincar o carnaval e falar de um filho. Ele, a esposa Benedita e nos divertir”. um grupo de cerca de mais 10 amigos são os Apesar do clima de descontração, Silva lembra fundadores da escola. O que começou apenas que – mesmo naquela época – organizar um como a reunião de jovens moradores do bairro desfile de carnaval não era uma tarefa nada do Taboão que gostavam de viajar para a praia, fácil. Ele lembra de uma vez em que foi com se transformou em uma das mais tradicionais a esposa até a quadra da escola Mocidade escolas de samba do carnaval bragantino. “A Alegre, na capital paulista, para conseguir história é até engraçada porque no começo umas fantasias para a Comissão de Frente. nosso objetivo era apenas juntar um grupo “Quando chegamos lá o presidente da escola, para ir pra praia. De repente conseguimos que era nosso conhecido, disse que uma escola arrumar alguns instrumentos e formamos de samba nunca deve dar nada de graça para um bloco de carnaval, que outra. Tivemos que voltar mais tarde se transformou para Bragança e conseguir Quando estraga um em escola de samba”. um caminhão de “capim carro no meio do desfile barba de bode” – que ele ia Os primeiros instrumentos não temos tempo nem precisar no desfile daquele utilizados pela escola foram para ficar triste. Nunca improvisados com latões de ano – para trocarmos pelas tive esse negócio de carbureto – material usado fantasias”. ficar triste por causa de em máquina de solda de um desfile. Carnaval é funileiro. “Quando comesempre um momento Guardado a sete chaves çamos nós não tínhamos de alegria Silva lembra que antigamente dinheiro. Tudo era feito na Silva asescolasdesambaguardavam base do improviso. Tenho segredo sobre as fantasias um desses instrumentos de carbureto guardado na casa da minha que estavam confeccionando para o carnaval. mãe até hoje. Quero um dia mostrar para os Apenas as costureiras, colaboradores da escola netos para eles verem como as coisas eram e as pessoas que iam desfilar podiam ver as roupas antes do desfile. “As coisas evoluíram diferentes”. Seguindo a tradição dos blocos de carnaval, muito. Hoje em dia você pode escolher uma o grupo começou a ganhar as ruas da cidade fantasia do Rio de Janeiro pelo computador, durante os quatro dias de folia. Naquela época pagar e desfilar. Na nossa época nós queríamos Bragança tinha apenas outros dois blocos: mesmo é fazer surpresa para as pessoas que o “Boca de Fogo” (formado por moradores iam assistir aos desfiles”. do bairro do Lavapés) e o Bloco das Bruxas Construindo um sonho – composto pelo pessoal do centro da cidade. Para o fundador da Nove de Julho um dos momentos de mais importantes vividos por ele foi a construção da quadra da escola. Além de improvisarem os instrumentos, também era necessário improvisar um lugar para fazer os ensaios. O equipamento guardado na sede do Ferroviários Atlético Clube – localizado próximo à praça Nove de Julho, que dá nome à escola. “Conseguimos um terreno doado pelo Governo do Estado. A Nove era para ser construída onde é hoje a Delegacia Seccional, mas depois houve uma mudança e nós acabamos ficando com a área onde é hoje a escola”. Silva diz que eles não tinham dinheiro para construir a quadra, e que tudo teve que ser feito com a ajuda dos próprios integrantes da escola. “Construímos tudo em sistema de mutirão. Todos ajudavam Primeiros instrumentos da escola eram improvisados de latões de carbureto com o que podiam. Também fazí-

amos rifas, festas e jantares para arrecadar verba necessária”.

Família unida A tradição do carnaval também faz parte da história da família de Silva. Além da participação dos irmãos, sobrinhos e filhos até a mãe e pai faziam parte da Nove. “Até meu pai que era evangélico saía com um saco de plástico para guardar as baquetas da bateria que quebravam. Meus filhos mesmo foram criados dentro da escola. A história da Nove Julho está unida à história da minha família”. A amizade entre os integrantes da escola era tão forte, que até quem não compartilhava a mesma herança genética era considerado um membro da família. “Em uma escola de samba todos são uma família só. A gente pega tanta amizade que acaba sentindo falta quando alguém não vai à quadra”.

Para Silva o carnaval deve ser visto com bom humor e muita alegria

Tempo de alegria Silva lembra ainda que o clima de amizade também se espalhava entre os membros de outras escolas. “Adoro escola de samba. Nunca tive problemas com ninguém, nossas disputas sempre foram apenas na Avenida, na hora dos desfiles”. Ele diz também que durante os desfiles não existe tempo para discussões, lamentos e tristezas. “Quando estraga um carro no meio do desfile não temos tempo nem para ficar triste. Você precisa pensar rápido e carregar o carro no braço se for preciso. Nunca tive esse negócio de ficar triste por causa de um desfile. Carnaval é sempre um momento de alegria”.

Marquesa de Santos Pedir para que Silva eleja o título mais importante que a escola já recebeu é o mesmo que pedir que ele escolha o filho predileto. Ele diz que todos os carnavais vencidos pela Nove de Julho tiveram um significado especial, mas fala que se recorda com muito carinho do enredo Marquesa de Santos – campeão do carnaval de 1987. “Foi realmente um desfile muito bonito. Fizemos uma carruagem que tinha uns cavalos negros. Até hoje as pessoas quando me encontram comentam desse desfile”. Silva se recorda também que o carnavalesco disse na última hora que não iria fazer o carnaval para a escola. “Trabalhamos por cerca de 15 dias sem parar para colocar o desfile na Avenida. Ficamos noite e dia organizando o

Nove de Julho nasceu das viagens que um grupo de amigos faziam para o litoral

carnaval. Agente não tinha tempo direito nem de almoçar. Comíamos pão com mortadela e seguíamos com o trabalho”. Ao final de tanto sacrifício a Marquesa cantada pela escola foi coroada campeã do carnaval de Bragança.

Novo tempo Por volta de 1994, Silva se afastou da escola. Ele afirma que não teve nenhum motivo particular para tomar a decisão, e fala apenas que “perdeu o pique”. “Os tempos mudam muito e a rotina dentro de uma escola de samba é muito cansativa”. Apesar de não participar ativamente das tomadas de decisão, atualmente ele ocupa o cargo de vice-presidente. “O presidente da escola é o meu sobrinho Cezinha. De vez em quando o pessoal vem falar comigo e me pede opinião sobre o enredo, sempre que posso dou uma ajuda para eles”. A última vez que a Nove de Julho foi campeã do carnaval bragantino foi em 1995 (um ano depois de Silva deixar o carnaval), com o enredo “Sem você eu vivo”. Mesmo longe do barracão, o fundador da escola diz que continua apaixonado por carnaval e diz que torce para que a escola possa ganhar, em breve, mais um título.


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S. C. Fraternidade

Alô minha comunidade! Escola de samba representa amor da comunidade do bairro Jardim da Fraternidade pelo carnaval bragantino

