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Absolvição de acusados de executarem Cabo Gonçalves em 1996 pode anular julgamento do Coronel Cavalcante

Ex-militar é o único condenado pelo crime que completa 27 anos em maio

JOSÉ FERNANDO MARTINS josefernandomartins@gmail.com

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Oex-tenente-coronel Manoel Francisco Cavalcante, mais conhecido como Coronel Cavalcante, está cada vez mais próximo de se livrar da condenação pela morte de José Gonçalves da Silva Filho, o Cabo Gonçalves, crime ocorrido em 9 de maio de 1996. Na última quarta-feira, 25, o Tribunal do Júri absolveu cinco réus, a maioria ex-policiais militares que integravam a temida Gangue Fardada e foram apontados como os autores materiais da execução que chocou Alagoas há quase 27 anos. Cabo Gonçalves foi alvejado por mais de 40 dos cerca de 70 tiros disparados contra ele quando ia abastecer seu veículo no Auto Posto Veloz, localizado na Avenida Menino Marcelo, em Maceió. Condenado a 21 anos de reclusão em 22 de agosto de 2019, Cavalcante aguarda desde então o julgamento de sua apelação contra a sentença proferida pelo Juízo da 7ª Vara Criminal da Capital. E tem conquistado avanços.

Manoel Cavalcante conseguiu habeas corpus para aguardar o recurso em liberdade, cumprindo a prisão domiciliar por progressão de regime em relação a outras seis condenações. E, coincidência - ou não - o relator do recurso, desembargador João Luiz Azevedo Lessa, movimentou a apelação no mesmo dia em que o Tribunal do Júri absolveu os réus Eufrásio Tenório Dantas (Cutita), Valdomiro dos Santos Barros, Talvane Luiz da Silva, José Luiz da Silva Filho e Daniel Luiz da Silva por falta de provas.

Lessa encaminhou os autos do recurso e seu relatório no início da tarde de quarta-feira ao desembargador revisor Celyrio Adamas- tor Tenório Accioly. O caso será avaliado pela Câmara Criminal do Tribunal de Justiça.

Ao EXTRA, o promotor Dênis Guimarães, que representou o Ministério Público de Alagoas (MPAL) no julgamento dos cinco réus ao lado do promotor Thiago Riff, admitiu a possibilidade de o ex-militar ser beneficiado. “É possível, talvez, que na avaliação desse recurso leve-se em consideração os vereditos dos demais julgamentos que foram precedidos em processos acessórios, como o que aconteceu hoje (quarta). Mas não temos como afirmar quanto será esse envolvimento e a influência desse resultado no recurso apresentado por ele”, destacou.

Ainda segundo o promotor, a defesa de Cavalcante se escora na tese de imprestabilidade dos depoimentos do condenado. A defesa do ex-tenente-coronel também requer o reconhecimento de nulidade do júri pela participação de uma estagiária do Ministério Público no Conselho de Sentença; o reconhecimento de nulidade por cerceamento de defesa, ante a não aceitação da delação proposta, e o redimensionamento da pena.

REPRODUÇÃO TV GAZETA RG do cabo morto com mais de 40 tiros em 1996; Cavalcante ao depor esta semana no júri

MARTINS

Cavalcante também participou do julgamento dos cinco réus prestando depoimento na terçafeira, 24, primeiro dia do júri que ocorreu no Fórum do Barro Duro, em Maceió e foi presidido pelo juiz Yulli Roter.

Cavalcante alega conchavo

O Coronel Cavalcante depôs como declarante, já que é réu pelo mesmo crime, reafirmando ser inocente e que foi enganado pelas autoridades. Disse que foi convidado pela Polícia Federal a assumir a autoria do crime - delatando nomes e o modus operandi do assassinato - com a garantia de que seria beneficiado com a liberdade, uma vez que o sistema queria comprometer três deputados supostamente envolvidos no assassinato do Cabo Gonçalves: João Beltrão, Francisco Tenório e Antônio Albuquerque. Beltrão, já falecido, foi absolvido da acusação em 2017. E tanto Tenório quanto Albuquerque foram descartados do processo por falta de provas.