por MARIANA VIEL

O envolvimento de Maria José Vieira porque quando a gente chegava na Avenida da Silva com o carnaval começou ainda as pessoas falavam: “Lá vem o elevador!”. Nós na extinta escola de samba Unidos subíamos e no ano seguinte descíamos. Aquilo do Lago. Ela também foi porta-bandeira da nos deixava muito chateados porque nós já escola Mocidade Alegre (fixada no bairro começávamos o desfile com aquela impressão Jardim Fraternidade), mas que participou de de iríamos novamente cair de grupo. Nessa um único carnaval na cidade. Com o fim de época muitas pessoas se afastaram da escola ambas agremiações foi iniciado um projeto porque desanimaram”. para retomar uma escola que representasse Olhando para o alto a comunidade. “Quando me falaram de trazer a Unidos do Lago para cá eu disse que A realidade da escola começou a se transforachava a ideia boa, mas que a escola devia mar quando a atual diretoria tomou posse e mudar de nome. Sugeri que eles dessem o passou a organizar os desfiles. Em 2007, a nome de Fraternidade para tentar atrair e escola venceu o Grupo de Acesso e passou a envolver os moradores do nosso bairro e participar com mais força do Grupo Especial. Em 2010 a Fraternidade disputa pela terceira aqui da região”. Uma das primeiras atitudes de dona Maria vez consecutiva o carnaval entre as maiores José para tentar dar vida à nova escola foi escolas de Bragança. “Quando a nova diretoreunir a família para apresentar a ideia. “Não ria assumiu a escola as coisas começaram a podia abraçar esse projeto sozinha. Então mudar. A partir desse momento parece que reuni minha família para contar sobre o que as pessoas voltaram e se unir um pouco mais estava acontecendo. Todos gostaram da ideia em nome da escola”. e resolveram participar”. Depois de conseguir Apesar de ter conseguido se manter no grupo envolver as pessoas mais próximas, ela começou das escolas mais importantes da cidade, a a conversar com alguns moradores do bairro Fraternidade ainda sofre com o limitado núpara tentar atrair um número ainda maior mero de integrantes. “A maioria das pessoas aqui da Fraternidade não de pessoas. “A princípio participa. Muitas vezes, não foram muitos moraEu fazia as roupas se queremos uma escola dores que apostaram na ideia. Começamos com das Baianas aqui em casa melhor e mais bonita um número pequeno de mesmo, a Marina fazia a temos que procurar o integrantes”. Comissão de Frente na casa apoio de pessoas de Finalmente em 31 de dela, e as outras Alas eram fora do bairro”. dezembro de 1999 foi divididas nas casas dos Bom motivo fundada oficialmente outros integrantes. Acho que a escola que recebeu o foi por isso que pegamos um A luta e o empenho nome Sociedade Cultural amor tão grande pela escola dos apaixonados pela escola não tem limite. Fraternidade. O primeiro Para garantir que a Fragrande desafio da escola Maria José ternidade possa brilhar foi – apesar do número na Avenida Maria José reduzido de integrantes é capaz de fazer qualquer sacrifício. Ela se – conseguir iniciar um trabalho sério e de qualidade. “Foi difícil, mas tiveram pessoas lembra de um desfile em que a escola foi que realmente abraçaram a Fraternidade apoiada por um grupo que veio de ônibus com muito carinho e dedicação. Às vezes fico da cidade Atibaia. lembrando que o próprio Valter (Pereira da “A Ala chegou pronta em Bragança, mas Silva) começou na bateria e hoje é o presi- quando o desfile tava para começar nós vimos que os diretores que vieram de Atibaia não dente da escola”. tinham camisa da Harmonia para desfilar. Não achei justo que eles viessem de tão longe Sobe e desce Por ser uma das mais jovens escolas de Bra- e pudessem participar do desfile então tirei gança (com apenas 11 anos de fundação) a a minha camisa e dei para um deles”. Sociedade Fraternidade sempre se alternou A anfitriã da Fraternidade teve que sacrificar entre o Grupo Especial e de Acesso – uma o próprio carnaval em agradecimento ao verdadeira tortura para as pessoas que se apoio que outras pessoas estavam dando à empenham durante todo ano para organizar escola. “Foi o momento mais triste que vivi o desfile e acreditam no potencial da comu- na escola. Tive que ficar escondida em um nidade do bairro. A primeira vez em que a canto da Avenida com uma fantasia cobrindo Fraternidade se apresentou no carnaval foi apenas a parte da frente do meu corpo até a no ano 2000. Logo no desfile de estreia ela escola terminar”. subiu para o Grupo Especial. Em 2001, a Amor em família escola amargou o primeiro rebaixamento. Novamente no ano seguinte, a Fraternidade Maria José conta com orgulho que os filhos e voltou a integrar a elite do carnaval de Bra- sobrinhos foram criados dentro da escola. A gança, e assim continuou sucessivamente. filha, que atualmente tem 25 anos, e continua O sobe e desce da escola de samba rendeu a desfilando como destaque da Fraternidade ela o apelido de elevador. “Era muito triste participa desde criança do carnaval. Segundo

ela, o carinho e a admiração pela escola nasceram porque ela representa a vida, a luta e as conquistas dos moradores do bairro. “É como se todas as nossas lutas e dificuldades nos deixassem ainda mais fortes. Nós não temos barracão, trabalhamos em um lugar apertado, mas fazemos o melhor que podemos”. Ela lembra ainda que quando a escola começou as fantasias eram confeccionadas nas casas dos próprios membros da escola. “Eu fazia as roupas das Baianas aqui em casa mesmo, a Marina fazia a Comissão de Frente na casa dela, e as outras Alas eram divididas nas casas dos outros integrantes. Cada Ala era feita e guardada em uma casa diferente. Acho que foi por isso que pegamos um amor tão grande pela escola”.

Maria José: amor pela escola e pelo bairro Jardim Fraternidade

Carnaval para todos Na opinião de Maria José, uma das iniciativas mais importantes da diretoria da escola é fornecer gratuitamente as fantasias para as pessoas interessadas em participar dos desfiles da Fraternidade. Ela explica que uma das alternativas que a escola encontrou para possibilitar que as pessoas da comunidade, que não têm condições de pagar pelas roupas, participem da festa foi organizar eventos para arrecadação de dinheiro. “Nossas fantasias não são cobradas. Nem mesmo os destaques alugam as roupas. Nós emprestamos tudo gratuitamente com o compromisso da devolução ao final dos desfiles”. Outra característica que fortalece as relações entre os integrantes e a escola é a valorização individual de cada membro. “Não escolhemos uma ou outra pessoa por que são mais bonitas ou melhores. Queremos sim componentes, mas queremos componentes que gostem da escola. Queremos ver o amor na nossa escola, porque a Fraternidade é família”. O momento mais alegre dessa família é ver que o esforço de cada uma das pessoas que colaboram com a escola foi recompensado e a Fraternidade não voltou a cair. “É claro que queremos um dia ser campeãs do carnaval, mas o momento mais feliz que nós vivemos atualmente é saber que todos os nossos sacrifícios tiveram resultado positivo e a nossa escola continua entre as seis do Grupo Especial de Bragança. Valorizamos cada uma das pessoas que nos ajudam e sabemos que as nossas conquistas são fruto do trabalho de todos”.

Esforço dos integrantes da escola é recompensado na Avenida

História de amor entre Maria José e o carnaval começa ainda na Mocidade Alegre – primeira escola do bairro

Juliana e Rafael: mestre salas e porta-bandeira mirim


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Caprichosos Saada Abi Chedid

E viveram

felizes para sempre

Família divide o amor e a cumplicidade pelo carnaval O casal Cida e Edison, a filha Elisa e a neta Luiza formam três gerações apaixonadas pela “azul e verde” por MARIANA VIEL

A história do casal Aparecida e Edison apresentação de terça-feira. Moraes com a escola Caprichosos Saada “Comecei colocando as roupas para secar, Abi Chedid pode ser comparada a um porque naquele ano havia chovido muito, casamento. Antes de conhecerem o verdadeiro e nunca mais parei de ajudar. Meu marido amor “azul e verde” o casal namorou várias também passou a fazer parte do barracão de Alegorias e no ano passado outras escolas do carnaval foi indicado para ser o vicebragantino. Cida conta que eles apenas desfilavam nas Chego a deixar presidente da escola”. outras e revela que amor minha família e minha O envolvimento de dona mesmo só sentiu pela casa para ajudar a Cida com a escola é tão forte Caprichosos. Caprichosos. Faço que ela se mostra apreensiva O convite para desfilar pela pastéis para serem com a redução no número primeira vez na escola foi vendidos na quadra, de voluntários e colaboradofeito pelo atual carnavaajudo na confecção res. “Esse ano foi bastante lesco, Noy Camilo. “Eu ia das fantasias e em tudo complicado. Nossa sorte é torcer para o Vasco, lá da mais que precisar que começamos os trabalhos com antecedência”. Imigrantes, e um dia o Noy Cida Durante o período que convidou todo o time para antecede o carnaval ela vai desfilar na escola. Então eu, meu marido, meu filho e minha filha – que diariamente ao local onde são reformadas na época ainda era bem pequena – decidimos as fantasias compradas de grandes escolas participar”. Logo após a primeira noite de da capital paulista. “Costumo sair de casa lá desfiles, ela foi chamada para ajudar a arru- pelas 19h e só retornar depois da meia-noite. mar as fantasias da Ala das Baianas para a Chego a deixar minha família e minha casa para ajudar a Caprichosos. Faço pastéis para serem vendidos na quadra, ajudo na confecção das fantasias e em tudo mais que precisar”. Mas o que realmente faz com que ela perca o sono são os Carros Alegóricos. “Fico muito nervosa. A Alegoria é o tipo da coisa que não dá para qualquer um fazer, tem que ser alguém que saiba realmente. Sempre fico com medo das coisas não darem certo ou não ficarem prontas a tempo”. Edison explica que a correria e os imprevistos fazem parte do carnaval, mas diz que a situação da Caprichosos se agravou um pouco mais esse ano por causa da falta do Barracão de Alegoria. “O que está faltando para gente mesmo é espaço. Precisamos de um barracão para fazer nossos carros e fantasias”. O vice-presidente explica que a escola também precisa de uma nova quadra para a arrecadação verbas. Elisa fala que é praticamente impossível resistir ao carnaval da Caprichosos

Edson e Cida declaram o amor incondicional pela escola de samba

Momento especial A maior alegria experimentada por Cida durante os mais de 12 anos de amor incondicional à escola foi o convite que o Edison recebeu, no ano passado, para ser vice-presidente da escola. “Todos nós ficamos muito contentes porque o sentimento que temos pela escola é muito forte. Essa foi a melhor homenagem

que ele poderia receber depois de tanta dedicação e amor”. Mas o momento mais aguardado por toda comunidade “azul e verde” ainda é a conquista do tão desejado título de Campeã do carnaval de Bragança. A expectativa faz com que os apaixonados pela Caprichosos se esforcem a cada ano com mais garra para ver o sonho concretizado. “A esperança é a única coisa que não perdemos nunca. Nos dedicamos ao máximo para a escola e temos certeza que um dia o nosso título virá”.

Amor sem fronteiras O amor da família de dona Cida pela escola não conhece fronteiras. Mesmo sem nunca terem morado no bairro onde a escola foi fundada, a dedicação do casal é um exemplo para toda comunidade da região. “No começo o pessoal do próprio CDHU estranhou um pouco a nossa presença. Agora todo mundo já conhece a gente. Sentimos que eles têm muito carinho por nós. No barracão todos me respeitam muito”, afirma Edison.

Antes do carnaval, Cida ajuda na confecção das fantasias

Superando desafios Cida conta que há cerca de 10 anos, as integrantes da Ala das Baianas da Caprichosos desfilavam na sexta-feira na escola da Vila Maria (na capital paulista). “A fantasia que a gente usava lá era reaproveitada no nosso carnaval. Como os desfiles aqui aconteciam no domingo, nós passávamos o sábado adaptando a roupa ao nosso enredo. Era o dia e a noite inteira de trabalho”. Elisa, filha mais nova do casal, diz que o clima de festa e alegria do carnaval faz parte da rotina da casa o ano inteiro. Ela conta que muitas vezes os pais sacrificam o próprio desfile pelo bem da escola. “Várias vezes eles já ficaram sem participar do desfile porque não deu tempo deles trocarem de roupa”. Edison diz que já teve que abrir mão de muitos desfiles para, por exemplo, empurrar os Carros Alegóricos. “Antigamente se acontecia alguma coisa nós mesmos tínhamos que arrumar, hoje em dia pelo menos existe a Liesb (Liga Independente das Escolas de Samba) para fiscalizar tudo”.

De pai pra filha O amor do casal pela Caprichosos parece se espalhar facilmente entre as pessoas que convivem com eles. Elisa fala que desde que os pais saíram a primeira vez na escola ela também acompanha a festa. A jovem lembra de um ano em que optou por não desfilar por causa dos ciúmes de um ex-namorado. “Fiquei assistindo ao desfile da escola e chorando o tempo todo. Minha vontade era

Com apenas um ano de idade, Luiza participa do desfile da escola Pequeno Cisne

estar lá. Tem ano que estou até um pouco desanimada em participar, mas quando a época dos desfiles começa a se aproximar não há como resistir”. Elisa diz que um dos momentos que não foge da memória foi a primeira vez em que ela desfilou em cima de um Carro Alegórico. “Eu saía nas Alas, mas como os meus pais ajudavam muito na escola, ganhei um lugar no carro. Foi muito emocionante”. Se depender da família de dona Cida o futuro da Caprichosos estará garantido por ainda muitos carnavais. Em 2009, a neta Luisa, então com apenas um ano de idade, estreou na escola mirim Pequeno Cisne.

Cumplicidade azul e verde Edison explica que durante todo ano a família participa dos eventos realizados pela escola para a arrecadação de verba. Ele afirma que as coisas são bem mais fáceis quando todos estão unidos pela mesma paixão e objetivo. “Quando o carnaval começa a se aproximar a gente quase não consegue se encontrar. Eu chego em casa do barracão quase de manhã e ela também fica arrumando as fantasias até de madrugada. Para dar certo os dois precisam de gostar muito”.


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Acadêmicos da Vila

Sangue Azul Amor pelo carnaval e pela escola de samba Acadêmicos da Vila é transmitido de geração em geração por MARIANA VIEL

Há exatos 30 anos dona Anazir Silva Escola do bairro Leite se dedica de corpo e alma à escola A dona de casa lembra que quando começou de samba batizada com o nome do a participar da escola os ensaios da bateria bairro onde mora. A paixão pela escola é tão eram ao ar livre e aconteciam em uma pragrande que ela afirma que o próprio sangue cinha do bairro. Ela diz que naquela época mudou de cor. “É tanto amor que costumo quase todos os componentes da escola eram dizer que o meu sangue ficou azul”. No car- moradores da própria Vila Aparecida. “Com a naval deste ano, ela completa três décadas mudança para a quadra, muita gente deixou de dedicação à Vila. Além de participar dos de participar dos ensaios. Mesmo assim se desfiles, dona Anazir é responsável pelas 20 você perguntar de porta em porta eles vão fantasias da Ala das Baianas. “Quando chega dizer que são da Vila”. a semana do carnaval não dá nem para sentar A profissionalização da mão de obra que ajuda no sofá da sala. Quem quiser andar pela casa na confecção das fantasias e carros alegóricos precisa sair desviando das fantasias”. também fez com que muita gente parasse de A história de amor entre Anazir e a “Azul e dedicar gratuitamente para a escola. “Muita Branco” começou quando a filha Mércia foi gente começou a pensar que se as pessoas de convidada para ser destaque da escola. “Como fora da cidade recebiam para trabalhar, nós naquele ano eles estavam precisando de mais também deveríamos ser pagos. No meu caso Baianas, o presidente da trabalho porque gosto mesmo. época me chamou para sair. Ainda tem muita gente que se Fiquei meio envergonhada, Quando eles começam dedica voluntariamente, mas não sabia se ia ou não, mas a anunciar – Quem muitos profissionais vêm de acabei saindo”. Cerca de tá feliz bate no peito Parintins para fazer aquelas três carnavais depois ela se e diz, eu sou Vila grandes esculturas”. tornou destaque de Ala. – todo mundo chora. A Uma das propostas da esDurante todos esses anos emoção é muito forte, cola é promover cursos e ela marcou presença dentro não dá para controlar oficinas para formar, entre e fora do barracão da Vila. os próprios integrantes da Anazir Em 2001, um problema de escola, uma mão de obra saúde impediu que a dona especializada na confecção de casa desfilasse no chão com as outras das alegorias. Na tentativa de novamente Baianas. Contrariando as recomendações envolver a comunidade, uma das opções que médicas, ela saiu em um dos Carros Alegó- a Vila adotou para o carnaval desse ano foi ricos. “Eles colocaram inclusive uma cadeira não comprar – das grandes escolas de samba para eu sentar caso me cansasse. Então posso de São Paulo – as fantasias prontas. “Este ano afirmar com orgulho que não perdi nenhum estamos fazendo tudo aqui. Primeiro porque desfile nesses 30 anos”. achamos que é importante dar trabalho para Com o casamento dos filhos e o nascimento as pessoas da nossa cidade e do nosso bairro, dos netos, o amor da família de dona Anazir e em segundo lugar porque não encontramos pela Vila foi crescendo a cada ano. “Teve um fantasias prontas que se encaixassem no ano que saíram da minha casa oito destaques”. nosso enredo”. Um dos filhos de dona Anazir chegou incluDedicação integral sive a ser o carnavalesco da escola. “No ano passado o Domingos dirigiu e tomou conta A precisão de dona Anazir na hora de adeda Comissão de Frente. Sempre fomos de reçar as cabeças e os vestidos das 20 fantatrabalhar de madrugada e ajudar em tudo sias que integram a Ala das Baianas é uma adaptação da função que ela exerceu, com que for preciso”. Atualmente ela é diretora de Patrimônio e muita competência, durante a maior parte cuida do acervo de fantasias da Vila. Além da vida: dona de casa. Ela lembra que depois disso, ela também é voz ativa nas reuniões e que concluiu o 4º ano, o pai não quis que ela participa dos ensaios da escola. “Faço parte continuasse os estudos. “Para ele a mulher, da diretoria, vou aos ensaios e também ajudo daquela época, tinha que ser uma boa dona quando tem algum almoço ou evento para arrecadação de verba. Realmente participo de tudo o que acontece na escola”. A dona de casa diz que percebeu que havia se apaixonado irremediavelmente pela Vila Aparecida quando percebeu a importância de sua dedicação. “O mais importante do carnaval é a preparação. É muito cansativo porque você vai dormir de madrugada e passa raiva quando alguma coisa dá errado. Ao mesmo tempo quando a gente chega na Avenida e vê que tudo deu certo, que as fantasias ficaram boas e que o público gostou, é uma grande emoção. A gente se Giuliano, neto de Anazir, perpetua o amor pela escola empolga muito”.

de casa. Não tenho nenhum tipo de complexo e recalque em ser uma boa dona de casa. Graças ao meu trabalho aprendi a bordar, pintar e costurar. Também cozinho muito bem”. Todo o conhecimento que a dona de casa utilizou para cuidar do marido e dos filhos também foi dedicado à escola de samba. Ao mesmo tempo em que ela colabora com a Vila, a escola também é muito importante nessa fase da vida. “Tenho amigas que são professoras aposentadas e não têm o que fazer. Já, eu, tenho muito trabalho. Não consigo ficar parada”.