Quando questionado pelos promotores se teria havido uma reu- nião prévia na fazenda do deputado Antônio Albuquerque para planejar a execução de Cabo Gonçalves, Cavalcante foi direto: “Essa reunião, se ela mesmo aconteceu, foi o que eles trouxeram para mim. Tudo isso fez parte de uma estratégia contra os três deputados”.

Em entrevista à imprensa, dias após ter sofrido um atentado, Gonçalves acusou Cavalcante de executar vários crimes a mando do deputado João Beltrão.

Defensor dos réus Talvane Luiz da Silva e José Luiz da Silva Filho, o advogado Leonardo Morais ressaltou ao EXTRA que o depoimento de Cavalcante foi parte essencial para a absolvição. “Ele modificou completamente o depoimento que ele mesmo havia prestado. Alegou que foi forçado a prestar o depoimento em 2008. Ele deixou claro que foi forçado a prestar depoimento, que estava há quatro anos sem ver a sua família e os seus filhos, que ficava meses sem sequer ter banho de sol e que não teve a oportunidade de ser acompanhado por advogado de sua confiança. O depoimento prestado em 2008 é coberto de vícios. Acabou com toda a acusação.”

Gangue Fardada

Irmã relembra o crime

Ana Maria Valença, irmã da vítima, deu detalhes sobre o drama que acometeu sua família. A testemunha declarou que chegou a ouvir João Beltrão ameaçando seu irmão, que estava se recuperando de um tiro que tinha levado em uma tentativa de execução em Arapiraca. Contou que Beltrão foi até a casa da família onde Gonçalves estava se recuperando e disse: “Você não morreu. Mas enquanto eu viver, o serviço será terminado”. O motivo da ira de Beltrão teria sido desobediência. O deputado estadual teria encomendado ao cabo, em 1987, a morte do então prefeito de Coruripe Enéas Gama, o que foi rejeitado por Gonçalves que, desde então, ficou com a “cabeça a prêmio”, precisando inclusive sair de Alagoas para se proteger.

Vice-prefeito muda versão

A testemunha José Enéas da Costa Gama, filho do ex-prefeito Enéas Gama, alvo de João Beltrão, foi questionado pelos promotores sobre a suposta encomenda de assassinato. Gama, que hoje é vice-prefeito de Coruripe e aliado dos Beltrão, declarou não ter ouvido o pai, à época, comentar sobre o fato de ter alguma animosidade contra o parlamentar. O relato foi rebatido pelo Ministério Público, já que o vice-prefeito teria dito justamente o oposto quando ouvido de outras vezes. Atualmente, a Prefeitura de Coruripe está sob a gestão de Marcelo Beltrão, sobrinho de João Beltrão.

O que disseram os réus

Eufrásio Tenório Dantas

Conhecido como Cutita e dono de um ferro-velho na época do crime, afirmou ser inocente e que foi envolvido no caso após ter um problema pessoal com o Coronel Cavalcante. “Fui testemunha de um processo dele e ele ficou com raiva achando que o depoimento que dei o prejudicou”, contou, acrescentando nunca ter conhecido o Cabo Gonçalves. Hoje é secretário de Infraestrutura e Obras de Piaçabuçu, que tem como prefeito Djalma Beltrão.

Valdomiro dos Santos Barros

Ex-militar, Valdomiro dos Santos Barros disse ter sido condenado pelo assassinato, em 1991, do delegado Ricardo Lessa, irmão do atual vice-governador Ronaldo Lessa. Afirmou nunca ter trabalhado para João Beltrão e que é inocente em ambos os casos: Ricardo Lessa e Cabo Gonçalves. Contou também que era amigo de Cavalcante: “Hoje não posso considerar mais isso”. Vale destacar que os promotores, nas alegações finais ao júri, pediram a absolvição de Valdomiro por falta de provas no caso referente ao Cabo Gonçalves.

Talvane Luiz da Silva

Irmão dos outros dois réus: José Luiz da Silva Filho e Daniel Luiz da Silva. Talvane declarou que foi tenente da Polícia Militar, mas expulso da corporação por deserção. Atualmente é servidor público de Coruripe. Contou que trabalhava com João Beltrão e, que em 2017, levava o deputado para fazer hemodiálise e quimioterapia. Mas afirmou que na época do crime, sua relação com Beltrão era rasa e esporádica.