Dona Anazir comemora 30 anos de dedicação à Vila

Emoções O longo período de dedicação fez com que dona Anazir compartilhasse com a Vila momentos de muitas alegrias e tristezas. “Quando a Vila ganha é uma emoção, mas quando perde a gente fica amuada. Tem carnaval que nós temos certeza que vamos ganhar e acabamos perdendo. Em compensação tem ano que achamos que não vamos conseguir e acabamos vencendo”. Ela se recorda com muito carinho do carnaval de 1999, quando a Vila contou a história do pavão – símbolo da escola. “Foi um carnaval muito bonito. O samba daquele ano pegou de uma maneira que se transformou em uma espécie de hino para nós. Esse foi um dos carnavais mais bonitos e contentes que a gente passou”. Anazir explica que durante o carnaval as fortes emoções também são capazes de provocar lágrimas na Avenida. “Quando eles começam a anunciar – Quem tá feliz bate no peito e diz, eu sou Vila – todo mundo chora. A emoção é muito forte, não dá para controlar”. A recordação mais triste que ela tem do carnaval foi há quatros anos. “Meu marido faleceu apenas uma semana antes do desfile. Apesar dele não participar da escola, respeitava muito o meu gosto. Nem a bagunça de fantasias espalhava pela casa o incomodava. Ele foi sempre um companheiro”. Em memória ao marido, dona Anazir decidiu que não desfilaria. “Decidi que não ia sair, mas meus filhos insistiram muito e disse-

Renato representa o pintor Debret, no carnaval de 93

Às vésperas do carnaval, fantasias de Baianas ocupam quase toda casa

ram que se o pai estivesse vivo iria querer que eu saísse”. Os próprios filhos – Mércia e Domingos – remontaram uma das fantasias que ela havia usado alguns anos antes. “Eles montaram a cabeça e o costeiro, colaram as coisas em cima da fantasia e eu desfilei. Foi um ano muito triste”.

Amor infinito A dedicação de dona Anazir pela Vila é tão grande que filhos e netos costumam dizer que ela gosta mais da Vila do que família. A dona de casa diz que a brincadeira não é verdade e que todos eles ocupam o mesmo espaço em seu coração. “Uma das minhas netas que mora em São Paulo me deu um celular no Natal do ano passado para conseguir falar comigo. Ela diz que sempre que telefona na minha casa eu estou na escola”.

Neto de pavão, pavãozinho é Carnaval na casa da avó Anazir tem cara de desfile o tempo todo. Ela conta que a paixão pela escola é quase uma herança genética passada de pai de para filho, e de avó para neto. “Todo mundo acaba entrando na história. Desde pequenos eles acostumam a queimar a mão na cola quente, a pregar metalóide e colar penas e lantejoulas nas fantasias. Todos eles me ajudam nessa parte de adereços”.

Mércia foi a primeira convidada a desfilar na Vila

Domingos já foi o carnavalesco da escola


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Dragão Imperial

A vida azul e rosa Não foi só questão de escolha me apaixonar por MARIANA VIEL

O coração de Neusa Aparecida Cos- prometer a saúde de Neusa. Horas depois de ta Cirico bate no ritmo da Bateria deixar o hospital, por causa de uma operação de Show da escola de samba Dragão varizes, a dona de casa ignorou as recomendaImperial. Para evidenciar o amor pela escola, ções médicas e foi para a avenida acompanhar ela usa o “azul e rosa” em vários detalhes da os desfiles. “Consegui descer numa boa para a decoração da casa. As cores também estão Passarela, mas na hora de subir de novo para presentes nas almofadas da sala de estar casa meu marido teve que arrumar um carro e até nas fitinhas que enfeitam a coleira emprestado para me buscar. Minha perna da cachorrinha Pretinha – frequentadora ficou inteira preta”. assídua dos ensaios da escola. Para satisfazer um dos maiores sonhos da Alguns enfeites da casa também fazem menção esposa, Seu Arcângelo garantiu a ela que no ao símbolo da escola de samba: o dragão. “Para próximo carnaval eles desfilariam juntos. mim o carnaval é melhor do que o Natal, ou Mas o destino mais uma vez relutou em não qualquer outra festa. É uma comemoração colaborar. Depois de sofrer um acidente, coletiva, um momento de alegria e de coisas Neusa teve que se submeter a quatro cirurgias boas”. Ela explica que depois que casou (pela e andar de muletas por cerca de dois anos. primeira vez) e se mudou para um sítio passava “Não conseguia desfilar, mas mesmo assim as noites de folia assistido ia assistir as escolas”. aos desfiles das escolas pela Quando entrei e vi Paraíso televisão. escrito “Dragão Imperial” Em 1999, quando a neta Com o divórcio, 21 anos senti como se estivesse mais tarde, a dona de casa no céu. Simplesmente Jaqueline de Lima, então diz que não tinha mais quem amei. Disse na mesma com 6 anos de idade, tama segurasse em casa durante hora para o meu marido bém manifestou a vontade de desfilar, ela e o marido o carnaval. “Quando assisti que era ali mesmo que resolveram procurar uma pela primeira vez um desfile eu queria ficar escola em toda a família ao vivo, parecia que estava pudesse participar. Ela no céu. Fiquei deslumbrada Neusa conta que como faltavam com as cores, os carros e as fantasias”. Apesar do encanto, Neusa afirma poucos dias para o carnaval não conseguiu que se considerava muito velha para sair na vaga nenhuma Ala. avenida. “Eu era divorciada e meus filhos já Enquanto passavam nas proximidades da Praça do Matadouro Neusa escutou o som de eram grandes. Fiquei com vergonha”. Quando começou a namorar o atual marido, uma bateria. No exato momento em que pisou Arcângelo Rafael Cirico, ela teve finalmente na quadra da escola ela diz que sentiu uma a oportunidade de ficar mais próxima de grande emoção. “Quando entrei e vi escrito seu sonho. “Ele também gostava de carna- “Dragão Imperial” senti como se estivesse no val e já tinha até saído na Lavapés. Vi que céu. Simplesmente amei. Disse na mesma finalmente podia ter chegado a minha hora hora para o meu marido que era ali mesmo que eu queria ficar”. de participar”. A emoção de participar pela primeira vez de um desfile foi uma sensação quase indescritível. Loucuras de carnaval A paixão pelo carnaval já chegou até a com- “Parecia que eu estava nas nuvens. Prometi a mim mesma que nunca mais iria parar”. Depois da primeira experiência, Neusa passou a ser presença certa nos ensaios da Dragão. Em pouco tempo ela e a família também começaram ajudar no que fosse preciso. Um dos filhos de Neusa construiu um barracão na casa da família no Jardim Iguatemi para guardar as fantasias da escola. A vontade de colaborar com a escola é tão grande que uma das decepções da dona de casa foi ainda não ter ganhado na MegaJaqueline participa da Bateria Show da Dragão Sena. “Se eu ganhasse na Mega-Sena faria duas coisas: primeiro iria construir uma nova quadra para a Dragão Imperial e depois ajudaria o asilo”.

Herdeiros da Dragão

Família também se reúne para pular carnaval na praça

O amor pelo carnaval também contagiou a neta Jaqueline. Além de fazer parte da bateria do Grupo Especial, a jovem integra a Comissão de Frente da escola mirim Herdeiros da Dragão. Apenas no ano passado a Bateria Show da escola se apresentou em 45 eventos ao longo do ano.

Há dois anos, o filho mais velho de Neusa – que também participava da escola – está impedido de desfilar por causa de compromissos de trabalho. Mesmo assim, as noras e as netas são presença certa na Avenida. Seu Arcângelo, atualmente é um dos integrantes da Harmonia. “Ele é o primeiro a querer participar, se bobear é até mais apaixonado do que eu”.

Vestida de Baiana, Neusa faz uma de suas coisas preferidas: desfilar no carnaval

Volta por cima O momento que está na memória de Neusa, como um dos mais tristes que ela viveu na Dragão foi no carnaval Neta e avó dividem a paixão de 2006. O caminhão que fazia o pela Dragão Imperial transporte das fantasias da escola – da capital paulista para Bragança – caiu no Rio Tietê. “Aquele dia no barracão foi a coisa mais triste do mundo. Todos nós choramos porque algumas Alas não iriam conseguir sair completas e a escola podia perder pontos”. Mais uma vez a união da “Família Imperial” falou mais alto o amor pela escola transformou a dor em esperança. Em mutirão, os integrantes começaram Arcângelo e Neusa são presença certa a consertar as fantasias danificadas. nos desfiles e no barracão da escola “Todo mundo correu com agulha, linha e começou a cortar e costurar as roupas faz direitinho e a coisa falha na última hora. no próprio corpo. Foi muito emocionante ver Às vezes as escolas preparam aquele carro as pessoas colando os enfeites e pregando o esplendoroso e minutos antes de entrar que havia se soltado”. no desfile a chuva cai e estraga tudo. Acho Depois de muito esforço a Dragão conseguiu que nesse sentido a gente deve se unir cada se reorganizar para o desfile. “No momento vez mais”. em que o Cléber (Centini) anunciou que a Neusa diz que é comum presenciar os membros passarela era nossa e começamos a ouvir os da bateria da escola emprestando instrumentos estouros dos fogos de artifício todo mundo para outras baterias e ver os integrantes da se emocionou. Naquele momento era lágrima Dragão entrarem no desfile de outra agremisturada com chuva e muita alegria. Con- miação para empurrar o Carro Alegórico que seguimos sair na avenida e ainda por cima quebrou no meio do desfile. “Eu mesma já vencemos o carnaval”. desfilei na Júlio Mesquita para ajudar. O bom é que nós também sabemos que não somos Família Imperial perfeitos e conseguimos pedir ajuda quando Neusa fala ainda mais bonito quando o assunto precisamos”. é a união das escolas do Grupo de Acesso e Especial de Bragança. Ela explica que sempre Hora do espetáculo que acabam os desfiles, e os integrantes e A proximidade da grande noite de desfiles faz dirigentes de outras escolas se encontram, o coração de Neusa bater ainda mais acelerado. acontece uma espécie de confraternização Para garantir que nada vai atrapalhar a festa entre eles. “A gente se diverte, é muito gostoso, ela programa, com antecedência, o cardápio mas o sacrifício só quem ta dentro é que sabe. que irá servir para família. É trabalhoso para todas as escolas e todas Mas quem pensa que a dona de casa tem tempo merecem reconhecimento”. para perder preparando almoços elaborados Na opinião da dona de casa a características está enganado. “Para mim o carnaval começa mais marcante da escola é o diálogo e a vontade na quinta-feira, com o ensaio técnico e vai de melhorar sempre. “As pessoas conversam até quarta-feira de cinza. São quase sete dias muito, discutem entre si, e chegam a várias de festa. A alternativa é comer lanche e no conclusões sobre aquilo que está errado. máximo um macarrão fácil de preparar”. Ninguém tem medo de dizer que errou ou A família também se apresenta com a escola apontar alguma falha de outra pessoa”. no carnaval de cidades vizinhas como, JoaComo imprevistos com fantasias e carros nópolis, Serra Negra e Socorro. “Acabamos alegóricos são bastante comuns durante a o nosso desfile aqui e entramos no ônibus os desfiles, o respeito da autodenominada para participar de outros carnavais da região. “Família Imperial” se estende para todo o É muito corrido, mas ao mesmo tempo é carnaval bragantino. “Tem coisa que a gente uma sensação maravilhosa”.


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Teen

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Alugam-se

príncipes

Eles têm de 17 a 21 anos e levam até R$ 70 para valsar com debutantes por CHICO FELITTI /FOLHAPRESS

Se no conto de fadas o príncipe chega a cavalo branco, na Mooca ele chega de Gol 1.0 e em Pinheiros vem de van escolar, em patota. No mundo real, a realeza não chega por amor, e sim por cachês de até R$ 70. Esses cavalheiros são garotos que, por grana ou por farra, dançam em festas de 15 anos. O Teen acompanhou o trabalho de dois grupos desses estagiários em farda de cadete. Por terem de 17 a 21 anos e serem quase todos universitários, estão cansados na noite de sexta, a menos nobre do ofício. Quando, às 22h, Leandro Nobre, 19, chega ao bufê na Mooca (zona leste de SP) com os Príncipes de Honra, já passou pela faculdade de engenharia ambiental e pelo estágio. Também já passou de carro para conduzir três amigos. Motorista dessa trupe é obrigado a transportar os colegas pedestres -e embolsa R$ 60 por isso. O valor é três vezes o cachê pela festa, de R$ 20. “É pouco, mas trampo na sexta só para sair no sábado”, diz André Moreira, 19, um ano de mercado. Apesar de frequentador voraz de baladas na Vila Olímpia, Moreira diz não dançar bem. Como todos os entrevistados, fala que não fez aula de valsa. Aprendem nas festas as coreografias, inclusive FOTO: ADRIANO VIZONI/FOLHA IMAGEM

a complexa do túnel de espadas, que apresentam à 0h40. “Da primeira vez, dá nervoso. Depois, é fácil”, garante Moreira. Nem um príncipe infante precisava ter medo de errar e ficar mal nessa valsa. O trono de príncipe-maior já era do namorado de 1,90 m da aniversariante, Leticia Napolitano. O casal se fez há três meses, em uma festa de debutante. Depois da dança, eles voltam às roupas civis no carro. Alguns fumam antes de tornar à festa. Na noite seguinte, 14 garotos da Cavalheiros de Honra já se secaram ao chegar de smoking e de van escolar a um dos bufês mais chiques da cidade, em Pinheiros - zona oeste de SP. É que um toró havia surpreendido o grupo (não confunda com os Príncipes de Honra) no metrô Tatuapé, onde todos se encontram para pegar o coletivo para ir trabalhar. A festa de hoje é no salão servido por 30 garçons em que uma vez eles tiveram de usar “ponto” eletrônico para ouvir ordens do diretor de cena. Só que, dessa vez, vão sem tecnologia e sem a tradição das espadas -escolha da aniversariante, que também pode selecionar “seus” príncipes, entre fotos de mais de 40 opções. Além de desarmada, a comitiva real vai sem líder: o par da debutante Gabriela Camilo Teixeira na festa com tema “A Bela e a Fera” será o pai, vestido como o monstro da Disney. Mas o desfalque não baixou o pagamento de R$ 70, mais transporte, para cada um deles. Nada perto dos R$ 2.500 que uma mãe diz ter pago pelo “pacote” de 15 garotos, para a festa da filha, no mês passado.

E raspar a cabeça? Os Principes de Honra fazem a valsa das espadas, na Mooca

Como entrar no mercado? Não há olheiros vasculhando a rua atrás de príncipes, conta Nelson

Neto, 17. Ele diz que indicação de alguém do grupo é coroação certa, pois “mais do que bonito, tem que ter índole”. Por ter índole, entenda-se respeitar as regras: príncipe não bebe, não fuma e não está no baile para “pegar” mulher - a reportagem viu 11 “ficadas” de príncipes e convidadas. Há mais interdição: príncipe não pode ter cabelo colorido. Nem piercing. Brinco, às vezes. E raspar a cabeça... não pode. Um descumprimento basta para a expulsão. Mas nunca rolou, garantem eles. “A aposentadoria é por aparência: você deixa de ser chamado para dançar, até desistir”, conta Caio Barril, 21, o ancião da turma. O truque, então, é parecer mais novo. “É bom fazer a barba logo antes da festa, para não arranhar o rosto das “minas’”, diz Leandro Nobre, 19. Seguindo o sobrenome, Nobre diz que não vai largar a lida: “Só saio dessa vida quando me arrumar uma princesa”.

Cadetes de verdade podem ir É possível chamar cadetes da FAB (Força Aérea Brasileira) para dançar na sua festa, segundo a Aeronáutica. Os convites devem ser feitos diretamente aos jovens militares, que não podem receber pelos passos.

Clubes de SP não fazem mais bailes O vestido (emprestado) de debutante que Gabrielle Simão, 17, usa é o primeiro de sua vida. Não por falta de querer: há dois anos, ela ensaiou debutar nos bailes dos clubes Círculo Militar e Monte Líbano. Em vão. Por falta de meninas para ratear o custo, ambas as festas foram canceladas. Só no Círculo Militar, foram 13 garotas barradas do baile - 20 era o mínimo delas para a festa acontecer. Para Gabrielle, “foi uma sensação de angústia e de tristeza, mas não chegou a tirar o sono”. A sem-baile trocou, então, sua estreia social por um mês na Europa. “Hoje, escolheria a viagem de qualquer maneira.”

FOTO: ADRIANO VIZONI/FOLHA IMAGEM

Os Cavalheiros de Honra prestes a tomar o salão com seus pares, em Pinheiros

Além do Círculo e do Monte Líbano, também deixaram de promover bailes nove clubes: Paineiras do Morumby, Esperia, Pinheiros, Paulistano, Banespa, Juventus, de Regatas do Tietê, Hípico de Santo Amaro e a Sociedade Hípica Paulista. “O fim dos bailes de clubes é uma pena. Eu prefiro baile, que tem sonho para as meninas. Mas elas preferem festas individuais”, lamentase o consultor de etiqueta Fabio Arruda.

Dando um baile Se você não sabe qual é a distinção entre baile e festa de debutante, Arruda ensina: “São completamente diferentes!”. O baile segue um padrão clássico: primeiro um jantar e depois a apresentação, dançante, das garotas para a sociedade. O evento tradicional exigia até aulas de etiqueta, para se portar como uma dama. Christine Yufon diz que há meses não tem uma teen em sua tradicional escola de boas maneiras. Já na festa, “faz-se balada, discoteca, noite temática, usa-se vestido curto”. “E acaba virando uma coisa qualquer coisa, na maioria das vezes”, diz o ex-”A Fazenda”.


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Casa & Reforma

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Além das

aparências

Antes da demão de tinta para renovar o visual da parede, é preciso corrigir problemas como fissuras e infiltrações por CRISTIANE CAPUCHINHO /MARIANA DESIMONE /FOLHAPRESS

Só pintar uma parede já transforma um cômodo. Mas, para ganhar cara nova, nem sempre é de apenas uma demão de tinta que ela necessita: pode ser preciso tratar de fissuras na superfície ou de pequenas infiltrações oriundas de janelas antes de retocar a “maquiagem”. Alguns sinais, como manchas, denunciam a existência desses males. Junções de janelas e portas com a alvenaria pedem atenção especial. “Esses locais serão mais acometidos de problemas, caso não recebam o tratamento adequado”, explica Kurt Amann, professor do curso de engenharia civil da FEI (Fundação Educacional Inaciana) -saiba os procedimentos recomendados para cada situação nas perguntas e respostas a seguir. O professor também ressalta a importância de ter mão de obra qualificada. “A grande maioria de erros que vejo é decorrente ou do uso incorreto da tinta ou de pressa excessiva. Se não for respeitado o tempo de cura da superfície, vão se formar bolhas, e [a pintura] não vai durar o tempo que deveria.”