Foi também citado no caso da morte de Pedro Daniel de Oliveira Lins, o Pedro Arapiraca, suposto desafeto de João Beltrão. Talvane teria participado do assassinato que aconteceu em 2001, no Tocantins. Pedro Arapiraca era sogro do deputado Ricardo Nezinho e morava em Arapiraca, mas era vizinho de terras do deputado João Beltrão em Taguatinga, no Tocantins.

Beltrão teria débito de R$ 54.208 com a vítima referente à compra de 337 cabeças de gado. No inquérito foi apurado que o valor total da compra era de R$ 82.500,00, mas o deputado só pagou R$ 28.292,00. Um mês antes de ser morto, Pedro Arapiraca havia ajuizado uma ação de cobrança contra o deputado.

José Luiz da Silva Filho

Ex-PM disse não saber o motivo de estar envolvido no processo como réu. Disse que conhecia o Coronel Cavalcante, mas que não tinha vínculo de amizade. Foi segurança do deputado João Beltrão e chegou a receber o parlamentar em sua casa para fazer viagens. Detalhou que como militar fazia a segurança da Assembleia Legislativa, que designava PMs para fazer a segurança de deputados. Em 2008 foi condenado pelo assassinato do coordenador de Arrecadação Tributária da Secretaria da Fazenda, Silvio Viana, crime ocorrido no dia 28 de outubro de 1996. À época, Silva Filho arrolou Beltrão como testemunha de defesa. Segundo o ex-militar, ele estaria com o parlamentar no momento do assassinato do tributarista. Acusou Cavalcante de envolvimento na morte de Viana e de ter planejado o assassinato de Ébson Vasconcelos, o Êto, principal testemunha contra o ex-tenente-coronel no processo da morte do tributarista.

Êto foi executado com três tiros na cabeça, no Centro de Maceió, no início da tarde do dia 9 de novembro de 2002.

Daniel Luiz da Silva

Expulso da PM em 1998, hoje é comerciante e vende gás de cozinha. “Conheço o Coronel Cavalcante. Ele estava sendo acusado de receptação de veículo e pediu para dizer que eu que tinha vendido o carro a ele. Eu não quis”, afirmou, acrescentando que nunca trabalhou com João Beltrão e que soube da morte do Cabo Gonçalves apenas pela imprensa. Foi acusado da morte do bancário Dimas de Holanda Fonseca, morto a tiros no dia 3 de abril de 1997 em frente a um ponto de ônibus em Maceió. Vale destacar, que à época, o Ministério Público citou em sua denúncia também os réus Valdomiro dos Santos Barros e Eufrásio Tenório Dantas pela morte de Holanda. O crime teria sido cometido porque a vítima estava tendo um caso com uma suposta amante de João Beltrão.

Gangue Fardada

Sentença

Após dois dias de julgamento, terça e quarta-feira, os sete integrantes do Conselho de Setença do Tribunal do Júri absolveram os cinco réus. “Julgo improcedente a pretensão punitiva do Estado absolvendo os réus das imputações penais que lhes foram feitas neste processo. Revogo todas as medidas cautelares impostas aos réus. Não há prisão preventiva decretada. Após o trânsito em julgado, providencie-se a destruição de armas e munições eventualmente apreendidas neste processo”, assinalou na sentença o juiz Yulli Roter Maia.

O Ministério Público afirmou que vai reavaliar o caso para decidir se entrará ou não com recurso contra a decisão do júri.

Gangue Fardada

Tendo como principal liderança o ex-tenente-coronel Manoel Francisco Cavalcante, a Gangue Fardada era formada por policiais militares e ex-policiais de Alagoas e atuou durante no final dos anos 80 e início dos anos 90 em crimes de homicídio, assaltos, roubos de carga e sequestros no estado. Seus integrantes, a maioria a serviço de políticos, foram presos durante o governo de Manoel Gomes de Barros, em 1998.

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