Sem lixar Muitas vezes a falta de um procedimento simples compromete o resultado do trabalho. Esse foi o caso de Jusceline Gon, 49, ao reformar seu apartamento na Vila Mariana (zona sul). A artista plástica é de Londrina (PR) e, sem referências de profissionais na capital, decidiu contratar um pintor indicado por uma loja de tintas. Preços e prazo acertados, o trabalho ficou pronto com três dias de antecedência em relação ao acordado. O que parecia vantagem em pouco tempo se converteu em decepção. “Fomos colocar as maçanetas e a tinta já descascou”, diz. Experimentada em reformas, ela imagina: “Ele não deve ter lixado a pintura que estava por baixo”. Já a parede da sala ficou com uma mancha mais escura. “Eu sabia que essa tinta não aceitava retoques, mas ele disse que a mancha era sinal de que a pintura ainda estava fresca”, conta. Eder Pereira, coordenador de serviços ao mercado da fabricante Suvinil, sugere a leitura das instruções dos produtos. “Recebemos muitas perguntas relativas a uso errado no serviço ao consumidor. É importante se informar e conversar com quem está fazendo a reforma.”

FOTO: RAFAEL HUPSEL/FOLHA IMAGEM

Cada problema, uma sentença MADEIRA Qual a tinta e o acabamento mais indicados para o material? Além de verniz ou “stain” como proteção, usa-se tinta esmalte para colorir. Em áreas Infiltração na casa do vendedor externas, o acabamenNilton Teixeira, em São Paulo to brilhante é mais a mancha aparece. adequado. “O brilho da tinta é resina, o que ajuda a proteger das Como consertar trincas? intempéries. Acabamentos fosco e acetinado As trincas, ou fissuras, sinalizam desde a duram menos por ter maior porosidade”, fala aplicação da tinta antes do tempo de cura o consultor técnico da fabricante Solventex, da massa, passando por umidade nas paredes, até problemas estruturais da parede. José Alves Cintrão. Qual a diferença entre produtos à base As mais superficiais podem ser preenchidas com selantes acrílicos -não indicados para solvente e à base d’água? A diferença está na adesão. A tinta à base contato com água. d’água exige a preparação adequada da su- Em trincas mais largas, em geral, é preciso perfície: lixar a pintura anterior para aplicar a alargar a fissura com uma espátula. Depois nova tinta, para evitar descascamento. Com retira-se o pó com um pano úmido. Cada tipo base solvente, se isso não é feito, ainda há de fissura requer um selante específico. Como eliminar as manchas de mofo do aderência, mesmo que não a adequada. Como a tinta à base d’água é mais simples de teto do banheiro? ser diluída e tem menos odor do que aquela Como elas surgem pela falta de ventilação, à base de solvente, é indicada para quem abrir sempre a janela após o banho já evita pinta a própria casa, diz William Hamam, o mofo. Ele pode ser removido com solução de água sanitária e água, usando uma escova da fabricante Tintas Futura. Se a madeira tem rachaduras, como re- e esfregando o local. Se o forro é de gesso, deve ser aplicada tinta cuperá-la? Quando as fissuras são milimétricas, carac- própria para gesso ou fundo preparador de terísticas da própria madeira, deve ser feita paredes para a pintura -no lugar da tinta esa aplicação de um “primer” específico para pecífica. O material não permitirá a absorção da umidade. o material. No caso de trincas mais extensas, usa-se uma massa para madeira para preencher os espaços. Depois de lixar a superfície, a tinta pode ser aplicada. PAREDES Como evitar bolhas? O problema ocorre se a massa corrida tem contato com umidade, na falta de impermeabilização da estrutura ou caso a pintura seja feita em superfície com pó. Limpe bem depois de lixar. As bolhas também aparecem se a repintura é feita sobre a tinta anterior ou sem lixamento prévio. Para corrigir, basta raspar e lixar a área com bolhas -se há massa corrida em contato com áreas úmidas, ela deve ser retirada. Depois, aplica-se selante e prossegue-se com a repintura. Por que aparecem manchas amareladas em ambientes internos? Pode ser pela presença frequente de fumantes ou pelo uso recorrente de óleos, em frituras, por exemplo. Para evitar o problema podemse usar tintas menos porosas, como esmaltes sintéticos brilhantes -melhores que os acetinados. A repintura deve ocorrer com maior frequência. As paredes podem ser lavadas com água sanitária diluída em água quando

METAL Como tratar a ferrugem? Deve ser feito lixamento de todos os pontos de ferrugem. “Se sobrar algum, ele causará o despregamento da tinta”, alerta o arquiteto Carlos Galbe. Após o lixamento, aplique uma demão de fundo anticorrosivo (zarcão). A tinta só poderá ser passada após a completa secagem desse produto. Em portas e janelas de alumínio, como deve ser feita a pintura? Mesmo não sendo necessário o fundo anticorrosivo em alumínio ou aço galvanizado, é preciso aplicar um fundo promotor de aderência antes da tinta. Sem essa aplicação, a tinta de esmalte sintético pode ser retirada até com a unha. Alguns esmaltes à base d’água dizem na embalagem que essa preparação é dispensável. Qual o melhor tipo de acabamento? A escolha por acetinado, brilhante ou fosco tem forte relação com as preferências na decoração. Para a durabilidade, a regra de porosidade é válida: o brilhante é o menos poroso e, portanto, mais durável. O acabamento fosco é o completamente oposto: é recomendado deixá-lo para áreas internas.


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Comportamento

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FOTO: DANILO VERPA/FOLHA IMAGEM

Termômetros

em alta

No verão, crianças ficam mais sucetíveis a problemas como micoses, alergias e desidratação; saiba como agir para não precisar interromper a diversão Nicholas Kerkmeester, 4, brinca na praia de Cambury, em Sao Sebastião, no Litoral Norte de São Paulo por RACHEL BOTELHO / GABRIELA CUPANI/ FOLHAPRESS

Verão é sinônimo de praia e sol. Mas enquanto adultos e crianças desfrutam o ‘dolce far niente’, milhões de micro-organismos ficam à espreita esperando uma oportunidade para atacar. E os pequenos estão entre os alvos preferidos. Conheça alguns males da estação e o que fazer em cada caso. ‘E, antes de viajar, peça ao pediatra uma lista de medicamentos que podem ser necessários, principalmente se for para o exterior ou para um local sem acesso fácil ao telefone’, recomenda Isabel Rey Madeira, presidente do Departamento de Pediatria Ambulatorial da Sociedade Brasileira de Pediatria.

Conjuntivite O que é: Reação inflamatória na conjuntiva, película que recobre o globo ocular. Existem várias causas e a mais frequente no verão é a irritação provocada pelo sol ou por contato com cloro presente na água da piscina e com areia. A proximidade de outras crianças também facilita a conjuntivite viral. Se não for tratada, ela pode evoluir para a conjuntivite infecciosa Sintomas: Vermelhidão, coceira e dor na região dos olhos Como prevenir: Lavar sempre as mãos, usar óculos na piscina ou evitar abrir os olhos debaixo d’água sem proteção, não levar a mão suja de areia até os olhos. Mas os pediatras reconhecem que quem lida com criança sabe que isso é difícil Onde pega: Na piscina, na areia e em locais com aglomeração de pessoas O que fazer: Procurar um oftalmologista o quanto antes para descobrir o tipo de conjuntivite e tratá-la adequadamente O que não fazer: Usar água boricada. Pode irritar o olho de crianças mais suscetíveis e dificultar o diagnóstico

Micose O que é: Lesões causada por fungos, bem definidas Sintomas: Coceira e lesões de vários tipos. Algumas são manchas esbranquiçadas ou acastanhadas nos braços e dorso. Outras são vermelhas, descamativas e arredondadas, que atingem várias partes do corpo Como prevenir: Entrar somente em piscinas de água limpa, não compartilhar toalhas, evitar andar descalço em poças ao redor da piscina, secar bem os pés e não ficar muito tempo com roupas úmidas Onde pega: Em qualquer lugar em que haja calor e umidade, condições que facilitam a proliferação de fungos. Tênis fechados também favorecem o surgimento de micoses O que fazer: Se houver poucas lesões, manter o local bem seco e passar antifúngico tópico. Caso contrário, é melhor consultar o pediatra O que não fazer: Passar tinta de caneta em volta das lesões não adianta nada, assim como usar talco

Bicho Geográfico O que é: Causado pela penetração na derme da larva de um parasita presente no intestino de cães e gatos. Ela percorre um caminho na pele deixando um rastro, o que deu origem a seu apelido Sintomas: Coceira e um traçado saliente e avermelhado na pele. Atinge a planta dos pés e também mãos e braços Como prevenir: Evitar contato com areia principalmente se notar a presença de animais Onde pega: Na areia, mesmo que as fezes já tenham sido retiradas. É muito raro passar de pessoa para pessoa O que fazer: Aplicar na pele, fazendo um círculo em torno da lesão, o vermífugo Tiabendazol O que não fazer: Passar álcool, porque resseca a pele e provoca mais coceira

Queimadura de sol O que é: Queimadura causada pelos raios UV Sintomas: Vermelhidão e, nos casos graves, bolhas Como prevenir: Passar sempre protetor solar e, nas crianças de pele sensível, usar camiseta. Evitar o sol entre 9h e 16h O que fazer: Se a queimadura for leve, passar bastante hidratante, sem corantes nem perfume, para evitar alergias. Se necessário, aplicar hidrocortisona de uso tópico por dois ou três dias, no máximo. Se houver bolhas, que indicam queimadura de

2º ou 3º grau, não furá-las nem cobri-las e procurar um médico O que não fazer: Não passar substâncias como manteiga e pó de café porque podem causar infecção. Anti-histamínicos são contraindicados porque elevam risco de alergia

Insolação O que é: Enfermidade causada por exposição excessiva ao sol Sintomas: Sinais de desidratação, olho fundo, pele ressecada, elevação da temperatura corporal, muita sede, prostração, vômitos e até desmaio Como prevenir: Evitar exposição solar no horário de pico, tomar muito líquido, refrescarse no mar ou na piscina e ficar à sombra Onde pega: Sob o sol intenso O que fazer: Se a criança apresentar alguns dos sintomas citados, deve-se procurar um pronto-socorro, porque o problema pode evoluir e até matar

Desidratação O que é: Falta de água no organismo. Pode ocorrer por infecção intestinal, porque os alimentos se deterioram com mais facilidade no calor, ou como consequência da insolação Sintomas: Irritação, sede excessiva, olhos fundos, pele ressecada. Em estágio mais avançado, esses sintomas se agravam e ocorre sonolência, prostração e afundamento da ‘moleira’ em bebês Como prevenir: No verão, a criança deve beber mais líquido e os alimentos precisam ser transportados em bolsas térmicas com gelo. Leve uma garrafa de água filtrada aonde for, ofereça à criança alimentos mais leves e que contenham muito líquido, como as frutas. Onde pega: Em qualquer lugar onde a temperatura esteja elevada O que fazer: Se apresentar vômito e diarreia, oferecer soro reidratante e água. Para fazer o soro caseiro, mistura-se 1 l de água, 2 colheres (sopa) de açúcar e 1 colher (café) de sal. Consulte o pediatra se as evacuações forem muito frequentes ou se estiver vomitando muito. As crianças se desidratam rapidamente e o quadro pode ser grave. O que não fazer: Isotônicos e refrigerantes não têm a concentração adequada de sódio e glicose para promover a reidratação adequada. Água de coco não substitui a água.

Picadas de insetos Sintomas: Aparecimento de pápulas vermelhas que coçam Como prevenir: Usar repelente tópico e também os de tomada. Evite os de spray, que podem ser tóxicos. Feche a janela antes do sol se pôr ou deixe as janelas e portas fechadas O que fazer: Pomadas antialérgicas podem

ser usadas em picadas pequenas, mas devem ser indicadas pelo pediatra. Se houver reação mais intensa, tomar antialérgico de uso oral. Se o inseto for desconhecido, o ideal é pegá-lo e procurar socorro médico. Os pais devem ficar atentos a uma possível reação. Se tem histórico de reação alérgica, não deve-se esperar. Se o inseto deixar o ferrão na pele, visto como um ponto preto, é bom ir ao médico para tirar O que não fazer: Espremer a picada pode causar inflamação. Não use pomadas sem indicação médica nem aquelas com antibiótico

Alergia O que é: Reação exagerada do sistema imunológico contra alguma substância estranha Sintomas: O corpo fica vermelho, há formação de placas vermelhas e elevadas na pele que coçam, inchaço principalmente dos lábios e pálpebras, dificuldade em respirar Como prevenir: Evitar contato com o agente causador de alergia, se a criança já tiver apresentado uma reação similar anteriormente. Onde pega: No verão há um aumento das reações a picadas de inseto. As causadas por mosquitos não costumam ser graves, mas algumas pessoas podem ser extremamente alérgicas a picadas de abelhas ou formigas. As alergias também podem ser desencadeadas por contato com animais, pó, pólen e alimentos, entre outros. Camarão, amendoim e, nas crianças pequenas, leite e ovos, estão entre os principais causadores de reações. O que fazer: Se a criança apresentar os sintomas acima, corra para o médico. Pode ser um sinal de choque anafilático, reação extremamente grave que pode ser fatal. Pessoas sabidamente alérgicas devem carregar, se possível, uma injeção autoaplicável de adrenalina. O que não fazer: esperar para ver se o quadro melhora sozinho. Diante dos sintomas, procure sempre um médico.

Hepatite A O que é: Infecção causada por um vírus presente em água ou alimentos contaminados Sintomas: O período de incubação é de 15 a 30 dias. Pode haver náuseas, enjoo, vômitos, fezes moles e claras, icterícia. Algumas pessoas, no entanto, não apresentam sintomas. Como prevenir: Consumir alimentos de procedência conhecida e não entrar em águas poluídas com coliformes fecais. Há vacina disponível na rede particular. Onde pega: Água ou alimentos contaminados, praias que recebem dejetos. O que fazer: Procurar um médico. O tratamento inclui repouso. O que não fazer: não tome remédios por conta própia.


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CRÍTICA/”O SOM DA MONTANHA’

Antenado

Kawabata retrata Japão lírico e natural no pós-guerra Patriarca decadente conduz romance de vencedor do Prêmio Nobel de 1968 por MARCELO PEN /FOLHAPRESS

Embora o ciclo dos 60 anos repre-

pinturas de ‘ukiyoe’, por exemplo, aos regis-

Amor e morte

sente no Japão o renascimento de

tros da natureza e dos sentimentos expressos

Amor e morte andam juntos também nas

transformações.

uma pessoa, é justamente quando

pelos haicais.

cenas envolvendo uma máscara comprada

É para esses dois lados, o social e o lírico, o

por Shingo à família de um amigo morto.

moderno e o antigo, o mundano e o natural,

A peça representa o eterno adolescente no

que se desloca o olhar de Kawabata. Mas, se

chega a essa idade que Shingo Ogata sofre

e envergonhada e passando por profundas

uma pequena crise de hemoptise. Um ano

Passagem das estações

depois os sinais da decadência física e moral

As tensões e distensões dramáticas se aliam,

teatro nô. Ao aproximá-la do rosto, porém,

formos pesar um e outro, ao menos através

se multiplicam. A memória começa a falhar, a

assim, não só aos atos de vontade das per-

Shingo vê as feições andróginas adquirirem

da perspectiva do velho patriarca, devemos

vista fica cansada e, principalmente, a família

sonagens mas também às mudanças do

vida; ele vê emergir dali uma mulher fan-

convir que a balança pende para o segundo

parece caminhar para o colapso.

mundo natural, à passagem das estações

tasmagórica e sem mácula, ‘mais sensual

elemento de cada um desses binômios, des-

O filho Shuichi mantém um caso extracon-

(fortemente marcada), aos detalhes de im-

do que uma mulher de verdade’.

fiando a teia de relações convulsas de onde

jugal com uma viúva da guerra. Enquanto

pressões sutis.

Então se pergunta se fora a máscara que

brotam os sonhos e os pesadelos.

Shingo se compadece da nora, trata com

Esse procedimento narrativo já se entrevê

se convertera em uma mulher real ou o

certa frieza a filha Fusako, que um dia

no título. No início do romance, Shingo

contrário: ‘Tudo seria uma revelação do

MARCELO PEN é professor de teoria literária

aparece em casa arrastando as duas filhas

julga ouvir o som de um morro situado

momento?’.

na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências

pequenas. Ela está em desavença com o

atrás de sua residência. O ruído, como

Enquanto deixa exposta na parede uma

Humanas da USP.

marido, que também a trai, além de ser

um prenúncio da morte, infunde-lhe uma

outra máscara, adquirida na mesma ocasião,

viciado em drogas.

sensação de terror. O pai de sua mulher

Shingo guarda a do adolescente ‘no fundo

Parece o enredo de um melodrama natu-

teria ouvido o mesmo ressoar pouco

do armário, como se fosse um segredo’.

ralista, mas não podemos esquecer que o

antes da irmã dela falecer. Como Shingo

realismo expresso neste romance do Prêmio

fora (e continuou sendo) apaixonado por

quase inaudíveis e bastante particulares, Tradução: Meiko Shimon

Nobel Yasunari Kawabata (1899-1972) vem

essa cunhada, seu casamento não deixa

parecem forçar a casca da sociedade japo- Editora: Estação Liberdade

calcado na tradição artística nipônica: desde

de ser um substituto rebaixado de seu

nesa recém-egressa da Segunda Guerra e, Quanto: R$ 53 (344 págs.)

os retratos da vida cotidiana captados nas

amor de adolescência.

portanto, ferida, de certo modo ressentida Avaliação: ótimo

O SOM DA MONTANHA

Esses segredos inquietantes, esses sons Autor: Yasunari Kawabata


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Seus Direitos e Deveres

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colunadoconsumidor@yahoo.com.br

Mudanças nas regras do divórcio GUSTAVO ANTÔNIO DE MORAES MONTAGNANA/ GABRIELA DE MORAES MONTAGNANA

É constante a elevação das taxas de divórcio no Brasil. Esse fato revela uma gradual mudança de comportamento da sociedade brasileira, que passou a aceitar o divórcio com maior naturalidade. Isso vem somado a desburocratização dos procedimentos, a exemplo da Lei 11.441/07, que permite aos cônjuges realizarem a dissolução do casamento, através de escritura pública, em qualquer tabelionato do país, desde que o casal não possua filhos menores.

O acesso a justiça também é simples. Está em andamento um projeto de emenda constitucional (PEC nº 28/2009), que altera a redação do § 6º do art. 226 da Constituição Federal, o qual dispõe sobre o divórcio. O conteúdo da emenda estabelece que o casamento civil poderá ser dissolvido pelo divórcio consensual ou litigioso. A proposição elimina o prazo de dois anos para o divórcio direto, quando os cônjuges podem se separar definitivamente sem a necessidade prévia

da separação judicial. Pela redação atual do aludido artigo o casamento pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos. O Projeto de Emenda à Constituição deixa de contemplar a separação judicial, permanecendo apenas o divórcio como instrumento eficaz para por fim ao casamento. Vale frisar que o projeto ainda esta em andamento e atualmente, a dissolução do casamento só pode ocorrer se os cônjuges forem casados há pelo menos um ano, devendo ser antecedida de prévia separação judicial. Após um ano da separação, os cônjuges podem pedir sua conversão em divórcio. Podendo valer-se do divórcio direto apenas se estiverem separados a mais de dois anos. A intenção do legislador em fixar o período de dois anos como condição do pedido de divórcio, é de que os separandos reflitam sobre o fim das núpcias. Após um ano, confirmada a real intenção de dissolver o casamento, devem então, proceder ao pedido de conversão da separação em divórcio, estando, assim, liberados para contrair novo casamento. O propósito da emenda, como pode se constatar, é facilitar a dissolução do casamento. A submissão a dois processos judiciais (separação judicial e divórcio por conversão) resulta em acréscimos de despesas para o casal, além de prolongar sofrimentos evitáveis. Além disso, a alteração evitará que a intimidade e a vida privada dos cônjuges e de suas famílias sejam reveladas e trazidas ao espaço público dos tribunais, provocando, por vezes constrangimentos, contribuindo para o agravamento de suas crises e dificultando o entendimento necessário para a melhor solução dos problemas decorrentes da separação. Ante a tais considerações, com a aprovação da emenda, certamente o número de divórcios crescerá, haja vista que o processo será facilitado e a exigência de separação judicial por um ano para a conversão em divórcio não mais existirá, bem como a necessidade de aguardar o decurso de dois anos da separação de fato. Dissolver o casamento se tornará muito fácil. Contudo, apesar de ser elevado o número de separações, como referido, o número de casamentos é ainda

superior. O casamento ainda é visto como o meio formal das uniões. Não se pode ignorar, porém, o crescimento, nos últimos anos, das uniões informais (união estável). Vale destacar, que, embora a Constituição Federal, tenha reconhecido a união estável como entidade familiar, ela difere ainda, em alguns aspectos do casamento, especialmente no que tange a sucessão, havendo diferença de tratamento entre a esposa (o) e a companheira (o). Pode-se dizer que a esposa (o), em caso de morte possui posição privilegiada com relação a companheira (o). A identidade entre o casamento e a união estável pode ser verificada pelo regime de bens, já que, salvo pacto nupcial entre os cônjuges ou contrato escrito entre os companheiros, o regime que vigora é o da comunhão parcial. Cumpre ressaltar, que embora a constituição da união estável seja mais simples do que o casamento, haja vista que é desnecessária a fase de habilitação seguida da celebração civil, o processo de dissolução exige intervenção do Poder Judiciário. Nesse ponto, a união estável vem com um requisito a mais, já que antes de ser dissolvida, precisará ser reconhecida. Isso significa que os companheiros, terão que comprovar a existência da união, o que por vezes se torna difícil, para posteriormente requerer a dissolução, com a conseqüente partilha dos bens e definição de pensão alimentícia. O casamento, ao contrário, é provado com a exibição da Certidão de Casamento e pode ser dissolvido extrajudicialmente quando o casal não possuir filhos menores de 18 anos. Pode-se afirmar que sendo a nova regra aprovada, não será causa do caos familiar e do fim dos casamentos, pois, ainda persistem os ensinamentos de que um casamento se faz com amor e com afeto. Trata-se do princípio da affectio maritalis que ainda une pessoas e mantém um casamento vivo. Por derradeiro, a PEC 28/2009, sendo aprovada, irá dar fim a prática corriqueira de diversos casais que incentivam amigos a praticarem falsos testemunhos, com o objetivo de fazer prova para a exigência da lei, no que tange ao prazo de 2 anos para o divórcio direto. Até a próxima!!

Advogados Gustavo Antônio de Moraes Montagnana OAB/ SP 214.810 Gabriela de Moraes Montagnana OAB/ SP 240.034


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Andam Dizendo roberto@espacorenovo.org.br

Até quando, SENHOR? Para sempre te esquecerás de mim? Até quando esconderás de mim o teu rosto? Até quando terei inquietações e tristeza no coração dia após dia?...”Eu, porém, confio em teu amor; o meu coração exulta em tua salvação.” Quero cantar ao SENHOR pelo bem que me tem feito. Salmo 13 ROBERTO FERREIRA

O livro dos salmos é um universo de 150 poemas que registra diários de orações individuais e comunitárias. São orações feitas a Deus. Eugene Peterson diz que 70% dos salmos são lamentos e apenas uma minoria falam de louvor e ações de graça. Essas duas categorias correspondem às duas principais condições que nos encontramos: angústia e bem-estar. O estilo literário utilizado para a construção dos salmos é a poesia. Philip Yancey diz que a função da poesia não é explicar, mas oferecer imagens e histórias que estejam em ressonância com a nossa vida. O desejo de registrar o que sentimos pode ser visto também em nossa cultura. Por exemplo, a música EVEREBORY HURTS, da banda nova iorquina REM, lamenta ao constatar, como Davi no salmo 13, que o sofrimento faz parte da biografia de todos nós. Os salmos nos ajudam a equalizar o que cremos sobre a vida (nossa confissão de fé) com o que de fato encontramos na vida (o

dia-a-dia). É um mosaico que registra diários pessoais e comunitários de pessoas que tentaram construir uma caminhada de fé íntegra. Nas janelas desse mosaico, encontramos um contraste de alegria e tristeza, convicção e dúvida, esperança e crise, dor e conforto, decepção e realização, amizade e traição, acolhimento e indiferença. Note que talvez a razão pela qual os salmos encantem o nosso coração é que essas orações expressam o que muitas vezes dizemos, sem expressar uma única palavra. Ao lermos os salmos, vamos construindo uma gramática para a vida. Em meio aos caminhos e descaminhos da vida, o salmista vai identificando rotas, sinais, valores e referenciais. A constatação é que a vida só faz sentido se ela é construída a partir de Deus. Soren Kierkegaard disse que a maior realização de um ser humano é a de deixar Deus ajudá-lo. Nos salmos fica claro que Deus nos ouve e deseja ser ouvido por nós. Geralmente oração é definida como falar com Deus. Os salmos

mostram uma realidade diferente; oração é um ato interativo: “falar converge com ouvir”. Por exemplo, o salmo 19 é uma percepção do salmista dos canais que Deus utiliza para nos falar dele e de seus planos: a sua palavra, a bíblia, e a criação. Essa relação de ouvir e falar, falar e ouvir, produz princípios que sustentam a nossa caminhada e nos desafiam anos submetermos à direção do nosso Deus. A nossa cultura autônoma e individualista acredita que cada um de nós seja o centro do universo. Em outras palavras, o mundo só acontece quando acordamos e pisamos no chão, de preferência com o pé direito. Na perspectiva da espiritualidade cristã nós reagimos ao agir de Deus em obediência e fé, conscientes da nossa dependência dele como o centro de tudo e todos. A palavra inúmeras vezes traduzida do Novo Testamento como fé tem origem em um vocábulo antigo que significa literalmente “confiar”. Fé é a profunda convicção de que Deus é bom e que a sua bondade triunfará de algum modo.

Fé é essa confiança pessoal e íntima, pela qual você pode dizer: “Eu me entrego em tuas fortes e amorosas mãos”. Esperança é diferente de otimismo e de fatalismo. É um convite para viver a vida pela perspectiva de kairos (oportunidade, o olhar na eternidade) e não exclusivamente por kronos (história, tempo cronológico). Em uma cultura performática, funcional, construída no desempenho narcotizante que produz sistematicamente personas, que simulam vidas, o livro de salmos nos desafia à ouvir a Deus, expressar a ele os nossos sentimentos e nos submeter aos seus valores e princípios. Citando Henri Nouwen, concluo: os salmos nos convidam a fazer parte daqueles que estão voltando para casa, para o abraço do Pai, percebendo que a vida só pode ser vivida a partir dele. Roberto Ferreira Teólogo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie–SP, é pastor da Comunidade Presbiteriana Renovo, em Bragança Paulista-SP.


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